dissetacao entre a favela e o conjunto habitacional claudia trindade

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA Entre a Favela e o Conjunto Habitacional: Programa de Remoção e Habitação Provisória (1960 – 1970) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do título de mestre em História. Orientadora: Prof ª Drª Adriana Facina Gurgel do Amaral Claudia Peçanha da Trindade Rio de Janeiro 2006

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Page 1: Dissetacao Entre a Favela e o Conjunto Habitacional Claudia Trindade

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Entre a Favela e o Conjunto Habitacional:

Programa de Remoção e Habitação Provisória

(1960 – 1970)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do título de mestre em História.

Orientadora:

Prof ª Drª Adriana Facina Gurgel do Amaral

Claudia Peçanha da Trindade

Rio de Janeiro 2006

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2

Entre a Favela e o Conjunto Habitacional:

Programa de Remoção e Habitação Provisória

(1960 – 1970)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do título de mestre em História.

Claudia Peçanha da Trindade

Rio de Janeiro 2006

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________ Profª. Drª. Adriana Facina Gurgel do Amaral (orientadora)

Universidade Federal Fluminense - UFF

_______________________________________________________________ Profª. Drª. Nísia Verônica Trindade Lima

Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ

_______________________________________________________________ Prof°. Dr°. Marcelo Badaró Mattos

Universidade Federal Fluminense - UFF

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3

Para Biba e Lelê

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Agradecimentos

Embora reconheça enfadonho ter de ler em todo o princípio de agradecimentos o

pedido desculpas, tenho de admitir que é impossível não fazê-lo. Portanto, peço desculpas pelos

possíveis esquecimentos.

Ao Marcelo Abreu e Mario Miranda que ainda em 2002, percebendo meu

interesse pelo estudo do urbano, em especial da habitação, me levaram a conhecer, por dentro a

Maré e a Nova Holanda.

Ao grupo que se formou para a produção do documentário Mataram meu Gato,

sobre argumento de Marcelo Abreu e Lorena Best, sobre trabalho etnográfico de Mario Miranda,

meu agradecimento por ter me mantido próximo ao tema e de algumas formas me cobrado que

concluísse esse trabalho: Maria José Freire, Ana Rieper, Marilene Nunes, Eduardo Duque e

Mauro Amoroso. E ao restante da equipe, que se juntou aos poucos, tão responsável quanto os

outros pelo ótimo trabalho realizado: Bira, Diego, Pedrinho, Lorena, Manuel e Marcelo.

Aos moradores de Nova Holanda que depoentes abriram suas histórias a nós e a

todos os possíveis leitores.

Agradeço a Adriana Facina, minha orientadora, com um pedido de desculpas por

ser tão “inorientável”, e pelos prazos mais do que estendidos.

A Ana Lúcia Enne, que participou da Banca de qualificação com importantes

colocações.

Marcelo Badaró que cuidadosamente foi meu leitor crítico de monografia na

graduação, participou da banca de qualificação e defesa de mestrado. Sempre fez considerações

fundamentais. Agradeço por sua atenção e disponibilidade.

A Nísia Trindade Lima, que por dois caminhos diferentes estivemos próximas no

último ano, e que aceitou participar da banca de defesa mesmo sabendo dos prazos que eu

necessitava.

Aos três, Adriana, Marcelo e Nísia um agradecimento especial por todo o prazo de

entrega final que me deram, sacrificando assim seus compromissos para leitura do meu texto.

Virgínia Fontes, que foi desde a graduação uma figura marcante na minha

formação, agradeço também pelo excelente curso no mestrado, oferecido em conjunto com Lúcia

Neves.

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Ao Carlos Fidélis, o Carlinhos, amigo generoso, com quem passei bons momentos

de aprendizado, cansaço e alegria nestes mais de três anos trabalhando juntos. Amigo pra vida,

que viu os momentos de apreensão que passei estando sempre por perto. Agora sim, vamos matar

aula?

A Ângela Porto, que gentilmente me cedeu material de grande valor sobre o tema,

meu agradecimento pelo incentivo e pela paciência com a minha enrolação.

A Nara Azevedo, diretora da Casa de Oswaldo Cruz, pelo “vai terminar logo

isso”. Sem isso não teria conseguido chegar ao fim. A Ivana Alves e Vânia Buchmuller que

torceram pelo término desse texto.

A Liene que com tão pouco tempo se tornou uma pessoa tão próxima, e suportou

meu mau humor nesse período. Bela menina, mãe da bela Aninha pra quem também vai um

beijo. Passado o sufoco, te convido para comer doce, falar e fazer bobagem e principalmente

fazer o restante desse ano ser de felicidade.

Wagner, Flávia, Luana e Cauê, que tão aborrecidos ficaram com a ausência neste

último ano, fiquem tranqüilos que chegou ao fim. A Gabriela e Tarcísio que sendo amigos de

tanto tempo são importantes nessa trajetória, beijo no pequeno Vicente. A Manuela e João pela

leitura e comentários do projeto de pesquisa no momento de entrada no mestrado. A Maurício,

pelo empréstimo de livro tão utilizado neste texto.

Meus pais foram um capítulo à parte nessa dissertação, ou melhor, dois.

Resolveram aprontar, e muito, durante esse período. Meu agradecimento ao exemplo de

perseverança com que os dois, cada um com seus problemas, bravamente venceram 2005.

A Dona Moema, Seu Jorge, Carolina e Clarisse (minha tradutora oficial), que

desde a graduação quebrando galhos fizeram também eu chegar a esse ponto.

Aos meus colegas e alunos da Escola Bahia agradeço em forma de pedido de

desculpas pelos conturbados últimos dois meses.

As minhas meninas, Beatriz e Helena, que tão novas se preocuparam a cada

capítulo se ele havia terminado ou não. Em letras gigantes: ACABOU!

Ao André, com quem compartilhei toda a angústia da escrita. Companheiro

intelectual nas discussões conceito a conceito, revisor de texto e de formatação, e aquele que me

apoiou por diversas vezes nas agruras, tristeza, cansaço beirando a desistência desses últimos

tempos. Lá se vão dez anos de árduo e prazeroso caminho juntos. E que venham mais....

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RESUMO

Este trabalho tem por objetivo discutir o Programa de Remoções de Favelas, no

Rio de Janeiro, e a constituição de espaços de habitação provisória dentro desta

política, com ênfase no Centro de Habitação Provisória de Nova Holanda, durante

as décadas 1960 e 1970. Para essa análise foi levada em conta a relação entre

habitação e capitalismo na intenção de perceber o que define a diferenciação dos

locais de moradia no espaço urbano.

Palavras-chave: Habitação Popular - Remoção de favelas - Nova Holanda - Rio de Janeiro: espaço urbano - uso do solo urbano

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ABSTRACT This work aims to discuss the Program for Favelas Removal, in Rio de Janeiro, and the

constitution of provisory habitation spaces in this program, emphasizing Nova Holanda

Provisory Habitation Center, within the 60’s and 70’s. For this analysis we considered the

relation between habitation and capitalism in order to perceive what defines the

differentiation of habitation places on the urban soil.

Keywords: Popular Habitation – Favelas Removal – Nova Holanda – Rio de Janeiro: urban space – use of urban soil.

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ÍNDICE

Introdução ................................................................................................ 09

Capítulo I

RIO DE JANEIRO E O ESPAÇO DA HABITAÇÃO .................................................... 15

Capítulo II

HABITAÇÃO, FAVELA E CAPITALISMO ............................................................... 54

Capítulo III

CENTRO DE HABITAÇÃO PROVISÓRIA DE NOVA

HOLANDA: O MEIO DO CAMINHO ...................................................................... 74

Considerações finais ........................................................................... 106

Bibliografia ............................................................................................... 110

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Introdução

Uma alternativa corajosa para o Rio de Janeiro!

Vou voltar a um tema que já abordei no passado: a erradicação de favelas. Não dá pra nos enganarmos de que há outra solução além dessa. Não há. O Favela Bairro, projeto maravilhoso, de urbanização das comunidades pobres, ficou muito bom em termos de obra de engenharia, mas não cumpriu seu objetivo quanto à qualidade de vida e de coibir a violência. As favelas, com sua esquizofrenia urbanística, ruas estreitas que não se sabe onde começam e onde terminam, são o habitat ideal para o tráfico, nicho para marginais, que aterrorizam seus moradores e toda a vizinhança, estabelecem regras para ir e vir, expõem os cidadãos ao fogo cruzado das balas perdidas...

Faltam aos nosso políticos vontade e coragem, para arquivar a demagogia “politicamente correta” e partir para soluções radicais, como o Rio de Janeiro, em outras épocas, já ousou, e com sucesso. (O Globo, Coluna Hildegard Angel, 13/04/2004)

Logo após o feriado de Páscoa de 2004, quando um confronto entre

traficantes de drogas impressionou toda a cidade com balas traçantes nas imediações de

bairros luxuosos da Zona Sul da cidade, diversas matérias, cartas e colunas puseram-se a

rediscutir o “problema da favela”. Entre as propostas estavam a de cercamento, com muros,

da favela da Rocinha, entre São Conrado-Gávea, e do Vidigal, entre Leblon e São Conrado,

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feita pelo vice-governador Luiz Paulo Conde, e a erradicação, remoção completa dessas

favelas e de outras nas proximidades feita na coluna de Hildegard Angel.

Em sua coluna, Hildegard conduz o leitor a conhecer uma proposta de “um

grupo de empresários do setor imobiliário” – dos quais não são citados os nomes – que

afirma poder resolver o “problema das favelas” com a “remoção geral das favelas da

Rocinha, Vidigal, Vila Parque da Cidade, Vila Pedra Bonita e Vila Canoas [todas

localizadas nos mais valorizados bairros da cidade], para áreas ociosas da Rede Ferroviária

Federal – nas cercanias do Cais do Porto, Saúde, Gamboa, Santo Cristo, Cidade Nova”. Os

apartamentos seriam entregues pela Prefeitura sem nenhum custo para os moradores, nem

para os cofres públicos, em troca de 15% da área ocupada atualmente pela Rocinha. O

restante seria reflorestado. Ao final, conclui que todos ficariam felizes.

Exatos 40 anos separam este texto da matéria publicada também no jornal O

Globo, em 1964, sob o título “Sandra: a venda do Pasmado permitiria a construção de 3 mil

casas para favelados”1. Entretanto, perdura nas duas falas a mesma lógica de ocupação da

cidade. É o mercado imobiliário que define os valores das terras urbanas e aqueles que

podem ou não ocupá-las.

Assim, o que vemos é a continuidade do “problema da favela”, como

observou Machado da Silva (2002), por mais que ela tenha vencido (Zaluar e Alvito, 1998).

Vencido no sentido de que impôs sua permanência na cidade como forma e possibilidade

de habitação para determinados grupos sociais, entretanto sem soterrar as idéias e

1 O Globo, 19/01/1964.

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possibilidades de remoção, os preconceitos em relação à sua população e, de forma mais

ampla, as desigualdades nas formas de morar e viver na sociedade brasileira.

É necessário observar também a afirmação de que “soluções radicais” já

foram aplicadas na cidade do Rio de Janeiro “com sucesso”, desconhece uma ampla

bibliografia, em sua maioria de ciências sociais e antropologia, que se esforça desde a

década de 1960 para demonstrar os equívocos das políticas remocionistas – Lícia do Prado

Valladares, Janice Pearlman, Alba Zaluar, Luiz Antônio Machado da Silva, Marcelo

Baumman Burgos, entre outros.

Para estudar a favela é preciso primeiro ter bem claro de que são as favelas,

no sentido mais plural possível. Esta é uma categoria que embora, no geral, seja tratada

como única, possui uma definição variável. A definição clássica, empregada pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística, e adotada também nas instância governamentais, é

“aglomerado de habitações sub-normais”. Ainda é possível verificar sua identificação como

espaço ocupado por “população de baixa renda”, “comunidades carentes”, ou simplesmente

como o lugar da criminalidade. O caráter plural está na história de constituição de cada uma

delas, na sua forma de organização interna, na heterogeneidade de seus moradores,

internamente e em comparação com outras favelas. Se é possível diferenciar uma favela de

outra, é possível também verificar que dentro dela mesma existem diferenças, que vão

desde o acesso à infra-estrutura, até a diferença de ganhos entre uma família e outra.

Utilizamos o termo favela por identificarmos que no Rio de Janeiro ele se tornou comum,

para os que vivem fora ou dentro desses espaços assim considerados.

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Além da ressalva de que não vamos, no trabalho que se inicia, fazer

generalizações abusivas em relação à categoria favela, é preciso também balizar que

divergimos de uma fundamental linha de análise em relação à favela, ou melhor, que

identifica e se debruça sobre o “problema da favela”. Essa linha de análise esteve presente

durante todo o século XX, seja nas políticas governamentais, nos artigos e reportagens de

jornais, ou mesmo em análises acadêmicas, e ainda perdura em nossos dias. Esta análise

baseia-se no pressuposto de que é preciso “‘integrar’ as favelas e os favelados na

‘comunidade nacional’” (SILVA, 1967:35). Isto significa entender que a favela se constitui,

se afirma e reproduz à parte da cidade e da organização da sociedade, o que parece ignorar

que sua existência depende mais “de determinadas condições estruturais da sociedade

global do que dos mecanismos internos desenvolvidos para mantê-la” (SILVA, 1967:35). E

ainda, esse mesmo pressuposto pode levar à idéia de comunidade ou grupo marginal, o que

significa julgamento de valor refletindo em ações paternalistas e assistencialistas e ainda

imposição de valores pela falta de “capacidade dessas comunidades marginais” em se

organizar e melhorar sua condição de vida.

Esse pressuposto de análise esteve presente de forma imperativa nos anos

1960 e 1970, seja nas remoções ou nas tentativas de urbanização. As duas atestavam a

incapacidade dos grupos favelados sem questionar como e porquê as favelas se formam.

Conforme pode ser observado na tabela a seguir, o percentual da população

que mora em favelas em relação àquelas que não moram, no Rio de Janeiro, desde de 1950,

segue uma curva ascendente. Unindo-se esse dado às constantes matérias nos jornais que

reacendem, tal qual nas décadas de 1960 e 1970, as discussões sobre a “questão da favela”,

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a implementação do Ministério das Cidades, que vem promovendo seminários e discussões

sobre a organização das cidades, da elaboração de planos diretores e também sobre

moradia, e por fim o novo fôlego da indústria de construção civil impulsionada por linhas

de crédito de financiamento, tornam as discussões sobre a habitação bem atual e relevantes.

Crescimento da População Total e Favelada Rio de Janeiro – 1950/1980

Anos População

Total (A)

População Favelada

(B)

B/A (%)

1950 2.375.280 169.305 7,13 1960 3.300.431 335.063 10,15 1970 4.251.918 565.135 13,29 1980 5.090.723 722.424 14,19

A dissertação que se inicia encontra-se dividida em três capítulos. O

Capítulo I é um passeio geral acerca das políticas públicas de ordenação do espaço urbano

do Rio de Janeiro, do início do século XX ao final da década de 1970, com ênfase nas

políticas para a habitação popular.

O capítulo II busca discutir as relações entre as questões da habitação e a

estruturação capitalista. O estudo de Antonio Gramsci sobre Estado nos orienta neste

percurso para observar quais as forças que atuam na formulação do espaço urbano até

entender as diferenças de acesso que os diferentes grupos sociais têm à cidade.

O capítulo III se constrói como uma aproximação ao tema da habitação

provisória, política subjacente ao programa de remoções de favelas, e um estudo de caso do

Centro de Habitação Provisória de Nova Holanda, que espero dar continuidade em outra

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etapa de estudo. Para a realização deste capítulo são de suma importância as fontes,

explicitadas como: fichas domiciliares, às quais, infelizmente, só pude ter acesso quando já

estava no processo final de escrita, utilizando-as, portanto, através de fonte secundária; e,

depoimentos, de moradores de Nova Holanda removidos de favelas e de uma assistente

social que foi coordenadora do CHP, este concedido a mim no ano de 2004.

Os depoimentos de moradores foram concedidos a Ana Rieper e Maria José

Freire, com participação eventual de Marcelo Abreu e Mário Miranda, no âmbito do projeto

do documentário Mataram meu Gato, que busca contar a história do Bloco que virou escola

de samba em 1999, sob o nome de Gato de Bonsucesso, através da história de Nova

Holanda, criada para receber moradores removidos de favelas, e vice-versa. Os nomes dos

depoentes estão citados da forma como os mesmos se identificam.

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Capítulo I

RIO DE JANEIRO E O ESPAÇO DA HABITAÇÃO

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É o progresso, é o custo do progresso. Pra gente ver a nação subir,

tem que passar por certas coisas que a gente nem gosta, mas fazer o quê?

(Depoimento de Cimar)

A fala de Cimar, morador de Nova Holanda desde 1969, após a remoção

final que consolidou a erradicação da localidade conhecida desde a década de 1940 como

Praia do Pinto, situada no Leblon (Zona Sul do Rio de Janeiro), significa, como abertura do

capítulo que traçará as modificações do espaço urbano carioca, com ênfase especial para as

moradias populares, um início de reflexão sobre o conceito de hegemonia2. A aceitação do

que supostamente seria a cota de sacrifício necessária ao bem comum que o “progresso”

traria – ainda que não necessariamente para ele ou para os grupos sociais com os quais

interage ou pertence –, resulta justamente da “adoção” de uma visão de mundo de grupos

que se impõem através de sua atuação política, cultural e ideológica, garantindo a

sustentação de uma classe, que se torna hegemônica pela articulação de grupos

2 Sobre o conceito de hegemonia ver GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

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heterogêneos, que partilham do discurso – coletivizando demandas, interesses e verdades

particulares – como um bloco social.

Se analisarmos os planos elaborados à época3 para a ocupação da região da

Praia do Pinto após a remoção, realizada pelo poder público, veremos que se propõem ao

mesmo fim: habitação. Prédios destinados à classe média e alta seriam construídos no local

com o mesmo uso funcional de moradia. O “progresso”, expresso na fala de Cimar,

portanto, não se traduz na necessidade de desocupação de uma área por determinada faixa

da população para a mudança de funcionalidade do espaço. Passaremos, então, a analisar o

“progresso” que a cidade do Rio de Janeiro viu, e em que precedentes este estava pautado.

Datam do período da virada do século XIX para o XX – momento no qual a

cidade do Rio de Janeiro passava por intenso crescimento comercial e demográfico – as

preocupações iniciais do poder público com a questão das habitações das classes populares.

