favela por direitos

4
favela por direitos BOLETIM INFORMATIVO - Saúde Ambiental e Direitos Sociais em Manguinhos Acesso à Justiça e Cultura de Direitos - FASE REMOÇÕES DO PAC: O MUNDO ESTÁ DE OLHO OS MEGAEVENTOS ESPORTIVOS JUSTIFICAM UMA CIDADE POLICIAL? Obras do PAC deverão ser alvo de denúncia Na segunda quinzena de maio deste ano, o Rio de Janeiro recebeu a visita ex- traordinária da Relatora Especial da Organização das Nações Unidas para o Direito à Moradia Adequada Raquel Rolnik. O foco da visita foram as remoções causadas pelas obras de adequação da cidade para a Copa do Mundo de futebol em 2014 e para os Jogos Olímpicos de 2016. Mas, segundo informações publicadas por diversos jornais, entre eles o Estado de São Paulo, as obras do PAC também são alvo de denúncia internacional. O que vem acontecendo com Manguinhos hoje reproduz uma velha história, a história dos conflitos de classe, entre ricos e pobres (donos do capital e trabalhadores proletários), na produção do espaço social da cidade. Desde a instalação da corte portuguesa na área central da cidade do Rio de Janeiro-RJ aos processos de moder- nização da capital da república velha, do Estado Novo, do progresso industrial, e, ao LEIA E PASSE ADIANTE foto: Cristiano Ferreira Para agravar este quadro, de produção de um projeto de cidade policial, o BNDES está investindo 40 milhões na Cidade das Polícias. A região metropolitana norte-leopol- dinense da cidade (RJ) está receben- do investi- mentos milio- nários para a instalação de Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar-Bope/PM na Maré, da Cidade das Po- lícias especializadas (da polícia civil), na grá- fica desativada da empresa de cigarros Sou- za Cruz, em Manguinhos, além da ‘promessa’ das Unidades Pacificadoras de Polícia-UPPs previstas para esta região. O milionário bra- sileiro Eike Batista já se comprometeu com a doação de 25 milhões por UPP. Antes disto, no entanto, a 1ª. Conferência Nacional de Segurança Pública-Conseg, em 2009, legitimou a transferência de recursos federais para a remuneração de policias es- taduais e municipais, sob forte pressão cor- porativa (de guardas municipais, policiais ci- vis e PMs aliados aos respectivos governos) e com o apoio de determinado segmento da sociedade civil organizada que, entre ou- tras propostas, promoveu a idéia de criação da Secretaria Municipal de Ordem Urbana, responsável pela repressão contra camelôs, remoções de moradias ‘irregulares’, entre ou- tras informalidades. O financiamento federal das polícias fere o princípio das responsabilidades dos municí- Panamericano, 2007, Copa, 2014 e Olimpíadas, 2016, entre outros megaeventos internacionais, esta história se repete: valorização imobiliária do espaço induzida pelo Estado, sob os auspícios dos grandes capitais na- cionais e transnacionais. Estes conflitos relacionam, na história, a revolta da vacina à resistência e luta de dezenas de comunidades que estão sendo removidas, tendo seus direitos grave- mente violados, para a reconfiguração do RJ como ci- dade global destes ‘megaeventos’. A cidade, apresentada como cenário futurista em três dimensões (3D) na propaganda governamental, foi sede da 5ª. reunião do Fórum Urbano