direito das obrigações 03-04

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Duarte Nuno Laranjeira – Direito das Obrigações (2003-2004) PARTE I – CONCEITO, ESTRUTURA E FUNÇÃO DA OBRIGAÇÃO CAPÍTULO I O DIREITO DAS OBRIGAÇÕES Definição e objecto do Direito das Obrigações (e sua importância prática) O Dto das Obrigações é o conjunto das normas jurídicas reguladoras das relações de crédito, sendo estas as relações jurídicas em que ao direito subjectivo atribuído a um dos sujeitos corresponde um dever de prestar especificadamente imposto a determinada pessoa (ANTUNES VARELA). É o dever de prestar, a que uma pessoa fica adstrita, no interesse de outra, que distingue a relação obrigacional de outros tipos próximos de relações (nomeadamente as relações reais). É seguro, assim, afirmar-se que o objecto fundamental do dto das obrigações consiste nos deveres de prestação . Importante será frisar que o fim natural da obrigação, seja qual for a modalidade que a prestação revista, é o cumprimento , que representa o meio normal de satisfação do interesse do titular activo da relação. Aliás, o cumprimento constitui a forma normal de extinção da obrigação . A matéria relativa às obrigações constitui o objecto do Livro II do Código Civil (art. 397º a 1250º), curiosamente o mais volumoso de todo o Código, o que poderá evidenciar a crucial importância do estudo desta disciplina jurídica no âmbito do Dto Privado. Segundo MANUEL DE ANDRADE, “é através das obrigações que se desenvolve e opera na vida real o importantíssimo fenómeno da colaboração económica entre os homens”. 1

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direito das obrigações

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Duarte Nuno Laranjeira Direito das Obrigaes (2003-2004)

PARTE I CONCEITO, ESTRUTURA E FUNO DA OBRIGAO

CAPTULO I

O DIREITO DAS OBRIGAES

Definio e objecto do Direito das Obrigaes (e sua importncia prtica)

O Dto das Obrigaes o conjunto das normas jurdicas reguladoras das relaes de crdito, sendo estas as relaes jurdicas em que ao direito subjectivo atribudo a um dos sujeitos corresponde um dever de prestar especificadamente imposto a determinada pessoa (ANTUNES VARELA).

o dever de prestar, a que uma pessoa fica adstrita, no interesse de outra, que distingue a relao obrigacional de outros tipos prximos de relaes (nomeadamente as relaes reais). seguro, assim, afirmar-se que o objecto fundamental do dto das obrigaes consiste nos deveres de prestao.

Importante ser frisar que o fim natural da obrigao, seja qual for a modalidade que a prestao revista, o cumprimento, que representa o meio normal de satisfao do interesse do titular activo da relao. Alis, o cumprimento constitui a forma normal de extino da obrigao.

A matria relativa s obrigaes constitui o objecto do Livro II do Cdigo Civil (art. 397 a 1250), curiosamente o mais volumoso de todo o Cdigo, o que poder evidenciar a crucial importncia do estudo desta disciplina jurdica no mbito do Dto Privado.

Segundo MANUEL DE ANDRADE, atravs das obrigaes que se desenvolve e opera na vida real o importantssimo fenmeno da colaborao econmica entre os homens.

CAPTULO II

O CONCEITO DE OBRIGAO

Conceito de obrigao (em sentido tcnico)

O termo obrigao usado em diversos sentidos: diz-se que o inquilino obrigado a pagar a renda; que todos tm a obrigao de respeitar a propriedade alheia; que o mandatrio obrigado a aceitar a revogao do mandato; que os indivduos tm obrigao de pagar os impostos devidos ao Estado; etc..

No seu sentido amplo, a obrigao constitui o lado passivo de qualquer relao jurdica.

Definiremos obrigao em sentido tcnico (ou strictu sensu) como a relao jurdica por virtude da qual uma (ou mais) pessoa pode exigir de outra (ou outras) a realizao de uma prestao. O Cdigo Civil (art. 397) define obrigao como o vnculo jurdico do qual uma pessoa fica adstrita para com outra realizao de uma prestao (este artigo d-nos a noo de obrigao atravs da sua vertente negativa o dever de prestar).

Trata-se, portanto, de relaes em que ao dto subjectivo de um dos sujeitos corresponde o dever jurdico de prestar, imposto ao outro (Ex.: relao constituda entre o comprador que tem o dever de pagar o preo, e o vendedor, que tem o dto de exigir a entrega dele)

A obrigao abrange o dever de prestar, que recai sobre uma das partes (o lado passivo, na pessoa do sujeito passivo doravante denominado devedor), e o poder de exigir a prestao conferida outra (o lado activo ou sujeito activo, doravante denominado credor).

Assim, teremos sujeitos reciprocamente obrigados e com dtos recprocos na relao jurdica obrigacional (p.e., o contrato de arrendamento, com vrios dtos e vrios deveres).

Obrigao e algumas figuras prximas

Importar distinguir o conceito de obrigao de alguns que, com ele, se possam confundir. Aludiremos ento aos conceitos de dever jurdico, estado de sujeio e nus jurdico.

O dever jurdico a necessidade imposta pelo direito objectivo a uma pessoa de observar determinado comportamento. Assim, o dever jurdico corresponde aos dtos subjectivos, no se confundindo com o lado passivo das obrigaes que sempre um dever de prestar, sendo portanto, um conceito (o de dever jurdico) bastante mais amplo do que os deveres de prestao.

Note-se que h dois tipos de deveres jurdicos: os especiais (incidem sobre determinadas pessoas) e os gerais (constituem obrigaes passivas universais ou deveres gerais de absteno).

O estado de sujeio consiste na situao inelutvel de uma pessoa ter de suportar na sua prpria esfera jurdica a modificao a que tende o exerccio do poder conferido a uma outra pessoa. Desta forma, o titular passivo da relao nada tem de fazer para cooperar na realizao do interesse da outra parte, mas nada pode tambm fazer para a impedir.

O nus jurdico consiste na necessidade de observncia de certo comportamento, no por imposio da lei, mas como meio de obteno ou de manuteno de uma vantagem para o prprio onerado. No havendo imposio legal e pelo facto de se verificar em mero interesse prprio (e no em interesse alheio), a sua inobservncia no acarreta sanes.

Obrigaes simples e obrigaes complexas

A relao jurdica obrigacional diz-se simples quando compreende o direito subjectivo atribudo a uma pessoa e o dever jurdico ou estado de sujeio correspondente, que recai sobre a outra (p.e., um indivduo empresta a outro um livro, para que este o utilize durante 15 dias; ou o caso de um indivduo ser obrigado a indemnizar outro, pelo facto de o ter atropelado).

A relao complexa quando abrange o conjunto de dtos e deveres ou estados de sujeio nascidos do mesmo facto jurdico (p.e., a relao resultante de um contrato de compra e venda, do qual resultam mltiplos direitos e deveres, para as partes contratantes). Alis, podemos mesmo afirmar que, a obrigao complexa, via de regra, emerge de uma relao contratual.

Obrigaes autnomas e obrigaes no autnomas

As obrigaes que no assentam num vnculo jurdico preexistente ou que pressupem, na sua constituio, um simples vnculo de carcter genrico designam-se de obrigaes autnomas. Um exemplo de uma obrigao autnoma a obrigao de indemnizar devido a um atropelamento.

Vnculos de natureza genrica so direitos absolutos impostos erga omnes, pelo que a sua violao d lugar figura da responsabilidade civil (note-se que, a obrigao de indemnizar uma obrigao de tipo autnomo, como entretanto vimos).

Por sua vez, nas obrigaes no autnomas, temos um vnculo preexistente (uma relao jurdica preexistente), segundo o qual a obrigao nasce. o exemplo tpico das obrigaes de condomnio, em virtude de se habitar numa casa em regime de propriedade horizontal; ou, p.e., a obrigao de alimentos.

Relevncia prtica da distino: as obrigaes autnomas e no autnomas, enquanto obrigaes, possuem um regime geral.

Nas obrigaes no autnomas, necessrio verificar a relao jurdica preexistente e se esta tem um regime especial. Caso no exista tal regime, as relaes sero reguladas pelo regime geral do Direito das Obrigaes no Cdigo Civil.

CAPTULO III

A ESTRUTURA DA RELAO CREDITRIA (ANLISE DA RELAO CREDITRIA)

Elementos constitutivos da relao jurdica obrigacional

1) Sujeitos;

2) Objecto;

3) Vnculo (e garantia)

*** NOTA: Nas Lies, o Prof. ANTUNES VARELA no considera o facto jurdico como elementos constitutivos da relao jurdica obrigacional pois, segundo ele, o facto anterior relao jurdica obrigacional. ***

1) Os sujeitos

Os sujeitos so as entidades entre quem se estabelece o vnculo jurdico, so os titulares (activo e passivo) da relao. Deve frisar-se que, a nossa lei permite que se mudem os sujeitos sem que a relao jurdica obrigacional se altere. Assim:

Por via de modificao subjectiva do lado activo (p.e., na cesso de crditos, a posio de credor transmitida de A para B);

Transmisso de dvida ou assuno de dvidas (transmisso da posio do devedor);

Transmisso da posio complexa (cesso da posio contratual);

Transmisso por via indirecta (sub-rogao).

Do lado activo da relao jurdica obrigacional temos o credor, titular de um interesse. O credor , portanto, a pessoa cujo interesse (espiritual, moral ou patrimonial) vai ser satisfeito com a prestao.

Ser titular de um interesse significa ser dono desse interesse, podendo satisfaz-lo nos termos que melhor lhe convierem. Todavia, a satisfao uma mera possibilidade, isto , pode satisfazer o interesse ou no (a tutela do interesse depende da sua vontade). No caso de o devedor no satisfazer o credor, este poder recorrer aos meios de tutela disponveis.

A relao jurdica obrigacional gira em torno do interesse do credor, sendo que este interesse determina o rumo da obrigao.

Sobre o devedor (sujeito passivo da relao jurdica obrigacional) recai o dever especfico de efectuar a prestao (p.e., o comprador, quanto entrega do preo; a entidade patronal, quanto ao salrio), podendo essa prestao assumir diferentes modos de realizao ou execuo.

Desta forma, se depreende que o devedor se encontra numa posio de subordinao jurdica.

Pode constituir-se uma relao obrigacional sem que existam alguns sujeitos, isto , a pessoa do credor pode no ficar determinada no momento da constituio da obrigao (veja-se o art. 511).

Alm disso, a obrigao pode ser plural (do lado activo encontram-se vrios credores, enquanto do lado passivo se encontram vrios devedores). Quando haja apenas um credor e um devedor a obrigao diz-se singular.

2) O objecto

O objecto da obrigao a prestao devida ao credor. o meio que satisfaz o interesse do credor, que lhe proporciona a vantagem a que ele tem direito.

A prestao consiste numa actividade ou aco (p.e., transmitir um crdito; entregar uma coisa), mas tambm numa absteno, permisso ou omisso (p.e., a obrigao de no usar a coisa recebida em depsito). Podemos afirmar que a prestao se distingue do dever geral de absteno prprio dos direitos reais, porque o dever jurdico de prestar um dever especfico, enquanto o dever geral de absteno um dever genrico, que abrange todos os no titulares do direito, de que so exemplo, os direitos de personalidade ou os direitos reais.

