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  • 7/28/2019 Dossie Barbara Formis

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    COMUNICAO, MDIAECONSUMOSOPAULOVOL. 2N. 4P. 7 7 - 1 0 2JUL. 2 0 0 5

    Esttica da indiferena:o tdio, sentimento paradigmtico

    da arte contemporneaBarbara Formis1

    Traduo de Douglas F. Barros

    RESUMO

    O presente texto trata do carter ordinrio da arte contempornea,segundo o qual a tcnica tem valor menor no conjunto da obra dearte, assim como esta no traduz de alguma maneira a essncia dabeleza, e o tdio e a insensibilidade so seus elementos fundamen-tais. A essa esttica poderamos chamar, de acordo com a autora,de esttica da indiferena. Desse modo, na esttica da arte contem-pornea o sentimento est ausente e o que permanece a indiferen-a. O sentimento de anestesia da sensibilidade tem sua expressomxima no tdio. No obstante a indiferena, a insensibilidade eo tdio serem constitutivos da arte contempornea, esses aspectosno a fazem algo absolutamente dispensvel vida.Palavras-chave: Arte; esttica; indiferena; tdio; arte contem-pornea.

    ABSTRACTThe actual text deals with the ordinary character of contemporary

    art, in which its technique has less value than the art itself as well

    as it does not translate the essence of beauty whatsoever, boredom

    and insensibility are its fundamental elements. According to the

    author, this aesthete can be called as aesthete of indifference. So,

    in the aesthete of contemporary art, feeling is absent and what

    remains is indifference. The anesthetic feeling in its sensibility has

    its main expression in boredom. Despite indifference, insensibility

    and boredom are part of contemporary art, these aspects do not

    however, make of it something unessential to life.

    Key words:Art; aesthete; indifference; boredom; contemporary art.

    1 Pesquisadorado Departamentode Filosofia da

    Universidade deSorbonne, Paris I.

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    Oaspecto ordinrio da arte contempornea suas telasmonocromticas que nada figuram, sua msica feitade rudos, suas obras que perderam toda a tecnicidade

    parece colocar em dvida a sobrevivncia de uma arte emconformidade com a nossa poca. Regularmente podem-seouvir os seguintes comentrios a propsito da arte contem-

    pornea: isso no arte, entediante, isso no querdizer nada, muito terica, isso no me toca, re-

    petitiva, eu tambm poderia fazer isso, no bela etc.Habitualmente, os tericos da arte tanto ignoram completa-

    mente esses comentrios, considerando-os observaes de-sinteressantes e vulgares, quanto os radicalizam anuncian-do ofim da arte. H todavia uma terceira possibilidade: a deconsiderar esses comentrios como o sinal positivo de umanova esttica. Essa esttica diria respeito a uma arte que mi-nimiza a tcnica, que no faz mais da beleza a sua essncia

    prpria e que aceita o tdio e a insensibilidade como seuselementos constitutivos. Uma tal esttica poderia se chamaresttica da indiferena. Essa denominao ressoa, nas

    primeiras abordagens, como um oximoro. Se entendemospor esttica o domnio do sentimento, da sensibilidade e daapreciao, parece evidente que ela no poderia de maneiraalguma integrar o que se apresenta como o aniquilamen-to de todo sentimento, isto , a indiferena. Diante de umquadro, diante de uma escultura, diante de um espetculo

    natural, a experincia esttica se funda em sentimentos todiversos quanto a aprovao e o desgosto, o maravilhamen-to e a averso, o prazer e a repugnncia. Pouco importa queela seja positiva ou negativa, a esttica fornece sempre umaapreciao. Nesse estado de coisas, a indiferena faria fal-ta enquanto princpio fundador da esttica. Ela no parece

    pronta para fornecer um sentimento qualquer de apreciaoe, ainda menos, um julgamento de gosto. A indiferena se-

    ria, desse modo, o contrrio de toda experincia esttica.

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    E, portanto, se pesquisamos as origens da esttica, cons-tatamos que esta se enraza em uma condio similar daindiferena, isto , o desinteresse.

    A experincia esttica nasce, com efeito, do desinte-resse subjetivo em face de toda preocupao no-esttica,quer dizer tica, ertica, prtica e mesmo teortica. O belose define sempre negativamente. Ele no nem bom, nemagradvel, nem til, nem atraente, nem intelectualmenteinteressante: o belo emerge na falta de seus diferentes in-teresses. Como o demonstrou Jerome Stolnitz(1961: 131-

    143; 1978: 409-423), a atitude esttica e a teoria do gostoesto acompanhadas em uma elaborao do conceito dedesinteresse, e isso desde sua tematizao na escola ingle-sa por Shaftesbury, Hutcheson, Burke, Addison e Alison.Com Kant e Schopenhauer o desinteresse encontra suacompleta formulao graas ao prazer puro e contempla-o, legitimando, assim, seu papel de condio necessria

    para qualquer experincia que deseja se dizer esttica.Mas o desinteresse, constituindo o fundamento da expe-rincia esttica, fornece tambm seu princpio de autono-mia: ele constitui o domnio da esttica, circunscrevendo-oquele da sensibilidade pura. Com efeito, a autonomia daexperincia esttica no se faz com base em uma diferenainerente aos objetos da experincia, mas sim baseada emuma diferena fundamental em relao prpria experin-

    cia. H experincia esttica quando estamos desinteressa-dos de tudo o que no observa a sensibilidade pura, o queequivale dizer que h experincia esttica quando a est-tica funda essa mesma experincia. Assim, o desinteresse

    permite esttica encontrar nela mesma seu princpio deexistncia. Nenhum fator externo est apto para legitimara natureza esttica de uma experincia porque a prpriaexperincia, e no o objeto de uma experincia tal, que

    possui qualidades estticas. Shaftesbury denomina est-

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    tica a experincia que presta ateno s propores e aosprocessos de formao da beleza; Hutcheson a indica nauniformidade que surge no interior da variedade; Burkena mesquinharia e na delicadeza; e Kant na maravilha dolivre acordo entre as faculdades humanas. A despeito desuas divergncias, essas teorias da experincia esttica tmo mesmo ponto de partida: a equivalncia de valor entre asobras de arte e os outros objetos (concretos ou imateriais)

