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relatório do seminário de 2012, contém diversas visões de especialistas sobre os problemas e possíveis soluções para a situação das favelas no rio de janeiro

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SEMINÁRIO DE INTEGRAÇÃO FAVELA-CIDADE

23/05/2012

1. Abertura

Eduardo Eugênio (Presidente da FIRJAN)

Em 1994, Zuenir Ventura descrevia o Rio de Janeiro como uma “Cidade Partida” em seu livro homônimo. Felizmente, hoje podemos dizer que a cidade deixou de ser partida: sociedade civil e poder público se engajam para a integração.

A FIRJAN se insere nesta lógica através de diversas iniciativas, entre elas o SESI Cidadania, fruto de acordo com a prefeitura. O SESI Cidadania inclui programas de educação e de reciclagem dos jovens repetentes em todas as UPPs; programas de saúde, como de saúde preventiva através do esporte para os jovens, e de uniformes para os agentes de saúde; programas de lazer para a terceira idade; e programas de cultura em que diretores de teatro levam a comunidade aos teatros da FIRJAN para contar suas histórias.

Uma cobrança a ser feita ao prefeito: havia prometido em agosto de 2011 que a rede de esgoto estaria implementada nas UPPs já em janeiro de 2012, mas as obras ainda nem começaram.

Vicente Loureiro (Subsecretário estadual de Urbanismo)

É necessário construir pontes que integrem a cidade: não só uma infraestrutura de acesso viário, mas também meios de integração social e econômica. Além da urbanização destas áreas, hoje, dispomos de novos equipamentos sociais de integração: as UPAs, bibliotecas públicas e cinemas; a produção de moradias em escala; investimentos em censos; a mobilidade intermodal (formas inovadoras como escadas rolantes, teleféricos, planos inclinados, etc); a integração viária (possibilidade da chegada de serviços públicos); os eventos de cultura, turismo e entretenimento também como atividades de integração; a atração do investimento privado (ex.: projeto da Coral Tintas); as mudanças de comportamento de concessionárias (ex.: Light); e a economia solidária (prefeitura) e o InvestRio (estado).

Deborah Wetzel (Diretora do Banco Mundial para o Brasil)

Parabeniza o Rio de Janeiro pelos progressos de integração – excelente trabalho transformador da prefeitura e do governo do estado comprovado na prática pessoalmente pelos líderes do WB (visitas antes e depois da pacificação nas favelas).

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Tornar a cidade mais segura é prioritário. Com o programa UPP Social, isto se torna possível. O Banco Mundial oferecerá todo o apoio possível ao programa.

O Banco Mundial viabiliza assessoria técnica para planejamento participativo e alavancagem do setor privado através da UPP Social, e avaliação do impacto da UPP Social sobre as comunidades e seus moradores.

Moreira Franco (Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República)

A questão fundamental no país é o combate à desigualdade. A história deste combate tem como início as leis trabalhistas dos anos 40, passando pelo SUS e a Constituição de 88, atravessando o difícil período de hiperinflação camuflada (que diminuiu o poder do Estado na área social) até o fortalecimento e a definição da moeda nos anos 90, que recolocou o Estado na área social. No período recente, o governo Lula demonstrou ser possível ter crescimento aliado à distribuição de renda, o que diminuiu brutalmente a desigualdade no país.

A pacificação do Rio de Janeiro é tão chave na garantia de um espaço para o Estado intervir na área social quanto o foi a consolidação da moeda, a nível nacional, nos anos 90. Para que a máquina estatal possa ser provedora de políticas sociais, é imprescindível tanto consolidar a disponibilidade de recursos quanto o livre emprego dos mesmos nas áreas em que for necessário.

O problema das favelas é um problema mundial, não se restringindo ao Rio de Janeiro. Impõe tantos desafios que pode-se dizer que a grande questão fundiária no Brasil não é rural, mas urbana. Mas não é um problema de integração: a fonte da violência é a desigualdade, que deve ser nosso foco. Além da igualdade de oportunidades, devemos também buscar a diversidade dessas oportunidades.

Para tanto, as pessoas devem poder dialogar com o poder judiciário. São necessárias estruturas de liderança sólidas e sustentáveis, não “aparelhadas” pelo Estado.

O Brasil até agora falhou com relação a políticas para jovens, não lhes dando a continuidade necessária.

Eduardo Paes (Prefeito do Rio de Janeiro)

A urbanização ou integração física da cidade já vem sendo discutida há muito tempo através de programas como o Favela Bairro, o Morar Carioca (reassentamento, foco em áreas de risco), ou o PAC. Mas esta questão não é a central: basta a disponibilidade de recursos e de bons arquitetos para resolvê-la. O desafio é integrar a prestação de serviços.

Os serviços, se não forem prestados pelos mesmos órgãos na cidade inteira, não estão integrados. Hoje, as únicas instituições presentes em todas as comunidades pacificadas do Rio são a Secretaria Municipal de Educação e a COMLURB.

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Não é apenas a desigualdade que determina a situação nas favelas cariocas. Pobreza e degradação não são sinônimos de bandidagem. Por que em Porto Alegre, cidade tão desigual quanto o Rio de Janeiro, não há territórios ocupados por bandidos? A questão é a ausência de poder público, de política de segurança pública nestes territórios.

2. Estrutura e objetivos do seminário

Moderador: Manuel Thedim (Diretor Executivo do IETS)

Conceitos importantes: liberdade, direitos das minorias, direito ao acesso, crescer a partir das diferenças. A discussão da integração deve partir dos hiatos de oportunidades nas comunidades.

Devemos ampliar essa conversa para fora do Rio e para fora do Brasil, trocando experiências com América Latina e África.

3. Mesa 1: Promoção da Segurança Pública e Resolução de Conflitos

Cláudio Beato (UFMG)

Territórios tomados por conflitos são também territórios com desvantagens sociais. Mais do que inclusão, pensar em mecanismos de desenvolvimento local nestas comunidades.

Pedro Strozenberg (ISER/RJ)

A atual política de combate ao crime estabelece metas efetivamente alcançáveis: o cessar fogo e a aproximação à comunidade. A polícia se propõe especificamente a controlar a questão do confronto armado, opção acertada, não entrando diretamente na questão do combate ao tráfico de drogas.

