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Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica

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  • Diretrizes Curriculares Nacionais da Educao Bsica

  • Ministrio da Educao

    Secretaria de Educao Bsica

    Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao,Diversidade e Incluso

    Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica

    Conselho Nacional de Educao

    Cmara Nacional de Educao Bsica

    OrganizaoJaqueline Moll

    Coordenao Editorial e RevisoJoamara Mota BorgesMaria Beatriz Ramos de Vasconcellos Coelho

    Projeto grfico e diagramaoAllan Patrick da RosaPlnio Fernandes / Trao Leal

    Ficha catalogrfica

    Brasil. Ministrio da Educao. Secretaria de Educao Bsica. Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao, Diversidade e Incluso. Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica. Conselho Nacional da Educao. Cmara Nacional de Educao Bsica.

    Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educao Bsica / Ministrio da Educao. Secretaria de Educao Bsica. Diretoria de Currculos e Educao Integral.

    Braslia: MEC, SEB, DICEI, 2013.

    562p.

    ISBN: 978-857783-136-4

    Educao Bsica. Diretrizes Curriculares.

  • Ministrio da EducaoSecretaria de Educao Bsica

    Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao, Diversidade e InclusoSecretaria de Educao Profissional e Tecnolgica

    Conselho Nacional de EducaoCmara Nacional de Educao

    Braslia2013

    Diretrizes Curriculares Nacionais da

    Educao Bsica

  • ndice

    4 Apresentao

    5 Prefcio

    6 Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educao Bsica

    80 Reviso das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Infantil

    102 Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos

    144 Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio

    202 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Profissional Tcnica de Nvel Mdio

    266 Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas escolas do campo

    286 Consulta referente s orientaes para o atendimento da Educao do Campo

    298 Diretrizes Operacionais para o atendimento educacional especializado na Educao B-sica, modalidade Educao Especial

    306 Diretrizes Nacionais para a oferta de educao para jovens e adultos em situao de pri-vao de liberdade nos estabelecimentos penais

    338 Reexame do Parecer CNE/CEB n 23/2008, que institui Diretrizes Operacionais para a Educao de Jovens e Adultos EJA, nos aspectos relativos durao dos cursos e idade mnima para ingresso nos cursos de EJA; idade mnima e certificao nos exames de EJA; e Educao de Jovens e Adultos desenvolvida por meio da Educao a Distncia

    374 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Escolar Indgena

    416 Diretrizes para o atendimento de educao escolar de crianas, adolescentes e jovens em situao de itinerncia

    424 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Escolar Quilombola

    496 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao das Relaes tnico-Raciais e para o Ensino de Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana

    514 Diretrizes Nacionais para a Educao em Direitos Humanos

    534 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Ambiental

  • Apresentao

    A Educao Bsica de qualidade um direito assegurado pela Constituio Federal e pelo Estatuto da Criana e do Adolescente. Um dos fundamentos do projeto de Nao que estamos construindo, a formao escolar o alicerce indispensvel e condio primeira para o exerccio pleno da cidadania e o acesso aos direitos sociais, econmicos, civis e polticos. A educao deve proporcionar o desenvolvimento humano na sua plenitude, em condies de liberdade e dignidade, respeitando e valorizando as diferenas. Nesta publicao, esto reunidas as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Bsica. So estas diretrizes que estabelecem a base nacional comum, responsvel por orientar a organizao, articulao, o desenvolvimento e a avaliao das propostas pedaggicas de todas as redes de ensino brasileiras. A necessidade da atualizao das Diretrizes Curriculares Nacionais surgiu da constatao de que as vrias modificaes como o Ensino Fundamental de nove anos e a obrigatoriedade do ensino gratuito dos quatro aos 17 anos de idade deixaram as anteriores defasadas. Estas mudanas ampliaram consideravelmente os direitos educao das nossas crianas e adoles-centes e tambm de todos aqueles que no tiveram oportunidade de estudar quando estavam nessa fase da vida. Diante dessa nova realidade e em busca de subsdios para a formulao de Novas Diretrizes Curriculares Nacionais, a Cmara da Educao Bsica do Conselho Nacional de Educao promoveu uma srie de estudos, debates e audincias pblicas, com a anuncia e participao das entidades representativas dos dirigentes estaduais e municipais, professores e demais profissionais da educao, instituies de formao de professores, mantenedoras do ensino privado e de pesquisadores da rea. As Novas Diretrizes Curriculares da Educao Bsica, reunidas nesta publicao, so resul-tado desse amplo debate e buscam prover os sistemas educativos em seus vrios nveis (mu-nicipal, estadual e federal) de instrumentos para que crianas, adolescentes, jovens e adultos que ainda no tiveram a oportunidade, possam se desenvolver plenamente, recebendo uma formao de qualidade correspondente sua idade e nvel de aprendizagem, respeitando suas diferentes condies sociais, culturais, emocionais, fsicas e tnicas. por isto que, alm das Diretrizes Gerais para Educao Bsica e das suas respectivas etapas, quais sejam, a Educao Infantil, Fundamental e Mdia, tambm integram a obra as diretrizes e respectivas resolues para a Educao no Campo, a Educao Indgena, a Quilombola, para a Educao Especial, para Jovens e Adultos em Situao de Privao de Liberdade nos estabele-cimentos penais e para a Educao Profissional Tcnica de Nvel Mdio. Alm disso, aqui esto presentes as diretrizes curriculares nacionais para a Educao de Jovens e Adultos, a Educao Ambiental, a Educao em Direitos Humanos e para a Educao das Relaes tnico-Raciais e para o Ensino de Histria e Cultura Afro- Brasileira e Africana. necessrio destacar que a qualidade expressa no conjunto dessas diretrizes deve-se ao tra-balho realizado pelo Conselho Nacional de Educao. Esperamos que esta publicao se torne um instrumento efetivo para reinveno da educao brasileira e a construo de uma Nao cada vez mais justa, solidria e capaz de desenvolver todas as suas inmeras potencialidades.

    Aloizio MercadanteMinistro da Educao

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  • Prefcio

    Nos ltimos anos, o Conselho Nacional de Educao, no cumprimento de sua misso legal de assegurar a participao da sociedade no aperfeioamento da educao nacional, realizou uma srie de estudos, debates, seminrios e audincias pblicas que contaram com a participao dos sistemas de ensino, dos rgos educacionais e sociedade civil. Esse trabalho resultou na atuali-zao das diretrizes curriculares nacionais e na produo de novas e importantes orientaes. Na elaborao dessas diretrizes, o Conselho Nacional de Educao contou com a contribuio dos seus conselheiros, de representantes dos conselhos estaduais e municipais, tcnicos e servido-res do CNE, especialistas, pesquisadores, integrantes de sistemas de ensino, tcnicos do Ministrio da Educao e representantes de entidades representativas dos trabalhadores em educao que participaram dos seminrios, debates e audincias pblicas com o objetivo de promover o aperfei-oamento da educao nacional, tendo em vista o atendimento s novas demandas educacionais geradas pelas transformaes sociais e econmicas e pela acelerada produo de conhecimentos. Tendo como propsito a disseminao desses importantes conhecimentos, o Conselho Nacional de Educao, por meio deste documento, coloca disposio das instituies educa-tivas e dos sistemas de ensino de todo o Brasil um conjunto de Diretrizes Curriculares que arti-culam os princpios, os critrios e os procedimentos que devem ser observados na organizao e com vistas consecuo dos objetivos da Educao Bsica. Este volume contm os seguintes textos: Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educao Bsica; Reviso das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Infantil; Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 ( nove) anos; Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio; Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Profissional Tcnica de Nvel Mdio; Diretrizes da Educao do Campo; Diretrizes Operacionais para o atendimento educacional especializado na Educao Bsica, na modalidade Educao Especial; Diretrizes Curriculares Nacionais para oferta de Educao para Jovens e Adultos em situao de privao de liberdade nos estabelecimentos penais, Diretrizes Operacionais para a Educao Jovens e Adultos EJA, Diretrizes Curriculares Nacionais para Educao Escolar Indgena, Diretrizes para atendimento de educao escolar de crianas, adolescentes e jovens em situao de itinerncia, Diretrizes Curriculares Nacionais para Educao Escolar Quilombola, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao das Relaes tnico-Raciais e para o Ensino de Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana, Diretrizes Nacionais para a Educao em Direitos Humanos e Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Ambiental. nossa expectativa que essas diretrizes possam inspirar as instituies educacionais e os sistemas de educao na elaborao de suas polticas de gesto, bem como de seus projetos poltico-pedaggicos com vistas a garantir o acesso, a permanncia e o sucesso dos alunos re-sultante de uma educao de qualidade social que contribua decisivamente para construo de uma sociedade mais justa e mais fraterna.

    Jos Fernandes de LimaPresidente do Conselho Nacional de Educao

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  • Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educao Bsica

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    PARECER HOMOLOGADODespacho do Ministro, publicado no D.O.U. de 9/7/2010, Seo 1, Pg.10.INTERESSADO Conselho Nacional de Educao/Cmara de Educao Bsica UF: DFCOMISSO Adeum Hilrio Sauer (presidente), Cllia Brando Alvarenga Craveiro (relatora), Raimundo Moacir Mendes Feitosa e Jos Fernandes de Lima (membros).PROCESSO N 23001.000196/2005-41PARECER CNE/CEB N 7/2010COLEGIADO CEBAPROVADO EM 7/4/2010

    I RELATRIO

    1. Histrico

    Na organizao do Estado brasileiro, a matria educacional conferida pela Lei n 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB), aos diversos entes federativos: Unio, Distrito Federal, Estados e Municpios, sendo que a cada um deles compete organizar seu sistema de ensino, cabendo, ainda, Unio a coordenao da poltica nacional de educao, articulando os diferentes nveis e sistemas e exercendo funo normativa, redistributiva e supletiva (artigos 8, 9, 10 e 11). No tocante Educao Bsica, relevante destacar que, entre as incumbncias prescritas pela LDB aos Estados e ao Distrito Federal, est assegurar o Ensino Fundamental e oferecer, com prio-ridade, o Ensino Mdio a todos que o demandarem. E ao Distrito Federal e aos Municpios cabe oferecer a Educao Infantil em Creches e Pr-Escolas, e, com prioridade, o Ensino Fundamental. Em que pese, entretanto, a autonomia dada aos vrios sistemas, a LDB, no inciso IV do seu artigo 9, atribui Unio estabelecer, em colaborao com os Estados, o Distrito Federal e os municpios, competncias e diretrizes para a Educao Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Mdio, que nortearo os currculos e seus contedos mnimos, de modo a assegurar formao bsica comum. A formulao de Diretrizes Curriculares Nacionais constitui, portanto, atribuio federal, que exercida pelo Conselho Nacional de Educao (CNE), nos termos da LDB e da Lei n 9.131/95, que o instituiu. Esta lei define, na alnea c do seu artigo 9, entre as atribuies de sua Cmara de Educao Bsica (CEB), deliberar sobre as Diretrizes Curriculares propostas pelo Ministrio da Educao. Esta competncia para definir as Diretrizes Curriculares Nacionais torna-as mandatrias para todos os sistemas. Ademais, atribui-lhe, entre outras, a responsabili-dade de assegurar a participao da sociedade no aperfeioamento da educao nacional (artigo 7 da Lei n 4.024/61, com redao dada pela Lei 8.131/95), razo pela qual as diretrizes constitu-tivas deste Parecer consideram o exame das avaliaes por elas apresentadas, durante o processo de implementao da LDB. O sentido adotado neste Parecer para diretrizes est formulado na Resoluo CNE/CEB n 2/98, que as delimita como conjunto de definies doutrinrias sobre princpios, fundamen-tos e procedimentos na Educao Bsica () que orientaro as escolas brasileiras dos sistemas de ensino, na organizao, na articulao, no desenvolvimento e na avaliao de suas propostas pedaggicas. Por outro lado, a necessidade de definio de Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educao Bsica est posta pela emergncia da atualizao das polticas educacionais que con-substanciem o direito de todo brasileiro formao humana e cidad e formao profissional, na vivncia e convivncia em ambiente educativo. Tm estas Diretrizes por objetivos: I sistematizar os princpios e diretrizes gerais da Educao Bsica contidos na Constituio, na LDB e demais dispositivos legais, traduzindo-os em orientaes que contribuam para assegurar a formao bsica comum nacional, tendo como foco os sujeitos que do vida ao currculo e escola;