    todos os dois podem ser fonte de experincia fenomenal.No o quadro que constitui a experincia esttica, mas

    a prpria experincia esttica que se constitui assim.Se um objeto ordinrio ou uma paisagem natural podem

    se tornar o alvo de uma experincia esttica, o inverso tambm verdadeiro: uma obra de arte pode tambm se tornaro objeto de uma experincia no-esttica. Seria suficienteconsider-la segundo seu valor comercial, por exemplo. Aexperincia esttica , ento, desprovida de todo interesse, exceo daquele da prpria experincia. O desinteresse assim uma condio de possibilidade para um interesse deoutra ordem, o interesse esttico. apenas com a condi-o da desapario dos sentimentos e dos julgamentos no-estticos que a experincia esttica vem luz. somentequando no podemos mais dizer nem desejvel, eu quero

    possui-lo, nem til, necessito dele que podemos dizer belo, eu o amo. No por acaso, a teoria do sentimento

    reconcilia a experincia esttica ao amor (Burke) e capa-cidade de amar um objeto por seu prprio interesse (forits own sake, segundo Shaftesbury). O desinteresse tem,ento, nessa poca, a funo delicada de distinguir uma ex-

    perincia esttica de todos os outros tipos de experincia.Mas, em razo do fato de que a experincia esttica noconcerne aos objetos ontologicamente diferentes daquelesde outras experincias, a distino deve se fazer em relao

    s qualidades internas e subjetivas dessas mesmas experin-

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    cias. A experincia esttica se define em relao ao vividosubjetivo de uma tal experincia.

    Ou, ento, se o desinteresse do sujeito funda a experi-ncia esttica da subjetividade moderna, a indiferena re-

    presenta o mesmo papel na poca contempornea: ela svezes a condio preliminar para a experincia esttica e osuporte de sua autonomia. Entretanto, a indiferena vai ra-dicalizar os aspectos do desinteresse, e isso por duas razes

    principais: ela amplia o desinteresse aos critrios conven-cionalmente julgados como estticos e procura se fundar ela

    mesma como sentimento. Primeiramente, se o desinteresseprocurava subtrair toda atitude diferente daquela esttica,a indiferena procura por si mesma se desfazer da atitudeesttica e ela o faz se desinteressando das qualidades est-ticas do objeto. Se o desinteresse era relativo aos interessesno-estticos do fenmeno, isto , ticos, erticos, prticose teorticos, a indiferena diz respeito tambm ao interesseesttico, quer dizer, apreciao da bela forma e o senti-mento de prazer, por exemplo. No regime da indiferena,a experincia esttica no conduz mais a que se enuncie belo ou terrvel, mas simplesmente isso me in-diferente. O sujeito da experincia incapaz de se deci-dir sobre sua apreciao; ele incapaz de dizer se o objetoque ele observa lhe agrada ou no. Uma obra minimalistaconsistente, em uma tela pintada de branco (as White paint-

    ings, de Rauschenberg), ou uma pea de msica serial (dePhilip Glass) no solicitam nossas emoes como poderiamfaz-lo um quadro de Goya ou uma sinfonia de Beethoven.As obras contemporneas parecem antes querer evitar todarelao afetiva com o espectador e elas parecem impedir,com base nesse fato, a emergncia de todo julgamento degosto do tipo subjetivista. A arte contempornea parece, pa-radoxalmente, querer desviar nossa ateno da prpria arte.

    A questo , ento, saber se possvel falar de experincia

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    esttica sem que nenhum sentimento preciso nem qualquerjulgamento de gosto sejam fornecidos. A indiferena tem apossibilidade de fornecer uma verdadeira esttica?

    A resposta a essa questo fornecida pela segunda ca-racterstica da arte contempornea, citada anteriormente:na ausncia de sentimento, a indiferena permanece. Se aindiferena amplia o desinteresse s qualidades convencio-nalmente estticas do fenmeno, ela produz um vazio que preenchido apenas pela prpria indiferena. A indiferenase apresenta a si mesma como substituta do sentimento est-

    tico. Em razo da ausncia de um novo interesse (aquele re-lacionado beleza do fenmeno), a indiferena no procuranem o sentimento, nem o julgamento de gosto. Ela ocupa,ento, o lugar do que ela no pode instaurar e pode ape-nas se instalar e perdurar. Se o desinteresse servia de fonteao sentimento esttico, a indiferena no fornece nenhumsentimento, o que quer dizer que ela no produz outro sen-timento a no ser ela prpria. O sentimento produzido poruma tal experincia uma espcie de no-sentimento, umsentimento prximo ao mximo de sua condio de possibi-lidade, isto , do desinteresse. A radicalizao desse ltimo,

    posto pela indiferena, abastece um sentimento adaptado anestesia da sensibilidade que prpria esttica contem-

    pornea: um sentimento tal o tdio. A ampliao operadapela arte contempornea ocorre em um duplo nvel: naquele

    das condies de possibilidade da experincia esttica, odesinteresse se abre s qualidades convencionalmente jul-gadas como estticas; no nvel da afetividade da experin-cia, o sentimento substitudo por sua suspenso, isto , otdio.

    Entretanto, estando prximo da insensibilidade, seriadifcil argumentar que o tdio no seja, enquanto tal, umsentimento. Sintoma de fragilidade e de lassido, s vezes

    fsica e psicolgica, o tdio se encontra entre os sentimentos

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    mais durveis e mais vigorosos. Como sentimento domi-nante de uma experincia subjetiva, ele fornece igualmenteum julgamento esttico para o todo: eu me entedio (sen-timento), ento o objeto de minha experincia entediante(julgamento de gosto). Nesse sentido, o tdio no maisum sintoma de indiferena, mas a sua forma de apresen-tao esttica.