A cidade, como se dizia à época, “estava doente”, e seu maior problema residia nas

moradias insalubres destas classes. Para além das doenças – febre amarela, varíola, peste

bubônica, entre outras – que assolavam a cidade, veio acompanhando o discurso da saúde,

estrito senso, um outro bastante imperativo, o da “saúde moral”. Nesse sentido, erigiu-se

nessa época o discurso jurídico-médico-sanitário – perpetuado por décadas, e que mais

tarde seria também aplicado com contundência sobre as favelas – propalando em alto e bom

som a necessidade, e a receita, para curar-se o “mal urbano”, encarnado, não por

3 O acervo do jornal Correio da Manhã conta com um desenho de Waldy Figueiredo sobre foto panorâmica da região onde se localizava a Praia do Pinto, fazendo uma projeção de reorganização urbana com a construção de prédios. Após a erradicação foi construído um condomínio denominado “Selva de Pedra”.

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coincidência, nas classes populares. As habitações precárias eram um quisto que deveria ser

extirpado, de preferência para onde os olhos da “boa sociedade” não pudesse alcançar

(ROCHA, 1995).

O Rio de Janeiro do início do século XX, segundo a linha de pensamento

reformadora, não estava preparado para o papel que assumira no contexto nacional e

internacional, ou melhor, era necessária a remodelação da estrutura do espaço carioca para

que a cidade se tornasse coadunada com os interesses e necessidades do capital. Era

necessário reformar "a Capital para o Capital" (SOLIS, S. e RIBEIRO, M., 1985: 46).

É preciso observar que a cidade em questão, que passava por intenso

crescimento das atividades econômicas, principalmente no ramo manufatureiro e fabril, e

também, no mesmo período, por um crescimento demográfico vertiginoso, devido a

imigração e migração interna, estava desprovida de infra-estrutura de serviços urbanos.

Coleta de lixo, abastecimento de água potável e rede de coleta e tratamento de esgotos eram

insuficientes, senão inexistentes, para grande parte da população.

Há de se tomar um cuidado com a falácia de que o caos urbano é produzido

pelo crescimento natural ou de migrações populacionais. É preciso recusar a moral

malthusiana de que os “pobres são os responsáveis pela própria pobreza, devido ao seu

comportamento reprodutivo e migratório” (RIBEIRO, L. e PECHMAN, R., 1983: 9).

Antes, os problemas de serviços urbanos e de habitação não devem ser naturalizados e sim

entendidos como a ausência de políticas e interesses que englobem toda a população, tendo

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em vista, a existência de uma distribuição desigual da renda gerada na economia e as

condições que regem a produção capitalista de moradias, que impõem um elevado preço ao

direito de habitar na cidade. Discutiremos mais este ponto de abordagem ao longo do texto.

Com vistas à ordenação do espaço, ruas foram abertas ou alargadas,

construções que se “opunham” ao desenvolver da cidade, postas abaixo. O Porto foi

reformado e ampliado para se tornar uma porta de entrada e saída de mercadorias, capaz de

disputar importância com o Porto de Santos e de Buenos Aires. A reforma urbana do Rio de

Janeiro foi a primeira grande intervenção do Estado brasileiro na remodelação do espaço

urbano.4 Entendendo espaço urbano como locus de manifestações/relações sociais, logo e

facilmente se chega à conclusão de que não é simplesmente o traçado que se pretende

modificar, mas a representação desta sociedade.

É preciso não perder de vista que a remodelação da capital faz parte de um

processo que guarda relações ainda com a chegada da Família Real, mas que sem dúvida

encontra demasiado impulso a partir do advento da República, e com ela adquire um novo

significado. As mudanças nas relações de trabalho forjam a necessidade de novas

estratégias de controle social.

Obviamente, todo este empreendimento estava em consonância com uma

ideologia, intimamente ligada ao modo de produção capitalista. Mesmo que os projetos de

4 Praticamente no mesmo período das reformas no Rio de Janeiro, a cidade de Belém passa por remodelações de grande porte que guardam algumas semelhanças com o projeto do Rio de Janeiro, salvaguardadas suas especificidades. Para maiores informações ver SARGES, Maria de Nazaré. Belém: riquezas produzindo a belle-époque (1870- 1902). Belém, Paka-tatu, 2000.

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República, ainda em disputa nos primeiros anos do século XX, tivessem divergências

marcantes, de uma forma geral reconheciam a necessidade de rumar para a lógica da

produção capitalista. E dentro da racionalidade capitalista, o locus urbano deve se constituir

de diversos espaços bem definidos em sentido, significado e utilização. A ordenação e o

controle do espaço é o que melhor traduz o pensamento do urbanismo da época.

A lógica de modernização da cidade que está aliada ao capitalismo e a

ideologia liberal cria uma hierarquia entre os termos do próprio lema positivista desta

República, “ORDEM E PROGRESSO”:

(...) a priorização do primeiro dos termos, a ‘ordem’, cada vez mais entendida como pré-condição para o segundo deles, o ‘progresso’. E é em nome da construção, da preservação e da reprodução desta ‘ordem’ que se justificam todas as violências. (NEVES, 1994: 139)

Até a segunda década do século XX, era principalmente contra os cortiços,

casas de cômodo, vilas e avenidas que predominavam as preocupações manifestadas nos

jornais e ações de governo. Ainda que nos ressalte Rômulo Mattos (2004), que a grande

descoberta dos jornais sobre o espaço da favela, com seu significativo número de

construções, seja apresentada em 1901 pelo Jornal do Commercio e que essas notícias de

jornais a partir daí só se intensifiquem em 1903, fica claro que ainda não é a preocupação

fundamental dos governantes este tipo de moradia das classes populares, haja visto o

Decreto 391, de 10 de fevereiro de 1903, quando da Reforma Pereira Passos:

(...) os barracões toscos não serão permitidos, seja qual for o

pretexto de que se lance mão para obtenção de licença, salvo nos

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morros que ainda não tiveram habitação mediante licença (apud

ELIAS, 1984: 15).

Este decreto exemplifica a falta de regulamentação dessas áreas da cidade

ainda que o Jornal do Commercio tenha dado a notícia de “Bairro novíssimo” ainda em

1901.

O termo favela, que ficou registrado oficialmente como “área de habitações

irregularmente construídas, sem arruamentos, sem plano urbano, sem esgotos, sem água,

sem luz” (ZALUAR e ALVITO, 1998: 7), tem sua origem como nome próprio, o qual

designava, na cidade do Rio de Janeiro, o lugar onde veteranos da Guerra de Canudos se

instalaram após o retorno dessa campanha, com a anuência do Ministério da Guerra –

Morro da Favella. A substantivação do termo, estudada por Romulo Mattos, através da

imprensa, é consolidada a partir da década de 1920 quando a palavra favela passa a servir

de termo generalizante no que diz respeito a determinada forma de moradia das classes

populares e ainda mais para se referir a um local da cidade que deve ser estritamente

controlado, de onde emanam – segundo vários artigos e notícias dos principais jornais

cariocas (Correio da Manhã e Jornal do Commercio, por exemplo) – os perigos da cidade

(MATTOS, R. 2004).

O processo de modernização da cidade do Rio de Janeiro, desde o início do

século XX, está voltado principalmente para a renovação da área central e embelezamento

da Zona Sul. Estas duas áreas se desenvolvem de forma diversa dos subúrbios, os quais

possuem um alastramento impulsionado pela instalação de indústrias que, além de

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possibilitarem o estabelecimento de alguma infra-estrutura, qualificam a área de forma

atrativa para um quantitativo populacional que servirá de mão-de-obra. Assim, com as

contradições colocadas pelas formas de desenvolvimento das diferentes áreas da cidade, ao

final da década de 1920 o poder público reconhece a necessidade de uma intervenção mais

ampla na formulação dos caminhos de crescimento da cidade. Embora divergentes, estes

processos de desenvolvimento da cidade obedecem à mesma “necessidade de acumulação

de capital (imobiliário, financeiro, comercial e industrial)” (ABREU, M. 1997).

Mesmo que desde o final do século XIX e início do XX as intervenções do

poder público na ordenação urbana tenham se apresentado de maneira muito mais

significativa do que anteriormente, seja na Reforma Pereira Passos (1903-1906), ou nos

importantes melhoramentos executados pelos prefeitos Paulo de Frontin (janeiro a julho de

1919) e Carlos Sampaio (1920-1922) – voltados basicamente para o Centro e Zona Sul –,

apenas em 1927 inicia-se, na administração do prefeito Prado Júnior (1926-1930), a

intenção de um Plano Urbanístico para a cidade, isto é, um plano de desenvolvimento

urbano que definisse as funções de uso dos espaços urbanos e traçasse uma linha de

crescimento para o Rio de Janeiro – o Plano Agache. O Plano, encomendado pela prefeitura

a um grupo francês coordenado por Alfred Agache, só foi entregue após 1930. Não tendo

sido implementado devido a dois fatores fundamentais: a falta de interesse das novas

posições políticas pós-1930, que se esforçavam em não perpetuar qualquer tipo de

iniciativa de governos da “República Velha”5 e pelos vultosos valores que teriam de ser

5 Este termo, que designa o período de 1889 a 1930, é extremamente significativo como expressão cunhada pelos “vitoriosos da Revolução” com a função primordial de denegrir a imagens dos “vencidos”. Num campo de poder em disputa, a qualidade de “Velha” de um período e, por conseguinte, de seus atores é a forma mais

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despendidos pelos cofres públicos para sua implementação, o Plano Agache “pretendia

ordenar e embelezar a cidade segundo critérios funcionais e de estratificação social do

espaço” (ABREU, M. 1997, p. 86). Coadunado com a visão da “necessidade de controlar o

processo de reprodução da força de trabalho, que asseguraria também a separação espacial

das classes sociais” (ABREU, M. 1997, p. 87), o plano urbanístico se refere

especificamente às favelas preconizando a sua erradicação.

Em toda parte existe o contraste, os morros, estes rochedos isolados que surgem da planície central, desses bairros do commercio possuindo bellos edifícios, e com artérias largas ostentando armazéns movimentados, às vezes luxuosos, têm as suas encostas e os seus cumes cobertos por uma multidão de horríveis barracas. São as favellas, uma das chagas do Rio de Janeiro, na qual será preciso, num dia muito próximo levar-lhes o ferro cauterizador. (PREFEITURA DO DISTRICTO FEDERAL, Cidade do Rio de Janeiro: Remodelação Extensão e Embelezamento, 1926 – 1930. Paris, Foyer Brésilien, 1930, apud ABREU, M. 1997, p.87-88)

O processo de acumulação industrial pós-Revolução de 1930 gerou no Rio

de Janeiro intenso processo de urbanização, agravando o déficit de moradias, sobretudo das

classes populares, que já era bastante evidente desde a década anterior. A atividade

industrial da capital federal passa por transformações tanto de incremento em número de

indústrias, quanto de setorização urbana, e ainda, mantém e intensifica o potencial atrativo

de migrantes até a década de 1950, conforme observa-se no quadro abaixo:

eficiente de promover-se, operando ideologicamente num sentido de re-fundação do Estado. Sobre o assunto ver DECCA, Edgar de. O silêncio dos vencidos – memória, história e revolução. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1997 (6ª edição).

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Variações por elemento de crescimento populacional – 1920/1965

01020304050607080

1920-1940 1940-1950 1950-1960 1960-1965

MigraçãoCrescimento naturalImigração

(MARTINE, 1972 apud ABREU, 1997)

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Dado esse crescimento, a década de 1940 caracterizou-se pela maior

apresentação da favela como importante problema urbano (PARISSE, 1969). Entretanto, o

crescimento urbano não possibilita uma conclusão óbvia de que são para as favelas que os

migrantes se dirigem inicialmente. O potencial atrativo das indústrias, que começam a se

deslocar para os subúrbios e periferia, impulsiona uma série de loteamentos que, embora

depois de 20 ou 30 anos passem a ser identificados como favela, ainda no início da década

de 1950 não o são. E mais, como nos ressalta Nísia Trindade Lima (1986), este

reconhecimento do “problema favela” pode não estar exclusivamente ligado ao crescimento

quantitativo e sim à forma de ocupação dos “interstícios dos núcleos urbanos

consolidados”, isto é, nas proximidades das classes médias e altas, levando maior

politização para a questão das favelas. É importante não deixar escapar a profundidade

desta afirmação, pois esta se mostrará necessária para analisar fundamentalmente o período

das grandes remoções de favelas no Rio de Janeiro.

De sua invisibilidade aos olhos da atuação governamental, as moradias

populares, denominadas segundo ampla bibliografia por favelas, passaram a figurar no

Código de Obras de 1937, que apontava no sentido da proibição de sua existência.

Caracterizada por alguns como o primeiro reconhecimento oficial – como documento da

estrutura estatal – da existência deste tipo de moradia, a favela tem a existência limitada da

seguinte forma através do artigo 349: “(...) nas favelas existentes é absolutamente proibido

levantar ou construir novos casebres, executar qualquer obra nos que existem ou fazer

qualquer construção” (PARISSE, 1969:32).

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Essa medida pode ter sua essência na recomendação que já havia sido feita

sete anos antes, no Plano Agache, que dizia ser preciso “impedir toda a construção estável e

definitiva nas favelas, a qual tornaria difícil e onerosa a expropriação total por causa da

utilidade pública” (PREFEITURA DO DISTRICTO FEDERAL, apud ABREU, M. 1997,

p.87-88).

É bom ressaltar que, embora reconhecidas por órgão oficial em 1937, as

favelas espalhadas pela cidade só começam a figurar nos mapas a partir da década de 1990.

Até esta data, elas significavam borrões verdes espalhados pela cidade.

Em 1941, ocorre no Rio de Janeiro o 1° Congresso Brasileiro de Urbanismo

e suas conclusões servem para reforçar as determinações do Código de Obras, propondo

novas casas higiênicas, recomendando, se possível, que essas construções fossem realizadas

no mesmo lugar das antigas moradias dos favelados. Apesar do presidente da Comissão de

Urbanismo e Habitação do Congresso, José Mariano Filho, relacionar a formação de

favelas a um caráter de herança étnica do mestiço como elemento primitivo, também

ressalta a associação entre esses núcleos de moradia e os mercados de trabalho (LIMA,

1989).

Também em 1941, Victor Tavares de Moura apresenta um relatório ao

secretário-geral da Saúde do governo Henrique Dodsworth, baseado em plano para estudo e

solução do problema da favela, no qual enfatiza a necessidade de coleta de dados

detalhados e precisos sobre os moradores. O Relatório Moura e a Comissão encarregada do

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estudo apresentam dois corpos de sugestões de ação, preventivas e realizadoras. Como ação

preventiva apresentam-se os seguintes pontos:

a) o controle de entrada no Rio de indivíduos de baixa condição social; b) o recambio de indivíduos de tal condição para os seus estados de origem; c) a fiscalização severa quanto às leis que proíbem a construção e reconstrução de casebres; d) a fiscalização dos indivíduos acolhidos pelas instituições de amparo; e) promover forte campanha de reeducação social entre os moradores das favelas, de modo a corrigir hábitos pessoais de uns e incentivar a escolha de melhor moradia

E como ação realizadora sugere:

Casas provisórias, pelo menos do tipo mínimo permitido por lei, serão imediatamente construídas e para elas transferidos os moradores dos casebres, tendo em vista as suas condições de saúde, de trabalho e de defesa contra a varíola, difteria, doenças do grupo coli-tífico, além de inspeção torácica e apurações de conduta social. (Fundo Victor Tavares de Moura. DAD/COC/Fiocruz.)

Afora estas afirmações do relatório, sem dúvida, a que chama mais atenção é

a de que as novas casa provisórias deveriam ser construídas nos vazios entre os bairros, no

sentido de valorizar estas áreas, afirmando que “isto enfeitará tais zonas e depois, com a

evolução das cidades, acontecerá, como em todas as cidades do mundo, que os tipos de

casas modestas irão dando lugar a melhor construção enquanto que os mais humildes se

encaminharão para a periferia da cidade” (PARISSE apud VALLA, 1986: p.35).

A naturalização feita pelo autor do problema habitacional demonstra bem a

forma como diferenças entre classes, nessa matriz de pensamento, são inerentes à

organização social. Isto é, faz parte da estruturação social capitalista o direito de alguns

habitarem determinados espaços mais centrais e nobres da cidade enquanto este direito é

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negado a outros. E, esse direito, obviamente, está ligado ao lugar onde o indivíduo, família,

grupo se inserem na organização social do capital: quanto mais pauperizado é o grupo, mais

para a periferia ele irá marchar. No caso do Rio de Janeiro, esta periferia expressa-se pelas

localidades mais distantes do centro da cidade, ou menos providos pelos bens coletivos

urbanos, e também nos morros, que embora possam estar localizados em áreas nobres da

cidade não são, entretanto, assistidos com conotação de bairro pela infra-estrutura urbana.

Entre 1941 e 1943 foram construídos os Parques Proletários da Gávea, do

Caju e do Leblon, Parques Proletários n° 1, n° 2 e n° 3, respectivamente. Baseados nas

indicações de que as famílias deveriam ser removidas provisoriamente para casas de

madeira construídas nas proximidades dos antigos casebres, local para onde retornariam

após essa área ter sido recuperada e construídas casas higiênicas, o que se faz notar na

forma de encarar esta população é o seu caráter de mão-de-obra. Os parques proletários

estavam destinados àqueles que tinham emprego certo e, dentre suas especificações, além

de zelar pela saúde física, tendo-se em mente o ideal sanitarista em que também estava

baseado esse projeto, o parque tinha intenção de dar conta da “saúde moral” do trabalhador.

A idéia de formação do bom trabalhador estava presente nas formas disciplinadoras do

Parque Proletário. Os portões eram fechados às 22 horas, e os moradores possuíam carteiras

de identificação que deveriam ser apresentadas até este horário, o administrador falava ao

microfone em seu “chá das nove”, no qual, além de apresentar as notícias do dia, eram

proferidas “lições de moral” (MOURA,1969 apud LEEDS e LEEDS, 1978).

Se na década de 1940 havia a indicação de que a reformulação dos núcleos

de habitação popular não poderia deixar de levar em conta a estruturação das famílias em

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relação ao trabalho, nos anos das grandes remoções, duas décadas depois, este aspecto não

foi observado mediante vários outros interesses, conforme poderá ser visto mais adiante.

Assim como os parques proletários, os Institutos de Aposentadoria e

Pensões, os IAPs, construíram conjuntos residenciais baseados na moradia destinada ao

trabalhador inserido plenamente nas regras do mercado de trabalho, sendo que este último

restringia seu campo de atuação a um específico campo de trabalhadores, industriários ou

comerciários, por exemplo, registrados respectivamente no IAPI e IAPC.

Uma observação a se fazer após a experiência dos parques proletários é

sobre o processo de organização dos moradores de favela que, em 1945, criaram as

comissões de moradores nos morros Pavão/Pavãozinho e logo depois nos morros do

Cantagalo e Babilônia, como modo de oposição à possibilidade de remoção dos moradores

para os parques. Ao que tudo indica, a precariedade das casas provisórias e a pedagogia

civilizatória apresentada nos parques estavam longe dos anseios dos moradores das favelas

(FORTUNA e FORTUNA, 1974 apud BURGOS, 1998).

