abramo - favela e mercado informal

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  • 7/21/2019 ABRAMO - Favela e Mercado Informal

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    HABITAREPrograma de Tecnologia de Habitao

    COLEO HABITARE

    FAVELA E MERCADO INFORMAL:A nova porta de entrada dos pobres

    nas cidades brasileiras

    Coordenador

    Pedro Abramo

  • 7/21/2019 ABRAMO - Favela e Mercado Informal

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    Coordenador

    Pedro Abramo economista pela Universidade

    Federal Fluminense (1982), com mestrado em

    Planejamento Urbano e Regional pela

    Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988) e

    doutorado em Economia cole des Haustes

    tudes en Sciences Sociales (1994). Atualmente

    professor no curso de ps-graduao daUniversidade Federal do Rio de Janeiro, professor

    visitante da Universidade de Newcastle e professor

    adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

    Tem experincia na rea de Planejamento Urbano

    e Regional, com nfase em Fundamentos do

    Planejamento Urbano e Regional, atuando

    principalmente nos seguintes temas: planejamento

    urbano, estruturao intraurbana, mercado

    imobilirio, dinmica imobiliria e favelas.

    Atualmente coordena o Observatrio Imobilirio e

    de Polticas do Solo e coordenador geral das

    redes de pesquisa INFO-Rio, Infosolo e

    Infomercados.

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    Coleo HABITARE / FINEP

    FAVELA E MERCADO INFORMAL:a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

    CoordenadorPedro Abramo

    Porto Alegre2009

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    Coordenador da ColeoPedro Abramo

    Autores da Coleo (em ordem alfabtica)

    Adriana Parias Durn, Ana Claudia Duarte Cardoso, Andrea Pulici, AngelaGordilho Souza, ngela Luppi Barbon, Anna Carolina Gomes Holanda,Daniela Andrade Monteiro, Emlio Haddad, Jos Jlio Ferreira Lima, JuliaMorim Melo, Mara Cristina Cravino, Maria Ins Sugai, Neio Campos,Norma Lacerda, Pedro Abramo e Ricardo Farret.

    Texto da capaArley Reis

    RevisoGiovanni SeccoIsabel Maria Barreiros Luclktenberg

    Projeto grficoRegina lvares

    Editorao eletrnicaAmanda Vivan

    Imagem da capaReproduo da obra de Candido Portinari Favela, de 1958, pintura aleo sobre madeira, 66 x 100 cm.

    Fotolitos, impresso e distribuioCOAN Indstria Grficawww.coan.com.br

    Catalogao na Publicao (CIP).

    Associao Nacional de Tecnologia do Ambiente Construdo (ANTAC).

    Abramo, Pedro

    A161f Favela e mercado informal: a nova porta de entradados pobres nas cidades brasileiras/Org. Pedro Abramo

    Porto Alegre : ANTAC, 2009. (Coleo Habitare, v. 10)

    336 p. ISBN 978-85-89478-35-9

    1.Habitao de Interesse Social. 2. Favela I. Abramo, Pedro.II. Srie

    CDU: 728.222

    2009 Coleo HABITAREAssociao Nacional de Tecnologia do Ambiente Construdo ANTACAv. Osvaldo Aranha, 99 3 andar CentroCEP 90035-190 Porto Alegre RSTelefone (51) 3308-4084 Fax (51) 3308-4054

    Financiadora de Estudos e Projetos FINEP

    PresidenteLuis Manuel Rebelo Fernandes

    Diretoria de InovaoEduardo Moreira da Costa

    Diretoria de Administrao e FinanasFernando de Nielander Ribeiro

    Diretoria de Desenvolvimento Cientfico e TecnolgicoEugenius Kaszkurewicz

    rea de Tecnologias para o Desenvolvimento Social ATDS

    Marco Augusto Salles TelesGrupo Coordenador Programa HABITARE

    Financiadora de Estudos e Projetos FINEPCaixa Econmica Federal CAIXAConselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CNPqMinistrio da Cincia e Tecnologia MCTMinistrio das CidadesAssociao Nacional de Tecnologia do Ambiente Construdo ANTACServio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas SEBRAEComit Brasileiro da Construo Civil da Associao Brasileira de Normas

    Tcnicas COBRACON/ABNTCmara Brasileira da Indstria da Construo CBICAssociao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Planejamento Urbanoe Regional ANPUR

    Apoio Financeiro

    Financiadora de Estudos e Projetos FINEPCaixa Econmica Federal CAIXA

    Apoio institucional Rede Infosolo

    Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ

    Universidade de Braslia UnB

    Universidade de So Paulo USP

    Universidade Federal da Bahia UFBA

    Universidade Federal de Pernambuco UFPE

    Universidade Federal de Santa Catarina UFSC

    Universidade Federal do Par UFPA

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS

    Editores da Coleo HABITARE

    Roberto Lamberts - UFSCCarlos Sartor FINEP

    Equipe Programa HABITARE

    Ana Maria de SouzaAngela Mazzini Silva ESTE LIVRO DE DISTRIBUIO GRATUITA.

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    Sumrio

    Introduo

    Mercado imobilirio informal: a porta de entrada nas favelas brasileiras _________________________________________4Pedro Abramo

    1 O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobresnas grandes cidades: um marco metodolgico _______________________________________________________________14Pedro Abramo

    2 A cidade informal COM-FUSA: mercado informal em favelas e a produoda estrutura urbana nas grandes metrpoles latino-americanas _______________________________________________48

    Pedro Abramo3 Ocupao urbana e mercado informal de solo em Salvador _________________________________________________80

    Angela Gordilho Souza e Daniela Andrade Monteiro

    4 Mercado imobilirio informal de habitao na Regio Metropolitana do Recife _______________________________112Norma Lacerda e Julia Morim Melo

    5 Consideraes sobre o mercado imobilirio informal na Regio Metropolitana de Belm ______________________140Ana Claudia Duarte Cardoso, Anna Carolina Gomes Holanda e Jos Jlio Ferreira Lima

    6 H favelas e pobreza na Ilha da Magia? ________________________________________________________________162Maria Ins Sugai

    7 Vende-se uma casa: o mercado imobilirio informal nas favelas do Rio de Janeiro ___________________________ 200Pedro Abramo e Andrea Pulici

    8 Mercado Informal de imveis em So Paulo: estudo emprico da compra,

    venda e aluguel de imveis em quatro favelas ______________________________________________________________226Emlio Haddad e ngela Luppi Barbon

    9 Mercado imobilirio em assentamentos informais no Distrito Federal_______________________________________ 242

    Neio Campos e Ricardo Farret

    10 El nuevo horizonte de la informalidad en el rea Metropolitana de Buenos Aires ____________________________272Mara Cristina Cravino

    11 Mercado informal de suelo en los barrios populares de Bogot:claves para entender el crecimiento de la metrpolis _______________________________________________________ 304Adriana Parias Durn e Pedro Abramo

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    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

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    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

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    Introduo

    Pedro Abramo (coordenador)

    Introduo

    Mercado imobilirio informal: a porta deentrada nas favelas brasileiras

    D

    e forma sucinta, podemos identicar duas grandes lgicas do mundo moderno de coordenao social das

    aes individuais e coletivas, que se consolidaram como dominantes a partir da construo dos Estados

    nacionais e da generalizao da lgica mercantil como forma de acesso aos bens materiais e imateriais

    produzidos. A primeira lgica atribui ao Estado o papel de coordenador social das relaes entre os indivduos e os gru-

    pos sociais, e sua funo de mediador social dene a forma e a magnitude do acesso riqueza da sociedade. A literatura

    se refere a essa perspectiva como a tradio contratualista.

    Uma segunda lgica de coordenao social da sociedade moderna denida pelo mercado onde o acesso a ri -

    queza social mediado predominantemente por relaes de troca contabilizadas por grandezas monetrias. O acesso

    ao solo urbano a partir da lgica do Estado exige dos indivduos ou grupos sociais algum acmulo de capital, que pode

    ser poltico, institucional, simblico ou de outra natureza, de tal forma que permita o seu reconhecimento como parte

    integrante da sociedade e do seu jogo de distribuio das riquezas sociais. A lgica de mercado unidimensional em

    relao ao requisito para ter acesso terra urbana: a possibilidade e magnitude de acesso terra est diretamente relacio-

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    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

    nada grandeza do capital monetrio acumulado pelos

    indivduos ou grupos sociais. Porm, a lgica de mercado

    de acesso terra urbana pode adquirir duas formas insti-

    tucionais diferentes. A primeira delas est condicionadapor um marco normativo e jurdico regulado pelo Esta-

    do, na forma de um conjunto de direitos que estabelecem

    o marco das relaes econmicas legais.

    As prticas econmicas que se estabelecem fora da

    forma de regulao institucional do Estado de Direito e

    dos seus sistemas de controle, recursos e punio podem

    ser denidas, em uma primeira aproximao, como prti-

    cas econmicas informais. Essas relaes, quando recor-

    rentes e asseguradas por alguma forma de regulao ins-

    titucional paralela aos direitos, podem dar surgimento a

    um mercado, isto , um encontro regular de compradores,vendedores de bens e servios, cujas transaes mercantis

    se reproduzem a partir de certa liberdade de ao e deciso

    dos seus participantes. Nesse caso, teramos um mercado

    ou economia informal, um mercado que no estaria regu-

    lado pelo sistema de direitos do Estado de Direito, mas que

    garantiria o acesso a bens e servios pela via de uma tran-

    sao monetria e/ou mercantil. No caso do acesso ao solo

    urbano, encontramos nas grandes cidades brasileiras e la-

    tino-americanas um mercado de terra urbana que no est

    sujeito e regulado pelos direitos urbansticos, de proprieda-

    de, tributrio e comercial, nas suas prticas de comerciali-

    zao e de locao de bens e servios habitacionais.

    Neste livro vamos denominar essas prticas mercan-

    tis de mercado informal de solo. Apesar de o mercado in-

    formal de solo transacionar bens fundirios (solo urbano ou

    periurbano) e imobilirios (solo com benfeitorias), a sua baseterritorial, por denio, uma propriedade que no respeita

    os preceitos do direito de propriedade e/ou urbanstico, e

    assim assume uma dimenso de informalidade urbana.