A UPP é uma solução para as áreas dominadas pelo tráfico, mas não pelas de milícia. Há uma clara linha evolutiva do combate à criminalidade no Rio de Janeiro, mas as milícias permanecem um grande tema intocado, desafio para os próximos anos.

Uma UPP produz mudanças imediatas na vida cotidiana das comunidades onde se instala. Em primeiro lugar, impõe um cessar-fogo na comunidade, o fim dos tiroteios. Este cessar-fogo não é um “pacto” buscado pelas diversas partes – é uma mudança de conduta unilateral da polícia, que buscará construir o desarmamento.

A partir daí, a presença policial permanente modificará a lógica das relações locais. A polícia é um elemento desconhecido na comunidade, cujo posicionamento diante de diversas situações ainda é imprevisível para os moradores. Por mais arbitrária que a relação com os traficantes pudesse ser, ela era previsível: as regras eram conhecidas e expostas de modo claro. A ação policial, de modo paradoxal, é opaca e imprevisível para os moradores das favelas. Torna-se indefinido o que será informal mas aceito, e o

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que será efetivamente ilegal e combatido. A instalação de uma UPP diminui esta incerteza ao progressivamente estabilizar a relação.

Alguns pontos de nó, no entanto, ainda não têm solução em vista. São temas vistos como “tabu”. Os bailes funk, por exemplo, são identificados com o tráfico (pois muitas vezes por ele eram financiados), se enquadram em uma regulamentação oficial ultrapassada que lhes impõe uma série de obstáculos, mas também são muito ansiados pela juventude local. Os serviços de moto-táxis também se prejudicam com a indefinição de regulação. E o encaminhamento de casos de violência contra a mulher esbarra em uma série de dificuldades, desde a distância da polícia civil até simplesmente a indefinição de responsabilidades e o machismo dos envolvidos.

Permanece sempre entre os moradores o temor de retaliação dos traficantes remanescentes. Entre outras razões, este temor se ancora principalmente na expectativa da UPP não cumprir a promessa de vir para ficar. Dado o histórico da relação intermitente com a polícia, é um receio justificado. Daí que se deve buscar um compromisso de médio e longo prazo com as comunidades.

A UPP Social enfrenta a dificuldade de oferecer respostas na velocidade necessária e desejada pela população. Deve ao mesmo tempo superar a desconfiança das muitas promessas historicamente feitas pelos poderes públicos. O acionamento da lei não é prática reconhecida por nenhum dos atores presentes nos territórios. Além disso, a cultura do diálogo não é prática nas comunidades. É um desafio discutir política pública dentro da favela, e por isso compartilhar a gestão não tem sido fácil.

Com a entrada da UPP, o associativismo local ganha uma miríade de novos interlocutores e interventores sociais. Enquanto isso, a reconfiguração das relações institucionais faz com que o comando das UPPs seja percebido como uma instância que concentra poder e legitimidade com as instâncias associativas. Fica em aberto então qual o novo papel das associações de moradores e que lugar elas terão neste novo cenário de resolução de conflitos.

Um problema destas associações comunitárias é sua baixa representatividade das demandas locais, somada à falta de serviços de mediação entre si. Ao mesmo tempo, as instâncias usuais do poder judiciário estão ausentes das comunidades. O resultado é, na prática, que os policiais da UPP têm muito poder em suas mãos, sendo o comandante a única instância de contenção.

No entanto, a liderança deste processo pela polícia tem prazo de validade. A polícia não pode ser o líder local, o representante das demandas locais frente ao Estado já que ela é parte do próprio Estado. Somado a isso, hoje em dia, a cultura policial se pauta numa ideia de policiamento repressivo, incongruente com o papel das UPPs. Pesquisas mostram que grande parte dos policiais quer sair das UPPs, pois não reconhecem este trabalho como legitimamente “de polícia”. Os policiais das UPPs são ridicularizados, chamados pelos colegas de policiais “smurfs”.

É importante ressaltar que a UPP não é um modelo de policiamento comunitário: a polícia não está isolada. O desafio é que a UPP se insira na política pública, tendo cuidado para não focar apenas na lógica de controle armado do território.

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Estamos vendo a primeira vez em que se realiza uma política pública voltada à integração dos territórios enquanto tais. Seria interessante ter forte monitoramento das atividades, pois todo esse processo não é baseado em teoria, mas na prática; por isso, podemos perder aprendizados importantes, que nos ajudariam a evitar políticas “pré-moldadas” e a lidar com o desafio da escala.

Duas iniciativas a serem acompanhadas:

1. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro está capacitando policiais das UPPs para mediarem conflitos nas suas áreas.

2. Programa Justiça Comunitária. Será lançado em breve pela SDH do estado em algumas favelas com UPP. Ao mesmo tempo, o Projeto Justiça Comunitária será lançado no próximo mês em quatro favelas com UPP, pela Secretaria de Direitos Humanos do Estado, com o Iser, com foco na mediação interpessoal.

Gustavo Maurino (ACIJ – ONG de Direitos Humanos)

Trabalho de integração em Buenos Aires, com a ideia de criar a cidadania através do enfoque nos direitos. A abordagem igualitária deve se tornar a abordagem dos direitos: trazer as instituições às comunidades; garantir o empoderamento social; tornar pública a decisão de políticas e os processos envolvidos pelos governos nas comunidades. Com base nestes princípios, chegou-se ao modelo de Community interest advocacy: um modelo para promover direitos humanos e igualdade nas comunidades.

Maitreyi Das (Banco Mundial) - Safe Cities

A percepção de insegurança é tão importante quanto a própria insegurança para a participação comunitária, dificultando o acesso a oportunidades. Ao mesmo tempo, em diversos casos pesquisados, para altas taxas de percepção de insegurança foi descoberto pouco contato com insegurança de fato. É sempre preciso ter cuidado com a coleta deste tipo de dado, já que a sensação de insegurança pode ser muito variável ao longo do tempo, mesmo em condições de facto inalteradas.