    O tdio encontra na indiferena no somente sua condi-o de possibilidade como o faz qualquer outro sentimen-to , mas sobretudo seu prprio contedo. Ele a manifes-

    tao sensvel da indiferena, ele a indiferena tornadaafeto. O tdio se manifesta quando a indiferena chega emexcesso, mas nesse excesso, a indiferena, em lugar de os-cilar em uma apreciao, permanece e se funda sobre ela

    prpria. O tdio , ento, o ponto de visibilidade sensvel damodalidade prpria esttica contempornea. Isto , a in-diferena. E se nos damos conta que a indiferena contem-

    pornea a ampliao radicalizada do desinteresse, o tdiomanifesta a condio de possibilidade da esttica em geral.Se o desinteresse abria duas vias principais para a aprecia-o esttica, uma oscilando em um sentimento positivo (o

    prazer) e a outra no negativo (o desgosto), a indiferenaprope igualmente uma terceira via, aquela da perduraodo desinteresse no interiorda prpria experincia esttica(o tdio). Nem negativa nem positiva, a experincia esttica

    da indiferena repousa, ento, sobre sua indecidibilidade eproduz o tdio.O tdio, em razo dessa indecidibilidade (no podemos

    escolher se o fenmeno nos agrada ou no), aparece comoo sentimento antiesttico por excelncia. Diante de umaobra de arte ou de um espetculo teatral, somos quase im-

    pedidos de nos entediarmos. Se o tdio se produz, ento anatureza esttica da experincia abolida. Com efeito, o

    aspecto antiesttico de uma experincia reconcilia-a com

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    uma experincia que no tem nada de extraordinria comoexperincia, portanto, com uma experincia desinteressan-te, talvez at ordinria. Assim, a esttica da indiferena no

    procura mais transformar o desinteressante em extraordin-rio, mas toma o desinteressante como se ele fosse j dignode interesse esttico. Na arte contempornea o ordinriono precisa se transformar em extraordinrio para adqui-rir um valor esttico. O ordinrio tal qualuma fonte deexperincia esttica. Promover o ordinrio categoria defenmeno esttico significa aceit-lo tal como ele o , sem

    que nenhuma transformao esttica seja apresentada. Ou,aqui reside a dificuldade da esttica da indiferena: evitarque a indiferena no se transforme em diferena, que otdio no se transforme em interesse e o ordinrio em extra-ordinrio. Uma tal transformao freqentemente o frutodo contexto.

    Com efeito, situado em um lugar artstico institucionale confrontado a uma obra de arte, o espectador transfor-ma rpido seu tdio em decepo e conseqentemente emdesgosto ou em desaprovao, enquanto que confrontadoa uma experincia cotidiana ele no acha necessrio pro-duzir um julgamento de gosto. O tdio mais dificilmenteaceito e tolerado se ns estamos sentados em uma poltronade teatro do que em um terrao de caf. Feitas as contas, otdio um sentimento mais ordinrio do que esttico. Essa

    observao no andina, mas ela indica o ponto focal daesttica contempornea. Pela tentativa de fazer perdurar otdio na experincia esttica, a arte contempornea cumpreuma operao importante, ele reaproxima a arte da vida or-dinria. essa reaproximao que confere arte contem-

    pornea sua especificidade: a indiscernibilidade entre ex-perincia esttica e experincia ordinria. Se na esttica dodesinteresse a diferena entre a arte e a vida se faria ao nvel

    da experincia, na esttica contempornea da indiferena

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    essa distino abolida: a experincia esttica e a experin-cia ordinria so indiscernveis.

    Tdio e deleite, arte e vida ordinria esto na experinciacontempornea misturadas e independentes. Portanto, esse

    procedimento, que inverte completamente os critrios pr-prios esttica moderna, permanece essencialmente fiel: aindiferena faz apenas ampliar o desinteresse em relao squalidades estticas da experincia. Se o desinteresse nofaz distino entre uma obra de arte e um objeto ordinrio, aindiferena no faz distino entre uma experincia esttica

    e uma experincia ordinria. A indiferena faz da indiscer-nibilidade entre a arte e a vida ordinria o princpio mesmode sua operao.

    Na arte contempornea os objetos ordinrios podem for-necer uma experincia esttica sem a necessidade de serfiltrados por um processo esttico, como a representao

    pictural ou a contemplao da bela forma, por exemplo. Osobjetos dada, os objetospop, o ready-made, a msica con-creta, as pinturas monocromticas, mas sobretudo os ges-tos ordinrios do happening, da dana ps-moderna e domovimentoFluxus so, enquanto tais, objetos que podemfornecer uma experincia esttica. Mas essa ltima no definida da mesma maneira que aquela do desinteresse por-que a indiferena tambm caracterizada por um desinte-resse em face das qualidades estticas da experincia. No

    tdio, nossa sensibilidade parece se reduzir ao mnimo. Seno regime moderno uma experincia era esttica quandosua atitude tambm o era, no regime contemporneo at suaatitude ser no-esttica, isto , ordinria. na experinciaordinria que h habitualmente ausncia de interesse estti-co porque ns no estamos dispostos a julgar esteticamente.Com efeito, a indiferena domina nossa atitude cotidiana.A ateno e o julgamento so menos exigentes na vida do

    que na arte: a vida no nos surpreende, enquanto a arte nos

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    convida a nos surpreender. Isso permite dizer novamenteque, partindo de uma atitude esttica, a indiferena umacondio muito mais rara. Rapidamente ela oscila, seja nodeleite maravilhado, seja no desgosto. A esttica da indi-ferena procura evitar uma tal oscilao ou, pelo menos,retard-la.

    Anunciar a indiferena como o paradigma prprio es-ttica contempornea no significa perder a esttica emgeral, mas antes instaurar uma equivalncia de valor e umacontinuidade de natureza entre a esttica e a no-esttica.