    Nos pases latino-americanos, bem como em parte

    signicativa da frica e da sia, a urbanizao aceleradado ps-guerra, as disparidades sociais e as enormes di-

    culdades nanceiras dos Estados nacionais desses pases

    deram surgimento a uma terceira lgica social de acesso

    terra urbana, a qual vamos nominar de lgica da ne -

    cessidade (ABRAMO, 2009). A lgica da necessidade

    simultaneamente a motivao e a instrumentalizao so-

    cial que permite a coordenao das aes individuais e/

    ou coletivas dos processos de ocupao do solo urbano.

    Diferentemente das outras duas lgicas, o acesso ao solo

    urbano a partir da lgica da necessidade no exige um ca-

    pital poltico, institucional ou pecunirio acumulado; emprincpio, a necessidade absoluta de dispor de um lugar

    para instalar-se na cidade seria elemento suciente para

    acionar essa lgica de acesso terra urbana.

    Ao longo do processo de urbanizao acelerada

    dos anos 50 a 80, a Amrica Latina viu a lgica da ne-

    cessidade promover um grande ciclo de acesso ao solo

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    Introduo

    urbano pela via das ocupaes populares. Essas ocupa-

    es produziram os assentamentos populares informais,

    que podem se chamar favelas no Brasil, villasmisriana

    Argentina,barrios

    na Colmbia e no Mxico, ranchosna Venezuela, barriadasno Peru ou uma constelao de

    outras metforas, adjetivaes ou o que seja, mas todas

    apresentam o mesmo marco de fundao, a part ir de uma

    ocupao popular que se consolida mediante processos

    de autoconstruo e de autourbanizao. A trajetria

    desses assentamentos o resultado individual, familiare coletivo da lgica da necessidade no acesso ao solo e a

    outros servios e equipamentos urbanos.

    As cidades latino-americanas revelam em sua estru-

    tura intraurbana e cartograa socioespacial o funcionamen-

    to das trs lgicas de coordenao social que identicamosacima. Um olhar ou um passeio nas ruas, bairros, centros

    e periferias das grandes metrpoles latino-americanas per-

    mitem uma primeira impresso: semelhanas... No temos

    dvida das marcas histricas e dos processos sociais dife-

    renciados em cada uma dessas metrpoles, mas a marca

    (fsica, social, poltica, cultural e, em muitos casos, tnica)

    do funcionamento simultneo das trs lgicas de acesso ao

    solo urbano permite uma primeira aproximao pela mo

    da identidade das suas estruturas de usos do solo e do pa -

    dro de segregao socioespacial em relao a equipamen-

    tos e aos servios coletivos urbanos. Essa a identidade

    da desigualdade urbana nas metrpoles latino-americanas,

    uma desigualdade socioespacial que se soma desigualdade

    social em termos de acesso riqueza produzida, cultura,

    educao e a outros bens determinantes para a igualdade

    republicana, que constitui uma sociedade de cidadania ple-na a todos os seus membros. Em uma palavra, as cidades do

    continente so verdadeiros territrios da desigualdade.

    Em relao a essa desigualdade estrutural latino-

    americana, estamos seguros de que a sua superao passa

    por identicar e caracterizar de forma ampla a demanda

    popular de solo urbano e por qualicar as formas insti-

    tucionais de regulao da reproduo socioespacial dos

    territrios (assentamentos) da desigualdade urbana. Ape-

    sar da importncia real e simblica dos territrios da de-

    sigualdade, os estudos sistemticos e abrangentes sobre

    a produo e a regulao territorial da cidade da infor-malidade (assentamentos populares informais) se restrin-

    gem a estudos monogrcos e qualitativos. A necessidade

    de estudos que contribuam para denir uma taxonomia

    dos vrios processos de produo dos assentamentos po-

    pulares (ocupao, mercados informais de loteamentos,

    mercados informais de solo em reas consolidadas, etc.) e

    uma tipologia dos agentes, estratgias, racionalidades que

    intervm nesses processos fundamental para entender-

    mos a sua lgica de produo e para dar elementos para

    a formulao de polticas pblicas de enfrentamento da

    necessidade de oferta de solo urbano qualicado para os

    setores populares.

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    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

    Os processos de ocupao popular que deram

    origem aos assentamentos informais atuais tendem a

    diminuir de intensidade. As razes so mltiplas para a

    diminuio dos processos de ocupao popular do solourbano nas grandes metrpoles latino-americanas, mas

    Davies (2008, p. 22) sistematiza de forma bastante sint-

    tica essas razes:

    A fronteira da terra livre deixou de existir h

    muito tempo na maioria das cidades em desen-

    volvimento. Certamente, ocupaes clssicas

    ainda existem, mas a maioria est na margem:

    em terras txicas, encostas ngremes e nas mar-

    gens em eroso de crregos poludos onde

    mais difcil transformar a terra em mercado-

    ria. Nos anos 60 e 70, recm-chegados cidade

    (Instambul, Deli , Cidade do Mxico, Lima, etc.)

    tiveram oportunidades para cair de paraque-

    das (como eles dizem no Mxico) em bairros

    ou criar assentamentos porque:

    1. terras perifricas extensivas ainda eram bara-

    tas e frequentemente de titularidade pblica

    ou duvidosa;

    2. em alguns casos a ocupao era encorajada

    para prover mo de obra barata;

    3. elites e partidos estavam vidos por votos

    e apoiadores.

    Ainda segundo o diagnstico de Davies (2008, p.

    22), essas condies no existem mais, e agora, recm-

    chegados e jovens famlias tm que negociar em um mer-

    cado de terras descomunal com poucas esperanas quegovernos permitiro ocupaes ilegais.

    Nesse sentido, identicamos duas grandes la-

    cunas nos estudos sobre a informalidade urbana: o

    mercado informal de solo e as suas formas de funcio -

    namento; e a mobilidade residencial dos pobres nos

    assentamentos informais. Esse o objetivo da consti-

    tuio e consolidao da Rede Infosolo Brasil, que re-

    ne professores e prossionais de vrias universidades

    brasileiras que trabalham o tema da informalidade ur-

    bana nas principais metrpoles brasileiras. O primeiro

    esforo da Rede foi a constituio de banco de dados

    sobre o mercado informal de solo e a mobilidade resi-

    dencial nas favelas.

    A real izao de um projeto de monitoramento do

    mercado imobilirio informal no incio dos anos 90 no

    Rio de Janeiro e o seu desdobramento em dois outrosestudos sobre as favelas na cidade (Avaliao de 10 anos

    de Poltica Pblicas nas favelas cariocas e A dinmica

    econmica da favela: autarquia ou extroverso?) conso-

    lidaram uma nova linha de pesquisa que alguns (SILVA,

    2005; VALLADARES, 2003, 2005) classicam como

    uma abertura inovadora e promissora nos estudos sobre

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    Introduo

    a favela no Brasil. Em 2004, o Programa Habitare permi-

    tiu a constituio de uma rede de pesquisadores nacional

    (Rede Infosolo - BR), que desenvolveu um projeto de le-

    vantar, sistematizar e anal isar os mercados de solo infor-mais nas principais metrpoles do Brasil.

    A partir da metodologia desenvolvida no Rio de

    Janeiro e do apoio do Programa Habitare, a Rede Info-

    solo decidiu aplicar os mesmos critrios metodolgicos

    desenvolvidos nos estudos sobre as favelas cariocas emoutras cidades brasileiras. A denio das cidades que

    seriam estudadas obedeceu ao critrio a seguir apresen-

    tado. Em primeiro lugar, deveramos ter no estudo as

    duas maiores metrpoles brasileiras (Rio de Janeiro e So

    Paulo). Em seguida, optamos por escolher as principais

    metrpoles regionais seguindo o critrio das macrorre-

    gies brasileiras. Nesse sentido, denimos Porto Alegre,

    Salvador, Recife, Belm e Braslia como as metrpoles

    regionais do estudo e escolhemos uma rea metropolita-

    na intermediria e relativamente recente para termos uma

    noo sobre as eventuais diferenas entres as escalas eas temporalidades do problema da informalidade urba-

    na. No nosso caso, escolhemos a cidade de Florianpolis

    como metrpole intermediria e emergente. O projeto

    envolveu universidades federais de oito cidades brasilei-

    ras, administraes locais (Prefeitura) e regionais (Gover-

    no Estadual) e ONGs.

    O trabalho de levantamento de dados nas in-

    meras favelas pesquisadas permitiu a consolidao do

    primeiro Banco de Dados sobre o Mercado Informal de

    Solo (MIS) Urbano e mobilidade residencial em assenta-mentos populares informais (API) com dimenso nacio-

    nal. O Banco Infosolo - BR um resultado relevante para

    o conhecimento da realidade dos API e permite algumas

    estilizaes do comportamento do mercado para avaliar

    eventuais polt icas urbanas. O grande esforo empreendi-

    do para a consolidao desse banco de dados e do capital

    acadmico e metodolgico acumulado na forma de rede

    de pesquisa no deve ser perdido. Nesse sentido, apre-

    sentamos os primeiros resultados da Rede Infosolo neste

    livro. Como veremos ao longo dos inmeros captulos, as

    formas de apresentar o problema da informalidade urba-

    na e em particular do mercado informal de solo revelam

    uma dupla dimenso de similitudes e diferenas, e ser

    essa dupla caracterstica que esperamos desenvolver nos

    prximos trabalhos da Rede Infosolo. A ampliao do

    escopo da pesquisa para outras cidades latino-americanas

    possibilitou o primeiro banco de dados latino-americanosobre o MIS (INFOMERCADO_AL). Introduzimos no

    livro dois captulos que nos trazem a experincia de outras

    metrpoles do continente. Os captulos sobre Buenos Ai-

    res, de Maria Cristina Cravino, e Bogot, de Adriana Pa-

    rias Durn, trazem as caractersticas dos mercados infor-

    mais nessas duas grandes metrpoles latino-americanas e

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    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

    utilizam os mesmos critrios metodolgicos que a Rede

    Infosolo utilizou no seu estudo sobre o Brasil.