No Brasil, temos até hoje poucas avaliações de impacto dos programas ou políticas que tiveram impactos efetivos na questão do crime. Os casos de sucesso são escassamente documentados, e há pouca pesquisa em relação a percepções (como a de insegurança) na avaliação de programas urbanos.

É necessário cuidado especial com as percepções relacionadas à pacificação. Normalmente há mudança de patamar da violência nos territórios, mas há permanência da mesma nos mesmos locais.

4. Mesa 2: Adequação do marco legal, ordem pública e regras de convivência

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Moderador: Fernando Patiño (Coordenação Geral da ONU-HABITAT para a América Latina e o Caribe)

De acordo com a literatura e com os exemplos históricos, a integração propriamente dita é iniciada com a regularização fundiária: o ponto de partida é quando o Estado outorga títulos de propriedade aos moradores, garantindo-lhes a segurança da posse. No entanto, exemplos recentes, se confirmam a importância desta etapa, indicam também que o carro-chefe da integração pode ser outro. No Rio, o estopim da mudança parece ser fundamentalmente a pacificação do território, sendo a regularização fundiária uma etapa subsequente.

Entre a noção de atividade formal e a de atividade informal existe uma miríade de posições intermediárias: é uma transição contínua, assim como a transição entre o que é legal e o que é ilegal, e do que é ilegal para o que chega a ser criminoso. Estes conceitos não devem ser tratados como pólos incomunicáveis, mas sim como direções em um espectro contínuo. Há, por exemplo, o chamado setor cinza: a informalidade tradicional, socialmente aceita. Qualquer integração deve levar em conta essas transições intrínsecas ao processo.

Sergio Guimarães (DIC/IPP)

Apresentação estatística baseada em dados do Censo demográfico, pesquisa FIRJAN/IETS e Abramo (2003).

Tanto o IBGE quanto o Plano Diretor de 1992 usam três critérios para definir favelas: carência de serviços públicos essenciais, urbanização irregular e ocupação ilegal da terra. Esta última característica se deve ao surgimento das favelas a partir de invasões de terrenos públicos ou privados, ou de áreas de proteção ambiental. O percentual de registro de imóveis é, assim, extremamente baixo. No entanto, o percentual de imóveis comprados é alto. Temos aqui um expressivo mercado fundiário informal: 65-80% dos moradores comprou o terreno do seu imóvel ou mesmo o próprio imóvel.

A alta irregularidade legal também está presente na informalidade dos empreendimentos locais. Para compreender as razões disso, é interessante pensar na formalização do negócio como um investimento que os empreendedores locais decidem realizar ou não, tendo custos e benefícios correspondentes. Qual a taxa de retorno desse investimento? Se queremos que optem pela formalização e garantir sua aderência, devemos levar em conta a decisão microeconômica do empreendedor local. A decisão pela informalidade é perfeitamente racional.

A maioria dos clientes dos empreendimentos locais é moradora da própria favela, travando, desse modo, relações pessoais com os empreendedores. Ao mesmo tempo, mais de 60% dos recursos utilizados para abrir estes negócios são provenientes de empréstimos com amigos e familiares, de poupança e do FGTS. Muito pouco provém de empréstimo bancário ou microcrédito. A formalização é, em grande medida, um investimento necessário para acessar mercados mais distantes e impessoais (crédito, fornecedores, clientes, etc), e a situação na favela é o oposto disso: relações pessoais que não requerem documentação, formalização.

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Para lidar efetivamente com esta situação, a invasão do estado de direito às favelas deve ser completa: não deixar subsistir bolsões de informalidade que distorçam os incentivos microeconômicos locais. Para isso, devemos ter regras de transição negociadas – POUSO e UPP Social podem intermediar pactos – ao lado de uma legislação flexível – como AEIS, Lei do Empreendedor Individual.

Paul Bromberg (ex-prefeito de Bogotá e professor do Instituto de Estudos Urbanos na Universidade Nacional da Colômbia – UNAL)

O problema não é indivíduo-estado, mas sim indivíduo-entorno. Cultura-cidadã: “that generates sense of belonging to the social group of a city, pave the way for fruitful coexistence, and lead to the recognition of rights and duties”

5. Mesa 3: A importância do capital social e da participação comunitária na integração urbana

Moderador: José Marcelo Zacchi (IETS)

Bharati Chaturvedi (Chintan Environmental Research and Action Group)

De acordo com o Banco Mundial, em média cerca de 1% da população de uma cidade em desenvolvimento está diretamente relacionada à reciclagem. Na Índia, a população de catadores de lixo chega a 1,5 milhões. A reciclagem pode ser encarada como uma ferramenta de inclusão urbana da população miserável.

Em Delhi, os programas voltados para esta população deram voz às cooperativas e associações de catadores. Foram realizadas passeatas para que os catadores deixassem de ser “socialmente invisíveis” ou vistos como ladrões de lixo.

Outras medidas foram realizadas, como a provisão de informação gratuita; a ajuda na organização e estruturação dos catadores; a melhoria das condições de trabalho (por exemplo conscientizando a população de modo a permitir a coleta do lixo na porta da casa das pessoas, em vez de obrigatoriamente no lixão); e treinamentos para coleta de lixo tóxico.

Jailson de Souza e Silva (Observatório de favelas)

A favela não “está” na cidade, a favela é cidade. Não podemos opô-las como duas entidades coexistindo em separado. Apesar de desigual, a cidade é integrada para os moradores das favelas, pois eles circulam por toda a cidade. Não podemos continuar pensando a favela dentro de um paradigma de ausências ou carências.

A UPP é um grande avanço, pois com ela foi reconhecido o direito dos moradores de favela à segurança pública. O maior esforço agora é não deixar que a favela seja tomada

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apenas pela polícia, que não seja um “Estado-polícia”. Nesse sentido, a UPP Social, com a liderança de Ricardo Henriques, tem um grande diálogo com a comunidade.

Pesquisas mostram que, enquanto a morte violenta entre brancos está em queda, para negros ela vem aumentando. A violência letal na favela, a insegurança da vida de seus moradores, contrasta com a insegurança patrimonial na zona sul. A UPP atua para enfrentar estas questões.