Mundial da Orga- nização das Nações Unidas-ONU, em março de 2010. Um evento paralelo, o Fórum Social Urbano-FSU deba- teu os grandes projetos de urbanização da cidade, junto com representantes de comunidades do Complexo do Alemão, Alan Brum Pinheiro (Raízes Em Movimento), do Santa Marta, Itamar Silva (Grupo Eco), e de Mangui- nhos, Fernando Soares (LabDHM), com especialistas como o professor Cunca Bocayuva da Pós-Graduação em Relações Internacionais da PUC-RJ e Mauro Silva, pesquisador do Instituto de Pesquisas de Planejamen- to Urbano e Regional-IPPUR da Universidade Federal do RJ-UFRJ, representante da Fase, como mediador do debate, com mais de uma centena de participantes, entre moradores de comunidades imPACtadas, pesqui- sadores, cidadãos do RJ e de várias nacionalidades. Leia mais sobre situação de moradia em Manguinhos, uma das comunidades atingidas pelo PAC, e sobre a visita da re- latora na página 3. pios, estados e do governo federal. A respon- sabilidade pelas polícias estaduais é exclusi- vamente do governo estadual. O Programa Nacional de Segurança com Cidadania-Pro- nasci do Ministério da Justiça investe muito mais no controle repressivo da violência do que em projetos sociais. Sem enfrentar de forma efetiva as causas estruturais (sociais) de reprodução das violências, a opção dos governos agrada aos capitalistas da cadeia produtiva da indústria da segurança. Esta opção, pela segurança repressiva, reproduz de forma ampliada um modelo de cidade policialesca que usa o sistema penitenciário (penal) como forma de ‘resolução’ das ques- tões sociais, como forma de criminalização da pobreza. Os projetos do Pronasci não são objeto de análise e gestão compartilhada/integra- dora dos respectivos conselhos da criança e do adolescente, obedecendo a um lógica de reprodução clientelista de relação com o ‘terceiro setor’, como foi denunciado na Conferência Livre organizada pelo Conse- lho Estadual da Criança e do Adolescente- CEDCA-RJ para a 1ª.Conseg. Para agravar este quadro, de produção de um projeto de cidade policial, o Banco Nacio- nal de Desenvolvimento Econômico e Social- BNDES, um dos maiores bancos do mundo em seu segmento: desenvolvimento social, está investindo 40 milhões na construção da Cidade das Polícias. O que corrobora o modelo de reprodução de projetos de controle social urbano inspirados nas iniciativas do Banco Mundial de ‘urbanização’ na Colômbia, musa inspiradora do arquiteto Jorge Jaurégui, que projetou o plano diretor arquitetô- nico do PAC-Manguinhos e do PAC-Alemão du- rante a gestão do Partido dos Democratas-DEM, ex-PFL-Frente Liberal, de ideologia neoliberal, na Prefeitura do RJ. Solange Amaral era Secretária do Habitat-SMH. O Banco Mundial, como um pro- vável financiador, era uma grande vitrine. Esta aposta no modelo penal-burguês é insus- tentável do ponto-de-vista sócio-econômico. Este fato levou o presidente da Federação das Favelas do Estado-Faferj Rossino de Castro Diniz a decla- rar que ‘as UPPs irão abrir caminho para a tomada das milícias (grupos pára-militares de segurança privada que têm apoio informal das corporações policiais e de determinados setores governamen- tais, deputados, vereadores e empresários). $

