dossie áfrica

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poucos meses de sediar sua primeira Copa do Mundo de Futebol, a África passou por um momento de grande apreensão. Emjaneiro, a sele- ção do Togo seguia de ônibus até a província de Cabinda, em Angola, onde disputaria a Copa Africana de Nações. Mas a viagem foi interrompida por uma dissidência das Forças de Libertação do Estado de Cabinda (Flec), que metralhou o ônibus, Il;latand(j três pessoas da delegação e deixando jogadores feridós. . ii O episódio serviu para chamar atenção para a causa separa- tista de Cabinda e frustrou as pretensões do governo angolano de projetar ao mundo a imagem de uma nação plenamente pacificada, após décadas de guerra civil (1975-2002), no auge de um forte ciclo de desenvolvimento econômico. Na realidade, o país continua refém de várias contradições. An- gola é o maior produtor de petróleo do continente, mas a riqueza gerada por sua exploração fica nas mãos de uma pequena elite e de empresas estrangeiras, enquanto boa parte da população vive na pobreza. Mesmo não representando uma ameaça significativa à estabilidade angolana, o movimento pela independência de Ca- binda reflete a insatisfação com a forte desigualdade social. Rica em petróleo, a província foi anexada à revelia de sua população em 1975 e não recebe os recursos esperados pelos moradores para o desenvolvimento da regíão. A partilha da África Se o episódio de Cabinda lançou uma sombra sobre a Copa da África do Sul, é porque as tensões internas e os conflitos marcam o passado e o presente de diversos países africanos. Os problemas que afligem Angola, de certo modo, se reproduzem em boa parte do continente e são resultado das mal resolvidas contendas políticas, econômicas e sociaís herdadas do período colonial. Desde o século xv, a África é subjugada pelos europeus. Por quase quatro séculos, Portugal, Espanha e Inglaterra levaram para o continente americano mão de obra escrava capturada na África. Estima-se que cerca de 12,5 milhões de africanos tenham desembarcado à força nas Américas. Só no Brasil, O número de escravos ficou em torno de 4 milhões a 5 milhões, que vieram principalmente dos territórios onde ficam Guiné, Costa do Marfim, Benin, Congo, Angola e Moçambique. Mesmo controlando o tráfico negreiro, os europeus mantinham presença discreta no continente, limitada a entrepostos comerciais na regíão costeira. Isso permitiu à África manter uma dinâmica social própria, com Estados, reinos e impérios autônomos - além de tribos e povos espalhados por seu território. Porém, no fim do século XIX, as potências europeias iniciaram uma corrida impe- rialista para controlar o continente, em busca de novas fontes de matérias-primas e de mercados para seus produtos manufaturados. Era o auge da II Revolução Industrial. A disputa pelo domínio da África acirrou as desavenças entre as potências. Para resolver o impasse, os países envolvi- 281 ATUAlIDADES VESTIBULAR SEMESTRE 2010 As muitas , A/ricas Assim como o continente americano, a África deveria ser tratada no plural, por seu tamanho e variedade de paisagens naturais e humanas o continente tem 20% das terras emersas ... Área (em milhões de kml) 10,3 Europa Ásia América ÁFRICA ® Oceania 13,2 Antártica ••• e 15% da populafão mundial População (em milhões de pessoas) e o ' 0 Europa ., o Á si a América ÁFRICA 36 Oceania Fontt: Almanaque Abri/ PIB per capita e esperança de vida Nem sempre o PIB per capita está diretamente relacionado à esperança de vida. Em muitos casos o o problema é a di s tribuição de renda e a falta de acesso à saú de e a outros direitos básicos. América Europa e Ásia Central África Subsaariana Oriente Médio e Norte da África Sul da Ásia Ásia Oriental e Pacifico Cada bolinha representa um país Por pais - 2007 100.00 o . 40.00 O África r., r " .- . ... -, O do 5.( \ ' , . . .... .. O 1' ,:. :: '- - · . . . . :: ,. .. O . ': . . .... .. . 20.00 2. 10.00 4.00 O · . ..... . . . .. . . 2.00 '" O "." ... -2 Moç. o::: 1.00 Nlger O .-o 'Burundi RDC 40 40 50 60 70 80 / Expectativa de vida (anos) Note como África do Sul e Gabão destoam do agrupamento. Esses pa(ses têm renda acima da média, mas seus habitantes vivem pouco F onte: Gopmlndtr CA A at di Fr Os Áfl po e) es' int na Di' An étl

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Page 1: Dossie áfrica

poucos meses de sediar sua primeira Copa do Mundo de Futebol, a África passou por um momento de grande apreensão. Emjaneiro, a sele­ção do Togo seguia de ônibus até a província de Cabinda, em Angola, onde disputaria a Copa Africana de Nações. Mas a viagem foi interrompida

por uma dissidência das Forças de Libertação do Estado de Cabinda (Flec), que metralhou o ônibus, Il;latand(j três pessoas da delegação e deixando jogadores feridós. . ii

O episódio serviu para chamar atenção para a causa separa­tista de Cabinda e frustrou as pretensões do governo angolano de projetar ao mundo a imagem de uma nação plenamente pacificada, após décadas de guerra civil (1975-2002), no auge de um forte ciclo de desenvolvimento econômico.

Na realidade, o país continua refém de várias contradições. An­gola é o maior produtor de petróleo do continente, mas a riqueza gerada por sua exploração fica nas mãos de uma pequena elite e de empresas estrangeiras, enquanto boa parte da população vive na pobreza. Mesmo não representando uma ameaça significativa à estabilidade angolana, o movimento pela independência de Ca­binda reflete a insatisfação com a forte desigualdade social. Rica em petróleo, a província foi anexada à revelia de sua população em 1975 e não recebe os recursos esperados pelos moradores para o desenvolvimento da regíão.

A partilha da África Se o episódio de Cabinda lançou uma sombra sobre a Copa da

África do Sul, é porque as tensões internas e os conflitos marcam o passado e o presente de diversos países africanos. Os problemas que afligem Angola, de certo modo, se reproduzem em boa parte do continente e são resultado das mal resolvidas contendas políticas, econômicas e sociaís herdadas do período colonial.

Desde o século xv, a África é subjugada pelos europeus. Por quase quatro séculos, Portugal, Espanha e Inglaterra levaram para o continente americano mão de obra escrava capturada na África. Estima-se que cerca de 12,5 milhões de africanos tenham desembarcado à força nas Américas. Só no Brasil, O

número de escravos ficou em torno de 4 milhões a 5 milhões, que vieram principalmente dos territórios onde ficam Guiné, Costa do Marfim, Benin, Congo, Angola e Moçambique.

Mesmo controlando o tráfico negreiro, os europeus mantinham presença discreta no continente, limitada a entrepostos comerciais na regíão costeira. Isso permitiu à África manter uma dinâmica social própria, com Estados, reinos e impérios autônomos - além de tribos e povos espalhados por seu território. Porém, no fim do século XIX, as potências europeias iniciaram uma corrida impe­rialista para controlar o continente, em busca de novas fontes de matérias-primas e de mercados para seus produtos manufaturados. Era o auge da II Revolução Industrial.