Ao mesmo tempo, a UPP pode ser muito perigosa, pois abre espaço para a “invasão do mercado”, como por exemplo na questão imobiliária. Não queremos regular o direito individual de livre-disposição das posses. O problema é de iniciativas privadas aproveitarem o período transicional de indefinição dos valores dos terrenos para realizarem extensas aquisições, capturando todo o valor da terra, enquanto os moradores terminam tendo de realocar-se para condições piores. Nesta etapa de transição, talvez fosse importante adiar a regularização fundiária até a nova situação estabilizar-se e toda a comunidade estar ciente do real valor dos terrenos. A abertura deste mercado fundiário à iniciativa privada externa pode resultar em grandes benefícios para os moradores, na medida em que suas propriedades serão valorizadas, mas, caso ocorra de maneira desordenada, o saldo final pode ser de grandes hotéis obtendo terrenos a preços baixos, ao lado de uma multidão de moradores desalojados em troca de uma remuneração insuficiente para manter seu nível de vida. O Estado deve ter uma atenção especial para que a concessão de direitos não seja um presente de grego, que por seu uso precipitado cause mais mal do que bem.

Recentemente, as associações de moradores da maioria das favelas do Rio de Janeiro vêm se distanciando do tráfico e começando a realizar eleições diretas, o que não acontecia há muito tempo. Na contracorrente, o avanço das milícias é muito mais preocupante já que elas intervêm diretamente nas associações, não deixando espaço para qualquer forma de atuação independente, como era o caso com o tráfico.

Os jovens desempregados da favela devem ser pensados como um todo, e não particionados em oriundos do tráfico, por exemplo.

6. Keynote speaker

Moderador: Cyprian Fisiy (WB)

Ricardo Paes de Barros (SAE – presidência da república)

A favela é uma área mais pobre do que o resto da cidade, e de uma pobreza relacionada a atividades mais informais do que em outras áreas tão pobres quanto. Muitas destas atividades poderiam ser formalizadas. Esta informalidade é também proporcionalmente mais ilegal (não passível de formalização) do que a de áreas tão informais, e esta ilegalidade é ainda mais violenta do que de outros contextos tão ilegais.

Invisibilidade bilateral: a favela não existe para o Estado, mas também não o reconhece. A falta de integração gera isolamento da favela, o que corrobora a ausência do estado, levando à informalidade, que leva a soluções e arbitragem privadas dos conflitos

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locais.Tudo isto acentua o isolamento, formando o ciclo vicioso da segregação: o que surgiu como improviso passa a ser estrutural.

Hoje, a situação chegou ao ponto de não poder continuar sendo ignorada, por conta do tamanho e do poder político crescentes das favelas, da crescente oferta de serviços públicos, e pela criminalidade e violência chegando a níveis alarmantes. Mas isto levanta a pergunta: a pacificação, enquanto interrupção do processo, é uma decisão unilateral ou bilateral? Se é unilateral, é uma “invasão” do Estado na favela.

O que a cidade ganha com a pacificação, apenas a redução da violência? A favela ganha melhorias dos serviços públicos, redução da violência, financiamento da formalização, integração econômica. Por outro lado, essa formalização é um custo, que pode aumentar a pobreza. Ao mesmo tempo, torna-se necessária a reestruturação da ação comunitária sobre novas bases.

O processo de integração é sequencial: primeiro se pacifica, depois se reduz a desigualdade. A pacificação é um choque, enquanto a redução da desigualdade se dá gradualmente. A integração pode ser dividida em seis dimensões:

1. Pacificação e resolução de conflitos. Garantir os direitos humanos da população local e a sustentabilidade dessa pacificação.

2. Reorganização das instituições e lideranças, remontando a capacidade de ação coletiva local. A ação comunitária se havia construído face à dominação do tráfico e por isso se desestrutura com a pacificação. A necessária reorganização do capital social da comunidade é, no entanto, historicamente uma ação a que o Estado se mostrou profundamente inábil. Será um desafio contínuo para a UPP Social e etapa fundamental na integração.

3. Transição para a formalização, legalidade e ordem pública, baseadas no gradualismo e no relativismo. No entanto, resta a pergunta se queremos ou devemos efetivamente levar para as favelas as questões que originaram a elas próprias, a saber, o pagamento de impostos e o respeito às leis urbanísticas. A alternativa seria a criação de regras específicas, como se deu com o SIMPLES.

4. Igualdade de oportunidades e de acesso a serviços públicos. Pesquisas demonstram que, nas áreas urbanas do Brasil, não há diferenças expressivas entre os setores normais e subnormais (as favelas) com relação a emprego e frequência escolar, assim como com o acesso a água e a celular. No entanto, há desigualdades marcantes como na renda média, na pobreza, na renda do trabalho, no sindicalismo, na escolaridade, na taxa de reprovação, na nupcialidade precoce e na fecundidade precoce.

As diferenças de renda média se explicam por conta da demografia (maior fecundidade nas favelas), das transferência de renda (menores para as favelas, talvez por conta de aposentadorias e informalidade) e da menor produtividade dos moradores de favela. Nos últimos anos, as desigualdades de pobreza vêm diminuindo, mas outras como a de acesso ao ensino superior aumentaram. No geral, a desigualdade foi reduzida principalmente nos bens públicos básicos.

5. Integração econômica, física e simbólica. Necessidade de construção de identidade local e do sentimento de pertencimento à cidade. Isto envolve criar museus, valorizar a

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cultura das comunidades enquanto experiências singulares, ao mesmo tempo em que as engloba como partes de um todo, a cidade do Rio de Janeiro.

6. Ressignificação da juventude. Os jovens das favelas trabalham mais do que na cidade (maior taxa de ocupação) e formam suas famílias muito mais cedo; mulheres também engravidam muito mais cedo. Desta forma, na favela ocorre um encurtamento da juventude, enquanto no restante do país, a juventude se prolonga.

