abramo. a cidade com-fusa

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A CIDADE COM-FUSA AMÃO INOXIDÁVEL DO MERCADO E A PRODUÇÃO DA ESTRUTURA URBANA NAS GRANDES METRÓPOLES LATINO-AMERICANAS P EDRO A BRAMO R ESUMO Com a crise do fordismo urbano regulamentar, o mercado imobiliário voltou a ter um papel determinante no processo de coordenação social do uso do solo e de pro- dução da estruturação intra-urbana. A mão inoxidável do mercado de solo está de volta. O trabalho apresenta uma leitura sobre a relação entre a produção da estrutura urbana e as for- mas de funcionamento dos mercados formais e informais de solo na América Latina. Propo- mos como hipótese que as cidades latino-americanas apresentam uma estrutura urbana par- ticular quando comparada aos dois modelos tradicionais (cidade mediterrânea compacta e cidade anglo-difusa). O funcionamento do mercado de solo nas metrópoles latino-america- nas produz simultaneamente uma estrutura urbana compacta e difusa. Essa estrutura urba- na característica das grandes urbes latino-americanas nominamos “cidade COM-FUSA”. P ALAVRAS - CHAVE Cidade informal; produção da estrutura urbana; mercado imobiliário informal e formal; mobilidade residencial. INTRODUÇÃO A crise do fordismo urbano no início dos anos oitenta nos países centrais, em par- ticular na Europa, e o início da construção do que alguns comentaristas chamam da No- va Política Urbana pode ser considerada como o marco formal da institucionalização da cidade neoliberal (Moulaert, 2004). Outros processos acompanham esse movimento, em particular a crítica ao racionalismo construtivista do urbanismo moderno e a amplifica- ção da audiência do discurso do multiculturalismo urbano e da fragmentação étnico-cul- tural e religiosa nas grandes cidades (Taylor, 2002). Porém, nesse trabalho, vamos real- çar um fator que julgamos determinante na construção estrutural da cidade neoliberal e que chamaremos de “o retorno do mercado” como elemento determinante na produção da cidade. Ao longo do período fordista urbano, o mercado tinha um papel muito im- portante na produção das materialidades urbanas, porém, esse papel era mediado pelo Estado na definição das regras de uso do solo e nas características das materialidades ur- banas (urbanismo moderno e decisões de gasto estatal em infra-estrutura e equipamen- tos urbanos). A crise do fordismo urbano se manifesta, sobretudo, através da crise do urbanismo modernista e regulatório com a flexibilização urbana e com a crise de financiamento es- tatal da materialidade urbana (habitação, equipamentos e infra-estrutura) e alguns servi- ços urbanos coletivos. Nos dois casos, o mercado ressurge como principal mecanismo de coordenação de produção das materialidades urbanas, seja pela via das privatizações de empresas públicas urbanas, seja pela hegemonia do capital privado na produção das ma- terialidades residenciais e comerciais da cidade. Assim, a cidade neoliberal tem como me- 25 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS V.9, N.2 / NOVEMBRO 2007

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ABRAMO. a Cidade Com-fusa

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  • A CIDADE COM-FUSAA MO INOXIDVEL DO MERCADO E A

    PRODUO DA ESTRUTURA URBANA NAS GRANDESMETRPOLES LATINO-AMERICANAS

    P E D R O A B R A M O

    R E S U M O Com a crise do fordismo urbano regulamentar, o mercado imobiliriovoltou a ter um papel determinante no processo de coordenao social do uso do solo e de pro-duo da estruturao intra-urbana. A mo inoxidvel do mercado de solo est de volta. Otrabalho apresenta uma leitura sobre a relao entre a produo da estrutura urbana e as for-mas de funcionamento dos mercados formais e informais de solo na Amrica Latina. Propo-mos como hiptese que as cidades latino-americanas apresentam uma estrutura urbana par-ticular quando comparada aos dois modelos tradicionais (cidade mediterrnea compacta ecidade anglo-difusa). O funcionamento do mercado de solo nas metrpoles latino-america-nas produz simultaneamente uma estrutura urbana compacta e difusa. Essa estrutura urba-na caracterstica das grandes urbes latino-americanas nominamos cidade COM-FUSA.

    P A L A V R A S - C H A V E Cidade informal; produo da estrutura urbana;mercado imobilirio informal e formal; mobilidade residencial.

    INTRODUO

    A crise do fordismo urbano no incio dos anos oitenta nos pases centrais, em par-ticular na Europa, e o incio da construo do que alguns comentaristas chamam da No-va Poltica Urbana pode ser considerada como o marco formal da institucionalizao dacidade neoliberal (Moulaert, 2004). Outros processos acompanham esse movimento, emparticular a crtica ao racionalismo construtivista do urbanismo moderno e a amplifica-o da audincia do discurso do multiculturalismo urbano e da fragmentao tnico-cul-tural e religiosa nas grandes cidades (Taylor, 2002). Porm, nesse trabalho, vamos real-ar um fator que julgamos determinante na construo estrutural da cidade neoliberal eque chamaremos de o retorno do mercado como elemento determinante na produoda cidade. Ao longo do perodo fordista urbano, o mercado tinha um papel muito im-portante na produo das materialidades urbanas, porm, esse papel era mediado peloEstado na definio das regras de uso do solo e nas caractersticas das materialidades ur-banas (urbanismo moderno e decises de gasto estatal em infra-estrutura e equipamen-tos urbanos).

    A crise do fordismo urbano se manifesta, sobretudo, atravs da crise do urbanismomodernista e regulatrio com a flexibilizao urbana e com a crise de financiamento es-tatal da materialidade urbana (habitao, equipamentos e infra-estrutura) e alguns servi-os urbanos coletivos. Nos dois casos, o mercado ressurge como principal mecanismo decoordenao de produo das materialidades urbanas, seja pela via das privatizaes deempresas pblicas urbanas, seja pela hegemonia do capital privado na produo das ma-terialidades residenciais e comerciais da cidade. Assim, a cidade neoliberal tem como me-

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  • canismo de coordenao das decises de uso do solo a predominncia do mercado, ou,como preferimos dizer, do retorno da mo inoxidvel do mercado.

    Nos pases latino-americanos, a produo das cidades modernas resulta do funcio-namento das duas lgicas modernas (mercado e Estado), mas tambm de uma terceira l-gica, a lgica da necessidade. Foi a lgica da necessidade que moveu, e continua a mover,um conjunto de aes individuais e coletivas que promoveram a produo das cidadespopulares com o seu habitual ciclo ocupao/autoconstruo/auto-urbanizao e, porfim, o processo de consolidao dos assentamentos populares informais (APIs). Recente-mente, surge uma nova variante da produo da cidade popular que articula a lgica domercado com a lgica da necessidade, e se manifesta socialmente como o mercado infor-mal de solo (Abramo, 2003).

    A hiptese do trabalho que propomos reafirma que o mercado, ao ser o principalmecanismo de hegemonia da coordenao das decises de uso do solo, produz uma estru-tura ou forma de cidade particular e caracterstica da Amrica Latina. Uma estrutura h-brida de cidade do ponto de vista da sua morfologia de usos do solo vis--vis os dois mo-delos tradicionais da cidade moderna. A cidade moderna ocidental tem dois modelosparadigmticos de conformao estrutural em termos materiais do seu ambiente constru-do. O primeiro desses dois modelos identificado com o modelo mediterrneo oucontinental, e a sua estrutura urbana se configura como uma cidade compacta, ondeo uso do solo intensivo. O segundo modelo de cidade o modelo anglo-saxo, e a suamanifestao espacial a de uma cidade difusa com um uso do solo fortemente exten-sivo, de fraca intensidade e baixa densidade predial e residencial.

    Nossa hiptese, que vamos desenvolver ao longo desse trabalho, a seguinte: o fun-cionamento do mercado de solo nas grandes cidades latino-americanas promove de for-ma simultnea uma estrutura de cidade compacta e difusa. Assim, as cidades latino-ame-ricanas tm uma estrutura urbana do uso do solo e das suas materialidades que, ao secompactarem, tambm se difundem e, ao se difundirem, se compactam. Nesse sentido, aproduo da estrutura urbana das grandes cidades latino-americanas, ao conciliar a formacompacta e a forma difusa do uso do solo, promove uma forma de cidade particular: acidade COM-FUSA.

    Vamos demonstrar que tanto o mercado formal, como o mercado informal de so-lo e de edificaes produzem simultaneamente, e por razes particulares vinculadas ssuas prprias lgicas de funcionamento do mercado e de reproduo dos capitais, umacidade COM-FUSA. Em uma palavra, o funcionamento do mercado imobilirio formalproduz uma forma de cidade compacta e difusa, assim como o funcionamento do mer-cado informal de solo tambm produz uma forma de cidade popular ou informal com-pacta e difusa.

    Ademais, vamos enfatizar que a produo e a reproduo da forma COM-FUSA dasgrandes cidades latino-americanas alimentada por um duplo processo, ou crculo de re-tro-alimentao dos mecanismos de promoo da forma compacta e difusa do uso do so-lo urbano. Veremos que o mercado de solo se caracteriza por dois crculos de retro-ali-mentao da forma COM-FUSA; um de natureza formal e o outro com caractersticasinformais. O resultado da produo das materialidades urbanas e, sobretudo, dos meca-nismos promotores do uso do solo nos conduz a sublinhar uma lgica interna de funcio-namento do mercado formal e do mercado informal que promovem um crculo perver-so, em que a compactao alimenta a difuso e a difuso alimenta a compactao. Emoutras palavras, o retorno da mo inoxidvel do mercado de solo produz e potencializa

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  • uma estrutura espacial de uma cidade COM-FUSA. Como podemos imaginar, essa estru-tura COM-FUSA, ao promover demandas de equipamentos e de servios com sinais espa-ciais diversos, um fator que dificulta a elaborao de polticas urbanas mais equitativasem termos socioespaciais.