    A equipe que se rene neste livro est convenci-

    da da gravidade do problema da informalidade urbana e

    da necessidade de promover de forma ampla polticas de

    democratizao do acesso dos pobres terra urbana. Para

    tal, esse grupo de acadmicos latino-americanos desen-

    volveu os textos aqui apresentados, com o intuito de abrir

    uma reexo sobre as novas formas de reproduo da in-

    formalidade urbana e de oferecer um diagnstico e, so-

    bretudo, instrumentos efetivos para concretizar polticas

    redistributivas da terra em nvel urbano que permitam re-

    duzir as fortes desigualdades nas grandes cidades. A pro-

    posta deste livro uma continuidade de uma trajetria

    de pesquisas e de intercmbio acadmico e intelectual na

    escala nacional e latino-americana, e serve para dar um

    salto de qualidade nos projetos que temos desenvolvido

    ao longo dos ltimos dez anos.

    Estamos seguros que a publicao deste livro abre

    novos horizontes para o entendimento das estratgias po-pulares de construo e reproduo das cidades populares

    nas metrpoles brasileiras. Esperamos que esses resulta-

    dos sirvam para os mltiplos atores que atuam na supera-

    o dos territrios das desigualdades das nossas cidades e

    instrumentalizem o poder pblico e a sociedade civil na

    construo de cidades mais igualitrias e democrticas.

    Agradecimentos

    Antes de darmos incio ao nosso percurso nas

    ruas, vielas, becos, lajes, praas, bares e outros recantos

    do universo das favelas brasileiras, que os captulos que

    se seguem nos proporcionam, gostaria de fazer justia

    a algumas pessoas e instituies que conaram nessa

    aventura acadmica de percorrer muitas favelas brasilei-

    ras para coletar informaes sobre o mercado informal

    e a mobilidade residencial nos assentamentos populares

    informais. Este livro e os trabalhos que deram origem

    a ele so o primeiro resultado da Rede Infosolo Bra-

    sil, que foi nanciada pelo Programa HABITARE, da

    FINEP e Caixa Econmica Federal. Encontramos na

    FINEP o apoio constante de Carlos Sartor e de Ana

    Maria de Souza, que dividiram durante dois anos cadapasso do nosso trabalho de campo e permitiram uma

    ampla l iberdade no desenvolvimento do projeto que deu

    origem a este livro.

    Este livro no teria vindo ao mundo sem o entu-

    siasmo e a conana de Roberto Lamberts e da Antac.

    Desde o primeiro momento, Lamberts foi incisivo e deci-

    sivo: Temos que publicar os resultados do trabalho para

    que a sociedade faa uso dessas informaes. A tarefa de

    difuso e do amplo acesso informao como uma prti-

    ca da democracia um compromisso do amigo Lamberts

    que nos emociona e que nos contagia. Um agradecimento

    especial a Regina lvares, que com muita pacincia e de -

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    11

    Introduo

    dicao preparou a edio deste livro, e a Arley Reis, que

    sempre foi uma entusiasta do projeto.

    Gostaria de agradecer a FAPERJ pela conana e

    apoio aos nossos trabalhos, bem como ao CNPq. Tam-

    bm agradeo ao IPPUR-UFRJ pelo apoio e ambiente

    acadmico estimulante. Sem o apoio dessas instituies

    nosso projeto estaria apenas no desejo de uma dezena

    de acadmicos.

    Ao m do livro agradecemos s inmeras pes-soas que trabalharam no projeto original coletando os

    dados de campo em mais de uma centena de favelas

    pesquisadas. Foi a dedicao e a coragem dessa rapazia-

    da que permitiu a realizao deste livro e das eventuais

    publicaes que o seguiro. Essa rapaziada de campo

    enfrentou sol, chuva, lama, igaraps, barranco, polcia

    e bandido. Essa rapaziada, que subiu e desceu inmeras

    vezes as favelas desse Brasi l armada com as suas pastas

    abarrotadas de questionrios e com o uniforme que os

    identicava como pesquisadores, na favela aprendeu

    com a sabedoria popular e desfrutou da sua generosida-de e pacincia.

    O uniforme que dava a luz verde aos nossos sol-

    dados da pesquisa cou guardado no armrio da mem-

    ria de cada um deles, bem como as inmeras histrias de

    vida que escutaram nos lares das favelas brasileiras. Os

    cafs e bolos de milho que a gentileza da populao das

    favelas oferecia aos nossos soldados espero que se trans-

    formem em histrias para contar aos seus netos. Enm,

    boas lembranas, como tambm as correrias quando a

    barra pesava e, entre tiros, nossos soldados partiam emretirada forada. A essa moada brasileira, a esses jovens

    universitrios e aos jovens da favela que participaram da

    pesquisa, a esses jovens que caminharam juntos de porta

    em porta aplicando questionrios, conversando sobre as

    suas diferenas e as suas semelhanas, o nosso obrigado

    e, sobretudo, a nossa esperana que esse encontro de jo-

    vens de universos sociais diferentes seja o caminho do

    futuro brasileiro. Tambm agradecemos aos coordenado-

    res de campo e aos nossos guias nas favelas, gente que a

    cada dia preparava o campo para a moada subir e descer

    os recantos da favela.

    Mas no h soldados sem generais e aqui eu quero

    reconhecer a dedicao e o esforo de cada um dos coorde-

    nadores acadmicos da Rede Infosolo. Obrigado s nossas

    mulheres generais: Ana Claudia Duarte Cardoso, Angela

    Gordilho, Maria Ins Sugai, Norma Lacerda. Obrigado

    aos generais masculinos: Jos Julio Ferreira Lima, Joo

    Rovatti, Lino Peres, Emlo Haddad, Neio Campos e Ri-

    cardo Farret. Todos foram a nossa inteligncia estratgica

    no trabalho de campo, tabulao e anlise.

    Como todos sabem, no h inteligncia estratgi-

    ca sem o esforo dirio, a luta contnua e continuada de

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    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

    aguentar e continuar; aguentar e continuar e continuar,

    mesmo quando o desnimo e o cansao esto prestes a

    impor a sua inexorvel paralisia. Aqui se impe a nossa

    dama de ferro da Rede Infosolo. Por sua dedicao epersistncia, tenho o dever de agradecer companheira

    de trabalho e amiga de sempre Andrea Pulici. Ela a

    responsvel pela existncia deste livro. Andrea, grvida

    de Lucas, percorrendo cidades do Norte ao Sul do Brasil

    para treinar pesquisadores e unicar os critrios metodo -

    lgicos da coleta de dados, entrando e saindo de favelas

    com a sua enorme barriga de mulher grvida. Nossa mu-

    lher coragem nos ensinou a importncia da persistncia

    e da coragem. Andrea, mulher brasileira, obrigado! No

    tenho dvida de que o meu obrigado a Andrea tem um

    enorme coro de vozes de Porto Alegre a Belm do Par,mas eu, que passei por duas cirurgias cardacas ao longo

    deste projeto, me permito dar um obrigado particular ao

    apoio e dedicao amiga de Andrea Pulici.

    Enm gostaria de agradecer a Arantxa Rodriguez,

    que esteve ao meu lado como companheira e que me per-

    mitiu atravessar desertos e oceanos para chegar ao m

    deste projeto. Arantxi, gracias por todo.

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    Introduo

    Referncias bibliogrficas

    ABRAMO, P. Favela e o capital misterioso: por uma teoria econmica da favela (no prelo).

    DAVIS, M. Entrevista por Otlia Fiori Arantes, Ermnia Maricato, Mariana Fix e Michael Lwy. Revista Margem

    Esquerda, Boitempo, n. 12, 2008.

    SILVA, M. L. P. Favelas cariocas (1930-1964). Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. v. 1. 239 p.

    VALLADARES, Licia do Prado; MEDEIROS, L. . Pensando as favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume

    Dumar, 2003. 479 p.

    VALLADARES, Licia do Prado.A inveno da favela. Rio de Janeiro: FGV, 2005. v. 1. 204 p.

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    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

    141.Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

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    O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico

    Pedro Abramo

    1.O mercado informal de solo em favelas

    e a mobilidade residencial dos pobresnas grandes cidades: um marco metodolgico

    Introduo1

    Como enfatizamos na apresentao deste livro, este trabalho e os que se seguem apresentam os primeiros

    resultados de um estudo emprico realizado sobre os mercados informais de solo (MIS) nos assentamentos

    populares informais (APIs) consolidados escolhidos em oito cidades brasileiras: Rio de Janeiro, So Paulo,

    Porto Alegre, Florianpolis, Salvador, Recife, Braslia e Belm (ABRAMO/REDE INFOSOLO, 2006).2

    Este texto est dividido em quatro partes. Na primeira parte apresentamos uma breve resenha sobre o vazio tem-

    tico na literatura dos estudos urbanos sobre o mercado informal de solo e avanamos alguns elementos metodolgicos

    e conceituais para a identicao da segmentao e formas de funcionamento do mercado informal de solo nos assen -

    1

    Alguns pargrafos deste texto so reprodues de partes do livro O capital misterioso: a teoria econmica da favela (ABRAMO, 2009).2 O estudo permitiu a constituio da Rede Infosolo-BR e teve o apoio incondicional do Programa HABITARE da Finep/Caixa Econmica Federal.

    O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico

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    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

    tamentos populares consolidados. Nessa parte no temos

    a preocupao de formular grandes discusses conceitu-

    ais e nos restringimos a sublinhar certos elementos que

    consideramos relevantes para a descrio dos resultados

    empricos que vamos apresentar em seguida.

    A segunda parte se dedica a caracterizar o merca-

    do residencial informal em assentamentos consolidados

    segundo os dois submercados residenciais: o mercado de

    comercializao (compra e venda de imveis informais) e o

    mercado de locao informal. Procuramos estabelecer uma

    abordagem comparativa para identicar os pesos relativos

    de cada um desses submercados em cada uma das cidades

    brasileiras pesquisadas.

    Na terceira parte, faz-se uma anlise dos tipos de

    produtos transacionados em cada um dos submercados doMIS e o seu produto dominante nas cidades pesquisadas.

    Todas as vezes que apresentamos resultados da pesquisa

    de campo, procuramos estabelecer uma anlise transversal

    que identique as semelhanas e as diferenas nas caracte-

    rsticas e formas do mercado informal de solo nos assenta-

    mentos populares consolidados. Estamos convencidos de

    que esse estudo pioneiro sobre os mercados informais de

    solo nas cidades brasileiras pode permitir certa inteligibili-

    dade dos processos de produo e de reproduo dos terri-

    trios informais urbanos e abre um debate sobre os instru-

    mentos de poltica urbana necessrios para disciplinar e/ou

    regular esse mercado nas grandes metrpoles brasileiras.