O objecto (tendo em vista obrigaes com prestao de coisas) pode ser distinguido entre:

Objecto mediato quid a que est adstrito o comportamento do devedor ( a prpria coisa, o objecto da prestao;

Objecto imediato comportamento do devedor ( a actividade derivada. P.e., a entrega da coisa).

*** NOTA: h, no entanto, obrigaes nas quais no possvel fazer a distino entre objecto mediato e objecto imediato.***

Diversas modalidades da prestao

A prestao debitria pode revestir diversas variantes ou modalidades. Vejamos, ento, aquelas a que a doutrina tem dado uma maior importncia ou relevncia:

a) Prestao de facto e prestao de coisa

Nas prestaes de facto, o seu objecto esgota-se num facto (o comportamento do devedor que satisfaz o interesse do credor); por seu lado, as prestaes de coisa referem-se a uma coisa, que constitui o objecto mediato da obrigao.

a.1) As prestaes de facto podem subdividir-se em:

Prestao de facto positivo o comportamento do devedor manifesta-se numa aco (p.e., a do mandatrio, no contrato de mandato);

Prestao de facto negativo neste tipo de prestao, o comportamento do devedor manifesta-se por um no agir, uma omisso non facere (p.e., o devedor obriga-se a no fazer concorrncia em dado ramo de comrcio), ou fica obrigado a consentir ou tolerar pati - que outrem pratique alguns actos a que, de contrrio, no teria direito (p.e., C permite que os alunos de um colgio utilizem o logradouro do seu prdio como campo de jogos, durante determinados meses do ano).

Prestao de facto material o facto que constitui objecto da obrigao traduz-se num facto material (p.e., pintar uma casa, reparar um automvel);

Prestao de facto jurdico por prestao de facto jurdico entendemos, p.e., a emisso de uma declarao de vontade.

Ainda relativamente prestao de facto, surge-nos a figura da prestao de facto de terceiro, isto , a prestao que no materialmente realizada por um devedor, mas por um terceiro (entende-se, nestes casos, que terceiro quem no credor nem devedor).

Esta figura, admitida no nosso direito, assume grande importncia prtica. Seno, vejamos:

Poder o credor exigir ao terceiro a obrigao? luz do art. 406, 2 (princpio da relatividade ou intersubjectividade das obrigaes), a relao obrigacional afecta somente os sujeitos da obrigao, pelo que o credor no ter qualquer direito sobre o terceiro no que toca realizao da obrigao.

Qual a consequncia prevista para o facto de o terceiro no realizar a prestao? Teremos de, em primeira linha, saber de que modo o devedor se obrigou perante o credor. Se o devedor se obrigou, mas apenas no sentido de tentar realizar todos os esforos possveis para obter de terceiro o facto, o resultado ser um (gera-se uma obrigao de diligncia ou de meios o devedor obriga-se a empregar todos os meios ao seu alcance para obter determinado resultado). Se, eventualmente, o devedor garante que o terceiro realizar a prestao, o resultado ser outro (gera-se uma obrigao de resultado o devedor obriga-se a alcanar um resultado concreto, pelo que, em caso de incumprimento, no ter como escapar responsabilidade perante o credor).

Note-se que a distino entre obrigaes de diligncia e de resultado, no privativa da figura de prestao da facto de terceiro.

a.2) Relativamente prestao de coisa, no direito romano, quer a prestao tivesse por objecto coisa certa, quer recasse sobre coisa indeterminada, o contrato de alienao no envolvia translao do domnio da coisa: esta s se operava mediante um acto jurdico posterior. O contrato de alienao tinha sistematicamente como efeito o nascimento de uma obrigao de dare, destinada a transferir o domnio sobre a coisa para o adquirente sem prejuzo da eventual obrigao de tradere rem.

Ora, no dto portugus vigente, a constituio ou transferncia de dtos reais sobre coisa determinada pode dar-se por mero efeito do contrato (art. 408, 1).

Quando o contrato transfere o domnio para o adquirente, a prestao de coisa corresponde a uma simples obrigao de entrega, tendo como fim a transmisso da posse; quando a transferncia do domnio ou a constituio de doutro dto real depende, por fora da lei ou conveno das partes, do acto de entrega da coisa, a prestao desta constituir uma prestao de dare, no seu sentido romanstico.

Atente-se agora na figura da prestao de coisa futura:

A prestao de coisa refere-se, por via de regra, a coisas j existentes. Todavia, pode ter tambm por objecto uma coisa futura (por coisa futura entendemos a coisa que est em poder do disponente, ou a que este no tem direito, ao tempo da declarao negocial art. 211). o exemplo tpico do mutuante que cede a terceiro o dto aos juros relativos a anos futuros.

admitida a prestao de coisa futura, sempre que a lei no a proba (art. 399). O intuito prtico da noo legal o de sujeitar ao regime dos negcios sobre bens futuros, e no s regras da venda de coisa alheia, os actos de disposio relativos a coisa no pertencente ao disponente, mas que este conta vir a adquirir em momento posterior.

Na prestao de coisa futura, quando as partes a pactuarem como algo aleatrio, a lea corre por conta do adquirente (art. 880, 2), mesmo que a transmisso dos bens no chegue a verificar-se.

Se as partes no derem natureza aleatria ao contrato, aplica-se o regime geral do art. 790 e 793, de cumprimento das obrigaes (ou a obrigao se extingue ou a prestao feita na medida do possvel).

b) Prestaes instantneas e prestaes duradouras

Esta distino, entre prestaes instantneas e prestaes duradouras, assenta no tempo da realizao da prestao.

Assim, dizem-se instantneas as prestaes em que o comportamento exigvel do devedor se esgota num s momento ou num perodo de tempo de durao praticamente irrelevante (p.e., a entrega de certa coisa; o pagamento do preo numa s prestao).

Dizem-se duradouras, quando a prestao prolonga-se no tempo, tendo a durao temporal da relao creditria influncia decisiva na conformao global da prestao. o tempo que determina o quantum da obrigao (p.e., a relao tradicional entre senhorio e arrendatrio).

As prestaes duradouras podem subdividir-se:

Prestaes duradouras de execuo continuada o seu cumprimento prolonga-se ininterruptamente no tempo - quotidie et singulis momentis debetur (ex.: prestaes do locador, do depositrio, do comodante, etc.);

Prestaes duradouras de prestao reiterada ou peridica so as que se renovam, em prestaes singulares sucessivas, por via de regra ao fim de perodos consecutivos (p.e., prestaes do locatrio, do devedor de renda perptua ou vitalcia, etc.).

No se deve confundir obrigao duradoura com obrigao fraccionada (ou repartida):

Dizem-se fraccionadas ou repartidas as obrigaes cujo cumprimento se protela no tempo, atravs de sucessivas prestaes instantneas, mas em que o objecto da prestao est previamente fixado, sem dependncia da durao da relao contratual (preo pago a prestaes, p.e.). Neste tipo de obrigaes, o tempo no influi na determinao do seu objecto, apenas se relacionando com o seu modo de execuo.

Por seu lado, nas obrigaes duradouras, a prestao devida depende do factor tempo, que tem influncia decisiva na fixao do seu objecto.

Nos contratos de execuo continuada, a resoluo do contrato, embora gozando de eficcia retroactiva, no abrange, em princpio, as prestaes j efectuadas (art. 434, 2). Por sua vez, nas prestaes fraccionadas, a resoluo atinge todas as parcelares da prestao, incluindo as j efectuadas. Alis, a falta de cumprimento de uma destas fraces provoca o vencimento imediato das restantes (arts. 781 e 934), pois a formao ou constituio destas no est dependente do decurso do tempo.

c) Prestaes fungveis e prestaes no fungveis

Esta distino na possibilidade ou no de o devedor se fazer substituir por outra pessoa na realizao da prestao a que est adstrito.

A prestao diz-se fungvel, quando pode ser realizada por pessoa diferente do devedor, sem prejuzo do interesse do credor (p.e., pintar uma casa; pagar uma quantia; etc.). A prestao no fungvel no caso de o devedor no poder ser substitudo no cumprimento por terceiro (p.e., realizar uma interveno cirrgica; conduzir o automvel do comitente durante uma longa viagem deste; etc.).

A fungibilidade est consagrada no art. 767, 1 (princpio ou regra da fungibilidade a prestao pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou no no cumprimento da obrigao), sendo que no n. 2, so ressalvados os casos em que expressamente se tenha acordado que a prestao deva ser feita pelo devedor ou em que a substituio no prejudique o credor.

O art. 791, consagra ainda a soluo para a impossibilidade subjectiva da realizao da prestao pelo devedor (no caso de o devedor no encontrar ningum para o substituir, a obrigao extingue-se).

Finalmente, o art. 829-A, consagra a sano pecuniria compulsria. Assim, nas obrigaes de facto infungvel, positivo ou negativo, salvo nas que exigem qualidades cientficas ou artsticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniria por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infraco, conforme for mais conveniente s circunstncias do caso.

A questo da patrimonialidade da prestao

Relativamente a esta questo, muitos autores defendem a incluso da patrimonialidade entre os requisitos de validade da obrigao (a saber: possibilidade, licitude, determinabilidade). Por seu lado, outros, entendem que a patrimonialidade da prestao se define atravs do interesse do credor: necessrio que o interesse do credor seja de carcter patrimonial, susceptvel de avaliao econmica ou pecuniria para que haja verdadeira obrigao jurdica. Outros, ainda, afirmam que o interesse do credor pode no revestir natureza econmica ou patrimonial; a prestao que necessita possuir valor econmico, isto , ser susceptvel de avaliao pecuniria.

O Cdigo comea por afirmar a tese da ressarcibilidade dos danos no patrimoniais, num preceito aplicvel responsabilidade fundada na prtica de actos ilcitos (art. 466), que o art. 499 estende responsabilidade pelo risco (mandam-se computar na indemnizao os danos no patrimoniais que, pela sua gravidade, meream tutela do direito).

O art. 398, 2 prescreve que a prestao no necessita ter valor pecunirio, mas deve corresponder a um interesse do credor, digno de proteco legal. Prescinde-se, assim, de que a prestao tenha valor econmico ou seja susceptvel de avaliao pecuniria, e no se exige que o interesse do credor na prestao tenha carcter patrimonial.

Exige-se apenas, que a prestao corresponda a um interesse real do credor e que esse interesse seja digno de proteco legal.

3) O vnculo jurdico

O vnculo forma o ncleo central da obrigao, o elemento substancial da economia da relao. O vnculo constitudo pelo enlace dos poderes conferidos ao credor com os correlativos deveres impostos ao titular passivo da relao. Ou, por outras palavras, o vnculo jurdico a ligao, o ramo que se estabelece entre o credor e o devedor.

O Cdigo Civil define obrigao da seguinte forma: obrigao o vnculo jurdico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra realizao de uma prestao (art. 397).