A disputa pelo domínio da África acirrou as desavenças entre as potências. Para resolver o impasse, os países envolvi-

281 ATUAlIDADES VESTIBULAR 1° SEMESTRE 2010

As muitas , A/ricas Assim como o continente americano, a África deveria ser tratada no plural, por seu tamanho e variedade de paisagens naturais e humanas

o continente tem 20% das terras emersas ... Área (em milhões de kml)

• • 10,3 Europa • Ásia

América • ÁFRICA ® Oceania

•13,2

Antártica

••• e 15% da populafão mundial População (em milhões de pessoas) e

o ' 0

Europa ~ ., o Ásia

América ÁFRICA 36 • Oceania

Fontt: Almanaque Abri/

PIB per capita e esperança de vida Nem sempre o PIB per capita está diretamente relacionado à esperança de vida. Em muitos casos o

o problema é a distribuição de renda e a falta de acesso à saú de e a outros direitos básicos.

América • Europa e Ásia Central • África Subsaariana • Oriente Médio e Norte da África • Sul da Ásia • Ásia Oriental e Pacifico Cada bolinha representa um país

Por pais - 2007 100.00 o

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Note como África do Sul e Gabão destoam do agrupamento. Esses pa(ses têm renda acima da média, mas seus habitantes vivem pouco

Fonte: Gopmlndtr

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Page 2: Dossie áfrica

.. CABO VERDE

Ilhas Canárias (Espanha)

As duas grand~s divisões do continente africano são a Africa Setentrional (ou do

Nçrte), dominada pelo deserto, e a Africa Subsaariana. Com uma área

semelhante à do Brasil, o deserto do Saara é uma barreira e um elo entre as

duas subdivisões do continente. A borda sul do deserto, que vai da região da

Guiné (a oeste) ao mar Vermelho (a leste), é a região do Sahel.

Fronteiras artificiais

SÃO TOMÉ E PRíNCIP'E

OCEANO ATLÂNTICO

Os mapas abaixo mostram a diferença brutal entre as regiões étnicas e culturais da África e as fronteiras políticas impostas pelas potências coloniais. A atual divisão política dos países africanos é resultado da colonização europeia, entre os séculos XVI e XX, e foi definida com a Conferência de Berlim (1B84-18B5). As potências coloniais estabeleceram áreas de domínio e criaram fronteiras que atendiam a seus próprios interesses, ignorando os territórios das tribos e das etnias nativas. As nações nascidas com a independência basearam suas fronteiras na divisão política colonial

Divisão étnica Antes da colonização europeia, a grande diversidade étnica estabelecia a organização social na África

A partilha do continente A Conferência de Berlim de 1885 definiu fronte iras arbitrárias e os domínios de cada potência europeia

Marrocos

RlodeO

11 Reino Unido • Itália • Portugal • Bélgica

França • Espanha

-

• Alemanha Pafses independentes

Fonte: Atlas Histórico (scolar, 8 ed., FenomelMEC, pógs. 138, 139

Divisão política atual

o SOO km ~

SEICHELES

I COMORES

MAURíCIO . ~

Após a independência, os países africanos herdaram as fronteiras artificiais impostas pelas potências coloniais

lO SEMESTRE 2010 ATUALlDADES VESTIBULAR 129

Page 3: Dossie áfrica

o ser humano surgiu na África

A Africa é o berço da humanidade, se· gundo as evidências científicas existen· tes hoje em dia sobre a origem dos seres humanos. Acredita·se que o primeiro ano cestral do homem tenha vivido há cerca de 4,4 milhões de anos na região que hoje corresponde à Etiópia. No fim do ano pas· sado, a revelação dos esqueletos de uma fêmea da espécie Ardipithecus ramidus re· forçou ainda mais essa tese. "Ardi", como i

foi batizada, é o fóssil mais antigo de um hominídeo de que se tem notícia.

Já o Homo sapiens sapiens, espécie à qual pertencemos, surgiu entre 210 mil e 150 mil anos atrás. De acordo com um estudo da Universidade da Pensilvãnia divulgado no ano passado, os primeiros seres huma· nos modernos viveram na região que se situa na fronteira entre Angola e Namlbia. Há 50 mil anos, o homem teria deixado a Africa, cruzando o mar Mediterrãneo em direção à Asia, e, dali, partido para outras partes do mundo.

Sitios arqueológicos o interior da atual Etiópia concentra restos dos primeiros humanos modernos e de seus mais antigos ancestrais, como Lucy, uma australopiteco de 4,4 milhões de anos, e Ardi, uma ardipiteco de 4, 5 milhões de anos

Fontes: Seience e fi País

30 I ATUALlDADES VESTIBULAR 1° SEMESTRE 2010

DC)SSIÊ ÁFIIICA

Após a descolonização, os países africanos continuaram tendo sua política e sua economia ditadas pelo exterior

dos realizaram a Conferência de Berlim, entre 1884 e 1885. O encontro definiu a partilha do continente entre as principais nações europeias, criando fronteiras artificiais, sem levar em conta os territórios das etnias nativas (veja os mapas na pág. 29). As consequências dessa partilha foram devastadoras. A divisão atendia aos interesses das potências europeias, que desprezavam a diversidade de culturas e, em certos casos, incitavam conflitos entre tribos rivais como estratégia de do­minação do território. Apenas a Libéria - nação formada por ex-escravos e descendentes de escravos norte-americanos - e a Etiópia mantiveram-se independentes.

Independência Na segunda metade do século XX, o cenário político inter·

nacional favoreceu a independência das colônias africanas. Enfraquecidas após a II Guerra Mundial (1939-1945), as potên­cias europeias tinham dificuldade para fazer valer seu domínio na África. A hegemonia global passou a ser disputada pelos Estados Unidos (EUA) e pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que eram favoráveis à descolonização afri­cana para poder exercer sua influência numa região dominada pela Europa. Outra expressão dessa redefinição do panorama global era a pressão das empresas transnacionais para que os países africanos abrissem seus mercados.

Nessa época, surgiram importantes lideranças em países africanos, que, em muitos casos, conduziram o processo de independência pacificamente, pela ação política. Mas nações como Argélia, República Democrática do Congo e Angola en­frentaram guerras duríssimas para se livrar do jugo colonial. Esse período se estendeu do fim da guerra (1945) a meados da década de 1970, quando houve a independência das ex-colônias portuguesas (Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe).

O início do período pós-colonial provocou uma expectativa de desenvolvimento da África. Mas os novos Estados, nascidos com as fronteiras coloniais, careciam de um autêntico senti· mento de identidade e unidade nacional. Em pouco tempo, ° otimismo deu lugar em muitos países a violentas disputas pelo poder, golpes de Estado e ditaduras militares. Muitos desses conflitos tiveram a intervenção dos EUA e da URSS, que levaram a Guerra Fria para a África, por meio da disputa por áreas de influência. Economicamente, o continente continuava atrasado, preso ao modelo agrícola colonial, dependente de ajuda externa e com baixíssima inserção no comércio mundial (veja na pág. 34). Apesar da soberania alcançada oficialmente, na prática a África pós-colonial continuou tendo seus rumos largamente conduzidos a partir do exterior.

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Sul

Page 4: Dossie áfrica

§ ~ .. ~--~----------------------------------------~~~~----------------------------------As duas Áfricas

Em termos geográficos e humanos, o continente apresenta duas grandes sub-regiões: a África Setentrional (ou África do Norte) e a África Subsaariana (veja mapa na pág. 29). O limite natural entre ambas é o deserto do Saara. Imediatamente ao sul do deserto há uma faixa semiárida conhecida como Sahel (parte da África Subsaariana).