    I.1 O relativo silncio sobre o mercadoinformal de terras: uma reviso sumriada literatura

    Acreditamos que o problema da inteligibil idade da

    congurao intraurbana das grandes cidades brasileiras

    passa por uma problematizao conceitual e vericao

    emprica das formas de funcionamento das trs lgicas de

    coordenao do acesso terra urbana. Assim, propomos

    um breve inventrio das tendncias da literatura sobre o

    uso do solo urbano para chegarmos ao verdadeiro siln-

    cio sobre o objeto de nosso estudo. Nos ltimos 30 anos,

    uma parte importante dos estudos urbanos elegeu a lgica

    do Estado como seu principal objeto de ateno e desde

    os anos 1980 pesquisadores brasileiros tm produzido um

    conjunto signicativo de trabalhos (histricos e conceitu-

    ais) sobre a relao entre o que se convencionou chamar

    na poca a questo do Estado e o urbano. Dos estudos

    inuenciados pelo estruturalismo francs, caracterstico

    dos anos 80, aos estudos da nova historiograa marxista

    de expresso inglesa dos anos 90 temos um enorme painel

    das intervenes do Estado nacional nas cidades onde fo-

    ram identicadas as principais polticas urbanas (habita-

    o, saneamento, transporte, etc.), seus atores e conitos

    e suas consequncias macrossociais. Na leitura da poca,

    a sociedade capitalista, e sua expresso urbana, poderia

    ser lida a partir das relaes entre o capital, o trabalho e

    a forma de manifestao dos conitos e dominao entre

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    O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico

    eles na estrutura jurdico-poltica nos nveis urbano, me-

    tropolitano, regional e nacional.

    A partir da segunda metade dos anos 90, uma par-

    cela signicativa da literatura dos estudos urbanos, sobre-tudo nos pases centrais, que tm na lgica do Estado seu

    objeto de ateno, novamente muda de direo ao incor-

    porar a crise dos Estados nacionais e a recongurao das

    relaes da poltica urbana na escala do global e do local.

    Os estudos seguiram o caminho de retorno a uma leitura

    dos macroprocessos da globalizao e da mundializao

    e suas consequncias urbanas, ou optaram por leituras do

    local incorporando perspectivas neo-hobsianas, comu-

    nitaristas e institucionalistas, para revelar as dimenses

    particulares dos atores, prticas, conitos e perspectivas

    do desenvolvimento em nvel local. Nesse ltimo caso,

    a lgica de Estado na coordenao dos atores para que

    tenham acesso ao solo urbano lida a partir dos concei-

    tos de governana local e urbana e as novas formas de

    cooperao entre o pblico-privado, o pblico-pblico e

    o privado-privado. Os estudos sobre as polticas pblicas

    urbanas tambm procuram incorporar elementos das es-tratgias e racionalidades dos atores e passam a utilizar

    conceitos tais como redes sociais, jogos de poder institu-

    cional e intrainstitucional, para explicar decises de in-

    vestimento e redenio de usos do solo urbano.

    A literatura sobre a lgica da necessidade e do

    acesso ao solo marcadamente latino-americana e toma

    os processos de ocupao como seu principal objeto de

    estudo. Do ponto de vista disciplinar, temos uma bipola-

    ridade ambgua e pendular. Esses estudos podem ser ma-

    joritariamente classicados como estudos da sociologia

    urbana que incorporam alguns elementos do urbanismo

    ou trabalhos urbansticos sobre a extenso da malha ur-

    bana com ambies sociolgicas. Ha um grande nme-

    ro de excees, mas em sua grande maioria so estudos

    monogrcos e, portanto, de casos, que incorporam di-

    menses antropolgicas ou propem articulaes inter-

    disciplinares, mas cuja caracterstica monogrca limita

    consideravelmente uma perspectiva universalista de leitu-

    ra da manifestao urbana da lgica da necessidade. Esses

    estudos nasceram fortemente marcados pelos estudos dos

    movimentos sociais urbanos e paulatinamente foram ga-

    nhando coloraes mais urbansticas. Essa tendncia deusurgimento a uma interessante literatura do direito urba-

    no que procura incorporar elementos interdisciplinares

    em sua forma de tratamento dos problemas sociais, mas

    que se mantm com um forte carter normativo, caracte-

    rstico da tradio do Direito e dos estudos da jurispru-

    dncia. As tentativas de romper com esse constrangimen-to normativo so interessantes e abrem novos horizontes

    de leitura dos processos de estruturao intraurbana

    (AZUELA, 2001; FERNANDES, 2001; e sobretudo os

    trabalhos dos autores vinculados ao IGLUS).

    Os estudos sobre a lgica de mercado e o acesso

    ao solo urbano podem ser classicados em duas grandes

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    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

    tradies da economia urbana (ABRAMO, 2001; FAR-

    RET, 1995). A tradio ortodoxa apresenta uma enorme

    e inuente produo sobre os processos de uso do solo,

    formao de preos e preferncias locacionais familiares.

    Esses estudos se apresentam no debate conceitual a partir

    de modelos de equilbrio espacial de tradio neoclssica

    (ABRAMO, 2001) e mais recentemente incorporam din-

    micas espaciais aglomerativas na modelagem proposta pela

    economia geogrca (ABRAMO, 2002a; KRUGMAN;

    FUJITA; VENABLES, 2000; FUJITA; THISSE, 2002).

    Outra tendncia dos estudos sobre a lgica do mercado e

    o uso do solo procura instrumentalizar do ponto de vista

    analtico os estudos urbanos ao propor um tratamento eco-

    nomtrico da formao dos preos fundirios e imobili-

    rios. Os estudos a partir das funes hednicas de preos

    ocupam uma parte muito importante nas publicaes in-ternacionais de economia urbana e recentemente passaram

    a servir de base para muitas polticas urbanas locais (scais,

    pedgios urbanos, melhoramento de infraestrutura, etc.).

    A sosticao do tratamento estatstico e analtico permi-

    te atualmente superar restries na avaliao dos atribu-

    tos urbanos (sobretudo em relao ao nmero de variveisdummy e ao tratamento espacial das externalidades), mas

    os problemas de autocorrelao espacial das variveis se-

    gue sendo uma barreira instransponvel para essa tradio

    de trabalhos (ABRAMO, 2002b).

    Uma segunda tradio de estudos est identica-

    da com os princpios conceituais da economia poltica

    urbana e procura identicar os processos de gerao da

    riqueza e da acumulao do excedente urbano a partir

    da denio dos usos e da apropriao do solo urbano.

    Essa perspectiva conceitual tem na teoria da renda fun-

    diria seu principal aparelho conceitual para identicar

    a lgica de apropriao do excedente urbano e explicar

    a estrutura intraurbana como sua resultante. Depois de

    muitos anos de estudos monogrcos sobre a taxonomia

    de agentes e procedimentos institucionais no jogo de

    atribuies de ganhos e perdas fundirias e imobilirias

    (ver os trabalhos clssicos de Topalov, Ball, Harloe, etc.),

    recentemente essa perspectiva procura se renovar ao ar-

    ticular os estudos fundirios com os impactos espaciais

    da reestruturao produtiva e os projetos de renovao

    urbana (ABRAMO, 2003).

    Ainda que os trabalhos sobre a lgica de mercado e

    o uso do solo e sua relao com a acumulao capitalista

    urbana tenham uma grande tradio na sociologia crt ica

    a partir dos anos 1970, enorme nmero de instituies

    (revistas, centros de ps-graduao, institutos de pesquisa

    e governamentais, etc.) se dedica ao tema. Podemos dizer

    que praticamente a totalidade desses estudos tem como

    objeto o mercado fundirio e imobilirio formal ou legal.

    Apesar de o mercado informal de terras existir na maior

    parte das cidades latino-americanas e ser um dos princi-

    pais mecanismos sociais de acesso terra urbana de uma

    parte considervel da populao pobre dessas cidades,

    praticamente no h estudos sistemticos e abrangentes

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    O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico

    sobre o tema. Com exceo de alguns trabalhos de na-

    tureza jornalstica e de estudos monogrcos de mbito

    bastante restrito, constata-se um grande vazio nos estudos

    urbanos, em particular nos estudos de economia urbana,

    sobre o mercado informal de terras urbanas. A impor-

    tncia atual desse mercado e a perspectiva de seu cresci-

    mento em funo da reduo expressiva dos processos de

    ocupao de terras urbanas impem a urgncia de traz-

    lo como uma das prioridades de objeto de estudo.

    Acreditamos que a denio do mercado informal

    de terras e da mobilidade residencial dos pobres como

    um objeto de estudo exige um duplo esforo acadmico

    e institucional. De fato, h um enorme desconhecimento

    emprico desse mercado. As poucas informaes dispo-

    nveis so resultado de pequenas monograas e/ou tra-

    balhos jornalsticos, e sua veiculao a um pblico mais

    amplo, dada a carncia de informaes disponveis, ter-

    mina adquirindo um valor heurstico e de referncia para

    muitas anlises e polticas sobre a informalidade urbana.

    Assim, a carncia de informaes produz algo como um

    senso comum sobre o mercado informal que em muitas

    situaes no corresponde aos fatos reais.

    Esse senso comum sobre a informalidade urbana

    alimenta reexes, polticas urbanas e representaes

    sobre o universo dos pobres que em muitos casos so

    verdadeiras iluses urbanas.3 Nesse sentido, um es-

    foro de avanar no desvelamento do imaginrio e das

    representaes do mercado imobilirio em favelas exige

    que ele deve ser confrontado com resultados empricos

    de pesquisa que permitam uma viso abrangente e mais

    rigorosa sobre sua realidade factual. Em outro trabalho

    (ABRAMO, 2009) utilizamos o termo capital misterio-so para identicar esses mitos e falsas representaes do

    mercado informal em favelas, e talvez o maior dano te-

    nha sido produzido pelo conhecido trabalho O mistrio

    do capital, do peruano Hernando De Sotto, que identi-

    ca a propriedade informal como um dos eventuais pilares

    do crescimento econmico. Assim, o primeiro esforo depesquisa deve ter como preocupao um estudo empri-

    co que permita a identicao das reais caractersticas do

    mercado informal imobilirio nas favelas.