Anlise dos elementos do vnculo jurdico

a) O direito prestao;

b) O dever de prestar;

c) A garantia.

a) O direito prestao o poder juridicamente tutelado que o credor tem de exigir a prestao do devedor.

O credor, e s ele, pode exigir o cumprimento; e de acordo com a sua vontade que funciona o mecanismo da execuo, quando o devedor no cumpra, mesmo depois de condenado. O credor no apenas o portador subjectivo do interesse tutelado; o titular da tutela do interesse, o sujeito das providncias em que a proteco legal se exprime.

b) Ao direito prestao do lado do credor, corresponde o dever de prestar do lado do devedor.

O dever de prestar a necessidade imposta pelo direito ao devedor de realizar a prestao, sob pena, em caso de no cumprimento, de sofrer uma sano. Trata-se de um dever e no de um nus, pelo que, a prestao no o meio de obter uma vantagem, cuja realizao se deixe ao puro alvedrio do devedor, mas sim, o instrumento de satisfao de um interesse alheio, a que o devedor fica adstrito por fora da lei, sob pena de incorrer em determinadas sanes.

O dever de prestar no um dever ditado pelos usos, no um dever moral ou social, nem to-pouco um simples dever resultante de relaes de cortesia.

O dever de prestar manifesta-se pela necessidade de adopo de um determinado comportamento.

Deveres principais (ou tpicos), deveres secundrios e deveres acessrios

A cargo do devedor existe um encargo principal ou prestao principal, que consiste num determinado comportamento, sendo essa prestao principal que define o tipo ou o mdulo da relao obrigacional (p.e., considera-se dever primrio ou principal a obrigao de indemnizar nascida da prtica de facto ilcito extracontratual, visto a relao obrigacional nascer directa ou originariamente desse facto).

Ao lado destes deveres principais, primrios ou tpicos, podem surgir, na vida da relao obrigacional, deveres secundrios (ou acidentais) de prestao. Dentro dos deveres secundrios cabem: 1) os deveres acessrios da prestao principal destinados a preparar o cumprimento ou a assegurar a perfeita execuo da prestao; e os, 2) deveres relativos s prestaes substitutivas ou complementares da prestao principal p.e., o dever de indemnizar os danos moratrios ou o prejuzo resultante do cumprimento defeituoso da obrigao.

Refiram-se ainda os deveres acessrios de conduta que, no interessando directamente prestao principal, so essenciais ao correcto processamento da relao obrigacional em que a prestao se integra. Estes deveres de conduta visam o bom relacionamento entre os sujeitos, isto , credor e devedor, e so normalmente inseridos em relaes de cariz duradouro, como p.e., o contrato de arrendamento.

Por ltimo, frise-se o dever geral de agir de boa f, dever esse que atravessa todos os contratos. um dever geral de actuao (ver p.e., arts. 227, 239, 437, 762). O dever de agir de boa f a obrigao que os sujeitos tm de agir ou actuar de forma legal, honesta e correcta.

c) A lei no se limita a impor um dever de prestar ao obrigado e a atribuir ao credor o correlativo direito prestao. Procura assegurar tambm a realizao coactiva da prestao, sem prejuzo do dto que, em certos casos, cabe ao credor de resolver o contrato ou de recusar legitimamente o cumprimento da obrigao que recaia sobre ele prprio, at que o devedor se decida a cumprir. E, ao proibir a auto-defesa (art. 1/CPC), a lei confere ao lesado o recurso aco dos tribunais.

Dessa forma, a aco creditria o poder de exigir judicialmente o cumprimento da obrigao, quando o devedor no cumpra voluntariamente, e de executar o patrimnio deste. Como os bens do devedor respondem perante o credor, diz-se que o patrimnio daquele a garantia comum do credor (art. 601).

O regime da garantia est consagrado no CC a partir do art. 601.

A garantia pode assumir diferentes graus:

Garantia plena relativamente a obrigaes civis (p.e., art. 601; art. 817), o patrimnio do devedor a garantia do credor, pois no possvel atacar directamente o credor (como sabemos, no pode ser ordenada a privao da liberdade leia-se priso motivada por dvidas, p.e.);

Garantia bastante limitada as obrigaes naturais (art. 402), so obrigaes que se fundam em deveres de ordem moral ou social, pelo que no so judicialmente exigveis. o exemplo tpico das dvidas de jogo lcito. Todavia, ser legtima a seguinte questo: onde se encontra a garantia nas obrigaes naturais? luz do art. 403, o devedor no tem a possibilidade de repetir o indevido, no tem a condictio indebiti, tendo o credor a solutio retentio (isto quando o devedor no tenha possibilidade de efectuar a prestao).

CAPTULO IV

A NATUREZA JURDICA DA OBRIGAO

No que toca definio da natureza jurdica da obrigao, inmeras teorias tm sido defendidas por diversos autores, todas elas suportadas em diferentes caracterizaes e diferentes consideraes.

H quem defina a obrigao como um poder do credor sobre a pessoa do devedor; outros, como um poder do credor sobre os bens ou o patrimnio do devedor, e outros ainda como uma relao, no entre pessoas, mas entre dois patrimnios. Num aspecto diferente, autores h que definem a obrigao como uma relao complexa, integrada por dois elementos: entre o dbito e a responsabilidade.

Da nossa parte, entendemos a obrigao segundo a denominada teoria clssica (e tambm defendida nas Lies pelo Prof. ANTUNES VARELA). Assim, a obrigao , na sua principal direco, o dto a um comportamento pessoal do devedor, sendo que o seu objecto a aco ou omisso a que o titular passivo da relao se encontra adstrito.

Mesmo quando a prestao debitria consiste numa prestao de coisa, o direito do credor tem por objecto imediato ou directo a actividade do obrigado e no a prpria coisa, em si mesma considerada (veja-se a este propsito o art. 790, 1).

PARTE II FONTES DAS OBRIGAES

CAPTULO I

SISTEMATIZAO DAS FONTES (crtica da sistematizao clssica; classificao adoptada pelo Cdigo Civil)

Sistematizao das fontes (classificao tradicional e classificao adoptada pelo C.C.

Diz-se fonte da obrigao o facto jurdico de onde nasce o vnculo obrigacional. Ou, por outras palavras, o facto concreto que cria uma relao jurdica obrigacional.

A sistematizao, inspirada no Direito Romano Justinianeu, que vigorou na doutrina, era a seguinte:

Contratos eram j a mais importante fonte das obrigaes;

Quase-contratos compreendia os factos voluntrios lcitos, que no eram contratos por lhes faltar um elemento essencial (o acordo dos contraentes), mas que criavam obrigaes para o respectivo autor ou para terceiro;

Delitos eram constitudos por factos ilcitos extracontratuais de carcter intencional;

Quase-delitos abrangiam os factos ilcitos praticados com mera culpa ou negligncia.

O objectivo de adaptar tal sistematizao ao Direito moderno, levou o Cdigo Civil Italiano (de 1942), de que o Cdigo portugus foi seguidor, a adoptar a seguinte sistematizao (que tem em conta apenas as obrigaes autnomas):

Contratos;

Negcios jurdicos unilaterais;

Gesto de negcios;

Enriquecimento sem causa;

Responsabilidade civil (por factos ilcitos e pelo risco).

CAPTULO II

II.I) OS CONTRATOS (generalidades)

A primeira fonte das obrigaes, e aquela que reveste maior importncia prtica, constituda pelos contratos.

MANUEL de ANDRADE define contrato como o acordo vinculativo, assente sobre duas ou mais declaraes de vontade (oferta ou proposta e aceitao), contrapostas mas perfeitamente harmonizveis entre si, que visam estabelecer uma composio unitria de interesses.

O Cdigo Civil no faz uma definio de contrato, pelo que, a que escrevemos acima, meramente doutrinria.

Anlise jurdica do contrato (concepo voluntarista)

A ideia de que o contrato, como fonte normal das obrigaes, repousa fundamentalmente sobre o acordo das partes, consolida-se com o triunfo dos ideais liberais, pois at a, o contrato apontava mais ao efeito ( relao constituda) do que causa (a fonte da obrigao). O contrato era o vnculo contrado pela vontade dos interessados.

O contrato essencialmente um acordo vinculativo de vontades opostas, mas harmonizveis entre si, sendo que o seu elemento fundamental o mtuo consenso: se as declaraes de vontade das partes, apesar de opostas, no se ajustam uma outra, no h contrato.

essencial que as partes queiram um acordo vinculativo, um pacto colocado sob a alada do Direito. No basta, para que haja contrato, um simples acordo amigvel, de cortesia, ou um gentlemen`s agreement. As vontades, que integram o acordo contratual, embora concordantes ou ajustveis entre si, tm de ser opostas, devendo haver vontade negocial.

Alis, por inspirao voluntarista, o contrato est sujeito ao princpio consensualista (a existncia de vontade de ambas as partes) veja-se o art. 232.

Teoria das relaes contratuais de facto

A doutrina tradicional considera como elemento essencial do contrato o acordo bilateral dos contraentes (traduzido em duas ou mais declaraes de vontade das partes).

HAUPT, todavia, vem apontar algumas situaes, a cuja disciplina seria aplicvel o regime dos contratos, sem que haja na sua base um acordo de declaraes de vontade dos contraentes. Seriam as denominadas relaes contratuais de facto. A saber:

Casos em que a disciplina contratual se aplica s relaes nascidas do simples contacto social entre as pessoas, antes (ou independentemente) da celebrao de qualquer negcio jurdico (culpa in contrahendo);

Relaes jurdicas provenientes de contratos ineficazes a ineficcia do contrato, com a consequente destruio do acordo entre as vontades dos contraentes, no impede a aplicao das normas prprias dos negcios bilaterais;

Casos em que as relaes entre as partes assentam sobre actos materiais reveladores da vontade de negociar, mas que no se reconduzem aos moldes tradicionais do mtuo consenso p.e., a utilizao dos transportes pblicos, ou dos parques de estacionamento remunerado, em que no h declarao de vontade do utente e, no entanto, no se duvida da subordinao da situao criada pelo seu comportamento ao regime jurdico das relaes contratuais, com a eventual necessidade de algumas adaptaes.

Formao do contrato sem declarao de aceitao

A propsito da formao do contrato sem declarao de aceitao, leia-se o art. 234 do CC. Nele se consagra que, quando a proposta, a prpria natureza ou circunstncias do negcio, ou os usos tornem dispensvel a declarao de aceitao, tem-se o contrato por concludo logo que a conduta da outra parte mostre a inteno de aceitar a proposta.

Trata-se de casos em que, devido a circunstncias especiais, a lei tem o contrato por concludo sem declarao de aceitao, embora se no prescinda da vontade de aceitao, isto , da inteno de aceitar (, p.e., o caso do livreiro que envia a um seu comprador habitual, uma novidade literria, com o pedido de devoluo imediata, se o destinatrio j tiver o livro, ou tal no lhe interessar).