Upload: agencia-midialivre

Post on 29-Mar-2016

219 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Favela por Direitos é uma série de construção e difusão de conteúdos de Direitos Humanos e Políticas Públicas que integra o Projeto Acesso à Justiça e Cultura de Direitos. Além de boletins impressos, os conteúdos serão também disponibilizados no site www.favelapordireitos.org e em outras publicações. Esse conjunto de ações tem por objetivo fortalecer a luta por direitos utilizando tecnologias de informação.

TRANSCRIPT

favela por direitosBOLETIM INFORMATIVO - Saúde Ambiental e Direitos Sociais em Manguinhos

Acesso à Justiça e Cultura de Direitos - FASE

REMOÇÕES DO PAC: O MUNDO ESTÁ DE OLHO

OS MEGAEVENTOS ESPORTIVOS JUSTIFICAM UMA CIDADE POLICIAL?

Obras do PAC deverão ser alvo de denúncia

Na segunda quinzena de maio deste ano, o Rio de Janeiro recebeu a visita ex-traordinária da Relatora Especial da Organização das Nações Unidas para o Direito à Moradia Adequada Raquel Rolnik.

O foco da visita foram as remoções causadas pelas obras de adequação da cidade para a Copa do Mundo de futebol em 2014 e para os Jogos Olímpicos de 2016. Mas, segundo informações publicadas por diversos jornais, entre eles o Estado de São Paulo, as obras do PAC também são alvo de denúncia internacional.

O que vem acontecendo com Manguinhos hoje reproduz uma velha história, a história dos confl itos de classe, entre ricos e pobres (donos do capital e trabalhadores proletários), na produção do espaço social da cidade. Desde a instalação da corte portuguesa na área central da cidade do Rio de Janeiro-RJ aos processos de moder-nização da capital da república velha, do Estado Novo, do progresso industrial, e, ao

LEIA E PASSE ADIANTE

foto

: Cris

tiano

Fer

reira

Para agravar este quadro, de produção de um projeto de cidade policial, o BNDES está investindo 40 milhões na Cidade das Polícias.

A região metropolitana norte-leopol-dinense da cidade (RJ) está receben-do investi-mentos milio-nários para a instalação de

Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar-Bope/PM na Maré, da Cidade das Po-lícias especializadas (da polícia civil), na grá-fi ca desativada da empresa de cigarros Sou-za Cruz, em Manguinhos, além da ‘promessa’ das Unidades Pacifi cadoras de Polícia-UPPs previstas para esta região. O milionário bra-sileiro Eike Batista já se comprometeu com a doação de 25 milhões por UPP.

Antes disto, no entanto, a 1ª. Conferência Nacional de Segurança Pública-Conseg, em 2009, legitimou a transferência de recursos federais para a remuneração de policias es-taduais e municipais, sob forte pressão cor-porativa (de guardas municipais, policiais ci-vis e PMs aliados aos respectivos governos) e com o apoio de determinado segmento da sociedade civil organizada que, entre ou-tras propostas, promoveu a idéia de criação da Secretaria Municipal de Ordem Urbana, responsável pela repressão contra camelôs, remoções de moradias ‘irregulares’, entre ou-tras informalidades.

O fi nanciamento federal das polícias fere o princípio das responsabilidades dos municí-

Panamericano, 2007, Copa, 2014 e Olimpíadas, 2016, entre outros megaeventos internacionais, esta história se repete: valorização imobiliária do espaço induzida pelo Estado, sob os auspícios dos grandes capitais na-cionais e transnacionais.

Estes confl itos relacionam, na história, a revolta da vacina à resistência e luta de dezenas de comunidades que estão sendo removidas, tendo seus direitos grave-mente violados, para a reconfi guração do RJ como ci-dade global destes ‘megaeventos’.

A cidade, apresentada como cenário futurista em três dimensões (3D) na propaganda governamental, foi sede da 5ª. reunião do Fórum Urbano Mundial da Orga-nização das Nações Unidas-ONU, em março de 2010. Um evento paralelo, o Fórum Social Urbano-FSU deba-teu os grandes projetos de urbanização da cidade, junto com representantes de comunidades do Complexo do Alemão, Alan Brum Pinheiro (Raízes Em Movimento), do Santa Marta, Itamar Silva (Grupo Eco), e de Mangui-nhos, Fernando Soares (LabDHM), com especialistas como o professor Cunca Bocayuva da Pós-Graduação em Relações Internacionais da PUC-RJ e Mauro Silva, pesquisador do Instituto de Pesquisas de Planejamen-to Urbano e Regional-IPPUR da Universidade Federal do RJ-UFRJ, representante da Fase, como mediador do debate, com mais de uma centena de participantes, entre moradores de comunidades imPACtadas, pesqui-sadores, cidadãos do RJ e de várias nacionalidades.