Os seis países da África Setentrional têm características físicas e humanas semelhantes às das nações do Oriente Médio. Com clima desértico, a região é majoritariamente ocupada por povos árabes, que, desde o século VII, difundiram sua língua, sua cultura e o islamismo. A porção mais ocidental dessa região, conhecida pelo nome de Magreb (que significa "poente", em árabe), compreende o Marrocos, a Argélia e a Tunísia. Os outros três países da África Setentrional são Líbia, Egito e Djibuti. Já a África Subsaariana reúne os 47 países ao sul do deserto do Saara e possui população predominantemente negra, com hábitos, idiomas e religiões distintos dos encontrados no norte da África.

O Sahel é a área de transição entre a África Setentrional e a Subsaariana. Abrange 12 países africanos, num corredor que corta o continente de oeste a leste: Mauritânia, Senegal, Mali, Burkina Fasso, Níger, Nigéria, Chade, Sudão, Eritreia, Etiópia, Djibuti e So­mália. No decorrer dos séculos, a população nativa foi influenciada pelos árabes ao norte e pelos europeus que chegaram ao continente pela costa. Essa diversidade cultural está na origem das rivalidades étnícas e religiosas no Sahel (veja mais na pág. 38).

VIDAS SECAS Deserto do Saara, na Argélia: o país fica na África do Norte, que reúne características físícas e culturais diferentes das da África Subsaariana

Etnias, religiões e línguas Vários grupos étnicos compõem a

população de 1 bilhão de habitantes da África (veja mapa na pág. 29). Mesmo dentro das duas grandes regiões, a di­versidade de povos é grande. Na África Setentrional, predominam os grupos mediterrâneos brancos - caucasoide e semita, principalmente. Ao sul do Saara,

a população negra compreende vários povos - os pigmeus nas selvas equatoriais, os coisans nos desertos e planaltos meridio­nais, os sudaneses das savanas e os bantos da África Central são os mais numerosos.

Do ponto de vista religioso, o islamismo (predominante no norte) tem o maior número de seguidores no continente, representando 45% da população. O cristianismo (majoritário no sul) é praticado por cerca de 35% dos africanos. Uma das nações cristãs mais antigas do mundo, a Etiópia é um desta­cado representante da religião do continente. A África ainda conta com muitos adeptos entre as inúmeras religiões nativas da população.

A variedade linguística também espelha a heterogeneidade africana. Entre as mais de 2 mil línguas faladas na África, es­tão os dialetos locais, de raiz africana, que convivem com os idiomas introduzidos pelos colonizadores europeus - inglês, francês e português são os mais comuns.

1° SEMESTRE 2010 ATUALlDADES VESTIBULAR 131

Page 5: Dossie áfrica

Uma cultura rica ~ principalmente por meio de sua vibrante

musicalidade que se manifesta a rica cultura africana. Os ritmos do continente exercem grande influência nos gêneros contempo· râneos mais populares. Se você gosta de samba, rap, reggae, funk, soul, rock, blues ou jazz, já deve saber que esses estilos mu· sicais têm fortes raízes africanas.

Esses gêneros foram criados pelos africa· nos e seus descendentes nas Américas. Eles adotaram os instrumentos do novo conti· nente, absorveram a música local e criaram ritmos baseados na percussiva música da Africa, que logo caíram no gosto popular e foram difundidos mundo afora.

Além de exportar seu know·how musical para dar origem a novos estilos, a Africa pos­sui artistas de peso no próprio continente. Um é o senegalês Voussou N'Oour, que já trabalhou com Peter Gabriel e Paul Simon e ganhou projeção internacional com a cano ção Seven Seconds, gravada com a cantora Neneh Cherry. Mas talvez o maior expoente da música africana seja a sul·africana Mi· riam Makeba, falecida em 2008. Conhecida como Mama Africa, ela simbolizava a voz de protesto contra o apartheid e viveu no exilio até a libertação de Nelson Mandela. Seu maior sucesso é Pata Pata.

321 ATUALlDADES VESTIBULAR 1° SEMESTRE 2010

I)C)SSIF. ÁFRICA

Pobreza ao sul do Saara Ocupando cerca de 80% do continente, a África Subsaariana

apresenta os piores índices econômicos e sociais do planeta. O último Relatório de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas, divulgado em novembro de 2009, mostra que, das 24 nações com baixo desenvolvimento humano, 22 ficam na região.

Quando observamos alguns indicadores sociais isoladamente, a situação parece ser ainda mais dramática. Mais de um quarto das crianças com menos de 5 anos são desnutridas, e a morta­lidade infantil é de 89 para cada mil nascimentos (o número aceitável mundialmente é de no máximo 20 mortos para c~da mil). Muitas dessas mortes ocorrem porque as condições de saneamento básico (água e esgoto) são muito ruins. Apenas 58% da população tem acesso à água potável.

Mais da metade dos 961 milhões de habitantes encontra-se abaixo da linha de pobreza - ou seja, vivem com menos de 1,25 dólar por dia. Nem mesmo o crescimento econômico dos últi­mos anos (veja na pág. 34) conseguiu elevar substancialmente a renda per capita, que permanece em apenas mil dólares, para uma média mundial de 8,6 mil. Entre 1980 e 2008, a renda per capita na África Subsaariana pouco mais que dobrou, enquanto mundialmente ela O FLAGELO DAAIDS quadriplicou no período. Diante de dados pouco animadores, a ONU afirma que nenhuma nação da África Subsaariana está a caminho de cumprir as Metas de Desenvolvimento do Milênio - conjunto de objetivos de melhoria no padrão de vida das nações do mundo traçados em 2000 para ser atingidos até 2015.

A África Subsaariana tem dois terços dos soropositivos do mundo: os mais jovens, como as crianças de Uganda abaixo, são as principais vítimas SEMF

• Aids

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Page 6: Dossie áfrica

SEM RUMO A pobreza estimula conflitos como o de Darfur, no Sudão: para fugir da guerra, a população é obrigada a viver precariamente em campos de refugiados

Aids e mortalidade A situação de pobreza no continente africano implica sérias

consequências para a saúde da população. Até mesmo doenças erradicadas há muito tempo em países desenvolvidos ainda re­sistem na África. É o caso da malária. O continente responde por 89% das 863 mil mortes no mundo pela doença todo ano.

Mas a pior tragédia na saúde pública africana continua sendo a epidemia de aids, iniciada há cerca de duas décadas. Hoje, a África Subsaariana abriga mais de dois terços dos 33,4 milhões de soro­positivos no mundo. Cerca de 72% dos 2 milhões de pessoas que morreram de aids em 2008 são da região. O impacto da doença é cada vez maior entre os mais jovens. Em todo o planeta, existem 2,2 milhões de crianças e adolescentes até 15 anos vivendo com o vírus da aids, dos quais 1,9 milhão vivem na África Subsaariana.

Em cinco países vizinhos do sul do continente - Botsuana, Lesoto, África do Sul, Suazilândia e Zimbábue - , mais de 15% da população adulta tem o virus HIv. A situação é especialmente dramática na Suazilândia, onde mais de um quarto da população está contaminada. A expectativa de vida no país caiu de 74 anos em 1990 para 37 anos em 2007. A tragédia da aids, por sinal, é um dos fatores que mais contribuem para que a esperança de vida ao nascer tenha despencado na África Subsaariana. Hoje, a expec-

tativa de vida na região é de apenas 51 anos, bem menor do que a média mundial, de 69 anos. A falta de informação da população e o descaso das autoridades, que, por muitos anos, se recusaram a admitir a gravidade da situação, são as principais causas para a propagação do virus na região.