O jovem morador de favela tem menos anos de estudo e reprova muito mais. Para combater essa desigualdade de educação, antes de convencê-los a estudar mais, deveríamos consertar a baixa efetividade dos seus anos de estudo. O mercado de trabalho paga muito menos a ele como retorno a sua escolaridade, de forma que o diferencial de salário para um ano extra de estudo é muito menor na favela do que para moradores do restante da cidade.

24/05/2012

7. Mesa 4: O papel do setor privado

Anaclaudia Rossbach (ONG Interação)

Panorama do dia anterior: favelas representam 22% da população do Rio. Para o setor privado externo, são importante mercado consumidor e fonte de mão de obra. Possuem uma dinâmica econômica interna, com diversas iniciativas de empreendedorismo local. Têm acesso a educação e emprego, mas há deficiência nos retornos à educação.

Hilda Alves (FIRJAN)

Apresentação do programa SESI Cidadania, da FIRJAN.

A FIRJAN chega à comunidade na primeira semana de instalação da UPP e, em contato com o comandante, estabelece a equipe multidisciplinar que trabalhará no território. As demandas locais são estabelecidas conjuntamente com as lideranças das comunidades. Em parceria com o IETS, foi feito o diagnóstico socioeconômico de cada comunidade para melhor atuar nestas áreas.

Na área de educação, o programa inclui: reforço escolar; EJA – Educação de Jovens e Adultos visando aumentar o nível de escolaridade; e o programa Indústria do conhecimento – bibliotecas com rodas de leitura (jovens e crianças).

Já na área de trabalho, o programa inclui cursos de educação profissional do SENAI; feiras de profissões; “Terças sem dúvida” no SENAI (explicações sobre o mercado de trabalho e cursos oferecidos); e também cursos oferecidos em horário alternativo (de meia-noite às seis da manhã) para atender à demanda das comunidades, juntamente com auxílio-transporte.

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Há ainda outros programas de esportes, cultura e saúde como o Atleta do futuro, os focados na terceira idade e as idas da comunidade a teatros da rede (com crianças e terceira idade).

Em favelas, os problemas vão surgindo e as soluções vão sendo customizadas. Por exemplo, os moradores faziam cursos profissionalizantes e não conseguiam emprego. A FIRJAN descobriu então que a deficiência de qualificação não era apenas técnica, mas também comportamental – falta de comunicatividade, por exemplo – e de experiência de trabalho.

Carla Teixeira (SEBRAE)

A integração entre os mercados da favela e do resto da cidade já existe, mas apenas no mercado consumidor. A questão que se coloca é de como inseri-los na cadeia produtiva da cidade como um todo.

Empreendedores de favelas se caracterizam pela sua alta informalidade, sendo majoritariamente empregadores (em oposição a conta-próprias) e voltados para o mercado interno da favela. O empreendedor típico é adulto, de baixa escolaridade, e com pouco acesso a informação (sobre regras para formalização, por exemplo). Também não se identificam como “empreendedores” mas como “comerciantes”. Os empreendimentos em favela possuem maior duração em média do que os empreendimentos do asfalto.

Para alguns empreendedores o término do tráfico melhora os rendimentos, já que antes eles eram obrigados a conceder produtos gratuitamente para os traficantes. Por outro lado, a pacificação muitas vezes traz a concorrência dos serviços públicos para certas atividades. A regularização da provisão de serviços públicos como energia elétrica, com a cobrança das tarifas correspondentes, pode também impor-lhes custos expressivos, como a substituição de bens duráveis muito velhos, cujo consumo de energia exorbitante torna-se insustentável.

Uma forma mais fácil de incentivar a organização dos empreendedores da favela seria o pagamento de taxas por semana, por exemplo, porque a perspectiva de longo prazo para estes empreendedores é de uma semana ou um mês.

Exemplo de inovação na favela: a microempresa Carteiro Amigo, na Rocinha, que é contratada por empresas e pelos moradores para garantir a entrega das correspondências no território.

8. Mesa 5: Ressignificação da juventude

Mauricio Blanco (IETS)

A maioria dos jovens que não trabalham nem estudam é composta por meninas que tiveram filhos, conforme as pesquisas realizadas pelo IETS.

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Mobilidade social está muito relacionada à rede de contatos, lacuna importante para os jovens de favelas.

Regina Novaes (IESP-UERJ)

Não temos uma metodologia para trabalhar com os jovens como já temos para crianças e adultos. A juventude é sempre pensada como etapa transitória entre infância e vida adulta. É preciso pensar a juventude em si, como o tempo presente para o jovem, e não como uma preparação para o futuro. Além disso, toda experiência geracional é inédita.

Hoje, nas favelas, esta experiência muitas vezes é o medo de “sobrar”, a morte de pares, e a segregação sócio-espacial – discriminação por endereço. Para o jovem da favela, ocorre um divórcio entre educação e trabalho: estudo não garante empregabilidade, e o emprego não condiz com o nível de escolaridade.

Além de buscar o diálogo intergeracional, a comunicação intrageracional também deve ser levada em conta, pois há grupos de jovens que não se comunicam (segregação, gangues).

Maria Celia Pucu (SEASDH)

No estado do Rio de Janeiro, um quarto da população é jovem – tem entre 15 e 29 anos – somando cerca de 3,8 milhões de pessoas. Os governos atuais têm dedicado atenção especial à juventude. Foram criados Centros de Referência da Juventude (CRJ), com objetivo de desenvolver competências básicas e qualificar para o mundo do trabalho jovens em situação de vulnerabilidade social. O objetivo é chegar com estes centros a todas as comunidades pacificadas.

Política de juventude 2.0: o “Programa de Inclusão Social e Oportunidades para Jovens do Rio de Janeiro” atenderá, com seus diferentes serviços, cerca de 50 mil jovens moradores dos territórios pacificados do Rio de Janeiro. Todas as áreas de UPP serão contempladas. É fruto de uma parceria com o BID, tendo o maior financiamento na história dos programas focados na juventude. Grupos prioritários bem específicos: jovens e adolescentes grávidas ou mães; egressos de penitenciárias e que cumprem medidas socioeducativas; pessoas recentemente desvinculadas ou ainda vinculadas ao tráfico; que não estudam e não trabalham; e dependentes químicos.