A favela, como solução de moradia das camadas populares, cresce tendo

como elemento fundamental o aumento de custo da habitação (PARISSE, 1969:156).

Entretanto, sua importância política não se restringe a seu crescimento quantitativo, como

nos mostra Nísia Trindade Lima:

A noção de que as favelas favoreciam, em face das precárias condições de moradia e da distância em relação às normas legais de habitação, à intensa propaganda comunista é citada por diferentes

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30

analistas como aspecto importante na definição de medidas que visassem a neutralizar essa influência (1989: 72).

Assim, o crescimento do Partido Comunista, que nas eleições de 1947 fez a

maioria das cadeiras na Câmara de Vereadores do Distrito Federal, e que se expressava

junto às camadas populares através de sua atuação sindical, principalmente na indústria

têxtil e de construção civil, despertou nos segmentos conservadores um receio, que se

expressava pelo slogan: “Precisamos subir os morros antes que os comunistas dele desçam”

(SAGMACS, 1960 apud LIMA, 1989:74).

No mesmo ano de 1947, foi criada a Fundação Leão XIII. Esta criação foi

possibilitada através de acordo entre o prefeito Hildebrando de Góis e o Cardeal D. Jaime

de Barros Câmara, iniciadas em 1946, e possui dois pontos importantes a serem

observados. Significou uma forma de ocupação de espaço de modo a restringir a influência

comunista nas favelas cariocas, e ainda representou um reconhecimento maior por parte do

poder público da existência da favela, passando a colocar em pauta que a “questão da

favela” só poderia ser solucionada, a longo prazo, através da “promoção humana”. Isso

significava uma quebra na condução das políticas relativas a este tipo de moradia, que até

então só eram pensadas em termos de soluções rápidas e de curto prazo, mesmo que

perpetuando a idéia e ação educativa, tendo como premissa a incapacidade das famílias de

favelas de viverem “adequadamente em sociedade”.

Sobre a importância política que passam a ter as discussões em torno da

favela, o receio do avanço comunista é bem demonstrado neste alerta feito por Carlos

Lacerda após a eleição de 1947:

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Aqueles que não quiserem fazer um esforço sincero e profundo para atender ao problema das favelas, assim como aqueles que preferirem encará-lo como caso de polícia, têm uma alternativa diante de si: a solução revolucionária [pois os] comunistas (...) oferecem a expropriação dos grandes edifícios e a ocupação de todo o edifício como solução imediata, redutora e fagueira a quem vive numa tampa de lata olhando o crescimento dos arranha-céus (apud ZALUAR e ALVITO, 1998:14).

A atuação da Fundação Leão XIII foi marcada pelos Centros de Ação Social

instalados nas grandes favelas, os quais desenvolviam atividades de apoio escolar,

esportivas e de promoção de melhoria das condições locais. Essa entidade desenvolveu sua

ação baseando-se na idéia de que o “problema” das favelas poderia ser solucionado

“contando com os próprios favelados, carentes apenas de orientação adequada para que

atingissem esse objetivo” (LIMA, 1989: 75).

É preciso frisar que se verifica uma convivência no âmbito das políticas

públicas entre o destaque da importância da participação do favelado na mudança de sua

condição de moradia e existência — participação essa orientada pela Fundação, tendo em

vista a incapacidade desses grupos superposta na falta de formação e orientação moral — e

a idéia de erradicação sumária das favelas através da criação, também em 1947, da

Comissão para Extinção de Favelas. Os planos do prefeito Mendes de Morais (1947-1951)

para extinção de favelas são explicitados em entrevista posterior oferecida ao jornal O

Globo, em 26 de janeiro de 1966, afirmando, segundo nos relata Leeds e Leeds, a meta de

retorno dos moradores das favelas a seus estados de origem, submetendo os moradores a cima de 60 anos à tutela de instituições do Estado, e expulsando das favelas famílias cujo salário excedesse um mínimo estipulado. O ex-prefeito disse que seu plano não funcionara devido à fala de apoio dos governadores dos estados de origem dos moradores de favelas, dos diretores da Cia, Lloyd de

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navegação e do Chefe de Polícia do Distrito Federal (LEEDS E LEEDS, 1978: 194).

Esta comissão, apesar de não ter sido muito ativa, tem sua importância

colocada pela realização do Censo de Favelas de 1948. Os dados do Censo contam 105

favelas, com população de 138.837 – 7% da população do Distrito Federal, assim divididas:

Ao longo da Linhas férreas Central do Brasil e Leopoldina 43,40%

Centro e Zona Norte 29,5%

Zona sul 20,9%

Periferia 5,7%

(VALLADARES, 1978: 22)

Observando os dados do Censo apresentados acima, é possível perceber que

em ordem de grandeza, em número de população, a Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro é

a terceira na lista. Entretanto, é sobre esta região que se apresentam as mais contundentes

políticas de ordenação e de remoção dos núcleos de favelas.

Apesar de, inicialmente, a Fundação Leão XIII não fazer parte da estrutura

do Estado – isso só acontecerá em 1962 – ela passa “progressivamente a atuar como

instrumento auxiliar dos órgão da burocracia estatal, assumindo, entre outras, as funções de

controle e distribuição de energia elétrica nas favelas onde atuava” (LIMA, 1989:76). Mais

tarde, na década de 1960, já inserida no organograma do Estado da Guanabara, passa a dar

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suporte aos processos de remoções, fazendo levantamentos e administrando os Centros de

Habitação Provisória, sobre os quais mais adiante passaremos a tratar.

Voltando ao período de 1947 e 1948, onde a favela demonstra sua

importância no cenário político na forma como foi descrita acima, é necessário ressaltar a

série de matérias de jornais que ficou conhecida como “Batalha do Rio de Janeiro”.

Campanha lançada no Correio da Manhã, pelo jornalista Carlos Lacerda, que logo obteve a

adesão de O Globo e da Rádio Mayrink Veiga que, embora tenha tido curta duração – o

mês de maio de 1948 –, teve seu maior mérito no reconhecimento da complexidade da

favela e de sua dimensão nacional. A intenção máxima dos artigos publicados era a

proposição de reunir atenção e esforços nacionais para a solução do “problema favela”.

A defesa que sobressai na proposta de Carlos Lacerda é a de que não é

responsabilidade exclusiva do Estado solucionar o problema das favelas. Assim, Lacerda

afirma em artigo, abrindo oposição ao Partido Comunista, que:

Com a batalha do Rio de Janeiro, teremos: entusiasmo crescente, aproveitado devidamente, utilização e pleno rendimento dos serviços públicos especializados, utilização do voluntariado, tomada de consciência do povo acerca das vantagens da democracia e das desvantagens do regime em que tudo vem do Estado e consequentemente tudo vai para o Estado (Correio da Manhã, 21/05/1948).

As idéias contidas nas formulações de Lacerda e na estruturação da

Fundação Leão XIII estão balizadas, segundo Victor Vincent Valla, na necessidade de

(...) transmitir uma determinada concepção de sociedade aos moradores das favelas de tal forma que estes considerem que as

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contradições que dia a dia observam e padecem na cidade – falta de emprego, baixos salários, moradas precárias, falta de serviços – são superáveis dentro do sistema capitalista, por intermédio da ajuda, da iniciativa privada, do esforço individual e do desenvolvimento comunitário. Além disso, afirma-se aos moradores que eles não estão sós em seu esforço. Eles contam com a ajuda de todos os setores da sociedade (VALLA, 1986, p.58-59).

Assim, o próprio esforço do morador, devidamente orientado, o levaria a

superar seus problemas e melhorar sua condição de vida. Reforça-se a idéia de que a

pobreza é causada pela própria pobreza, refletida pela falta de empenho daqueles que se

encontram nesta situação.

Retomando os dados apresentados no Censo de Favelas de 1948, este

oferece um panorama geral das condições socio-econômicas de suas famílias, entretanto os

parâmetros de comparação com o Censo Nacional de 1950 são poucos devido a

metodologias diferentes. Enquanto o primeiro contava 105 favelas, como já foi dito

anteriormente, o segundo contabilizava 59, sendo o número geral de moradores no segundo

superior ao de 1948. Isso não significa dizer que de alguma forma não possamos trabalhar

com alguns desses dados. Esta diferença de números é atribuída a consideração pelo Censo

de 1950 de favelas apenas como aglomerados acima de 50 barracos (ABREU, 1997).

Censo 1948 Censo 1950 n° de favelas 105 59 n° de moradias 34.567 44.000 n° de habitantes 138.837 169.305 % em relação ao total da população do Rio de Janeiro

14% 7%

(PARISSE, 1969)

É necessário notar que embora contando menos favelas foi registrado em

1950 um aumento no número de moradias e de habitantes, provavelmente atribuído a uma

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metodologia que considerou apenas uma favela uma área com vários aglomerados de

moradias, e ainda que os dois censos trabalhavam com números diferentes para o universo

total da população do Rio de Janeiro. Caso o Censo de 1948 trabalhasse com os mesmos

dados de população total de 1950 a proporção de habitantes de favela seria de 5% e não

14%.

Retomando as considerações já feitas sobre a importância, em quantitativo

de concentração, das favelas da zona sul em relação a outras áreas da cidade é interessante

observar que, conforme dados apresentados abaixo, não era a Zona Sul da cidade a área que

mais crescia, em termos gerais, aquela onde o período de remoções da década de 1960 vai

ser mais intenso, como já dito. Os dados abaixo demonstram o crescimento da cidade por

circunscrições censitárias e não por favelas, mas nos permite observar que não eram para a

Zona Sul, e nem sempre para ocupações ilegais de terrenos que as pessoas rumavam. A

cidade crescia principalmente para os eixos da Linha Férrea da Central do Brasil e

Leopoldina, e ainda no eixo da Avenida Brasil após sua inauguração em 1946.

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Taxa de crescimento da cidade do Rio de Janeiro, por circunscrição censitária – 1940-1950*

Crescimento -% 1940-1950

Zona Suburbana II (Pavuna, Anchieta, Realengo) 78 Zona Rural (Campo Grande, Guaratiba, Santa Cruz) 58 Jacarepaguá 50 Zona Sul (Glória, Lagoa, Gávea, Copacabana) 46 Zona Suburbana I (Engenho Novo, Méier, Inhaúma, Piedade, Irajá, Madureira, Penha) 40 Total 35 Zona Norte (Engenho Velho, Tijuca, Andaraí) 20 Santa Teresa 17 São Cristóvão 8 Área Periférica Central (Santana, Gamboa, Espírito Santo, Rio Comprido St. Antônio) - 8 Centro (Candelária, São José, Santa Rita, São Domingos, Sacramento, Ajuda) - 24

*Dados selecionados sobre tabela de Abreu, 1997.

(Censos demográficos de 1940 e 1950 apud ABREU, 1997).

Dentre as instituições que destinam seus esforços para o “problema” das

favelas, em 1955, há a criação de uma nova, e uma duplicidade de ação é observada nas

propostas de atuação da Igreja Católica. Através da participação direta do bispo auxiliar D.

Helder Câmara, a Cruzada São Sebastião se estabelece com um novo princípio baseado na

“perspectiva de integração social das populações carentes” (VALLA, 1986: p.65), contudo

sem abandonar por completo a ação assistencialista, já implementada pela Fundação Leão

XIII. Essa duplicidade parece se justificar por dois motivos: uma certa inatividade e

descaracterização das atividades da Fundação Leão XIII e uma divergência política-

partidária de apoio a cada uma das instituições. Enquanto a Leão XIII foi apoiada, desde

seu princípio, por políticos ligados à União Democrática Nacional (UDN), a Cruzada teve

seu apoio fundado na aliança populista formada pelo Partido Social Democrático (PSD) e o

Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). (VALLA, 1986)

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No caminho da Cruzada, é criado em 1956 o Serviço Especial de

Recuperação de Favelas e Habitações Anti-Higiênicas (SERFHA). Instituição vinculada ao

governo do Distrito Federal que teve sua atuação inicial bastante incipiente, limitando-se a

auxiliar as ações da Fundação Leão XIII e da Cruzada São Sebastião, a partir de 1960

vincula-se à Coordenação de Serviços Sociais do Estado, sob a direção de José Arthur Rios,

tornando-se mais independente e atuante. Esta gestão, que vai até 1962 e também data de

extinção deste órgão e de sua transformação em Secretaria de Serviços Sociais, é marcada

pela criação de associações de moradores em favelas, as quais seriam mediadoras entre os

órgãos do governo e os moradores. Para sua instituição legal a associação deveria, no

entanto, assinar um acordo padrão com o SERFHA. Cabe observar que, se a forma de

encarar o morador dentro da perspectiva da integração social,

A perspectiva de tomar o habitante da favela como ser adulto, capaz de resolver o seu problema de moradia, equivale, portanto, na prática, a levá-lo a assumir compromissos que vão desde a colaboração com os programas da instituição, até a fiscalização e repressão das tentavas de construção de novos barracos, com a eventual ajuda da polícia (VALLA, 1986: 83).

Embora esta perspectiva estivesse colocada, o fato para o qual se precisa

atentar é de que o SERFHA se propunha a recuperar favelas, mesmo com a proibição da

construção de novos barracos. Os incentivos para que os antigos fossem substituídos por

“moradias mais adequadas”, através da auto-ajuda, reforçava a idéia de permanência das

favelas em seus locais originários.

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Carlos Lacerda, eleito pela legenda da UDN em 1960, como primeiro

governador do recém criado Estado da Guanabara, assume com um cenário de reforma

administrativa, tendo em vista a reestruturação necessária após a transferência da capital

federal para Brasília. Além disso, Lacerda empenhou-se na implementação de alguns

pontos fundamentais como metas de seu governo, dentre eles: “a ampliação do sistema

escolar; o abastecimento de água e a ordenação do espaço urbano da Guanabara” (MOTTA,

2001). Sobre esta última meta, a que mais nos interessa para a discussão, duas premissas

são fundamentais: o interesse da indústria de construção civil, que desde a década de 1950

encontrava-se estagnada e percebia no projeto de construção de casas populares e conjuntos

habitacionais uma possibilidade de recuperação e movimentação da economia estadual

através da geração de empregos; e ainda os interesses do capital imobiliário pelas áreas de

favelas, aquelas localizadas sobretudo na Zona Sul da cidade, tornaram-se mais explícitos

(VALLA,1986).

O início da década de 1960 é marcado, na cidade do Rio de Janeiro, pela

confirmação de uma tendência nacional, das décadas anteriores, de priorização de um

modelo de desenvolvimento viário voltado para o automóvel. O governo Lacerda (1960-

1965) representou

O exemplo mais marcante da intervenção direta do Estado na solução do problema viário, um problema que era na verdade um falso problema, posto que derivava da crescente concentração de renda nas mãos de uma minoria da população. (ABREU, 1997: 133)

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Após a instrução 113 da Superintendência da Moeda e do Crédito

(SUMOC) – instituição que cumpria o papel de autoridade monetária antes da criação do

Banco Central do Brasil – , em janeiro de 1955, que, segundo Caio Prado Jr.,

dava aos investidores estrangeiros o direito de trazerem seus equipamentos sem nenhuma despesa cambial, enquanto os industriais nacionais eram obrigados a adquirir previamente, com pagamento à vista, as licenças de importação exigidas para trazerem do exterior os equipamentos de que necessitassem (PRADO Jr, Caio,197: 232),

e ainda, com o “Plano de metas 50 anos em 5”, do governo Jucelino

Kubitschek, o país consolida o impulso da industrialização através do capital estrangeiro. A

instalação das multinacionais e principalmente as automobilísticas, “que em pouco tempo

passou a constituir um dos setores líderes da economia” (ABREU, 1997, p.133), a

rodoviarização do país e, no Rio de Janeiro, a adequação do espaço urbano ao uso dos

veículos particulares, acessível apenas às classes de maior poder aquisitivo, moradora da

Zona sul, demonstrava claramente para quem a cidade estava sendo pensada. O peso desse

viés também se mostrou preponderante na elaboração do Plano Doxiadis, contratado a um

grupo grego chefiado por Constantinos Doxíadis e elaborado entre 1960 e 1963, mas que

diferentemente do Plano Agache teve seus dados elaborados por equipe de técnicos

brasileiros – o que não impediu as críticas de ter sido elaborado por um estrangeiro – , o

qual com suas linhas coloridas visava a articulação da cidade através de vias expressas com

o privilégio da ordenação urbana ao veículo particular. As Linhas Amarela e Vermelha que

temos hoje são resultado desse plano.

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Por conseguinte, podemos afirmar que o bem estar das classes populares

através do projeto de remoções, com a transferência das famílias para casas populares e

conjuntos habitacionais, marca do governo Lacerda, não era o objetivo do modelo de

desenvolvimento social e urbano que vem se estruturando e se agravará a partir da década

de 1960 e da ditadura militar, como passaremos a observar adiante.

O início dos anos 1960 assistiu ao maior índice de disparidade entre os

salários, o custo de vida geral e o custo da habitação especificamente, pelo menos no

intervalo de 1949-1961. O alto custo da habitação possui uma íntima relação com o

crescimento das favelas na Guanabara e o esgarçamento da tensão política em torno da

questão da moradia terá um grande significado nas políticas relativas às favelas ao longo da

década.

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Custo de Vida e Salários no Distrito Federal 1949-1961

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

1800

2000

1949 1951 1953 1955 1957 1959 1961

Custo daHabitação

Custo de vidageral

Salário indústriatransformação

Salário Mínimo

Fonte: Anuário Estatístico do Brasil, anos incidados, IBGE - SNE, Rio de Janeiro apud PARISSE, 1969.

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42

A extinção do SERFHA, em maio de 1962, “tem um importante significado,

pois foi a partir daí que o governo começou a colocar em funcionamento uma política

específica de habitação popular” (VALLA, 1986: 84).

Para muitos, a possível independência política que a organização

comunitária poderia gerar e a não-liberação de áreas valorizadas da cidade que se

encontravam ocupadas por favelas significava um entrave para a eleição e reeleição de

políticos com bases eleitorais em favelas, a obtenção por parte do Estado de subsídios

provenientes da Agencia Internacional de Desenvolvimento (AID) e do Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID), que apoiavam projetos de reformulação urbana

tendo em vista o apoio a “grupos de interesses ligados aos mercados de construção

habitacional e de capital” (LEEDS E LEEDS, 1978), e o próprio desenvolvimento dos

interesses do capital imobiliário privado. No bojo dessa conjuntura, a Companhia de

Habitação Popular do Estado da Guanabara (COHAB-GB) foi criada6, no momento da

derrocada do SERFHA, com o objetivo de formular uma nova política habitacional, tendo

por base a construção de unidades habitacionais para população de baixa renda (Idem). A

COHAB-GB, assim como todas as outras criadas posteriormente, em âmbito nacional,

constituía-se como companhia de economia mista, na qual, no caso da Guanabara, o capital

privado permitido, 49%, era controlado pelo grupo político de Lacerda, incluindo seu

genro, Flexa Ribeiro, e o vice-governador Rafael de Almeida Magalhães.

