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O mundo das cervejas artesanais começa a borbulhar O mercado português de cerveja é dominado por dois gigantes, mas não é desse negócio de milhões que se fala quando se ouvem histórias dos que, primeiro em casa, depois em pequenas fábricas, se envolvem no fabrico de cerveja artesanal. Actores incontornáveis no cenário cultural e empresarial de muitos países, as microcrevej eiras são ainda uma raridade em Portugal. Mas o sector está a mexer. Luis Francisco (texto) e Manuel Roberto (fotos) elos vistos, é fácil. E o investimento, pelo menos ao nível amador, é mais de tempo do que financeiro. A recompensa pode ser muito gratificante. E até pode abrir perspectivas de negócio numa altura em que a vida anda difícil para quase todos. Então como é que se explica o facto de haver tão pouca gente a fazer cerveja artesanal no nosso país? Agora que o Verão se instala em força, as grandes marcas estão a funcionar a todo o vapor, mas não é tanto para esse lado que vamos olhar. Vamos à procura das alternativas. Em alguns países e regiões da Europa, seria fácil. Em Portugal, é preciso procurar bem para encontrar os cervejeiros que produzem à escala micro. Em volume de negócios, a Uni- cer (49%) ea Sociedade Central de

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O mundodas cervejasartesanaiscomeça aborbulharO mercado português de cerveja é dominado pordois gigantes, mas não é desse negócio de milhõesque se fala quando se ouvem histórias dos que,primeiro em casa, depois em pequenas fábricas, seenvolvem no fabrico de cerveja artesanal. Actoresincontornáveis no cenário cultural e empresarial demuitos países, as microcrevej eiras são ainda umararidade em Portugal. Mas o sector está a mexer.Luis Francisco (texto) e Manuel Roberto (fotos)

elos vistos,é fácil. E o investimento, pelo menosao nível amador, é mais de tempo do

que financeiro. A recompensa podeser muito gratificante. E até podeabrir perspectivas de negócio numaaltura em que a vida anda difícil paraquase todos. Então como é que se

explica o facto de haver tão poucagente a fazer cerveja artesanal nonosso país? Agora que o Verão se

instala em força, as grandes marcasestão a funcionar a todo o vapor,mas não é tanto para esse lado quevamos olhar. Vamos à procura dasalternativas. Em alguns países e

regiões da Europa, seria fácil. EmPortugal, é preciso procurar bempara encontrar os cervejeiros queproduzem à escala micro.

Em volume de negócios, a Uni-cer (49%) e a Sociedade Central de

Cervejas (48,7%) esmagam comple-tamente a concorrência no mer-cado interno. Sobram apenas 2%

para todos os outros operadores,um cenário que pode ser compli-cado para grandes empresas, mas

que se torna irrelevante para os

pequenos produtores, sejam elescaseiros ou de pequenas unidadesindustriais. Estamos a falar de uni-versos diferentes. Toda a produçãomensal da Sovina, talvez a maisdivulgada das cervejas artesanaisportuguesas, corresponde apenasa pouco mais de dois minutos de

laboração da fábrica da SociedadeCentral de Cervejas em Vialonga,que pode produzir 440 milhões delitros por ano.

Mas não é no campeonato dosnúmeros que os microprodutoresquerem jogar. O que todos, em

uníssono, salientam é a superiorqualidade de um produto que, exac-tamente por não ser massificado,só se pode impor pela diferença.Para melhor. "Não concorremoscom as cervejas industriais", sinte-tiza Arménio Martins, um dos três

cervejeiros que dão corpo à Sovina,do Porto. "Isto é um nicho." Mascom tendência para crescer: "Commais projectos, as pessoas passarãoa encontrar mais facilmente cerve-jas artesanais e desse contacto podenascer uma fidelidade".

0 grande trabalho, portanto, paraestes "pioneiros" é divulgar as cer-

vejas artesanais. A Sovina nasceuem Setembro de 2011 e já garantedistribuição por vários estabele-cimentos, de hotéis a merceariasgourmet, passando por restauran-tes e bares. "A nossa capacidade de

produção não chega a 2000 litros

por mês... para alargar o mercadoprecisamos de produzir mais", ex-

plica Arménio Martins. É esse o pro-jecto para 2013, com uma mudançade instalações no horizonte.