    A PRODUO E REPRODUO DA CIDADEPOPULAR INFORMAL: O MERCADO INFORMALDE SOLO URBANO

    A cidade popular ou informal na Amrica Latina no um fenmeno recente, e po-demos identificar processos de produo de territrios populares urbanos margem dasregras e das normas oficiais desde o tempo da colnia em praticamente todos os pases decolonizao portuguesa e espanhola. Porm, o processo de urbanizao acelerado do s-culo XX tem um papel determinante na amplificao desse processo de produo de cida-des populares informais. Grosso modo, podemos dizer que na maior parte dos pases la-tino-americanos a produo da cidade popular est vinculada diretamente configuraode estruturas de proviso de moradias e de equipamentos e servios urbanos truncados(Vetter e Massena, 1981) caractersticos de um regime de acumulao fordista excluden-te (Coriat e Sabia, 1989) ou perifrico (Lipietz, 1991). A urbanizao fordista aceleradae excludente na Amrica Latina promoveu um Estado do Bem-Estar urbano que atendesobretudo uma parcela restrita da populao urbana. A estrutura social extremamente es-tratificada e com grandes diferenciais de acesso a riqueza (concentrao de renda) gerouo surgimento de aes urbanas coletivas ou individuais de ocupao de solo (organizadase/ou espontneas) movidas por uma lgica da necessidade de ter acesso a vida urbana(Abramo, 2005), ou, nos termos de Agambem, um movimento de reafirmao da vidaem relao ao direito que no incorporava a vida no direito (Agamben, 2004, p.130).

    A lgica da necessidade impulsiona o processo de ocupao popular de terras urba-nas no incio do sculo XX e, a partir da urbanizao acelerada dos anos 50, vai se trans-formar na principal forma de acesso dos pobres ao solo urbano em muitos pases latino-americanos. Em alguns pases onde o Estado do Bem-Estar fordista excludente promoveua produo estatal de moradias, temos um padro de proviso de solo urbano popularcom dois vetores: a ocupao popular e a produo de moradias em conjuntos habitacio-nais ou lotes urbanizados (Duhau, 2001). Porm, a fragilidade dos sistemas de provisopblica na maior parte dos pases latino-americanos e o crescimento da urbanizao vaitransformando paulatinamente a lgica da necessidade e a sua ao concreta, isto , a ocu-pao popular, na forma dominante de acesso dos pobres a terra urbana.

    A crise dos anos oitenta e dos sistemas nacionais de proviso habitacional em prati-camente todos os pases latino-americanos ter duas grandes conseqncias. A primeirafoi um incremento do ciclo de ocupao e sobretudo o seu aparecimento em alguns pa-ses onde esse fenmeno no era muito presente (Uruguai, Paraguai). A segunda conse-qncia da crise dos anos oitenta foi a consolidao e a potencializao de um mercadoinformal de terras urbanas.

    Esse mercado informal popular existia em muitos pases desde o incio do sculo XX,fosse na forma do mercado de locao em cortios ou outras formas precrias de mora-dia, fosse na mercantilizao ilegal de terras peri-urbanas. A partir dos anos cinqenta, en-contramos alguns pases latino-americanos onde a forma dominante de acesso a terra ur-

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  • bana o mercado informal de solo. O caso mexicano um exemplo concreto de predo-mnio do mercado informal a partir da privatizao individualizada (venda de lotes indi-viduais) das terras coletivas ejidais rurais (Azuela, 1989). Outro caso conhecido o da ci-dade de Bogot, onde praticamente toda a cidade popular tem na sua origem uma vendainformal de solo urbano (urbanizao pirata). Isto , o acesso dos setores populares a umlote urbano operado pelo mecanismo da mo do mercado informal de solo (Maldona-do, 2005; Jaramillo, 2001).

    A existncia do mercado informal de solo atribuda a vrios fatores, mas sobretu-do, a uma legislao urbanstica modernista que dialoga com os estratos de renda eleva-dos das cidades latino-americanas. O modelo de cidade formal modernista das elites lati-no-americanas impe um conjunto de requisitos normativos que produziu umaverdadeira barreira institucional para a proviso de moradias para os setores popularescom rendimento abaixo de trs salrios mnimos, e induziu a ao irregular e/ou clandes-tina de loteadores e processos de ocupao popular de glebas urbanas e peri-urbanas (Rol-nik, 1999; Maricato, 2001). Essa manifestao de movimentos de ocupao e/ou de sur-gimento de mercados informais de solo urbano se repetiu em praticamente todos os paseslatino-americanos. Nesse sentido, podemos afirmar que esse duplo movimento se consti-tui em uma das principais caractersticas da formao socioespacial das grandes cidadeslatino-americanas.

    No marco dessa caracterstica estrutural da formao social e urbana latino-america-na, vamos sublinhar o que identificamos como o retorno, ou a reafirmao, do mercadode solo como uma fora que potencializa a produo de uma estrutura socioespacial de-sigual. Porm, esse mercado retorna assumindo duas formas institucionais diferentes. Omercado retorna com a sua face institucional formal, isto , no marco de um Estado deDireito, mas tambm com uma caracterstica institucional informal. Em uma palavra, omercado informal popular de solo urbano vem crescendo em praticamente todos os pa-ses da Amrica Latina e se transforma em um importante mecanismo de proviso de so-lo e de moradias para os setores populares.

    A exceo dessa afirmao geral o caso do Chile, onde, nos ltimos anos, sua po-ltica neoliberal de proviso habitacional vem reduzindo de forma substantiva o dficit ha-bitacional do pas (Sabatini, 2003). Porm, o relativo sucesso do caso chileno vem se re-velando paradoxal. A poltica chilena de moradias foi elaborada com o objetivo deproduzir, via mercado, moradias populares, e assim formalizar o informal. Essa poltica seinicia durante a ditadura de Pinochet com o objetivo de acabar com os acampamentospopulares, vistos ento como um foco potencial de resistncia ditadura. Essa polticasobreviveu ao regime militar e foi incorporada como uma das principais polticas pbli-cas dos governos ps ditadura. Porm, nos ltimos dez anos, alguns indicadores sobre ascaractersticas dos conjuntos habitacionais chilenos revelam dois fenmenos no espera-dos: um crescimento importante dos preos da terra (urbana e peri-urbana) e o conse-qente deslocamento dos novos conjuntos para reas muito distantes do ncleo urbano(Sabatini, 2005), e um rpido processo de informalizao do formal (Rodrigues, 2004).O retorno da informalidade nas reas formais dos conjuntos habitacionais tem duas di-menses de informalidade. A primeira, de natureza urbanstica, e a segunda, o surgimen-to de um mercado informal nesses conjuntos habitacionais.

    Assim, o crescimento do mercado informal de solo uma realidade nas grandes ci-dades latino-americanas, e as expectativas de adoo de polticas neoliberais de titulaofomentadas pelas agncias internacionais com a chancela intelectual de Sotto podem po-

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  • tencializar essa tendncia (Smolka, 2003; Fernandes, 2003). Nossa questo no prximoitem ser a de apresentar alguns elementos para uma primeira aproximao do funciona-mento do mercado informal de solo e as suas conseqncias em termos de uso do solo ede estrutura urbana nas reas informais urbanas.

    EM DIREO AO ENQUADRAMENTO DO MERCADOINFORMAL DE SOLO: O QUE O MERCADOINFORMAL? ELE REALMENTE EXISTE?

    Uma questo delicada e objeto de muitas discusses a definio de informalidade(Azuela, 2001). No vamos reproduzir aqui esse debate, mas vamos fazer uma opo cla-ra sobre a noo que vamos utilizar para nos referir a informalidade urbana ou do uso dosolo. A primeira observao que informalidade no um conceito, tal como explorao,marginalidade, espoliao e outros que serviram para uma descrio dos fenmenos ur-banos latino-americanos. Nossa perspectiva nesse trabalho a de tomar o termo informa-lidade como um termo descritivo, portanto, pr-analtico. A informalidade em seu senti-do descritivo polifnica e serve para descrever fenmenos em vrias disciplinas(economia, sociologia, lingstica, antropologia, direito, etc.) e situaes concretas da vi-da social. Vamos nos restringir dimenso urbana propriamente dita, ou seja, aquela quenos remete ao uso do solo urbano.

    Nossa primeira aproximao ao termo informalidade a partir da definio propos-ta por Bagnasco (1999) e que nos remete ao campo disciplinar dos direitos:

    Se chamamos de economia formal o processo de produo e de trocas de bens e servios regula-dos pelo mercado e promovidos e realizados por empresas industriais e comerciais com o objeti-vo do lucro e que atuam submetidas s regras do direito comercial, fiscal, do trabalho, etc., po-demos chamar economia informal todo o processo de produo e de troca que no se submete aum desses aspectos1

    Em seguida, Bagnasco conclui sua definio com as seguintes recomendaes:

    O aspecto mais complicado, e efetivamente o mais interessante dessa diferenciao est no fato deque os elementos formais e informais esto imbricados em estruturas de ao social (...) a conclu-so importante que podemos sugerir seria que a economia informal, enquanto tal, no deveria es-tar no centro da pesquisa (acadmica), mas sobretudo a relao do formal e do informal nas es-truturas reais de ao 2

    Assim, podemos tirar duas lies interessantes da citao acima de Bagnasco. A pri-meira diria respeito a uma definio minimalista de economia informal urbana, na qualela seria um ato mercantil de comercializao e/ou locao do solo (edificado) que estariafora do marco institucional do direito urbanstico, do direito econmico e comercial, dodireito de propriedade e dos outros direitos civis que regulariam o uso e a propriedade dosolo urbano. Ou seja, o mercado informal transaciona um bem (material ou imaterial) margem do marco regulatrio da esfera jurdico-poltica do Estado de Direito moderno.

    Seguindo essa aproximao de Bagnasco, podemos dizer que a informalidade urba-na seria um conjunto de irregularidades em relao aos direitos: irregularidade urbansti-

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    1 No original: se chiamia-mo economia formale i pro-cessi de produzione e scam-bio di bieni e servizi regolatidal mercato e realizzati tipi-camente da impresi industri-ali e comerciali orientate alprofito, che agiscono sotto-messe alla regole del dirittocommerciale, fiscale, del la-voro, possiamo chiamareeconomia informale tuttiquei processi di produzionee di scambio che tendono asottrarsi per uno o pi as-petti a questi caratteri distin-tivi.