    Um segundo esforo para desenvolver o mercado

    informal como objeto de estudo de natureza conceitual.

    A pergunta que devemos formular sobre esse mercado

    3Um bom exemplo sobre esse procedimento pode ser dado a partir de uma reportagem do jornal O Globo sobre a favela da Rocinha, na cidade do Rio de Janeiro,cuja matria jornalstica identificava uma casa com piscina de uma suposta burguesia da favela, que supostamente teria na atividade imobiliria informal suaprincipal fonte de recursos. Como vamos mostrar nos trabalhos deste livro, o mercado imobilirio em favelas se carateriza por uma grande pulverizao da oferta.Essa constatao emprica dos levantamentos que realizamos relativiza e requalifica de forma substancial o que Davies (2007), em seu Planeta Favelas, chama

    e denuncia de especulao dos pobres pelos pobres. Em termos conceituais, uma oferta pulverizada promove uma barreira de mercado prtica recorrenteda especulao imobiliria (ABRAMO, 2009).

    O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico

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    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

    diz respeito a suas similitudes e diferenas em relao ao

    mercado formal. Responder a essa questo, ou dar ele-

    mentos para sua resposta, signica necessariamente uma

    articulao entre a problematizao conceitual e a veri-

    cao de elementos empricos que permitam fugir das

    representaes e respostas a partir do senso comum da

    informalidade urbana.

    A nossa resposta a esse desao se deu em dois pla-

    nos; o primeiro a partir de um levantamento emprico so-

    bre o mercado informal de terras e imveis nas favelas dacidade do Rio de Janeiro (ABRAMO, 2003). A realizao

    dessa pesquisa em reas de favelas exigiu uma preconceitu-

    alizao de alguns elementos do mercado informal, e seus

    primeiros resultados permitem avanar em direo a uma

    reproblematizao desses conceitos preliminares no senti-

    do de denir um projeto de pesquisa que amplie a escaladas cidades pesquisadas e, sobretudo, enfrente o segundo

    desao a que nos referamos acima, isto , tomar o merca-

    do informal de terras e a mobilidade residencial dos pobres

    urbanos como um objeto conceitual que permita reproble-

    matizar temas tradicionais da economia urbana ortodoxa

    (neoclssica) do uso do solo e imobiliria, tais como:

    a) o princpio da racionalidade paramtrica ou

    estratgica das decises locacionais dos indivi-

    duos e famlias;

    b) o trade-off entre acessibilidade e consumo de

    espao como critrio de deciso residencial nos

    mapas de preferncias residenciais familiares;

    c) o princpio maximizador das decises familiares

    da funo beckeriana, cujo critrio nal sempre

    a maximizao do que Becker (1967) chama

    de lucro familiar;

    d) a relao entre a economia e o direito na produo

    de normas, e instituies sociais tendo como

    princpio o conceito de custos de transao;

    e) o papel do capital social na formao das gran-

    dezas econmicas (preos e desenvolvimento); e

    f ) o papel determinante das normas implcitas na

    forma de funcionamento do mercado informal.

    Acreditamos que neste momento a pergunta sobre

    o carter universal e/ou particu lar do funcionamento dos

    mercados informais de solo nas favelas importante, pois

    ela permite distinguir as recorrncias e similaridades nadinmica de funcionamento do mercado ou de aleatorie-

    dades e diferenas que no seriam sucientes para denir

    uma forma de funcionamento de um mercado. A respos-

    ta a essa questo impe leituras e mtodos de pesquisa

    alternativos, mas tambm, e sobretudo, formas de inter-

    veno do poder pblico muito distintas.

    Nossa perspectiva nesse projeto de natureza emi-

    nentemente acadmica e, portanto, no campo da anlise

    positiva dos fenmenos sociais, mas estamos convenci-

    dos do potencial normativo de alguns de seus resultados,

    podendo ser de algum valor na elaborao de polticas

    pblicas urbanas.

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    O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico

    I.2 Em direo ao enquadramento do objeto:o mercado informal de solo nas favelas e amobilidade residencial dos pobres

    O mercado de terras informal pode ser classica-do em dois grandes submercados fundirios. Tradicional-

    mente, a literatura de economia do uso do solo utiliza o

    critrio de substitutibilidade dos bens fundirios e/ou

    imobilirios para denir os submercados de solo urba-

    nos. No nosso caso incorporamos essa denio como

    uma das variveis no marco conceitual dos estudos sobrea estrutura do mercado e analisamos outros elementos

    que consideramos importantes para denir uma primeira

    clivagem do mercado informal. Assim, denimos como

    elementos determinantes da estrutura do mercado os se-

    guintes elementos: caractersticas da oferta e da demanda

    de solo, poder de mercado dos agentes econmicos (ofer-

    ta e demanda), caractersticas informacionais do merca-

    do (assimetrias e transparncias de informao), carac-

    tersticas dos produtos (homogneos ou heterogneos),

    externalidades (exgenas e endgenas), racionalidades

    dos agentes (paramtrica, estratgica, etc.) e ambiente da

    tomada de deciso (risco probabilstico ou incerteza). A

    identicao dessas variveis aproxima conceitualmente

    a nossa abordagem do mercado imobilirio informal do

    tratamento moderno da teoria econmica de mercado,

    o que permite, portanto, identicar conceitualmente as

    particularidades e as semelhanas do mercado informal

    de solo com os outros mercados formais da economia.

    A partir dessas variveis procuramos identicar diferen-

    as substantivas nos mercados de terra informal, a m

    de estabelecer uma primeira aproximao da denio

    de submercados informais. O resultado desse exerccio

    pode ser visto no quadro abaixo e permite denir dois

    grandes submercados de solo informal que denominamos

    a) submercado de loteamentos e b) submercado de reas

    consolidadas (ABRAMO, 2003).

    O Quadro 1 mostra a marco comparativo das carac-

    tersticas do mercado informal de loteamentos e do merca-do informal em assentamentos populares consolidados.

    O primeiro desses submercados (loteamentos) ,

    em grande medida, denido por uma estrutura oligop-

    lica de mercado, enquanto o segundo submercado (reas

    consolidadas) apresenta uma estrutura concorrencial ra-

    cionada. Os dois submercados de solo informal podem

    ser identicados na estrutura urbana da cidade em reas

    bem precisas e com distintas funcionalidades de verte-

    brao urbana. O primeiro submercado opera o fraciona-

    mento de glebas na periferia das cidades constituindo-se

    no principal vetor de expanso da malha urbana. A sua

    lgica de funcionamento oligoplica na formao dos

    seus preos, mas as prticas de denio dos produtos e

    do seu nanciamento nos remetem a tradies mercantis

    pr-modernas. Os produtos desse submercado so relati-

    vamente homogneos e os seus principais fatores de dife-

    renciao nos remetem a dimenses fsicas, topogrcas,

    e s externalidades exgenas de urbanizao.

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    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

    Quadro 1 Caractersticas do mercado informal de loteamentos e de assentamentos consolidados

    Loteamentos Assentamentos consolidados

    Estrutura de mercado Oligoplica Concorrncia com mercado racionado

    Agente dominante e determinao de preosFracionador com capacidade de realizarmark upurbano

    Comprador (entrante) e vendedor (sainte)Tenso entre oferta e demanda

    Assimetria do poder de mercado Forte Varivel

    Caracterstica do produtoHomogeneidade relativa (lote) com variaesda localizao e metragem

    Heterogeneidade

    ExternalidadesExgenas (hierarquia de acessibilidade +caractersticas fisicas e topogrficas

    Endgenas+exgenas

    Racionalidade e anticipaoEstratgicaCom informao incompleta (jogo da anticipa-o de infraestrutura)

    Pluralidade de racionalidades e objetivos deanticipao

    Informao Incompleta e imperfeita (risco) Assimetria informacional e imprevisibilidade(incerteza radical)

    A primeira questo colocada em relao ao sub-

    mercado de solo em reas consolidadas foi em relaoa sua amplitude, pois uma das principais caractersticas

    dos assentamentos consolidados urbanos sua grande

    pulverizao territorial. Assim, a primeira pergunta que

    deveramos formular a de saber se esse submercado em

    reas consolidadas uma constelao de submercados ou

    um submercado unicado.

    A resposta a essa pergunta importante, pois sua

    caracterizao dene tambm os uxos (origem e destino)

    da mobilidade residencial dos pobres urbanos. Trabalhamos

    com cinco hipteses de submercados e de seus respectivos

    uxos de mobilidade residencial. No Quadro 2, reproduzi-

    mos nossas hipteses (ABRAMO, 2003), que devem ser ob-

    jeto de testes a partir dos resultados empricos da pesquisa.

    A identicao dos submercados com a deni-

    o de uma possvel taxonomia desses submercados

    um elemento conceitual importante para a identicao

    do processo de formao dos preos no mercado imo-

    bilirio informal. Em trabalhos anteriores (ABRAMO,

    1999a, 1999b), sugerimos que no mercado informal in-

    tervm um conjunto de externalidades comunitrias

    e externalidades de l iberdades urbansticas e construti-

    vas que modelam o gradiente de preos desse mercado.

    Essas duas externalidades so caractersticas do mercado

    informal e podem ser classicadas como externalidades

    positivas que valoram os preos do solo e imobilirio nos

    assentamentos populares informais.

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    O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico

    Quadro 2 As cinco hipteses de submercados consideradas.

    Na denio dos coecientes desses atributos

    (preos sombra da funo hednica de preos imobi-

    lirios) pesam fatores de desconto associados ao que cha-

    mamos de fatores de incerteza local e aos processos de

    aprendizagem social, cuja caracterstica nos remete ta-

    xonomia dos submercados e dinmica de formao dos

    preos no mercado informal de solo (ABRAMO, 2009).