Nos últimos anos, porém, houve aumento considerável no núme­ro de contaminados que passaram a ter acesso aos medicamentos retrovirais - conjunto de drogas usado no tratamento da doença. Um programa de mobilização nacional em Uganda conseguiu deter a epidemia, e os tratamentos com retrovirais reduziram a mortalidade em 95%. Em Botsuana, a taxa de prevalência do HIV entre os adultos é grande, mas os medicamentos já atingem 80% da população, o que contribuiu para que as mortes relacionadas à aids caíssem pela metade em cinco anos.

Mesmo em meio a grandes dificuldades, exemplos como esses alimentam a esperança de que a África seja capaz de superar seus imensos problemas. A Copa do Mundo de 2010 é uma oportunidade para a África do Sul e para outras nações do continente mostrarem ao planeta algumas conquistas obtidas nos últimos anos, mas também a realidade de uma região que há décadas sofre com o descaso e a omissão dos principais atores políticos e econômicos globais.

1° SEMESTRE 2010 ATUALlDADES VESTIBULAR 133

Page 7: Dossie áfrica

ECC)NC)I\'IA C) IIICC) CC)NTI N ENTE I'C)IIIIE Há séculos explorada pelas potências mundiais, a África é o continente menos desenvolv~do do plar:eta, ~pesar de P?ssuir enormes rIquezas mmerms e e_nefg~tIcas

! ~:1

" situação vem se tornando cada vez mais comum em países como Angola, Nigéria, República Democrática do Congo (RDC) e Sudão: a presença de operários chineses nos diversos can­teiros de obra espalhados por essas nações africanas. Desde o início do

século, quando o governo de Pequim passou a investir ma­ciçamente na África, pelo menos meio milhão de chineses já desembarcaram no continente. Além de expandir a precária infraestrutura local, eles ajudam a extrair petróleo e outras matérias-primas de que a China necessita para sustentar o crescimento de sua economia.

Não é de hoje que o mundo está de olho nas riquezas afri­canas. Desde o século xv, quando os europeus iniciaram a ocupação da África, o continente vem sendo pilhado. Afinal, lá estão 75% do cobalto, dois terços dos diamantes, mais da metade do ouro e um terço do urânio de todo o planeta (veja mapa na pág. ao lado). Estima-se que possam ser extraídos do continente africano 125 bilhões de barris de petróleo, o que representa cerca de 10% das reservas mundiais.

O fato de essa riqueza ainda não ter sido usada para acabar com a miséria e elevar o padrão de vida da população é um dos componentes mais cruéis da tragédia africana. Para agravar a situação, os recursos naturais africanos são alvo de disputas entre milícias rebeldes e governos frágeis - com interesse frequente de empresas de fora -, ajudando a fomentar diversos conflitos no continente (veja na pág. 38).

Economia frágil Apesar de a exploração mineral ter criado polos de desen­

volvimento no continente, de modo geral a economia africana continua sendo essencialmente agrícola. Desde o período colonial, a África mantém como modelo as pequenas lavouras de subsistência, que empregam mais de 70% dos trabalhadores africanos, e a monocultura exportadora. Café, cacau, algodão, amendoim estão entre os principais itens produzidos.

Com uma economia pouco diversificada, os países africanos tornam-se vulneráveis a choques internacionais, como uma queda brusca nos preços das commodities no mercado mundial, ou a imprevistos ambientais, já que períodos de seca ou enchentes

34 1 ATUALlDADES VESTIBULAR lO SEMESTRE 2010

I)()SSIÊ ÁFIIICA

------- ---

Gigante com pés de barro o FM I divide o mundo entre países com economia avançada e os outros, chamados de "emergentes e em desenvolvimento"_ No primeiro grupo estão 33 países. No segundo, 149 -um terço deles é de africanos

PIB mundial 2008: US$ 60,6 trilhões Participação por continente (em %)

1,7 Oceania

Juntos, os PIBs (produtos internos brutos) dos 53 países africanos somaram cerca de 1,5 trilhão de dólares em Z008, pouco menos que o PIB brasileiro

PIB per capita, em dólares Veja no gráfico abaixo que, nos últimos 30 anos, o PIB per capita da Europa e da América dispararam, enquanto o africano ficou quase estacionado, elevando-se um pouco após 2000 PIB per capita de Z008 (US$ mil)

1Z9,3

2Z,5

---+-7 1 9.1

r-::::r-~===:E:::E=::;t;d 4,1 .... 1,6 1980 1990 2000 2008

PI B dos países africanos - 2008 Apenas África do Sul, Nigéria, Argélia e Egito passam dos 100 bilhões de dólares de PIB - o equivalente, na América Latina, ao PIB do Peru, por exemplo_ Juntos, esses países somam mais da metade do PIB africano

Em bilhões de dólares

• 100-277 25-100 5-25

• Menos de S Sem dados

fonles: FMle8llnco Mundial

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Page 8: Dossie áfrica

Os territórios da África "útil" As riquezas do continente e áreas que recebem a maioria dos investimentos estrangeiros

o Produção de petróleo e gás

O Produção mineral O Exploração floresta l

Principais recursos energéticos

a Petróleo a Gás natural U Urânio c Carvão

Principais recursos minerais Ouro • Zinco

• Prata • Manganês • Ferro • Bauxita • Cobre • Cromo • Cobalto • Platina • Níquel <> Diamante • Estanho i< Outras pedras • Chumbo minerais

. Floresta tropical

Para ler este mapa, comece identificando as riquezas naturais do continente. Note, por exemplo, como a

exploração de petróleo ocorre hoje em várias partes: norte da África (prOdução mais antiga), sul do Sudão e do Chade e o golfo da Guiné. A economia da África do Sul baseia-se

na exploração mineral. Na República Democrática do Congo, as áreas de mineração confundem-se em parte com

as zonas de conflito. Com as linhas vermelhas, azuis e verde você tem uma ideia das regiães que estão recebendo

o grosso dos investimentos financeiros

Herança maldita .

SEICHElES

, COMORES

J

fonte: le Monde Oip/amoUque

O fraco comércio regional o colonia li smo europeu na Africa privilegiou o extrativismo e reprimiu a industrialização. O mapa de comércio internacional abaixo mostra que o continente contin ua ligado basicamente aos países ricos (Europa e EUA)

o Egito Antigo e o Reino do Mali foram civilizações africanas que desenvolveram sua economia, cultura e política com base no comércio regional. Isso se perdeu a partir do século XIX, quando os europeus cortaram laços produtivos históricos entre os africanos para monopolizar suas relações comerciais

US$ mil hões ... Exportações

.. Importações

Balança comercial (2006)

Superavitá rio • Deficitário

Sem dados

fonte: le Monde Oiplomatique

Percentual intrarregional do comércio exterior (2004/06) 80 I • Impoitações 70 [ , • Exportações 60 - t

so I- !

40 '

30 ) _.

