educação no brasil

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 269-275, Jan/Abr 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DA EDUCAÇÃO NO BRASIL 1 Vivian Batista da Silva STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara (orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. 3 volumes. Rio de Janeiro: Vozes, 2005 Histórias e memórias da educação no Brasil, já no seu título, remete o leitor para uma temática ampla, incluindo a análise de experiências educativas vivenciadas na escola ou em outros espaços. Embora incorpore a análise de várias épocas e espaços, a partir de múltiplas metodologias e fontes, a coletânea chama a atenção também por se constituir num lugar de diálogo entre os textos reunidos. A obra está organizada em três volumes, incorporando ao todo mais de trinta artigos escritos por cinqüenta colaboradores de diversos estados brasileiros, como São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Pernambuco, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso e Minas Gerais, além de pesquisadores portugueses. Ao organizarem a obra dessa forma, Maria Stephanou e Maria Helena Câmara Bastos ressaltam aproximações entre os trabalhos de diferentes autores, que contribuem para entender como os modos de educar têm sido construídos em diferentes tempos e lugares. Um investimento dessa natureza abrange um período extenso, que vai desde o século XVI até o século XX. Os trabalhos incluídos na série examinam aspectos da educação brasileira em períodos muito diversificados. O volume I, por exemplo, atenta para práticas de ensino levadas a efeito antes mesmo de se consolidar no país um sistema escolar 1 Essa resenha foi publicada na Paedagogica Historica - International Journal of the History of Education, volume 44, issue 3, 2008, p.347-368.

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Histórias e memórias da educação no brasil

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  • Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 269-275, Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

    HISTRIAS E MEMRIAS DA EDUCAO NO BRASIL1

    Vivian Batista da Silva

    STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Cmara (orgs.). Histrias e memrias da educao no Brasil. 3 volumes. Rio de Janeiro: Vozes, 2005

    Histrias e memrias da educao no Brasil, j no seu ttulo, remete o leitor para uma temtica ampla, incluindo a anlise de experincias educativas vivenciadas na escola ou em outros espaos. Embora incorpore a anlise de vrias pocas e espaos, a partir de mltiplas metodologias e fontes, a coletnea chama a ateno tambm por se constituir num lugar de dilogo entre os textos reunidos. A obra est organizada em trs volumes, incorporando ao todo mais de trinta artigos escritos por cinqenta colaboradores de diversos estados brasileiros, como So Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Pernambuco, Paran, Santa Catarina, Mato Grosso e Minas Gerais, alm de pesquisadores portugueses. Ao organizarem a obra dessa forma, Maria Stephanou e Maria Helena Cmara Bastos ressaltam aproximaes entre os trabalhos de diferentes autores, que contribuem para entender como os modos de educar tm sido construdos em diferentes tempos e lugares. Um investimento dessa natureza abrange um perodo extenso, que vai desde o sculo XVI at o sculo XX. Os trabalhos includos na srie examinam aspectos da educao brasileira em perodos muito diversificados. O volume I, por exemplo, atenta para prticas de ensino levadas a efeito antes mesmo de se consolidar no pas um sistema escolar 1 Essa resenha foi publicada na Paedagogica Historica - International Journal of the History of Education, volume 44, issue 3, 2008, p.347-368.

  • Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 269-275 Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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    organizado em sries graduadas, contando com matrias de estudo estruturadas e mtodos didticos especficos, pensados pelo Estado para consolidar uma instituio capaz de atender a todas as crianas, independentemente da classe social qual pertenam, ao seu sexo ou sua crena religiosa. Esforos educativos anteriores chamada escola de massas podem ser identificados, por exemplo, na catequizao dos ndios durante a colonizao do territrio brasileiro, nas lies transmitidas aos filhos de famlias ricas ou aos futuros membros do clero. Nessa perspectiva, pode-se considerar a ao de companhias religiosas, como a dos jesutas ou a dos franciscanos, aspectos que, ao serem estudados, contribuem de forma inegvel para entender a configurao da escola pblica no Brasil. De fato, essa instituio tomada como um dos objetos nucleares dos artigos apresentados nos volumes II e III da srie. Esses trabalhos analisam questes relacionadas histria de diferentes iniciativas de escolarizao, desde aquela organizada pelo Estado para o povo, passando por aquelas promovidas pela Igreja ou por grupos de imigrantes; consideram ainda nveis e tipos diferenciados de escola, como, por exemplo, os chamados grupos escolares, os seminrios, o ensino secundrio ou mdio, o industrial, aquele destinado especificamente alfabetizao de adultos ou educao de crianas e mulheres. A obra est dividida considerando-se alguns perodos de tempo nos quais determinadas formas de ensino so mais evidentes. Assim, o primeiro volume assinala modos de educar anteriores escolarizao de massas, compreendendo os sculos XVI ao XVIII. O segundo volume d a conhecer diversos aspectos relacionados ao projeto do Estado de estruturao da escola pblica, abrangendo o sculo XIX. E o terceiro volume, reunindo textos relativos a experincias levadas a efeito no sculo XX, ressalta o desenvolvimento e consolidao de aspectos relativos a uma cultura escolar e profissional docente. Mas isso no significa que os artigos estejam organizados tendo-se em mente uma temporalidade linear e ascendente. Os escritos esto arranjados de forma a dar a discutir questes ligadas aos

  • Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 26 p. 269-275, Set/Dez 2008. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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    atores, s prticas, s idias e aos sistemas educativos, no intuito de apreender mltiplas configuraes sobre a realidade pedaggica.

    O objetivo das organizadoras foi o de ampliar e pluralizar as possveis interpretaes dadas a prticas e proposies educativas. Por isso, as histrias e memrias da educao, no plural, no supem a escrita de uma nica histria, mas favorecem leituras do passado a partir de fontes e objetos variados. Ou seja, relatos memorialsticos, leis de ensino e documentos oficiais so estudados em diferentes trabalhos, estruturando, assim, uma coletnea que trata de experincias educacionais a partir de diferentes perspectivas. Leis e documentos oficiais relativos educao so lidos em diversos trabalhos da coletnea para apreender as diversas proposies relativas escola. E outros tipos de material tambm so estudados, tal como os livros e manuais correntemente usados durante as aulas, mas que so esquecidos na historiografia tradicional. Eles so tomados na coletnea como objetos e/ou fontes privilegiados de estudo. Na verdade, a histria do livro e da leitura escolar essencial para as prticas, disciplinas e currculos escolares. A produo desse material pode ser associada ao esforo de escolarizao em diferentes tempos e lugares, sobretudo expanso da escola pblica elementar. Convm lembrar o estudo de outros materiais, que tambm incorporam a chamada cultura escolar. Entre eles, esto colees de cadernos escolares de estudantes, distribudos em diversas regies do Brasil e que chamam a ateno por suas capas coloridas e por cultivarem, dessa forma, o amor ptria, aos heris nacionais, s riquezas naturais do territrio. O material deixa entrever, assim, os esforos de construo da identidade nacional empreendidos por meio da escolarizao pblica e obrigatria. Os lbuns de poesias e recordaes, por sua vez, so materiais usados para celebrar amizades e relaes estabelecidas pelos alunos durante sua vida escolar, tendo sido utilizados desde finais do sculo XIX at meados do sculo XX entre os brasileiros. A anlise dessa modalidade de prtica deixa entrever experincias produzidas e vividas no ambiente da escola. As revistas pedaggicas tambm

  • Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 269-275 Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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    aparecem recorrentemente em artigos includos na obra, assumindo uma configurao especial, pois so reconhecidas como espaos de produo e circulao de saberes pedaggicos entre os professores que, alis, constituem, objeto de estudo privilegiado, identificando-se, por exemplo, a edificao de um modelo moderno da mulher professora ou a configurao de movimentos associativos docentes no Brasil, localizando-se as lutas empreendidas no sculo XX pela melhoria das condies de trabalho e pelo maior reconhecimento social da categoria. Assim, a profisso docente analisada considerando-se os diferentes momentos de sua histria e as vrias instncias que participam de sua regulamentao, ou seja, o Estado, os tericos da educao e os prprios professores. Os estudantes tambm ganham visibilidade e alguns textos da coletnea permitem compreender como a criana transformada em aluno nos textos de educadores e outros profissionais. Assim, no se analisa apenas o discurso pedaggico, como tambm produes de mdicos, higienistas e estatsticos, quando eles elaboram explicaes e propostas para ensinar as crianas, participando, portanto, da construo de prticas e teorias pedaggicas. E esse tipo de interpretao envolve reflexes acerca do trabalho realizado pelo historiador da educao. As escolhas dos mtodos e fontes evidenciadas nos vrios artigos decorrem da valorizao do cotidiano e de personagens pouco examinadas no mbito de uma histria social e de interpretao marxista. A obra resulta do anseio de ampliar as possibilidades de pesquisa no campo da Histria da Educao, seus objetos e pesquisas, como bem ilustram os artigos reunidos. A leitura da coletnea deixa entrever, ento, intercmbios estabelecidos no s entre os colaboradores da obra, mas tambm entre os historiadores da educao e pesquisadores de outras reas de saber, sobretudo a Sociologia, a Filosofia, os Estudos Literrios, apenas para citar aqui alguns exemplos que at pouco tempo foram escassos ou, como diria Peter Burke, corresponderam a "dilogos de surdos". Ao ampliar os espaos de investigao, mobilizando instrumentos tericos e metodolgicos diferenciados, um dos intuitos nucleares

  • Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 26 p. 269-275, Set/Dez 2008. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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    da obra buscar alternativas para responder a questes do presente, compreendendo as formas pelas quais experincias educativas so construdas e transmitidas no tempo. Mais do que uma descrio de realidades passadas, isso implica determinadas modalidades de interpretao dos problemas e materiais colaborando para a elaborao de novas propostas pedaggicas. Afinal, a articulao entre a compreenso do passado e a discusso sobre a realidade educativa deve ser constitutiva do trabalho dos historiadores da educao.

    E se a aproximao uma imagem til para pensar as vrias construes tericas e metodolgicas presentes nos textos que integram a obra, ela igualmente sugestiva dos dilogos estabelecidos entre pesquisadores portugueses e brasileiros. Ao integrar no contedo dos trs volumes investigaes feitas, tanto em Portugal como no Brasil, e igualmente acerca dos dois pases, Histrias e memrias da educao no Brasil promove a colaborao de uma gerao de historiadores de mbito nacional e internacional. E assinala as relaes social e historicamente estabelecidas no campo educacional, ao longo do tempo, pois, ao tratar do caso brasileiro, enfatiza tambm experincias e influncias dos portugueses no Brasil e vice-versa, j que ambos os pases compartilham um lngua e uma parte significativa de suas histrias. Esse tipo de colaborao integra os vrios volumes da srie, com estudos que compreendem desde o perodo colonial. A leitura dos trabalhos d a conhecer as diversas configuraes do discurso educacional portugus, ao longo dos sculos XVI e XVIII, por exemplo, quando notvel a permanncia de relaes caractersticas do Antigo Regime e, simultaneamente, as contribuies do movimento cientfico e cultural na direo da modernidade. O movimento iluminista portugus tambm objeto do exame das representaes acerca da infncia e da formao humana durante o sculo XIX e esse tipo de trabalho esclarece modos pelos quais foram constitudos intercmbios entre os dois pases, questionando, por exemplo, afirmaes comuns na historiografia brasileira, segundo as quais os jovens que saram do

  • Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 269-275 Jan/Abr 2009. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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    Brasil-Colnia para estudarem na Universidade de Coimbra teriam formado um pensamento chamado de "atrasado", por no terem recebido referncias do conhecimento "moderno". Assim, a formao da intelectualidade portuguesa e brasileira no sculo XVIII, as iniciativas dos Estados portugus e brasileiro, ao longo dos sculos XIX e XX, no que tange estruturao da escola pblica, permitem apreender as proximidades e os distanciamentos das prticas educativas nos dois pases. A coletnea traz, nesse sentido, elementos importantes para uma rea de estudos que foi objeto de crticas at h pouco tempo, mas que atualmente tem ocupado um novo lugar na pesquisa educacional. Trata-se da histria comparada, a qual tem articulado esforos de compreender diferentes realidades, no apenas para descrev-las nem muito menos para encontrar experincias de educao supostamente ideais. As anlises sobre Portugal e Brasil articulam um esforo para identificar e interpretar os vnculos e os distanciamentos culturais e sociais que favorecem o desenvolvimento das formas de educar em ambos os pases.

    Nessa perspectiva, a obra retrata importantes esforos levados a efeito no campo da Histria da Educao numa dupla perspectiva: primeiramente, enquanto uma disciplina cientfica que tem se consolidado nos ltimos anos, graas a fatores como os intercmbios estabelecidos entre pesquisadores de diferentes lugares e reas de conhecimento. E alm disso, os volumes contribuem de forma inegvel no mbito da formao de professores e da elaborao de proposies pedaggicas, pois ao construrem as Histrias e memrias da educao no Brasil, os vrios artigos oferecem elementos essenciais para refletir a realidade escolar nos dias de hoje. A srie constitui, portanto, um espao de encontros frteis entre os historiadores e os educadores, estimulando discusses teis organizao da escola e da pedagogia.

  • Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 12, n. 26 p. 269-275, Set/Dez 2008. Disponvel em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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    Vivian Batista da Silva professora do Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Educao da Universidade So Francisco/Bragana Paulista/SP. E-mail: [email protected].

    Recebido em 10/07/2008 Aceito em 15/11/2008

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