    Assim, as hipteses sobre a taxonomia dos submercados

    tambm so importantes para a identicao dos determi-

    nantes da formao dos preos do mercado informal.4

    Em trabalho anterior (ABRAMO, 2006) sobre o

    mercado informal nas favelas do Rio de Janeiro compa-

    ramos o volume das transaes de compra e venda de

    imveis em favelas vis--vis os estoques imobilirios dos

    bairros formais prximos a essas favelas. Quando vemos

    o percentual de rotao do estoque imobilirio do mer-

    cado informal nas favelas, vericamos que ele apresenta,

    em muitos casos, um patamar ligeiramente superior ao de

    bairros do mercado formal (Tabela 1 na p. 28), revelando

    que seu funcionamento no aleatrio, mas regular como

    Hiptese 1 Submercado informal unificadoTodos os assentamentos popularesconstituem um nico submercado

    Amplia a mobilidade residencial dospobres intra e interassentamentosconsolidados

    Hiptese 2 Submercados por assentamentosCada assentamento um submercado semsegmentao interna

    Mobilidade residencial intra-assentamento

    Hiptese 3Submercados por grupo deassentamentos homogneos

    Um grupo de assentamentos semsegmentao interna constitui umsubmercado

    Mobilidade interassentamento restringida

    Hiptese 4 Submercados em cada assentamentoCada assentamento tem uma divisointerna em submercados

    Mobilidade residencial intra einterassentamento

    Hiptese 5Submercados por grupo deassentamentos segmentados

    Um grupo de segmentos de reas deassentamentos constitui um submercado

    Mobilidade residencial intra einterassentamento por grupos

    4 Realizamos testes economtricos para avaliar os componentes (atributos similares) desses submercados, mas os resultados revelaram fortes problemas deautocorrelao espacial das variveis. Os testes de kricagem aplicados aos erros no foram suficientes para dar resultados mais expressivos do ponto de vistaeconomtrico. Assim, decidimos adotar uma linha de tratamento analtico diferente e priorizar a anlise espacial (clusters, etc.) e os procedimentos de anlisecomparativa e evolucionria, alm de usar, apenas como tratamento complementar e indicativo, o procedimento economtrico. Do ponto de vista conceitual,essa opo representa uma inovao na forma de tratar o mercado fundirio-imobilirio e nos aproxima de uma abordagem crtica da formao dos preos do

    solo. Como veremos adiante, propomos uma perspectiva conceitual que se aproxima do debate da socioeconomia, mas no abandona completamente o debateda economia urbana e o dilogo crtico com o pensamento neoclssico conservador.

    O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico

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    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

    o mercado formal de solo. Da mesma maneira, quando ta-

    bulamos os preos praticados no submercado informal nos

    assentamentos consolidados, conrmamos a hiptese de

    um mercado onde os preos no apresentam um compor-

    tamento errtico; eles obedecem a certa lgica e regulari-

    dade, indicando que h efetivamente um funcionamento

    que no errtico. Em outras palavras, o volume e o pata-

    mar de preos das transaes imobilirias conrmam sua

    existncia como um mercado regular, que regula o acesso

    mercantil terra urbana nas favelas consolidadas.

    O levantamento que realizamos nas favelas do Rio

    de Janeiro (ABRAMO, 2006) resultou em achados inte-

    ressantes a respeito do gradiente de preos do mercado

    fundirio e imobilirio informal nas favelas. Ao compa-

    rarmos os preos de favelas com os preos do mercado

    formal dos bairros contguos a essas favelas, vericamos

    que o gradiente (curva) de preos das favelas e o dos

    bairros legalizados contguos a essas mesmas favelas tm

    pers diferentes. Esse resultado emprico de grande im-

    portncia, pois tanto o senso comum como os modelos

    da economia urbana tradicional atribuem formao de

    preos nas reas de favela um carter reexo ao do mer -

    cado formal, isto , os preos relativos do solo nas favelas

    seriam determinados pelos preos relativos dos bairros

    onde elas se localizam com uma taxa de desconto em

    funo de algumas caractersticas prprias do mercado

    informal em favelas, tais como grau de violncia e estgio

    e qualidade da urbanizao. O resultado que encontra-

    mos de pers diferentes nos gradientes de preos permite

    concluir que h uma lgica particular no funcionamento

    dos mercados informais que determina seus preos. O

    descolamento da formao dos preos do solo informal

    do mercado formal de solo nos leva a levantar a hiptese

    da existncia de uma lgica endgena na formao dos

    preos informais e que essa lgica nos remete a variveis e

    a caractersticas particulares do territrio da(s) favela(s).

    Procuramos avanar na problematizao dessas

    variveis incorporando uma parte do debate da socioeco-nomia, da economia de redes e, sobretudo, da economia

    da proximidade e reciprocidade. Identicamos externa-

    lidades que valoram o solo urbano e nos remetem s di-

    nmicas sociolgicas e antropolgicas das comunidades

    faveladas que procuramos formalizar a partir de uma teo-

    ria da formao dos preos informais (ABRAMO, 2009)que articula a dimenso das singularidades aos princpios

    homogeneizadores das prticas mercantis.

    Outro resultado interessante do estudo pioneiro

    que realizamos sobre o Rio de Janeiro a relao entre o

    mercado de terras (acesso a uma localizao residencial)

    e o mercado de trabalho. Nos mapas de localizao do

    local de trabalho que geramos (ABRAMO, 2002), encon-

    tramos quatro padres para o tradicional e importante

    movimento pendular casa/trabalho dos participantes

    do mercado informal de solo em favelas. Ao contrrio

    do senso comum sobre a proximidade da localizao do

    emprego (ou fonte de rendimento) do chefe de famlia

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    O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico

    das moradias em favelas, no encontramos um padro

    de proximidade que seja nico. H outros padres de lo-

    calizao da fonte de rendimento dos chefes de famlia

    residentes em favelas que do origem a movimentos pen-

    dulares longos, isto , envolvendo distncias a percorrer

    entre a casa na favela e o lugar do rendimento.

    Em uma primeira classicao dos movimentos

    pendulares para a cidade do Rio de Janeiro teramos qua-

    tro padres:

    a) proximidade geogrca (endgena quando na

    prpria favela e contgua quando em bairros do

    seu entorno);

    b) concentrao polar (centro em uma cidade

    mononuclear);

    c) concentrao multipolar (vrios centros de

    concentrao de atividades); e

    d) disperso.

    Essa classicao conrmada a partir das ta-

    bulaes sobre as preferncias locacionais e a mobilidade

    residencial (ABRAMO, 2009).

    Do ponto de vista metodolgico, as informaes

    coletadas no estudo Infosolo nos permitem construir um

    conjunto de indicadores sobre as trajetrias residenciais

    dos moradores de favelas, uma cartograa das prefe-

    rncias locacionais das famlias pobres e uma matriz de

    origem/destino de seus deslocamentos residenciais. Po-

    demos identicar os percursos domiciliares interfavelas,

    intrafavelas e os movimentos formal/informal para cada

    uma das favelas e, a partir de suas regularidades, estabe-

    lecer uma tipologia das mudanas de formas de acesso

    ao solo urbano. Da mesma maneira, utilizando os dados

    sociodemogrcos, poderemos identicar similitudes de

    comportamento de mobilidade residencial entre as fam-

    lias mais pobres e as mais abastadas residentes em favelas

    (corte socioeconmico), entre geraes (corte demogr-

    co intergeneracional), chefes de famlia mulheres e ho-

    mens (corte de gnero), tempo de escolaridade, etc.

    Um procedimento interessante de anl ise do merca-

    do informal o de comparar as caractesticas socioecon-

    micas, demogrcas, de gnero, etc., entre os comprado-

    res, ou seja, aqueles que efetivamente entraram na favela

    via mercado informal, e os vendedores, fam lias querevelam a inteno de deixarem sua moradia. Comparan-

    do os dados de compradores e de vendedores, possvel

    construir uma tabela de mobilidade sociorresidencial de

    cada favela. Essa tabela permite classicar as tendncias

    de elitizao (faixa de renda dos compradores superior

    dos vendedores), empobrecimento ou estabilizao social

    da composio socioeconmico-demogrca interfavelas

    e intercidades. Essas tabulaes articulam os resultados

    do funcionamento do mercado informal de terras com

    a dinmica de recongurao socioespacial das favelas e

    consolidam uma linha de pesquisa comparativa cujo ob-

    jeto o mercado informal de solo (ABRAMO, 2009).

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    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

    No procedimento de coleta de informaes sobre

    o mercado informal recolhemos um nmero signicati-

    vo de informaes sobre a vida associativa e comunitria

    dos entrevistados. A partir dessas perguntas pretendemos

    estimar o peso da participao comunitria e associativa

    nas decises de localizao inter e intrafavelas, bem como

    na formao dos preos imobilirios. Os procedimentos

    metodolgicos que estamos adotando tambm podem ser

    portadores de uma inovao na forma de tratar o objeto

    das favelas e na forma tradicional de relao das variveis

    econmicas com as decises de localizao residencial

    dos pobres nas grandes cidades brasileiras. As informa-

    es sobre a vida associativa permitem discutir em ter-

    mos empricos as teses correntes sobre a importncia do

    capital social na formao das grandezas econmicas.

    Assim, pretendemos em trabalhos futuros articu lar o ob-jeto do mercado informal de solo ao tema emergente do

    desenvolvimento e da governana local para sublinhar a

    importncia dos sistemas de normas implcitas de convi-

    vncia e reproduo da vida popular urbana que intervm

    no funcionamento do mercado de solo.

    II. Uma primeira aproximao dossubmercados nos assentamentos popularesinformais (APIs)

    Como dissemos antes, a denio dos submerca-

    dos um passo importante para caracterizar a forma de

    funcionamento do MIS. A sua denio envolve a identi-

    cao dos agentes, produtos e demais caractersticas do

    mercado.5Uma forma de se iniciar essa denio partir

    do mercado formal e, por analogia, estabelecer uma pri-

    meira subdiviso do mercado informal de solo. No mer-

    cado formal, podemos identicar um mercado de imveis

    novos (recm-produzidos ou na planta) e um mercado de

    imveis do estoque existente (usados). A literatura so-

    bre economia imobiliria arma que o nvel de atividade

    do mercado de imveis novos determina o crescimento

    do parque imobilirio e os novos vetores de estruturaosocioespacial da estrutura intraurbana. Como em outros

    mercados de produtos de longa vida til, os produtos no-

    vos denem o mercado primrio, e os produtos do esto-

    que (imveis antigos) conguram o mercado secund-

    rio. Nesse sentido, podemos indagar sobre a existncia de

    5Ver Abramo (2005) e a introduo deste trabalho.