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    II estimular a reflexo crtica e propositiva que deve subsidiar a formulao, execuo e avaliao do projeto poltico-pedaggico da escola de Educao Bsica; III orientar os cursos de formao inicial e continuada de profissionais docentes, tcnicos, funcionrios da Educao Bsica, os sistemas educativos dos diferentes entes federados e as escolas que os integram, indistintamente da rede a que pertenam.

    Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educao Bsica visam estabelecer bases comuns nacionais para a Educao Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Mdio, bem como para as modalidades com que podem se apresentar, a partir das quais os siste-mas federal, estaduais, distrital e municipais, por suas competncias prprias e complementares, formularo as suas orientaes assegurando a integrao curricular das trs etapas sequentes desse nvel da escolarizao, essencialmente para compor um todo orgnico. Alm das avaliaes que j ocorriam assistematicamente, marcou o incio da elaborao deste Parecer, particularmente, a Indicao CNE/CEB n 3/2005, assinada pelo ento conselheiro da CEB, Francisco Aparecido Cordo, na qual constava a proposta de reviso das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Infantil e para o Ensino Fundamental. Nessa Indicao, justificava-se que tais Diretrizes encontravam-se defasadas, segundo avaliao nacional sobre a matria nos ltimos anos, e superadas em decorrncia dos ltimos atos legais e normativos, particularmente ao tratar da matrcula no Ensino Fundamental de crianas de 6 (seis) anos e consequente ampliao do Ensino Fundamental para 9 (nove) anos de durao. Imprescindvel acrescentar que a nova redao do inciso I do artigo 208 da nossa Carta Magna, dada pela Emenda Constitucional n 59/2009, assegura Educao Bsica obrigatria e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, inclusive a sua oferta gratuita para todos os que a ela no tiveram acesso na idade prpria. Nesta perspectiva, o processo de formulao destas Diretrizes foi acordado, em 2006, pela Cmara de Educao Bsica com as entidades: Frum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educao, Unio Nacional dos Conselhos Municipais de Educao, Conselho dos Secretrios Estaduais de Educao, Unio Nacional dos Dirigentes Municipais de Educao, e entidades representativas dos profissionais da educao, das instituies de formao de professores, das mantenedoras do ensino privado e de pesquisadores em educao. Para a definio e o desenvolvimento da metodologia destinada elaborao deste Parecer, inicialmente, foi constituda uma comisso que selecionou interrogaes e temas estimuladores dos debates, a fim de subsidiar a elaborao do documento preliminar visando s Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Bsica, sob a coordenao da ento relatora, conselheira Maria Beatriz Luce. (Portaria CNE/CEB n 1/2006) A comisso promoveu uma mobilizao nacional das diferentes entidades e instituies que atuam na Educao Bsica no Pas, mediante: I encontros descentralizados com a participao de Municpios e Estados, que reuniram escolas pblicas e particulares, mediante audincias pblicas regionais, viabilizando ampla efe-tivao de manifestaes; II revises de documentos relacionados com a Educao Bsica, pelo CNE/CEB, com o objetivo de promover a atualizao motivadora do trabalho das entidades, efetivadas, simulta-neamente, com a discusso do regime de colaborao entre os sistemas educacionais, contando, portanto, com a participao dos conselhos estaduais e municipais.

    Inicialmente, partiu-se da avaliao das diretrizes destinadas Educao Bsica que, at ento, haviam sido estabelecidas por etapa e modalidade, ou seja, expressando-se nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Infantil; para o Ensino Fundamental; para o Ensino Mdio; para a Educao de Jovens e Adultos; para a Educao do Campo; para a Educao Especial; e para a Educao Escolar Indgena. Ainda em novembro de 2006, em Braslia, foi realizado o Seminrio Nacional Currculo em Debate, promovido pela Secretaria de Educao Bsica/MEC, com a participao de repre-sentantes dos Estados e Municpios. Durante esse Seminrio, a CEB realizou a sua trigsima

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    sesso ordinria na qual promoveu Debate Nacional sobre as Diretrizes Curriculares para a Educao Bsica, por etapas. Esse debate foi denominado Colquio Nacional sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais. A partir desse evento e dos demais que o sucederam, em 2007, e con-siderando a alterao do quadro de conselheiros do CNE e da CEB, criou-se, em 2009, nova comisso responsvel pela elaborao dessas Diretrizes, constituda por Adeum Hilrio Sauer (presidente), Cllia Brando Alvarenga Craveiro (relatora), Raimundo Moacir Mendes Feitosa e Jos Fernandes de Lima (Portaria CNE/CEB n 2/2009). Essa comisso reiniciou os trabalhos j organizados pela comisso anterior e, a partir de ento, vem acompanhando os estudos pro-movidos pelo MEC sobre currculo em movimento, no sentido de atuar articulada e integrada-mente com essa instncia educacional. Durante essa trajetria, os temas considerados pertinentes matria objeto deste Parecer passaram a se constituir nas seguintes ideias-fora: I as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educao Bsica devem presidir as de-mais diretrizes curriculares especficas para as etapas e modalidades, contemplando o conceito de Educao Bsica, princpios de organicidade, sequencialidade e articulao, relao entre as etapas e modalidades: articulao, integrao e transio; II o papel do Estado na garantia do direito educao de qualidade, considerando que a educao, enquanto direito inalienvel de todos os cidados, condio primeira para o exer-ccio pleno dos direitos: humanos, tanto dos direitos sociais e econmicos quanto dos direitos civis e polticos; III a Educao Bsica como direito e considerada, contextualizadamente, em um projeto de Nao, em consonncia com os acontecimentos e suas determinaes histrico-sociais e polticas no mundo; IV a dimenso articuladora da integrao das diretrizes curriculares compondo as trs eta-pas e as modalidades da Educao Bsica, fundamentadas na indissociabilidade dos conceitos referenciais de cuidar e educar; V a promoo e a ampliao do debate sobre a poltica curricular que orienta a organizao da Educao Bsica como sistema educacional articulado e integrado; VI a democratizao do acesso, permanncia e sucesso escolar com qualidade social, cien-tfica, cultural; VII a articulao da educao escolar com o mundo do trabalho e a prtica social; VIII a gesto democrtica e a avaliao; IX a formao e a valorizao dos profissionais da educao; X o financiamento da educao e o controle social.

    Ressalte-se que o momento em que estas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educao Bsica esto sendo elaboradas muito singular, pois, simultaneamente, as diretrizes das etapas da Educao Bsica, tambm elas, passam por avaliao, por meio de contnua mo-bilizao dos representantes dos sistemas educativos de nvel nacional, estadual e municipal. A articulao entre os diferentes sistemas flui num contexto em que se vivem: I os resultados da Conferncia Nacional da Educao Bsica (2008); II os 13 anos transcorridos de vigncia da LDB e as inmeras alteraes nela introduzidas por vrias leis, bem como a edio de outras leis que repercutem nos currculos da Educao Bsica; III o penltimo ano de vigncia do Plano Nacional de Educao (PNE), que passa por ava-liao, bem como a mobilizao nacional em torno de subsdios para a elaborao do PNE para o perodo 2011-2020; IV a aprovao do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos Professores da Educao (FUNDEB), regulado pela Lei n 11.494/2007, que fixa percentual de recursos a todas as etapas e modalidades da Educao Bsica; V a criao do Conselho Tcnico Cientfico (CTC) da Educao Bsica, da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior do Ministrio da Educao (Capes/MEC); VI a formulao, aprovao e implantao das medidas expressas na Lei n 11.738/2008,

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    que regulamenta o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistrio pblico da Educao Bsica; VII a criao do Frum Nacional dos Conselhos de Educao, objetivando prtica de re-gime de colaborao entre o CNE, o Frum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educao e a Unio Nacional dos Conselhos Municipais de Educao; VIII a instituio da poltica nacional de formao de profissionais do magistrio da Educao Bsica (Decreto n 6.755, de 29 de janeiro de 2009); IX a aprovao do Parecer CNE/CEB n 9/2009 e da Resoluo CNE/CEB n 2/2009, que institui as Diretrizes Nacionais para os Planos de Carreira e Remunerao dos Profissionais do Magistrio da Educao Bsica Pblica, que devem ter sido implantados at dezembro de 2009; X as recentes avaliaes do PNE, sistematizadas pelo CNE, expressas no documento Subsdios para Elaborao do PNE Consideraes Iniciais. Desafios para a Construo do PNE (Portaria CNE/CP n 10/2009); XI a realizao da Conferncia Nacional de Educao (CONAE), com o tema central Construindo um Sistema Nacional Articulado de Educao: Plano Nacional de Educao Suas Diretrizes e Estratgias de Ao, tencionando propor diretrizes e estratgias para a cons-truo do PNE 2011-2020; XII a relevante alterao na Constituio, pela promulgao da Emenda Constitucional n 59/2009, que, entre suas medidas, assegura Educao Bsica obrigatria e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, inclusive a sua oferta gratuita para todos os que a ela no tiveram acesso na idade prpria; assegura o atendimento ao estudante, em todas as etapas da Educao Bsica, mediante programas suplementares de material didtico-escolar, transporte, alimentao e as-sistncia sade, bem como reduz, anualmente, a partir do exerccio de 2009, o percentual da Desvinculao das Receitas da Unio incidente sobre os recursos destinados manuteno e ao desenvolvimento do ensino.1

    Para a comisso, o desafio consistia em interpretar essa realidade e apresentar orientaes sobre a concepo e organizao da Educao Bsica como sistema educacional, segundo trs dimenses bsicas: organicidade, sequencialidade e articulao. Dispor sobre a formao bsica

    1 So as seguintes as alteraes na Constituio Federal, promovidas pela Emenda Constitucio-nal n 59/2009:

    Art.208.()I Educao Bsica obrigatria e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada

    inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela no tiveram acesso na idade prpria; (OdispostonesteincisoIdeverserimplementadoprogressivamente,at2016,nostermos

    doPlanoNacionaldeEducao,comapoiotcnicoefinanceirodaUnio).VII atendimento ao educando, em todas as etapas da Educao Bsica, por meio de programas

    suplementares de material didtico-escolar, transporte, alimentao e assistncia sade. Art.211.() 4 Na organizao de seus sistemas de ensino, a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios

    definiro formas de colaborao, de modo a assegurar a universalizao do ensino obrigatrio. Art.212.() 3 A distribuio dos recursos pblicos assegurar prioridade ao atendimento das necessidades do

    ensino obrigatrio, no que se refere a universalizao, garantia de padro de qualidade e equida-de, nos termos do plano nacional de educao.