20 )

intra-africano ter se ampliado nos últimos anos, há o, décadas a África é o único continente a registrar menos '

I Segundo as Nações Unidas, apesar de o comércio N10 í

de 10% de transações comerciais no próprio continente l ! Em desenvolvimento , Desenvolvida fonte:UNCTAO

1° SE MESTRE 2010 ATUALIDADES VESTIBULAR 135

Page 9: Dossie áfrica

Entre 2000 e 2008, o comércio entre os países africanos e a China aumentou quase dez vezes

podem arrasar as colheitas. Essa fragilidade econômica levou boa parte das nações africanas a recorrer à ajuda financeira, principalmente a partir dos anos 1970. O resultado foi um grande crescimento da dívida externa, que acentuou a dependência dos investidores estrangeiros. O débito atual de países como Libéria, Zimbábue e República Democrática do Congo (RDC) chega a superar o próprio PIB. Mesmo se essas nações oferecessem toda a produção de um ano para quitar a dívida, contil1uru;íam devendo. Nos últimos anos, as discussões sobre o perdão;}da dívida aos países africanos avançou pouco, beneficiando as poucas nações comprometidas com planos contra a corrupção e de cortes nos gastos estatais, como Guiné e Moçambique.

Com a atual globalização, iniciada nos anos 1990, e a abertu­ra das economias, a situação africana agravou-se. Em 1984, as exportações do continente representavam 6,5% do comércio global, taxa que despencou para 2,5% em 1993. O caso do algodão exemplifica as condições desiguais que impedem os africanos de colocar seus produtos com lucro no mercado mundial. A lavoura algodoeira é a fonte de sobrevivência de pelo menos 15 milhões de pessoas no oeste da África. Mas os subsídios (ajuda financeira) que os EUA e a União Europeia dão a seus agricultores aumentam a produção global e derrubam as cotações, impedindo que a atividade seja lucrativa para os africanos.

Novo colonialismo Com o crescimento da demanda mundial por petróleo e

minérios nos últimos anos, ampliou-se a cobiça global pelos recursos naturais africanos. O atual modelo econômico é alvo de comparações com o processo de colonização pelo qual o continente passou nos séculos XIX e XX. Sem tecnologia, financiamento nem mão de obra especializada suficiente para explorar suas riquezas, os países africanos ficam dependentes de empresas e governos estrangeiros para realizar o serviço. Essa espécie de novo colonialismo acaba perpetuando um modelo extrativista em que os africanos têm pouca autonomia nos rumos de sua economia.

Atualmente, cresce a olhos vistos na África a presença da China, a principal economia emergente do século XXI. Desde 2000, o comércio dos chineses com a África aumentou quase dez vezes, chegando a 107 bilhões de dólares em 2008. A estratégia chinesa tem como principal objetivo ampliar seu acesso aos recursos energéticos da região. Cerca de um terço das atuais importações chinesas de petróleo vem da África. Em troca do produto, os chineses constroem pontes, estradas, hidrelétricas, hospitais e escolas. Além disso, a China oferece vantajosos empréstimos aos africanos. Em setembro de 2009, o governo de Pequim anunciou uma linha de crédito de 10 bilhões de dólares para estimular o desenvolvimento do continente. As relações comerciais também avançam em razão do comporta­mento chinês diante dos regimes políticos africanos. A China adota o princípio de não ingerência nos assuntos internos das

36 1 ATUALIDADES VESTIBULAR ,0 SEMESTRE 2010

I)()SSIF. ÁFllIeA

o Brasil de olho na África Desde o inicio do mandato, em 2003, o pre­

sidente Luiz Inácio Lula da Silva já realizou seis viagens à Africa, visitando 16 palses. Essa ação diplomática reflete o crescente interesse brasileiro no continente. Se em 2000 o comércio entre Brasil e Africa mo­vimentava 3,1 bilhões de dólares, em 2008 esse valor saltou para 26,3 bilhões.

O Brasil importa de lá principalmente pe­tróleo e minérios e exporta açúcar e velculos. Em 2008, três palses concentravam 51,8% das exportações brasileiras ao continente: Nigéria, Africa do Sul e Angola. É com os angolanos, por sinal, que o Brasil tem maior afinidade comercial. Empresas brasileiras, como a Odebrecht e a Petrobras, movimen­tam mais de 10% do PIB de Angola .

O Brasil também mantém parcerias co­merciais com Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Cabo Verde, as outras nações africanas que, assim como Angola, pertencem à Comunidade dos Países de Ungua Portuguesa (CPLP) - organização criada para promover as relações entre as nações que falam português.

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INVESTIDORES ESTRANGEIROS TOMAM CONTA DAS TERRAS AGRiCOLAS AFRICANAS

Governos e fundos de investimentos estão comprando terras agríco las para cultivo na Africa e na Ásia - um negócio luc rativo, levando em conta o crescimento da população global e o a umento rápido dos preços dos alimentos. ( ... )

A terra é escassa e cara na Europa e nos Estados Unidos. Reso lver esse problema significa desenvolver novas terras, que estão disponíveis somente na Africa, Ásia e América do Sul. ( ... ) A britânica Susan Payne é a diretora executiva do maior fundo de terra s no sul da Africa, que atua lmente inclui 150 mil hecta­res, principalmente na África do Sul, Zâmbia e Moçambique. O fundo de terras de Payne paga de USS 350 a USS 500 por hectare na Zâmbia, cerca de um décimo do preço das terras na Argentina ou nos Estados Unidos. ( ... ) A diferença em relação a esse novo colonialismo é que os países estão permitindo prontamente ser conquistados. O primeiro-ministro da Etiópia disse que seu governo está "a nsioso" para oferecer acesso a centenas de milhares de hectares de terras agrícolas. ( .. . )

Der Spiegel, no UOL, 2/8/2009

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Page 10: Dossie áfrica

nações com as quais negocia, indepen­dentemente de o país ter um presidente acusado de cometer crimes de guerra, como acontece no caso do Sudão.

Com sua investida, a China tenta roubar o lugar privilegiado nas relações

OURO, DIAMANTE, FERRO, COBRE ... Mineiro garimpa ouro em 2009 na República Democrática do Congo: a exploração mineral do país não é revertida

comerciais com o continente africano em desenvolvimento que historicamente é da Europa e, mais recentemente, dos Estados Unidos. An­tigas metrópoles, como o Reino Unido, estabeleceram par­cerias comerciais especiais com suas ex-colônias logo após a independência que perduram até hoje. Os franceses mantêm acordos econômicos e contam com forte presença militar em solo africano. Os EUA também realizaram uma ofensiva comercial, diplomática e militar no continente. Para reduzir a dependência do instável Oriente Médio, os norte-americanos aproximaram-se de países africanos, que já respondem por 16% de todo o petróleo importado pelos EUA.

Ciclo de crescimento Essa nova onda de exploração de minérios e fontes de energia

é um dos componentes que ajudam a explicar o recente cres­cimento econômico no continente. Desde de o início dos anos 2000, o PIB da África registra um crescimento anual de 5% em média, apoiado principalmente no aumento das exportações e do preço das commodities. Nesse período, muitos países do

continente passaram por processos de democratização, contri­buindo para criar u,m ambiente de maior estabilidade política. A par disso, o número de conflitos diminuiu em relação a 20 anos atrás, o que permitiu alocar investimentos públicos em setores mais produtivos da economia.

O crescimento africano é sustentado principalmente por pa­íses exportadores de petróleo e de minérios estratégicos, como Angola, Camarões, Chade, os dois Congos, Guiné Equatorial, Sudão, Gabão e Nigéria. O ruim é que há também um aumento da desigualdade de renda nesses países. Em 1975, os 10% mais ricos da população subsaariana recebiam 10,5 vezes mais que os 10% mais pobres. Em 2005, essa relação cresceu para 18,5 vezes. Angola, por exemplo, é o maior produtor de petróleo no conti­nente e vem apresentando crescimento superior a 15% ao ano desde 2005. Mas o país ocupa apenas a 143" posição do ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), e boa parte da população depende de ajuda humanitária para comer.