6 Criada em 1962, é transformada em Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro – CEHAB-RJ –, em 1975, por ocasião da Fusão do Estado da Guanabara com o do Rio de Janeiro.

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43

As negociações em torno da assinatura do Acordo do Fundo do Trigo

Estados Unidos-Brasil serviram como pano de fundo para a estruturação da política

habitacional que caracterizaria as décadas de 1960 e 1970. O Acordo se estabelecia sob o

programa Aliança para o Progresso, formalizado em agosto de 1961 quando da assinatura

da Carta de Punta del Este, entre os Estados Unidos e 22 países da América, com o intuito

formal de assistência ao desenvolvimento sócio-econômico da América Latina (Abreu, A.

2001). O contexto da criação deste programa é a Guerra Fria e a proximidade da vitória da

Revolução Cubana, em 1959. Assim, um significado da Aliança seria a contenção de um

possível avanço do comunismo na América Latina.

O Acordo do Fundo do Trigo, para urbanização e recuperação de favelas do

Rio de Janeiro, foi firmado em fins de 1961, entre o governador Carlos Lacerda e o

embaixador Lincoln Gordon, e os recursos seriam provenientes da United States Agency

for International Development (USAID) e recursos próprios do Estado da Guanabara, 3%

da renda anual de impostos. O financiamento destinava-se “à urbanização parcial de

algumas favelas, a urbanização total de uma grande favela e a construção de 2.250

habitações de baixo custo” (LANGSTEIN apud VALADARES, op. cit, p.24). Na prática, a

COHAB-GB deixou de lado a urbanização de favelas e aplicou o dinheiro na construção de

três vilas, a saber: Vila Kennedy, em Senador Câmara; Vila Aliança, em Bangu e Vila

Esperança, em Vigário Geral, além de construir três Centros de Habitação Provisória (VAZ

e ANDRADE, 1994).

Para além de um financiamento específico para a urbanização, no caso, a

construção de habitações destinadas à população de baixa renda, o programa norte-

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44

americano Aliança para o Progresso destinaria recursos também para a solidificação de um

modelo de pensamento aliado a seus interesses. O acordo firmado entre a USAID/Brasil e a

Fundação Getúlio Vargas, que propunha a tradução de 15 obras sobre administração

pública num sentido de “programação para o desenvolvimento”, demonstra uma clara

intenção de consolidação de um modelo de urbanização baseado em objetivos, métodos do

planejamento urbano, bases legislativas, organizativas e administrativas dos órgãos de

planejamento local, além do empenho específico em planejamento das diferentes zonas da

cidade (residenciais, comerciais e industriais) e de estética urbana segundo os padrões das

práticas e pensamento norte-americanos. Nas palavras de Beatriz Wahrlich, diretora da

Escola de Administração Pública (EBAP/FGV), no prefácio à tradução intitulada

Planejamento Urbano: “Trata-se, pois, de uma contribuição da Aliança para o Progresso

por intermédio da Fundação Getúlio Vargas ao desenvolvimento do nosso país”

(FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 1965).

Este guarda-chuva que é o programa Aliança para o Progresso ainda

articulou, através da USAID, ao final de 1963, um financiamento, que obteve aceitação por

parte do Governo Lacerda, “a projetos de desenvolvimento comunitário baseado em

pesquisas, com o objetivo de divulgar entre a população favelada as experiências

localizadas de redução dos custos da habitação, sobretudo através da utilização da auto-

ajuda” (VALLA, 1986). Denominado Brasil-Estados Unidos: Movimento para o

Desenvolvimento e Organização de Comunidade (BEMDOC), foi iniciado em outubro de

1964 tendo como instituição base para implantação a Fundação Leão XIII, que então já

integrava formalmente a estrutura do Estado.

Page 45: Dissetacao Entre a Favela e o Conjunto Habitacional Claudia Trindade

45

Esse projeto serve à intenção já descrita acima de espraiar uma forma de

pensamento, aqui através de uma ideologia humanístico-assistencial que justificava a

atuação de instituições não-remocionistas, tentando encobrir o conflito essencial de

disparidades dentro do sistema onde uns tem mais e em melhores condições do que outros.

O BEMDOC foi extinto em dezembro de 1966.

A organização dos moradores de favelas através das associações iniciam a

década de 1960 fundando a FAFEG - Federação das Associações de Favelas da Guanabara,

em 1962. O contexto de sua criação é a mudança de foco das lutas que passa a atuar não só

contrariamente às ações de despejo, mas também em obter melhorias significativa para

além dos períodos eleitorais. Escapa aos interesses deste texto versar especificamente sobre

os movimentos de organização dos moradores de favela7, entretanto uma breve

consideração sobre a atuação da FAFEG nos será útil.

Embora em seu primeiro congresso, em outubro de 1964, a FAFEG

demonstre uma atuação que buscava apoio nas instituições e autoridades do Estado, “as

principais diretrizes do Congresso demonstram, contudo, divergências quanto à política

para favelas que passou a ser adotada no governo Lacerda” (LIMA, 1989, p. 189).

Pensando no contexto que se delineia no país após o Golpe Militar de 1964, a atuação da

FAFEG sofre com as restrições de atuação que os movimentos organizados viviam à época.

Após uma atuação marcante durante as enchentes de 1966, onde cobra do Governador

Negrão de Lima sua promessa de campanha de não remover favelas, o ano de 1967 pontua

“uma postura mais combativa fundamentada na compreensão de serem os problemas

Page 46: Dissetacao Entre a Favela e o Conjunto Habitacional Claudia Trindade

46

vividos pela população favelada de natureza essencialmente política” (LIMA, 1989, p.193).

O segundo congresso, ocorrido em novembro de 1968, numa conjuntura precedente à

promulgação do Ato Institucional n°5, teve uma diferença fundamental em relação ao

primeiro: não houve solicitação de presença de nenhuma autoridade de governo. Esta

posição foi claramente expressa na convocatória: “As pessoas que vivem em palácios não

podem raciocinar como as pessoas que vivem em barracos” (Convocatória II Congresso

FAFEG apud LIMA, 1989). Como resultado deste último congresso algumas das

resoluções foram:

a posse definitiva da terra nas áreas ocupadas pelos favelados; (...)

uma atuação autônoma da associações de moradores em relação ao

governo; (...) rejeitou categoricamente qualquer proposta de

remoção, defendendo a urbanização local enquanto

responsabilidade do governo (LIMA, 1989, p. 196-199).

Com o endurecimento da ditadura e pelas posições tomadas pela FAFEG, a

perseguição aos líderes comunitários toma vulto e após o episódio da Ilha das Dragas –

remoção de pequena favela localizada na Lagoa Rodrigo de Freitas (Zona Sul), em 1969,

onde o presidente da associação de moradores e mais três diretores da Federação são presos

–, as atividade da FAFEG tornaram-se menos freqüentes e combativas. As eleições que se

seguiram tinham sua chapa submetida à avaliação pela Secretaria de Segurança e a atuação

passou a ser atrelada aos interesses do Estado, trabalhando, as associações, inclusive nas

remoções. Como descreve Perlman (1977), na remoção da Catacumba, em 1970:

7 Para maiores informações ver LIMA, Nísia Trindade. O movimento de favelados do Rio de Janeiro: políticas de Estado e lutas sociais (1954-73). Iuperj, Rio de Janeiro, 1989.

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47

“a associação foi coagida a transformar-se num comitê de guardas

uniformizados de 31 homens para impedir qualquer tipo de

melhorias nas casas, a entrada ou saída da favela sem autorização e

a mudança de novas famílias para lá” (p. 59)

A memória carioca fixou a década de 1960 como o período das grandes

remoções e Carlos Lacerda como seu agente. Sem dúvida alguma cabe a ele a designação

como o que iniciou este processo, sem perder de vista que ele não inaugura a prática de

remover famílias das favelas. Entretanto não é o seu governo e sim os dois posteriores, de

Negrão de Lima (1965-1971) e de Chagas Freitas (1971-1975), que realizam o maior

número de transferências de famílias faveladas para Conjuntos Habitacionais.

Remoções realizadas na Guanabara 1962-1974

Administrações e período das remoções

Total de favelas atingidas

Total de barracos removidos

Total de habitantes removidos

Governo Carlos Lacerda 1962-1965 27 8.078 41.958

Governo Negrão de Lima 1966-1967 (enchentes) maio/1968- março/1971

s/resposta

33

s/resposta

12.782

6.685 63.910

Governo Chagas Freitas Abril/1971 – março/1974 20 5.333 26.665

Total 80 26.193 139.218

(COHAB-GB apud VALADARES, 1978: 39)

O contexto de eleição do governador Negrão de Lima, em 1965, que venceu

o candidato e contraparente de Lacerda, Flexa Ribeiro, foi analisado por Leeds e Leeds

(1978) como uma resposta negativa ao Programa de Remoções e ao regime militar, tendo

em vista a filiação partidária de Flexa à UDN (União Democrática Nacional), uma das

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48

bases de apoio do regime e ao próprio rol político de Carlos Lacerda, e de Negrão ao PSD,

em coalizão com setores do PTB, “o partido populista baseado no trabalho de Getúlio

Vargas” (p.164)

Embora tenha sido promessa de campanha não efetuar remoções, o Governo

Negrão de Lima foi o que removeu sozinho mais do que a soma dos Governos Lacerda e

Chagas Freitas (70.595 contra 68.623 mil moradores), em números totais de moradores de

favelas. O alicerce para “o fim das favelas” formulado no início da década, com a

construção de grandes Conjuntos, só vai se intensificar após a implantação da ditadura que

fará ponto de apoio no impulso da indústria da construção civil. Para isso novas instituições

serão criadas e outras reforçadas.

O Banco Nacional de Habitação (BNH), criado em agosto de 1964, e tendo

como sua primeira presidente, Sandra Cavalcanti – anteriormente Secretária de Serviços

Sociais do Governo Lacerda , tendo atuado diretamente na remoção de favelas, em especial

a do Morro do Pasmado –, deu amplo apoio econômico e institucional à política de

erradicação de favelas (LEEDS e LEEDS, 1978). Através de novo impulso dado a

COHAB-GB (após a implantação do BNH foram instituídas COHABs em todo o país com

o mesmo modelo da Guanabara), e da criação da Coordenadoria da Habitação de Interesse

Social na Área Metropolitana do Rio de Janeiro – CHISAM (1968-1973) –, parte das

intenções do Banco eram postas na mesa. Segundo carta de Sandra Cavalcanti ao presidente

Castelo Branco, logo após o Golpe, a criação de uma instituição voltada para a habitação

deveria além de utilizar um Fundo de Assistência Social destinado às famílias faveladas ou

que vivem de salário mínimo, ajudar

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49

a construção civil do país a se recuperar; (...) atuar brilhantemente

na abertura das frentes de trabalho; (...) melhorar as empresas

médias e pequenas de produção de material para a construção e (...)

dar destino melhor à capacidade de poupança dos mais bem

aquinhoados (apud Fontes, 1986: 246-248).

Pelo que conhecemos hoje, a existência do BNH serviu mais a uma camada

da população diversa daquela que habitava as favelas (LEEDS e LEEDS, 1978; FONTES,

1986; VALLADARES, 1978).

Quatro meses antes da iniciativa do governo federal em criar a CHISAM, foi

criada a Companhia de Desenvolvimento da Comunidade – CODESCO (1968), subsidiária

autônoma da Companhia de Progresso para o Estado da Guanabara – COPEG – grupo de

trabalho criado em 1961 com o objetivo de realizar pesquisas sobre favelas após o

oferecimento pela USAID de “financiamento ao governo estadual para que este criasse um

programa de auto-ajuda de desenvolvimento habitacional-comunitário e criasse uma

instituição que centralizasse a resolução de problemas urbanos do Grande Rio” (VALLA,

1986: 97). O surgimento da CODESCO, com a finalidade de “promover a integração dos

aglomerados subnormais na comunidade normal adjacente” (BLANK apud VALLA,1986)

responde ao impulso organizativo de comunidades contrárias à remoção, aliado a um grupo

de jovens arquitetos dispostos a repensar os termos de construções de habitações populares

(SANTOS, 1981). Os projetos levados a intento pela CODESCO (Brás de Pina, Mata-

Machado e Morro União), baseavam-se na organização comunitária para a urbanização das

localidades com apoio técnico do governo. Segundo Victor Valla (1986),

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50

Se de um lado, a CODESCO surge como resultado das articulações

das autoridades do Estado da Guanabara com BEMDOC/USAID,

também essa iniciativa representava a oposição entre essas

autoridades populista e a nova coligação “militares/governo federal

(VALLA, 1986: 98).

E ainda, a criação da CHISAM serviria como resposta ao governo estadual,

pois a CODESCO “não favorecia nem o BNH e a indústria de construção civil, nem as

companhias de poupança, crédito e finanças” (LEEDS e LEEDS, 1978 apud VALLA,

1986: 98).

A erradicação de favelas na Guanabara era a tarefa primordial da CHISAM,

que “propunha-se a remover 92.000 favelados por ano, a partir de junho de 1971” e contava

chegar a seu objetivo (remoção completa de todas as favelas do Rio de Janeiro), em 1976.

(VALLADARES, 1978). No entanto, entre 1971 e 1974 foram removidos 26.665

moradores. Realmente o objetivo de fazerem desaparecer da paisagem do Rio de Janeiro

todas as favelas não se concretizou, mas mexeu com a vida de mais de 130 mil pessoas nos

doze anos que englobam os governos Lacerda, Negrão de Lima e Chagas Freitas. Vários

são os motivos para o insucesso: não consideração da pressão sobre os orçamentos das

famílias no morar em lugares distantes, com pouca oferta de trabalho e infra-estrutura,

principalmente de transportes; desvio de interesses nas políticas para a habitação

implementadas pelo BNH, que em sua história atendeu mais à classe média; e a principal

delas, e a base de sustentação deste texto, de que a questão da habitação não é um problema

em si, e que portanto a simples construção de casas não soluciona algo que é estrutural.

Aprofundaremos este ponto mais adiante.

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51

A década de 1970 viu três importantes momentos para o Rio de Janeiro. Em

1975, a fusão do estado da Guanabara com o estado do Rio de Janeiro, resultado de

diversos interesses, tanto do Governador da Guanabara, Chagas Freitas (1971-1975),

interessado em estadualizar, no sentido de ganhar força política e econômica na mão

contrária do “alegado esvaziamento da economia carioca” e na intensão “de formar um

estado forte no centro-sul para contrabalanças São Paulo e Minas Gerais, como do governo

militar que desejava “retirar da Belacap os atributos de capital e em transferi-los para a

Novacap” (MOTTA, 2001), o que já havia se intensificado no Governo Médici (1969-

1974) com a transferência para Brasília de diversos órgãos que ainda eram sediados no Rio

de Janeiro e que no Governo Geisel (1974-1979) se efetivou como um dos resultados do

interesse de reorganização administrativa do país (MOTTA, 2001).

Com a Fusão, novo ordenamento para a cidade foi elaborado. O novo plano

urbanístico de 1977, Plano Urbanístico Básico, Pub-Rio, representa intenções do governo

federal, é o primeiro a ser elaborado totalmente por técnicos brasileiros, e possui como

preocupação fundamental a organização administrativa da cidade do Rio de Janeiro. Assim,

a estrutura urbana é dividida em áreas de planejamento (APs), recomenda-se a instituição

dos Projetos de Estruturação Urbana (PEU) para o planejamento local e enfatiza a

necessidade de recuperação do centro da cidade (RESENDE, 1982).

Ao final da década de 1970 um novo e grande projeto para moradia popular

é colocado em prática. Numa conjuntura de redemocratização e sob as pressões advindas da

política econômica declinante após o “Milagre econômico” que ao fim e ao cabo “não

repartiu o bolo”, o Governo Federal cria, em 1979, sob a coordenação da pasta do Interior,

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52

cujo Ministro é Mário Andreazza, o programa de Erradicação da Sub-habitação –

(PROMORAR), que atuará em todo o país, e que no Rio de Janeiro se concretizará no

Projeto-Rio. O programa contou com empréstimos do Banco Mundial, o BNH atuou como

gestor de recursos e a Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio

de Janeiro - FUNDREM , criada em 1975, após a fusão do estado da Guanabara e do Rio de

Janeiro, na realização de pesquisas e levantamento de dados cadastrais, e ainda sob a

coordenação do Departamento Nacional de Obras e de Saneamento (DNOS), a execução

dos aterros (VIEIRA e VIEIRA, 1999).

O Projeto-Rio propunha uma intervenção em 27 quilômetros, que se

extendia da Ponta do Caju até Duque de Caxias, criando espaços através de aterros para

habitações populares e ainda criar condições para “ambientação ecológica e paisagística do

trecho mais poluído da Baía” (VIEIRA e VIEIRA, 1999). Basicamente o Projeto atuou na

área da Maré, conhecida como Complexo da Maré, área entre a Avenida Brasil e a Baía de

Guanabara, na zona norte da cidade, tendo inicialmente a intenção de remover famílias de

localidades desse complexo, dentre elas: Baixa do Sapateiro, Parque Maré, Nova Holanda,

Timbáu. A organização comunitária e a atenção da imprensa influenciaram a revisão do

projeto e as famílias foram realocadas nas regiões de aterros dentro da região da Maré.

É notório perceber a necessidade do Governo Militar em obter ainda algum

fruto que possibilitasse uma boa visão de suas realizações num momento em que os

movimentos sociais conseguem reativar de modo crescente suas lutas. A Vila do João,

alusão direta ao presidente João Figueiredo (1979-1985) foi inaugurada, em 1982, com

grande festa que contou com a apresentação de grupos escolares em homenagem ao

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53

presidente que esteve presente a festa, em pleno momento de campanha eleitoral para

governadores de Estado.

A remoção de favelas não foi inaugurada na década de 1960 e também não

terminou ali. Por diferentes motivos elas ainda se realizam. Passados 40 anos o “problema

habitação” ainda está em discussão, e seu principal tema é a habitação popular. A

permanência da questão nos leva a necessidade de refletir que existem mais questões

envolvidas do que a construção de casas propriamente dita.

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Capítulo II

HABITAÇÃO, FAVELA E CAPITALISMO

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55

Plantaram um edifício em cima do meu barraco. (Depoimento de Seu Alexandre,

morador de Nova Holanda, removido da Praia do Pinto)

A construção de habitações populares para famílias que seriam removidas de

favelas, em sua maioria localizadas no Centro e Zona Sul da cidade, nos locais distantes do

centro urbano, nos leva a encarar a necessidade de pensar como e porquê algumas camadas

da população urbana não podem habitar determinadas áreas da cidade, sendo repetidamente

empurradas, pelos empreendimentos do poder público, para locais cada vez mais distantes.