    2 No original: laspetto picomplicato, e del resto piinteressante, di questa diffe-renziazione sta nel fatto chespesso elementi formali e in-formali sono stretamente in-trecciati in determinatestrutture dazione (...) la con-clusione importante allorache non leconomia informa-le, inquanto tale, deve esse-re al centro di problemachescientifiche di ricerca, ma pi-uttosto il gioco del formale edellinformale in concretestrutture dazione.

  • ca, irregularidade construtiva e irregularidade em relao ao direito de propriedade da ter-ra (Alegria, 2005). No caso de um mercado informal de solo, a informalidade da econo-mia do uso do solo nos remete a essas trs irregularidades, mas tambm a outras irregula-ridades relativas aos contratos de mercado que regulam as transaes mercantis. Assim, omercado informal tambm seria (i) ou (a)regular em relao aos direitos econmicos. As-sim, o mercado informal de uso do solo a somatria de duas dimenses da informalida-de: a informalidade urbana e a informalidade econmica.

    A maior parte dos economistas diria que o mercado regulado por instituies for-tes que garantem que a sua regularidade esteja nos marcos dos direitos legais, isto , aque-les direitos que estariam contemplados e garantidos por um sistema jurdico associado aoEstado (Roemer, 2001). Para os economistas institucionalistas tradicionais (neo-instituci-onalistas), quando encontramos instituies informais nas relaes de mercado, elas esta-riam subordinadas s instituies legais e serviriam para aumentar a sua eficcia instituci-onal, ou seja, minimizar os custos de transao (Williamson, 1985).

    Partindo desse enquadramento, podemos buscar a superao da definio da econo-mia institucionalista tradicional e acrescentar a possibilidade da existncia de um conjun-to de instituies e de normas informais produzidas historicamente nos assentamentospopulares pela via das prticas sociais que de fato configurem um sistema de regulao in-formal das transaes mercantis informais. Assim, propomos uma segunda qualificaopara a existncia de um mercado informal. O mercado informal de solo deve estar forados marcos dos direitos, mas deve ter uma estrutura institucional prpria que garanta areproduo temporal das prticas mercantis informais de compra, venda e locao de so-lo e/ou imveis. Em outras palavras, o mercado informal deve ter instituies informaisque permitam o funcionamento do mercado e garantam em termos inter-temporais e in-ter-generacionais os contratos de natureza implcita estabelecidos nas transaes informaisde mercado.

    No caso do mercado informal de solo, onde temos irregularidades (informalidade)de natureza da titulao, das normas urbansticas e construtivas, os contratos de compra,venda e locao no poderiam ser considerados contratos com o amparo da lei, pois osseus objetos estariam irregulares em relao aos direitos regulatrios. Isso significa quequalquer conflito no pode ser resolvido pelos instrumentos de mediao e de execuolegais. Assim, essas transaes no seriam objeto da regulao e das sanes que servem degarantia aos agentes envolvidos em todas as relaes contratuais da economia formal.

    Quando a lei no se constitui no elemento de garantia das relaes contratuais demercado, outras formas de garantia devem se desenvolver para restabelecer uma relaode confiana entre as partes envolvidas na relao contratual de mercado. Quando noh confiana que os contratos sero respeitados e no h mecanismos coercitivos de cum-primento contratual entre as partes, os contratos de mercados deixam de existir, ou seja,o mercado no se reproduz a partir de relaes mercantis e deixa de existir como meca-nismo de coordenao das aes individuais (Bruni, 2006). No caso do mercado infor-mal e popular de solo urbano, outras formas de garantias devem se construir socialmen-te para que as partes estabeleam uma relao de confiana em respeito aos termoscontratuais estabelecidos entre compradores e vendedores no mercado de comercializa-o, e entre locatrios e locadores no mercado de locao. Do contrrio, a relao de tro-ca mercantil no se realiza em razo da desconfiana mtua de um eventual rompimen-to unilateral do contrato informal. Em outras palavras, sem as instituies formais, omercado informal de solo deve estabelecer as suas prprias instituies reguladoras, in-

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  • cluindo os mecanismos coercitivos, no caso de rompimento contratual unilateral de umadas partes (Abramo, 2009). Essas instituies do mercado informal permitem que oscontratos implcitos estabelecidos entre as partes sejam respeitados em termos inter-tem-porais e inter-generacionais.

    No caso do mercado informal de solo urbano, uma base importante que garanteo funcionamento do mercado e da sua cadeia contratual so as relaes de confiana ede lealdade que as duas partes contratantes estabelecem entre si; assim, os compradorese os vendedores, da mesma maneira que os locadores e locatrios, depositam no outrouma relao de confiana que tem como base a expectativa de reciprocidade a partir deuma relao de lealdade entre as partes. A base dessa instituio informal de mercadono de carter legal, mas depende da permanncia no tempo de uma forma particu-lar de interdio social: a forma confiana-lealdade. Essa relao de reciprocidade inter-pessoal marca muitas relaes sociais (Collins, 2004), mas, no caso de relaes mercan-tis, ela foi excluda pela caracterstica do mercado de promover um encontro contratualentre annimos.

    No caso do mercado informal e popular de solo em que a relao de reciprocidadeconfiana-lealdade uma das instituies fundadoras da possibilidade de existncia datroca mercantil informal, temos a necessidade de uma personalizao das relaes contra-tuais. Essa personalizao pode no ser totalmente transparente e assumir um carter opa-co, mas a personalizao (algum que vendeu ou alugou e algum que comprou ou alu-gou) introduz a possibilidade da relao de confiana-lealdade na constituio de umarelao contratual que por definio implcita (informal), isto , no est garantida pe-los direitos que regulam os contratos econmicos. Assim, no mercado informal de soloso justamente a eliminao da impessoalidade e a personalizao da relao contratualque garantem o mecanismo de confiana e lealdade que permite um contrato de comprae venda ou locao informal (Abramo, 2009).

    Grfico 1 Caractersticas informacionais do mercado informal de solo no Brasil Com-pradores e locatrios, 2006

    Fonte: Abramo, 2006/Infosolo-Brasil.

    O grfico acima sobre as caractersticas informacionais do mercado informal nos as-sentamentos consolidados interessante, pois revela que praticamente todos os compra-dores e locadores tiveram acesso a informao dos imveis ou dos lotes que compraramou alugaram atravs de um parente ou amigo. Esse parente ou amigo que serviu de trans-missor da informao de mercado tambm um parente ou amigo dos vendedores e lo-

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  • cadores, e serve como uma argamassa interpessoal no estabelecimento da relao deconfiana e de lealdade entre as duas partes da transao do mercado informal de solo.Assim, os contratos mercantis do mercado informal de solo esto ancorados em uma tra-ma de relaes de amizade e/ou parentesco que garantem a estabilidade temporal das re-laes de confiana e lealdade entre os agentes que assumem uma relao contratual(Abramo, 2009).

    Porm, o mundo do mercado informal de solo no pode ser visto como um mun-do idlico onde no h relaes oportunistas e conflitivas entre as partes contratantes.Como dizem os poetas, a alma humana um desconhecido que se revela a partir de so-nhos, fantasmas, paixes e dios. Assim, os contratos mercantis so uma forma social deintermediao de relaes pessoais que se estabelecem a partir da mudana de posse oude propriedade de bens ou servios (tangveis ou intangveis) que envolvem homens emulheres com alma humana, portanto, suscetveis a mudar de atitude ou comportamen-to em funo das suas emoes, prazeres, interesses e loucuras. Nesse sentido, uma tra-ma de relaes de amizade e/ou parentesco, por mais entremeada que seja, no garantede forma duradoura e perfeita as relaes de confiana e lealdade nos contratos mercan-tis do mercado informal de solo. A possibilidade de uma ruptura unilateral do contratoimplcito e da relao de confiana e lealdade existe e ser uma ameaa para o funciona-mento do mercado informal. Aqui surge a necessidade de alguma mediao institucio-nal que assuma a posio de um terceiro, ou seja, que esteja acima das partes envolvidas,e que sua ao promova o retorno aos termos do contrato informal inicial ou eventual-mente abra um espao de negociao entre as partes para redefinir os seus termos pac-tuados anteriormente.

    Essa figura, que vamos chamar de autoridade de mediao contratual determi-nante para a manuteno dos contratos informais, e a sua permanncia no tempo garan-te a condio inter-temporal e inter-generacional dos contratos do mercado informal desolo. A hiptese que levantamos a partir de pesquisas de campo sobre os mecanismos con-tratuais do mercado informal de solo (Abramo, 2005) a de que nos assentamentos po-pulares informais se constitui uma autoridade local que serve de figura mediadora dosconflitos nessas comunidades populares. Essas autoridades locais so o resultado de pro-cessos histricos locais que atribuem um lugar de autoridade local constituda a partir deuma infinidade de processos sociais legitimadores. Nesse sentido, a constituio da legiti-midade comunitria da autoridade local se revela a partir da trajetria histrica de cadacomunidade. Essa legitimidade pode ser de natureza religiosa, tnica, cultural, poltica oumesmo a partir da violncia e do controle pela fora, como constatamos em algumas pes-quisas empricas sobre o mercado informal na Amrica Latina (Abramo, 2009). Como aliteratura de antropologia econmica nos revela em muitos estudos, os mecanismos deconvivncia comunitria que garantem a ordem social local exigem algum tipo de formacoercitiva para restringir e controlar os comportamentos conflitivos (ou desviantes). Es-sas formas podem assumir a forma de uma fora coercitiva coletiva passiva, representati-va e/ou impositiva (Duty e Weber, 2007).

    No caso do mercado informal de solo, as autoridades locais servem de instituiomediadora dos conflitos contratuais e permitem que esses contratos sejam respeitadose/ou negociados entre as partes, garantindo, dessa forma, a sua manuteno inter-tempo-ral e inter-generacional. Muitos estudos antropolgicos sobre a forma operacional dosmercados e de organizaes formais descrevem formas de coero que no se restringema sua dimenso coercitiva legal (Duty e Weber, 2007). Da mesma maneira, no mercado

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  • informal de solo identificamos formas e mecanismos coercitivos muito distintos, mas queservem para garantir o que podemos chamar de pacto contratual de mercado.