    Art.214.Aleiestabeleceroplanonacionaldeeducao,deduraodecenal,comoobjetivodearticularo sistemanacionaldeeducaoemregimedecolaboraoedefinirdiretrizes,objeti-vos, metas e estratgias de implementao para assegurar a manuteno e desenvolvimento do ensino em seus diversos nveis, etapas e modalidades por meio de aes integradas dos poderes pblicos das diferentes esferas federativas que conduzam a:

    VI estabelecimento de meta de aplicao de recursos pblicos em educao como proporo do produto interno bruto.

    Art.76doAtodasDisposiesConstitucionaisTransitrias 3 Para efeito do clculo dos recursos para manuteno e desenvolvimento do ensino de que trata

    oart.212daConstituio,opercentualreferidonocaputdesteartigoserde12,5%(dozeinteirosecincodcimosporcento)noexercciode2009,5%(cincoporcento)noexercciode2010,enulonoexercciode2011.

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    nacional relacionando-a com a parte diversificada, e com a preparao para o trabalho e as prticas sociais, consiste, portanto, na formulao de princpios para outra lgica de diretriz curricular, que considere a formao humana de sujeitos concretos, que vivem em determinado meio ambiente, contexto histrico e sociocultural, com suas condies fsicas, emocionais e intelectuais. Este Parecer deve contribuir, sobretudo, para o processo de implementao pelos sistemas de ensino das Diretrizes Curriculares Nacionais especficas, para que se concretizem efetivamente nas escolas, minimizando o atual distanciamento existente entre as diretrizes e a sala de aula. Para a organizao das orientaes contidas neste texto, optou-se por enunci-las seguindo a disposio que ocupam na estrutura estabelecida na LDB, nas partes em que ficam previstos os princpios e fins da educao nacional; as orientaes curriculares; a formao e valorizao de profissionais da educao; direitos educao e deveres de educar: Estado e famlia, incluindo-se o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA) Lei n 8.069/90 e a Declarao Universal dos Direitos Humanos. Essas referncias levaram em conta, igualmente, os dispositivos sobre a Educao Bsica constantes da Carta Magna que orienta a Nao brasileira, relatrios de pes-quisas sobre educao e produes tericas versando sobre sociedade e educao. Com treze anos de vigncia j completados, a LDB recebeu vrias alteraes, particularmente no referente Educao Bsica, em suas diferentes etapas e modalidades. Aps a edio da Lei n 9.475/1997, que alterou o artigo 33 da LDB, prevendo a obrigatoriedade do respeito diver-sidade cultural religiosa do Brasil, outras leis modificaram-na quanto Educao Bsica. 2

    2 LeisquealteraramaLDB,noqueserelacionacomaEducaoBsica,ecujasalteraesestoem vigor atualmente:

    Lein12.061/2009:alterouoincisoIIdoart.4eoincisoVIdoart.10daLDB,paraasseguraroacessodetodososinteressadosaoEnsinoMdiopblico.

    Lein12.020/2009:alterouaredaodoincisoIIdoart.20,quedefineinstituiesdeensinocomunitrias.

    Lein12.014/2009:alterouoart.61paradiscriminarascategoriasdetrabalhadoresquesedevemconsiderarprofissionaisdaEducaoBsica.

    Lein12.013/2009:alterouoart.12,determinandosinstituiesdeensinoobrigatoriedadenoenviodeinformaesescolaresaospais,conviventesounocomseusfilhos.

    Lein11.788/2008:alterouoart.82,sobreoestgiodeestudantes. Lein11.741/2008:redimensionou,institucionalizoueintegrouasaesdaEducaoProfis-

    sionalTcnicadenvelmdio,daEducaodeJovenseAdultosedaEducaoProfissionaleTecnolgica.

    Lein11.769/2008:incluiupargrafonoart.26,sobreamsicacomocontedoobrigatrio,masnoexclusivo.

    Lein11.700/2008:incluiuoincisoXnoartigo4,fixandocomodeverdoEstadoefetivaraga-rantiadevaganaescolapblicadeEducaoInfantiloudeEnsinoFundamentalmaisprximadesuaresidnciaatodacrianaapartirdodiaemquecompletar4(quatro)anosdeidade.

    Lein11.684/2008:incluiuFilosofiaeSociologiacomoobrigatriasnoEnsinoMdio. Lein11.645/2008:alterouaredaodoart.26-A,paraincluirnocurrculoaobrigatoriedade

    datemticaHistriaeCulturaAfro-BrasileiraeIndgena. Lein11.525/2007: acrescentou5aoart.32,incluindocontedoquetratedosdireitosdas

    crianasedosadolescentesnocurrculodoEnsinoFundamental. Lein11.330/2006: deunovaredaoao3doart.87,referenteaorecenseamentodeestu-

    dantesnoEnsinoFundamental,comespecialatenoparaogrupode6a14anosede15a16anosdeidade.

    Lein11.301/2006:alterouoart.67,incluindo,paraosefeitosdodispostono5doart.40eno8doart.201daConstituioFederal,definiodefunesdemagistrio.

    Lein11.274/2006:alterouaredaodosarts.29,30,32e87,dispondosobreaduraode9(nove)anosparaoEnsinoFundamental,commatrculaobrigatriaapartirdos6(seis)anosdeidade.

    Lein11.114/2005:alterouosarts.6,30,32e87,comoobjetivodetornarobrigatriooinciodoEnsinoFundamentalaosseisanosdeidade.

    Lein10.793/2003:alterouaredaodoart.26,3,edoart.92,comrefernciaEducaoFsicanosensinosfundamentalemdio.

    Lein10.709/2003:acrescentouincisosaosarts.10e11,referentesaotransporteescolar. Lein10.287/2001:incluiuincisonoart.12,referenteanotificaoaoConselhoTutelardoMu-

    nicpio,aojuizcompetentedaComarcaeaorespectivorepresentantedoMinistrioPblicoa relao dos estudantes que apresentem quantidade de faltas acima de cinquenta por cento dopercentualpermitidoemlei.

    Lein9.475/1997:deunovaredaoaoart.33,referenteaoensinoreligioso.

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    A maior parte dessas modificaes tem relevncia social, porque, alm de reorganizarem aspectos da Educao Bsica, ampliam o acesso das crianas ao mundo letrado, asseguram-lhes outros benefcios concretos que contribuem para o seu desenvolvimento pleno, orientado por profissionais da educao especializados. Nesse sentido, destaca-se que a LDB foi alterada pela Lei n 10.287/2001 para responsabilizar a escola, o Conselho Tutelar do Municpio, o juiz competente da Comarca e o representante do Ministrio Pblico pelo acompanhamento siste-mtico do percurso escolar das crianas e dos jovens. Este , sem dvida, um dos mecanismos que, se for efetivado de modo contnuo, pode contribuir significativamente para a permanncia do estudante na escola. Destaca-se, tambm, que foi includo, pela Lei n 11.700/2008, o inciso X no artigo 4, fixando como dever do Estado efetivar a garantia de vaga na escola pblica de Educao Infantil ou de Ensino Fundamental mais prxima de sua residncia a toda criana a partir do dia em que completar 4 (quatro) anos de idade. H leis, por outro lado, que no alteram a redao da LDB, porm agregam-lhe comple-mentaes, como a Lei n 9.795/99, que dispe sobre a Educao Ambiental e institui a Poltica Nacional de Educao Ambiental; a Lei n 10.436/2002, que dispe sobre a Lngua Brasileira de Sinais (LIBRAS); a Lei n 10.741/2003, que dispe sobre o Estatuto do Idoso; a Lei n 9.503/97, que institui o Cdigo de Trnsito Brasileiro; a Lei n 11.161/2005, que dispe sobre o ensino da Lngua Espanhola; e o Decreto n 6.949/2009, que promulga a Conveno Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de maro de 2007. relevante lembrar que a Constituio Federal, acima de todas as leis, no seu inciso XXV do artigo 7, determina que um dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais e, portanto, obri-gao das empresas, a assistncia gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento at 5 (cinco) anos de idade em Creches e Pr-Escolas.3 Embora redundante, registre-se que todas as Creches e Pr-Escolas devem estar integradas ao respectivo sistema de ensino (artigo 89 da LDB). A LDB, com suas alteraes, e demais atos legais desempenham papel necessrio, por sua funo referencial obrigatria para os diferentes sistemas e redes educativos. Pode-se afirmar, sem sombra de dvida, que ainda est em curso o processo de implementao dos princpios e das finalidades definidos constitucional e legalmente para orientar o projeto educativo do Pas, cujos resultados ainda no so satisfatrios, at porque o texto da Lei, por si s, no se traduz em elemento indutor de mudana. Ele requer esforo conjugado por parte dos rgos responsveis pelo cumprimento do que os atos regulatrios preveem. No desempenho de suas competncias, o CNE iniciou, em 1997, a produo de orientaes normativas nacionais, visando implantao da Educao Bsica, sendo a primeira o Parecer CNE/CEB n 5/97, de lavra do conselheiro Ulysses de Oliveira Panisset. A partir de ento, foram editados pelo Conselho Nacional de Educao pareceres e resolues, em separado, para cada uma das etapas e modalidades. No perodo de vigncia do Plano Nacional de Educao (PNE), desde o seu incio at 2008, constata-se que, embora em ritmo distinto, menos de um tero das unidades federadas (26 Estados e o Distrito Federal) apresentaram resposta positiva, uma vez que, dentre eles, apenas 8 formularam e aprovaram os seus planos de educao. Relendo a avaliao tcnica do PNE, promovida pela Comisso de Educao e Cultura da Cmara dos Deputados (2004), pode-se constatar que, em todas as etapas e modalidades educativas contempladas no PNE, trs aspectos figuram reiteradamente: acesso, capacitao docente e infraestrutura. Em contrapartida, nesse

    3 Anterior Constituio, oDecreto-Lei n 5.452/1943 (Consolidaodas Leis doTrabalho CLT),no1doartigo389,dispequeos estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30(trinta)mulherescommaisde16(dezesseis)anosdeidadeterolocalapropriado,ondesejapermitido s empregadas guardar sob vigilncia e assistncia os seus filhos no perodo de ama-mentao(consideradode6meses).PoriniciativadoMinistriodoTrabalhoveioaadmitir-seconvnioentreempresaeCrecheou,ainda,oreembolsodaimportnciadespendidaemCrechedeescolhadaempregadame.