Ricardo Henriques (IPP)

As favelas são ambientes de fragilização dos vínculos de confiança. É muito baixa a confiança dos jovens nas instituições (e.g. a polícia), no investimento em educar-se, ou nos professores. O ambiente ainda gera indiferença quanto à vida humana. Contribuem para este quadro negativo a medicalização na saúde, o isolacionismo da escola e a criminalização dos jovens.

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Confundiu-se historicamente desigual com diferente, de modo que a luta pela igualdade muitas vezes se torna um aplanamento das diferenças. Ora, a redução das desigualdades também passa pela diferenciação dos indivíduos enquanto construção de identidades próprias. Os jovens não podem ser visto como objetos de política pública, inertes e homogêneos: são seres-sujeitos que oxigenam a máquina estatal com suas individualidades.

As políticas para jovens não podem ser estruturas consolidadas: devem ser flexíveis, envolvendo encantamento e sedução desses jovens, caso contrário sempre haverá baixa aderência e não se restabelecerão as relações de confiança. Não devemos cristalizar a segregação para daí tentar um resgate: precisamos furar o bloqueio destas políticas rígidas. Pré-moldados não funcionam. O programa UPP Social dialoga diretamente com resultados.

Os professores muitas vezes são vitimizados, quando na maioria das vezes são os principais atores transformadores. Ocorre com freqüência a sobrerresponsabilização da escola. Falta, além disso, republicanizar a educação, dar flexibilidade às escolas.

Há uma falsa discussão de ausência do Estado no Rio de Janeiro. O que há é a precarização do Estado onde ele está, devido ao controle dos territórios por grupos armados.

Em síntese, necessitamos do trinômio Gestão-Gestão-Gestão: intra-secretarias, entre secretarias e entre esferas de governo. É necessário um sistema de Governança consistente, além de Informação (produção de conhecimento sobre as dimensões setoriais dos territórios) e Flexibilização do aparelho estatal.

9. Mesa 6: Integração econômica, espacial e simbólica nos centros urbanos

Moderador: Maria Alice Rezende de Carvalho (PUC-RJ)

Ricardo Leite (Secretário da prefeitura de SP) – [email protected]

Na Grande São Paulo, 3 milhões de pessoas em “assentamentos precários” de periferia, ou em cortiços no centro. São 640 mil domicílios em favelas.

Para sanar o déficit habitacional atual seria necessária uma área equivalente a 5% do território hoje ocupado pela cidade. No entanto, a cidade está próxima de seus limites de expansão territorial: não há mais terrenos disponíveis para construção de novas casas. Desde 2000, não há novas favelas. Esta restrição de terrenos aumenta seu preço, o que restringe ainda mais o acesso da população de baixa renda à moradia.

O plano de habitação atual leva em conta os três princípios explicitados abaixo. Como resultante teríamos uma “cidade compacta”, equilibrando oferta e demografia.

1. Não minimizar o custo na compra do terreno. Construir em locais baratos, tentando maximizar o benefício da verba pública, resulta em moradias longe demais, o que causa problemas de deslocamento. Em São Paulo, hoje, são 7 milhões de viagens de metrô por

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dia. Criam-se bairros sem emprego, ao mesmo tempo em que as regiões com empregos estão sem trabalhadores. Toma-se por princípio, então, equilibrar moradia e emprego, tomando a boa localização como crucial para a construção das habitações.

2. Verticalização: verticalizar diminui o custo do terreno.

3. Projetos arquitetônicos “agradáveis”. A preocupação com um bom padrão estético visa integrar os novos complexos à cidade e ao seu entorno, criando moradias que efetivamente contribuam para o bem-estar dos cidadãos.

Além disso, segue-se a lógica de utilizar o setor privado para construir as unidades habitacionais. Há projetos de habitação com parceria privada: lojas instaladas no térreo dos prédios, presença de gestão condominial, empreendimentos de lazer, etc.

Maninder Gill (WB)

Apresentação sobre projeto arquitetônico para Mumbai (Índia): megalópole de 12,5 milhões de habitantes, dos quais 7,5 milhões (70%) vivem em favelas, que ocupam apenas 10% do território da cidade. Além destes, 130 mil habitantes vivem em calçadas.

Paradoxalmente, as favelas ocupam terras muito caras. Com base nisto, a solução encontrada foi o reassentamento vertical in situ, isto é, construção de unidades habitacionais verticalizadas no terreno onde antes estavam as favelas, permanecendo os moradores destas na mesma área da cidade. Este modelo só é viável em locais onde o valor da terra é muito alto, de modo a ser lucrativa a construção do prédio pela simples liberação de terreno.

A cidade precisa de terras para habitação e infraestrutura, mas não possui recursos suficientes para a compra de terras e construção de moradias. Surgem daí as parcerias com o setor privado para a construção dos apartamentos. O setor privado está disposto a investir recursos em habitação, desde que haja terra e lucros suficientes. Constróem gratuitamente em troca de, por exemplo, poder construir acima do limite de pavimentos usual nas zonas mais caras da cidade. Recebem direitos de desenvolvimento adicionais (Direito de Desenvolvimento Transferível – DDT) em outras áreas residenciais de alto valor. Resta a questão de quanto extrair da lucratividade do setor privado.

Para a conclusão destes objetivos, é necessário um extenso processo de mobilização da população para que saiam das favelas e vão morar em apartamentos construídos e fornecidos gratuitamente no mesmo local. As decisões são tomadas sempre por associações de moradores, o que ajuda no controle social dos indivíduos. Esta mobilização comunitária é sempre um desafio fundamental uma vez que muitos moradores informais podem ser avessos a viver em prédios. Ainda assim, tais moradias melhorariam sua visibilidade social, aparecendo a partir daí como contribuintes ao desenvolvimento da cidade. É uma oportunidade única de tornarem-se "cidadãos de pleno direito" da cidade. Enquanto isso, o governo é capaz de fornecer moradia e melhores condições de vida para seus cidadãos mais pobres, livre de custos, e ainda obtém terras para o desenvolvimento de infraestrutura.