Isso significa analisar quais mecanismos atuam na organização urbana de forma a dar essa

conformidade de papéis para cada grupo social.

As cidades, marcadamente após os processos de industrialização,

aumentaram consideravelmente seu quantitativo de habitantes, concentrando atualmente a

maior parte da população mundial. Este processo trouxe consigo, nos últimos tempos, uma

notada atenção de estudiosos sobre as questões urbanas.

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56

Compreendemos o urbano, da mesma forma que assinala Pechman (1991),

como o “processo de conferir sentido ao espaço”, constituído como “o lugar dos processos

econômicos, sociais e simbólicos” que, funcionando como suporte da múltiplas relações, é

historicamente construído (PECHMAN, 1991: 127). O urbano, o espaço urbano, não é

simplesmente a constituição física do lugar, é fundamentalmente o espaço da representação,

do uso e das relações.

Em grande medida, a cidade, da forma como a conhecemos hoje, é vista por

vários segmentos da sociedade como problemática, violenta, conturbada e caótica. Dentro

desse espectro, um fator se mostra fundamental: a questão da habitação. Acerca do tema,

parto da interpretação trabalhada por F. Engels, que entende a problemática da moradia

relacionando-a diretamente ao modo de produção capitalista. Neste sentido, Ribeiro e

Pechman salientam que:

a relação entre a exploração do trabalho e carência e precariedade habitacionais não é direta, mas mediatizada pelos mercados de terras e o imobiliário (RIBEIRO e PECHMAN, 1983: 23).

Segundo esta interpretação, a disparidade entre as condições de moradia de

“uns” e “outros” é assinalada por um processo oriundo das contradições de classe,

marcadamente representado na disputa pelo acesso e uso do solo urbano.

Tendo em vista a necessidade de entender a dinâmica que gera, alimenta e

reproduz as favelas, e ressaltando a crença de que nossos problemas são conformados

segundo nossa problemática teórica e metodológica, então, é preciso deixar claro que

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57

partimos da premissa de que a estruturação de uma forma capitalista de apropriação

territorial, urbana e rural, numa conjuntura de dependência econômica e atrofia de

mecanismos reguladores/estatais, teve conseqüências graves para a situação de vida de

grande parte da população brasileira. No caso específico dos trabalhadores urbanos, a

agudização dos conflitos entre as facetas da exploração do capital e da especulação

imobiliária tem muito o que ver com a precariedade das moradias populares (KOWARICK,

1979).

Acumulação de capital e espaço urbano

Se o entendimento da questão da habitação está relacionada ao modo de

produção capitalista e há entre esta e a exploração do trabalho uma mediação dos mercados

de terras e imobiliário, temos a necessidade de aqui explanar melhor este assunto de forma

a dar-lhe maior consistência. Assim sendo, nesse tópico, tentaremos tecer algumas

considerações sobre a relação entre espaço urbano e acumulação de capital, partindo do

pressuposto de que a questão fundiária é uma das contradições mais amplas da urbanização

capitalista.

Em termos muito gerais, podemos dizer que a precariedade da habitação

urbana da classe trabalhadora é apenas uma das cruéis conseqüências da intensificação do

processo de exploração, em moldes capitalistas, a que está sendo submetida. Visto assim, a

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58

forma de penetração e arranjo do capitalismo em nosso país – economicamente dependente

– aflorou contradições, agudizando problemas estruturais.

A expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo, um modo de compatibilizar a acumulação global, em que a introdução das relações novas no arcaico libera força de trabalho que suporta a acumulação industrial-urbana e em que a reprodução de relações arcaicas no novo preserva o potencial de acumulação liberado exclusivamente para os fins de expansão do próprio novo (OLIVEIRA, F. 2003: 60).

Analisar a economia nacional a partir do entendimento de dependência

obriga a perceber que esta forma de desenvolvimento

implica na não-internalização de parte ponderável do excedente localmente produzido, na implantação de pacotes tecnológicos com alta densidade de capital que desarticulam economias pré-existentes, inclusive a agrícola, elevando em muito as migrações que se dirigem às cidades, onde a taxa de empregos tende a aumentar em ritmo inferior ao incremento da força de trabalho potencial (KOWARICK, 1979: 63).

É preciso, neste ponto, afirmar que existe a possibilidade de visualizarmos o

desenvolvimento do capitalismo no Brasil, principalmente durante o regime militar-

tecnocrático da ditadura militar de 1964, através da base interpretativa de economia

dependente. Entretanto, afirmamos que, ao contrário de alguns autores da época,

entendemos essa dependência não simplesmente como perniciosamente arquitetada no

exterior, mas sobretudo ligada a interesses corporativos de frações de classe nacionais

dominantes , que se tornaram hegemônicas, aliadas a forças internacionais.

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59

Para chegarmos a essa forma interpretativa, muito nos valeram os conceitos

desenvolvidos por Gramsci nos Cadernos do Cárcere. Entender o processo de

desenvolvimento do capitalismo no Brasil, no período da ditadura militar, à luz conceitual

de Gramsci significa, como Carlos Nelson Coutinho assinala, romper com os modelos

interpretativos da tradição do marxismo denominados da Terceira Internacional,

forçosamente economicista, que desde os anos 1930 figuraram predominantemente na

interpretação da realidade brasileira, impossibilitando a visão de que, no período que agora

analisamos, o país “alcançara um nível de desenvolvimento capitalista pleno, e até mesmo

de capitalismo monopolista de Estado” (COUTINHO, 1999: 194).

Quando falamos anteriormente em frações de classe que se tornaram

hegemônicas, nos apoiamos na análise das situações, que Gramsci faz, através das relações

de força. Fazendo um breve passeio por essa análise, nos deteremos sobre as relações das

forças políticas, embora Gramsci ainda dê atenção às forças sociais e às forças militares.8 A

relação de forças políticas é a “avaliação do grau de homogeneidade, de autoconsciência e

de organização alcançado pelos vários grupos sociais” (GRAMSCI, 2000, vol.3: 40). Sendo

assim, os grupos sociais em processo de organização política possuem diferenciados graus

de consciência política coletiva. Em um primeiro momento, os grupos se organizam

econômico-corporativamente sem possuir identificação com grupo social. Em um segundo

momento, a consciência de solidariedade se espraia para o grupo social e a questão do

Estado se coloca em termos de reivindicação na participação da legislação e administração.

Por último, na tomada de consciência de que os interesses corporativos superam o círculo

8 Ver GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere. Vol. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p.36-46.

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60

corporativo (grupo econômico), entendendo-se que esses interesses devem tonar-se também

interesses dos grupos subordinados, o grupo social passa a atuar na esfera das

superestruturas complexas, no terreno das ideologias anteriormente constituídas que passam

a agir enquanto Partido. (GRAMSCI, 2000, vol.3) Assim,

deter hegemonia, neste registro, significa deter e fazer valer um dado corpo de representações, valores, em suma, um código cultural aceito e partilhado, ainda que inconscientemente, por todos, malgrado desavenças ou conflito. (MENDONÇA, S. 1996: 98)

Essa análise de forças feita por Gramsci nos ilumina a visão possibilitando

atentar, por exemplo, para de que forma na década de 1960, quando foi montado o Banco

Nacional de Habitação (1964), os grupos sociais que buscavam hegemonia se organizaram

elegendo a habitação popular, dentre os muitos problemas da população de baixa renda dos

centros urbanos, como “problema fundamental” (BOLAFFI, 1982: 42), buscando assim

anteparo para interesses do capital – envolvendo para isso construtoras, incorporadoras e

bancos como agentes financeiros de crédito e financiamento –, e ainda se utilizando do

discurso de fundamental da política habitacional para

conservar o apoio das massas populares, compensando-as psicologicamente pelas pressões a que vinham sendo submetidas pela política de contenção salarial. Para tanto, nada melhor do que a casa própria. (BOLAFFI, 1982: 44)

Em carta enviada em 18 de abril de 1964, por Sandra Cavalcanti ao primeiro

presidente após o Golpe, Castelo Branco, citada anteriormente, na qual encaminha uma

série de observações juntamente com um esboço de 55 artigos a ser transformado em texto

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de lei para solucionar o problema da habitação no país, ficam claras as bases de pensamento

em que se apoiavam a criação do BNH:

Prezado amigo Presidente Castelo,

Aqui vai o trabalho sobre o qual estivemos conversando. Estava destinado à campanha de Carlos [Lacerda], mas nós achamos que a revolução vai necessitar de agir vigorosamente junto às massas. Elas estão órfãs e maguadas [sic], de modo que vamos ter de nos esforçar para devolver a elas uma certa alegria. Penso que a solução dos problemas de moradia, pelo menos nos grandes centros, atuará de forma amenizadora e balsâmica sobre as suas feridas cívicas (apud FONTES, 1986: 256).

Isto é, além de manter o compromisso de conter as pressões inflacionárias

incentivando o desenvolvimento capitalista, o governo instalado em 1964 deveria manter a

ordem interna se apoiando, por um lado, na força da repressão com seus mecanismos de

controle, prisão e tortura e, por outro, no convencimento de boa parcela da população de

que a tomada do poder era inevitável para que o país, com um plano consciente, pudesse

dar conta dos anseios e necessidades da sociedade brasileira.

Sem pensar nessa construção como mecanicamente organizada, é preciso dar

conta de que estamos tratando desse Estado entendendo-o dentro de uma sociedade de

organização ocidental, no interior do qual interagem a sociedade política e a sociedade

civil. Compreendendo, portanto,

(...) ser o Estado uma condensação de relações sociais cristalizada numa dada ossatura material, junto à qual se inscrevem grupos e/ou

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seus agentes, previamente organizados ao nível da sociedade civil, em busca do monopólio do uso legítimo da violência física, mas também daquela de cunho simbólico sobre o conjunto da sociedade a ele correspondente.

Definido o Estado como o produto de permanente inter-relação entre sociedade civil e sociedade política, remetendo a primeira à noção de legitimidade e a segunda à de coerção (...) (MENDONÇA, S. 1996: 96).

Não obstante as situações de coerção e consenso, as classes ou frações de

classe não hegemônicas pressionam, no nosso caso, os movimentos sociais urbanos, por

modificações na atuação do Estado, estrito senso, e mediação nos interesses privados que se

exprimem na cidade. Assim, quando determinados direitos são ampliados, quando, por

exemplo, se intensifica a atenção à questão habitacional, mesmo que atendendo a interesses

diversos, estão postos na arena também as pressões exercidas pelos grupos não

hegemônicos.

No que tange à relação entre a organização fundiária no espaço urbano e a

estrutura de acumulação capitalista, o espaço da cidade é constituído de elementos que,

num esforço de abstração, podem ser entendidos como máquinas de um processo de

produção. O bom funcionamento do capital lá estabelecido depende daquilo que dá

sustentabilidade ao espaço urbano: ruas, casas, sistemas de eletricidade, água, esgotamento

sanitário, etc.

Ao tratarmos especificamente da dinâmica da valorização imobiliária do

mercado de terras, precisamos atentar para os fatores que se apresentam ao mesmo tempo

como objeto de consumo e de valorização do capital imobiliário (vias de transporte e

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comunicação, sistema de captação, distribuição e tratamento de água e esgoto, energia,

moradias, praças, parques, abastecimento alimentar) e que a formação e renovação do

espaço construído são uma combinação complexa de vários processos autônomos de

produção e circulação de mercadorias. Entretanto, no bojo da urbanização capitalista, nem

todos os objetos que dão suporte ao capital imobiliário são mercadorias estrito senso: as

ruas, os canos, a segurança pública não podem ser adquiridos individualmente. Não

obstante, os diferentes interesses na alocação e boa implantação desses bens ou serviços se

traduzem em conflitos entre diferentes grupos da sociedade, hegemônicos e não-

hegemônicos.

O processo de penetração do capital na organização da cidade esbarra com

grandes porções de terra utilizadas como suporte de atividades não estritamente

capitalistas: artesanatos e oficinas de pequenos proprietários, favelas, “heranças

improdutivas”, enfim, locais onde o poder do proprietário de interesses adversos aos do

grande capital seria inabalável contando-se somente com a lógica de mercado. É possível

diferir três sistemas de produção da habitação:

- não-mercantil: usuário, muito rico ou muito pobre, é o agente dominante;

- rentista: proprietário é agente dominante, loteia, constrói, ou aluga sua terra;

- incorporação imobiliária: dominância do capital de circulação através da figura do incorporador (KOWARICK, 1979).

No momento do choque entre esses sistemas, o poder público é pressionado

a intervir, a título de renovação/reforma urbana, para desobstruir os caminhos da dinâmica

mais forte. A tendência geral é a de que o mercado imobiliário vá tomando espaços dos

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outros sistemas de habitação, embora essa seja só uma tendência, já que os três sistemas

continuam tendo sua funcionalidade e coexistindo em todas as cidades.

Tentando analisar mais especificamente a dinâmica do sistema de

incorporação imobiliária, a figura de suma importância é o incorporador: agente que

escolhe e compra o terreno, analisa o mercado, concebe o projeto imobiliário e mobiliza o

capital necessário. Esse é um elemento que valoriza seu capital na esfera da circulação, mas

para isso deve interferir na dinâmica produtiva, principalmente na hora da compra da terra.

Novamente lembramo-nos que o preço da terra é condicionado pela procura capitalista, que

suscita a oferta de terras urbanas. A política de compra de terras pelo incorporador deve

levar em conta as inovações nos usos do solo e antecipação da alta de preços do mercado de

terras numa determinada zona a partir da realização de infra-estrutura estatal. No processo

geral de expansão urbana a atuação do setor imobiliário pressupõe a ocupação espacial,

guardando imensas áreas mais próximas aos núcleos centrais à espera de valorização, enquanto zonas mais longínquas eram abertas para a aquisição das classes pobres. A ocupação de novas áreas, longe de seguir critérios programados, baseou-se na retenção especulativa de terrenos (...) (KOWARICK, 1979: 32).

Posteriormente, a relação estabelecida entre o incorporador e o construtor

apresenta-se na equação onde a interferência do primeiro é visivelmente maior, dominando

o processo de construção, no qual a construtora trabalha sob encomenda. No momento da

venda da mercadoria-moradia, estão agregados ao seu valor de uso, principalmente o fator

localidade, que cresce quanto maior a diferenciação do espaço construído. Nesse sentido,

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os agentes imobiliários podem se beneficiar do preço se controlarem o uso dos elementos

de consumo do sistema imobiliário do seu terreno.

Assim, o mercado de terras urbanas não pode ser visto somente como

regulado pela funcionalidade da oferta e da procura, já que, na prática, essa oferta e procura

são determinadas por oligopólios, desigualdades sociais e grupos de pressão com poderes

diferenciados. A terra não pode ser encarada como mero fator de produção, já que a renda

da terra não é fruto de esforço algum de seu proprietário. Os preços fundiários são

determinados sobretudo pelo poder público, na medida do investimento em infra-estrutura.

Em suma, é possível definir o mercado de terras como o somatório da especulação

imobiliária com a infra-estrutura estatal.

Assim, é possível dizer que o uso do solo urbano no Brasil, por todos esses

condicionantes apresentados, se constituiu por características marcadamente segregadoras,

onde o investimento público é fator fundamental no preço final das moradias, como pontua

Lucio Kovarick:

(...) constituindo-se [o investimento público] num elemento poderoso que irá condicionar onde e de que forma as diversas classes sociais poderão se localizar no âmbito de uma configuração espacial que assume, em todas as metrópoles brasileiras, características nitidamente segregadoras (KOWARICK, 1979: 57).

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USO DO SOLO URBANO E AÇÃO DO ESTADO

Tendo sido deixado clara a ilusão do suposto mercado livre de terras e,

sabendo que o papel do Estado é fundamental na dinâmica da produção e renovação desse

mercado, vale a pena aprofundar os mecanismos de como isso se dá.

O Estado, apreendido aqui como resultado parcial do somatório de forças

que se tornaram hegemônicas, atua com dois papéis complementares, no sentido de criar a

infra-estrutura necessária à expansão industrial, financiando a curto ou longo prazo as

empresas ou agindo diretamente como investidor econômico, e também como elemento

fundamental para manutenção da “‘ordem social’ necessária à realização de um

determinado modelo de acumulação” (KOWARICK, 1979: 59), expresso, em uma de suas

instâncias, no fornecimento ou não de bens de consumo coletivos ligados às necessidades

da reprodução da força de trabalho.

Esse processo de apropriação dos benefícios da ação do Estado foi estudado

a fundo por Vetter e Massena onde chegaram a um modelo de causação circular da

estrutura interna da cidade. Por esse molde explicativo, as ações do Estado geram uma

distribuição espacial dos benefícios líquidos, que provoca impactos sobre a superfície de

preços do mercado de terras, o que influi na segregação residencial das famílias segundo os

tipos de rendimento. Considerando-se que há relação formal e informal das ações do Estado

com os grupos de alto poder aquisitivo que se tornaram hegemônicos, as áreas em que

residem possuem mais benefícios em infra-estrutura. Portanto, o perfil sócio-econômico do

grupo populacional de uma área determina tanto o nível de demanda efetiva por serviços

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quanto o status social daquela área. Além disso, como o valor das benfeitorias estatais é

totalmente agregado ao valor dos impostos pagos pela população, essa valorização

excedente é agregada pela renda da terra, sendo incorporada pelos proprietários e futuros

incorporadores às custas dos impostos públicos que são, em última instância, também

dinheiro dos pobres (VETTER e MASSENA, 1981).

Nesse aspecto, quando os recursos estatais se canalizam preponderantemente para os imperativos da acumulação de capital em detrimento daqueles mais diretamente acoplados a reprodução da força de trabalho, acirrando o processo de espoliação urbana, e quando a criação de excedente se realiza também através da pauperização absoluta de vastos contingentes sociais, o Estado, para viabilizar semelhante “modelo de ordem social” de características selvagens para a força de trabalho só pode assumir feições nitidamente autoritárias e repressoras. O controle e contenção dos movimentos reivindicativos passa a ser condição para a efetivação de semelhante modelo excludente de repartição dos benefícios que, por sinal, tem sido a tônica do processo de acumulação recente no Brasil (KOWARICK, 1979: 59-60).

Assim, as ações do Estado em remover famílias resultaram na expulsão de

grupos de menor rendimento das áreas onde o excedente fiscal foi maior, ou, ainda,

dificultou-se o acesso de famílias não-proprietárias mais pobres às áreas mais valorizadas,

já que se incrementa também o preço do aluguel. Estas ações são ao mesmo tempo

intencionais, no sentido de maximizar a acumulação especulativa e capitalista do solo,

como também podem em alguns momentos ser fonte de conflitos, e aí entra o papel dos

movimentos sociais urbanos. Novamente Kowarick nos lembra que

as necessidades sociais são forjadas historicamente, e nesses sentido, nada nos leva a afirmar que a conquista de certos benefícios tenha como conseqüência amortecer o conflito de

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classes: este é, por definição, dinâmico e insolúvel dentro de um sistema marcado pela apropriação privada do excedente econômico (KOWARICK, 1979: 73).