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    mesmo documento, assinalado que a permanncia e o sucesso do estudante na escola tm sido objeto de pouca ateno. Em outros documentos acadmicos e oficiais, so tambm aspectos que tm sido avaliados de modo descontnuo e escasso, embora a permanncia se constitua em exigncia fixada no inciso I do artigo 3 da LDB. Salienta-se que, alm das condies para acesso escola, h de se garantir a permanncia nela, e com sucesso. Esta exigncia se constitui em um desafio de difcil concretizao, mas no impos-svel. O artigo 6, da LDB, alterado pela Lei n 11.114/2005, prev que dever dos pais ou respon-sveis efetuar a matrcula dos menores, a partir dos seis anos de idade, no Ensino Fundamental. Refora-se, assim, a garantia de acesso a essas etapas da Educao Bsica. Para o Ensino Mdio, a oferta no era, originalmente, obrigatria, mas indicada como de extenso progressiva, porm, a Lei n 12.061/2009 alterou o inciso II do artigo 4 e o inciso VI do artigo 10 da LDB, para garantir a universalizao do Ensino Mdio gratuito e para assegurar o atendimento de todos os interessados ao Ensino Mdio pblico. De todo modo, o inciso VII do mesmo artigo j estabelecia que se deve garantir a oferta de educao escolar regular para jovens e adultos, com caractersticas e modalidades adequadas s suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condies de acesso e permanncia na escola. O acesso ganhou fora constitucional, agora para quase todo o conjunto da Educao Bsica (excetuada a fase inicial da Educao Infantil, da Creche), com a nova redao dada ao inciso I do artigo 208 da nossa Carta Magna, que assegura a Educao Bsica obrigatria e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, inclusive a gratuita para todos os que a ela no tiveram acesso na idade prpria, sendo sua implementao progressiva, at 2016, nos termos do Plano Nacional de Educao, com apoio tcnico e financeiro da Unio. Alm do PNE, outros subsdios tm orientado as polticas pblicas para a educao no Brasil, entre eles as avaliaes do Sistema de Avaliao da Educao Bsica (SAEB), da Prova Brasil e do Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM), definidas como constitutivas do Sistema de Avaliao da Qualidade da Oferta de Cursos no Pas. Destaca-se que tais programas tm sus-citado interrogaes tambm na Cmara de Educao Bsica do CNE, entre outras instncias acadmicas: teriam eles consonncia com a realidade das escolas? Esses programas levam em considerao a identidade de cada sistema, de cada unidade escolar? O fracasso do escolar, ave-riguado por esses programas de avaliao, no estaria expressando o resultado da forma como se processa a avaliao, no estando de acordo com a maneira como a escola e os professores planejam e operam o currculo? O sistema de avaliao aplicado guardaria relao com o que efetivamente acontece na concretude das escolas brasileiras? Como consequncia desse mtodo de avaliao externa, os estudantes crianas no estariam sendo punidos com resultados pssimos e reportagens terrveis? E mais, os estudantes das esco-las indgenas, entre outros de situaes especficas, no estariam sendo afetados negativamente por essas formas de avaliao? Lamentavelmente, esses questionamentos no tm indicado alternativas para o aperfeioa-mento das avaliaes nacionais. Como se sabe, as avaliaes ENEM e Prova Brasil vm-se cons-tituindo em polticas de Estado que subsidiam os sistemas na formulao de polticas pblicas de equidade, bem como proporcionam elementos aos municpios e escolas para localizarem as suas fragilidades e promoverem aes, na tentativa de super-las, por meio de metas inte-gradas. Alm disso, proposta do CNE o estabelecimento de uma Base Nacional Comum que ter como um dos objetivos nortear as avaliaes e a elaborao de livros didticos e de outros documentos pedaggicos. O processo de implantao e implementao do disposto na alterao da LDB pela Lei n 11.274/2006, que estabeleceu o ingresso da criana a partir dos seis anos de idade no Ensino Fundamental, tem como perspectivas melhorar as condies de equidade e qualidade da Educao Bsica, estruturar um novo Ensino Fundamental e assegurar um alargamento do tempo para as aprendizagens da alfabetizao e do letramento. Se forem observados os dados estatsticos a partir da relao entre duas datas referenciais 2000 e 2008 , tem-se surpresa quanto ao quantitativo total de matriculados na Educao

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    Bsica, j que se constata reduo de matrcula (-0,7%), em vez de elevao. Contudo, embora se perceba uma reduo de 20,6% no total da Educao Infantil, na Creche o crescimento foi expressivo, de 47,7%. Os nmeros indicam que, no Ensino Fundamental e no Ensino Mdio, h decrscimo de matrcula, o que trai a inteno nacional projetada em metas constitutivas do Plano Nacional de Educao, pois, no primeiro, constata-se uma queda de -7,3% e, no segundo, de -8,4%. Uma pergunta inevitvel : em que medida as polticas educacionais estimularia a su-perao desse quadro e em quais aspectos essas Diretrizes poderiam contribuir como indutoras de mudanas favorveis reverso do que se coloca? H necessidade de aproximao da lgica dos discursos normativos com a lgica social, ou seja, a dos papis e das funes sociais em seu dinamismo. Um dos desafios, entretanto, est no que Miguel G. Arroyo (1999) aponta, por exemplo, em seu artigo, Ciclos de desenvolvimento humano e formao de educadores, em que assinala que as diretrizes para a educao nacional, quando normatizadas, no chegam ao cerne do problema, porque no levam em conta a lgica social. Com base no entendimento do autor, as diretrizes no preveem a preparao antecipada daqueles que devero implant-las e implement-las. O comentrio do autor ilustrativo por essa compreenso: no se implantaro propostas inovadoras listando o que teremos de inovar, lis-tando as competncias que os educadores devem aprender e montando cursos de treinamento para form-los. () no campo da formao de profissionais de Educao Bsica onde mais abundam as leis e os pareceres dos conselhos, os palpites fceis de cada novo governante, das equipes tcnicas, e at das agncias de financiamento, nacionais e internacionais (Arroyo, 1999, p. 151). Outro limite que tem sido apontado pela comunidade educativa, a ser considerado na for-mulao e implementao das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educao Bsica, a desproporo existente entre as unidades federadas do Brasil, sob diferentes pontos de vista: recursos financeiros, presena poltica, dimenso geogrfica, demografia, recursos naturais e, acima de tudo, traos socioculturais. Entre mltiplos fatores que podem ser destacados, acentua-se que, para alguns educadores que se manifestaram durante os debates havidos em nvel nacional, tendo como foco o co-tidiano da escola e as diretrizes curriculares vigentes, h um entendimento de que tanto as diretrizes curriculares, quanto os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN), implementados pelo MEC de 1997 a 2002, transformaram-se em meros papis. Preencheram uma lacuna de modo equivocado e pouco dialgico, definindo as concepes metodolgicas a serem seguidas e o conhecimento a ser trabalhado no Ensino Fundamental e no Mdio. Os PCNs teriam sido editados como obrigao de contedos a serem contemplados no Brasil inteiro, como se fossem um roteiro, sugerindo entender que essa medida poderia ser orientao suficiente para assegurar a qualidade da educao para todos. Entretanto, a educao para todos no viabilizada por decreto, resoluo, portaria ou similar, ou seja, no se efetiva to somente por meio de pres-crio de atividades de ensino ou de estabelecimento de parmetros ou diretrizes curricula-res: a educao de qualidade social conquista e, como conquista da sociedade brasileira, manifestada pelos movimentos sociais, pois direito de todos. Essa conquista, simultaneamente, to solitria e solidria quanto singular e coletiva, supe aprender a articular o local e o universal em diferentes tempos, espaos e grupos sociais desde a primeira infncia. A qualidade da educao para todos exige compromisso e responsabili-dade de todos os envolvidos no processo poltico, que o Projeto de Nao traou, por meio da Constituio Federal e da LDB, cujos princpios e finalidades educacionais so desafiadores: em sntese, assegurando o direito inalienvel de cada brasileiro conquistar uma formao sustentada na continuidade de estudos, ou seja, como temporalizao de aprendizagens que complexifi-quem a experincia de comungar sentidos que do significado convivncia. H de se reconhecer, no entanto, que o desafio maior est na necessidade de repensar as pers-pectivas de um conhecimento digno da humanidade na era planetria, pois um dos princpios que orientam as sociedades contemporneas a imprevisibilidade. As sociedades abertas no tm os caminhos traados para um percurso inflexvel e estvel. Trata-se de enfrentar o acaso, a volatilidade e a imprevisibilidade, e no programas sustentados em certezas.

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    H entendimento geral de que, durante a Dcada da Educao (encerrada em 2007), en-tre as maiores conquistas destaca-se a criao do FUNDEF, posteriormente transformado em FUNDEB. Este ampliou as condies efetivas de apoio financeiro e de gesto s trs etapas da Educao Bsica e suas modalidades, desde 2007. Do ponto de vista do apoio Educao Bsica, como totalidade, o FUNDEB apresenta sinais de que a gesto educacional e de polticas pblicas poder contribuir para a conquista da elevao da qualidade da educao brasileira, se for assu-mida por todos os que nela atuam, segundo os critrios da efetividade, relevncia e pertinncia, tendo como foco as finalidades da educao nacional, conforme definem a Constituio Federal e a LDB, bem como o Plano Nacional de Educao. Os recursos para a educao sero ainda ampliados com a desvinculao de recursos da Unio (DRU) aprovada pela j destacada Emenda Constitucional n 59/2009. Sem dvida, essa conquista, resultado das lutas sociais, pode contribuir para a melhoria da qualidade social da ao educativa, em todo o Pas. No que diz respeito s fontes de financiamento da Educao Bsica, em suas diferentes etapas e modalidades, no entanto, verifica-se que h disperso, o que tem repercutido desfavoravel-mente na unidade da gesto das prioridades educacionais voltadas para a conquista da qualidade social da educao escolar, inclusive em relao s metas previstas no PNE 2001-2010. Apesar da relevncia do FUNDEF, e agora com o FUNDEB em fase inicial de implantao, ainda no se tem poltica financeira compatvel com as exigncias da Educao Bsica em sua pluridimen-sionalidade e totalidade. As polticas de formao dos profissionais da educao, as Diretrizes Curriculares Nacionais, os parmetros de qualidade definidos pelo Ministrio da Educao, associados s normas dos sistemas educativos dos Estados, Distrito Federal e Municpios, so orientaes cujo objetivo central o de criar condies para que seja possvel melhorar o desempenho das escolas, me-diante ao de todos os seus sujeitos. Assume-se, portanto, que as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educao Bsica tero como fundamento essencial a responsabilidade que o Estado brasileiro, a famlia e a socie-dade tm de garantir a democratizao do acesso, incluso, permanncia e sucesso das crianas, jovens e adultos na instituio educacional, sobretudo em idade prpria a cada etapa e moda-lidade; a aprendizagem para continuidade dos estudos; e a extenso da obrigatoriedade e da gratuidade da Educao Bsica.