Leia mais sobre situação de moradia em Manguinhos, uma das comunidades atingidas pelo PAC, e sobre a visita da re-latora na página 3.

pios, estados e do governo federal. A respon-sabilidade pelas polícias estaduais é exclusi-vamente do governo estadual. O Programa Nacional de Segurança com Cidadania-Pro-nasci do Ministério da Justiça investe muito mais no controle repressivo da violência do que em projetos sociais. Sem enfrentar de forma efetiva as causas estruturais (sociais) de reprodução das violências, a opção dos governos agrada aos capitalistas da cadeia produtiva da indústria da segurança. Esta opção, pela segurança repressiva, reproduz de forma ampliada um modelo de cidade policialesca que usa o sistema penitenciário (penal) como forma de ‘resolução’ das ques-tões sociais, como forma de criminalização da pobreza.

Os projetos do Pronasci não são objeto de análise e gestão compartilhada/integra-dora dos respectivos conselhos da criança e do adolescente, obedecendo a um lógica de reprodução clientelista de relação com o ‘terceiro setor’, como foi denunciado na Conferência Livre organizada pelo Conse-lho Estadual da Criança e do Adolescente-CEDCA-RJ para a 1ª.Conseg.

Para agravar este quadro, de produção de um projeto de cidade policial, o Banco Nacio-nal de Desenvolvimento Econômico e Social-BNDES, um dos maiores bancos do mundo em seu segmento: desenvolvimento social, está investindo 40 milhões na construção da Cidade das Polícias.

O que corrobora o modelo de reprodução de projetos de controle social urbano inspirados

nas iniciativas do Banco Mundial de ‘urbanização’ na Colômbia, musa inspiradora do arquiteto Jorge Jaurégui, que projetou o plano diretor arquitetô-nico do PAC-Manguinhos e do PAC-Alemão du-rante a gestão do Partido dos Democratas-DEM, ex-PFL-Frente Liberal, de ideologia neoliberal, na Prefeitura do RJ. Solange Amaral era Secretária do Habitat-SMH. O Banco Mundial, como um pro-vável fi nanciador, era uma grande vitrine.

Esta aposta no modelo penal-burguês é insus-tentável do ponto-de-vista sócio-econômico. Este fato levou o presidente da Federação das Favelas do Estado-Faferj Rossino de Castro Diniz a decla-rar que ‘as UPPs irão abrir caminho para a tomada das milícias (grupos pára-militares de segurança privada que têm apoio informal das corporações policiais e de determinados setores governamen-tais, deputados, vereadores e empresários).

$

/expedienteContato - [email protected]

Coordenação de projeto - Melisanda Trentin

Núcleo Executivo (Manguinhos) - André Deodoro, Ari-ana dos Santos, Daniele Oliveira, Fernando Soares, Nathália Marcelino e Rachel Barros.

Diagramação e Ilustrações - Agência Mídia Livre

Realização - FASE. www.fase.org.br

Apoio - União Européia

Impressão - Arquimedes Edições (1.000 exemplares)

*Esta publicação é de responsabilidade da Fase e não refl ete

de maneira algum

a as opiniões da União E

uropéia.

realização:

apoio*:

ação no território:

cooperação social:

www.favelapordireitos.org

Favela por Direitos é uma série de construção e difusão de conteúdos de Direitos Humanos e Políticas Públicas que integra o Projeto Acesso à Justiça e Cultura de Direitos. Além de boletins impressos, os conteúdos serão também disponi-bilizados no site www.favelapordireitos.org e em outras publicações. Esse conjunto de ações tem por objetivo fortalecer a luta por direitos utilizando tecnologias de informação.

Mobilize-se! Exija seus direitos!

ECONOMIA E CULTURA

Não descarte esse impresso em via pública.

Robson de Oliveira e Cleber Daltro: estudantes da Escola de Música de Manguinhos / Casa Viva

foto: Patrícia Vieira

foto: Leonardo Sobral

Fernando Soares da RedeCCAP em debate com a Secretária Estadual de Cultura Adriana Rattes na ofi cina de constituição do Plano de Cultura de Manguinhos