É indispensável relembrar que, no microcosmo do Rio de Janeiro, durante os

anos 1960 e 70, é possível que vejamos o acirramento de todos esses processos que

acabamos de descrever. Junto a eles, a falta de democracia e liberdade de organização –

suspensão de garantias constitucionais – e, contraditoriamente, o apego a um código de

habitação completamente deslocado da realidade social, onde o favelado é visto como

invasor, sem qualquer direito reivindicatório sobre a terra que ocupa, se somaram para que,

por um lado, a população removida fosse novamente inserida na dinâmica de valorização

imobiliária – expulsão para a periferia – e por outro, pela manutenção da própria super

exploração da força de trabalho, as favelas e cortiços continuem a ser a melhor opção

orçamentária para os grupos de baixa renda.

DIREITOS E EXCLUSÃO

Visto que realizamos nas páginas anteriores as discussões acerca da relação

entre capitalismo, uso do solo urbano e o papel do Estado brasileiro na sua regulação, nos

parece coerente chegar à conclusão de que para alguns é facultado o direito de habitar a

Cidade, enquanto que, para outros, há medidas restritivas.

A experiência da escravidão no Brasil fincou marcas possíveis de serem

enxergadas até hoje no processo de construção da idéia de cidadania. Ao longo do século

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XIX e XX, a constituição do ser cidadão foi estipulada pela marca de quem tem direito a

esse status e quem não o tem. Aliás, a palavra status é a que bem define a formulação da

idéia de cidadão no Brasil até os dias atuais. A possibilidade de ser cidadão depende da

posição social que o indivíduo ocupa na sociedade.

Debruçando-nos sobre a idéia de sistema de Proteção Social, sua instituição

“acompanha o desenvolvimento das sociedades e economias modernas, assentadas sobre o

trabalho assalariado e sobre a dinâmica capitalista do mercado”. Isto significa dizer que é

necessário relacionar “a emergência da política social à necessidade de regulação estatal

dos conflitos gerados pela forma industrial da produção e acumulação capitalista”

(VIANNA, 1989: 9). Nesse sentido, tal sistema, que emerge em uma conjuntura de

necessidade de proteção quanto às exacerbações que a forma capitalista de acumulação

pode impor, não rompe com as formas de exploração do indivíduo e podem, em

determinado sentido, garantir a própria acumulação. Nesse entendimento a cidadania é

definida pelo lugar do indivíduo no sistema produtivo, identificada como cidadania

regulada por Wanderley Guilherme dos Santos.

Por cidadania regulada entendo o conceito de cidadania cujas raízes encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação ocupacional, e que, ademais, tal sistema de estratificação ocupacional é definido por norma legal (Santos apud Vianna, 1989: 9).

Assim, os ganhos em termos de direitos sociais estão diretamente ligados à

profissão e às relações formais com o mercado de trabalho. Seja pela Consolidação das Leis

do Trabalho, pela criação dos Institutos de Pensões e Aposentadorias e da instituição da

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carteira de trabalho no Governo Vargas, ou mesmo pela criação do Fundo de Assistência

Rural e a possibilidade de inclusão dos autônomos e empregados domésticos no Instituto

Nacional de Previdência Social (INPS), criado no Governo Militar.

Há que se ressaltar, para que não paire dúvida, que não obstante as intenções

de grupos alocados no corpo do Estado em estabelecer direitos como forma de manter a

acumulação capitalista sem grandes choques, a conquista de direitos, sejam eles civis,

políticos, ou sociais, é em grande medida reflexo de lutas históricas dos movimentos

sociais. E, que existe defasagem entre aquilo que é constituído como norma e a sua efetiva

aplicação (NOGUEIRA, 2001).

Se os direitos sociais e o sistema de proteção social, nos marcos

cronológicos apontados para o estudo, décadas de 1960 e 1970, abrangem os trabalhadores

e trabalhadoras vinculados ao mercado formal, quais as garantias sociais para aqueles que

não se incluem nessa categoria? Santos nos responde afirmando que

as especificidades de nossa formação capitalista também seriam responsáveis por uma particular conformação histórica dos direitos sociais, que teria como característica marcante sua não generalização às classes populares, uma vez que os direitos se restringiram ao trabalho regulamentado pelo Estado. (SANTOS, 1979, p.175).

O indivíduo que, abarcado ou não pelas políticas de proteção social, tem

dificuldades em prover seu sustento e de sua família é caracterizado por algumas vertentes

como sujeito carente de algum bem social (moradia, educação, etc) e, portanto, excluído

socialmente. Trabalhar com a categoria exclusão pressupõe a intenção de inclusão, dentro

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do mesmo sistema, capitalista. A inclusão social significa inserir o sujeito no grupo que

necessita vender sua força de trabalho como forma de garantir sua sobrevivência,

afiançando a reprodução do sistema na sua forma de expropriação do indivíduo e

concentração da propriedade.

Entretanto, se entendemos que com a abrangência do desenvolvimento

capitalista outras formas de subsistência foram soterradas e que a permanência de grupos

fora do mercado significa a possibilidade deste lançar-lhe mão quando for necessário, pois

se constituíram em exército de reserva, nos aproximamos do conceito de inclusão forçada

como caracterizado por Virgínia Fontes:

A exclusão, historicamente constituída e perpetuada – a impossibilidade de assegurar a subsistência –, converter-se-ia na impossibilidade prática de escapar a esse processo. (...)

A generalização da mercantilização da sociedade, componente essencial da

expansão capitalista, reduzia (ou simplesmente eliminava) a possibilidade da sobrevivência

individual fora do mercado (Fontes, 1996, p.36).

Assim,

(...) ninguém pode ser excluído do mercado, simplesmente porque ninguém pode dele sair, posto que o mercado é uma forma ou uma formação social que não comporta exterioridade. Dito de outra forma, quando alguém é expulso do mercado, na realidade, funcionalmente ou não, ele é mantido em suas margens, e suas margens estão sempre ainda em seu interior. Não seria o mercado essa estrutura ou instituição social paradoxal, talvez sem precedentes na história, que inclui sempre suas próprias margens (e

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portanto seus próprios marginais) e que, finalmente, somente conhece exclusão interna? (BALIBAR apud FONTES, 1996: 37).

A visão dos problemas sociais brasileiros, via a categoria da exclusão, se

expressa através da possibilidade, da esperança de ascensão social, acalentada pelo

vislumbre da inclusão no sentido de forjar uma coesão social. Nesse sentido agia, por

exemplo, a Fundação Leão XIII que, para além de braço organizativo do Estado no Centro

de Habitação Provisória de Nova Holanda, conforme veremos no próximo capítulo,

buscava manter acalentada as possibilidades de melhoria das condições de vida dos

favelados que chegavam para morar num “lugar decente” e que poderiam encontrar nas

organizações de cursos e palestras, que mais aos dias de hoje seriam chamados de

inclusivos, “melhores condições de vida”, isso tudo a despeito das condições reais de

trabalho e ganhos experimentados por essas pessoas.

A forma de encarar as classes populares tanto pelas classes dirigentes como

por grande parte da classe média, formulando opiniões e forjando consensos, serviram para

dar suporte às atitudes de controle do solo urbano, reforçando a face de espoliação urbana,

entendida como

o somatório de extorsões que se opera através da inexistência ou precariedade de serviços de consumo coletivo que se apresentam como socialmente necessários em relação aos níveis de subsistência e que agudizam ainda mais a dilapidação que se realiza no âmbito das relações de trabalho (KOWARICK, 1978: 59).

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Assinalar a relação entre capitalismo, especulação imobiliária, acesso e

direito ao uso do solo urbano e aos bens da cidade são de suma importância, tornando

necessário articular uma análise amparada na perspectiva de conflito social e processo

histórico com a dimensão da experiência dos sujeitos que vivenciaram o processo de

remoção.

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Capítulo III:

CENTRO DE HABITAÇÃO PROVISÓRIA DE NOVA HOLANDA:

O MEIO DO CAMINHO

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O governo fez remoção na gente pra tirar a favela lá pra trazer praqui.

Botou gente pra tudo quanto é lugar.

Um prum canto, outro pra outro, outro pra outro.

Tem gente que era vizinho, eu não vi mais.

(depoimento Otávio Felipe da Silva dos Santos, morador de Nova Holanda removido do

Morro da Catacumba)

O projeto de remoções das décadas de 1960 e 1970 cumpriu o papel de

transferir famílias de favelas, a maior parte delas situadas na Zona Sul e Norte da cidade do

Rio de Janeiro, para conjuntos habitacionais na longínqua e mal servida de infra-estrutura

Zona Oeste. Neste trajeto houve, para alguns tantos, o meio do caminho.

O Centro de Habitação Provisória de Nova Holanda, construído pelo Estado

da Guanabara, no período inicial do governo de Carlos Lacerda (1960-1965), sobre aterro

de área de mangue, à margem da Baía de Guanabara e ao lado da Avenida Brasil, em uma

região caracterizada como zona industrial e de armazenagem, mas que em boa medida já

constituía-se como uma faixa domiciliar de baixa renda, recebeu, a partir do final de 1961,

famílias que vinham de favelas removidas da zonas Sul e Norte, e desabrigadas no período

de chuvas de 1966/67, dentro da seguinte lógica:

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habitações precárias destinadas a abrigar, provisoriamente, famílias que os assistentes sociais chamavam de sobra das remoções , isto é, aquelas que não atingiam o nível de renda de um salário mínimo necessário para participar do programa de aquisição da casa própria” (SALIBY apud OLIVEIRA, 1993:13).

Reforça essa idéia o depoimento de Aldiza Muniz Tavares, assistente social

coordenadora do CHP de Nova Holanda, de 1969 a 1975: “Nas favelas, quem tinha renda ia

para os apartamentos, quem não tinha ia para esses Centros de Habitação.”9

Dessa forma, parte das famílias eram removidas das favelas, mas não eram

levadas definitivamente para um conjunto habitacional, ficavam no meio, no Centro de

Habitação Provisória. Geograficamente também, já que podemos considerar a Zona da

Leopoldina, onde o CHP foi instalado, como o meio do caminho em relação aos distantes

conjuntos habitacionais da Zona Oeste da cidade.

Nova Holanda não era o único local nestes termos. Como CHP havia mais

oito localidades, Marquês de São Vicente (Gávea), Caju, Leblon, Manguinhos, São José,

Ramos, Paciência e Andaraí e ainda existiam os setores dentro dos Conjuntos Habitacionais

conhecidos como Casas de Triagens. Eram casas que os moradores também não viriam a

ser donos e ali estariam provisoriamente.

A denominação “Centro de Habitação Provisória” foi instituída em 1969,

ano em que a Fundação Leão XIII, criada em 1947 através de acordo entre a Prefeitura e a

Arquidiocese, e incorporada à estrutura do Estado da Guanabara em 1962, passa a ser

9 Depoimento concedido em janeiro de 2004.

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responsável pela administração dos mesmos. Quando de sua criação, Nova Holanda era

citada em jornais de diferentes maneiras:

Mais 11 famílias estão no Parque Nova Holanda (Tribuna da

Imprensa, 25/01/1962)Governador foi à favela ver sua obra.

Lacerda visitou a Favela Nova Holanda onde estão sendo

construídos 700 barracos pelo governo do Estado” (Tribuna da

Imprensa, 25/04/1962)Nova Holanda ganha hoje luz elétrica.

A Vila Nova Holanda – vizinha da favela da Maré, em

Bonsucesso, terá luz elétrica a partir de hoje, será ligada pelo

governador Carlos Lacerda às 18 horas” (Tribuna da Imprensa,

15/05/1962).

Essas diferentes denominações refletem a pouca clareza sobre os planos do

governo Lacerda, neste momento inicial em que os acordos com o Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID) e o acordo do Fundo do Trigo, amparado no programa Aliança

para o Progresso, que financiariam seu “grande projeto de habitação” para o Rio de Janeiro,

ainda estavam se firmando.

José Arthur Rios, que à época era o coordenador de Serviços Sociais do

Estado da Guanabara, se auto-intitula autor intelectual da construção de Nova Holanda, que

serviria, segundo ele, de “moradia provisória para favelados que tivessem que ser

removidos” (FREIRE e LIPPI, 2002). Assim, podemos tratá-la desde seu início como parte

do projeto geral de remoções de favelas. O nome “Nova Holanda”, ainda segundo Arthur

Rios, foi dado em referência a moradias em locais sobre águas ou passíveis de alagamento

como são comuns na Holanda.

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Sobre a política de Lacerda para favelas, sem dúvida ela passa a ficar mais

clara com a transformação da Coordenação de Serviços Sociais em Secretaria e a

substituição de José Arthur Rios por Sandra Cavalcanti. Enquanto o primeiro teve uma

atuação mais próxima do fomento da organização dos moradores de favelas através da

criação de associações de moradores, a segunda atuará de forma muito presente na remoção

da favelas, com ênfase para a erradicação da favela do Morro do Pasmado.10

Os CHPs Marquês de São Vicente (Gávea), Caju e Leblon foram criados

ainda na década de 1940 como Parques Proletários. A mudança de nome desses espaços

para Centro de Habitação Provisória evidencia uma similaridade entre esses dois projetos

separados por duas décadas, que além da intenção provisória teve como termo importante a

“função educadora”, pressupondo a incapacidade das famílias em utilizar os equipamentos

da nova casa e viver em comunidade, obviamente nos moldes espelhados nas idéias da

classe média ou alta. Na Gávea, o remanejamento de moradores foi iniciado em 1969, por

ocasião do incêndio da Favela Praia do Pinto, localizada às margens da Lagoa Rodrigo de

Freitas, quando famílias com renda suficiente para a entrada no Sistema Financeiro de

Habitação foram transferidas para Conjuntos Habitacionais, dando lugar a desabrigados do

incêndio. O último remanejamento aconteceu em 1975 e o CHP 1, como era classificado

pela Fundação Leão XIII, foi extinto. Caju e Leblon, CHPs 2 e 3, respectivamente, foram

extintos entre 1969 e 1970. O primeiro, por ocasião do início das obras da Ponte Rio-

Niterói, com a transferência de famílias para o CHP de Paciência, e o segundo no período

do incêndio da Praia do Pinto, tendo suas famílias sido enviadas ao conjunto Cidade Alta,

10 Sobre esse assunto observar depoimentos de José Arthur Rios e Sandra Cavalcanti, publicados em FREIRE e LIPPI, 2002.

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em Cordovil. E, seguindo a lógica já citada dos CHPs, as famílias que não possuíam renda

suficiente para ingressar no Sistema Financeiro de Habitação foram levadas para os CHPs

de Manguinhos e Nova Holanda. (BELTRÃO, 1978)

Observemos a descrição de Sonia Maria Beltrão (1978) dos de número 4, 5,

6, 8 e 9:

O CHP4 – Manguinhos: correspondia a uma área de favela que, em

1969, passa a ser administrada pela Fundação Leão XIII.

O CHP 5 – São José: localizado na mesma região de Manguinhos,

constituiu-se de habitações construídas pelo prefeito Sette Câmara

para os funcionários de limpeza urbana. Passa para a administração

a Fundação Leão XIII na mesma época de Manguinhos.

O CHP 6 – Ramos: foi construído por iniciativa de D. Hélder

Câmara, para abrigar as famílias que residiam na favela de Ramos,

e que perderam suas habitações em conseqüência do incêndio de

1968.

CHP8 – Paciência: foi construído através da secretaria de serviços

sociais, em 1967, para abrigar as vítimas das enchentes daquele ano.

Inicialmente foram construídas 520 habitações. Em 1970 foram

acrescidas 800 por imposição da extinção do CHP do Caju.

CHP 9 – Andaraí: foi construído em 1968 pelo Departamento de

Estradas de Rodagem, devido a necessidade de remanejamento de

famílias causada pela construção do viaduto Ataulfo Alves.

Entre 1969 e 1975, Nova Holanda era denominada CHP 7, passando ao final

deste período por um desmembramento que redundaria em duas áreas assim especificadas:

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CHP 1 – Nova Holanda Sul e CHP 7 Nova Holanda Norte (BELTRÃO, 1978). Os números

dos CHPs extintos, CHP 1, 2 e 3, são redistribuídos pelos outros restantes.

O CHP de Nova Holanda teve três etapas de construção:

1ª- 980 casas pequenas de madeira, geminadas – em lotes de 5.00m x10.00m, que em blocos de 8 a 10 formavam um vagão, sendo que dois vagões simetricamente situados formavam uma quadra.

2ª- Pouco mais de 1.000 unidades habitacionais, nos termos da primeira etapa.

3ª- 6 blocos de casa de dois pavimentos – duplex. Galpões monoblocos, estrutura única, em madeira. Divididos internamente em 38 unidades – ao todo 228 com aproximadamente 30m² cada uma.

Além dessa construções em madeira foi erguido um galpão em alvenaria pré-moldada para funcionar como albergue para abrigar famílias vítimas dos desabamentos ocorridos na época das grandes enchentes no verão de 1966/67 (OLIVEIRA, 1993:13).

Nova Holanda era acessível por três vias principais, partindo da Avenida

Brasil. Quais sejam: ruas Teixeira Ribeiro, Sargento Silva Nunes e Bittencourt Sampaio,

todas constantes no mapa oficial da cidade. As outras tantas, em número acima de 30,

apesar de planejadas ortogonalmente pelo poder público, não apareciam no mapa. As

habitações compunham-se de 5 cômodos (sala, dois quartos, cozinha e banheiro),

totalizando um espaço de 5x10 metros (MIRANDA, 1997).

Os mapas das páginas seguintes oferecem a localização do CHP de Nova

Holanda na cidade do Rio de Janeiro, bem como seu desenho interno, e suas principais

ruas.

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Segundo Maria Aparecida Miranda (1997), as famílias, ao chegarem ao

CHP, recebiam um documento de notificação de sua permanência em Nova Holanda. Este

documento seria a garantia de transferência das famílias para novas casas em conjuntos

habitacionais, quando estas pudessem arcar com os custos das parcelas que a aquisição da

casa própria exigiria.

O programa de remoções de favelas, iniciado no governo Lacerda, conforme

observado na capítulo I, levou à transferência de mais de 130 mil pessoas em 12 anos. Parte

dessas pessoas foram morar “provisoriamente” em Nova Holanda.

Para alguns a remoção significou uma melhora na condição da moradia, em

termos de estrutura da casa e de infra-estrutura (água, luz, esgotamento sanitário).

Entretanto, a ótima oportunidade de ter água encanada durou pouco, a luz tinha problemas

constantes e a rede de esgotos não agüentou, assim como as outras redes, o incremento da

segunda e terceira fase de construções, por ter sido planejada apenas para a primeira (Vaz e

Andrade, 1994).