Arménio, 48 anos, designer,Pedro Sousa, 31, informático, e Al-berto Abreu, 64, informático, ini-ciaram a sua actividade no meio háuns três anos e meio, contagiadospelo entusiasmo do último, "que játem o bichinho há 20 ou 30 anos".Visitaram cervejarias pela Europa,fizeram estágios, acabaram mesmopor comprar material em Lisboa e

começaram a fazer experiências ea procurar receitas. Desse trabalhoretiram agora dividendos: "Temosquatro cervejas permanentes, umaamber, uma helles, uma stout e umaindia pale, e fazemos outras sazo-

nais. E ainda há mais três ou quatroque eram excelentes e que quere-mos muito fazer", explica ArménioMartins.

O que os homens da Sovina ain-da não conseguiram foi produzir e

comercializar no mesmo local, umafilosofia que está na base de outrosdois projectos: a Vadia, de Ossela,Oliveira de Azeméis; e a Praxis, deCoimbra. A primeira distribui tam-bém para outros estabelecimentos,a segunda canaliza a sua produçãopara consumo dentro de portas. À

espreita está pelo menos mais uma"concorrente", a Cerveja Artesanaldo Minho, cujos mentores, FilipeMacieira e Francisco Pereira, am-bos de 27 anos e doutorandos daUniversidade do Minho na área da

Biotecnologia (com enfoque nasfermentações), têm feito à voltade 300 litros por mes, mas apenaspara "estudos de mercado". Estão

prestes a concretizar o objectivo de

passar a produzir para consumointerno numa casa, "não um bar,nem restaurante, mas um espaçode degustação", que será, tambémum núcleo museológico.

"São antigas casas de moleiros,com cerca de 200 anos, onde exis-tem infra-estruturas a funcionar pelaforça motriz da água e que serãoutilizadas na fábrica de cerveja",explica Filipe, convicto de que este"conceito diferenciado" vai ser umsucesso. "Não é só a cerveja. É a ex-

periência única de um local assim,onde a cerveja é feita. E, vendendotambém em barril e garrafas emsuperfícies comerciais, estaremosa despertar nas pessoas a vontadede visitar o local."

Beber menos, beber melhorÉ claro que a crise não passa ao ladodesta gente, para mais num sectoronde o mercado tem encolhido deforma dramática: o consumo médiode cerveja em Portugal desceu de 61

litros per capita em 2008 para núme-ros que deverão rondar os 50 litroseste ano. Há mais de duas décadas

que não se bebia tão pouca cervejaem Portugal. Os grandes actores do

mercado, que exportam uma parteimportante da sua produção, estão

atentos. Mas os microprodutores,mais uma vez, estão num campeo-nato à parte.

Para Pedro Batista, 32 anos, sócio-

gerente (com Márcio Ferreira, 30anos) da cervejaria Praxis, o piorjá ficou para trás. Por se tratar deuma área de negócio sem tradiçãoem Portugal - e também devidoas próprias idiossincrasias do en-quadramento legal português -,a produção artesanal de cerveja é

uma actividade que enfrenta umcaminho legal muitas vezes tortuo-so. "0 empreendedorismo é muitasvezes travado pela burocracia. Háum timing de motivação de quemavança com um projecto, mas asautoridades moem a paciência de

quem tenta avançar..."A ideia de instalar uma fábrica de

cerveja no meio da cidade de Coim-bra esbarrou em detalhes legais."Tínhamos de ir para um parqueindustrial, mas aí não teríamos clien-

tela...", recorda Pedro. Coimbra, queperdera a Topázio, ganhou a Praxis

apenas porque o pai de Pedro Ba-tista, também sócio da cervejeira,tinha "outros negócios que permi-tiram aguentar a ideia". A ideia tem14 anos, a produção ja tem nove oudez, mas "apenas para amigos". Acasa abriu ao público apenas "há três

anos e meio".Pedro e Márcio partilham a forma-

ção em gestão e na área da produ-ção de cerveja e o primeiro garanteque já há "clientes fiéis" da Praxis. A

produção pode atingir os 4000 litrossemanais agora no Verão (no Inverno

pode descer até aos 1000) e, a estadimensão, a Praxis cervejaria "deveser caso único no país". Em tempos,a Lusitana produziu a sua própriacerveja, tal como a República da Cer-

veja ou a Day After, em Viseu, mastudo isso é agora passado. E, se pen-sarmos no passado, convém lembrar

que ainda hoje é visível, em Lisboa,junto à cervejaria Portugália, o es-

paço da antiga fábrica da Imperial,criada em 1912 - em mais de metadedo pais, "imperial" é denominaçãocomum dado ao copo de cerveja à