Uma tecnologia social inovadora pode ser uma das chaves para um problema estrutural: o desemprego. A tecnologia: o Arranjo Sócio-Produtivo Local do Áudio e da Música, como pró-vocação sócio-econômica de Man-guinhos no segmento das artes e da cultura. A proposta do Arranjo qualifi ca as possibilidades de inserção da ju-ventude (um dos segmentos mais afetados pelo desem-prego em comunidades de baixa renda) no mercado de trabalho, na perspectiva cooperativa da economia soli-dária. Esta proposta vêm sendo formulada e desenvolvi-da pela RedeCCAP em ofi cinas que têm a participação de órgãos públicos como a Financiadora de Estudos e Projetos-Finep do Ministério da Ciência e Tecnologia, a Superintendência de Desenvolvimento Sustentável do Banco do Brasil, a área de Cooperação Social da Fun-dação Oswaldo Cruz-Fiocruz, entre outros entusiastas desta idéia. A idéia do Arranjo começou a brotar quando o Espaço Casa Viva, contando com o apoio da Agên-cia internacional de Cooperação Social italiana Cesvi, resolveu reativar o prédio do antigo Rancho Studio, na Rua Capitão Bragança, em Manguinhos. Este estúdio foi fechado, entre outros motivos (entre os quais está o quadro de violências que assola esta região), devido à alteração do padrão tecnológico deste mercado, e a falta de capacidade de investimento/endividamento de micro, pequenos e médios empreendedores. O prédio, que já recebeu artistas famosos como Tim Maia e Ney Matogrosso, fi cou fechado durante 5 anos, e reabriu em 2007, como Espaço Casa Viva de arte e cultura. O lo-cal hoje abriga a Escola de Música de Manguinhos, em parceria com a Sub-reitoria de Extensão e da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro e apoio da Fiocruz, entre outras iniciativas como a Ofi cina Portinari de artes plásticas, reforço escolar, tv comunitá-ria, entre outros. O Arranjo prevê investimentos na capacitação de empreendimentos, na área cultural, já existentes em Manguinhos, e a constituição: de Estúdio-Escola, para a formação de técnicos para atuarem como produtores, técnicos de som e de estúdio, de um Estúdio de Pro-dução, como empresa sócio-cultural, e de uma Rádio, produzida na inter-relação entre os empreendedores do Arranjo que, além de promoverem a inserção qualifi cada de músicos e de gerarem demandas para outros empre-endimentos deste segmento, para a produção de vídeo-clipes, junto a ATreVer – TV Comunitária, entre outras possibilidades de cruzamento de oferta e demanda de serviços potencializadas pelas perspectivas do Arranjo, que traz em si outras tecnologias sociais agregadas. A idéia de uma Rádio Multifrequência (da web à caixinha

de som) vem sendo discutida, recentemente, no grupo de trabalho que está desen-volvendo o Arranjo. Esta matriz tecnológica está na contramão dos processos de descapitali-zação desta região, em uma perspectiva otimista, que se opõe às tendências do-minantes, em que a luta coletiva pela constituição de novos sistemas de produção, trabalho e renda pode contribuir com o auto-desenvolvimento sócio-econômico de comunidades historicamente pauperizadas e minorizadas desta região. Desde a década de 20, Manguinhos é reconhecida como bairro industrial, inclusive por seus ‘recursos hídricos’ (ver mais pág.4). Durante as décadas de 50 e 70, um novo impulso de modernização in-dustrial foi fundamen-tal para a ocupação e formação do atual terri-tório de Manguinhos e de toda esta região. A partir da década de 80, no entanto, esta região sofrerá os impactos da ampliação do poder de classe e monopólio dos grandes capitalis-tas internacionais e da dependência das eco-nomias nacionais, dos Estados ao grande capital internacional, que, ‘livre’, desre-gulamentado, fará sentir seu domínio em cada lar, de forma direta, como consumo e/ou como exploração, degradação e miséria. Com todo o avanço tecnológico da globalização e da civilização, a situação de miséria não é sequer uma condição transitória, mas uma situação estrutural que se reproduz nas práticas políticas clien-telistas, coronelistas, eleitoreiras, de exploração/indústria da miséria (ver pág. 3).