    A histria social e poltica de cada assentamento constri e desconstri esses mecanis-mos coercitivos. Mas, o fato importante que haja efetivamente uma autoridade localque sirva de mediadora nos casos de ruptura e de conflitos no cumprimento dos contratosmercantis do mercado informal, e ainda, que disponha de mecanismos coercitivos (puni-o) no caso de uma mediao pacfica malsucedida (Abramo, 2009). Como sabemos, noh mercado sem instituies que estabeleam a mediao interpessoal nas relaes mercan-tis. Nesse sentido, o mercado informal de solo nos assentamentos consolidados depende daexistncia de relaes de confiana e lealdade entre as duas partes do contrato informal, emgeral sustentadas pela trama de relaes de amizade e/ou parentesco que permite uma per-sonalizao opaca ou transparente da relao mercantil e o estabelecimento de contratosimplcitos e da figura de uma autoridade local que serve de fiador desses contratos emtermos inter-temporais e inter-generacionais. Essas duas caractersticas definem o ncleobsico das instituies informais do mercado informal de solo.

    Antes de passar a uma tentativa de estabelecer uma taxonomia dos sub-mercados in-formais de solo, gostaria de recuperar a segunda sugesto de Bagnasco e que enfatiza a im-portncia de no transformar a economia informal em um objeto em si mesmo de anlise.Bagnasco afirma, e seguimos a sua sugesto, que a melhor forma de entender a economiainformal a partir da sua relao de interao com a economia formal. Em trabalho ante-rior sublinhamos que as formas de interao entre os mercados formais e informais de solopodem ser de natureza complementar, de concorrncia ou de efeitos de borda com mtuainfluncia no comportamento e estratgias dos agentes dos dois mercados (Abramo, 2005).

    No caso desse trabalho, vamos sublinhar a interao entre o mercado formal e infor-mal de solo a partir das suas resultantes agregadas em termos de uso do solo urbano, ouseja, na produo e na reproduo da forma urbana das grandes cidades latino-america-nas. Como adiantamos na introduo, pretendemos demonstrar que h uma similitudede resultados espaciais no uso resultante do funcionamento dos sub-mercados formais einformais. Como veremos a seguir, o funcionamento desses dois sub-mercados produz si-multaneamente uma estrutura compacta e difusa do uso do solo. Alm disso, encontra-mos nos dois sub-mercados foras de retroalimentao da dinmica de produo da es-trutura urbana COM-FUSA.

    OS DOIS SUB-MERCADOS DE SOLO INFORMALURBANO

    O mercado de terras informal pode ser classificado em dois grandes sub-mercadosfundirio-imobilirio. Tradicionalmente, a literatura de economia do uso do solo utilizao critrio de substitutibilidade dos bens fundirios e/ou imobilirios para definir os sub-mercados de solos urbanos. Utilizando um conjunto de critrios que vamos apresentar emseguida, podemos, em termos esquemticos, classificar o mercado popular informal de so-lo urbano da seguinte maneira:

    1. Sub-mercado de loteamentos (urbanizaes piratas);- clandestinos- irregulares

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  • 2. Sub-mercado nos assentamentos populares informais (APIs) consolidados2.1 Residencial - comercializao

    - aluguel2.2 Comercial - comercializao

    - aluguel

    No nosso caso, incorporamos a definio de insubstitubilidade como uma das va-riveis chave para uma construo axiomtica dos estudos sobre a estrutura do mercado,e analisamos outros elementos que consideramos importantes para definir uma primeiraclivagem do mercado informal. Assim, definimos como elementos determinantes da es-trutura do mercado os seguintes elementos: caractersticas da oferta e da demanda de so-lo; poder de mercado dos agentes econmicos (oferta e demanda); caractersticas infor-macionais do mercado (assimetrias e transparncias de informao); caractersticas dosprodutos (homogneos ou heterogneos); externalidades (exgenas e endgenas); racio-nalidades dos agentes (paramtrica, estratgica, etc.) e ambiente da tomada de deciso(risco probabilstico ou incerteza radical). A identificao dessas variveis aproxima con-ceitualmente a nossa abordagem do mercado imobilirio informal do tratamento moder-no da teoria econmica de mercado, permitindo, portanto, identificar conceitualmente asparticularidades e as semelhanas do mercado informal de solo com os outros mercadosformais da economia. A partir dessas variveis, procuramos identificar diferenas substan-tivas nos mercados de terra informais a fim de estabelecer uma primeira aproximao dadefinio de sub-mercados informais. O resultado desse exerccio pode ser visto no qua-dro abaixo e permite definir dois grandes sub-mercados de solo informais que denomina-mos: 1) sub-mercado de loteamentos e 2) sub-mercado de reas consolidadas (Abramo,2009, 2005 e 2003b).

    Quadro 1 Marco comparativo das caractersticas do mercado informal de loteamentose do mercado informal em assentamentos populares consolidados: taxonomia dos sub-mercados

    Loteamentos Assentamentos consolidadosEstrutura de mercado oligoplica competncia com mercado

    racionado

    Agente dominante e fracionador com capacidade comprador (entrante) e determinao de preos de mark up urbano vendedor (sante)

    tenso entre oferta e demanda

    Assimetria de poder de forte varivelmercado

    Caracterstica do produto homogeneidade relativa (lote) heterogeneidadecom variaes de localizao e metragem

    Externalidades exgenas (hierarquia de endgenas + exgenasacessibilidade + caractersticas fsicas e topogrficas)

    Racionalidade e estratgica com informao pluralidade de racionalidadesantecipao incompleta (jogo da anteci- e objetivos de antecipao

    pao de infra-estrutura)

    Informao incompleta e imperfeita (risco) assimetria informacional e im-previsibilidade (incerteza radical)

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  • O primeiro desses sub-mercados (loteamentos) , em grande medida, definido poruma estrutura oligpolica de mercado, enquanto o segundo sub-mercado (reas consoli-dadas) apresenta um estrutura concorrencial, porm, com uma oferta racionada; isto , aoferta no sub-mercado de reas populares informais (APIs) consolidadas inelstica em re-lao ao aumento da oferta. Como veremos adiante na descrio do circuito perverso deretroalimentao dos dois sub-mercados, essa caracterstica de inelasticidade ter um pa-pel importante no crescimento dos preos informais em reas consolidadas, induzindo al-gumas famlias a se deslocarem para a periferia pela porta de acesso do mercado informalde loteamentos. Em outras palavras, a inelasticidade da oferta no sub-mercado em reasconsolidadas gera uma demanda potencial para o sub-mercado de loteamentos informais.

    Os dois sub-mercados de solo informal podem ser identificados na estrutura urba-na da cidade em reas bem precisas e com distintas funcionalidades no processo de verte-brao urbana. O primeiro sub-mercado opera o fracionamento de glebas na periferia dascidades, constituindo-se no principal vetor de expanso da malha urbana e da dinmicade periferizao precria cuja caracterstica principal nas grandes cidades latino-america-nas a inexistncia (ou precariedade) de infra-estruturas, servios e acessibilidade urbana.A lgica de funcionamento desse mercado de loteamentos oligoplica na formao dosseus preos, mas as prticas de definio dos produtos e do seu financiamento nos reme-tem a tradies mercantis pr-modernas, em que a personifio opaca adquire um pa-pel importante de ajuste da oferta s preferncias e capacidade de gasto da demanda.

    A estrutura oligoplica na formao dos preos um dos fatores da alta rentabilida-de mercantil dessa atividade, mas a flexibilidade no ajuste dos produtos e na adequaofamiliar s formas de financiamentos informal um fator de atratividade para os setorespopulares. Essas duas caractersticas articulam o aspecto de modernidade oligoplica e deflexibilidade ps-moderna em relao oferta de lotes informais com uma dimenso tra-dicional de personalizao da relao mercantil, definindo um nexo moderno-tradicionalde natureza nova no mercado informal que assegura a sua atratividade tanto para os ur-banizadores piratas quanto para a demanda popular. Os produtos desse sub-mercado deloteamentos so relativamente homogneos, e os seus principais fatores de diferenciaonos remetem a dimenses fsicas, topogrficas e s externalidades exgenas relativas po-sio do loteamento na hierarquia de acessibilidades e de infra-estrutura urbana. Nessesentido, a produo informal de lotes pode adquirir uma certa economia de escala, aindaque a temporalidade da venda destes lotes seja muito instvel e dependa de fatores exter-nos s variveis do prprio mercado informal.

    A lgica de formao dos preos no sub-mercado de loteamentos informais obede-ce a uma composio de fatores que, somados, definem o preo final dos lotes informais.Grosso modo, podemos listar os seguintes fatores determinantes dos preos no sub-mer-cado informal de loteamentos:

    1. Fator ricardiano clssico vinculado aos fatores dos custos de fracionamento da gleba.Assim, as caractersticas topolgicas e topogrficas determinam custos de fracionamen-to diferenciados que sero incorporados no preo final do lote informal.

    2. Fator thuneniano de localizao. O fator localizao do loteamento em relao suaacessibilidade e centralidade ponderada pelos meios de transporte disponveis umcomponente que tambm est incorporado no preo final do lote.

    3. Fator de antecipao de infra-estrutura e de servios futuros. O loteador, ao buscar lo-tes sem infra-estrutura urbana e no os disponibilizar para os seus eventuais compra-

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  • dores, antecipa que o poder pblico assumir essas atribuies no futuro. Assim, os lo-teadores antecipam o valor futuro de uma rea infra-estruturada pelo poder pblico ecobram hoje o que ser ofertado no futuro. Esse ganho de antecipao varia em fun-o dos clculos de antecipao do tempo mdio que o poder pblico levar para dis-ponibilizar a infra-estrutura e os servios urbanos bsicos. Como veremos adiante, ofator de antecipao ser um dos componentes mais importante do ganho de fracio-namento da gleba, e conduz os loteadores a buscarem glebas baratas e com poucasacessibilidades e infra-estrutura, pois esse fato permite uma margem maior de ganhode antecipao pelo agente que fraciona a gleba. Em termos espaciais, isso significauma busca contnua de novas reas perifricas, portanto, um deslocamento recorrenteda fronteira urbana ocupada a partir do uso urbano (ou peri-urbano) informal.