Disciplina legislativa dos contratos

Art. 217, ss. (Parte geral do C.C. que trata o negcio jurdico);

Art. 405 at 456 (Livro das Obrigaes, relacionado com os contratos);

Parte Especial do Livro das Obrigaes (regula os contratos especialmente).

Princpios fundamentais acerca dos contratos

1) Princpio da autonomia privada;

2) Princpio da confiana;

3) Princpio da justia comutativa (ou da equivalncia das prestaes).

1) O princpio da autonomia privada reveste, relativamente aos negcios bilaterais ou plurilaterais, a forma de liberdade contratual.

O princpio da autonomia privada bastante ampla, pois compreende a liberdade de associao, a liberdade de tomar deliberaes nos rgos colegiais, a liberdade de testar, a liberdade de celebrar acordos que no so contratos e a liberdade de praticar os numerosos actos unilaterais que concitam a tutela do Direito.

2) O princpio da confiana (pacta sunt servanda) exclusivamente dedicado aos contratos, j que os abrange, abrangendo tambm a sua fase anterior (leia-se o art. 236).

Este princpio visa, ainda, proteger as expectativas da contraparte (veja-se o art. 230): a proteco da legtima expectativa criada pelo recebimento da proposta contratual no esprito do destinatrio que explica a irrevogabilidade dada pelo proponente durante o perodo, razoavelmente, reservado reflexo e deciso deste.

3) O princpio da justia comutativa (ou da equivalncia das prestaes) encontra-se latente em vrias disposies do nosso direito: p.e., art. 282, ss; art. 812; etc..

Segundo este princpio, os contratos devem manter-se equilibrados, pelo que, quando houver desequilbrio, este tem de ser reparado.

Evoluo do direito dos contratos (brevssima resenha histrica)

Com a Revoluo de 1974, operada no nosso pas, houveram profundas transformaes sociais, econmicas, polticas, etc., que vierem, consequentemente, alterar o regime jurdico relativo aos contratos, pr-constitudo. Durante as dcadas de 70 e 80, verificou-se o aparecimento de um amplo conjunto de disposies imperativas, disposies proteccionistas da parte contratante mais fraca (nomeadamente, em matria de arrendamento)

A evoluo do direito dos contratos, mas tambm o crescente fenmeno da contratao em massa, fez surgir no panorama jurdico portugus, os denominados contratos de adeso (ou clusulas contratuais gerais), mas tambm a introduo de novas formas de contratos, como p.e., o leasing, a joint venture, o franchising ou o factoring, etc..

Alis, cada vez mais visvel a introduo de princpios inerentes aos sistemas jurdicos da common law no nosso direito. J o contrrio, no se verifica.

O princpio da liberdade contratual (remisso)

*** NOTA: Pese embora a matria respeitante ao princpio da liberdade contratual tenha sido estudada no mbito da cadeira de Teoria Geral do Direito Civil, abordaremos, em sede do nosso estudo, algumas referncias a este princpio.***

O princpio da liberdade contratual materializa-se atravs do princpio da liberdade de celebrao de contratos e do princpio da liberdade de modelao ou fixao do contedo contratual.

A liberdade de celebrao de contratos consiste na faculdade de livremente realizar contratos ou recusar a sua celebrao. Segundo tal pr., a ningum podem ser impostos contratos contra a sua vontade ou aplicadas sanes por fora de uma recusa de contratar, nem a ningum pode ser imposta a absteno de contratar.

A liberdade de celebrao , no entanto, objecto de algumas restries:

Consagrao de um dever jurdico de contratar, pelo que a recusa de uma das partes no impede a formao do contrato ou sujeita o obrigado a sanes diversas (p.e., o contrato de seguro);

Proibio de celebrar contratos com determinadas pessoas (p.e., a venda a filhos ou netos art. 877);

Proibio de celebrar contratos consigo mesmo (art. 261);

Sujeio do contrato a consentimento de outrem (p.e., negcios que s so vlidos com consentimento dos dois cnjuges art. 1682, ss.; ou negcios com inabilitados art. 153).

A liberdade de modelao ou fixao do contedo contratual consiste na faculdade conferida aos contraentes de fixarem livremente o contedo dos contratos, celebrando contratos do tipo previsto no Cdigo Civil, com ou sem aditamentos, ou estipulando contratos de contedo diverso dos que a lei disciplina.

Desta forma, podem as partes: 1) realizar contratos previstos e regulados na lei (contratos tpicos ou nominados); 2) celebrar contratos tpicos ou nominados aos quais acrescentem as clusulas que lhes aprouver, eventualmente, podendo conjugar dois ou mais contratos diferentes (contratos mistos); 3) concluir contratos diferentes dos expressamente disciplinados na lei (contratos atpicos ou inominados).

Tal como acontece com a liberdade de celebrao, tambm a liberdade de fixao do contedo contratual passvel de restries:

A expresso dentro dos limites da lei (art. 405);

Submisso do objecto contratual aos requisitos do art. 280 - so nulos os contratos contrrios lei, ordem pblica e aos bons costumes;

So anulveis em geral os chamados negcios usurrios (art. 282);

A conduta das partes deve pautar-se pela boa f (art. 762, 2);

Normas imperativas que se impem aos contratos celebrados pelos particulares (art. 1146);

Sujeio dos contratos celebrados pelos particulares aos contratos-tipo (tambm denominados contratos normativos contratos estabelecidos por lei, nos quais o legislador fixa as clusulas contratuais. o exemplo do contrato colectivo de trabalho.

CAPTULO II.II

OS CONTRATOS DE ADESO

O progressivo fortalecimento do poder econmico dos grandes grupos, aliado ao desenvolvimento do capitalismo, conduziu a uma diversificao da actividade das empresas e oferta dos produtos em massa, o que, consequentemente, levou ao surgimento e multiplicao no comrcio jurdico de casos em que a lex contractus praticamente elaborada por um s dos contraentes, sem nenhum debate prvio acerca do contedo.

Ao outro contraente fica apenas a liberdade de aceitar ou no o contrato que lhe facultado, mas no a de discutir a substncia nele firmada. Na prtica, a no aceitao do contrato significar ficar privado de uma necessidade primria, pois as empresas que utilizam estes contratos esto em situaes de monoplio ou quase-monoplio. A estes contratos d-se o nome de contratos de adeso.

Entende-se por contrato de adeso aquele em que um dos contraentes, no tendo a menor participao na preparao e redaco das respectivas clusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao pblico interessado. Como afirma TRABUCCHI, o contrato de adeso traduz as situaes de c`est prendre ou laisser.

Assim, em lugar de as empresas discutirem caso a caso o contedo dos contratos que celebram com os seus clientes, adoptam determinados padres ou modelos que utilizam na generalidade dos contratos.

PLANIOL define os caracteres prprios da figura do contrato de adeso:

Superioridade econmica de um dos contraentes, que o coloca em condies de ditar as clusulas do contrato ao outro;

Unilateralidade das clusulas, concebidas especialmente no interesse da parte mais poderosa;

Invariabilidade do texto negocial, que coloca a parte mais fraca perante o velho dilema de pegar ou largar.

Exs. de contratos de adeso: contratos de seguro; contratos bancrios; contratos de fornecimento de gua, energia ou gs; etc..

Note-se, porm, que a limitao liberdade contratual existe apenas no domnio dos factos. No plano da lei, nada h que impea os particulares e as empresas seguradoras, p.e., de fixarem livremente as clusulas do contrato de seguro ou de se afastarem dos modelos de negociao usualmente seguidos.

O facto de os modelos ou formulrios de alguns destes contratos inclurem numerosas clusulas, muitas delas de carcter tcnico, que regulavam minuciosamente os vrios aspectos, no s substantivos mas at processuais da relao, dava na prtica como resultado que o contraente subscritor das clusulas no chegava, em muitos casos, a aperceber-se da existncia ou do alcance de algumas delas, porque as no lia, as no examinava com a necessria ponderao, as no entendia ou sentia que no tinha condies para as discutir.

Reaco da CEE contra as clusulas contratuais abusivas e a sua consagrao no DL 446/85 de 25/10

O uso das clusulas contratuais gerais, impostas por um dos contraentes, crescer de tal modo que a CEE, atravs do Conselho das Comunidades, interviu no sentido de condenar o uso de clusulas abusivas e uniformizar, na medida do possvel, os critrios dessa condenao.

Foi, assim, introduzido em vrios sistemas jurdicos o regime jurdico das clusulas contratuais gerais consideradas abusivas, do qual se destaca o DL 446/85 de 25/10.

Posteriormente, este decreto-lei foi alterado pelo DL 249/99 de 07/07.

O DL 446/85 de 25 de Outubro

*** todos os artigos referidos constam do DL 446/85 de 25/10***

O art. 1 define clusulas contratuais gerais como as clusulas pr-elaboradas e dirigidas a pessoas indeterminadas, que se limitam a subscrever ou aceitar tais clusulas.

O n. 2 do art. 1 alarga o contedo do conceito de clusulas contratuais, pelo que o DL 446/85, aplicar-se- tambm s clusulas inseridas em contratos individualizados, cujo contedo o destinatrio no tenha possibilidade de negociar.

No n. 3, o legislador toma claramente parte a favor do consumidor (no sentido, consumidor em confronto com o contraente emissor das clusulas), inserindo uma inverso do nus da prova o nus cabe entidade que prope o contrato, e no ao consumidor.

O art. 2 refere as vrias formas possveis de clusulas contratuais gerais, enquanto o art. 3 consagra as excepes, isto , as clusulas no abrangidas pelo decreto-lei.

Art. 5 - no nmero 3, o nus da prova caber, novamente, entidade que prope o contrato, verificando-se, mais uma vez, o benefcio ao aderente s clusulas.

Art. 6 - dispe este artigo que, para alm de ter de comunicar as clusulas, devem ser clarificados os aspectos essenciais e fundamentais das referidas clusulas (dever de informao).

Art. 10 - relativamente matria da interpretao e integrao das clusulas contratuais gerais, esclarece este art., o princpio geral: as clusulas contratuais gerais so interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas interpretao e integrao dos negcios jurdicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam. (veja-se tambm o art. 11).

Art. 12 a 23 - nestes artigos, feita uma enunciao das clusulas consideradas proibidas, segundo os seguintes nveis: absolutamente proibidas e relativamente proibidas. A regra geral a nulidade, invocvel nos termos gerais (art. 24).

(NOTA: quando, no art. 19, se refere quadro negocial padronizado deve-se entender o seguinte: o juiz ter de fazer um enquadramento da situao relativamente ao contrato de que se trata, tendo obviamente de ler todo o contrato, a fim de com segurana se pronunciar sobre a manuteno ou no da clusula em juzo).

Art. 24, ss. a partir do art. 24 referem-se as formas processuais relativas impugnao das clusulas (aco destinada a obter a condenao na absteno do uso ou da recomendao de clusulas contratuais gerais), entidades com legitimidade para requerer tal impugnao, tribunal competente, etc..

O art. 33 prev a sano pecuniria compulsria, para os demandados vencidos que infrinjam na obrigao de se abster de utilizar clusulas abusivas.