Arte e Tecnologia na contramão

imPACtados

Neste debate, como em outros de que parti-cipamos no FSU, a principal conclusão foi que: a tendência dominante de produção da cidade como espaço do grande capital se mantêm do-minante e com práticas de gestão da miséria que não correspondem ao discurso civilizató-rio, como reprodução de territórios de exceção.

Consulta pública feita pelo Fórum de Man-guinhos, com o apoio do LabDHM/RedeCCAP e da Fase, encontrou mais de 10 tipos de vio-lação institucionalizada do direito à habitação (ver abaixo) em Manguinhos na atualidade, entre outros casos de violação do direito à ci-dade (ver ao lado) pelo PAC-Favelas. Estas violações, associadas à cobrança de tarifas por serviços essenciais (com o conseqüente endividamento das famílias mais pobres) e a valorização imobiliária, induzida pelas obras, são fatores que contribuem para a expulsão indireta (gentrifi cação) dos mais pobres para áreas mais distantes e/ou inóspitas/irregulares/sub-normais da cidade.

Dezenas de moradores de Manguinhos, que tiveram a estrutura de suas casas con-denada pela Defesa Civil municipal, foram ‘encaminhados’ pela Secretaria Municipal de Habitação para regiões distantes como Campo Grande ou Vila Cosmos, na zona oeste subur-bana. Os moradores afi rmam que as rachadu-ras surgiram com as obras do PAC: devido às escavações, peso e trepidação das máquinas. Os laudos da Defesa Civil não tratam das cau-sas. O PAC também não fez estudos de impac-to de vizinhaça, o que difi culta a confi rmação e/ou a refutação das denúncias.

Este processo, de gentrifi cação, fi ca mais

evidente, como violação institucionalizada dos direitos de grupos minorizados, quando reco-nhecemos as lutas e resistências que reconfi -guram este processo. Um dos exemplos mais contundentes deste confl ito é o número de no-vas unidades habitacionais (NUH) previsto no projeto original do governo do estado para o PAC-Manguinhos e o resultante de audiências públicas e das negociações entre as autorida-des estaduais, da Caixa Econômica Federal e do Ministério das Cidades: eram previstas, no projeto original do Estado, até 500 NUHs, este número saltou para cerca de 2 mil (300% a mais), o que reduziu, expressivamente, as pressões pela expulsão direta (como remoção) dos moradores desta região.

Os investimentos do PAC-Manguinhos pri-vilegiam a relação entre o Estado e o grande capital, representado pelas grandes empreitei-ras, quando deveriam induzir o cooperativismo e a elevação da capacidade de transferência de renda social pública para seus sujeitos de direitos, as comunidades minorizadas. Sem alterar substantivamente as condições de pau-perização destas comunidades, a valorização desta região, com sua integração forçada à lógica do grande capital, no horizonte dos me-gaeventos, levará, necessariamente, à expul-são dos mais pobres e vulneráveis até 2016, ao menos...

MORADIA E CIDADE X( )

Durante cerca dois anos, pesquisa-dores e ativistas de movimentos sociais das comunidades de Manguinhos, do Alemão, da Rocinha, do Santa Marta, entre outros, da Baixada Fluminense, da Ilha do Fundão vêm reconhecendo denúncias graves de violações de direitos à moradia digna, ao saneamento e à cidade. Ao longo deste processo coletivo de estudo, mapeamos mais de uma dezena de violações do direito à habitação entre outras, prioritárias, do direito à cidade praticadas por ação ou omissão do Estado brasileiro no âmbi-to do PAC-Manguinhos. Este processo de estudo/formação e constituição de estratégias coletivas vem en-volvendo organizações da sociedade como a Fase, uma organização social de abrangência nacional e reconhecimento internacional, com 50 anos de história de luta pela democracia participativa e pelos direitos, o Laboratório de Direitos Humanos de Manguinhos/RedeCCAP, o Raízes em Movimento do Complexo do Ale-