Uns não gostavam, mas a maioria do pessoal gostou. Era o barraquinho bem feitinho, quarto, sala, cozinha e banheiro. Tinha uma caixinha d’água. Depois a água acabou. Era lama preta. Carregava água de lata. (...) Minha mãe chorou muito. Teve os filhinho no Esqueleto, mas não era bom lá não. Cheio de viela, não tinha água também. Era também uma luta grande. Mudamos pra um

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85

lugar com água, ficamos satisfeitos, mas nossa alegria durou pouco. Ficamos 18 anos sem água.” (Depoimento D. Penha, 2004. Removida do Esqueleto)11

Embora dizendo que era “bem feitinho” a referência de D. Penha a nova casa

era de “barraquinho”. Para alguns, os que já tinham sua casa em alvenaria, voltar a morar

numa construção de madeira era retornar ao barraco. O barraco como expressão da favela,

para dentro e para fora dela. Era, então, mudar sem sair da favela, ainda mais se levarmos

em conta que as condições de acesso aos bens coletivos de consumo se deterioraram bem

rapidamente.

Para muitos a remoção apresentou-se como dificuldade em relação a

trabalho, lazer, e desilusão com a nova localidade de moradia.

No Leblon era tudo na mão, o trabalho. Aqui, mais dificultoso.

(Depoimento Seu Helio, 2004. Removido da Praia do Pinto)

Cheguei aqui com salto alto, que eu gostava. Joguei tudo na Maré! Como é que eu vou sair daqui com esse salto! Lá, saltava do bonde, já tava em casa! Quando eu cheguei aqui e vi a distância até a Av. Brasil, joguei meus sapatos de salto tudo fora! (...) Lá era maravilha! Eu não saía do cinema no Largo do Maracanã. (Depoimento Maria Poubel, 2004. Removida do Esqueleto)

Essas diferentes visões dependeram do tempo em que cada grupo de

moradores chegou à Nova Holanda, das condições específicas de moradias anteriores, do

grau de concordância, revolta ou aceitação e do próprio processo de remoção.

11 Os depoimentos de moradores foram concedidos a Ana Rieper e Maria José Freire, com participações eventuais de Marcelo Abreu e Mario Miranda, por ocasião da realização do documentário Mataram Meu

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86

Esse movimento eu fiz obrigado. A senhora tá na sua casa. Aí vem o governo e precisa da casa. Muitas pessoas que viviam bem, ficaram a pão e banana. Bota num muquifo de tábua, num troço esquisito. Tá bem de vida, cai e eles não querem nem saber. Precisa do terreno. (Depoimento Otávio Felipe da Silva dos Santos, 2004. Removido da Catacumba)

A ocupação de Nova Holanda inicia-se ainda sem o término das obras da

primeira etapa. Ao chegarem as primeiras famílias encontram as casa sem luz e sem água.

Em abril de 1962 o jornal Correio da Manhã noticia a visita do governador Carlos Lacerda

e dá algumas informações sobre as condições de Nova Holanda naquele momento.

300 barracos já estão habitados.

200 estão sendo construídos para os desabrigados do morro do Querosene.

200 serão entregues a moradores das favelas do Esqueleto.

(...)

A luz já está instalada, faltando somente ligar, o que compete à Light. (Correio da Manhã, 25/04/1962)

Para as famílias que chegaram ao final do ano de 1961 à Nova Holanda,

vindo removidas da Favela do Esqueleto, foram mais de 4 meses sem luz12. A iluminação

só foi estabelecida em 15 de maio de 196213.

A favela do Esqueleto ocupava um grande espaço ao redor de onde hoje se

encontra a Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ. Essa construção inicialmente

foi pensada para ser o Hospital das Clínicas da Universidade do Brasil. Abandonada a obra,

os restos de material de construção serviram para a construção das primeiras moradias e o

Gato, durante o ano de 2004 e princípio de 2005. 12 Depoimento Marisa, 2004

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esqueleto da construção deu nome àquela localidade. O Esqueleto teve episódios de

remoção de 1961 até sua erradicação completa em 1965, durante vários momentos de

construção da Avenida Radial-Oeste (LEEDS e LEEDS, 1978).

Segundo depoimentos e notícias de jornais, as famílias removidas do

Esqueleto foram as primeiras a chegar em Nova Holanda:

Mais 11 famílias se mudaram ontem da Favela do Esqueleto para o Parque Nova Holanda. (...) A mudança começou a ser feita pelos caminhões da SURSAN [Superintendência de Urbanização e Saneamento] na segunda-feira e até hoje já deixaram o Esqueleto 21 famílias, que serão instaladas em casas de madeira (Tribuna da Imprensa, 25 de janeiro de 1962).

Os dados informados a seguir, são resultado de um levantamento realizado

pela fundação Leão XIII. Segundo Aldiza Muniz Tavares, esse levantamento foi realizado

durante sua atuação como coordenadora do CHP. São fichas que se organizam pela casa,

isto é, a ficha referenciava-se à casa e sua localização e assim informava dados das famílias

que lá moraram. Em geral, informavam a procedência das famílias e para onde partiram

quando deixaram a casa.

13 “Nova Holanda tem luz elétrica desde ontem”. Correio da Manhã, 16 /05/1962.

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*provável preenchimento incorreto da ficha **Os dados baseiam-se em 1.190 fichas de um universo total de 2.037 do cadastro de moradores realizado pela Fundação em 1977. Fonte: Fichas cadastrais da Fundação Leão XIII - 1977 (apud Miranda, 1997)

14 Trabalhamos aqui com os dados previamente coletados por Maria Aparecida Miranda para sua dissertação de mestrado, apresentada a Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, por não termos tido acesso às fontes originais.

Procedência dos Moradores Levantamento Fundação Leão XIII - 197714 % N° de

moradias Total % Total de

moradias Favelas 57,1 679

Esqueleto 16,3% 194 Maré 9,7% 115 Macedo Sobrinho 7,6% 90 Praia do Pinto 4,9% 58 Rocinha 3,7% 44 Morro do Querosene 2,1% 25 Manguinhos 2,0% 24 Catacumba 1,9% 23 Morro do Turano 1,1% 13 Parque Santa Luzia 1,0% 12 Outras favelas 6,8% 81

Outros bairros/Conjuntos Habitacionais 15,5 184 Cordovil 3,7% 44 Vila Kennedy 1,3% 16 Ramos 1,3% 15 Brás de Pina 0,9% 11 Sampaio 0,8% 10 Vila Aliança 0,8% 10 Outros bairros 6,6% 78

Outras cidades 4,2 50 Duque de Caxias 1,4% 17 Nova Iguaçú 0,9% 11 Miguel Pereira 0,7% 8 Outras cidades 1,2% 14

Outros estados 4,2 50 Paraíba 1,3% 16 Minas Gerais 0,8% 9 Rio de Janeiro* 0,4% 5

Outros estados 1,7% 20

Não respondeu 19,1% 227 Total 100,0% 1.190**

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89

É possível perceber, a partir dos dados, que além de terem sido os primeiros

moradores de Nova Holanda, as famílias provenientes da Favela do Esqueleto eram

também as que representavam o maior quantitativo dentro do CHP. No total as famílias que

passaram pela experiência da remoção de favela representaram quase 60% dos moradores.

As favelas Esqueleto, Praia do Pinto, Macedo Sobrinho e Catacumba tem histórias

semelhantes: foram erradicadas. Excetuando-se o Esqueleto, todas as outras situavam-se na

zona sul da cidade assim como outras que também deixaram de existir – entre elas Pasmado

(1964), Ilha das Dragas (1969), Piraquê (1969), Humaitá (1971).

A Praia do Pinto teve vários momentos de remoção, mas deixou de existir na

paisagem do entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas, em 1969, quando um incêndio de

grandes proporções foi o empurrão final para sua erradicação. Documento oficial do

governo do Estado da Guanabara, datado de 1969, e intitulado Rio: Operação Favela,

explana em suas páginas, com riqueza de imagens, o programa de remoções desde o início

do Governo Negrão de Lima, e aborda com entusiasmo o que chamou de Operação Praia do

Pinto. Relata, sempre com ênfase nas palavras “ordeira e pacificamente”, que a

transferência de moradores foi iniciada em 23 de março de 1969, mesmo que a conclusão

do estudo sócio-econômico só tenha ocorrido no dia 22 do mês seguinte, e que após já

terem sido transferidos cerca de 7 mil moradores para os conjuntos habitacionais Cidade de

Deus, em Jacarepaguá, e Cidade Alta, em Cordovil, “irrompeu um incêndio devastador na

favela Praia do Pinto, que destruiu a maioria dos barracos remanescentes e deixou ao

desabrigo cinco mil favelados” (ESTADO DA GUANABARA, 1969: 69). Após o

incêndio, continua o documento,

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90

“promoveu o governo apenas a aceleração da mudança (...) a tal ponto que, em uma semana apenas, o grosso dos desalojados estava instalado em apartamentos do Conjunto de Cordovil e em novas moradias de Cidade de Deus, Parque Proletário da Gávea, Nova Holanda, abrigo do Estado, etc. (...) e no dia 25 [de julho] dava por encerrada a vitoriosa Operação Praia do Pinto.” (Idem)

E, o documento ainda arremata: “Cumpria-se uma etapa de extrema

relevância na nova política habitacional do Estado da Guanabara.” (Idem:)

Sobre a história do incêndio paira, desde seu acontecimento, a dúvida de que

tenha sido proposital. Segundo os depoimentos de Betinho e Alexandre, moradores de

Nova Holanda removidos da Praia do Pinto, o incêndio começou na casa do mestre-sala da

escola de samba da Praia do Pinto, o que pode excluir a versão da intencionalidade. No

entanto, o depoimento de Cimar, também morador de Nova Holanda removido da Parai do

Pinto, afirma que:

Não foi acidente não. Acidente não fazia aquele estrago. (...)Teve várias vítimas, mas nenhuma fatal. Foi um incêndio bem planejado. (...) Aquele pedaço ali, você vê aqueles arranha-céu lá hoje, aquilo ali não era pra gente, aquilo ali era pra elite. Tacaram fogo e mandaram a gente embora. Nós saímos abaixo de fogo (Depoimento Cimar, 2004).

E ainda oferece outra explicação para o tamanho do estrago: “O bombeiro

veio, em vez de apagar acenderam mais. Dizem que em vez de tocar água, tocaram

gasolina” (Idem)

Janice Perlman (1977) utiliza a expressão “acidental”, com aspas, na

intenção de colocar em dúvida a versão oficial do incêndio e afirma que “apesar de muitos

moradores e vizinhos alarmados terem chamado os bombeiros, estes, evidentemente

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91

cumprindo ordens, não apareceram.” Após a desocupação da Praia do Pinto foi erguido

um conjunto de prédios identificado como Selva de Pedra, para oficiais

militares (PERLMAN, 1977).

Mandaram botar fogo porque o pessoal não queria sair. (...) Se é verdade ou se é mentira a gente não sabe. Sei que eu tô aqui e cada um tá prum canto (Depoimento Maria de Sousa, 2004).

O que nos interessa neste episódio, além da observância da perda das

famílias de tudo que haviam construído, é atentar que após este incêndio, criminoso ou não,

e o desaparecimento de três lideres da resistência à remoção da Favela Ilha das Dragas, na

mesma região da Lagoa Rodrigo de Freitas, ocorrida cerca de dois meses antes, as

remoções passam por seu período de maior violência. Lembremo-nos que o país passa pelo

período mais duro da ditadura militar, pós AI-5, e que os direitos individuais estavam

todos, a priori, suspensos.

No rastro da erradicação da Praia do Pinto, Macedo Sobrinho e Catacumba

tiveram o mesmo fim. Macedo Sobrinho era uma favela localizada ao final da Rua de

mesmo nome, no Humaitá, em terreno extremamente verticalizado, ao contrário da Praia do

Pinto que era completamente plana. As fotos do jornal Correio da Manhã, à época da

remoção, dão conta do contraste que se formava, pois nelas é possível observar uma intensa

movimentação de construções de prédios de apartamentos voltados para a classe média.15

E ainda, através desse acervo, percebe-se a participação de policiais que se espalhavam

pelas favelas durante as remoções. As famílias que chegaram da Macedo Sobrinho, em

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92

1969, já encontraram Nova Holanda bastante deteriorada nos bens de consumo coletivo e o

depoimento de Tutuca reflete a resistência em forma de desespero dos moradores, a

estratégia utilizada na remoção e a comparação no acesso a água:

Teve gente lá no Macedo que chorava, dizia “eu não vou, não vou”. Daí botavam o barraco abaixo. (...) Aqui só era ruim por causa da água, né? O resto era bom. Em Macedo Sobrinho era ruim subir com lata d’água na cabeça. Carreguei muita água pros outros. (Depoimento de Tutuca, 2004).

A remoção da Favela da Catacumba, localizada na encosta do entorno da

Lagoa Rodrigo de Freitas, vai dar lugar a luxuosos prédios de apartamentos. Ocorrida entre

1969 e 1970 a erradicação contou com a participação da associação de moradores que,

segundo Perlman, foi forçada a trabalhar em prol da remoção.

A Sociedade de Moradores foi coagida a transformar-se num comitê de guardas uniformizados de 31 homens para impedir melhorias em qualquer das casas, a entrada ou saída da favela sem autorização e a mudança de novas famílias para lá, e para preservar a tranqüilidade geral. Ainda que as famílias lastimassem sua sorte, nenhuma oposição se levantou publicamente à medida (PERLMAN, 1977: 59).

A remoção das famílias que moravam no Morro do Querosene tem uma

história um pouco diferenciada. A retirada das pessoas ocorreu porque “a terra do morro

desceu. Cada dia descia um metro” (Depoimento Hélio, 2004). Ao final do mês de março

de 1962 os moradores do morro, localizado no bairro Rio Comprido, viram o morro

desmoronando, influindo na estrutura de alguns prédios da Rua Itapirú que tiveram de ser

15 Acervo iconográfico Correio da Manhã. Algumas imagens possuem uma identificação relacionando-as com as matérias em que foram publicadas, por exemplo: “Em breve, os barracos, já não cobrirão o morro que olha para a Lagoa” publicada em 10/08/1969.

Page 93: Dissetacao Entre a Favela e o Conjunto Habitacional Claudia Trindade

93

demolidos, e ao final o desmonte do trecho ameaçado do morro realizado por empresa

especializada.16 Os moradores foram então levados, pelo governo da Guanabara, para

Nova Holanda.

A favela da Rocinha que também consta na lista de moradores removidos

para Nova Holanda teve um trecho de casas demolidas para a construção da auto-estrada

Lagoa Barra, inaugurada em 1970. 17

O passo-a-passo oficial do processo de remoção contava inicialmente com a

visita de assistentes sociais da Secretaria de Serviços Sociais, e/ou da Fundação Leão XIII –

trabalhando em consonância à COHAB ou à CHISAM –, que procediam um recenseamento

com três finalidades fundamentais: identificar os moradores e suas condições sócio-

econômicas, organizar um calendário de remoção, e evitar um inchaço da localidade com a

chegada de novos moradores interessados na aquisição da casa própria dos conjuntos

habitacionais (VALLADARES, 1978).

Para o êxito da remoção o poder público atuava de três formas:

- Conquista dos moradores por adesão (pela pressão e cooptação de lideranças, o

trabalho de convencimento através dos assistentes sociais e visitas às unidades

habitacionais dos conjuntos antes da mudança)

- “Apelo insistente da propaganda governamental em favor da ideologia da casa

própria” (VALLADARES, 1978: 52).

16 “Morro ameaça desabar”. Tribuna da Imprensa, 26/03/1962. “Querosene: empresa faz desmonte”. Tribuna da Imprensa, 09/04/1962. “Em ritmo acelerado Querosene vem abaixo”. Tribuna da Imprensa, 10/04/1962. 17 http://www.rio.rj.gov.br/planoestrategico capturado em 10/04/2006.

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94

- Por fim, a sempre possível, repressão policial.

Uma lembrança corrente nos moradores de Nova Holanda, removidos de

favelas, é a marcação das casas. Durante o levantamento preparatório para a remoção, as

casas eram marcadas com números e as iniciais da Secretaria de Serviço Social. A intenção

dessa marcação era evitar o crescimento da favela com novas construções. Como o

processo de levantamento de moradores podia levar muito tempo, não era incomum a

marcação das casas mais de uma vez.

Ah! Passou! [pessoas para avisar da remoção] A gente não levou fé, disse que era fogo de palha. Eu disse que não ficasse ciente disso não que a gente mora no centro da cidade, passou a primeira fichação, marcou, botaram a segunda. Na última marca, veio a definitiva pra gente sair. Veio uma equipe falando que ia ser removido. Mandou cada morador ir na associação e foi chamando cada um e dizendo – você vai este mês. (Depoimento de Maria Poubel, agosto de 2004)

A clareza no processo de remoção nem sempre existia para o morador. E

muitas vezes o levantamento de uma favela começava também sem confirmar a verdade de

suas intenções como nos indica Maria de Sousa: “A moça que passava falava que era

recenseamento. A gente acreditou.” (Depoimento Maria de Sousa, agosto de 2004)

Lícia do Prado Valladares, em seu Passa-se uma Casa: Análise do

Programa de Remoção de Favelas do Rio de Janeiro (1978), faz uma descrição geral das

etapas do processo de remoção, aliás, do trajeto total do morador da favela ao conjunto

habitacional e muitas das vezes de volta à favela. Segundo a autora, havia dois modos

oficiais de entrada no Conjunto Habitacional: de modo compulsório (via remoção de

Page 95: Dissetacao Entre a Favela e o Conjunto Habitacional Claudia Trindade

95

favela), e com a inscrição nos órgãos responsáveis pela política de habitação (COHAB,

CHISAM). Os moradores inscritos compulsoriamente ou voluntariamente passavam por

um levantamento de suas condições sócio-econômicas e com esse resultado eram

destinados a diferentes unidades de habitação, dependendo da possibilidade de

comprometimento de sua renda familiar com os encargos das prestações da casa própria.

Aqueles que, como dito anteriormente, não possuíam renda suficiente ou passível de

comprovação, originários de favelas, eram encaminhados aos CHPs ou casas de triagem.

De acordo com seus níveis de renda, as famílias eram enviadas para apartamentos em prédios de cinco andares sem elevador, para casas individuais, ou – no caso dos mais pobres – para alojamentos provisórios chamados triagem (PERLMAN, 1977: 242).