CAPTULO II.III

OS CONTRATOS MISTOS

Diz-se misto o contrato na qual se renem elementos de dois ou mais negcios, total ou parcialmente regulados na lei.

Deve notar-se que, embora a confuso seja muitas vezes feita, o contrato misto distingue-se da juno de contratos e da coligao de contratos:

Na juno de contratos, h dois ou mais contratos, ligados por um nexo acidental (p.e., os sujeitos so os mesmos). O vnculo meramente superficial ou acidental e os contratos mantm-se autnomos;

Relativamente coligao de contratos, verifica-se uma juno de contratos mas, entre eles, h um nexo ou uma ligao material. Um contrato celebrado porque se celebra outro (p.e., celebra-se um contrato de seguro porque se aluga um automvel). Os contratos mantm-se autnomos, todavia, h entre eles, um nexo de interdependncia.

Por sua vez, quando nos referimos ao contrato misto, estamos perante apenas um contrato.

Modalidades de contratos mistos

A conjugao de elementos contratuais heterogneos dentro da mesma espcie, prpria dos contratos mistos, pode operar-se por diversas formas:

a) Contratos em que de um lado temos prestaes tpicas de dados contratos, e de outro temos prestaes tpicas de outros contratos. Neste caso, combinam-se prestaes de contratos diferentes. So os denominados contratos combinados;

b) Contratos em que de um lado h uma prestao de um dado tipo e de outro uma prestao de outro tipo. So os denominados contratos mistos de tipo duplo;

c) Finalmente, h casos em que o contrato de certo tipo o instrumento de realizao de um outro. o exemplo tradicional da doao mista, em que se utiliza a estrutura do contrato de compra e venda. Estes contratos denominam-se contratos mistos em sentido estrito.

Regime dos contratos mistos

No que concerne ao regime dos contratos mistos, aponta a doutrina trs diferentes teorias:

1. Teoria da absoro alguns autores procuram saber qual seja, entre as diversas prestaes reunidas no contrato misto, aquela que prepondera dentro da economia do negcio, para definirem pela prestao principal, com as necessrias acomodaes, o regime geral da espcie concreta. Este tipo contratual preponderante absorveria assim os restantes elementos na qualificao e na disciplina do negcio (veja-se, p.e., o art. 1028, 3);

2. Teoria da combinao outros autores tentam harmonizar ou combinar, na regulamentao do contrato, as normas aplicveis a cada um dos elementos tpicos que o integram. P.e., se o contrato inclui a um tempo elementos do contrato de trabalho e do contrato de locao, deve o julgador aplicar as regras do primeiro prestao que integra a relao laboral e as do segundo prestao prpria da relao locativa;

3. Teoria da aplicao analgica outros autores, por ltimo, considerando os contratos mistos como espcies omissas na lei, apelam para o poder de integrao das lacunas do negcio, que o sistema confere ao julgador. ao juiz, de harmonia com os princpios vlidos para o preenchimento de lacunas do contrato, que compete fixar o regime prprio de cada espcie.

O nosso ordenamento jurdico adopta uma teoria na qual combina as teorias supracitadas. Assim, p.e., o art. 1028, 1 segue a orientao da teoria da combinao; o art. 1028, 3 aplica a teoria da absoro; finalmente, o art. 1028, 2, segue, novamente, a teoria da combinao.

Podemos, em sntese, concluir que o nosso ordenamento aplica a teoria da aplicao analgica, na qual conjuga a teoria da absoro e a teoria da combinao.

Ainda assim, o primeiro passo a dar, na resoluo de qualquer problema de regime suscitado por um contrato misto, consiste em saber se na lei h qualquer disposio que especialmente se lhe refira. Caso no haja uma resposta na lei, parte-se para a anlise do contrato segundo a teoria da aplicao analgica, conjugada com as teorias da absoro e da combinao.

CAPTULO II.IV.

OS CONTRATOS COM EFICCIA REAL

Os contratos destinados a constituir ou a transmitir direitos reais designam-se por contratos com eficcia real ou contratos reais quod effectum.

Este tipo de contrato est sujeito a um princpio essencial: o princpio da consensualidade da propriedade - por fora do contrato, os direitos reais transmitem-se (art. 408).

Este um princpio tipicamente liberal ou napolenico; todavia, no seguido em todas as legislaes, como p.e., no direito alemo. luz do direito germnico, para que haja transferncia, necessrio, alm do contrato, registar a coisa ou entreg-la materialmente, trate-se de coisa imvel ou coisa mvel, respectivamente.

Desta soluo se depreende a grande importncia que o registo assume no direito alemo (saliente-se que o registo, naquele pas, constitutivo de direitos).

No entanto, o direito portugus apresenta, relativamente a esta matria, algumas vantagens que consideramos relevantes:

Transferncia do risco sobre a coisa (art. 796) alocao do risco quando falamos em risco, neste mbito, temos de saber identificar quem sofrer se a coisa se perder ou deteriorar. O risco corre por conta do adquirente (note-se que o adquirente o credor, e o vendedor o devedor). A soluo consagrada esta em consequncia do princpio consagrado no art. 408 - o risco corre por conta de quem possui o domnio jurdico, isto , de quem titular da coisa;

Situaes ao nvel da nulidade dos negcios (a nulidade do negcio tem de ter efeito retroactivo);

O registo tem um efeito meramente declarativo.

O art. 409, 1, consagra a reserva de propriedade no que respeita aos contratos de alienao: nos contratos de alienao lcito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa at ao cumprimento total ou parcial das obrigaes da outra parte ou at verificao de qualquer outro evento.

CAPTULO II.V.

OS CONTRATOS BILATERAIS E OS CONTRATOS UNILATERAIS. OS CONTRATOS ONEROSOS E OS CONTRATOS GRATUITOS

Os contratos bilaterais e os contratos unilaterais

Quando se aborda a matria dos contratos bilaterais, deve-se fazer uma primeira advertncia: os contratos bilaterais no se confundem com os negcios jurdicos unilaterais.

Dizem-se unilaterais os contratos dos quais resultam obrigaes s para uma das partes (Exs.: doao art. 940; comodato art. 1129). Embora sejam contratos (logo pressupem dois ou mais declaraes de vontade contrapostas), s criam obrigaes para uma das partes.

Por sua vez, dos contratos bilaterais ou sinalagmticos no s nascem obrigaes para ambas as partes, como essas obrigaes se encontram unidas uma outra por um vnculo de reciprocidade, por um sinalagma. o exemplo tpico do contrato de compra e venda.

Relativamente a estes contratos bilaterais, alude-se existncia do denominado sinalagma funcional: significa isto que, o vnculo que, segundo a inteno dos contraentes, acompanha as obrigaes tpicas do contrato desde o nascimento deste continua a reflectir-se no regime da relao contratual, durante todo o perodo de execuo do negcio e em todas as vicissitudes registadas ao longo da existncia das obrigaes. O sinalagma funcional aponta ainda para a ideia de que o cumprimento das obrigaes dever ser feito em simultneo por ambas as partes.

Leia-se a propsito, o art. 428, 1 que se refere excepo no cumprimento do contrato bilateral, enquanto uma das partes no realizar a sua prestao (Se, nos contratos bilaterais no houver prazos diferentes para o cumprimento das prestaes, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestao enquanto o outro no efectuar a que lhe cabe ou no oferecer o seu cumprimento simultneo.). Esta figura da excepo do no cumprimento do contrato constitui uma causa de excluso de ilicitude.

O art. 429 e o art. 780 devero ser lidos conjuntamente. Assim, nas situaes em que h prazos diferentes para o cumprimento das prestaes, aquele que vai cumprir primeiro pode invocar a disposio da excepo do no cumprimento do contrato, mas s no caso de existir alguma circunstncia que importe a perda de benefcio do prazo (h perda de benefcio do prazo se as garantias diminurem). Veja-se ento o art. 780: 1) Estabelecido o prazo a favor do devedor, pode o credor, no obstante, exigir o cumprimento imediato da obrigao, se o devedor se tornar insolvente, ainda que a insolvncia no tenha sido judicialmente decretada, ou se, por causa imputvel ao devedor, diminurem as garantias de crdito ou no forem prestadas as garantias prometidas; 2) O credor tem o dto de exigir do devedor, em lugar do cumprimento imediato da obrigao, a substituio ou reforo das garantias, se estas sofrerem diminuio. Em princpio, o prazo estabelecido a favor do devedor (art. 779).

Direito de resoluo e condio resolutiva tcita

O no cumprimento de um contrato leva, ao abrigo da nossa lei, ao surgimento do direito de resoluo, desde que verificadas algumas condicionantes.

A resoluo o meio que a lei estabelece a favor de uma das partes, de fazer cessar o contrato (veja-se o art. 432). A resoluo s possvel quando a lei assim o consagre ou quando tal esteja estipulado no prprio contrato; alm disso, equiparada invalidade, tendo de haver uma restituio de tudo aquilo que foi prestado (art. 433).

A resoluo tem, em princpio, efeito retroactivo; no entanto, nos contratos de execuo continuada a resoluo tem eficcia ex nunc (para a frente, para futuro) art. 434, 1 e 2. Podemos acrescentar que (a resoluo) se afigura como um negcio jurdico unilateral receptcio (art. 436).

Nos contratos bilaterais, existe uma condio resolutiva tcita implcita, ou seja, neste tipo de contratos h uma clusula no expressa pela qual se consagra que o no cumprimento d o direito a uma resoluo do negcio. A condio resolutiva tcita um elemento acidental do negcio, uma clusula acessria que se ape ao contrato, e cuja operatividade se d automaticamente. A resoluo do contrato produz-se por mero efeito da verificao da condio.

Resumindo, nos contratos bilaterais, ao contrrio dos contratos unilaterais, o no cumprimento definitivo d lugar ao direito de resoluo do negcio.

ANA PRATA define, no seu Dicionrio Jurdico, condio resolutiva tcita e resoluo do contrato da seguinte forma:

Condio resolutiva tcita designao doutrinria de um dos aspectos do regime legal privativo dos contratos sinalagmticos: a atribuio do direito resoluo do contrato ao credor de uma obrigao cujo cumprimento se impossibilite, por causa imputvel ao devedor, ou que seja definitivamente incumprida por culpa deste;

Resoluo do contrato forma de extino dos contratos por vontade unilateral e vinculada de um dos contraentes, sendo, em princpio, os seus efeitos retroactivos, isto , tudo se passando como se o contrato resolvido tivesse sido declarado nulo ou anulado. Em regra, a resoluo pode fazer-se mediante declarao outra parte, no tendo esta declarao de revestir forma especial

Contratos onerosos e contratos gratuitos

A distino entre contratos onerosos e contratos gratuitos assenta nas atribuies patrimoniais.

Diz-se oneroso o contrato em que a atribuio patrimonial efectuada por cada um dos contraentes tem por correspectivo, compensao ou equivalente a atribuio da mesma natureza proveniente. Para alcanar ou manter a atribuio patrimonial da contraparte, cada contraente tem de realizar uma contraprestao.

Por seu lado, gratuito o contrato em que, segundo a comum inteno dos contraentes, um deles proporciona uma vantagem patrimonial ao outro, sem qualquer correspectivo ou contraprestao.