mão, a representação da Fundação Bento Ru-bião na Rocinha, pesquisadores do Instituto de Planejamento Urbano e Regional-IPPUR da Universidade Federal do RJ-UFRJ e das Escolas Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca-ENSP e Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio-EPSJV da Fundação Oswaldo Cruz, entre outras organizações e redes de atores coletivos, como o Fórum do movimento social de Manguinhos, o Comitê de Desenvolvimento da Serra da Misericórdia, o Conselho Popu-lar, o movimento Pró-Fórum Social Urbano, o Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas, a Pastoral de Favelas da Igreja Católica, entre outros. Deste encontro, da solidariedade entre pesquisadores, ativistas e da resistência e or-ganização das vítimas destes ‘mega-projetos’ de ‘urbanização’ está nascendo a Rede dos ImPACtados do RJ. Os processos mapeados na tipologia das violações de direitos pelo PAC contra comunidades favelizadas são impor-

[Luta das minorias promove acoes em Redes]

tantes para a compreensão das estratégias de reprodução do modelo dominante de cidade global e para o desenvolvimento de formas de resistência jurídica, política e social de deze-nas de comunidades que estão ameaçadas e/ou já foram removidas no horizonte dos mega-eventos esportivos internacionais.

Expulsão indireta de inquilinosTipo de Violação: Famílias inteiras de in-quilinos foram obrigadas a deixar os imó-veis, sem qualquer direito ao exercício de seu direito à moradia digna, ou compen-sação, ou reparação, pressionadas, indi-retamente, pelas ‘práticas sociais’ do PAC-Manguinhos.

Casa de Pobre para PobresTipo de Violação: Materiais de baixa quali-dade e falta de controle tecnológico da obra das novas unidades habitacionais do PAC, ausência de rejuntamento em alguns pontos, com propensão a absorção de umidade e deterioração acelerada, com riscos à saúde, revestimento inadequado.

Processo de Gentrifi cação Induzido pelo EstadoTipo de Violação: Cobrança excessiva de tarifas por serviços essenciais, gerando endividamento e exclusão social de seg-mentos/famílias de baixa renda (até 5 sa-lários mínimos por família) sem perspec-tivas de geração qualifi cada de trabalho e renda para estas comunidades historica-mente pauperizadas e minorizadas.

Demolições de Casas Geminadas como CoerçãoTipo de Violação: Coerção contra os mora-dores no processo de negociação/reassen-tamento, pela demolição das edifi cações ao seu redor, com graves danos as condi-ções de vida e riscos à saúde.

DIREITOS VIOLADOS

COMITÊ CONTRA POLUIÇÃO DOS RIOS

JUVENTUDES E DIREITOS

LABORATÓRIO DE DIREITOS HUMANOS DE MANGUINHOS - LABDHM/REDECCAP

O LabDHM começou a ser gestado em 2003, no processo de constituição do movimento de comu-nidades favelizadas do estado do Rio de Janeiro contra a violência institucionalizada, a Rede Con-tra a Violência, e na construção coletiva de pro-postas para a 10ª Conferência Nacional de Direi-tos Humanos.Em 2005, participamos intensivamente da con-strução do Caminho da Paz Com Garantia de Di-reitos: ação afi rmativa que transformou a Avenida Leopoldo Bulhões - reconhecida como ‘Faixa-de-Gaza’ (território marcado pelo confl ito entre Israel e a Palestina) por fatos de extrema violência - em uma área de cultura, lazer e cidadania, reunindo milhares de moradores de Manguinhos.No processo de constituição horizontal e par-ticipativa deste ‘Caminho’, emerge o movimento Agenda Redutora das Violências no local (2005), fundamental para a articulação do FóruM do Movimento Social de Manguinhos, como espaço de formação e fortalecimento do tecido social, como rede de solidariedade e luta por Justiça so-cial! O FóruM foi e é um dos vetores fundamentais do processo de produção do PAC-Manguinhos, como conquista social! O coletivo de pesquisação em Direitos Humanos de Manguinhos institui, formalmente, o LabDHM, em 10 de dezembro de 2008, durante o processo de participação e avaliação crítica do PAC-Man-guinhos, como forma de reprodução de territórios de exceção.A missão do LabDHM é promover ações integra-das de formação, pesquisação, análise crítico-propostiva de políticas públicas, promoção de redes e tecnologias sociais de produção, gestão democrática, subjetivação e exigibilidade dos di-reitos humanos para o desenvolvimento social de Manguinhos, principalmente junto ao segmento juvenil, para a promoção do protagonismo de gru-pos sociais historicamente minorizadas.O LabDHM faz parte de uma Rede de Empreendi-mentos Sociais para o Desenvolvimento Democ-rático, Solidário, Eqüitativo e Sustentável – a RedeCCAP -, que mantêm entre si relações de autonomia, compromisso ético-político e gestão compartilhada em rede, cuja história nos remete ao início da década de 80, à luta pela redemocra-tização da sociedade e pela soberania alimentar, nutricional, econômico-política e sócio-cultural de comunidades favelizadas da região metropolitana norte-leopoldinense do RJ.