    2. Mrito

    Inicialmente, apresenta-se uma sinttica reflexo sobre sociedade e a educao, a que se seguem orientaes para a Educao Bsica, a partir dos princpios definidos constitucionalmente e da contextualizao apresentada no histrico, tendo compromisso com a organicidade, a sequen-cialidade e a articulao do conjunto total da Educao Bsica, sua insero na sociedade e seu papel na construo do Projeto Nacional. Visa-se formulao das Diretrizes Curriculares es-pecficas para suas etapas e modalidades, organizando-se com os seguintes itens: 1) Referncias conceituais; 2) Sistema Nacional de Educao; 3) Acesso e permanncia para a conquista da qualidade social; 4) Organizao curricular: conceito, limites, possibilidades; 5) Organizao da Educao Bsica; 6) Elementos constitutivos para organizao e implantao das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educao Bsica. A sociedade, na sua histria, constitui-se no locus da vida, das tramas sociais, dos encontros e desencontros nas suas mais diferentes dimenses. nesse espao que se inscreve a institui-o escolar. O desenvolvimento da sociedade engendra movimentos bastante complexos. Ao traduzir-se, ao mesmo tempo, em territrio, em cultura, em poltica, em economia, em modo de vida, em educao, em religio e outras manifestaes humanas, a sociedade, especialmente a contempornea, insere-se dialeticamente e movimenta-se na continuidade e descontinuidade, na universalizao e na fragmentao, no entrelaamento e na ruptura que conformam a sua face. Por isso, vive-se, hoje, a problemtica da disperso e ruptura, portanto, da superficialidade.

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    Nessa dinmica, inscreve-se a compreenso do projeto de Nao, o da educao nacional e, neste, o da instituio escolar, com sua organizao, seu projeto e seu processo educativo em suas diferentes dimenses, etapas e modalidades. O desafio posto pela contemporaneidade educao o de garantir, contextualizada-mente, o direito humano universal e social inalienvel educao. O direito universal no passvel de ser analisado isoladamente, mas deve s-lo em estreita relao com outros direitos, especialmente, dos direitos civis e polticos e dos direitos de carter subjetivo, sobre os quais incide decisivamente. Compreender e realizar a educao, entendida como um direito indi-vidual humano e coletivo, implica considerar o seu poder de habilitar para o exerccio de outros direitos, isto , para potencializar o ser humano como cidado pleno, de tal modo que este se torne apto para viver e conviver em determinado ambiente, em sua dimenso planetria. A educao , pois, processo e prtica que se concretizam nas relaes sociais que transcendem o espao e o tempo escolares, tendo em vista os diferentes sujeitos que a de-mandam. Educao consiste, portanto, no processo de socializao da cultura da vida, no qual se constroem, se mantm e se transformam saberes, conhecimentos e valores. Exige-se, pois, problematizar o desenho organizacional da instituio escolar, que no tem conseguido responder s singularidades dos sujeitos que a compem. Torna-se inadi-vel trazer para o debate os princpios e as prticas de um processo de incluso social, que garanta o acesso e considere a diversidade humana, social, cultural, econmica dos gru-pos historicamente excludos. Trata-se das questes de classe, gnero, raa, etnia, gerao, constitudas por categorias que se entrelaam na vida social pobres, mulheres, afrodes-centendes, indgenas, pessoas com deficincia, as populaes do campo, os de diferentes orientaes sexuais, os sujeitos albergados, aqueles em situao de rua, em privao de liberdade todos que compem a diversidade que a sociedade brasileira e que comeam a ser contemplados pelas polticas pblicas. Para que se conquiste a incluso social, a educao escolar deve fundamentar-se na tica e nos valores da liberdade, na justia social, na pluralidade, na solidariedade e na sustentabilidade, cuja finalidade o pleno desenvolvimento de seus sujeitos, nas dimenses individual e social de cidados conscientes de seus direitos e deveres, compromissados com a transformao social. Diante dessa concepo de educao, a escola uma organizao temporal, que deve ser menos rgida, segmentada e uniforme, a fim de que os estudantes, indistintamente, possam adequar seus tempos de aprendizagens de modo menos homogneo e idealizado. A escola, face s exigncias da Educao Bsica, precisa ser reinventada: priorizar processos capazes de gerar sujeitos inventivos, participativos, cooperativos, preparados para diversificadas inseres sociais, polticas, culturais, laborais e, ao mesmo tempo, capazes de intervir e proble-matizar as formas de produo e de vida. A escola tem, diante de si, o desafio de sua prpria recriao, pois tudo que a ela se refere constitui-se como inveno: os rituais escolares so in-venes de um determinado contexto sociocultural em movimento. A elaborao das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educao Bsica pressupe clareza em relao ao seu papel de indicador de opes polticas, sociais, culturais, educacionais, e a funo da educao, na sua relao com os objetivos constitucionais de projeto de Nao, fundamentando-se na cidadania e na dignidade da pessoa, o que implica igualdade, liberdade, pluralidade, diversidade, respeito, justia social, solidariedade e sustentabilidade.

    2.1. Referncias conceituais

    Os fundamentos que orientam a Nao brasileira esto definidos constitucionalmente no ar-tigo1 da Constituio Federal, que trata dos princpios fundamentais da cidadania e da dignidade da pessoa humana, do pluralismo poltico, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Nessas bases, assentam-se os objetivos nacionais e, por consequncia, o pro-jeto educacional brasileiro: construir uma sociedade livre, justa e solidria; garantir o de-senvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdades

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    sociais e regionais; promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao. Esse conjunto de compromissos prev tambm a defesa da paz; a autodeterminao dos po-vos; a prevalncia dos direitos humanos; o repdio ao preconceito, violncia e ao terrorismo; e o equilbrio do meio ambiente, bem de uso comum do povo e essencial qualidade de vida, impondo-se ao poder pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as pre-sentes e as futuras geraes. As bases que do sustentao ao projeto nacional de educao responsabilizam o poder p-blico, a famlia, a sociedade e a escola pela garantia a todos os estudantes de um ensino minis-trado com base nos seguintes princpios: I igualdade de condies para o acesso, incluso, permanncia e sucesso na escola; II liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III pluralismo de ideias e de concepes pedaggicas; IV respeito liberdade e aos direitos; V coexistncia de instituies pblicas e privadas de ensino; VI gratuidade do ensino pblico em estabelecimentos oficiais; VII valorizao do profissional da educao escolar; VIII gesto democrtica do ensino pblico, na forma da legislao e normas dos sistemas de ensino; IX garantia de padro de qualidade; X valorizao da experincia extraescolar; XI vinculao entre a educao escolar, o trabalho e as prticas sociais.

    Alm das finalidades da educao nacional enunciadas na Constituio Federal (artigo 205) e na LDB (artigo 2), que tm como foco o pleno desenvolvimento da pessoa, a preparao para o exerccio da cidadania e a qualificao para o trabalho, deve-se considerar integradamente o previsto no ECA (Lei n 8.069/90), o qual assegura, criana e ao adolescente de at 18 anos, todos os direitos fundamentais inerentes pessoa, as oportunidades oferecidas para o desen-volvimento fsico, mental, moral, espiritual e social, em condies de liberdade e de dignidade. So direitos referentes vida, sade, alimentao, educao, ao esporte, ao lazer, pro-fissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito mtuo, liberdade, convivncia familiar e comunitria (artigos 2, 3 e 4). A Educao Bsica direito universal e alicerce indispensvel para a capacidade de exercer em plenitude o direto cidadania. o tempo, o espao e o contexto em que o sujeito aprende a constituir e reconstituir a sua identidade, em meio a transformaes corporais, afetivo-emocionais, socioemocionais, cognitivas e socioculturais, respeitando e valorizando as dife-renas. Liberdade e pluralidade tornam-se, portanto, exigncias do projeto educacional. Da aquisio plena desse direito depende a possibilidade de exercitar todos os demais direi-tos, definidos na Constituio, no ECA, na legislao ordinria e nas inmeras disposies legais que consagram as prerrogativas do cidado brasileiro. Somente um ser educado ter condio efetiva de participao social, ciente e consciente de seus direitos e deveres civis, sociais, polti-cos, econmicos e ticos. Nessa perspectiva, oportuno e necessrio considerar as dimenses do educar e do cui-dar, em sua inseparabilidade, buscando recuperar, para a funo social da Educao Bsica, a sua centralidade, que o estudante. Cuidar e educar iniciam-se na Educao Infantil, aes destinadas a crianas a partir de zero ano, que devem ser estendidas ao Ensino Fundamental, Mdio e posteriores. Cuidar e educar significa compreender que o direito educao parte do princpio da forma-o da pessoa em sua essncia humana. Trata-se de considerar o cuidado no sentido profundo do que seja acolhimento de todos crianas, adolescentes, jovens e adultos com respeito e, com ateno adequada, de estudantes com deficincia, jovens e adultos defasados na relao idade-escolaridade, indgenas, afrodescendentes, quilombolas e povos do campo.