Regra geral, os contratos onerosos so tambm bilaterais, enquanto os contratos gratuitos so unilaterais.

Exemplos de contratos onerosos e contratos gratuitos:

Contratos onerosos p.e., o contrato de compra e venda; arrendamento; mtuo oneroso (este contrato de mtuo um contrato particular, inserido na categoria do contrato real quando constituio quod constitutionem. um contrato unilateral, pois gera apenas obrigaes para o muturio, sendo que a entrega do dinheiro ao muturio constitui um elemento formativo do negcio, mas tambm um contrato bilateral, visto a atribuio patrimonial a cargo do mutuante funcionar como um elemento formativo do negcio);

Contratos gratuitos o exemplo tpico da doao mista, caracterizada pelo seu animus donandi, na qual o no cumprimento do encargo funciona como causa de resoluo da doao (art. 966). Ao contrato de doao podem ser apostos modos (elemento acidental tpicos dos contratos gratuitos, pelo qual se impe um encargo ou obrigao ao donatrio. Note-se que, em princpio, a aposio da clusula modal no torna o contrato de doao bilateral).

A distino entre contratos onerosos e contratos gratuitos tem uma importncia fundamental no domnio do regime da impugnao pauliana (art. 610, ss.).

A resoluo do contrato (art. 432, ss.) tem o seu campo predominante de aplicao nos contratos bilaterais ou sinalagmticos, aproveitando assim grande massa dos contratos a ttulo oneroso, que so simultaneamente contratos bilaterais.

CAPTULO II.VI.

O CONTRATO-PROMESSA

CAPTULO II.VII.

O PACTO DE PREFERNCIA

CAPTULO II.VIII.

O CONTRATO PARA PESSOA A NOMEAR

O regime jurdico do contrato para pessoa a nomear est consagrado no Cdigo Civil, do art. 452 a 456.

O contrato para pessoa a nomear o contrato em que uma das partes se reserva a faculdade de designar uma outra pessoa que assuma a sua posio contratual, como se o contrato tivesse sido celebrado com esta ltima. Depois de tal designao, o outorgante passa a ser, de acordo com o contedo do contrato, a pessoa designada, pelo que adquirir os direitos e assumir as obrigaes provenientes do contrato, a partir da sua celebrao (art. 455, 1), desde que a declarao de nomeao seja feita nos termos do art. 453. Podemos mesmo afirmar que, o contrato para pessoa a nomear uma espcie de clusula que se ape a um contrato j existente.

A partir da nomeao, o terceiro ingressa no contrato como se tivesse sido a assinar o contrato. A nomeao produz eficcia ex tunc, isto , desde sempre, desde a celebrao do contrato.

Quando se celebra um contrato, pode ser convencionado que podem as partes indicar um terceiro para assumir a sua posio contratual , de certa forma, uma figura semelhante cesso da posio contratual (PEREIRA MENDES).

A figura do contrato para pessoa a nomear frequentemente utilizada no mbito do contrato-promessa.

luz do art. 453, a nomeao deve ser feita mediante declarao escrita ao outro contraente, dentro do prazo convencionado ou, na falta de conveno, dentro dos 5 dias posteriores celebrao do contrato.

Alm disso, sob pena de ineficcia, a nomeao deve ser acompanhada de instrumento de ratificao do contrato ou procurao anterior celebrao deste (art. 453, 2).

Note-se, por ltimo, que a reserva de nomeao (isto , a possibilidade de celebrar contrato para a nomear) no admitida quando se estiver perante contratos intuita persona, nos quais o contrato s assinado pois o contraente determinada pessoa em especial; alm disso, tambm no haver contrato para pessoa a nomear nos contratos em que no seja possvel a representao voluntria (art. 452, 1).

CAPTULO II.IX

O CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO

O contrato a favor de terceiro est regulado no Cdigo Civil, a partir do art. 443.

luz do n. 1 do art. 443: por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de proteco legal, a obrigao de efectuar uma prestao a favor de terceiro, estranho ao negcio.

O contrato a favor de terceiro o contrato em que um dos contraentes (o promitente fica obrigado a realizar a promessa; assume a obrigao) atribui, por conta e ordem do outro (o promissrio aquele por conta do qual, a prestao ser realizada; aquele a quem a promessa feita), uma vantagem a um terceiro (o beneficirio ), estranho relao contratual.

Atente-se no seguinte exemplo: A, pai de B, querendo assegurando o futuro deste para alm da sua morte e devido ao facto de no ter meios acumulados de fortuna, celebra com uma companhia de seguros (C) um contrato de seguro de vida a favor de B (A e C so os contraentes, sendo que A o promissrio e C o promitente; por sua vez, B o beneficirio).

Essencial ao contrato a favor de terceiro, como figura tpica autnoma, que os contraentes procedam com a inteno de atribuir, atravs dele, um direito a terceiro ou que dele resulte, pelo menos, uma atribuio patrimonial imediata para o beneficirio.

O contrato a favor de terceiro configura-se assim, como uma relao contratual que apresenta uma estrutura triangular.

O contrato a favor de terceiro encerra em si duas diferentes relaes:

1. Relao de cobertura relao que se estabelece entre o promitente e o promissrio, a favor de terceiro;

2. Relao de valuta relao entre promissrio e terceiro, que justifica que, por conta e conta do promissrio, se atribuam prestaes a terceiro.

Por contrato a favor de terceiro permite-se que se cedam crditos; se constituam, modifiquem, transmitam ou extingam direitos reais; e que se remitam dvidas (art. 863).

Regime jurdico do contrato a favor de terceiro

No art. 444 esto consagrados os direitos do terceiro e do promissrio, enquanto que no art. 446 se referem os direitos dos herdeiros do promissrio.

O terceiro poder rejeitar a promessa ou aderir a ela. A rejeio faz-se por declarao ao promitente, o qual deve comunic-la ao promissrio. A adeso faz-se mediante declarao, tanto ao promitente como ao promissrio (art. 447).

O art. 448 consagra a revogabilidade do terceiro pelos contraentes, pelo que a promessa revogvel enquanto o terceiro no manifestar a sua adeso (n. 1). O n. 2, estipula que o direito de revogao pertence ao promissrio; se, porm, a promessa for feita no interesse dos dois outorgantes, a revogao depende do consentimento do promitente.

J o artigo seguinte se refere aos meios de defesa oponveis pelo promitente ao terceiro, sendo que estes meios dizem respeito relao de cobertura em concreto.

CAPTULO II.X

OS NEGCIOS UNILATERAIS

O negocio unilateral, fonte de obrigaes?

O negcio unilateral vem regulado, no Cdigo Civil, entre os arts. 457 e 463.

Os negcios unilaterais so actos voluntrios em que os efeitos se produzem de acordo com a vontade declarada.

Relativamente questo de saber em que medida os negcios unilaterais constituem fonte de obrigaes, a nossa lei, no art. 457, vem solucionar o problema: a promessa unilateral de uma prestao s obriga nos casos previstos na lei.

Desta forma nos apercebemos que, embora, via de regra, o negcio unilateral no seja fonte de obrigaes, esta figura admitida em determinadas situaes excepcionais, situaes essas, previstas na lei.

Em suma, o negocio unilateral admitido nos casos de:

promessa pblica;

concursos pblicos.

Promessa pblica

Diz-se promessa pblica a declarao feita mediante anncio divulgado entre os interessados, na qual o autor se obriga a dar uma recompensa ou gratificao a quem se encontre em determinada situao ou pratique certo facto, positivo ou negativo.

A prestao, prometida a pessoas incertas ou indeterminadas, tem, via de regra, o sentido de um prmio ou recompensa pela prtica de certo facto (o triunfo numa prova desportiva, a entrega de um animal perdido, p.e.), mas pode ser tambm a forma de solenizar determinado acontecimento.

De acordo com o n. 2 do art. 459, firmou-se como regra a soluo de que o promitente fica obrigado mesmo em relao queles que se encontrem na situao prevista ou tenham praticado o facto sem atenderem promessa ou na ignorncia dela.

Poder colocar-se agora a questo de saber em que momento nasce a obrigao: como resposta, diremos, to-somente, que, no caso de promessa pblica, a obrigao nasce no momento do anncio pblico da promessa.

Quanto eventualidade de revogao, conforme consta do art. 461, 1, no tendo prazo de validade, a promessa pblica revogvel a todo o tempo pelo promitente.

Por fim, deve notar-se que, se na produo do resultado previsto tiverem cooperado vrias pessoas, conjunta ou separadamente, e todas tiverem direito prestao, esta ser dividida equitativamente, atendendo-se parte que cada uma delas teve nesse resultado (art. 462 - cooperao de vrias pessoas).

Concursos pblicos

Nos concursos pblicos, a inteno normal do promitente a de galardoar apenas um ou alguns dos concorrentes.

A este propsito deve frisar-se, conforme dispe o n. 1 do art. 463 que, na oferta da prestao como prmio de um concurso s vlida quando se fixar no anncio pblico o prazo para a apresentao dos concorrentes.

Acrescenta o n. 2 que na deciso sobre a admisso dos concorrentes ou a concesso do prmio a qualquer deles pertence exclusivamente s pessoas designadas no anncio ou, se no houver designao, ao promitente.

Finalmente, deve salientar-se que a obrigao nasce pela declarao negocial, ou seja, a declarao do promitente que faz nascer a obrigao.

CAPTULO II.XI

A GESTO DE NEGCIOS

O regime jurdico da gesto de negcios est previsto, no CC, entre os arts. 464 e 472.

Por gesto de negcios entende-se a interveno, no autorizada, das pessoas na direco de negcio alheio, feita no interesse e por conta do respectivo dono. Igual sentido assume a definio legal do art. 464.

Exemplo de escola de gesto de negcios aquele em que, carecendo o imvel de reparao urgente numa altura em que o dono se encontra ausente, um vizinho diligente encarrega o empreiteiro de efectuar a obra.

A gesto necessita, segundo ANTUNES VARELA, de ser encarada no duplo sentido que ela reveste:

por um lado, a interveno do gestor, assente quase sempre numa atitude de altrusmo moramente louvvel;

por outro lado, a gesto nasce de um facto, em princpio, ilcito e constitui uma intromisso no autorizada na esfera jurdica alheia.

Devido ao facto de constituir um acto ilcito, a gesto de negcios est sujeita a um apertado conjunto de requisitos, associados a uma regra fundamental: a da indispensabilidade da prtica do acto (o gestor s deve praticar os actos se estes forem claramente indispensveis).

Assim, alm da indispensabilidade, constituem requisitos:

a) que algum (o gestor) assuma a direco do negcio alheio;

b) que o gestor actue no interesse e por conta do dono do negcio;

c) que no haja autorizao do dono do negcio.

Analisemos, agora, as normas legais que compem o regime da gesto de negcios.

O art. 466, sob epgrafe responsabilidade do gestor, consagra que o gestor responde perante o dono do negcio, tanto pelos danos a que der causa, por culpa sua ( culposa a actuao do gestor quando ele agir em desconformidade com o interesse ou a vontade, real ou presumvel, do dono do negcio), no exerccio da gesto, como por aqueles que causar com a injustificada interrupo dela.