Constrói-se assim uma cidade concentrada, mas subsiste o risco de ocorrer uma nova favelização, desta vez vertical, com a degradação destes prédios por descaso e falta de

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manutenção. Para evitá-lo, são necessários um arcabouço jurídico adequado e uma regulamentação de controle deste desenvolvimento, aliados a um mecanismo institucional sólido para garantir a transparência e a resolução eficaz dos litígios.

José Marcelo Zacchi (IETS)

A existência de pobreza não é equivalente à existência de favelas. As favelas são fundamentalmente um fenômeno territorial, envolvendo áreas e fronteiras que delimitam acessos.

A integração é a superação das fronteiras, os principais condicionantes. Das fronteiras de acesso. Das fronteiras por desigualdade na provisão de serviços. E das fronteiras armadas, atrás das quais há outros códigos de conduta, delimitados por outras leis.

As favelas do Rio exibem a particularidade de terem fronteiras armadas próximas às áreas mais ricas da cidade. Eliminada a fronteira armada, o que ainda distingue uma favela de um bairro?

A dissolução de todas as fronteiras não está garantida, já que subsiste a fronteira no imaginário da cidade. Desde 1890, no livro “O Cortiço”, ou em 1930, no Plano Agache, as favelas vem sendo definidas pela ausência de ordem, de segurança, de higiene (e de estética), o que cristaliza seu isolamento.

É deste pano de fundo que surge a pergunta se a pacificação é uma invasão do Estado: não devemos superestimar a distância dos moradores das favelas em relação à cidade. Essa distância é muito maior de fora para dentro (cidade-favela) do que de dentro para fora (favela-cidade). Não são comunidades tradicionais isoladas. Os moradores se deslocam, têm a experiência da cidade integrada.

Para a integração, os símbolos são chave: o reconhecimento das favelas como parte da cidade, e não como apêndices indesejados. A reconfiguração do imaginário urbano que as define pela ausência. Neste sentido, a construção do teleférico no Complexo do Alemão ao menos tem o impacto de mostrar à população local que o Estado está interessado na área, que a considera parte da cidade, espaço urbano a ser embelezado.

Devemos ser capazes de olhar para a diversidade e ver beleza nela. A conjugação da diferença com desigualdade e diversidade deve nortear a formulação de políticas públicas.

10. Mesa 7: Igualdade de oportunidades

Moderador: Simon Schwartzman (IETS)

Dewen Wang (Banco Mundial)

China: Migração e Urbanização Inclusiva.

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Na China, a massiva migração rural para áreas urbanas foi determinante para o crescimento do país e para a redução da pobreza rural. Ao mesmo tempo, vem modificando profundamente as características das cidades.

Os migrantes vão para a cidade com a idéia de substituir poupança por consumo, esperando melhores empregos e salários. Na prática são considerados um problema pelas cidades para as quais migram. Os migrantes têm acesso limitado à política pública, não estando integrados aos contextos em que ingressam. A cobertura de proteção social é profundamente desigual entre trabalhadores locais e os migrantes, principalmente quanto a pensões e seguro-desemprego.

Hoje, os emigrantes rurais têm um ano a mais de escolaridade comparados às gerações anteriores, não entendem de agricultura e desejam permanecer nas cidades.

Todavia, as políticas implementadas pelo governo da China vêm passando por diversas transformações nos últimos anos, buscando a integração, o tratamento igual para todos. Até 2020, o governo espera atender a todos com seguridade social básica.

Valerie Santos (Banco Mundial)

Caso de Washington, DC, distrito federal americano, apenas recentemente com governo municipal. Possui 620 mil habitantes, mas durante o dia sua população chega a mais de 1 milhão de pessoas. Isto porque a grande oferta de empregos caminha ao lado da forte valorização imobiliária, afastando os moradores para cidades vizinhas.

Amplas áreas residenciais pobres eram desprovidas de qualquer estabelecimento comercial, até mesmo para gêneros alimentícios básicos. Estes vazios de comércio (food deserts) geravam um deslocamento urbano extremamente onerosos e ineficientes. O governo atuou junto ao setor privado demonstrando o poder de compra dos consumidores dessas regiões e reservou 30% da área comercial a ser implantada para comerciantes locais a partir de investimento público.

O governo também tomou medidas de fortalecimento da economia local, com investimentos em obras públicas (como estádios) que contratassem firmas locais e trabalhadores locais.

Assim, o governo vem investindo em políticas de expansão de moradias, incentivos à contratação de moradores e políticas de mobilidade urbana. A lógica destas intervenções se baseia em garantir que qualquer investimento obrigatoriamente envolva uma parcela da população local, estimulando a circulação do dinheiro dentro da própria cidade, ao mesmo tempo em que busca distribuir os benefícios entre diferentes estratos de renda. O objetivo é que o gasto público e as iniciativas privadas tenham impacto máximo na dinâmica econômica intra-citadina, sem excluir os moradores de baixa renda, evitando sua realocação para áreas ainda mais degradadas. Dessa forma, busca-se beneficiar diretamente a população local, e não simplesmente substituí-la por outra população de maior nível de renda.

11. Mesa 8: Lições para a formulação de políticas públicas: o ideal e o possível

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Moderador: André Lázaro (UERJ e Flacso)

O governo tem tarefas claras pela frente: buscar diagnósticos consistentes para a formulação de políticas; afinar os conceitos que as balizam; lutar pela integração e dirmir desigualdades. De acordo com Jailson de Souza e Silva já há uma integração, porém subalterna, com hierarquização.

Cyprian Fisiy (WB)

O Banco Mundial tem o papel de facilitador do processo e de mediador. Devemos ter em mente que para a realização de políticas públicas é importante ter dados, ao mesmo tempo em que é necessário o engajamento das comunidades.

Ricardo Paes de Barros (SAE)

Concluindo o seminário, reunimos aqui as conclusões alcançadas. O processo de integração tem 14 aspectos divididos em 6 dimensões básicas. Para cada aspecto, temos de responder sobre o papel do Estado (responsabilidade exclusiva, primordial ou complementar), se deve ser realizado imediata ou gradualmente, se o marco legal deve ser absoluto (igual para toda a cidade) ou relativo, se a ação estatal deve ser permanente ou pontual, e se requerirá especial atenção à sustentabilidade no futuro.