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    Educar exige cuidado; cuidar educar, envolvendo acolher, ouvir, encorajar, apoiar, no sen-tido de desenvolver o aprendizado de pensar e agir, cuidar de si, do outro, da escola, da natureza, da gua, do Planeta. Educar , enfim, enfrentar o desafio de lidar com gente, isto , com criaturas to imprevisveis e diferentes quanto semelhantes, ao longo de uma existncia inscrita na teia das relaes humanas, neste mundo complexo. Educar com cuidado significa aprender a amar sem dependncia, desenvolver a sensibilidade humana na relao de cada um consigo, com o outro e com tudo o que existe, com zelo, ante uma situao que requer cautela em busca da formao humana plena. A responsabilidade por sua efetivao exige corresponsabilidade: de um lado, a responsabi-lidade estatal na realizao de procedimentos que assegurem o disposto nos incisos VII e VIII, do artigo 12 e VI do artigo 13, da LDB; de outro, a articulao com a famlia, com o Conselho Tutelar, com o juiz competente da Comarca, com o representante do Ministrio Pblico e com os demais segmentos da sociedade. Para que isso se efetive, torna-se exigncia, tambm, a cor-responsabilidade exercida pelos profissionais da educao, necessariamente articulando a escola com as famlias e a comunidade. Nota-se que apenas pelo cuidado no se constri a educao e as dimenses que a envolvem como projeto transformador e libertador. A relao entre cuidar e educar se concebe mediante internalizao consciente de eixos norteadores, que remetem experincia fundamental do va-lor, que influencia significativamente a definio da conduta, no percurso cotidiano escolar. No de um valor pragmtico e utilitrio de educao, mas do valor intrnseco quilo que deve caracterizar o comportamento de seres humanos, que respeitam a si mesmos, aos outros, cir-cunstncia social e ao ecossistema. Valor este fundamentado na tica e na esttica, que rege a convivncia do indivduo no coletivo, que pressupe relaes de cooperao e solidariedade, de respeito alteridade e liberdade. Cuidado, por sua prpria natureza, inclui duas significaes bsicas, intimamente ligadas entre si. A primeira consiste na atitude de solicitude e de ateno para com o outro. A segunda de inquietao, sentido de responsabilidade, isto , de cogitar, pensar, manter ateno, mostrar interesse, revelar atitude de desvelo, sem perder a ternura (Boff, 1999, p. 91), compromisso com a formao do sujeito livre e independente daqueles que o esto gerando como ser humano capaz de conduzir o seu processo formativo, com autonomia e tica. Cuidado , pois, um princpio que norteia a atitude, o modo prtico de realizar-se, de viver e conviver no mundo. Por isso, na escola, o processo educativo no comporta uma atitude par-cial, fragmentada, recortada da ao humana, baseada somente numa racionalidade estratgico-procedimental. Inclui ampliao das dimenses constitutivas do trabalho pedaggico, mediante verificao das condies de aprendizagem apresentadas pelo estudante e busca de solues junto famlia, aos rgos do poder pblico, a diferentes segmentos da sociedade. Seu horizonte de ao abrange a vida humana em sua globalidade. essa concepo de educao integral que deve orientar a organizao da escola, o conjunto de atividades nela realizadas, bem como as polticas sociais que se relacionam com as prticas educacionais. Em cada criana, adolescente, jovem ou adulto, h uma criatura humana em formao e, nesse sentido, cuidar e educar so, ao mesmo tempo, princpios e atos que orientam e do sentido aos processos de ensino, de apren-dizagem e de construo da pessoa humana em suas mltiplas dimenses. Cabe, aqui, uma reflexo sobre o conceito de cidadania, a forma como a ideia de cidadania foi tratada no Brasil e, em muitos casos, ainda o . Reveste-se de uma caracterstica para usar os termos de Hannah Arendt essencialmente social. Quer dizer: algo ainda derivado e circunscrito ao mbito da pura necessidade. comum ouvir ou ler algo que sugere uma noo de cidadania como acesso dos indivduos aos bens e servios de uma sociedade moderna, discurso contemporneo de uma poca em que os inmeros movimentos sociais brasileiros lutavam, essencialmente, para obter do Estado condies de existncia mais digna, do ponto de vista dominantemente material. Mesmo quando esse discurso se modificou num sentido mais poltico e menos social, quer dizer, uma cidadania agora compreendida como a participao ativa dos indivduos nas decises pertinentes sua vida cotidiana, esta no deixou de ser uma

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    reivindicao que situava o poltico na precedncia do social: participar de decises pblicas significa obter direitos e assumir deveres, solicitar ou assegurar certas condies de vida mini-mamente civilizadas. Em um contexto marcado pelo desenvolvimento de formas de excluso cada vez mais sutis e humilhantes, a cidadania aparece hoje como uma promessa de sociabilidade, em que a escola precisa ampliar parte de suas funes, solicitando de seus agentes a funo de mantenedores da paz nas relaes sociais, diante das formas cada vez mais amplas e destrutivas de violncia. Nessa perspectiva e no cenrio em que a escola de Educao Bsica se insere e em que o professor e o estudante atuam, h que se perguntar: de que tipo de educao os homens e as mulheres dos pr-ximos 20 anos necessitam, para participarem da construo desse mundo to diverso? A que tra-balho e a que cidadania se refere? Em outras palavras, que sociedade florescer? Por isso mesmo, a educao brasileira deve assumir o desafio de propor uma escola emancipadora e libertadora.

    2. 2. Sistema Nacional de Educao

    O Sistema Nacional de Educao tema que vem suscitando o aprofundamento da compreenso sobre sistema, no contexto da histria da educao, nesta Nao to diversa geogrfica, econ-mica, social e culturalmente. O que a proposta de organizao do Sistema Nacional de Educao enfrenta , fundamentalmente, o desafio de superar a fragmentao das polticas pblicas e a desarticulao institucional dos sistemas de ensino entre si, diante do impacto na estrutura do financiamento, comprometendo a conquista da qualidade social das aprendizagens, mediante conquista de uma articulao orgnica. Os debates sobre o Sistema Nacional de Educao, em vrios momentos, abordaram o tema das diretrizes para a Educao Bsica. Ambas as questes foram objeto de anlise em interface, durante as diferentes etapas preparatrias da Conferncia Nacional de Educao (CONAE) de 2009, uma vez que so temas que se vinculam a um objetivo comum: articular e fortalecer o sistema nacional de educao em regime de colaborao. Para Saviani, o sistema a unidade de vrios elementos intencionalmente reunidos de modo a formar um conjunto coerente e operante (2009, p. 38). Caracterizam, portanto, a noo de sistema: a intencionalidade humana; a unidade e variedade dos mltiplos elementos que se articulam; a coerncia interna articulada com a externa. Alinhado com essa conceituao, este Parecer adota o entendimento de que sistema resulta da atividade intencional e organicamente concebida, que se justifica pela realizao de atividades voltadas para as mesmas finalidades ou para a concretizao dos mesmos objetivos. Nessa perspectiva, e no contexto da estrutura federativa brasileira, em que convivem sistemas educacionais autnomos, faz-se necessria a institucionalizao de um regime de colaborao que d efetividade ao projeto de educao nacional. Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios, cada qual com suas peculiares competncias, so chamados a colabo-rar para transformar a Educao Bsica em um conjunto orgnico, sequencial, articulado, assim como planejado sistemicamente, que responda s exigncias dos estudantes, de suas aprendizagens nas diversas fases do desenvolvimento fsico, intelectual, emocional e social. Atende-se dimenso orgnica quando so observadas as especificidades e as diferenas de cada uma das trs etapas de escolarizao da Educao Bsica e das fases que as compem, sem perda do que lhes comum: as semelhanas, as identidades inerentes condio humana em suas determinaes histricas e no apenas do ponto de vista da qualidade da sua estrutura e organizao. Cada etapa do processo de escolarizao constitui-se em unidade, que se articula or-ganicamente com as demais de maneira complexa e intrincada, permanecendo todas elas, em suas diferentes modalidades, individualizadas, ao logo do percurso do escolar, apesar das mudanas por que passam por fora da singularidade de cada uma, bem assim a dos sujeitos que lhes do vida. Atende-se dimenso sequencial quando os processos educativos acompanham as exigncias de aprendizagem definidas em cada etapa da trajetria escolar da Educao Bsica (Educao Infantil, Ensino Fundamental e Mdio), at a Educao Superior. So processos educativos

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    que, embora se constituam em diferentes e insubstituveis momentos da vida dos estudantes, inscritos em tempos e espaos educativos prprios a cada etapa do desenvolvimento humano, inscrevem-se em trajetria que deve ser contnua e progressiva. A articulao das dimenses orgnica e sequencial das etapas e modalidades da Educao Bsica, e destas com a Educao Superior, implica a ao coordenada e integradora do seu con-junto; o exerccio efetivo do regime de colaborao entre os entes federados, cujos sistemas de ensino gozam de autonomia constitucionalmente reconhecida. Isso pressupe o estabelecimento de regras de equivalncia entre as funes distributiva, supletiva, de regulao normativa, de su-perviso e avaliao da educao nacional, respeitada a autonomia dos sistemas e valorizadas as diferenas regionais. Sem essa articulao, o projeto educacional e, por conseguinte, o projeto nacional corre o perigo de comprometer a unidade e a qualidade pretendida, inclusive quanto ao disposto no artigo 22 da LDB: desenvolver o educando, assegurar-lhe a formao comum in-dispensvel para o exerccio da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores, inspirada nos princpios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. Mais concretamente, h de se prever que a transio entre Pr-Escola e Ensino Fundamental pode se dar no interior de uma mesma instituio, requerendo formas de articulao das dimen-ses orgnica e sequencial entre os docentes de ambos os segmentos que assegurem s crianas a continuidade de seus processos peculiares de aprendizagem e desenvolvimento. Quando a tran-sio se d entre instituies diferentes, essa articulao deve ser especialmente cuidadosa, garan-tida por instrumentos de registro portflios, relatrios que permitam, aos docentes do Ensino Fundamental de uma outra escola, conhecer os processos de desenvolvimento e aprendizagem vivenciados pela criana na Educao Infantil da escola anterior. Mesmo no interior do Ensino Fundamental, h de se cuidar da fluncia da transio da fase dos anos iniciais para a fase dos anos finais, quando a criana passa a ter diversos docentes, que conduzem diferentes componentes e atividades, tornando-se mais complexas a sistemtica de estudos e a relao com os professores. A transio para o Ensino Mdio apresenta contornos bastante diferentes dos anteriormente referidos, uma vez que, ao ingressarem no Ensino Mdio, os jovens j trazem maior experincia com o ambiente escolar e suas rotinas; alm disso, a dependncia dos adolescentes em relao s suas famlias quantitativamente menor e qualitativamente diferente. Mas, certamente, isso no significa que no se criem tenses, que derivam, principalmente, das novas expectativas familiares e sociais que envolvem o jovem. Tais expectativas giram em torno de trs variveis principais conforme o estrato sociocultural em que se produzem: a) os conflitos da adolescn-cia; b) a maior ou menor aproximao ao mundo do trabalho; c) a crescente aproximao aos rituais da passagem da Educao Bsica para a Educao Superior. Em resumo, o conjunto da Educao Bsica deve se constituir em um processo orgnico, sequencial e articulado, que assegure criana, ao adolescente, ao jovem e ao adulto de qualquer condio e regio do Pas a formao comum para o pleno exerccio da cidadania, oferecendo as condies necessrias para o seu desenvolvimento integral. Estas so finalidades de todas as etapas constitutivas da Educao Bsica, acrescentando-se os meios para que possa progredir no mundo do trabalho e acessar a Educao Superior. So referncias conceituais e legais, bem como desafio para as diferentes instncias responsveis pela concepo, aprovao e execuo das polticas educacionais.