Havendo dois ou mais gestores, todos respondem solidariamente sobre as obrigaes para com o dono do negcio.

De acordo com o art. 469 (aprovao da gesto), a aprovao da gesto implica a renncia ao dto de indemnizao pelos danos devidos a culpa do gestor.

ainda importante realar que se a gesto tiver sido exercida em conformidade com o interesse e a vontade real ou presumvel, do dono do negcio, este obrigado a reembolsar o gestor das despesas que ele fundadamente tenha considerado indispensveis, com juros legais a contar do momento em que foram feitas, e a indemniz-lo do prejuzo que haja sofrido (art. 468, 1).

CAPTULO II.XII

O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA

O enriquecimento sem causa est consagrado, no CC, entre os arts. 473 e 482.

De acordo com o princpio geral regulador desta matria, aquele que, sem causa justificativa, enriquecer custa de outrem obrigado a restituir aquilo com que injustificadamente se locupletou (art. 473, 1).

PEREIRA MENDES afirma que o enriquecimento sem causa um instituto residual, ou seja, assenta no reconhecimento pelo nosso ordenamento jurdico de que h situaes que escapam e precisam ser corrigidas. uma figura de objectivos nobres mas minimalistas, que procura atenuar desequilbrios no provocando novos desequilbrios.

Mas, o que , afinal, o enriquecimento sem causa? O Dicionrio Jurdico de ANA PRATA define-o como o enriquecimento de uma pessoa relacionado com o empobrecimento de uma outra, quando o desequilbrio dos patrimnios no se justifica por uma razo jurdica, embora o facto ou acto de que deriva o enriquecimento no seja ilcito.

Por causa justificativa entende-se todo o facto jurdico que, segundo o dto, tem o efeito de produzir a aquisio ou liberao patrimonial considerada. Desta forma, h enriquecimento quando no h um facto dessa natureza que o justifique, ainda que tenha anteriormente existido ou que a deslocao patrimonial tivesse tido em vista um efeito que no se verificou (DIAS MARQUES).

Dentro do enriquecimento, podemos distinguir o enriquecimento real e o enriquecimento patrimonial.

Por enriquecimento real entende-se o valor da deslocao patrimonial que consubstancia o enriquecimento sem causa.

Por sua vez, entende-se por enriquecimento patrimonial (ou concreto) o aumento do valor do patrimnio do enriquecido em consequncia da deslocao patrimonial.

Requisitos da obrigao de restituir

A obrigao de restituir, fundada no injusto locupletamento custa alheia, pressupe a verificao cumulativa de trs requisitos:

a) que haja enriquecimento de algum;

b) que o enriquecimento carea de causa justificativa;

c) que ele tenha sido obtido custa de quem requer a restituio (ou do seu antecessor).

Nos termos do art. 474, a obrigao de restituir tem natureza subsidiria, se se fundar em enriquecimento sem causa.

A lei nega, de facto, o direito de restituio nos casos de prescrio, usucapio, prestao de alimentos provisrios (art. 2007, 2), etc.. E atribui outros efeitos ao enriquecimento, diferentes da obrigao de restituir fundada no enriquecimento sem causa, quanto s benfeitorias teis que podem ser levantadas sem detrimento da coisa (art. 1273), p.e..

Clculo da restituio (art. 479)

O art. 479 dispe, no n. 1, que, a obrigao de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido custa do empobrecido ou, se a restituio em espcie no for possvel, o valor correspondente. Alm disso, a obrigao de restituir no pode exceder a medida do locupletamento.

Em suma, existem dois limites no clculo da restituio:

1. a restituio em espcie e, se no for possvel, o valor correspondente;

2. no pode exceder a maioria do locupletamento.

(*) NOTA: quanto aos prazos de prescrio do dto de restituio por enriquecimento sem causa, leia-se o art. 482.

PARTE III A RESPONSABILIDADE CIVIL

( continuao das fontes das obrigaes)

CAPTULO I

NOES INTRODUTRIAS

Sistematizao do CC. Responsabilidade contratual e extracontratual

Introdutoriamente, pertinente afirmar que a responsabilidade civil se trata da figura que, depois dos contratos, maior importncia prtica e terica assume na criao dos vnculos obrigacionais, seja pela extraordinria frequncia com que nos tribunais so postas aces de responsabilidade, seja pela dificuldade especial de muitos dos problemas que o instituto tem suscitado na doutrina e na jurisprudncia.

Na responsabilidade civil cabe tanto a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigaes emergentes dos contratos, de negcios unilaterais ou da lei responsabilidade contratual , como a resultante da violao de direitos absolutos ou da prtica de certos actos que, embora lcitos, causam prejuzo a outrem responsabilidade extracontratual.

O CC trata, porm, as duas formas de responsabilidade em lugares distintos, deslocando o regime da responsabilidade contratual para o captulo onde regula, ao lado do cumprimento, as formas e efeito do no cumprimento das Obrigaes (arts. 798, ss.).

Mas, como h uma srie de problemas comuns s duas fontes de responsabilidade, o CC tratou-os conjuntamente, ao fixar o regime prprio da obrigao de indemnizar, a que ambas podem dar lugar (arts. 562, ss.).

Deve notar-se que, uma mesma situao pode gerar, simultaneamente, ambas as formas de responsabilidade.

Responsabilidade por factos ilcitos, responsabilidade pelo risco e responsabilidade por factos lcitos danosos

O Cdigo Civil reconheceu expressamente duas formas de responsabilidade extracontratual (responsabilidade fundada na culpa do agente e responsabilidade fundada no risco), dando foros de autonomia responsabilidade pelo risco, que tratou em subseco prpria, atendendo ao nexo especial de imputao em que ela assenta.

Mas no deixou de assinalar o carcter excepcional da responsabilidade que no se baseia no pressuposto da culpa do agente, ao afirmar no n. 2 do art. 483 que, s existe obrigao de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.

Ao lado das formas discriminadas nas duas subseces que integram a seco consagrada responsabilidade civil (art. 483, ss.), cumpre, todavia, mencionar ainda a responsabilidade ligada prtica de certos factos lcitos causadores de danos.

CAPTULO II

A RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILCITOS

Enumerao dos pressupostos da responsabilidade por factos ilcitos

Dispe o art. 483 que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o dto de outrem ou qualquer disposio legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violao.

A leitura do art. 483 mostra vrios pressupostos que condicionam, no caso geral da responsabilidade civil por factos ilcitos a obrigao de indemnizar o lesante, pressupostos esses que desempenham importante papel na complexa disciplina das situaes geradoras do dever de reparao do dano.

Assim, constituem pressupostos da responsabilidade civil por factos ilcitos:

1) facto voluntrio do agente (controlvel pela vontade humana);

2) ilicitude;

3) imputao do facto ao lesante (ou culpa);

4) dano;

5) nexo de causalidade entre o facto e o dano.

1) Facto voluntrio do agente (ou lesante)

O elemento bsico da responsabilidade o facto do agente (um facto dominvel ou controlvel pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana), pois s quanto a factos dessa ndole tm cabimento a ideia da ilicitude, o requisito da culpa e a obrigao de reparar o dano nos termos em que a lei a impe.

Na responsabilidade pelo risco, o dano indemnizvel tanto pode provir de facto praticado pela pessoa do responsvel, como de facto praticado por terceiro, da factos naturais ou at de factos do prprio lesado. A responsabilidade baseada em factos ilcitos, pelo contrrio, assenta sempre, no todo ou em parte, sobre um facto da pessoa obrigada a indemnizar.

Este facto consiste, via de regra, num acto, numa aco, ou seja, num facto positivo, que importa a violao de um dever geral de absteno, do dever de no ingerncia na esfera de aco do titular do dto absoluto. Mas pode traduzir-se tambm num facto negativo, numa absteno ou numa omisso (art. 486).

Em sede do nosso estudo, entenderemos que o facto voluntrio significa apenas um facto objectivamente controlvel ou dominvel pela vontade. E, para fundamentar a responsabilidade civil, basta a possibilidade de controlar o acto ou omisso.

2) Ilicitude

No basta, contudo, que algum pratique um facto prejudicial aos interesses de outrem, para que seja obrigado a compensar o lesado. Se no, repare-se no seguinte exemplo: se A montar uma indstria numa regio onde j existe uma outra fbrica a operar no mesmo ramo, poder lesar os interesses do dono desta. Mas no ser obrigado a indemniz-lo, pois no cometeu nenhuma violao da lei.

Em que consiste a ilicitude?

O CC procurou fixar o conceito de ilicitude, descrevendo concretamente as duas variantes fundamentais atravs das quais se pode revelar o carcter antijurdico ou ilcito do facto. Houve, alis, a inteno de auxiliar o intrprete na rdua tarefa de delimitar o campo de actuao ilcita perante a zona dos comportamentos que, muito embora possam causar danos a outrem, so exigidos ou sancionados pelo dto, ou so pelo menos indiferentes ordem jurdica ou por ela tolerados.

Formas de ilicitude

a) violao de um direito de outrem;

b) violao da lei que protege interesses alheios;

c) abuso de direito.

a) A primeira forma esquemtica de comportamento ilcito referida no art. 483 a violao do dto de outrem. Ficam compendiados nesta rubrica os casos mais ntidos de ilicitude civil e, por isso, mais fceis de determinar.

Os direitos subjectivos aqui abrangidos so, principalmente, os direitos absolutos, nomeadamente, os direitos sobre as coisas - corpreas ou incorpreas - ou direitos reais (avulta entre os dtos reais o dto de propriedade), os direitos de personalidade (a sua violao pode dar lugar obrigao de indemnizar: assim sucede com a usurpao do nome, o uso no autorizado da imagem de outrem, a publicao de cartas confidenciais, etc.), os direitos familiares (a violao dos dtos familiares patrimoniais pode determinar a obrigao de indemnizar, com acontece, p.e., com a propriedade dos cnjuges ou o usufruto dos pais) e a propriedade intelectual (p.e. os dtos de autor e dtos conexos e propriedade industrial).

b) Ao lado da violao dos dtos subjectivos, prev-se a infraco da norma destinada a proteger interesses alheios.

Trata-se da infraco das leis que, embora protejam interesses particulares, no conferem aos respectivos titulares um dto subjectivo a essa tutela; e de leis que, tendo tambm ou at principalmente em vista a proteco de interesses colectivos, no deixam de atender aos interesses particulares subjacentes.

Alm disso, a previso da lei abrange ainda a violao das normas que visam prevenir, no a produo do dano em concreto, mas o simples perigo de dano, em abstracto.

Esta referncia explcita, autnoma, violao dos simples interesses tutelados pela lei tem a maior importncia prtica, antes de mais, quanto aos interesses particulares criminalmente protegidos ou tutelados pelas meras ordenaes sociais. Se tais interesses ou valores so tutelados pela lei penal, porque a violao deles afecta, no s o crculo de bens da pessoa lesada ou dos seus familiares, mas outros interesses colectivos, ligados paz, perfeio e segurana da colectividade.