1ª dimensão:

Pacificação. Aqui, o papel do Estado é exclusivo, a intervenção é imediata e o marco legal absoluto. Não requer ação permanente do Estado.

Segurança pública. Igual à pacificação, em que o papel do Estado é exclusivo, a intervenção é imediata e o marco legal absoluto, mas requer ação permanente do Estado.

Resolução de conflitos na comunidade. Ação do Estado deve ser complementar, gradual, e permanente, seguindo um marco legal absoluto.

2ª dimensão:

Capacidade de ação coletiva. Ação do Estado complementar, gradual, e seguindo um marco legal relativo. Não requer ação permanente do Estado.

Identificação das necessidades locais. Ação do Estado deve ser complementar, imediata e permanente, também seguindo um marco legal relativo.

3ª dimensão:

Regularização fundiária. Papel do Estado é exclusivo, seguindo um marco legal relativo, através de uma intervenção imediata e permanente.

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Transição à regularidade/legalidade. Ação do Estado deve ser primordial, gradual, seguindo um marco legal relativo.

Definição das regras de convivência. Ação do Estado deve ser complementar, gradual, com base em um marco legal relativo.

Garantia de ordem pública. Ação do Estado deve ser primordial, gradual, permanente, seguindo um marco legal relativo e requerendo atenção quanto a sua sustentabilidade.

4ª dimensão:

Igualdade de oportunidades e acesso a serviços públicos. Ação do Estado deve ser primordial, gradual e permanente, seguindo um marco legal absoluto.

5ª dimensão:

Integração econômica. Ação do Estado complementar e gradual, a partir de um marco legal relativo.

Integração simbólica. Como a integração econômica, a ação do Estado complementar e gradual, a partir de um marco legal relativo.

Integração física. Ação do Estado primordial e gradual, requerendo com atenção à sustentabilidade e seguindo um marco legal absoluto.

6ª dimensão:

Ressignificação da Juventude. Ação do Estado primordial e gradual, seguindo um marco legal relativo.

Restam algumas perguntas a serem debatidas futuramente. A regularização fundiária será condição de partida no processo de integração? O direito de propriedade deve ser limitado? Temos que a regularização fundiária é fundamental; é um direito do cidadão. Não conceder o direito de propriedade com base no mal uso que será dado pelo cidadão é o mesmo que não conceder a analfabetos o direito de voto.

A integração é a garantia da sustentabilidade da redução das desigualdades. Sem integração não existe igualdade sustentável, ou seja, igualdade não é suficiente. Queremos integração: talvez estejamos dizendo que sem integração, a igualdade é insustentável. Talvez a integração também seja um objetivo em si, não apenas um meio para a igualdade.

Qual deve ser a forma de atuação do Estado na promoção e no fortalecimento da capacidade de ação coletiva?

Ressignificação da juventude: foco na orientação e no acompanhamento dos jovens, além de conectividade entre os programas para a juventude.

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Antonio Claret (Subsecretário do Programa de Integração Social do Rio de Janeiro)

Confluência dos atores governamentais, academia (IETS), iniciativa privada (FIRJAN, SEBRAE) é uma grande janela de oportunidades. Além disso, foi criada grande massa crítica de conhecimento sobre favelas, um fator propiciador de políticas públicas.

Está ocorrendo um ciclo virtuoso entre pacificação e dinamismo econômico. Ocorre a expansão do acesso às políticas de transferência de renda (Bolsa Família, Cartão Família Carioca, Programa Renda Melhor), gerando uma ampliação da mobilidade social. A conjuntura de crescimento econômico atual catalisa o processo, confluindo para tornar este momento uma oportunidade única.

É necessário dar voz às comunidades: não apenas escutar suas demandas, mas atendê-las. O esforço da UPP Social deve ser de atender a essas demandas de forma dialogada, visando a normalização da oferta de serviços públicos na cidade inteira.

A agenda pública deve então priorizar a integração em curso, a condução dos investimentos já realizados, e o aproveitamento do dinamismo econômico.

Ricardo Henriques (IPP)

A agenda dos direitos e da diversidade se dá na articulação de uma multiplicidade de agentes. Como define Boaventura de Sousa Santos: “Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”.

As esferas de governo, a sociedade civil, o setor privado e os agentes locais devem trabalhar juntos. Temos uma cultura de gestão pública com característica radical de fragmentação: esta fragmentação não é um erro causado por ineficiência do Estado, é um produto intencional de um modo de fazer política, derivado de uma submissão a interesses clientelistas/corporativistas. Além da fragmentação, esta cultura se distingue pela sobreposição (não há incentivos para que as esferas e secretarias conversem entre si), pela incapacidade de articulação entre as agendas (isolacionismo setorial), e pela compulsão à descontinuidade das políticas implementadas. A matriz da desigualdade produziu uma série de interditos discriminatórios, que pela estrutura inercial (path dependent) da máquina pública, tendem a reproduzir-se ao longo do tempo.

São quatro as esferas fundamentais que devem guiar a política pública. Em primeiro lugar, Informação e Conhecimento, densidade teórica e muitos dados em que basear a atuação do Estado. Além disso, Governança, isto é, a compreensão dos papéis setoriais e acordos políticos e o desenvolvimento da capacidade de gestões matriciais sobre os territórios. Já assinalamos a importância central da Gestão: é preciso sistematizar a gestão, criar marcos lógicos replicáveis (em oposição aos idiossincráticos) em que se descortinem todas as fases do processo, descrevendo o que cada ator faz. Por fim, a Mobilização e a Participação dos cidadãos, através de uma agenda de escuta forte e da

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qualificação dos diálogos, das relações de representação, buscando produzir diálogos com resultados.

Eduarda La Rocque (Secretária de Fazenda da Prefeitura do Rio)

O momento é ótimo: parceiras público-privadas, congruências entre as três esferas de governo e aquecimento da economia. O que falta é uma estrutura de governança, pois recursos humanos e financeiros já existem.