    4. Fator de ajuste de mercado. Esse fator um multiplicador ou redutor dos preos emfuno da concorrncia oligopolista entre os loteadores e/ou outros sub-mercados in-formais e formais. A relativa opacidade ou transparncia do mercado de lotes informaispode servir de ponderador desses redutores e multiplicadores, pois quanto mais opacofor o mercado em termos informacionais, menor o peso desse fator na determinaodo preo final.

    5. Fator de facilidade e de flexibilidade nos termos de contratao de crditos informais.A maior facilidade e flexibilidade no acesso a um lote a partir de contratos informaisde endividamento familiar (crdito) gera juros (ou proto-ganho financeiro) de nature-za informal. Esses juros informais no esto vinculados s taxas bsicas de crdito daeconomia formal (taxa de juros fixada pelo Banco Central e praticada pelos agentes fi-nanceiros formais), mas sero incorporados ao preo final do lote.

    Poderamos agregar os fatores de natureza macro ou meso econmica, tais comovolume de emprego, distribuio de renda, etc. Porm, esses fatores, em geral, apenasdeslocam para cima ou para baixo o gradiente dos preos relativos do solo (Abramo,2001). Em nossa perspectiva de relacionar o funcionamento do mercado de solo (for-mal e informal) com a produo da forma urbana, o importante so os preos relativos,isto , a variao de um preo em uma localizao-espacialidade particular aos outrospreos-localizao.

    Assim, podemos sugerir que a estratgia dos loteadores informais ser sempre a debuscar glebas com o intuito de fracion-las minimizando os custos de fracionamento emaximizando os fatores que lhes permitam se apropriar de riquezas produzidas pela va-riao dos preos relativos do solo urbano. Nessas condies, a melhor estratgia do pon-to de vista espacial a busca de glebas baratas e sem infra-estrutura na franja da ocupa-o urbana do solo. O resultado, em termos de produo da forma de ocupao do soloda cidade, uma tendncia a extensificao contnua produzindo uma estrutura difusada territorialidade da informalidade urbana. Em uma palavra, o funcionamento do sub-mercado de loteamentos informais promove a extensificao do uso do solo e a sua re-sultante a produo de uma forma difusa do territrio informal. Na cartografia da in-formalidade da cidade do Rio de Janeiro (Mapa 1), podemos visualizar de forma clara osub-mercado de loteamentos promovendo um vetor de extensificao urbana.

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  • Mapa 1 Localizao dos loteamentos informais no Rio de Janeiro

    Fonte: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2005.

    O sub-mercado das reas populares informais consolidadas apresenta caractersticasbem distintas do sub-mercado de loteamentos. Vimos algumas delas no quadro compa-rativo que estabeleceu a distino entre os dois sub-mercados informais e no vamos de-senvolver essas diferenas nesse trabalho (ver Abramo, 2005; Abramo, 2009).3 Porm,queremos realar que as externalidades endgenas positivas nos assentamentos popularesinformais consolidados so muito importantes na formao dos preos. Acreditamos queexistem duas externalidades endgenas muito valoradas no mercado informal desses as-sentamentos. A primeira dessas externalidades denominamos de externalidade de liber-dade urbanstica e construtiva. Essa externalidade permite ao comprador de um imvelinformal exercer um direito de uso do solo (fracionamento e/ou solo criado) que no es-t regulado pelos direitos urbansticos e de propriedade da legalidade do sistema jurdico-poltico do Estado.

    A possibilidade de fazer um uso do solo de forma mais intensiva sem a mediaodo Estado pode ser vista como uma liberdade para aquele que tem a posse, ou propri-edade informal, de um lote e/ou edificao. Essa externalidade de liberdade urbansti-ca ser incorporada nos preos finais do mercado informal em reas consolidadas etambm ser um atrativo para a demanda desse mercado (Abramo, 2005; Abramo,2009). Utilizando a terminologia tradicional, podemos dizer que a liberdade urbans-tica e construtiva uma vantagem comparativa importante em relao ao mercado for-mal de solo e, ao ser exercida, promove uma compactao nos assentamentos popula-res informais.

    Uma segunda externalidade endgena positiva nos assentamentos populares infor-mais consolidados o que denominamos de externalidade comunitria. Essa externali-dade o resultado de uma economia de reciprocidades em que as famlias tm acesso abens e servios a partir de relaes de Dom e Contra-Dom, nas quais no desembolsamvalores monetrios para aceder a certos bens e servios (Caill, 2000). A externalidade co-munitria sustentada por redes sociais e manifestam dinmicas de proximidade organi-zada (Rallet e Torre, 2007) que permitem interaes interfamiliares que reproduzem tem-

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    3 Em Abramo, 2009 (noprelo), desenvolvemos umadiscusso detalhada e denatureza conceitual sobreas formas de funcionamentodo mercado informal e assuas similitudes e diferen-as em relao ao funciona-mento do mercado formal.

  • poralmente os laos de Dom e Contra-Dom. Esses laos estabelecem uma dinmica detrocas baseada em relaes de confiana e de lealdade (Pelligia, 2007).

    Porm, a condio para entrar nessa economia de reciprocidades que garante oacesso a bens e servios sem comprometer uma parte dos recursos monetrios familiares morar em um assentamento popular informal e ter nele relaes de reciprocidade. As-sim, essa externalidade comunitria tende a ser capitalizada nos preos do solo e cap-turada pelos vendedores do sub-mercado em APIs consolidados (Abramo, 2009). Para adiscusso sobre a forma da territorialidade informal, insistimos que o fator proximidade um elemento valorado pelo mercado informal de solo. A demanda nesse mercado bus-ca as externalidades de liberdade urbanstica e construtiva e a externalidade comunitria.O resultado concreto da prtica (usofruto) da externalidade urbanstica e construtiva acompactao do territrio informal dos assentamentos populares com o fracionamentodos lotes, aumento da densificao predial e familiar e tendncia a verticalizao infor-mal. Da mesma maneira, a existncia e manuteno das externalidades comunitrias de-pendem da dinmica de aglomerao territorial e dos laos sociais (redes) que se formama partir desta aglomerao. Assim, as duas externalidades positivas mais importantes dosub-mercado informal de solo em reas consolidadas promovem e se nutrem da compac-tao espacial.

    Quadro 2 Estratgias dos agentes dos sub-mercados informais de solo urbanoEconomia das estratgias de localizao dos

    mercados informais de solo1. Sub-mercado de assentamentos consolidados

    ECONOMIA DA PROXIMIDADE

    Estrutura compacta

    2. Sub-mercados de loteamentos

    ECONOMIA DE REDUO DE CUSTOS

    Estrutura difusa

    Portanto, podemos levantar a hiptese que o funcionamento do sub-mercado infor-mal nos APIs consolidados est estimulado por uma busca de efeitos de aglomerao e decompactao cujo resultado em termos de uso do solo uma intensificao do uso do so-lo, portanto, uma compactao do territrio informal consolidado.

    Um terceiro fator que incide no processo de compactao das reas consolidadas in-formais o crescimento nas duas ltimas dcadas dos custos de transporte, em particularo aumento dos gastos de transporte no oramento familiar dos setores populares. O fen-meno das super-periferias revela o seu aspecto perverso e de iniqidade social com o com-prometimento crescente do oramento familiar em custos de deslocamento. Uma respos-ta dos setores populares a esse fato pode ser a deciso de mudar seu domiclio para reascom maior acessibilidade. Os dados censitrios em muitos pases revelam o que podera-

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  • mos chamar de um retorno dos pobres centralidade e, na maior parte dos casos, a for-ma de retornar centralidade pela via do mercado informal nas reas consolidadas.

    Como vimos antes, o sub-mercado informal nas reas consolidadas se divide em doissub-mercados: o sub-mercado de comercializao (compra e venda de lotes, casas e apar-tamentos) e o sub-mercado de locao. Na impossibilidade de ocupar solo em reas cen-trais e na impossibilidade de ter acesso ao solo formal, o mecanismo social de retorno dospobres centralidade ser o mercado informal de comercializao e de locao. Resulta-dos de pesquisas recentes sobre os mercados informais revelam a importncia do sub-mer-cado de locao informal como forma de proviso habitacional para os setores populares(Abramo, 2007b). A tabela abaixo revela que em muitas cidades latino-americanas o sub-mercado dominante nas reas populares informais o de locao.

    Tabela 1 Tipo de sub-mercado residencial nos APIs predominantes, 2006Pas Sub-mercado

    Argentina Aluguel Colmbia AluguelMxico ComercializaoPeru Aluguel/ComercializaoVenezuela Aluguel

    Brasil ComercializaoFonte: Abramo, 2006/Infomercado.

    Vemos que em Bogot, Caracas e em algumas metrpoles brasileiras, o mercado delocao dominante e cumpre um papel importante no acesso dos pobres ao solo urba-no. No h a menor dvida de que o crescimento do mercado informal de locao umfenmeno recente e a oferta desse mercado o resultado de um uso mais intensivo do so-lo nos assentamentos consolidados. A oferta de locao informal, em geral, resulta de fra-cionamentos e/ou extenso da unidade residencial ou da subdiviso do lote original comedificao. Nos dois casos, a resultante um uso mais intensivo do solo, portanto, umacompactao dos assentamentos informais.

    O caso do Rio de Janeiro bastante representativo desse crescimento. Em pesquisa re-alizada em 2002 (Abramo, 2003b), verificamos que a participao do mercado de locaoinformal representava 15% do mercado de solo nos assentamentos populares informaisconsolidados. Em apenas quatro anos, em 2006, essa participao passou a ser de 29,0% ea locao informal cresceu em praticamente todos os assentamentos (favelas) pesquisados(Abramo, 2007b). Quando vemos a distribuio do tipo de produto dominante no mer-cado de locao, constatamos que os imveis mais procurados so aqueles de apenas umquarto. A predominncia de pequenas unidades habitacionais no mercado informal de lo-cao alimenta a tendncia de compactao informal. Assim, h dois movimentos que ali-mentam o processo de compactao via mercado de locao informal. O primeiro a trans-formao de alguns moradores dos assentamentos em locadores informais, fracionandosuas moradias e/ou lotes para atender a crescente demanda de locatrios em reas informaisconsolidadas. O segundo movimento a preferncia dos locatrios informais por pequenasunidades em funo da sua reduzida capacidade aquisitiva. Em geral, essas moradias de lo-cao informal apresentam uma forte densidade domiciliar, e sugere uma precarizao doprecrio (Abramo, 2007b). Tanto o movimento da oferta de locao informal quanto dademanda potencializam a tendncia de compactao das reas informais consolidadas.