O que revelou-se um problema para os órgãos gestores do programa foi

exatamente o subdimensionamento do número de famílias com renda insuficiente para a

entrada no programa de aquisição da casa própria. “Com efeito, segundo os dados da

CHISAM, em cada favela, 17% das famílias percebiam uma renda mensal inferior ao

mínimo exigido.” (VALLADARES, 1978: 57) Deve-se levar em conta ainda as estratégias

de super ou subvalorização voluntária da renda feita pelas famílias, nas declarações aos

levantamentos sócio-econômicos, de acordo com suas intenções de conseguir uma unidade

habitacional melhor ou em determinada localidade, e ainda a dificuldade de avaliação

global do Programa do impacto que a renda familiar sofreria com as mudanças de

endereços e conseqüentes perdas de empregos ou biscates, devido às distâncias que os

conjuntos habitacionais tinham em relação ao centro da cidade e zona sul, localidades que

dispunham da maior concentração de renda da cidade, e assim das maiores possibilidades

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96

de empregos formais e informais (PERLMAN, 1977, VALLADARES, 1978 e ABREU,

1981).

Sobre essa afirmação de pressão sobre a renda, o depoimento de Helio

reafirma o que dizem os estudos sobre o tema: “No Leblon era tudo na mão, o trabalho.

Aqui [Nova Holanda], mais dificultoso.” (Helio, agosto de 2004) Lembremo-nos ainda que

Nova Holanda, em comparação com Cidade de Deus ou Vila Kennedy, é muito mais

próxima do centro e zona sul do Rio, o que não nos permite desprezar as pressões sobre os

moradores ali alocados, mas nos faz vislumbrar todo o impacto sofrido pelas famílias

incluídas no programa de remoção e aquisição da casa própria.

Podemos assim, após as considerações sobre a renda familiar de muitos

moradores de favelas, presumir que o nome adotado de Centro de Habitação Provisória

nas diferentes localidades que já serviam a esse fim, e uma administração mais rígida

realizada a cargo da Fundação Leão XIII, foi o reconhecimento de que já em 1969, pouco

depois da criação da CHISAM, as distorções em relação ao plano esquematizado numa

ordem burocrático-administrativa precisavam de um estreito controle de modo que os

organismos gestores tivessem a clara dimensão do número de moradias provisórias que

tinham disponíveis para novas remoções de favelas.

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97

PERCURSO PREVISTO E NÃO PREVISTO NO ÂMBITO DO PROGRAMA DE

REMOÇÃO DE FAVELAS E AQUISIÇÃO DA CASA PRÓPRIA

Acesso compulsório

(Via Favela)

Inscrição por conta da reserva técnica

(Via sede dos organismos responsáveis)

Levantamento sócio-econômico

do morador

Recebe ficha de inscrição

Recebe autorização de

mudança

Assina escritura definitiva do

imóvel

Paga prestações

Recebe aviso de pagamento das

prestações

Assina promessa de compra e venda

Efetua o pagamento da taxa

de ocupação

Ocupa o imóvel

Recebe autorização para ocupar o imóvel

È levado para o Conjunto

Renda insuficiente para aquisição da

casa própria

Levado para CHP ou Casa de

Triagem

Recebe ficha de ocupação:

possível mudança p/ obtenção da casa própria

“Inscrito” muda-se para Conjunto

“Inscrito” recebe coordenadas de

destino

Interessado busca ficha de inscrição

Interessado preenche formulário sócio-

econômico

Retorna a uma localidade de

favela

Morador é retirado da casa e conduzido a um

CHP ou Casa de Triagem

Passa a casa adiante

(“vende”)

Acesso por via não-oficial

Nem morador de

favela, nem “inscrito”“ compra a casa”

Impossibilidade de arcar com os

custos

Impossibilidade de arcar com os

custos atraso nas prestações

Diagrama apresentado por VALLADARES, 1978: 48. Diagrama baseado em informações de VALLADARES, 1978 e depoimentos de moradores.

Ocupa o imóvel do CHP ou do

Conjunto Habitacional

Page 98: Dissetacao Entre a Favela e o Conjunto Habitacional Claudia Trindade

98

O diagrama apresentado acima dá conta das diferentes alternativas possíveis dentro do

programa de remoção e aquisição da casa própria, onde o acesso à casa podia ser oficial ou

não e ainda que a favela, como alternativa, acabou sendo realimentada visto que o

programa em geral não foi capaz de avaliar os impactos sócio-econômicos na vida das

famílias.

Retomando os dados da tabela de procedência dos moradores (p. 88) o

segundo bloco que trata das famílias oriundas de outros bairros e conjuntos habitacionais

nos permite perceber, aliando esses dados aos depoimentos de moradores e da assistente

social anteriormente citada, e comprovando o demonstrado no diagrama, que além do

funcionamento do CHP para alocar famílias que no levantamento inicial não tinham renda

servia também para receber famílias que não conseguiam efetuar os pagamentos das

unidades habitacionais. Vila Kennedy e Vila Aliança enquadram-se neste caso, e

possivelmente Cordovil também já que o Conjunto Habitacional Cidade Alta era em vários

momentos referenciado apenas como Cordovil.

Outro modo de chegar a morar no CHP não era feito de modo aberto. A venda do

barraco que era proibida, a família não tinha termo de posse nem de propriedade, era feita

num acordo com a família que “vendia”, e que, na maior parte das vezes, passava pela

anuência do plantão do posto policial e do administrador do CHP, os quais levavam algum

pagamento por isso. A família que saía realizava a mudança de madrugada e a que chegava

também (SILVA, 1995: 76).

VIVER NO CENTRO DE HABITAÇÃO PRÓVISÓRIA

Page 99: Dissetacao Entre a Favela e o Conjunto Habitacional Claudia Trindade

99

A primeira consideração a ser feita após a discussão sobre o trajeto

percorrido pelas famílias até a chegada em Nova Holanda é a adjetivação da habitação

como “provisória”. Segundo os órgãos gestores do programa, a provisoriedade estava

explicada na idéia de que “as famílias desobrigadas do pagamento da habitação poderiam

‘poupar’ de modo a adquirirem sua casa própria” (SALIBY apud OLIVEIRA, 1993: 13).

Atentemos que essa afirmativa repetia a lógica já implementada nos Parques Proletários, na

década de 1940, e que apresentou-se infrutífera na “solução do problema”. A precariedade

dos ganhos da população alvo dessas políticas não abriam espaço para a poupança. Mesmo

que a auto-construção, nas favelas, configure-se como uma forma de poupança, se dá de

acordo com os interesses e a disponibilidade daquele que poupa e não a partir dos critérios

de outro, neste caso o governo, executor do discurso hegemônico, que o provém da

habitação provisória.

Com o objetivo de levar a termo a “função educadora” – que também era

elemento fundamental no projeto dos Parques Proletários, como dito anteriormente –, além

de exercer maior controle sobre as casas, para que estas não fossem passadas ou vendidas, a

Fundação Leão XIII torna-se administradora do CHP de Nova Holanda, mantendo vivo o

caráter de provisoriedade e o “fantasma” da remoção (OLIVEIRA, 1993:15). Ativar a

Fundação como organismo administrador tem relação com sua atuação anterior em favelas,

quando na incorporação da instituição à estrutura organizacional do estado da Guanabara,

em 1962,

aumenta seu controle sobre as melhorias habitacionais em favelas, reativa centros médicos e educacionais, aumenta os dispositivos controladores junto às associações de moradores, enfim, novamente

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amplia aos poucos sua capacidade de exercer uma dominação ideológica, jurídica, política e até mesmo policial sobre boa parte dos moradores de favelas do Rio de Janeiro (VALLA, 1986: 95).

Em Nova Holanda, o controle de modificações não permitia nenhuma

melhoria na casa, mesmo que fosse reparo, o que levava a uma rápida deterioração das

moradias, de madeira que ameaçavam, nos piores casos, desabar, sendo o perigo maior nos

“duplex”. A justificativa desta proibição estava na manutenção da idéia de provisório e no

“objetivo de se impedir a criação de vínculos maiores entre os moradores e a casa.”

(SALIBY apud OLIVEIRA, 1993:18). Ou, mais explicitamente na fala da assistente social

Aldiza Muniz Tavares, proibia-se qualquer modificação na intenção de que o morador não

criasse “laços emocionais” com essa casa, tendo em vista que não a habitaria por muito

tempo. A única casa transformada de madeira em alvenaria, em 1969, era aquela onde

funcionava a sede da administração da Fundação, nas esquinas das ruas Principal e

Sargento Silva Nunes.18

Através dessa lógica as famílias continuavam vivenciando os mesmos medos

antes experimentados nas favelas: de que a qualquer momento chegasse uma ordem para

deixarem o lugar. O levantamento da Fundação Leão XIII, que era feito pelo domicílio e

não pela família, reforçava essa idéia. No entanto, o tempo foi passando e as famílias

ficando lá mesmo (Depoimentos Cimar, Betinho, Otávio Felipe da Silva dos Santos, Aldiza

Muniz Tavares, 2004). E, alternativas sendo criadas para lidar com as adversidades do

local.

18 Depoimento Aldiza Muniz Tavares, 2004

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101

Ainda em 1964, praticamente apenas dois anos depois de ter se iniciado a

ocupação, já podiam ser vistas imagens de moradores carregando latas d’água, ou os barris,

que ficaram conhecidos como Rola, equipamento feito de um barril de madeira e uma

armação de madeira e ferro, que serviam para ir buscar água do outro lado da Avenida

Brasil. S. Otávio Felipe da Silva dos Santos, morador de Nova Holanda – removido da

Catacumba –, era uma das pessoas que fabricava o Rola, e chegou a ter 20 deles para alugar

a outras famílias.

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102

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103

Se a ocupação de Nova Holanda começa ao final de 1961 e vai até 1970, quando chegam os

últimos moradores removidos da Catacumba, muitos saíram de suas casas nas favelas e não

encontraram as condições propagandeadas de casas com infra-estrutura. Exemplo disso é a

narrativa de Maria Poubel sobre sua chegada em 1965, vindo da Favela do Esqueleto:

Tenho até vergonha de falar. Quando a Preta, minha filha mais velha, quando ela começou a arriar as trouxas, tirar as trouxas de dentro do caminhão, as coisas tudo amarrado nas trouxas, que arriou dentro da casa, ela arriou minha roupa toda em cima de um monte de cocô. Estava tudo cheio de cocô. Agora tu presta atenção: a casa suja de cocô e sem água pra lavar (Depoimento Maria Poubel, 2004).

Além da solução emergencial para a falta d’água outra alternativa foi sendo

tomada a luz da experiência que as pessoas já tinham na favela. Da mesma forma que era

comum nas favelas, pelo mesmo motivo de proibição de melhorias para evitar o

enraizamento das famílias e consolidação da localidade, algo não tão distante do que se

pensava para Nova Holanda, as pessoas começaram a construir sua casa de alvenaria por

dentro da de madeira19 para que a fiscalização não percebesse e, assim, ficasse mais difícil

de impedir a melhoria e praticamente impossível de destruí-la depois estivesse pronta, dado

o grau de embate necessário para tal medida.

Ao fim de todas essas considerações e percebendo que a provisoriedade vai

se transformando em permanência das famílias – o que faz hoje em dia até ter desaparecido

a sigla CHP do nome que se identifica e se reconhece essa localidade, Nova Holanda – o

que no início era marcado pela diferença que cada grupo tinha na origem, onde

19 Depoimento Roseni Lima de Oliveira, removida da Favela do Esqueleto, 2004.

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“era aquela coisa de dizer: porque lá onde eu morava era melhor, porque lá era mais bonito, era mais... (...) quem era da Praia do Pinto, quem era da Macedo Sobrinho, quem era do Esqueleto” (Depoimento Roseni Lima de Oliveira, 2004),

foi dando lugar, em forma de construção, a uma nova configuração de pertencimento.

“Começaram a criar vínculo com a comunidade; construir uma história”20, através do

futebol, do samba – expresso na Unidos de Nova Holanda e depois no Bloco Mataram meu

Gato, que vai dar origem à atual escola de samba Gato de Bonsucesso –, do

desenvolvimento das relações de vizinhança, da ajuda mútua quando a queima de um

transformador de luz exigia esforços de abaixo-assinados e pressão sobre a Fundação Leão

XIII e a Light. Configuração de pertencimento a uma localidade também construída na

negociação com o poder público, quando da execução do Projeto-Rio, iniciado em 1979,

que promoveu nova remoção, agora nas palafitas que se ergueram ao longo da década de

1970 nas bordas do CHP e de outras localidades vizinhas, mas que desta vez, como

resultado da negociação, assentou as famílias na mesma região, com novo aterro sobre a

Baía de Guanabara que vai dar origem à Vila do João e Conjunto Esperança, em 1982.

Estar entre a favela e o Conjunto habitacional significava o quê? Não houve

mudança da forma estigmatizada como as pessoas removidas de favelas eram tratadas pelo

poder público e nem a aquisição da casa própria que o projeto de remoções propagandeava,

traduzida no conjunto habitacional, que foi sempre uma perspectiva distante, desejada ou

não. Significou para muitos o desfazer dos laços e distanciamento de vizinhos, amigos e

parentes, e um refazer de relações com um novo espaço físico e social.

20 Depoimento Roseni Lima de Oliveira, 2004

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Por fim deixemos a consideração de Cimar, sem julgarmos a utilização do

termo e apenas atentarmos curiosamente para seu emprego:

Eu me acostumei aqui, fiz vida aqui, criei filho, gostei desse local aqui também. (...) A gente foi se unindo depois aí. Hoje tem essa miscigenação de favelas. Conseguimos juntar... (Depoimento de Cimar, 2004) [grifo nosso]

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Considerações finais

Manchete de jornal: “Favelas protestam contra política de remoção”.

Poderíamos estar falando da década de 1960 e 1970, como fizemos ao longo das páginas

desta dissertação, mas não estamos. Esta frase foi manchete do jornal O Globo em 18 de

outubro de 2005. A matéria relata o protesto de moradores da Favela da Vila Alice, situada

em Laranjeiras, Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro.

Atual, não? Então, vejamos: “Remoção da Favela da Vila Alice. Esta luta tão

difícil, que encontrou tantos empecilhos, foi vencida pela força de vontade de Marcelo

Maywald e Leila do Flamengo”. Trecho retirado de panfleto distribuído na primeira semana

de abril de 2006, nas ruas dos bairros de Laranjeiras e Flamengo. Em ano de eleição,

Marcelo que é subprefeito da Zona Sul II e sua mãe, Leila do Flamengo, vereadora pelo

Partido da Frente Liberal, buscam capitalizar possíveis votos com a divulgação de suas

atuações para os moradores da região.

Em 2004 o jornal O Globo publicou uma série de reportagens sobre a crise

habitacional, intitulada “Sem parede, sem chão” que, em sua maior parte, versava sobre

favelas. Em 2005, o mesmo jornal fez circular a série “Ilegal, e daí?”, baseada em frase do

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prefeito César Maia por ocasião da divulgação, no mesmo jornal, de reportagem sobre a

verticalização das construções na Favela da Rocinha. Todos os dias há no mínimo uma

citação sobre favelas nos jornais, seja em matérias, reportagens, artigos ou cartas de

leitores. A favela não desapareceu como previa a propaganda do Programa de Remoção,

veiculada em 1971 através do documentário da Agência Nacional, “Vida Nova sem

Favela”: “Felizmente a favela carioca é algo que tende a desaparecer de nossa realidade. O

lema é demolir para construir”.

A prática da remoção também não deixou de existir. Hoje, na cidade do Rio

de Janeiro, e em tantas outras do Brasil, removem-se favelas, mas o que difere a atualidade

das décadas de 1960 e 1970 é a clara explicitação, nas décadas referidas, da remoção como

política pública para a favela (ou “contra a favela”?). E, o que aproxima é que não houve

modificação na estrutura de acesso à terra e no uso do solo urbano, na estratificação social e

urbana, na forma estigmatizada que as populações que moram na favela são encaradas pelo

restante da sociedade. A favela continua a existir como alternativa possível de moradia para

grande parte das pessoas dos centros urbanos brasileiros.

A política de remoções não acabou com o “problema favela”, não satisfez

boa parte dos moradores, e acabou por inchar diversas favelas no caminho de volta. E mais:

por não ser o problema da moradia um problema com início e fim em si mesmo, os

conjuntos habitacionais viraram, como se lê nos jornais ou se observa nos mapas oficiais da

cidade, favelas. Hoje o termo não serve só a “aglomerados humanos localizados em áreas

não urbanizadas, constituídas por habitações rústicas ou improvisadas, desprovidas de

melhoramentos públicos, construídas em terra de terceiros: do Governo, de particulares ou

de domínio não definido” (Censo IBGE-1970 apud VALLADARES, 1978:30). Como

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observa Valladares, os dados oficiais e os estudos atuais “reconhecem um universo muito

variado geográfica e demograficamente” em se tratando de favelas.

O retorno à favela e à consideração geral do conjunto habitacional como

favela reafirma a idéia de que os problemas de moradia não residem estritamente na

construção da habitação, mas no modelo social.

A partir das análises realizadas, a remoção de famílias de favelas não

satisfez, a longo prazo, nenhum dos envolvidos no processo. E a política de habitação

provisória, ao fim das contas, serviu para diferenciar aqueles que tinham ou comprovavam

renda daqueles que não tinham ou não comprovavam (salvo as respostas nem tão

condizentes com a realidade aos “questionários sócio-econômicos”). Se já era observada a

estratificação entre favelados e não-favelados, esta política foi capaz de aplicar a divisão

dentro da divisão, além de manter a insegurança das famílias sobre o direito à moradia.

Alguns arquitetos e planejadores do espaço urbano no Brasil defendem que o

dinheiro público não seja investido na construção de moradia, mas apenas na ordenação

urbana, ficando a cargo das famílias e da iniciativa privada a construção da habitação. A

análise que fizemos ao longo deste trabalho nos possibilita perceber que essa perspectiva

funciona perfeitamente na base da desigualdade social tendo em vista que, como visto no

capítulo II, o aparelho estatal atua respondendo às pressões da sociedade onde o peso

dessas pressões tende às exigências das classes hegemônicas, “malgrado desavenças ou

conflito” (MENDONÇA, S. 1996: 98), que, no caso, desejam garantir um modelo social

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baseado no capital, e, portanto, na propriedade privada, sustentação para a expropriação de

direitos de uns em favor de outros.

Como observou o arquiteto Mauro Kleiman (1978),: “Os parques eram uma

solução setorial para um problema geral. Assim como o programa de remoções dos anos 60

e 70, o projeto era acabar com o ‘quisto’ urbano representado pela favela, na sua estrutura

física, não com sua estrutura econômica” (KLEIMAN, 1978: 18)

Em última análise, se a estrutura estatal, como conformação das forças

hegemônicas, garante, através de sua atuação, determinada configuração social que permite

e facilita a exploração de uns por outros, base da desigualdade social, é também na arena do

Estado Ampliado21, sociedade política e sociedade civil, entre atuações hegemônicas e

contra-hegemônicas, que deve se dar o embate em busca da modificação dessa estruturação

social.

Em suma, a favela, que persiste como alternativa criativa, e possível, e

também como resultado da estruturação econômica capitalista, está em disputa.

21 Ver GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere – vol. 3.Maquiavel. Notas sobre o Estado e a Política. Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2000

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