pressão. Esta infra-estrutura foi umadas englobadas na Sociedade Centralde Cervejas, quando da sua criação

em 1934.Se para a generalidade dos prota-

gonistas destes projectos, para lá do

gosto pela cerveja, houve em algumaaltura um contacto próximo com arealidade europeia, no caso da Vadiao argumento do filme é ligeiramentediferente. Foi a realidade europeiaa vir ter com eles. Nuno Marques,34 anos, engenheiro electrónico e

professor de informática, e VictorSilva, 40 anos, director de uma em-

presa informática colocado em Lu-anda, foram "contaminados" pelofrancês Nicolas Billard, 39 anos, quefoi trabalhar para Vale Cambra em1998, como director de projectos ?¦< de uma multinacional de metalo-mecânica. Com ele, Nicolas trouxe o

"bichinho da produção artesanal":

"Começámos a experimentar, pas-sávamos as tardes de sábado a fazer

cerveja", recorda Nuno Marques.No princípio, eram apenas "20

litros, numa panela normal de cozi-nha". Depois, alimentada pelos elo-

gios dos que provavam, a ambiçãofoi crescendo. "Avançámos para os100 litros, é como um vício, quantomais fazemos mais queremos fazer",confessa Nuno. A história iniciadaem 2007 acelerou após uma festaem Vale de Cambra onde o produtoesgotou e sobrou entusiasmo. "O

processo de licenciamento foi inicia-do em 2008 e só ficou concluído emJaneiro deste ano. Há um emprésti-mo para pagar e temos de produzircerveja para o pagar..."

Tal como noutros casos paralelos,a primeira barreira a ultrapassar éburocrática. Depois vêm os hábitosde consumo e a falta de contactodos portugueses com o mundodas cervejas artesanais. "É precisoexplicar este produto às pessoas.Passe a comparação, é como umqueijo fresco... não se compra paraguardar por muito tempo", lembraNuno Marques. Mas, se o prazo devalidade é menor, a qualidade podeandar muitos passos à frente da das

propostas industriais.O processo industrial procura

criar a melhor cerveja possível tendoem atenção a estrutura de custos. O

processo artesanal procurar criar amelhor cerveja possível. Em termos

simplistas, é assim que se pode defi-nir, à partida, a diferença entre estasduas realidades. O artesão, mesmo

que se torne um comerciante, sabe

que só pela diferença e pela qualida-de pode conquistar algum espaço.E, afinal, "o segredo da cerveja estána simplicidade com que se faz e naqualidade das matérias-primas",enuncia Pedro Batista, da Praxis.

Se os grandesprodutorespadronizam oseu produto, osartesanaistêmgozo em procurarsubtis novidades"É precisoexplicar esteproduto àspessoas. É comoum queijo fresco...não se comprapara guardar pormuito tempo",lembra NunoMarques

Cerveja em quatro passosEntão, como se faz? Para começar, jáhá lojas dedicadas a esta actividade

que podem aconselhar os candida-tos a cervejeiros e fornecer todos os

materiais e produtos necessários.Basicamente, existem quatro pas-sos no fabrico de cerveja artesanal: a

moagem dos cereais (e este pode seranulado se comprarmos a matéria-

prima já preparada), a elaboração domosto (com água quente extraem-seos açúcares fermentáveis do malte),a sua fervura (é acrescentado o lúpu-lo, depois retirado, e o mosto é arre-fecido) e a fermentação. Se até aqui o

processo levou horas, a fermentaçãomede-se em semanas.

Ao contrário das suas parentesindustriais, as cervejas artesanaisnão são filtradas (daí mostrarem-se, normalmente, mais turvas) nempasteurizadas. A água utilizada, os

cereais, eventualmente outros "con-dimentos" que sejam acrescentados,tudo isso mexe com o sabor final.Bem como a duração da fermenta-ção e as condições em que decorre.Mesmo à escala industrial, cada cubade cerveja é um produto único. Masse os grandes produtores se preocu-pam em padronizar o seu produto,

para os artesanais há mesmo umcerto gozo em ir procurando subtisnovidades.

E há até quem extraia deste rol deactividades e rotinas um sentido mais

metafísico, digamos assim. AfonsoCruz, escritor (o seu último romancechama-se, apropriadamente, JesusCristo Bebia Cerveja), cineasta deanimação, ilustrador e agricultorcomeçou a fazer cerveja por hobby,atraído pelo que lera "num livro doséculo XVI em que um monge falado fabrico da cerveja como métodofilosófico". Para ele, "de facto, ?