    Com efeito, o paradigma esttico da indiferena se insinuana fronteira que separa convencionalmente a arte e a vidaordinria: como a vida nos entedia, o mesmo faria a artecontempornea. A esttica contempornea, de uma parte,ampliou o desinteresse pelas qualidades estticas da expe-rincia e ope o desinteresse contra ele prprio. De outra

    parte ela funda o sentimento esttico e o julgamento degosto sobre sua prpria condio de possibilidade (a indi-ferena) e erige o tdio categoria de sentimento esttico.Sobre esses dois pontos, possvel remarcar o duplo pon-to de passagem e de impasse que liga a esttica do sculoXVII contempornea. A radicalizao do desinteressecompletada pela indiferena faz explodir e mostra a dedoo fundamento mesmo da esttica. No entanto, uma vezmais, no preciso crer que a indiferena inventa ex nihilo

    uma nova esttica. A indiferena, como atitude do sujeito,e o tdio, como sentimento dominante da experincia, soas conseqncias extremas da teoria do desinteresse e desua equivalncia entre os fenmenos ditos estticos ede outros ditos no-estticos. O que fornece estticacontempornea uma velocidade de novidade consiste emque ela vem estabelecer e faz perdurar essa equivalnciaao nvel da experincia: experincia esttica e experin-

    cia ordinria so indiscernveis. Uma tal operao tanto

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    mais difcil se temos em conta o fato de que essas duasexperincias sofreram uma forte separao, e isso na po-ca romntica.

    A esttica romntica proclama a arte como uma evasosolitria em face do tdio da vida ordinria. Nesse sentido,o romantismo tornou rgida a diferena entre sentimentosestticos (maravilhamento, prazer, pena, desgosto etc.) e osentimento ordinrio por excelncia, o tdio. Todavia, o t-dio nessa poca transfigurado e reabilitado de sua naturezaordinria para tornar-se um verdadeiro motor de produo

    artstica. Reconciliado com a angstia e descoberto comosentimento profundo, ele para o artista romntico uma

    porta aberta para a criao. O tdio no ainda aqui umsentimento esttico, como o ser na poca contempornea,mas antes um instrumento de libertao em relao expe-rincia ordinria. a vida ordinria que entedia os artistasromnticos e no a arte. Essa ltima a nica escapatriaante o tdio. muito particularmente na literatura que oromantismo forja um profundo elogio do tdio. Chateau-

    briand, Senancour, Leopardi, Musset e Vigny concebem ocaminho do tdio como fonte de inspirao original. Umatal atitude no est sem o eco de uma certa postura filos-fica que fez do desgosto de viver uma fora motriz paraa reflexo: Kierkegaard, Janklevitch e Heidegger so osmodelos mais recentes2. Em Heidegger, a questo do tdio

    irrompe no interior da interrogao metafsica. Na Intro-duction la Mtaphysique, ele afirma:

    eis a questo, em um momento de tdio, quando ns estamos

    igualmente distanciados do desespero e do entusiasmo, mas em

    que o carterobstinadamente ordinrio do ser faz reinar uma

    desolao na qual nos parece indiferente que o ser seja ou no

    seja, isso que contm, sob uma forma bem particular, a questo:

    por que, ento, h o ser e no antes o nada? (Heidegger 1967:

    14)[destaques do autor].

    2 O ensaio dereferncia sobrea questo do tdioem Heidegger eKierkegaard o interessante artigo

    de Patrick Bigelow(1983), p. 251-265.

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    A questo metafsica indicaria, pelo vis do tdio, a pre-sena de uma marca obstinadamente ordinria no inte-rior do ser. assim que o tdio ordinrio abre suas portas angstia profunda. Fonte de inspirao para os poetas ro-mnticos e mal necessrio para as filosofias da existncia,o tdio se apresenta sempre sob uma dupla face: s vezesatraente e perigoso, no saberamos nos defender dele.

    Se na poca romntica apenas o tdio profundo pro-movido categoria de ferramenta para a criao artstica, com a modernidade que surge a coabitao entre o tdio

    profundo e o ordinrio. Exemplo central desse tipo de pes-quisa artstica e literria a obra de Baudelaire. Ora pro-funda (o spleen) ora ordinria (a flnerie), o tdio , emBaudelaire, sempre caracterizado por um tipo de vazio queadquire a forma de uma verdadeira despersonalizao dosujeito3. Nos dois casos, o sujeito sofre um gesto de eclip-sar-se, no qual ele perderia literalmente sua face. Na srie de

    poemas dospleen, o Eu se ausenta no interior das metforasdo eclipsar-se, como aquela da fossilizao, por exemplo(no SpleenLXXVo sujeito comparado matria ou aogranito). De seu lado, oflneur, enquanto figura simbli-ca dopintor da vida moderna, um observador e um fi-lsofo (Baudelaire 1992a: 347), que na multido um

    prncipe que representou por todos os cantos seu incognito[...], um eu insacivel do no-eu (Idem 1992b: 354). O

    pensamento moderno opera assim uma fuso fundamentalentre o tdio ordinrio e o tdio profundo, sem que umatal fuso seja criticada do ponto de vista tico. O tdio nocoincide mais com a dor, mas com a condio necessria dasubjetividade moderna, a qual marcada por uma conscien-te despersonalizao.

    a despersonalizao do sujeito, operao fundamentalda modernidade, que marca a assimilao do tdio ordinrio

    na produo artstica contempornea. Todavia, ainda uma

    3 Ver Victor Brombert,

    in Romantisme(1973),p. 29-37.

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    vez, a esttica contempornea radicaliza os critrios estti-cos precedentes, despersonalizando no somente o sujeito,mas tambm a experincia esttica ela mesma. Se o sujeitoda experincia esttica no em nada diferente das pessoasordinrias, ento, sua experincia no dever mais neces-sariamente se distinguir das outras. Nesse sentido, a estticacontempornea no procura mais transformar o tdio ordi-nrio em angstia para que ele seja habilitado como senti-mento esttico. O tdio ordinrio tal qual um sentimentoesttico pela simples razo de que ele no estabelece mais

    diferena ontolgica entre uma experincia esttica e umaexperincia ordinria. a indiferena enquanto condiode possibilidade de todo sentimento e contedo operantedo sentimento de tdio que permite estabelecer uma conti-nuidade de natureza entre a arte e a vida. Todavia, antes deser aceita como produo do tdio, a indiferena utilizada(nas origens da arte contempornea) como um simples pro-cedimento de composio artstica. Ela faz, ento, primeirofigura de princpio prtico-artstico antes de ser habilitada categoria de sentimento esttico. Exemplo paradigmtico efundador desse gnero de procedimento o ready-made deMarcel Duchamp.