http://www.redeccap.org.br

DEMOCRACIA E TERRITÓRIO: PODER LOCAL EM QUESTÃO

A instituição de espaços e órgãos territorializados de participação da comunidade na gestão de políticas pú-blicas poderá gerar um sistema de governança (poder) local inovador e capaz de superar as práticas cliente-listas de fragmentação e verticalização das relações de poder no local, contra a reprodução de territórios de exceção como processo de minorização social. A luta dos movimentos sociais pela gestão demo-crática, ainda que sofra retrocessos históricos, como na gestão social do PAC-Favelas/RJ, têm produzido avanços signifi cativos, fundamentais para a sustenta-bilidade dos investimentos sociais.Em debate no FóruM, no dia 22 de março deste ano, o coordenador de Articulação Institucional do Trabalho Social do PAC-Manguinhos Alex Vargas apresentou um novo modelo de gestão compartilhada de políticas e equipamentos públicos. O modelo de gestão propos-to por ele reconhece a importância histórica e a cen-tralidade do Fórum de Manguinhos para este modelo. Ainda que este reconhecimento ocorra já no período fi -nal das obras, ele poderá ser estruturante da constitui-ção de um conselho gestor territorializado de políticas públicas de desenvolvimento sócio-econômico.Em abril, o Centro de Saúde Escola da Fiocruz-CSE-GSF deu posse ao seu conselho gestor (deliberativo e paritário), até agosto deste ano será constituído o Conselho Gestor Intersetorial da política pública de atenção à saúde no território, do projeto Teias Esco-la Manguinhos. Este processo de constituição do CGI vem sendo pactuado pela ENSP, gestora do Teias no local, com o FóruM de Manguinhos, desde 2009. Estes conselhos deverão possibilitar a participação di-reta das comunidades na constituição e gestão territo-rializada das políticas públicas em saúde.O LabDHM têm participado diretamente destes pro-cessos, como co-organizador de conferências, formu-lador e mobilizador de propostas de constituição de conselhos e no monitoramento e avaliação de políticas públicas. Um dos jovens participantes destes ‘labora-tórios de gestão democrática’ do LabDHM André Luiz Deodoro foi eleito conselheiro instituinte do conselho gestor do CSEGSF: ‘nosso desafi o é produzir um man-dato coletivo, mobilizando e qualifi cando a participação da juventude de Manguinhos’.

No dia 11 de junho (sábado), o movimento Pró-Comitê dos Rios Faria-Timbó, Jacaré e do Canal do Cunha (sub-bacia hidrográfi ca) fará o seu 1° Encontro de arti-culação. O evento será na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio-Fiocruz, na Av. Leopoldo Bulhões, 1480 - Manguinhos, das 9h às 17h. O LabDHM/RedeCCAP é um dos organizadores do movimento Pró-Comitê. Quem quiser participar pode se inscrever entrando em contato pelo e-mail: [email protected]; [email protected] (Orkut); ou pelo te-lefone 2281-6430. As vagas são limitadas!