    2.3. Acesso e permanncia para a conquista da qualidade social

    A qualidade social da educao brasileira uma conquista a ser construda de forma negociada, pois significa algo que se concretiza a partir da qualidade da relao entre todos os sujeitos que nela atuam direta e indiretamente.4 Significa compreender que a educao um pro-cesso de socializao da cultura da vida, no qual se constroem, se mantm e se transformam

    4 Agarantia de padro de qualidadeumdosprincpiosdaLDB(incisoIXdoartigo3).

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    conhecimentos e valores. Socializar a cultura inclui garantir a presena dos sujeitos das aprendizagens na escola. Assim, a qualidade social da educao escolar supe a sua permann-cia, no s com a reduo da evaso, mas tambm da repetncia e da distoro idade/ano/srie. Para assegurar o acesso ao Ensino Fundamental, como direito pblico subjetivo, no seu ar-tigo 5, a LDB instituiu medidas que se interpenetram ou complementam, estabelecendo que, para exigir o cumprimento pelo Estado desse ensino obrigatrio, qualquer cidado, grupo de cidados, associao comunitria, organizao sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituda e, ainda, o Ministrio Pblico, podem acionar o poder pblico. Esta medida se complementa com a obrigatoriedade atribuda aos Estados e aos Municpios, em regime de colaborao, e com a assistncia da Unio, de recensear a populao em idade esco-lar para o Ensino Fundamental, e os jovens e adultos que a ele no tiveram acesso, para que seja efetuada a chamada pblica correspondente. Quanto famlia, os pais ou responsveis so obrigados a matricular a criana no Ensino Fundamental, a partir dos 6 anos de idade, sendo que prevista sano a esses e/ou ao poder pblico, caso descumpram essa obrigao de garantia dessa etapa escolar. Quanto obrigatoriedade de permanncia do estudante na escola, principalmente no Ensino Fundamental, h, na mesma Lei, exigncias que se centram nas relaes entre a escola, os pais ou responsveis, e a comunidade, de tal modo que a escola e os sistemas de ensino tornam-se responsveis por:

    zelar,juntoaospaisouresponsveis,pelafrequnciaescola; articular-secomasfamliaseacomunidade,criandoprocessosdeintegrao

    dasociedadecomaescola; informarospaiseresponsveissobreafrequnciaeorendimentodosestudan-

    tes,bemcomosobreaexecuodesuapropostapedaggica; notificaraoConselhoTutelardoMunicpio,aojuizcompetentedaComarcae

    ao respectivo representante do Ministrio Pblico a relao dos estudantes que apresentem quantidade de faltas acima de cinquenta por cento do percentual permitido em lei.

    No Ensino Fundamental e, nas demais etapas da Educao Bsica, a qualidade no tem sido to estimulada quanto quantidade. Depositar ateno central sobre a quantidade, visando universalizao do acesso escola, uma medida necessria, mas que no assegura a permann-cia, essencial para compor a qualidade. Em outras palavras, a oportunidade de acesso, por si s, destituda de condies suficientes para insero no mundo do conhecimento. O conceito de qualidade na escola, numa perspectiva ampla e basilar, remete a uma deter-minada ideia de qualidade de vida na sociedade e no planeta Terra. Inclui tanto a qualidade pedaggica quanto a qualidade poltica, uma vez que requer compromisso com a permanncia do estudante na escola, com sucesso e valorizao dos profissionais da educao. Trata-se da exigncia de se conceber a qualidade na escola como qualidade social, que se conquista por meio de acordo coletivo. Ambas as qualidades pedaggica e poltica abrangem diversos modos avaliativos comprometidos com a aprendizagem do estudante, interpretados como indicaes que se interpenetram ao longo do processo didtico-pedaggico, o qual tem como alvo o desen-volvimento do conhecimento e dos saberes construdos histrica e socialmente. O compromisso com a permanncia do estudante na escola , portanto, um desafio a ser assumido por todos, porque, alm das determinaes sociopolticas e culturais, das diferenas individuais e da organizao escolar vigente, h algo que supera a poltica reguladora dos proces-sos educacionais: h os fluxos migratrios, alm de outras variveis que se refletem no processo educativo. Essa uma varivel externa que compromete a gesto macro da educao, em todas as esferas, e, portanto, refora a premncia de se criarem processos gerenciais que proporcionem a efetivao do disposto no artigo 5 e no inciso VIII do artigo 12 da LDB, quanto ao direito ao acesso e permanncia na escola de qualidade.

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    Assim entendida, a qualidade na escola exige de todos os sujeitos do processo educativo: I a instituio da Poltica Nacional de Formao de Profissionais do Magistrio da Educao Bsica, com a finalidade de organizar, em regime de colaborao entre a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios, a formao inicial e continuada dos profissionais do magistrio para as redes pblicas da educao (Decreto n 6.755, de 29 de janeiro de 2009); II ampliao da viso poltica expressa por meio de habilidades inovadoras, fundamentadas na capacidade para aplicar tcnicas e tecnologias orientadas pela tica e pela esttica; III responsabilidade social, princpio educacional que norteia o conjunto de sujeitos com-prometidos com o projeto que definem e assumem como expresso e busca da qualidade da escola, fruto do empenho de todos. Construir a qualidade social pressupe conhecimento dos interesses sociais da comunidade escolar para que seja possvel educar e cuidar mediante interao efetivada entre princpios e finalidades educacionais, objetivos, conhecimento e concepes curriculares. Isso abarca mais que o exerccio poltico-pedaggico que se viabiliza mediante atuao de todos os sujeitos da comunidade educativa. Ou seja, efetiva-se no apenas mediante participao de todos os sujeitos da escola estudante, professor, tcnico, funcionrio, coordenador mas tambm mediante aquisio e utilizao adequada dos objetos e espaos (laboratrios, equipamentos, mobilirio, salas-ambiente, biblioteca, videoteca etc.) requeridos para responder ao projeto poltico-pedag-gico pactuado, vinculados s condies/disponibilidades mnimas para se instaurar a primazia da aquisio e do desenvolvimento de hbitos investigatrios para construo do conhecimento. A escola de qualidade social adota como centralidade o dilogo, a colaborao, os sujeitos e as aprendizagens, o que pressupe, sem dvida, atendimento a requisitos tais como: I reviso das referncias conceituais quanto aos diferentes espaos e tempos educativos, abrangendo espaos sociais na escola e fora dela; II considerao sobre a incluso, a valorizao das diferenas e o atendimento pluralidade e diversidade cultural, resgatando e respeitando os direitos humanos, individuais e coletivos e as vrias manifestaes de cada comunidade; III foco no projeto poltico-pedaggico, no gosto pela aprendizagem, e na avaliao das aprendizagens como instrumento de contnua progresso dos estudantes; IV inter-relao entre organizao do currculo, do trabalho pedaggico e da jornada de trabalho do professor, tendo como foco a aprendizagem do estudante; V preparao dos profissionais da educao, gestores, professores, especialistas, tcnicos, monitores e outros; VI compatibilidade entre a proposta curricular e a infraestrutura entendida como espao formativo dotado de efetiva disponibilidade de tempos para a sua utilizao e acessibilidade; VII integrao dos profissionais da educao, os estudantes, as famlias, os agentes da co-munidade interessados na educao; VIII valorizao dos profissionais da educao, com programa de formao continuada, critrios de acesso, permanncia, remunerao compatvel com a jornada de trabalho definida no projeto poltico-pedaggico; IX realizao de parceria com rgos, tais como os de assistncia social, desenvolvimento e direitos humanos, cidadania, cincia e tecnologia, esporte, turismo, cultura e arte, sade, meio ambiente.

    No documento Indicadores de Qualidade na Educao (Ao Educativa, 2004), a quali-dade vista com um carter dinmico, porque cada escola tem autonomia para refletir, propor e agir na busca da qualidade do seu trabalho, de acordo com os contextos socioculturais locais. Segundo o autor, os indicadores de qualidade so sinais adotados para que se possa qualificar algo, a partir dos critrios e das prioridades institucionais. Destaque-se que os referenciais e indicadores de avaliao so componentes curriculares, porque t-los em mira facilita a aproxi-mao entre a escola que se tem e aquela que se quer, traduzida no projeto poltico-pedaggico, para alm do que fica disposto no inciso IX do artigo 4 da LDB: definio de padres mnimos

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    de qualidade de ensino, como a variedade e quantidade mnimas, por estudante, de insumos indispensveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.5

    Essa exigncia legal traduz a necessidade de se reconhecer que a avaliao da qualidade associa-se ao planejada, coletivamente, pelos sujeitos da escola e supe que tais sujeitos tenham clareza quanto: I aos princpios e s finalidades da educao, alm do reconhecimento e anlise dos dados indicados pelo IDEB e/ou outros indicadores, que complementem ou substituam estes; II relevncia de um projeto poltico-pedaggico concebido e assumido coletivamente pela comunidade educacional, respeitadas as mltiplas diversidades e a pluralidade cultural; III riqueza da valorizao das diferenas manifestadas pelos sujeitos do processo educa-tivo, em seus diversos segmentos, respeitados o tempo e o contexto sociocultural; IV aos padres mnimos de qualidade6 (Custo Aluno Qualidade inicial CAQi7), que apon-tam para quanto deve ser investido por estudante de cada etapa e modalidade da Educao Bsica, para que o Pas oferea uma educao de qualidade a todos os estudantes.

    Para se estabelecer uma educao com um padro mnimo de qualidade, necessrio inves-timento com valor calculado a partir das despesas essenciais ao desenvolvimento dos processos e procedimentos formativos, que levem, gradualmente, a uma educao integral, dotada de qua-lidade social: creches e escolas possuindo condies de infraestrutura e de adequados equipa-mentos e de acessibilidade; professores qualificados com remunerao adequada e compatvel com a de outros profissionais com igual nvel de formao, em regime de trabalho de 40 horas em tempo integral em uma mesma escola; definio de uma relao adequada entre o nmero de estudantes por turma e por professor, que assegure aprendizagens relevantes; pessoal de apoio tcnico e administrativo que garanta o bom funcionamento da escola.

    2.4. Organizao curricular: conceito, limites, possibilidades

    No texto Currculo, conhecimento e cultura, Moreira e Candau (2006) apresentam diver-sas definies atribudas a currculo, a partir da concepo de cultura como prtica social, ou seja, como algo que, em vez de apresentar significados intrnsecos, como ocorre, por exemplo, com as manifestaes artsticas, a cultura expressa significados atribudos a partir da linguagem. Em poucas palavras, essa concepo definida como experincias escolares que se desdobram em torno do conhecimento, permeadas pelas relaes sociais, buscando articular vivncias e saberes dos alunos com os conhecimentos historicamente acumulados e contribuindo para construir as identidades dos estudantes (idem, p. 22). Uma vez deli-mitada a ideia sobre cultura, os autores definem currculo como: conjunto de prticas que proporcionam a produo, a circulao e o consumo de significados no espao social e que contribuem, intensamente, para a construo de identidades sociais e culturais. O currculo , por consequncia, um dispositivo de grande efeito no processo de construo da identidade do (a) estudante (p. 27). Currculo refere-se, portanto, a criao, recriao, contestao e transgresso (Moreira e Silva, 1994). Nesse sentido, a fonte em que residem os conhecimentos escolares so as prticas socialmente

    5 Atualmente,sorefernciasnacionaisparaoplanejamento,emtodasasinstnciasrespons-veispelaEducaoBsica,oIDEB,oFUNDEBeoENEM.

    6 ParecerCNE/CEBn8/2010(ApreciaaIndicaoCNE/CEBn4/2008,quepropeaconstitui-odeumacomissovisandoanalisarapropostadoCustoAlunoQualidade inicial (CAQi)comopolticademelhoriadaqualidadedoensinonoBrasil).