    Se a teoria do desinteresse preconiza que no importaqual fenmeno pode fornecer uma experincia esttica,ento aquela da indiferena enuncia a mesma coisa: para

    que haja experincia esttica preciso um objeto ordinrio,porque ele j efetivo como fenmeno esttico. Depois,essa afirmao ser ampliada ao nvel da experincia. Paradiz-lo com Duchamp: no importa qual objeto, elej dearte, o objeto ordinrio de arte j feita (ready-made).Entre o que chamamos arte e o que se chama no arte,nenhuma diferena ontolgica pode intervir. Isso o queDuchamp chama precisamente a beleza da indiferena. Na

    prtica do ready-made nenhuma dimenso produtiva inter-

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    vm. O artista escolheu um objeto ordinrio segundo umamodalidade baseada no acaso, que far de sua escolha umaespcie de no-escolha. A beleza da indiferena o prin-cpio segundo o qual, diz Duchamp4, no lugar de escolheralguma coisa que vos agrada ou alguma coisa que vos desa-grada, escolha voc alguma coisa que no tem nenhum in-teresse visualmente. preciso, ento, chegar a um estadode indiferena para com esse objeto (Duchamp 1998: 10).A nova operao desse princpio fundador , como sabemos,a ampliao da idia moderna de desinteresse: se um objeto

    ordinrio e um objeto de arte so considerados como tendoum igual potencial esttico, a mesma coisa pode ser susten-tada em relao aos dados da experincia. A experincia es-ttica clssica, que estabelece um julgamento de gosto coma ajuda de uma contemplao visual, aqui convertida emuma atitude de indiferena visual. Disso se segue que a ex-

    perincia esttica substituda pelo ordinrio, o sentimentopelo tdio e o julgamento de gosto pela indiferena.

    Assim, a esttica contempornea manifesta s vezes suafidelidade a sua infidelidade em face das estticas prece-dentes. De uma parte, ela permanece fiel esttica moderna

    porque perpetua a idia de identidade entre um objeto est-tico e um objeto no-esttico, mas ela tambm lhe infiel

    porque amplia essa idia s qualidades formais e visuais daexperincia. De outra parte, a esttica contempornea fiel

    romntica porque ela toma o tdio como um sentimen-to til produo artstica, mas ela lhe infiel porque oconserva em seu nvel ordinrio e o assimila indiferena.Assim como Shaftesbury (1900: 122), Duchamp afirma quenada feio porque no importa qual objeto pode forneceruma experincia, mas diferentemente do pensador ingls,ele subtrai da experincia esttica sua atitude especifica-mente contemplativa. Assim como Baudelaire, Duchamp

    encontra na vida ordinria e na multido de objetos que nos

    4 Entrevista concedida

    em Paris, em 21 dejunho de 1967.

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    rodeia uma fonte inesgotvel para a arte. Mas em lugar deproduzir alguma coisa de outra, com base na vida ordinria,ele a toma como arte. No lugar de produzir alguma coisa deesttica com base na experincia no-esttica, ele toma essaltima como se ela fosse a primeira. Os ready-mades de Du-champ so a arte que nos ensina a observar a vida diferente-mente. Se o ordinrio e o sentimento de tdio caracterizama vida, ento a arte assimila esses elementos experinciaesttica. A experincia esttica instaurada pelos ready-ma-des no visualmente contemplativa, mas, apesar de tudo,

    reflexiva. Refletimos sobre a experincia ordinria, e a issoDuchamp chama de um efeito reflexivo5 do ready-made.Assim, obtemos uma experincia esttica nova: a estticaconsiste, desse modo, em nos tornar sensveis natureza daexperincia ordinria.

    Entretanto, considerando a indiferena como a prticaartstica de base para os ready-mades, Duchamp no decla-ra jamais o tdio como um sentimento esttico especfico sua prpria arte. Mas ele o faz, de modo bizarro, em facede outras prticas artsticas. Questionado a propsito doshappenings, Duchamp6 (1995: 122-123) declara:

    os happenings introduziram na arte um elemento queningum havia colocado: o tdio. Fazer uma coisa para queas pessoas se entediem ao observ-la, eu no havia jamaispensado nisso. E uma pena porque essa uma tima

    idia. a mesma idia, no fundo, que o silncio de JohnCage na msica. Ningum havia pensado nisso.

    Duchamp enuncia assim o tdio como um sentimento est-tico inteiramente parte, mas ele no o considera uma desco-

    berta sua. Ironicamente, o mesmo John Cage, que Duchampteria etiquetado de artista que pe em cena o tdio, declaroudois anos antes, sobre Duchamp, que o pai do tdio seria o

    prprio Duchamp: No se trata de refazer o que Duchamp

    5 Marcel Duchampinventa a propsitode sua obra Fontaine.6 Entrevistasconcedidadas de abrila junho de 1966 em

    Neully, na casa deMarcel Duchamp.

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    j fez, diz Cage. Ns devemos hoje, no entanto, ser capa-zes de perceber o que est alm como se ns estivssemosdentro e observssemos de fora. O que h de mais entediantedo que Marcel Duchamp?7. Crtica rejeitada por antecipaoe remetida ao expedidor, essa to bela idia que Duchamplamenta no ter concebido foi, na realidade, ele mesmo que ainspirou, sem que ele o tivesse feito de maneira assumida.

    Se a esttica tradicional, que circunscreve seu domnioao da beleza, do prazer e da sensibilidade, vem rejeitar otdio e a indiferena, em nossos dias uma tal operao no

    mais possvel. Os ready-mades de Marcel Duchamp e amsica de John Cage se encontram, com os happenings, osquadros monocromticos dos minimalistas e a dana ps-moderna, para construir, por vezes a contragosto, uma est-tica fundada na prtica da indiferena e sobre o sentimentodo tdio. A estratgia aparentemente simples: trata-se deradicalizar a teoria do desinteresse esttico, tornando ma-nifesta a equivalncia de valor e a continuidade de natu-reza entre experincia esttica e experincia no-esttica eisso por meio da utilizao de objetos ordinrios na arte. Osready-mades de Duchamp parecem objetos cotidianos entreoutros; o silncio de Cage assemelha-se a um barulho defundo cotidiano, ainda que as telas brancas de Rauschen-

    berg no o paream, seno com reticncias, elas podem sernomeadas quadros. O achatamento do objeto de arte sobre