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  • Tabela 2 Produto dominante do mercado de locao por pas, 2006Pas Sub-mercado

    Argentina 1 quarto (89,8%)Brasil 1 quarto (79,4%)Colmbia 2 quartos (42,7%)Mxico 2 quartos (42,2%)Peru 1 quarto (56,2%)Venezuela 1 qto (40,3%) / 2 qtos (38,4%)

    Fonte: Abramo, 2006/Infomercado.

    A explicao do crescimento do mercado de locao informal est associada preca-rizao do mercado de trabalho, mas tambm a uma dinmica inter-generacional em quea capacidade de poupana familiar praticamente inexistente e o capital inicial necess-rio para adquirir um lote ou casa precria simplesmente no existe. O depoimento deuma chefe de famlia em Florianpolis retrata de forma exemplar essa situao (Sugai,2007):eu pago aluguel, pago mais da metade do meu salrio, e o pessoal daqui diz quecom esse dinheiro eu podia deixar o aluguel e pagar um lote l longe, mas eu pago o lo-te e vou morar onde? Eu no tenho dinheiro para colocar uma casa de p. Assim, tenhoque ficar no aluguel, mesmo sendo to caro.

    O depoimento nos revela a incapacidade de poupana familiar para comprar um lo-te e iniciar um processo de edificao progressiva, clssico nos loteamentos informais po-pulares, mas tambm deixa claro que uma das razes para essa incapacidade de poupan-a familiar est relacionada com os altos preos dos aluguis em relao aos seusrendimentos. Em outras palavras, temos o paradoxo do mercado informal de locao: aopraticar preos relativos altos, garante a sua demanda, que no capaz de saltar para o ou-tro sub-mercado informal de solo, o mercado de loteamentos.

    Tabela 3 Preos mdios dos aluguis em Salrios Mnimos por pas, 2006Pas Aluguel

    Brasil 0,75Argentina 0,24

    Mxico 0,55Venezuela 0,45Colmbia 0,68Peru 0,08

    Fonte: Abramo, 2006/Infomercado.

    Outro fator que alimenta a oferta de locao informal a alternativa que as famliaspobres encontram para complementar seu oramento familiar fracionando a sua unidadehabitacional para fins de locao. Ademais desse fator, podemos sugerir que tambm te-mos um estmulo de mercado. No mercado formal, o valor de locao de um imvel ten-de a ser inferior a 1% do valor de comercializao deste imvel. Na tabela abaixo, vemosque as taxas de rentabilidade da locao informal na Amrica Latina so muito superio-res ao valor de referncia dos bairros formais.

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  • Tabela 4 Rentabilidade do mercado de locao informal relao entre preos mdiosde locao sobre os preos mdios de compra em % por pas, 2006

    Pas AluguelBrasil 2,37Argentina 2,28Mxico 1,09Venezuela 0,70

    Colmbia 2,10Peru 1,51

    Fonte: Abramo, 2006/Infomercado.

    Nesse sentido, podemos dizer que h um estmulo de mercado na converso de es-paos familiares em oferta no mercado de locaes informais. Esse estmulo perverso, poisreduz o indicador de habitabilidade nas reas informais, representa tambm um estmu-lo compactao nos assentamentos consolidados informais. Em outras palavras, do pon-to de vista da forma do uso do solo, o crescimento do mercado de locao nas reas po-pulares informais potencializa a tendncia do mercado informal em produzir umacompactao dessas reas.

    Nos mapas abaixo, vemos a cartografia dos dois grandes sub-mercados informais desolo na cidade do Rio de Janeiro. Podemos visualizar uma clara distino espacial entre ossub-mercados de loteamento e o sub-mercado de solo nas reas consolidadas. O primei-ro se localiza na periferia urbana, enquanto o segundo, nas reas mais centrais da cidade.Porm, o elemento importante desse mapa aquele que sinaliza que o funcionamento dosub-mercado nos assentamentos consolidados produz uma estrutura compacta, enquan-to o funcionamento do sub-mercado de loteamento promove uma estrutura difusa.

    Mapas 2 e 3 Cartografia dos dois sub-mercados informais de solo na Cidade do Rio deJaneiro

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  • Fonte: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2005.

    A concluso, em termos de produo da territorialidade informal que chegamos aoverificar as formas de funcionamento do mercado informal de solo, evidente: o sub-mercado em APIs consolidados promove uma cidade informal compacta, enquanto osub-mercado de loteamento produz uma cidade informal difusa. Isto , o funcionamen-to do mercado informal de solo para os setores populares produz uma estrutura urbanaCOM-FUSA, ou seja, o mercado informal de solo que produz simultaneamente uma es-trutura compacta e difusa.

    O CRCULO PERVERSO DA RETROALIMENTAODOS DOIS SUB-MERCADOS INFORMAIS DE SOLO

    O fato de os dois sub-mercados informais produzirem uma estrutura COM-FUSA douso do solo urbano informal grave, pois promove uma dupla precarizao do habitat eda reproduo da vida popular. O mercado informal, ao promover um territrio cada vezmais difuso, impe custos de transporte crescentes aos trabalhadores que vivem nesses lo-teamentos, mas, quando o mesmo mercado produz uma compactao nos assentamentosconsolidados, ele causa uma precarizao do habitat popular com o aumento de densida-de (predial e domiciliar) e verticalizao com todas as implicaes nos indicadores de ha-bitabilidade (escassez de ar, sol, etc.) que essa compactao promove. Em termos macro-sociais, a existncia e a continuidade do mercado informal de solo esto vinculadas desigualdade na distribuio de renda e incapacidade do poder pblico de promoveruma oferta massiva e regular de moradias. Porm, gostaramos de sublinhar um outro ele-mento que no est necessariamente relacionado com o aumento da precariedade laboralou a incapacidade de ao pblica, mas que serve de motor e alimenta o funcionamentodos dois sub-mercados informais de solo.

    Ao caracterizar o funcionamento dos dois sub-mercados informais de solo, vemosque h uma tendncia de retroalimentao entre eles, na qual o sub-mercado de lotea-mento gera uma demanda para o sub-mercado nas reas consolidadas, e vice-e-versa, es-te sub-mercado tambm produz uma demanda para o outro sub-mercado. Temos uma

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  • forma de funcionamento dos sub-mercados informais de solo em que um sub-mercadopromove a demanda do outro de forma contnua e circular. Essa dinmica de demandasde solo informal que se auto-alimentam mutuamente cria um sistema fechado que, ao cri-ar efeitos de retroalimentao, reproduzem em escala crescente a estrutura COM-FUSA daterritorialidade popular informal.

    Diagrama 1 Crculo perverso de retroalimentao dos dois sub-mercados informais desolo

    No diagrama acima, esquematizamos o circuito perverso de retroalimentao dosdois sub-mercados informais de solo. Vemos que o funcionamento do sub-mercado de lo-teamentos informais, ao promover uma cidade cada vez mais difusa, impe um custo detransporte crescente populao que decide morar em uma periferia cada vez mais dis-tante do centro. Da mesma forma, a precarizao do mercado de trabalho e o crescimen-to da participao de trabalhos eventuais exigem a presena fsica desse trabalhador em al-guma centralidade, impondo um custo de deslocamento que no ser necessariamentecompensado com o rendimento dirio do seu trabalho. Uma sada para essas famlias retornar centralidade. Mas, para tanto, eles devem retornar pela porta do mercado in-formal em reas consolidadas, seja pela mo do mercado de comercializao, seja pelamo do mercado de locao. Assim, o funcionamento do sub-mercado de loteamentosproduz uma demanda para o sub-mercado nas reas consolidadas. Mas, o crescimento dademanda no sub-mercado em reas consolidadas no pode ser respondido com uma mai-or oferta em razo da sua relativa inelasticidade.

    Assim, a reao do mercado via preos, isto , os preos tendem a crescer. Com is-so, temos um aumento de intenes de famlias de disponibilizarem seus imveis ou lo-tes nas reas consolidadas e se capitalizarem (descapitalizarem) para comprar um lote naperiferia e construir moradias com melhores (piores) condies de habitabilidade. Outravez, o funcionamento de um sub-mercado informal alimenta a demanda do outro; nessecaso, o sub-mercado nas reas consolidadas gerou uma demanda para o sub-mercados naperiferia. Esse efeito de retroalimentao perverso, pois produz uma estrutura urbanainformal mais compacta nas reas consolidadas e mais difusa nas franjas urbanas; a cida-de informal COM-FUSA portadora de uma precarizao do habitat popular, como tam-bm de uma perda de ineficincia no uso do solo urbano. Tambm podemos afirmar queo circuito perverso de retroalimentao promove um crescimento dos preos do mercadoinformal de solo, incrementando as distribuies regressivas da riqueza capturada na for-ma de valorizao do solo.

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  • O TERRITRIO COM-FUSO FORMAL4

    O mercado imobilirio o principal vetor de estruturao do uso residencial do so-lo formal das grandes cidades latino-americanas. Ao contrrio do mercado informal, asinstituies reguladoras desse mercado esto inscritas no ordenamento do sistema jurdi-co-poltico do Estado. Porm, o mercado imobilirio tem uma srie de peculiaridades queo tornam um mercado particular em relao a outros mercados da economia capitalista.As trs principais caractersticas distintivas desse mercado so: a imobilidade territorial dobem imobilirio; o seu alto valor individual e o seu longo perodo de depreciao. Cadauma dessas trs caractersticas coloca um problema para a reproduo do capital imobi-lirio. A imobilidade impede que esse bem, produzido sobre um suporte locacional espe-cfico, seja eventualmente descolocado a um outro mercado-localizao (bairro, cidade,pas). O alto valor individual do bem imvel impe que a demanda assuma um compro-metimento dos seus rendimentos familiares futuros, pois a aquisio do bem imvel, emgeral, envolve uma deciso de endividamento familiar. E o longo perodo de depreciao,em mdia de 70 anos, um fator que condiciona no curto e no mdio prazo o retornoda demanda atendida ao mercado condicionando, portanto, a demanda habitacional a fe-nmenos demogrficos (ciclo familiar, migraes, etc.).