A fragilidade das instituições e a corrupção ajudam a perpetuar a desigualdade social. Segundo a ONG Transparência Internacio­nal, os países que mais produzem petróleo no continente estão entre os 30 mais corruptos do planeta. Quando os recursos não são escoados pelo ralo da corrupção, a gestão pública deixa a desejar na hora de usar os rendimentos provenientes do petró­leo para desenvolver a economia. Entre os grandes desafios da África, o maior talvez seja traduzir esse progresso econômico em benefícios sociais para toda a população.

,0 SEMESTRE 2010 ATUAlIDADES VESTIBULAR 137

Page 11: Dossie áfrica

CClNFI.ITC)S AAFIIICA SC)II FC)GC) CIIIIZAI)C) Disputas por riquezas naturais e acesso a recursos como terra e água estão na origem dos principais conflitos no continente ,

, J •

oa parte dos conflitos armados em curso no mundo tem como motivação principal o controle por recursos naturais estratégicos, principalmente o petróleo. A situação não é diferente na África. A contradição entre as vastas reservas minerais e energéticas do continente e o cenário de fome, miséria e

desemprego que aflige parcela considerável da população con­tribui decisivamente para elevar a tensão e originar guerras.

Ainda pouco explorados, os abundantes recursos, que incluem petróleo e pedras preciosas (veja mais na pág. 34 e 35), são alvo de uma disputa acirrada, que envolve grupos armados, governos e também empresas, que tentam tirar proveito da instabilidade política e da fragilidade institucional de muitos Estados para explorar esses recursos. As guerras que surgem nesse contexto costumam ser financiadas com o lucro obtido da extração das riquezas naturais e, frequentemente, extrapolam as fronteiras nacionais, envolvendo vários países no confronto - o maior exemplo é o que ocorre na República Democrática do Congo (RDC) (veja na página 41).

As guerras também eclodem em regiões onde há escassez de recursos e muita desigualdade social. A pobreza de diver­sas populações acirra as tensões e provoca disputas por bens básicos, como água potável e terras cultiváveis, como ocorre em Darfur, no Sudão. Não por acaso, a fase mais aguda dos conflitos coincide com o agravamento da situação econômica do continente, nos anos 1990, quando o acesso à alimentação e a pequenas fontes de renda se tornou mais disputado.

Raízes históricas As tensões que se manifestam no continente são, em boa

medida, herança do período colonial (veja na pág. 28). A domi­nação das metrópoles sobre as colônias africanas muitas vezes se baseava na estratégia de "dividir para dominar": determi­nados povos recebiam tratamento privilegiado das potências europeias, recebendo apoio para lutar contra outros grupos étnicos, o que alimentou as disputas pelo poder e a desigualdade. Com a independência das colônias africanas, especialmente a partir dos anos 1960, l1,luitas rivalidades se exacerbaram. Em vários Estados, prevaleceu o sistema de partido único, no qual ditadores permaneciam no poder favorecendo seu grupo e negligenciando os demais. Numa situação de escassez, essa

381 ATUALIDADES VESTIBULAR 1° SEMESTRE 2010

Conflitos e lome o aumento recente do consumo mundial inflou o preço das commodities (matérias-primas), o valor e a variedade de investimentos nas províncias minerais africanas, mas, entre suas consequências, acabou servindo para acirrar os conflitos

Desnutrição e pontos de conflito A falta de comida concentra -se na África Subsaariana, bem como a maioria das situações de conflito

Desnutrição crônica

IQ Oferta insuficiente de comida

~ Principais áreas de ocorrência de fome dos últimos 30 anos

* Principais conflitos nos anos 1990 /

Fonte: ONU/Pnud

A instabilidade social e política na África resulta no que vemos no mapa: algumas das regiões minerais mais ricas do planeta não conseguem garantir comida a seus habitantes. E pior: a falta de comida provoca mais instabilidade e conflitos

Os conflitos na África Subsaariana Número e tipo de conflitos, em 2009, por intensidade. Veja que o maior número de conflitos graves ocorrem pela disputa de recursos naturais e pelo controle do poder em âmbito nacional ou regional

Fonte: Inslilulo Heidelberg

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Page 12: Dossie áfrica

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Principais zonas de guerra Conflitos em curso ou ati vos, situação no fim de 2009

• • Conflitos armados entre grupos rebeldes ou entre forças governamentais e grupos rebeldes

Conflitos inte rétnicos ou religiosos

Violência política (eleições contestadas, afirmação de poder pela força)

- AR GÉLIA

• Conflito suspenso (pouco ativo, mas não resolvido)

""'" Conflito frontei ri ço

W Atentado, ataque dirigido

... Principais campos de refugiados

a Missão de paz da ONU em curso

Note como há certa coincidência entre as áreas com os conflitos mais graves e as províncias minerais mostradas no mapa. Nas áreas mais politicamente instáveis, os recursos gerados pela exploração do subsolo acabam financiando a criação e o armamento de exércitos e milícias. Na guerra civil em Serra Leoa, por exemplo, havia a expressão "diamantes de sangue" para as pedras contrabandeadas para fora da região que financiavam os grupos em conflito

A subnutrição no mundo Nos anos 1970 e 1980, investimentos no campo reduziram o preço dos alimentos e a fome. Recentemente, os investidores buscaram áreas mais lucrativas que a produção de comida, cujos preços têm subido mais que a renda da população pobre

População subnutrida, em milhões de pessoas 3S0 r 337 Sul da Ásia 300 !

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136 Extremo Oriente

85 Sudeste Asiático

45 América Latina e Caribe

15 ~aíses desenvolvidos*** 8 Asia Central* e Ocidental**

1990-1992 1995-1997 2000-2002 2004-2006

* Cazaquistao, Quirguislão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão ** Arménia, Azerbaidjão e Geórgia *** Exclufdos dos outros grupos

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Fonte: [e Monde Dlplomolfque

A fome é mais grave na África A superpopulosa Ásia tem o maior número de famintos (gráfico ao lado), mas é nos países da África Central que o problema é mais grave, pois atinge uma parcela maior da população local e piora rapidamente, como se vê abaixo

Subnutridos na população, em % 1990-1992 . 2004 -2006

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20

10

latina e Caribe

Central Oriental Meridional Ocidental

1° SE MESTRE 2010 ATUALIDADES VESTIBULAR 139

Page 13: Dossie áfrica

A presença da ONU na África

Independentemente de como surgem os diferentes conflitos na Africa, a população civil é a que mais sofre. Além dos milhões de mortos estima.dos nas guerras civis que assolaram o continente desde o proces­so de descolonização, existe o drama dos sobreviventes. Impossibilitados de con­tinuar vivendo numa região conflituosa, são obrigados a abandonar sua casa e ., viver em precários campos de refugiados. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) estima que só na Africa Subsaariana havia 2,1 milhões de refugiados e 6,3 milhões de deslocados (refugiados que não chegam a cruzar a fronteira do país) no início de 2009.