    o objeto ordinrio ou, de modo inverso, a edificao doobjeto ordinrio ao estatuto de arte instauram quase auto-maticamente uma identificao ao nvel da experincia. Senenhuma diferena sensvel tornada explcita entre a ex-

    perincia mantida com um objeto de arte e aquela com umobjeto ordinrio, ento no somente os objetos, mas tambmas experincias tm igual potencial esttico. Poderamos ob-

    jetar, evidentemente, que no observamos um ready-made

    como se ele fosse um objeto ordinrio, mas como se ele

    7John Cage, in Silence,discours et crits parJohn Cage. Ttulooriginal 26 StatementsDe Duchamp,inicialmente publicadoemA year from

    monday. WelseyanUniversity Press,1963. E emArt andliterature. New York,no 3, out./1964, p. 10.Verso inglesa: Itsnot a question of doingagain what Duchampalready did. We mustnowadays neverthelessbe able to look throughto whats beyond asthough we were init looking out. What

    is more boring thanMarcel Duchamp?.

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    fosse uma obra de arte. Todavia, um tal discurso arrisca orareduzir o potencial esttico do objeto ordinrio a seu podersimblico, talvez at metafrico, ora identificar a arte aonome que a instituio lhe confere. Uma obra de arte noteria, nesse sentido, um valor que lhe prprio, mas unica-mente um valor acrescentado: a arte seria assim reduzida asua etiqueta8. Certamente, uma tal etiqueta representa um

    papel importante na recepo da obra, mas isso no sufi-ciente. A obra de arte contempornea instaura, com efeito,uma esttica que lhe prpria.

    Observar um urinol (o ready-madeFontaine, de 1917),uma tela pintada em branco (os Whites Paintings de RobertRauschenberg, de 1951) ou escutar o silncio (433de JohnCage, de 1952) no so de forma alguma experincias esteti-camente idnticas quela que teramos ao observar um Rem-

    brandt ou ao escutar Chopin, mas elas so idnticas que-las da vida ordinria. No poderamos escutar os silnciosde Cage como se fossem msica, muito menos como sefossem simples silncio. E no poderamos observar os qua-dros monocromticos de Rauschenberg como se fossemquadros entre outros, menos ainda como se fossem telas emestado bruto. As obras de arte contemporneas no se deixamreduzir a critrios estticos j existentes. A razo disso ns aconhecemos: um urinol, uma tela virgem e o silncio no for-necem uma experincia convencionalmente esttica, mas

    eles procuram tambm, e antes de tudo, uma experincia or-dinria. Eles no atraem nosso interesse esttico, mas simlhe escapam; no agarram nossos sentidos, mas o distraem;no nos provocam nem prazer nem desprazer: em resumo,nos entediam. Ou, ento, precisamente na indiferena ex-

    posta dessas experincias e na produo do sentimento detdio que emerge a complexidade da esttica da indiferena.Como j adiantamos, instalar a indiferena e produzir o tdio

    uma operao mais difcil de se completar com base em

    8 Tal argumentaoencontra em ThierryDe Duve seu defensormais vigoroso. VerNominalisme pictural,Marcel Duchamp,la peinture et lamodernit(1984).Ver tambmAu nomde lart(1989) e Lesrsonances du ready-made, Duchamp

    entre avant-gardeet tradition (1989).

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    uma atitude esttica que procura por atenes estticas doque na experincia ordinria. Essa ltima implica a indife-rena de maneira constitutiva, enquanto a primeira v na in-diferena seu inimigo mais perigoso. A operao fundamen-tal da arte contempornea se funda na tentativa de reconciliaressas duas experincias aparentemente antiestticas. Se a arte

    j tinha aberto suas fronteiras para outros domnios consi-derados, durante muito tempo, como inimigos (a feira, oterror e o monstruoso, por exemplo), agora esse giro acabade abrir as fronteiras ao tdio, manifestao da indiferena.

    Isso acontece segundo uma estratgia aparentemente parado-xal: aquela da suspenso da esttica e da constituio de seuregime sem distino com a vida ordinria. Duas pesquisasartsticas, herdadas de Duchamp, empreendem explicitamen-te uma tal atitude: como sabemos, so aquelas de John Cagee de Robert Rauschenberg. O primeiro, msico, e o segundo,

    pintor, procuraram se desfazer respectivamente da msica eda pintura, sem para tanto renunciar fazer arte.

    Com 433 feito pela primeira vez por David Tudorem Woodstock, New York, em 1952 John Cage promo-ve a experincia auditiva ordinria categoria de esttica.Durante quatro minutos e trinta e trs segundos, o msicosenta-se ao piano e no o toca. Sua inatividade rompidaapenas pelos gestos de girar a pgina da partitura. A obra seconstitui assim pelo farfalhar e pela reao fsica do pbli-

    co. Essa pea foi inspirada em uma obra de Rauschenberg:Erase De Kooning, de 1953. Rauschenberg tinha pergunta-do a De Kooning, figura emblemtica da arte contempor-nea americana e personagem farol da elite artstica da po-ca, sobre lhe dar um de seus quadros para que ele pudesseapag-lo (erase) com uma camada de tinta. John Cage faz,ento, o mesmo na msica (e mais precisamente em relao msica atonal mais estruturada de seu mestre Schnberg).

    Se Rauschenberg apaga a pintura, Cage apaga a msica, ou

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    ele a pe sob-risco. Trata-se de colocar o msico sob o si-lncio, assim como de pr o grande pintor (De Kooning)sob o apagar, e de permitir uma prtica artstica perfeita-mente controlada. A distino entre som, barulho e msica abolida nesse sentido. A msica enquanto coisa no querdizer nada, diz Cage (1976: 32), tornando explcita a equi-valncia entre experincia musical e experincia auditivaordinria. Mas a perda de sentido da msica convencionalno significa de maneira alguma perder a msica em geral.Ao contrrio, essa perda inaugura a ampliao da msica

    para toda experincia sonora. A msica que perde sua estru-tura no perde sua identidade. Perder a msica enquantocoisa significa abrir a msica a toda experincia subjetivade ordem auditiva, inclusive o silncio. O silncio no exis-te mais, uma vez que a msica est aberta ao ordinrio; ditode outro modo, o silncio msica. Silncio, diz Cage,significa simplesmente o conjunto das sonoridades no so-

    licitadas pelo autor (Charles 1978: 132). A msica deCage , ento, indiscernvel da experincia ordinria, mes-mo daquela qual no prestamos ateno habitualmente.