    Alm dessas caractersticas, o mercado imobilirio formal nas grandes cidades lati-no-americanas est altamente segmentado em termos de capacidade de compra da de-manda. Essa segmentao de capacidade aquisitiva e solvabilidade da demanda expres-so da desigualdade na distribuio da riqueza no mercado imobilirio. A forma doscapitais imobilirios de se libertarem dessas restries estruturais do mercado imobiliriona Amrica Latina foi a constituio de um mercado imobilirio altamente segmentado.Essa segmentao responde a duas ordens de motivos diferentes. Do ponto de vista daoferta, isto , dos capitais imobilirios, a segmentao da demanda permite uma reduodos riscos e das incertezas dos empreendimentos imobilirios.

    Do ponto de vista da demanda (unidades familiares), a segmentao do mercadoimobilirio garante uma relativa homogeneidade socioespacial do seu entorno residencial.Em outras palavras, uma estrutura de oferta residencial segmentada em termos socioeco-nmicos promove uma estrutura espacial segmentada em termos socioespaciais. Essa es-trutura residencial segmentada (ou segregada, segundo alguns autores) se manifesta comoum mecanismo de distino espacial hierarquizada que reitera espacialmente as divisesde classe e de estratificao socioeconmica da sociedade (Bourdieu, 1994). Assim, a seg-mentao da oferta promovida pelos capitais e a busca de segmentao (distino espa-cial) da demanda se articulam funcionalmente e definem uma forma de atuao dos capi-tais imobilirios nas grandes metrpoles latino-americanas. Essa dinmica de valorizaodos capitais imobilirios produz o que denominamos de uma cidade caleidoscpica(Abramo, 2007a).

    Em trabalhos anteriores, discutimos de forma conceitual e emprica (Abramo, 2001)as motivaes da demanda residencial no mercado formal, e conclumos que o fator de-terminante das escolhas residenciais motivada por uma busca de distino socioespacial,porque as famlias desejam estar prximas aos seus prximos. O desejo de proximidadecom os seus prximos se concretiza em uma externalidade de vizinhana que preferimoschamar de conveno urbana (Abramo, 2007a). Em uma sociedade estratificada, esse pa-dro de comportamento de desejar estar prximo dos seus prximos produz uma cascatade movimentos de rejeio dos no-prximos do alto da pirmide social para baixo. As-

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    4 Retomamos nesse itemos argumentos desenvolvi-dos em Abramo (2007a).

  • sim, as convenes urbanas so hierarquizadas e servem de mecanismo cognitivo que ga-rante a estrutura segmentada e hierarquizada das externalidades de vizinhana, portanto,da estrutura socioespacial urbana segmentada (segregada) e desigual.

    Diagrama 2 A busca de distino socioespacial: a externalidade de vizinhana

    A conveno urbana uma externalidade de vizinhana que no necessariamente es-t ancorada em uma territorialidade especfica; ela no est definida por fatores naturais,mas sim pelo carter de interao socioespacial de setores do mesmo estrato social (oucultural, tnico, etc.). Essa caracterstica da externalidade de vizinhana ser um processode emergncia e de manuteno de relaes de interao socioespacial ser utilizada pe-los capitais imobilirios que desejam renovar o segmento de demanda que habitualmen-te constituem a sua demanda solvvel. Para atrair novamente ao mercado imobilirio amesma demanda, os capitais devem superar a barreira do tempo de depreciao fsica dasedificaes.

    A forma para realizar essa operao a mesma utilizada nos outros setores de bensdurveis, isto , promover de forma contnua a diferenciao de produtos, de tal formaque permita uma depreciao fictcia dos bens durveis. Essa depreciao fictcia de umaparte dos estoque imobilirios promove um mercado secundrio que ser determinantena manuteno da liquidez do mercado de imveis novos. Isto , a depreciao fictcia de-ve ser de tal forma que os imveis depreciados tenham ainda vida til e, sobretudo, repre-sentem uma opo de moradia para estratos sociais inferiores aos que residiam anterior-mente nessa espacialidade. Mas, no caso do mercado imobilirio, temos duas dificuldadespara a utilizao dessa prtica empresarial.

    A primeira diz respeito imobilidade espacial dos bens. Assim, a depreciao fict-cia significa um deslocamento espacial do vetor de atuao dos capitais imobilirios e umaimpossibilidade de eliminao do mercado dos bens depreciados de forma fictcia. Essesegundo problema foi resolvido com o mercado secundrio, em que a faixa temporal dosprodutos desse mercado secundrio so muito superiores aos dos outros mercados secun-drios de bens durveis (automveis, eletrodomsticos, etc.). A existncia do mercado se-cundrio inclusive reduz os problemas relacionados aos altos valores individuais, pois amaior parte das transaes no mercado imobilirio formal so contratos casados, em queo eventual comprador de um imvel deve vender, ou vendeu, um outro imvel. Em ou-tras palavras, a maior parte dos compradores de bens imobilirios tambm so (ou foram)vendedores no mercado secundrio.

    Esse fato introduz uma dificuldade para as estratgias capitalistas de diferenciaodos produtos imobilirios, pois uma desvalorizao desmedida (depreciao fictcia) doestoque residencial existente pode reduzir a liquidez do mercado primrio e inviabilizar aoperao de diferenciao do produto imobilirio. Assim, os capitalistas imobilirios, nassuas estratgias de uso do solo formal, devem procurar desvalorizar o estoque para alguns

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  • (aqueles que buscam atrair como demanda solvvel), mas essa desvalorizao deve repre-sentar uma valorizao para aqueles que garantem a liquidez do mercado primrio, ou se-ja, para os setores imediatamente inferiores na hierarquia de estratificao social. Assim,toda desvalorizao fictcia do estoque promovida pela diferenciao do produto e/ou es-pacial uma depreciao relativa, pois tambm representa uma possibilidade de valoriza-o locacional e imobiliria para outros estratos sociais.

    Como esse efeito est encadeado para trs, pois quem compra sempre vende, a ope-rao de diferenciar os produtos imobilirios se transforma em uma cadeia urbana de des-valorizaes-valorizaes imobilirias em que a atuao do capital imobilirio em um pe-queno segmento do mercado pode promover uma modificao mais ampla na cartografiasocioespacial (Abramo, 2007a).

    Do ponto de vista da movimentao socioespacial, temos dois elementos crticos im-portantes. O primeiro desses elementos que uma diferenciao do produto imobilirioenvolve necessariamente um deslocamento espacial da oferta: oferecer um produto dife-rente em uma espacialidade diferente. Mas, aqui temos o surgimento do segundo elemen-to crtico, pois quando os capitalistas imobilirios pretendem deslocar espacialmente a suaoferta, devem deslocar espacialmente uma parte das famlias que desejam desfrutar da ex-ternalidade de vizinhana (estar entre os seus e ser/ter uma distino socioespacial em re-lao aos outros). Assim, uma depreciao fictcia do estoque imobilirio, uma diferen-ciao da oferta em relao ao estoque existente, tambm exige um deslocamento de umaexternalidade de vizinhana. Nesse sentido, toda operao de destruio fictcia de umaparte do estoque imobilirio, ao ter que recriar uma externalidade de vizinhana, de fa-to uma inovao espacial. E essa inovao espacial, ainda que procure deslocar somenteuma pequena parcela da demanda, envolve uma srie de efeitos em cascata de desloca-mentos domiciliares com o necessrio deslocamento espacial da externalidade de vizi-nhana, como podemos ver no diagrama abaixo.

    Figura 1 Estratificao socioespacial do mercado formal de moradias e lgica dos deslo-camentos em cascata

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  • O efeito urbano desse movimento de deslocamentos domiciliares e de externalida-des de vizinhana promovido por uma pequena interveno de diferenciao do produtopara um segmento restrito do mercado se assemelha a um caleidoscpio no qual um pe-queno deslocamento de um cristal reconfigura toda a imagem. Assim, podemos dizer queo funcionamento do mercado imobilirio formal tem uma dinmica caleidoscpica emque a ao localizada de alguns capitais pode gerar uma srie de efeitos correlatos em cas-cata e, na maior parte das aes, do alto da pirmide social para baixo (Abramo, 2007a).

    Mas o leitor deve estar se perguntando a razo dessa digresso, pois o nosso interes-se nesse trabalho o de discutir a produo da forma espacial das cidades latino-america-nas. A razo dessa digresso est relacionada ao ato gerador do movimento caleidoscpiodas mudanas de uso do solo urbano formal. O ato que promove esse movimento calei-doscpico uma inovao espacial. Como dissemos anteriormente, essa inovao espacial a articulao de um novo produto imobilirio em uma nova espacialidade urbana. Mas,deslocar espacialmente uma demanda tambm impe um deslocamento espacial da con-veno urbana externalidade de vizinhana. Somente podemos identificar uma inova-o espacial, promovida pelos capitais imobilirios, quando temos esses dois componen-tes associados. Em geral, a possibilidade de articular esses dois elementos est associada auma operao de certa escala em relao ao uso do solo urbano. A escala da operao importante, pois exige a atuao de vrios capitais imobilirios, portanto, alguma formade coordenao da sua atuao. Assim, essa inovao desvela em termos espaciais um dosparadoxos do funcionamento do mercado, isto , o seu carter concorrencial e de deci-ses individuais e autnomas, mas que exige alguma coordenao para concretizar o re-sultado antecipado: inovao do produto imobilirio e/ou habitat com um deslocamen-to espacial da externalidade de vizinhana.