    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

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    O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico

    um mercado informal primrio e de um mercado informal

    secundrio e as suas eventuais articulaes funcionais na

    denio do mercado de solo urbano.

    No caso brasileiro, os mercados imobilirio-fun-

    dirios informais primrio e secundrio apresentam uma

    diferena decisiva, em particular em relao ao seu pro-

    duto nal, isto , o seu carter de objeto de uso. Essa di -

    ferena no pode ser redutvel tipologia usual da funo

    de utilidade de Lancaster, que diferencia os bens a partir

    das suas caractersticas (ABRAMO, 2001). Nos APIs, aproduo da moradia o resultado do esforo familiar

    aps a aquisio de um lote, uma laje ou um lote com al-

    guma benfeitoria edicada. Esse esforo pode se realizar

    por um trabalho de autoconstruo, por uma poupana

    familiar que permite a contratao de mo-de-obra que

    edica a moradia (produo por encomenda) ou por umacombinao dos dois procedimentos anteriores. Nesse

    caso, a oferta de moradias novas informais por um agen-

    te especializado na sua produo e comercializao e que

    atue de forma regular nesse mercado no a forma mais

    corrente, e a sua manifestao uma exceo na maior

    parte dos MIS das grandes cidades latino-americanas.Assim, a oferta do bem habitacional no mercado infor-

    mal uma edicao que foi construda por um proces-

    so individualizado e sob o comando de uma famlia que

    normalmente habita ou habitou essa edicao.

    Em termos econmicos, o bem morada ofertado

    no mercado informal quase sempre um bem do estoque

    imobilirio informal construdo por seus residentes para

    uso familiar. Uti lizando a terminologia usual da literatu-

    ra, podemos dizer que a oferta imobiliria habitacional,

    isto , o bem que gera servios de habitao no mercado

    informal no Brasil um mercado secundrio. Em outras

    palavras, a oferta de imveis informais nos APIs cons-

    tituida em sua grande maioria de imveis usados ou de

    fracionamentos desse imvel original.

    A pergunta a que temos de responder diz respeito

    identicao do mercado primrio informal, pois to-das as estatsticas sobre a informalidade urbana no Brasil

    revelam um enorme crescimento do estoque da informa-

    lidade edicada nos ltimos 20 anos. Propomos como

    uma hiptese de trabalho que o mercado primrio do

    MIS constitudo exclusivamente pelo mercado fundi-

    rio. Em outras palavras, o mercado primrio do MIS composto de um mercado que oferece lotes informais

    (irregulares e/ou clandestinos) a partir do fracionamento

    e/ou da ocupao de glebas urbanas ou periurbanas.

    Assim, o crescimento da rea de uso residencial ou

    comercial informal ao longo do tempo o resultado de

    uma dinmica de fracionamento do solo que o transfor-

    ma em rea urbana de fato pelo processo de comerciali-

    zao ou ocupao por ao coletiva (invaso). Quando

    o acesso ao lote se realiza por comercializao (transao

    de compra e venda), podemos identicar um mercado

    primrio do MIS. A atividade desse mercado primrio

    no modica o estoque edicado informal, porm cria as

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    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

    condies necessrias para o seu crescimento, pois per-

    mite o acesso das famlias pobres a um solo urbano.

    Essas famlias sero os agentes efetivos do cresci-

    mento do estoque edicado informal, e esse crescimento,normalmente, no motivado por uma comercializao

    imediata e recorrente que caracterize essas famlias como

    produtores de bens habitacionais para o mercado. O

    crescimento do estoque edicado informal o resultado

    de uma innidade de processos individualizados, descen-

    tralizados e autnomos de produo de habitaes ob-jetivando o uso privado e familiar por aqueles que co-

    mandam a sua edicao. Essas famlias que alimentam

    o crescimento da edicabilidade informal urbana , na

    sua grande maioria, constituda por setores populares de

    baixos ingressos.6Assim, a comercializao de habitaes

    informais, na sua grande maioria, se d a partir de im-

    veis do estoque imobilirio informal. Os imveis novos

    informais produzidos para serem comercializados, geral-

    mente, representam um fracionamento do lote original

    familiar, seja verticalizando, seja ocupando parte do lote

    e/ou casa (produo de quartos), mas com a manuteno

    da residncia (ou parte) da unidade famil iar original.

    Em relao s caractersticas de funcionamento do

    mercado, o MIS apresenta duas primeiras grandes dife-

    renas em relao ao mercado formal: a inexistncia de

    promotores imobilirios que atuem de forma regular na

    produo de imveis novos informais para a comercia-

    lizao em mercado; e a pequena magnitude de imveis

    novos informais produzidos por unidades familiares para

    comercializao.7 Essas caractersticas transformam as

    transaes do estoque imobilirio informal (imveis exis-

    tentes) na verdadeira oferta habitacional do MIS.8Assim,

    o mercado secundrio do MIS apresenta uma grande di-

    ferena em relao ao mercado formal, pois praticamente

    a totalidade da oferta de residncias no mercado consti-

    tuda pelas transaes com imveis do estoque habitacio-

    nal informal e, eventualmente, por lotes vazios em reas

    informais consolidadas ou em processo de consolidao.

    Dessa forma, podemos estabelecer uma primeira

    segmentao em submercados do MIS. O mercado prim-

    rio constitudo pela oferta de lotes, e o seu agente princi-

    pal o fracionador (loteador) informal, que opera a trans-

    formao de glebas de terras em um novo produto: lotes

    urbanos ou periurbanos. O mercado secundrio o outro

    6Alguns estudos identificam a produo da informalidade em estratos mdios e superiores de renda, mas esses casos, ainda, podem ser definidos como umaexceo no marco da produo das cidades latino-americanas.7 A maior parte da produo habitacional informal destinada ao mercado familiar e constituda de quartos no prprio lote ou unidade residencial.8Oferta habitacional entendida como um bem que gera servios de habitao.

    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

    d b d d i f l l d f d d i d did li id d d l l d

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    O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico

    grande submercado do informal; ele , de fato, o verdadei-

    ro vetor da oferta imobiliria habitacional do MIS. Em ou-

    tras palavras, a primeira aproximao do MIS em termos

    de tipologia dos submercados nos permite identicar dois

    grandes submercados: o mercado fundirio, como o mer-

    cado primrio do MIS; e o mercado imobilirio informal

    nos APIs, como o seu mercado secundrio.

    A denio desses dois grandes submercados infor-

    mais o diferencia da forma de estruturao do mercado de

    solo formal, pois nesse mercado temos e existncia de pro-dutores regulares (incorporadores) que atuam produzindo

    novos imveis residenciais e caracterizando um verdadeiro

    mercado primrio de bens habitacionais. O mercado fun-

    dirio formal urbano um mercado em que a demanda

    relativamente pequena (escassa) e se divide em dois gran-

    des submercados. No primeiro submercado fundirio, osolo um insumo para a incorporao imobiliria promo-

    ver a edicao de imveis para o mercado (GRANEL -

    LE, 1999) e a sua demanda basicamente empresarial. No

    segundo submercado, o solo um suporte para a produo

    por encomenda de unidades familiares de estratos mdios

    e altos da populao urbana (JARAMILLO, 1985). Aocontrrio do submercado de solo como bem intermedi-

    rio, no caso da demanda familiar, o solo um produto em

    si mesmo, e o seu uso no objetiva um retorno ao mercado

    com outro tipo de uso e/ou funcionalidade.

    No mercado formal h uma forte articulao fun-

    cional entre os mercados primrio e secundrio. Em

    grande medida, a liquidez e a demanda solvvel do mer-

    cado primrio esto vinculadas liquidez do mercado

    secundrio, pois grande parte das transaes realizadas

    no mercado primrio troca de domic lio do estoque por

    imveis novos. Assim, a entrada no mercado primrio da

    maior parte dessas famlias depende da venda do antigo

    imvel (estoque). A entrada de uma nova demanda que

    independe da venda de um imvel anterior est basica-

    mente condicionada pelo crdito imobilirio. Em estudos

    anteriores vimos que os preos relativos do estoque ten-

    dem a ajustar-se em funo das variaes dos preos do

    mercado primrio, isto , os preos do estoque se ajustam

    aos preos dos imveis novos (ABRAMO, 2006).

    No caso do mercado informal, algumas evidncias

    parecem indicar que as formas de articulao entre o que

    denimos como mercado primrio e secundrio so distin-

    tas. Por exemplo, nada indica que a liquidez do submerca-

    do de loteamento dependente do submercado imobilirio

    nos APIs. Para reiterar essa armao, podemos mobilizar

    alguns resultados de pesquisas empricas sobre o mercado.

    Os resultados da pesquisa Infosolo revelam de forma con-

    tundente que a venda de imveis nos APIs no motiva-

    da por um desejo de troca de um imvel em assentamento

    consolidado por um lote informal na periferia. Da mesma

    maneira, pesquisas realizadas em loteamentos informais

    indicam que a compra dos lotes , na sua grande maioria,

    nanciada pelo prprio loteador ou a partir de dvidas fa-

    miliares, com amigos ou com o prprio loteador, e no en-

    volve uma venda anterior de residncia em reas de favela.

    Os r s lt d s d p sq is Inf s l s br m bilid III A i d d i f l

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    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

    Os resultados da pesquisa Infosolo sobre mobilida-

    de residencial revelam que as preferncias de localizao

    residencial dos vendedores do MIS nos APIs no indi-

    cam inteno de deslocamento domiciliar dessas famlias

    para os loteamentos perifricos (ABRAMO/INFOSO-

    LO, 2006). Todas essas evidncias permitem armar que

    o mercado de loteamentos no depende da liquidez do

    mercado secundrio, isto , do mercado imobilirio nos

    assentamentos consolidados. Porm, em muitos casos te-

    mos uma relao de eventual concorrncia entre os dois

    submercados, e os seus preos relativos podem servir

    como fator adicional de atrao da demanda popular.

    Em outras palavras, os submercados informais de

    loteamento e em reas consolidadas podem estabelecer

    relaes de concorrncia, mas tambm relaes de com-

    plementaridade e de efeitos de inuncia de borda que in-

    terferem nas estratgias da demanda e da oferta popular, e,

    portanto, na dinmica de funcionamento dos dois submer-

    cados. Conclumos que as diferentes dimenses de intera-

    o entre os dois mercados um elemento importante para

    o entendimento da funcionalidade do mercado informal

    de solo nas grandes cidades (ABRAMO, 2009).