    A msica de Cage se abre no-msica e empreende, porassim dizer, um regime esttico no qual a obra de arte se abreao que tradicionalmente entendemos por no-arte. A atitudede Cage procura fazer, ento, uma obra de arte no baseadano que temos o hbito de definir como obra (a pea musical),mas com base no que permite receber a obra e, portanto, naexperincia subjetiva de escuta. No a qualidade esttica dosom que importante aqui, mas o processo que funda sua re-cepo auditiva. A atitude de Cage , nesse sentido, profunda-mente fenomenolgica. No por acaso que Mikel Dufrenne(1953: 203) parece descrever433quando afirma que

    o silncio que se faz na sala quando a batuta do maestro

    levantada ou quando so dadas as trs batidas no um

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    silncio que o pblico faz calando-se, um silncio quelhe abre a algum como seu mensageiro: ele faz parte daobra como a moldura do quadro, ele percebido como um

    objeto, o comeo do objeto esttico, assim como tambmpercebido o silncio da floresta ou o silncio da noite.

    Dito em termos fenomenolgicos, o que interessa a Cageno nem o objeto sonoro nem a nica experincia do su-

    jeito, mas a adaptao e o acordo entre um e outro.A fim de pr em relevo o fundamento fenomenolgico

    da experincia esttica do som, Cage no procura trabalharos sons, mas o silncio. justamente a atitude de indife-rena como condio de possibilidade de todo sentimen-to esttico que ele consegue, dessa forma, fazer emergir.Como as pequenas percepes ou as percepes insens-veis de que fala Leibniz, os silncios de Cage no so tofortes para atrair nossa ateno e nossa memria [...], nsos deixamos passar sem reflexo e mesmo sem not-los

    (Leibniz 1880: 211). Os silncios de Cage nos deixam, porconseqncia, indiferentes. Todavia, sua eficcia e sua im-

    portncia so to grandes quanto invisveis. , com efeito,o silncio (como forma sonora imperceptvel) que constituie funda todas as outras sonoridades. Como o uivo ou o

    barulho do mar (Idem, ibidem) se compe de uma miradede pequenas percepes, assim todo som se forma sobre um

    fundo mltiplo de pequenos silncios, tendo cada um suaimperceptvel identidade. Este o mesmo princpio utiliza-do por Rauschenberg nas telas monocromticas: em razode sua naturalidade, elas fazem a experincia da percepovisual ela prpria o princpio fundador do quadro. Se voccompreende que Rauschenberg pintou um novo quadro,diz Cage (1961: 64), a coisa mais sbia a fazer permitirque tudo acontea e acertar-se de uma maneira ou de ou-

    tra para observ-lo. Eis como voc aprender a se servir

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    de seus olhos. A tela, no representando nada e no sendoexpressiva, obriga o observador a reduzir a experincia es-ttica a sua prpria experincia. Assim, o observador noest somente observando o quadro, mas ele est sobretudosentindo novamente a experincia da viso.

    O que o silncio e o monocromtico demonstram quea experincia ordinria , e o foi sempre, fundamento daobra de arte e que a indiferena a condio de possibili-dade para a sensibilidade. Em razo do carter obstinada-mente antiesttico da indiferena, o quadro monocromtico

    pode ter uma tendncia aparentemente suicida, como odiz Lucy Lippard (1967: 58) em um artigo intitulado Thesilent art. Entretanto, deveria estar claro em nossos dias,continua Lucy Lippard (Ibidem 63),

    que um quadro montono no tem nenhuma inteno nihilista.

    A experincia do observar e perceber uma superfcie vazia e

    sem cor progride normalmente atravs do tdio. O espectador

    pode achar a obra entediante, talvez at extremamenteentediante. Depois, de maneira surpreendente, ele ultrapassa

    o tdio e se encontra de outro lado, em uma zona que

    poderamos chamar de contemplao ou, to simplesmente, de

    prazer esttico, e a obra vem a ser mais e mais interessante. [...]

    Quando o olho do espectador se une com o do artista, o vazio

    como o feio se tornaro critrios estticos obsoletos.9

    O tdio como sentimento esttico no se fixa jamais demaneira rgida na experincia do espectador. No entanto, odinamismo prprio do sentimento de tdio no implica ne-cessariamente, como o pretendia Lucy Lippard, que o tdiose transforme magicamente em prazer esttico. O que o tdio

    pode eventualmente produzir, em razo de seu movimento dealternncia, um certo tipo de ateno. Essa ateno poderia,certamente, sugerir o interesse, mas no de maneira necess-

    ria, e sim necessariamente um tipo de interesse capaz de pro-

    9 It should be clear bynow that monotonal

    painting has nonihilistic intent. Theexperience of lookingat and perceivingan empty orcolorless surfaceusually progressesthrough boredom.The spectator mayfind the work dull,then impossibly dull;then, surprisingly,he breaks out onthe other side of

    boredom into anarea that can becalled contemplationor simply estheticenjoyment, andthe work becomesincreasinglyinteresting. []As the eye of thebeholder catches upwith the eye of thecreator, empty, likeugly, will becomean obsolete esthetic

    criterion. (Traduoe destaques nossos.)

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    duzir um sentimento apreciativo e um julgamento de gosto.A ateno que libera o tdio no se destaca jamais completa-mente, como o faria qualquer interesse esttico, e no podetomar uma posio entre o prazer ou o desgosto.