    Esse duplo movimento revela o ambiente de incerteza urbana em que as decises lo-cacionais (dos capitais e das famlias) so tomadas (Abramo, 2007a). Uma forma de mi-norar essa incerteza em relao s inovaes espaciais a de promover essas inovaes comuma estratgia locacional de contigidade espacial. Assim, nas ltimas dcadas, podemossugerir que as inovaes espaciais nas grandes cidades latino-americanas se manifestarama partir de um processo de extensificao da cidade formal com a contnua promoode inovaes espaciais para os estratos superiores da pirmide da distribuio de renda.Em termos da estrutura urbana, essa estratgia de atuao dos capitais imobilirios pro-motora de uma cidade de estrutura difusa. Como ilustrao dessa tendncia, podemos vera evoluo do uso do solo do vetor mais rico da cidade do Rio de Janeiro, onde este seg-mento de demanda solvvel sistematicamente deslocado espacialmente, promovendouma dinmica de extensificao da cidade formal (cidade difusa).

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  • Mapa 4 Deslocamento urbano das inovaes espaciais na cidade do Rio de Janeiro

    Mas esse processo de inovao espacial, promotor da estrutura formal difusa, tem oseu reverso. E o seu reverso um processo de compactao da estrutura de uso formal dosolo. Identificamos dois efeitos de compactao associados s estratgias de inovao es-pacial. O primeiro efeito de compactao nos remete ao fato de o estoque depreciado deforma fictcia por uma inovao espacial ser ocupado por famlias de estrato inferior derenda. Em geral, esse movimento de substituio domiciliar produz um efeito de cresci-mento da densidade domiciliar, pois a preos do solo superiores, as famlias tendem a con-sumir menos espao urbano, e a conseqncia seria optarem por unidades habitacionaismenores do que as que deixaram. Assim, as famlias tenderiam a substituir espao domi-ciliar por melhor acessibilidade e/ou um movimento ascendente na hierarquia de repre-sentao socioespacial da cidade.

    Mas o crescimento da densidade domiciliar tambm vem acompanhado de um cres-cimento na densidade predial, em funo de os lotes remanescentes nessa localizao ur-bana terem agora uma lgica de uso do solo mais intensivo. A oferta de imveis novos seadapta demanda potencial de um estrato de renda familiar inferior sem necessariamen-te reduzir os preos do solo. Assim, o ajuste ser oferecer unidades habitacionais com umtamanho mdio inferior ao do estoque existente, produzindo um crescimento da densi-dade predial. Como enfatizamos antes, esse processo de substituio no se restringe auma nica localizao; ele se replica em um conjunto de outras localizaes urbanas pe-las mesmas razes. Ou seja, para uma famlia adquirir um novo imvel, ela vende um ou-tro imvel. Esse imvel tende a ser adquirido por uma famlia de estrato imediatamenteinferior de renda, e se repete o processo de compactao que acabamos de descrever.

    Assim, o resultado do efeito em cascata dessa dinmica de substituio de consumode espao domiciliar por melhor posicionamento na hierarquia de acessibilidades e/ou so-cioespacial e de crescimento na intensidade do uso imobilirio do solo, que se inicia nosestratos mais altos de renda e transborda para os estratos mais baixos, um amplo pro-cesso de compactao da estrutura de uso do solo da cidade formal.

    O segundo efeito de compactao do uso do solo nos remete s estratgias de imita-o que toda inovao exitosa tende a gerar no comportamento da oferta capitalista. Nes-

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  • se sentido, uma inovao espacial, que efetivamente promove uma desvalorizao fictciado estoque e desloca espacialmente uma externalidade de vizinhana, tende a ser imitadapor outros capitais imobilirios. Mas o processo de mimetismo econmico de imitao dainovao exitosa deve ser replicado para famlias de estratos de renda inferiores, pois so-mente assim a imitao ganha o carter de uma inovao relativa. Mas, a utilizao deuma inovao que foi concebida para estratos superiores de renda para uma demanda deestratos inferiores deve ser redefinida em termos escalares e, sobretudo, rentabilizar o usodo solo com um uso mais intensivo. Em outras palavras, a imitao, ao induzir o uso maisintensivo do solo, promove uma compactao da estrutura urbana formal. No mapa dacidade do Rio de Janeiro abaixo vemos que a difuso/imitao de uma inovao tende ase direcionar para vrios vetores de vertebrao da cidade.

    O resultado agregado da dinmica de valorizao imobiliria ser um duplo proces-so espacial. De um lado, a inovao espacial busca uma diferenciao do estoque imobi-lirio, mas o seu xito induz ao mimetismo e reproduo da inovao espacial em ou-tras localizaes urbanas, produzindo o seu contrrio, ou seja, uma homogeneizao doestoque imobilirio residencial. De outro lado, a inovao espacial se realiza promovendouma estrutura difusa de cidade, mas os deslocamentos espaciais das externalidades de vi-zinhana e o processo de imitao desta inovao produzem justamente o seu contrrio:uma estrutura urbana compacta.

    Mapa 5 O mimetismo das inovaes espaciais no Rio de Janeiro

    De fato a imitao de uma inovao espacial promove uma tendncia de homoge-neizao do estoque residencial. Mas a homogeneizao do estoque obriga os capitaisimobilirios a introduzirem produtos diferenciados. Assim, enquanto a inovao promo-ve uma diferenciao do estoque residencial, a sua imitao reafirma uma tendncia con-trria de homogeneizao do estoque. Dessa maneira, a inovao produz uma forma ur-bana difusa, enquanto a imitao produz uma estrutura compacta. Outra vez, mas agorapara a territorialidade formal da cidade, vemos que o funcionamento do mercado imobi-lirio produz uma estrutura urbana com uma forma de uso do solo COM-FUSA.

    Da mesma maneira que encontramos uma lgica de retroalimentao da estruturaCOM-FUSA do uso do solo informal, tambm temos um circuito de funcionamento do

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  • mercado formal em que a mo do mercado promove um circuito de retroalimentao daestrutura compacta e difusa. Em termos esquemticos, o funcionamento do mercadoimobilirio formal produz em termos espaciais um processo de polaridades que se refor-am mutuamente: a diferenciao promove a homogeneizao, que estimula a diferencia-o. Como podemos ver no diagrama abaixo, o resultado espacial do funcionamento des-se mercado o de uma estrutura de uso intensivo e extensivo do solo produzindo, doponto de vista da estrutura urbana, uma cidade formal COM-FUSA.

    Conclumos propondo uma leitura do funcionamento do mercado imobilirio for-mal em que os efeitos retroalimentadores das estratgias dos capitais imobilirios e da de-manda residencial produzem a produo e a reproduo de uma forma de uso do solo for-mal COM-FUSA. Alm disso, o circuito de produo da estrutura COM-FUSA formal sealimenta dele mesmo, caracterizando um sistema fechado ou um sistema que se aproxi-ma dos sistemas de auto-organizao mercantil.

    CONCLUSO

    A concluso desse trabalho exploratrio sobre a relao entre o funcionamento domercado de solo e a produo e reproduo da estrutura do uso do solo a de alertar pa-ra os riscos do retorno do mercado como principal mecanismo de coordenao coletiva douso do solo urbano. Como vemos na figura abaixo, tanto o mercado informal quanto omercado formal de solo promovem um duplo movimento de compactao e difuso, pro-duzindo um uso do solo de estrutura COM-FUSA nas grandes cidades latino-americanas.

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  • No temos dvidas de que numa cidade com uma forma COM-FUSA do uso do so-lo as exigncias de coordenao e de controle pblico da liberdade de mercado so im-prescindveis para torn-la mais igualitria e mais justa do ponto de vista do acesso e dadistribuio da riqueza urbana. Contra o retorno da mo inoxidvel do mercado, procu-ramos demonstrar a imperiosa necessidade de lutar pelo retorno da ao pblica de coor-denao do uso do solo urbano. Uma ao pblica renovada pela ampla participao po-pular em suas decises e que supere a frmula do planejamento urbano modernista emque o princpio da racionalidade instrumental delegue a poucos as decises sobre a vidaurbana de todos.

    Poderamos concluir com uma discusso sobre os impactos da estrutura COM-FUSAdas cidades latino-americanas na formulao das polticas urbanas, mas decidimos termi-nar esse trabalho reproduzindo uma linda afirmao de Samuel Jaramillo (2007),5 em queele enfatiza a necessidade de uma bssola e de um timo para controlar a fria da moinoxidvel do mercado. Segundo as palavras de Samuel: para orientarse en este mar em-bravecido de la ciudad caleidoscpica (COM-FUSA) no vale encomendarse al auxilio hipo-ttico de alguna mano invisible caritativa (el mercado): son necesarios timn y brjula, esdecir, se requiere de la accin poltica democrtica, de nuevo de la planificacin, y de lacomprensin de conjunto de la dinmica urbana.

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    5 Pargrafo extrado do co-mentrio de Samuel Jaramil-lo do livro Cidade Caleidos-cpica, de Abramo (2007),publicado na revista Territ-rios, ACIUR, Bogot, Colm-bia, 2007.

    Pedro Abramo doutorem Economia pela coledes Hautes Etudes en Scien-ces Sociales, Paris, Frana.Professor do IPPUR/UFRJE-mail: [email protected]

    Artigo recebido em fevereirode 2008 e aprovado parapublicao em outubro de2008.

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    A B S T R A C T With the crisis of regulatory urban Fordism, the real estate market hasreemerged as a determining force in the social coordination process of land use and in theproduction of intra-urban structure. The steel hand of the market retorned. This paper presentsan analysis of the relation between the production of urban structure and the functioningmodes of formal and informal land markets in Latin America. It proposes the hypothesis that,compared to the two traditional models: (compact mediteranean cities and the anglo saxon

    P E D R O A B R A M O

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  • diffused cities), Latin American cities exhibit a particular urban structure. In these cities, thefunctioning of land markets produces simultaneously a compact and a diffused urbanstructure. This urban structure, characteristic of large Latin American cities, we designate asthe "Com-Fused" City.

    K E Y W O R D S Informal and formal city; urban structure; informal and formalurban Real Estate; segregation; residential mobility.

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