    7 OCAQiresultadodeestudodesenvolvidopelaCampanhaNacionalpeloDireitoEducao,comaparticipaodepesquisadores,especialistas,gestoreseativistasdeeducao.Suacon-ceporepresentaumamudananalgicadefinanciamentoeducacional,poissebaseianoinvestimentonecessrioparaumaeducaodequalidade,enonosrecursosdisponveis.

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    construdas. Segundo os autores, essas prticas se constituem em mbitos de referncia dos cur-rculos que correspondem:

    a)sinstituiesprodutorasdoconhecimentocientfico(universidadesecentrosdepesquisa);b)aomundodotrabalho;c)aosdesenvolvimentostecnolgicos;d)satividadesdesportivasecorporais;e)produoartstica;f)aocampodasade;g)sformasdiversasdeexercciodacidadania;h) aos movimentos sociais.

    Da entenderem que toda poltica curricular uma poltica cultural, pois o currculo fruto de uma seleo e produo de saberes: campo conflituoso de produo de cultura, de embate entre pessoas concretas, concepes de conhecimento e aprendizagem, formas de imaginar e perceber o mundo. Assim, as polticas curriculares no se resumem apenas a pro-postas e prticas enquanto documentos escritos, mas incluem os processos de planejamento, vivenciados e reconstrudos em mltiplos espaos e por mltiplas singularidades no corpo social da educao. Para Lopes (2004, p. 112), mesmo sendo produes para alm das instncias governamentais, no significa desconsiderar o poder privilegiado que a esfera governamental possui na produo de sentidos nas polticas, pois as prticas e propostas desenvolvidas nas escolas tambm so produtoras de sentidos para as polticas curriculares. Os efeitos das polticas curriculares, no contexto da prtica, so condicionados por questes institucionais e disciplinares que, por sua vez, tm diferentes histrias, concepes pedaggicas e formas de organizao, expressas em diferentes publicaes. As polticas esto sempre em processo de vir-a-ser, sendo mltiplas as leituras possveis de serem realizadas por mltiplos leitores, em um constante processo de interpretao das interpretaes. As fronteiras so demarcadas quando se admite to somente a ideia de currculo formal. Mas as reflexes tericas sobre currculo tm como referncia os princpios educacionais garantidos educao formal. Estes esto orientados pela liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o conhecimento cientfico, alm do pluralismo de ideias e de concepes pedaggicas, assim como a valorizao da experincia extraescolar, e a vinculao entre a educao escolar, o trabalho e as prticas sociais. Assim, e tendo como base o teor do artigo 27 da LDB, pode-se entender que o processo didtico em que se realizam as aprendizagens fundamenta-se na diretriz que assim delimita o conhecimento para o conjunto de atividades:

    Os contedos curriculares da Educao Bsica observaro, ainda, as seguin-tes diretrizes: I a difuso de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deve-resdoscidados,derespeitoaobemcomumeordemdemocrtica; II considerao das condies de escolaridade dos estudantes em cada estabelecimento; III orientaoparaotrabalho; IV promoo do desporto educacional e apoio s prticas desportivas no-formais.

    Desse modo, os valores sociais, bem como os direitos e deveres dos cidados, relacionam-se com o bem comum e com a ordem democrtica. Estes so conceitos que requerem a ateno da comunidade escolar para efeito de organizao curricular, cuja discusso tem como alvo e motivao a temtica da construo de identidades sociais e culturais. A problematizao sobre essa temtica contribui para que se possa compreender, coletivamente, que educao cidad

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    consiste na interao entre os sujeitos, preparando-os por meio das atividades desenvolvidas na escola, individualmente e em equipe, para se tornarem aptos a contribuir para a construo de uma sociedade mais solidria, em que se exera a liberdade, a autonomia e a responsabilidade. Nessa perspectiva, cabe instituio escolar compreender como o conhecimento produzido e socialmente valorizado e como deve ela responder a isso. nesse sentido que as instncias gestoras devem se fortalecer instaurando um processo participativo organizado formalmente, por meio de colegiados, da organizao estudantil e dos movimentos sociais. A escola de Educao Bsica espao coletivo de convvio, onde so privilegiadas trocas, acolhimento e aconchego para garantir o bem-estar de crianas, adolescentes, jovens e adultos, no relacionamento entre si e com as demais pessoas. uma instncia em que se aprende a va-lorizar a riqueza das razes culturais prprias das diferentes regies do Pas que, juntas, formam a Nao. Nela se ressignifica e recria a cultura herdada, reconstruindo as identidades culturais, em que se aprende a valorizar as razes prprias das diferentes regies do Pas. Essa concepo de escola exige a superao do rito escolar, desde a construo do currculo at os critrios que orientam a organizao do trabalho escolar em sua multidimensionalidade, privilegia trocas, acolhimento e aconchego, para garantir o bem-estar de crianas, adolescentes, jovens e adultos, no relacionamento interpessoal entre todas as pessoas. Cabe, pois, escola, diante dessa sua natureza, assumir diferentes papis, no exerccio da sua misso essencial, que a de construir uma cultura de direitos humanos para preparar cidados plenos. A educao destina-se a mltiplos sujeitos e tem como objetivo a troca de saberes8, a socializao e o confronto do conhecimento, segundo diferentes abordagens, exercidas por pessoas de diferentes condies fsicas, sensoriais, intelectuais e emocionais, classes so-ciais, crenas, etnias, gneros, origens, contextos socioculturais, e da cidade, do campo e de aldeias. Por isso, preciso fazer da escola a instituio acolhedora, inclusiva, pois essa uma opo transgressora, porque rompe com a iluso da homogeneidade e provoca, quase sempre, uma espcie de crise de identidade institucional. A escola , ainda, espao em que se abrigam desencontros de expectativas, mas tambm acor-dos solidrios, norteados por princpios e valores educativos pactuados por meio do projeto pol-tico-pedaggico concebido segundo as demandas sociais e aprovado pela comunidade educativa. Por outro lado, enquanto a escola se prende s caractersticas de metodologias tradicionais, com relao ao ensino e aprendizagem como aes concebidas separadamente, as caracters-ticas de seus estudantes requerem outros processos e procedimentos, em que aprender, ensinar, pesquisar, investigar, avaliar ocorrem de modo indissocivel. Os estudantes, entre outras carac-tersticas, aprendem a receber informao com rapidez, gostam do processo paralelo, de realizar vrias tarefas ao mesmo tempo, preferem fazer seus grficos antes de ler o texto, enquanto os docentes creem que acompanham a era digital apenas porque digitam e imprimem textos, tm e-mail, no percebendo que os estudantes nasceram na era digital. As tecnologias da informao e comunicao constituem uma parte de um contnuo de-senvolvimento de tecnologias, a comear pelo giz e os livros, todos podendo apoiar e enri-quecer as aprendizagens. Como qualquer ferramenta, devem ser usadas e adaptadas para servir a fins educacionais e como tecnologia assistiva; desenvolvidas de forma a possibilitar que a interatividade virtual se desenvolva de modo mais intenso, inclusive na produo de linguagens. Assim, a infraestrutura tecnolgica, como apoio pedaggico s atividades escolares, deve tambm garantir acesso dos estudantes biblioteca, ao rdio, televiso, internet aberta s possibilidades da convergncia digital. Essa distncia necessita ser superada, mediante aproximao dos recursos tecnolgicos de informao e comunicao, estimulando a criao de novos mtodos didtico-pedaggicos, para

    8 Oconceitodesaberadotadoaquisereferindoaoconjuntodeexperinciasculturais,sensocomum,comportamentos,valores,atitudes,emoutraspalavras,todooconhecimentoadqui-ridopeloestudantenassuasrelaescomafamliaecomasociedadeemmovimento.

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    que tais recursos e mtodos sejam inseridos no cotidiano escolar. Isto porque o conhecimento cientfico, nos tempos atuais, exige da escola o exerccio da compreenso, valorizao da cincia e da tecnologia desde a infncia e ao longo de toda a vida, em busca da ampliao do domnio do conhecimento cientfico: uma das condies para o exerccio da cidadania. O conhecimento cientfico e as novas tecnologias constituem-se, cada vez mais, condio para que a pessoa saiba se posicionar frente a processos e inovaes que a afetam. No se pode, pois, ignorar que se vive: o avano do uso da energia nuclear; da nanotecnologia;9 a conquista da produo de alimentos geneticamente modificados; a clonagem biolgica. Nesse contexto, tanto o docente quanto o es-tudante e o gestor requerem uma escola em que a cultura, a arte, a cincia e a tecnologia estejam presentes no cotidiano escolar, desde o incio da Educao Bsica. Tendo em vista a amplitude do papel socioeducativo atribudo ao conjunto orgnico da Educao Bsica, cabe aos sistemas educacionais, em geral, definir o programa de escolas de tempo parcial diurno (matutino e/ou vespertino), tempo parcial noturno e tempo integral (turno e contra-turno ou turno nico com jornada escolar de 7 horas, no mnimo10, durante todo o perodo letivo), o que requer outra e diversa organizao e gesto do trabalho pedaggico, con-templando as diferentes redes de ensino, a partir do pressuposto de que compete a todas elas o desenvolvimento integral de suas demandas, numa tentativa de superao das desigualdades de natureza sociocultural, socioeconmica e outras. H alguns anos, se tem constatado a necessidade de a criana, o adolescente e o jovem, par-ticularmente aqueles das classes sociais trabalhadoras, permanecerem mais tempo na escola11. Tem-se defendido que o estudante poderia beneficiar-se da ampliao da jornada escolar, no espao nico da escola ou diferentes espaos educativos, nos quais a permanncia do estudante se liga tanto quantidade e qualidade do tempo dirio de escolarizao, quanto diversidade de atividades de aprendizagens. Assim, a qualidade da permanncia em tempo integral do estudante nesses espaos implica a necessidade da incorporao efetiva e orgnica no currculo de atividades e estudos pedago-gicamente planejados e acompanhados ao longo de toda a jornada. No projeto nacional de educao, tanto a escola de tempo integral quanto a de tempo parcial, diante da sua responsabilidade educativa, social e legal, assumem a aprendizagem compreen-dendo-a como ao coletiva conectada com a vida, com as necessidades, possibilidades e inte-resses das crianas, dos jovens e dos adultos. O direito de aprender , portanto, intrnseco ao direito dignidade humana, lib