    A ateno produzida pelo tdio necessita constantementede um contraponto um tanto negativo para no oscilar nointeresse esttico. Esse contraponto a distrao. Como aexperincia esttica da indiferena estabelece uma equiva-lncia de valor com o ordinrio, da mesma maneira o tdioreproduz essa equivalncia em seu interior pelo vai-e-vem

    constante entre ateno e distrao. Se a esttica da indife-rena produz uma experincia com interface entre o ordin-rio e o esttico, o sentimento de tdio que lhe conseqente

    produz um movimento afetivo entre ateno e distrao.Nesse sentido, a esttica contempornea profundamentebifacial. s vezes entediante e interessante, a experinciaesttica produzida pela indiferena pode ser apenas dupla emetafrica: no estamos nem completamente no interior daarte, nem completamente na vida; jamais saberamos estarnem muito atentos, nem muito distrados. A produo dadistrao , nesse sentido, uma estratgia capital para pro-duzir o tdio e para evitar que a ateno se transforme emdeciso. A distrao serve assim para contrapor-se aten-o e para manter o equilbrio bifacial do tdio. Como o dizJohn Cage (1961: 57):

    conhecemos duas maneiras de dispersar a ateno: asimetria uma; a outra a superfcie total da qual cadaparcela uma amostra do que encontramos em outroslugares. Nos dois casos, temos pelo menos a possibilidadede observar qualquer lugar e no somente aqui, ondealgum previu que deveramos observar.

    A ateno e a distrao so modos de experimentao

    que fundam a experincia esttica na liberdade do sujeito,

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    e essa liberdade passa necessariamente pelo tdio como re-lao de equilbrio entre essas duas tendncias. Eu tentodesconcentrar a ateno, distra-la, diz Cage (1976: 153).

    Do ponto de vista daquele que cr estar cercado em seudiscurso, o entorno, a realidade que percebida apenascom a desconcentrao da ateno, tudo isso escapa, odiscurso no atinge a jugular, etc. Para mim, nada escapa.Nada est maispresente sem mover-se. As coisas vo evoltam. Elas no esto mais ausentes do que presentes. Seelas fossem mais isso do que aquilo, elas se reduziriam a

    objetos. Uma vez mais, ns temos que tratar de processosantes que de objetos, e no haveria objetos se no houvesseo processo de conjunto, o processo que cada objeto.

    A tendncia fenomenolgica da procura de Cage permi-te-lhe tomar a forma da experincia subjetiva plenamenteesttica. Escutar o silncio ou observar uma tela branca nosignifica de maneira alguma no escutar nada ou nada ob-

    servar, mas escutar a experincia mesma da escuta e ver aforma invisvel da percepo visual.

    Todavia, Cage prefere falar de nobreza antes que de t-dio ou de indiferena porque ele compreende esses dois l-timos como resduos da experincia esttica tradicional. Anobreza , ao contrrio, para Cage, uma atitude esttica des-

    provida de todo julgamento de gosto e de todo subjetivismo.

    Em razo do fato de que Cage (1976: 40) compreende portdio um julgamento de gosto, ele o recusa vigorosamente:por pouco ns decidimos fazer outra coisa do que nos ente-diar!, diz Cage,

    porque o tdio somos ns que nos damos [...], o tdio surgeapenas se ns o suscitamos a ns mesmos. [...] no h maistdio, a partir do momento que no h mais ego [...], nsrompemos com nosso ego: ento tudo renasce sem cessar.

    E no h mais o menor tdio!

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    Mas o tdio do qual falamos aqui de uma outra espcie, um tdio ordinrio cheio da percepo esttica desse mes-mo tdio. Uma tal percepo procurada pelo movimentosensvel entre ateno e distrao. O tdio ordinrio da es-ttica da indiferena no certamente um tdio egosta, masele no tambm anti-subjetivista porque, se possvel deromper com nosso ego, como o diz Cage, mal vemos comonos livrarmos de toda subjetividade, uma vez que tocamosuma experincia fenomenal. Uma conscincia pr-reflexi-va, para diz-lo como Merleau Ponty, , com efeito, irredu-

    tvel a qualquer experincia humana. O que no necessrio a decidibilidade individual, voluntarista ou egosta, de umatal experincia. Assim, o tdio no aqui considerado como

    julgamento de gosto, mas como manifestao sensvel doprocesso de experincia esttica e de sua condio de pos-sibilidade, isto , a indiferena. Mas no momento em quea indiferena antes de tudo uma atitude ordinria, o valoresttico da indiferena consiste nisso que sua forma bifaciale indecidvel formada pelo tdio em seu vai-e-vem entreateno e distrao manifesta e torna visvel a experinciaesttica mais invisvel, aquela da vida ordinria. O paradigmaesttico da arte contempornea manifesta sua especificidadeno que ele preconiza de uma esttica bifacial, uma estticaque se compe por interface entre a experincia esttica e aexperincia ordinria. essa interface que impede a esttica

    da indiferena de cair nos subjetivismos e nos julgamentosde gosto convencionais, que tanto desagradam Cage.Os objetos da arte contempornea so bifaciais porque

    eles so s vezes obras de arte e objetos ordinrios, a experi-ncia esttica contempornea s vezes interessante e ente-diante porque ela se funde com o ordinrio, o espectador ests vezes atento e distrado porque ele est em uma posiode indecidibilidade em relao ao julgamento de gosto. A bi-

    facialidade e a indiscernibilidade da experincia esttica con-

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    tempornea no lhe permite jamais estabelecer uma escalade valor, nem mesmo uma diferena de natureza, entre seusdois componentes. As qualidades estticas e as qualidadesordinrias da experincia se formam umas s outras de ma-neira a tornar-se indiscernveis a si prprias. No saberamosindicar com preciso o que faz o interesse da experincia, seessas so suas qualidades estticas ou suas qualidades ordi-nrias. O interesse dessas experincias consiste precisamenteno contrrio do interesse, isto , na indiferena. As pesquisasartsticas contemporneas conferem uma natureza plenamen-

    te esttica experincia ordinria e qualificam, inversamen-te, a experincia esttica como ordinria. Escutar o silncioe observar a cor so, com efeito, experincias prprias arteassim como vida. Mas a diferena consiste em que expe-rincia esttica ajuda a tornar visvel a forma constitutiva detoda experincia e, ento, daquela ordinria tambm, e issode maneira constitutiva. A esttica da indiferena segue, nes-se sentido, a clebre frmula de Robert Filliou a arte o quetorna a vida mais interessante que a arte. Pouco importa se aarte vem a ser indiferente visto que, por essa indiferena, elarestitui o gosto pela vida.

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