¦< numa altura em que tanta gentevai perdendo a sua componente físi-

ca, por causa do trabalho sedentário,a cerveja tem um método e proces-sos que podem ser interpretados deoutras maneiras".

Afonso e o cunhado, Miguel Lima,fazem uma cerveja morena com 8,3°de álcool, a Vale da Vaca, que embreve vão começar a comercializar.Para isso, terão de aumentar a sua

capacidade de produção para pertode 1000 litros por semana - e estãoneste momento a "construir e criarmáquinas que facilitem o trabalho".Também eles enfrentarão um mer-cado pouco receptivo: "Somos umpaís de vinho. Ninguém entra numbar ou num restaurante e pede 'umvinho'... Mas com a cerveja é o queacontece. Noutros países, quando

pedimos uma cerveja, temos dedizer qual." Ele prefere cerveja. E

explica porquê: "Um mau vinho é

intragável, uma má cerveja não. Ea cerveja caseira é melhor do que aindustrial. Só se a coisa correr muitomal é que sai pior..."

Arménio Martins não recusa umacerveja industrial, "um bom refres-

co, mas que não passa daí". "À faltade melhor, até bebo", admite, porseu turno, Nuno Marques da Vadia."Mas se bebermos outro tipo de cer-

vejas, com outro cuidado, composi-ção, é difícil beber cerveja industriale ficar satisfeito."

Se a ideia é procurar sabores, aro-mas, corpo, então a resposta estána cerveja artesanal e na imensavariedade que pode proporcionar.Aliás, só a inexistência de um sec-

tor minimamente representativoa este nível explica que tenhamsido as próprias gigantes cervejei-ras a lançar produtos alternativos,como a Bohemia, a Sagres PretaChocolate, a Sagres Puro Malte,a Abadia, a Super Bock Stout, a

Super Bock Classic. E por aí fora.Mas algo está a mexer. Em tempo

de crise, é difícil dizer às pessoasque terão de pagar mais, porque,naturalmente, as cervejas artesa-nais são mais caras. Só que o grandedesafio é a novidade e são cada vezmais os sinais de que muita genteprocura fugir à massificação. Para

começar, nota-se um maior inte-resse dos candidatos a produtores,atraídos por um "mundo fascinan-

te, como a cozinha, em que dá para

Há mais de duasdécadas quenão se bebia tãopouca cerveja emPortugal

fazer tudo, inventar e

reinventar...", descre-ve Arménio Martins,Na loja que gerem emparalelo com a SovinaArménio e os sócios têmnotado um aumento da pro-cura. "É como um barómetrodo entusiasmo."

E pode ser, também, umaactividade económica interes-

sante, capaz de reavivarterras e tradições. Napequena aldeia onde aVadia é produzida, eonde no próximo dia28 haverá um festivalde música regada a

cerveja artesanal, as

pessoas viram che-

gar uma fábrica e umacervejaria. "É gente jáde idade, podiam terreagido mal, mas não,acarinharam-nos sem-

pre", recorda NunoMarques. "E é tam-bém para divulgar aterra que organizamoso festival", acrescen-ta. Um pouco comoaconteceu com Fonted'Aldeia, Miranda doDouro, onde há poucotempo a associação localSartigalhos Palgrinos, queproduz a Sarti, organizou o pri-meiro concurso ibérico de cervejasartesanais.

Serão estes sinais de que vem aíuma era diferente, uma época em

que poderemos encontrar cervejasartesanais sem ter de andar a pesqui-sar na Internet? Quem já anda nistomostra-se optimista. "Há uma quotade mercado a explorar. Em Espanhao fenómeno tem uns cinco anos e jáhá mais de 50 produtores", diz Nuno

Marques. "Acho que daqui por unsanos vai haver muitas cervejarias ar-tesanais", vaticina Arménio Martins.

"Tenho a certeza de que esta área

vai ter um crescimento exponencialnos próximos dois anos", analisa Fi-

lipe Macieira, da Cerveja Artesanaldo Minho. "Daqui a dois/três anos,cada região do país terá a sua cervejaregional. E as pessoas terão curiosi-dade, vão experimentar, o que traráum conhecimento cervejeiro que ac-tualmente só existe em relação aovinho. E isso será óptimo."