A ONU está presente no continente tam­bém com suas missões de paz, cujo objetivo é restabelecer a ordem nas regiões afetadas por guerras civis. Atualmente, os soldados da ONU - os "capacetes azuis" - estão pre­sentes em sete países africanos: Sudão, República Democrática do Congo, Chade, República Centro-Africana, Libéria, Costa do Marfim e Marrocos (Saara Ocidental). Só no Sudão há uma força de quase 30 mil homens, que atua na região de Darfur e no sul do país, tentando garantir o acordo de paz entre o governo e os separatistas.

SEM FRONTEIRAS Diversos países africanos disputam as riquezas minerais da República Democrática do Congo: na foto, um rebelde hutu de Ruanda refugia-se na densa mata congolesa

40 I ATUALIDADES VESTIBULAR ,0 SEMESTRE 2010

opressão estimulou a ação rebelde de segmentos marginalizados e o surgimento de guerras civis.

As divergências religiosas também passaram a ser manipu­ladas para fomentar a discórdia. O islamismo expandiu-se pelo norte africano no século VII e atravessou o deserto do Saara a partir do século x, quando comerciantes árabes intensificaram o contato com povos da África Central e Ocidental. Foi assim que o norte do Sudão, da Nigéria e da Costa do Marfim tornaram-se majoritariamente islâmicos. No sul desses países, predomina o cristianismo, que chegou ao continente pelo litoral ocidental, trazido pelos europeus a partir do século xv. Quando os eu­ropeus partilharam a África, no século XIX, estabeleceram-se colônias onde havia a divisão entre o norte muçulmano e o sul cristão. As fronteiras estabelecidas serviram de referência para as dos atuais países.

É dessa forma que as rivalidades étnicas e religiosas, exacer­badas pela dominação colonial, servem de combustível para conflitos cujas causas reais são, na verdade, disputas entre grupos sociais nos terrenos político (por supremacia regio­nal), econômico (por acesso aos recursos naturais) e social (pobreza e miséria).

Noticias do front Conheça os principais focos de conflito que desafiam a paz no continente

Segundo o Instituto Heidelberg, organização alemã que divulga anualmente um minucioso estudo sobre as guerras no mundo, havia em 2009 conflitos de alta intensidade em sete nações africanas. Veja quais são esses países e o que está em jogo nessas guerras.

Sudão Localizada no desértico oeste do Sudão, a província de Darfur

é palco de uma das maiores crises humanitárias da atualidade. A tensão tem origem na disputa por terra e água opondo agricul­tores negros a pastores nômades, que se auto denominam árabes. Os combates começaram em 2003, quando rebeldes ligados aos agricultores negros realizaram uma série de ações armadas.

O governo reagiu violentamente, apoiando a milícia paramilitar Janjaweed, que massacrou milhares de agricultores, numa espécie de "limpeza étníca" (classificada de genocídio). Os choques dei­xaram mais de 300 mil mortos e 2,7 milhões de refugiados. Houve um acordo de paz com o principal grupo rebelde em 2006, mas os choques continuam com a ação de grupos menores. Em março de 2009, o Tribunal Penal Internacional, em Haia, condenou à prisão o presidente do Sudão, Omar Al-Bashir, por crimes de guerra, mas o país não reconhece a decisão e ele continua no poder.

Além de Darfur, o Sudão abriga outros focos de tensão. Uma guerra civil, iniciada com a independência, em 1956, colocou o sul contra a dominação da elite do norte. Um acordo de paz foi assinado em 2005, garantindo maior autonomia para o sul e dividindo a renda do petróleo, mas a tensão ainda é grande.

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RuíNAS VIGIADAS Mogadíscio, a capital da Somália, quase destruída por anos de guerra, em maio de 2009: o frágil governo de transição recorre a milícias armadas para tentar manter a ordem

República Democrática do Congo A disputa pelas riquezas minerais da República Democrática

do Congo (RDC) deu origem ao que muitos especialistas chamam de "A Guerra Mundial da África", com o envolvimento de vários países vizinhos no confronto. As reservas de ouro, diamante, es­tanho, cobre e cobalto da RDC são cobiçadas por grupos rebeldes e por países como Uganda, Burundi e Zimbábue.

Desde que se tornou independente, em 1960, a RDC vive tensões políticas provocadas por essa disputa. O mais recente conflito teve origem em 1994. Naquele ano, a guerra entre tutsis e hutus em Ruanda levou 1 milhão de pessoas (a maioria hutus) a se refugiar no leste da RDC, desestabilizando a região. Teve início uma guerra civil que continuou intensa até 2002, quando um acordo de paz foi assinado. Apesar disso, os conflitos não cessaram totalmente. Os combates na RDC deixaram mais de 4 milhões de mortos.

Somália A Somália possui território predominantemente árido, e seus

habitantes compartilham água e pastagens há milhares de anos. A disputa pelos escassos recursos e as hostilidades entre os diversos clãs estão na origem dos confrontos atuais, que agravaram ainda mais a fome no país. Desde 1991, a Somália vive um caos político e institucional, sem um poder central efetivo. O atual governo con­trola apenas uma pequena área da Somália e a capital, Mogadíscio. Boa parte do sul da Somália está nas mãos da milícia islâmica Al Shabab. Há ainda o movimento por autonomia de duas províncias - Somalilândia, no norte, e Pundand, no leste.

A falta de um poder institucional deu origem a um grave problema internacional: a proliferação de piratas nas águas próximas à costa somali. O caso é muito grave no golfo de Aden, que liga o oceano Índico ao canal de Suez, passando pelo mar Vermelho. A região é uma das principais rotas comerciais do mundo, recebendo 20 mil navios por ano.

Nigéria A Nigéria abriga mais de 250 etnias. O norte é majoritaria­

mente muçulmano e o sul, cristão e mais rico. O desemprego e a disputa por terras e recursos minerais acirram as rivalidades. Em 1999, a violência explodiu quando alguns Estados do norte oficializaram a Sharia, tornando lei de Estado determinações islâmicas baseadas no Corão (o livro sagrado do Islã). Os cristãos não aceitaram e entraram em choque com os muçulmanos. Mais de 10 mil pessoas morreram nos confrontos desde 2000.

No país, há ainda a ação de grupos rebeldes como o Movimento pela Emancipação do Delta do Níger (Mend), que reivindica me­lhor distribuição das receitas obtidas com a exploração de petróleo. Desde 2006, o grupo realiza ataques contra instalações petrolíferas e sequestra funcionários estrangeiros que trabalham nelas.

Chade No Chade, o grupo rebelde Forças Unidas para Mudanças luta

pelo poder, desde 2005. Um acordo de paz assinado em 2007 não foi suficiente para encerrar o conflito. O Chade também é acusado pelo Sudão de apoiar milícias em Darfur.

Etiópia Atuante desde 1984, a Frente Nacional para a Libertação de

Ogaden luta pela independência da região. Com população predominantemente muçulmana, Ogaden fica na fronteira com a Somália e é rica em petróleo e gás.