    III. A composio do mercado informalde solo nos assentamentos popularesconsolidados

    A composio do submercado de solo nos assen-tamentos informais consolidados um indicador impor-

    tante para caracterizar esse mercado. Podemos identicar

    trs grandes submercados nos assentamentos consolida-

    dos. O primeiro um mercado de compra e venda de

    imveis residenciais e, em alguns casos, a comercializao

    de terrenos. Esses terrenos comercializados no mercadoinformal podem ser lotes remanescentes do loteamento

    ou ocupao originais que no foram edicados, mas

    tambm oriundos de um fracionamento do lote familiar,

    seja ele em termos horizontais (diviso da parcela) ou ver-

    tical (comercializao de solo criado, isto , uma lage).

    Assim, o primeiro submercado informal nos assentamen-

    tos consolidados o mercado de comercializao imobi-

    lirio e fundirio residencial. O segundo submercado o

    mercado de locao residencial informal, onde as transa-

    es se constituem em relaes contratuais informais de

    aluguis.9O terceiro submercado nos assentamentos con-

    solidados informais o mercado comercial. A existncia

    9Em outro trabalho (ABRAMO, 2007), realizamos um estudo sobre a evoluo do mercado de locao informal na cidade do Rio de Janeiro.

    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

    de um submercado comercial depende em grande medida ram nos APIs a part ir de uma condio de locatrio ao

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    O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico

    de um submercado comercial depende em grande medida

    do grau de consolidao do assentamento e da sua mag-

    nitude em termos populacionais (ABRAMO, 2003). O

    submercado de solo informal com ns comerciais pode

    ser subdividido em submercado de comercializao e em

    submercado de locao (ABRAMO, 2005).

    Para a pesquisa que realizamos nas oito cidades

    brasileiras decidimos no pesquisar o submercado co-

    mercial, pois nossa ateno est focada, sobretudo, nas

    formas de acesso residencial ao solo urbano da popu-lao de baixa renda. Assim, analisamos a composio

    do mercado residencial nos APIs em suas duas formas

    de manifestao residencial, isto , o submercado de

    comercializao (transaes de compra e venda) e o

    submercado de locao (aluguis). Do ponto de vis-

    ta metodolgico, denominamos aqui venda como a

    oferta de imveis no submercado de comercializao,

    e compra, as transaes efetivamente realizadas. No

    caso dos aluguis informais, muito difcil a quanti-

    cao da oferta.10Portanto, os dados sobre o mercado

    de locao, no caso dessa pesquisa, se referem s infor-

    maes sobre as famlias que efetivamente se instala-

    ram nos APIs a part ir de uma condio de locatrio ao

    longo do ltimo ano.11

    O primeiro resultado importante da pesquisa a

    constatao da existncia de um mercado informal de

    solo nos APIs nas cidades objeto do estudo. Esse resul-

    tado pode parecer redundante para os objetivos de um

    trabalho que objetiva estudar o mercado informal, mas,

    efetivamente, no o quando lidamos com a literatura e

    o senso comum sobre os assentamentos populares infor-

    mais. A voz corrente e uma parte da literatura sobre favelasarmam que a mobilidade residencial nesses assentamen-

    tos muito pequena e est restrita ao momento imedia-

    tamente posterior a uma interveno de um programa de

    urbanizao (melhoramentos). O senso comum, acad-

    micos e tcnicos que trabalham sobre os assentamentos

    informais armam que a mobilidade residencial se ma-

    nifesta sempre sobre a forma de uma expulso branca,

    isto , a sada de um nmero signicativo de famlias do

    assentamento e a sua substituio por famlias com nvel

    superior de rendimento familiar, aps uma melhoria nas

    condies de saneamento, urbansticas, etc., promovida

    por um programa pblico.

    10Mesmo para o mercado formal a quantificao da oferta no mercado de aluguis muito difcil e as estatsticas existentes (no Brasil) restringem-se a pesquisasem administradoras onde se pergunta se o nmero de contratos aumentou/diminuiu/ficou igual (SECOVI, 2004, 2005, 2006).11Nosso levantamento definiu o ano de 2005 como referncia para as famlias que instalaram no API. Assim, os questionrios foram aplicados a todas as famliasque se instalaram nos APIs ao longo do ano de 2005 a partir dos mercados de locao e comercializao.

    O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico

    Em termos tcnicos poderamos traduzir essa idia

    Tabela 1 Rotatividade do estoque em favelas da cidade do Rio de

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    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

    Em termos tcnicos, poderamos traduzir essa idia

    da seguinte maneira: os APIs apresentam uma rotatividade

    domiciliar desprezvel e, quando ela se manifesta, a mobi-

    lidade estaria necessariamente vinculada a alteraes nas

    caractersticas das externalidades e benfeitorias pblicas

    do assentamento. Nesse caso, a atividade de comercializa-

    o de imveis estaria restrita a momentos pontuais e es-

    peccos no tempo (atividades sazonais e/ou esporricas)

    e no caracterizaria a existncia de um mercado de solo

    regular. Os dados que recolhemos so denitivos em re-

    lao constatao de uma atividade regular do mercado

    informal de solo ao longo do tempo. Uma boa indicao

    para essa concluso dada pela rotatividade desse estoque,

    isto , a relao entre a atividade do mercado sobre o esto-

    que predial e domiciliar local. Nas tabelas abaixo, apresen-

    tamos a rotatividade domiciliar de alguns bairros formaisda cidade do Rio de Janeiro e a tabela de rotatividade das

    favelas pesquisadas na mesma cidade.12

    Fonte: Abramo/Infosolo

    12

    Exclumos do indicador de rotatividade domiciliar o mercado de locao. Nesse sentido poderamos dizer que o indicador seria de rotatividade imobiliria e deletemos um indicador do nvel de atividade do mercado de comercializao.

    Comunidade/favela Rotatividade

    1) Campinho 2,26

    2) Acari 14,663) Vila Vintm 2,06

    4) Groto 13,36

    5) Tijuquinha 10,12

    6) Pavo-Pavozinho 0,36

    7) Jacar 0,40

    8) Joaquim de Queirs 2,03

    9) Vila Rica do Iraj 3,65

    10) Cachoeira Grande 4,5

    Tabela 1 Rotatividade do estoque em favelas da cidade do Rio deJaneiro 2005

    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

    Tabela 2 Tabela de rotatividade do formal

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    O mercado informal de solo em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: um marco metodolgico

    Relao transaes realizadas/estoque dos imveis residenciais

    Centro Catete Botafogo Copacabana Ipanema Leblon Tijuca

    1991 3,59 3,61 3,22 3,16 3,10 3,25 3,191992 4,45 3,75 3,44 3,23 3,21 3,79 3,51

    1993 3,39 3,59 3,57 3,26 3,47 4,01 2,96

    1994 3,73 4,07 3,84 4,18 4,24 7,77 3,88

    1995 4,32 4,68 4,50 5,18 5,17 5,27 4,41

    1996 5,38 5,02 5,05 5,60 5,79 10,61 4,71

    1997 5,38 5,78 5,45 5,94 5,41 5,62 5,55

    1998 4,19 5,45 4,85 4,96 4,78 5,68 4,93

    Vila Isabel Bonsucesso Portuguesa Penha Meier Madureira Campo Grande

    1991 3,72 2,51 5,46 5,99 3,45 1,82 1,91

    1992 4,62 3,23 5,10 3,14 3,98 3,12 2,46

    1993 3,38 3,1o 4,76 2,45 2,78 2,47 2,84

    1994 3,39 2,54 5,40 2,07 3,09 1,84 2,80

    1995 4,42 2,44 5,25 1,77 3,50 1,86 1,89

    1996 4,42 2,88 5,99 1,85 3,79 2,29 1,45

    1997 5,01 4,29 4,10 3,30 4,84 3,82 1,92

    1998 4,18 3,36 3,84 2,75 4,34 2,58 2,24

    Fonte: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro; banco de dados de ITBI; organizado por Andrea Pulici, em 2006

    Podemos ver que a rotatividade nos assentamen-

    tos informais apresenta diferenas signicativas no seu

    indicador em relao s favelas pesquisadas. Isso revela

    que o nvel de atividade do mercado informal local no

    uniforme para todas as favelas e varia em funo de

    fatores endgenos a cada mercado local e de fatores ex-

    genos ao assentamento. Na Tabela 2, verica-se que, com

    exceo de duas favelas, o indicador de nvel de atividade

    do mercado de comercializao informal prximo dos

    bairros formais que foram objeto do Programa Municipal

    de Melhoramento Rio-Cidade. Escolhemos esses bairros

    formais para estabelecer um eventual paralelo com al-

    guns programas de melhoramentos nos assentamentos

    informais. Interessante notar que em trs assentamentos

    informais (favelas), a rotatividade do estoque imobilirio

    igual ou superior ao vericado no bairro do Leblon no

    seu ano de maior rotatividade na dcada de 90.13A par- levantamentos censitrios de reas subnormais e avaliando,

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    Coleo Habitare Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

    p

    tir desses resultados, podemos concluir que os mercados

    informais de comercializao apresentam indicadores si-

    milares aos do mercado formal e conrmam nossa ar-

    mao inicial sobre a existncia e a regularidade no fun-

    cionamento dos mercados informais de solo.

    Com a constatao da existncia de um mercado

    de solo informal regular, podemos sugerir que esse mer-

    cado uma das portas de entrada dos pobres na cidade, e

    o seu funcionamento operacionaliza o acesso de famliasde baixa renda em reas consolidadas das grandes me-

    trpoles latino-americanas. A primeira pergunta que po-

    demos realizar, a partir da constatao da existncia dos

    MIS, sobre a condio de acesso ao solo nas APIs, isto

    , os pobres, quando se instalam como moradores nesses

    assentamentos, o fazem na condio de locatrios (infor-mais) ou de compradores de um bem imobilirio infor-

    mal (no legalizado). As consequncias sociais, prticas

    e polticas da resposta a essa pergunta so fundamentais

    para o desenho e denio de estratgias de po