QUASE TÃO ANTIGA COMO A CIVILIZAÇÃO

Uma vez que é produto de um

processo natural, presume-se quea cerveja (tal como o vinho, aliás)tenha surgido por acidente. A

fermentação de frutos e cereais jáé conhecida dos seres humanoshá uns bons 10 mil anos e asprimeiras provas palpáveis dafabricação de cerveja remontama 4000 a.C, seguindo umprocesso paralelo ao do pão, como qual partilha a matéria-primabásica: o cereal. Na antiguidade,a cerveja era mesmo apelidada de"pão líquido".

Com água e cereais, a queforam sendo adicionados novosingredientes e outros passos no

processo produtivo, a cerveja éum alimento bastante completo.E barato, razão pela qual eraprivilegiado na logística deexércitos e na organização dosestados. O código de Hammurabi,o célebre conjunto de leis escritona pedra por volta de 1700 a.C,estabelecia por exemplo, as

rações diárias de cerveja: doislitros para os trabalhadoresindeferenciados, três para osfuncionários públicos, cinco paraadministradores e sacerdotes.

Para além de ficarmos com acerteza de que faria muito calorpor essa altura na Babilónia, háainda outra verdade absolutaa reter: com a cerveja não sebrincava! Servir cerveja de má

qualidade era punido com a penade morte. Por afogamento... NoEgipto, alguns séculos mais tarde,a cerveja era utilizada tambémcomo medicamento e, muitasvezes, oferecida em quantidadesgenerosas para aplacar a ira dosdeuses.

Mas a ascensão do ImpérioRomano significou umasecundarização em relação aovinho. A cerveja passou a ser abebida dos povos bárbaros doNorte, nas áreas fora do domíniodas legiões romanas. Diga-se, depassagem, que o seu culto estavafortemente enraizado: o poemaépico finlandês Kalevala, baseadonas tradições orais populares daFinlândia, contém mais linhassobre a origem da fabricação decerveja do que sobre a origem doser humano, garante a Wikipedia.

Após alguns séculos, a Histórialevou uma volta e foram mesmoos bárbaros que derrubaramRoma... Ainda assim, a cervejacontinuou a ser a bebida dospobres, por constraste com operfil mais elitista do vinho. Atéque, já na era medieval, umaconjugação de factores reavivouo culto da bebida de cereais. Emmuitos mosteiros espalhadospela Europa, a falta de recursose a necessidade de prover aosustento de monges obrigados a

jejuar levou ao desenvolvimentodo "pão líquido" — na verdade,os monges só não podiam ingeriralimentos sólidos, pelo quebeber umas litradas de cervejapor dia (até cinco litros, numcaso documentado) os ajudavaa suportar a provação do jejum.E assim se percebe que elesinvestissem tanto na busca defórmulas cada vez mais saudáveise saborosas...

Por esta altura, valha a verdade,as preocupações sanitárias eramde tal forma rudimentares quebeber cerveja era bem maissaudável e garantido do queoptar por água. Esta nunca sesabia de onde vinha...

Nesta corrida pelos séculos,vale a pena fixar a atençãonum ano específico: em 1516foi publicada na Alemanha a

Reinheitsgebot (a lei da pureza),que ilegalizava a utilização dequalquer outra matéria-primapara além de água, cevadae lúpulo (mais as leveduras,cuja existência ainda não eraconhecida na altura) no fabricode cerveja.

A história da cerveja começa,entretanto, a colar-se aosprogressos tecnológicos dahumanidade. A máquina a vapor,a tecnologia de refrigeração,as descobertas científicas naárea da pasteurização, o estudodas leveduras. E, já agora, a

generalização da cerveja emlata, que aconteceu durante a II

Guerra Mundial e revolucionou omercado.

Hoje, as lager, tipo de cervejacom origens na Alemanha,dominam o mercado mundial.Mais especificamente, umtipo de lager: a pilsener, cujadenominação tem origem nacidade de Pilsen, na agoraRepública Checa. Todas asgrandes marcas globais são

pilsener. Outro grande grupo éo das a/e (com destaque paraas stout), muito populares nasilhas britânicas e também nosmosteiros belgas. Em termosplanetários, o consumo decerveja ronda dos dois milmilhões de hectolitros por ano.E, sem surpresas, atendendoà massificação das pilsener, a

República Checa é o país commaior consumo per capita: 161

litros por ano, segundo dados de2010. L.F.