Relativamente aos casos do segundo tipo de ilicitude, para que lesado tenha dto indemnizao, devero verificar-se, cumulativamente, os seguintes requisitos:

que leso dos interesses do particular corresponda a violao de uma norma legal;

que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada;

que o dano se tenha registado no crculo de interesses privados que a lei visa tutelar.

Justificao e sentido do requisito da ilicitude: a ilicitude traduz a reprovao da conduta do agente, embora no plano geral e abstracto em que a lei se coloca, numa primeira aproximao da realidade. Como sinnimo de violao de um comando geral, a ilicitude reveste ainda um interesse especial no caso particular dos interesses.

c) A juntar aos casos de violao do dto subjectivo ou da disposio legal que protege interesses de outrem, h ainda que referir, como forma de comportamento antijurdico capaz de determinar a obrigao de indemnizar, se no houve uma causa especial de excluso de ilicitude, o abuso do dto (art. 334).

No se trata, neste caso, da violao de um dto de outrem, ou da ofensa a uma norma tuteladora de um interesse alheio, mas do exerccio anormal do dto prprio. O exerccio do dto em termos reprovados pela lei, ou seja, respeitando a estrutura formal do dto, mas violando a sua afectao substancial, funcional ou teleolgica, considerado como ilegtimo. Isso quer dizer que, havendo dano, o titular do dto pode ser condenado a indemnizar o lesado.

H abuso do dto (art. 334) sempre que o titular o exerce com manifesto excesso dos limites impostos pela boa f, pelos bons costumes, ou pelo fim econmico ou social desse dto.

Para que haja lugar ao abuso do dto, necessria a existncia de uma contradio entre o modo ou o fim com que o titular exerce o dto e o interesse ou interesses a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito.

Se o exerccio abusivo do dto causou algum dano a outrem, haver lugar obrigao de indemnizar.

Causas de excluso de ilicitude ou causas justificativas do facto

A violao do dto subjectivo de outrem ou da norma destinada a proteger interesses alheios constitui, em regra, um facto ilcito; mas pode suceder que a violao ou ofensa seja coberta por alguma causa justificativa do facto, capaz de afastar a sua aparente ilicitude.

De modo geral, pode dizer-se que o facto, embora prejudicial aos interesses de outrem ou violando o direito alheio, se considera justificado, e por consequncia lcito, sempre que praticado no exerccio regular de um dto ou no cumprimento de um dever.

Ao lado das causas de ordem geral, h algumas causas especiais justificativas do facto, que a lei trata no captulo do exerccio e tutela dos direitos. So elas:

a aco directa;

a legtima defesa;

o estado de necessidade; e

o consentimento do lesado.

Aco directa:

A aco directa (art. 336) o recurso fora para realizar ou assegurar o prprio direito.

O Cdigo Civil admite explicitamente a aco directa em termos genricos, mas em condies muito apertadas. Para que a ela haja lugar, devem verificar-se os seguintes requisitos:

1) necessrio que o agente seja titular dum direito, que procura realizar ou assegurar fundamento real;

2) o recurso fora ter de ser indispensvel, pela impossibilidade de recorrer em tempo til aos meios coercivos normais, para evitar a inutilizao prtica do dto do agente necessidade;

3) o agente no pode exceder o estritamente necessrio para evitar o prejuzo adequao;

4) atravs da aco directa, no pode o agente sacrificar interesses superiores aos que visa realizar ou assegurar valor relativo dos interesses em jogo.

Quando os requisitos supracitados se verifiquem, alm de se tornar lcito o facto, nem sequer h lugar a indemnizao pelos danos causados.

Legtima defesa:

A legtima defesa (art. 337) consiste na reaco destinada a afastar a agresso actual e ilcita da pessoa ou do patrimnio, seja do agente, seja de terceiro.

Para que haja legtima defesa, essencial que os bens lesados por quem se defende pertenam ao agressor. E ainda necessria a verificao dos seguintes requisitos:

1) que haja uma ofensa da pessoa ou dos bens de algum agresso;

2) que a agresso seja actual e contrria lei actualidade e ilicitude da agresso;

3) que no seja vivel nem eficaz o recurso aos meios normais necessidade de reaco;

4) que haja certa proporcionalidade entre o prejuzo que se causa e aquele que se pretende evitar, de modo que o meio usado no provoque um dano manifestamente superior ao que se pretende afastar adequao.

No caso da legtima defesa, alm de ser lcito o acto de quem se defende, o autor isento de responsabilidade pelos danos causados. Apenas responder se houver erro da sua parte acerca da verificao dos pressupostos que legitimam a defesa e o erro no for desculpvel.

O acto considera-se ainda justificado, mesmo que haja excesso na defesa, quando o excesso provenha da perturbao ou do medo no culposo com que o agente actuou.

Estado de necessidade:

O estado de necessidade consiste na situao de constrangimento em que age quem sacrifica coisa alheia, com o fim de afastar o perigo actual de um prejuzo manifestamente superior.

lcito (art. 339) o acto daquele que, para remover o perigo actual de um dano manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro, destri ou danifica coisa alheia.

H obrigao de indemnizar, sempre que a situao de perigo foi provocada por culpa exclusiva do autor da destruio, danificao ou uso da coisa alheia.

Consentimento do lesado:

O consentimento do lesado consiste na aquiescncia do titular do dto prtica do acto que, sem ela, constitura uma violao desse dto ou uma ofensa da norma tuteladora do respectivo interesse art. 340.

O consentimento do lesado (anterior leso) constitui causa justificativa do facto.

Se o lesado consente na leso do interesse, cessa a razo de ser da indemnizao concedida atravs da responsabilidade civil que, tutelando bens privados, pressupe a existncia de um dano sem a vontade ou contra a vontade do lesado. Ressalva-se o caso de o acto autorizado ser contrrio a uma proibio legal ou infringir os bons costumes.

3) Nexo de imputao do facto ao lesante (culpa)

Para que o facto ilcito gere responsabilidade, necessrio que o autor tenha agido com culpa, ou seja, preciso nos temos do art. 483, que a violao ilcita tenha sido praticada com dolo ou mera culpa.

Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovao ou censura do dto. E a conduta do lesante reprovvel, quando, pela sua capacidade e em face das circunstncias concretas da situao, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo.

Quando que a conduta do lesante se pode considerar reprovvel ou censurvel?

Em primeiro lugar, importa saber quem imputvel, que requisitos so necessrios para que a pessoa seja susceptvel do juzo de censura ou reprovao traduzido na imputao do facto ilcito imputabilidade (a).

Em segundo lugar, importar saber se a pessoa imputvel, a quem o facto atribudo, agiu, no caso concreto, em termos que justifiquem a censura, ou seja, trata-se de saber se a pessoa podia e devia ter agido de modo diferente e em que grau o podia e devia ter feito culpa (b).

a) Imputabilidade

Diz-se imputvel a pessoa com capacidade natural para prever os efeitos e medir o valor dos actos que pratica e para se determinar de harmonia com o juzo que se faa acerca deles.

Por isso se diz no art. 488, 1, que no responde pelas consequncias do facto danoso quem, no momento em que o facto ocorreu, estava incapacitado de entender ou querer. O que revela, portanto, a existncia ou a falta dupla capacidade, no momento em que o fato praticado.

Nos casos em que no h imputabilidade do autor material do facto, o lesado poder ressarcir-se, porm, custa da pessoa obrigada vigilncia do agente, salvo se se verificar alguma das circunstncias previstas no art. 491.

Nos casos em que no haja pessoas obrigadas vigilncia do agente ou em que se verifique alguma das circunstncias previstas na parte final do art. 491, a leso tende a ficar sem reparao, por falta de quem responda por ela.

Responsabilidade especial das pessoas inimputveis

Relativamente responsabilidade especial das pessoas inimputveis, o art. 489 admite que a pessoa inimputvel seja condenada a indemnizar total ou parcialmente o lesado, quando razes de equidade assim o imponham: porque o agente tenha bens bastantes por onde responder, porque o lesado tenha ficado em difcil situao econmica, porque seja acentuada a diferena de condio econmica entre um e outro, etc.

Assim, para haver responsabilidade da pessoa inimputvel, necessrio que:

haja um facto ilcito;

esse facto tenha causado danos a algum;

o facto tenha sido praticado em condies de ser considerado culposo, reprovvel, se nas mesmas condies tivesse sido praticado por pessoa imputvel;

haja entre o facto e o dano o necessrio nexo de causalidade;

a reparao do dano no possa ser obtida dos vigilantes do inimputvel;

a equidade justifique a responsabilidade total ou parcial do autor, em face das circunstncias concretas do caso.

b) Culpa

Mas no basta, no entanto, a imputabilidade do agente. Para que o facto lhe possa ser imputado, necessrio que o imputvel tenha realmente agido com culpa, que haja certo nexo psicolgico entre o facto praticado e a vontade do agente.

A culpa exprime um juzo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstncias especficas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. um juzo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor, e pode revestir duas formas distintas:

o dolo;

a negligncia (ou mera culpa).

Quando a responsabilidade se funda na mera culpa, a indemnizao pode ser equitativamente fixada em montante inferior ao valor dos danos causados, desde que assim o justifiquem o grau de culpabilidade do agente, a situao econmica deste e do lesado e as demais circunstncias do caso art. 494.

Quando a responsabilidade se funda no dolo, o montante da indemnizao ter de corresponder sempre ao valor dos danos, no podendo o juiz arbitrar indemnizao inferior.

Em suma: falar de culpa falar de um juzo concreto de apreciao de um comportamento que est associado prtica de um facto ilcito, pelo que, antes de se fazer um juzo de culpabilidade, dever ser feito um juzo de imputabilidade (JOS CARLOS PIRES).

Modalidades da culpa

Dolo directo, necessrio e eventual: relativamente distino entre dolo e negligncia, deve dizer-se que no dolo, enquanto mais grave modalidade da culpa, isto , aquela em que a conduta do agente se torna mais fortemente censurvel, cabem, em primeira linha, os casos em que o agente quis directamente realizar o facto ilcito (p.e., apropriar-se de coisa alheia, destru-la ou danific-la). Estes so os casos de dolo directo aqueles em que o agente representa ou prefigura no seu esprito determinado efeito da sua conduta e quer esse efeito como fim da sua actuao, apesar de conhecer a ilicitude dele.

Ao lado destes casos, embora com recorte psicolgico distinto, outros devem ser ainda includos no conceito de dolo, por suscitarem igual juzo de reprovao no plano do dto.

So aqueles casos em que, no querendo directamente o facto ilcito, o agente todavia o previu como uma consequncia necessria, segura, da sua conduta (p.e.: A quer transportar certos produtos de um para outro dos seus prdios, sabendo que, para tal, os seus empregados tm de atravessar prdio alheio e destruir nele certas culturas; apesar disso, d ordens nesse sentido) dolo necessrio.

Finalmente, atente-se no seguinte exemplo:

Ao aproximar-se de um cruzamento, vendo pessoas