Uganda A milícia cristã Exército de Libertação do Senhor atua desde \

1988 no norte de Uganda. Seus violentos ataques já invadiram os territórios do Sudão, da RDC e da República Centro-Africana. O conflito soma mais de 100 mil mortos e obrigou 1,6 milhão de pessoas a abandonar sua aldeia.

l O SEMESTRE 2010 ATUALlDADES VESTIBULAR 141

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AFIIICA I)() SIII. EI\' IIIISCA I)A VIIIAI)A Sede da Copa do Mundo deste ano, o país enfrenta o desafio de reduzir a grande desigualdade entre brancos e negros

m 11 de fevereiro de 1990, a África do Sul viveu um dia histórico: Nelson Mandela, líder na luta contra a opressão aos negros, era libertado após passar 28 anos na prisão. O episódio precipitou o fim do apartheid, regime político oficializado em 1948 que impôs no país a segregação racial e a domi­

nação da minoria branca sobre a grande maioria negra. Vinte anos depois, o país se prepara para outra celebração. Quando a bola rolar em 11 de junho deste ano no estádio Soccer City, em Johanesburgo, a África do Sul será o primeiro país africano a receber uma Copa do Mundo de Futebol. Ao organizar um dos maiores eventos esportivos do planeta, os sul-africanos querem mostrar ao mundo sua recente condição de nação emergente e força econômica do continente. Mas até que ponto a África do Sul avançou desde a libertação de Mandela?

421 ATUALIDADES VESTIBULAR 1° SEMESTRE 2010

Desenvolvimento econômico Nessas duas décadas, o país passou por algumas transformações

profundas. Graças principalmente ao aumento na exploração das reservas de ouro, ferro e pedras preciosas e ao investimento na industrialização, a África do Sul viu sua economia crescer ininterruptamente desde 1994 - entre 2003 e 2007, o PIB do país avançou em média 5% ao ano. Esse grau de desenvolvimento econômico permitiu aos sul-africanos ampliar sua influência política e econômica no continente, especialmente entre os vizinhos subsaarianos. Se nos últimos anos em que vigorou o regime de segregação racial a África do Sul sofria um forte isolamento da comunidade internacional, hoje se tornou uma nação respeitada na ONU e importante membro do G-20, grupo que reúne 20 das principais economias do planeta.

Internamente, o país consolidou uma democracia multirracial, uma das raras a vigorar no continente. Desde o fim do apartheid, a África do Suljá realizou quatro eleições presidenciais - a última em abril de 2009, que elegeu o presidente Jacob Zuma. Seu partido, o Congresso Nacional Africano (CNA), mantém-se hegemonica­mente no poder desde 1994. Nas últimas eleições, o Congresso do Povo (Cope), novo partido liderado pelo ex-presidente Thabo Mbeki, conquistou eleitores e deverá exercer uma oposição mais consistente diante do amplo domínio político do CNA.

As desigualdades persistem Apesar dos inegáveis avanços, o país ainda enfrenta enormes

desafios. O principal é lidar com a herança deixada pelo regime de segregação racial. Durante os mais de 40 anos em que o apartheid vigorou, os negros não tinham direitos políticos, viviam em zonas separadas e eram proibidos até de possuir terras.

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Page 16: Dossie áfrica

PASSADO E PRESENTE Manifestante mostra em jornal a notícia da libertação de Nelson Mandela, em 1990 (foto na pág. à esq.); em 2009, uma

Obviamente, essa opressão afundou a popu­lação negra na po-

propaganda anuncia a breza. O grande Copa das Confederações problema do país

é que, ainda hoje, a desigualdade entre

brancos e negros é muito alta. Alguns exem­plos: metade da população negra (80% dos sul-africanos) vive abaixo da linha da pobreza; o, desemprel?o ~tinge 44% dos negros e so 8% do's branitos; a renda per capita da população branca é oito vezes maior do que a dos negros. Em suma, a riqueza obtida pelo pais com o crescimento econômico dos últimos anos não chegou à população negra. Não se fez uma redis­tribuição de terras (reforma agrária), por exemplo, e elas continuam concentradas fortemente nas mãos dos brancos, que as tomaram durante o apartheid.

Para tentar minimizar as disparidades, o governo lançou mão de políticas sociais para favorecer a inclusão dos negros na

sociedade e na economia. Trata-se da Capacitação Econômica da Maioria Negra, por meio da qual as empresas obtêm uma certifica­ção a partir de critérios de inclusão racial (como a quantidade de executivos negros contratados), que podem determinar a obtenção de um contrato público, por exemplo. A medida, contudo, vem sendo alvo de críticas, por fomentar uma rede de corrupção e ser incapaz de reduzir as desigualdades.

o drama da aids A África do Sul ainda enfrenta problemas relacionados à epi­

demia de aids que castiga a África Subsaariana (veja na pág. 28). O país tem o maior número de infectados no mundo - cerca de 5,7 milhões de pessoas estão com o HIv, o que representa 12% da população. Acredita-se que mil pessoas morram todos os dias de doenças relacionadas à aids. Com isso, a expectativa de vida no país despencou nos últimos anos - atualmente, é de 49,6 anos para os homens e 53,1 anos para as mulheres. Em dezembro de 2009, o presidente Zuma comparou os esforços no combate à aids à luta contra o apartheid e prometeu ampliar o acesso aos antirretrovirais - drogas que prolongam a vida do paciente.

A violência urbana é outro foco de preocupação. O fim do apar­theid reduziu o índice de criminalidade, mas ele ainda permanece como um dos mais elevados do mundo. Para a Copa do Mundo, o governo promete reforçar a segurança pública. A chegada do evento, por sinal, estimulou uma série de investimentos em infraestrutura, transportes e energia. Como outras nações que sediaram eventos esportivos dessa importância, a África do Sul espera tirar proveito do legado que a Copa do Mundo deixará para enfrentar seus enormes desafios e tentar virar o jogo. Para os sul-africanos, a partida está apenas começando. lEI

I)C)SSIÊ ÁFIIICA

Resumo

Africa

o olvlsAo GEOGRAFICA o continente pode ser dividido em duas grandes re­giões . A África Setentrional reú ne seis países, cinco ao norte do deserto do Saara, e sua população é predominan­temente árabe. Ao sul do Saara estão os 47 países da África Subsaariana, que conta com habitantes majorita­riamente negros.

o MIS~RIA Das 24 nações com o menor fndice de Desenvolvimento H4mano (IDIij, 22 estão na África Subsaaria­na . Mais da metade dos 1 milhão de subsaarianos possui renda inferior a 1,25 dólar por dia.

o

o

AIOS A doença é a principal causa de morte prematura na África Subsaaria­na. Três quartos das mortes por aids em todo o mundo ocorrem na região, que ainda abriga dois terços da população soropositiva do planeta.

HERANÇA cOLONIAL O continente sofre com os efeitos das polfticas im­postas durante a colonização, como a pilhagem dos recursos naturais e a imposição de fronteiras artificiais . Mesmo com a soberania alcançada na segunda metade do século XX" a maioria dos países africanos não con­seguiu desenvolver-se e continuou dependente do exterior.

o NOVO COLONIALISMO Atraída pelo pe­tróleo africano, a China vem investindo pesadamente no continente: desde 2000, o comércio bilateral aumentou dez vezes. EUA, Reino Unido e França são outros países com forte presença comercial na África . As exportações de petróleo ajudam a impulsionar a econom ia africa na, q ue vem crescendo 5% em média ao ano. Contudo, esse progresso não é traduzido em bem­estar para a população.

o CONFLITOS Disputas por terras e recur­sos naturais, somadas às condições de miséria da maioria da população, estão entre as principais causas dos conflitos no continente. A crise humanitária em Darfur, no Sudão, e a guerra na Repú­blica Democrática do Congo (RDC) são os principais focos de tensão .

1° SEMESTRE 2010 ATUALIDADES VESTIBULAR 143