direito das obrigações sebenta

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Direito das Obrigações II Secção V Responsabilidade Civil Generalidades 147. Responsabilidade contratual e extracontratual. Sistematização do Código Civil. Na rubrica da responsabilidade civil cabe tanto a responsabilidade proveniente de falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei (responsabilidade contratual), como a resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem (responsabilidade extracontratual) . Como há uma serie de problemas comuns às duas fontes da responsabilidade o Código tratou-os conjuntamente, ao fixar o regime próprio da obrigação de indemnizar, a que ambas podem dar lugar (art. 562º e seguintes). Apesar da distinção entre as duas variantes da responsabilidade civil (uma, assente na violação de deveres gerais de abstenção, omissão ou não ingerência, correspondentes aos direitos absolutos; a outra, resultante do não cumprimento dos deveres relativos próprios das obrigações, incluindo os deveres acessórios de conduta, ainda que impostos por lei, no seio da complexa relação obrigacional), a verdade é que elas não constituem compartimentos estanques. Elas podem nascer do mesmo facto e transitar-se facilmente do domínio de uma delas para a esfera normativa própria da outra. E é bem possível que o mesmo acto envolva para o agente, simultaneamente, responsabilidade contratual (por violar uma obrigação) e responsabilidade extracontratual (por infringir ao mesmo tempo um dever geral de abstenção ou o direito absoluto correspondente). 148. Responsabilidade por factos ilícitos, responsabilidade pelo risco e responsabilidade por factos lícitos danosos. Nota- se uma divergência de orientação entre os autores que persistem em filiar a responsabilidade extracontratual na ideia da culpa 1

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Direito das Obrigaes II

Direito das Obrigaes II

Seco VResponsabilidade Civil

Generalidades

147. Responsabilidade contratual e extracontratual. Sistematizao do Cdigo Civil. Na rubrica da responsabilidade civil cabe tanto a responsabilidade proveniente de falta de cumprimento das obrigaes emergentes dos contratos, de negcios unilaterais ou da lei (responsabilidade contratual), como a resultante da violao de direitos absolutos ou da prtica de certos actos que, embora lcitos, causam prejuzo a outrem (responsabilidade extracontratual). Como h uma serie de problemas comuns s duas fontes da responsabilidade o Cdigo tratou-os conjuntamente, ao fixar o regime prprio da obrigao de indemnizar, a que ambas podem dar lugar (art. 562 e seguintes). Apesar da distino entre as duas variantes da responsabilidade civil (uma, assente na violao de deveres gerais de absteno, omisso ou no ingerncia, correspondentes aos direitos absolutos; a outra, resultante do no cumprimento dos deveres relativos prprios das obrigaes, incluindo os deveres acessrios de conduta, ainda que impostos por lei, no seio da complexa relao obrigacional), a verdade que elas no constituem compartimentos estanques. Elas podem nascer do mesmo facto e transitar-se facilmente do domnio de uma delas para a esfera normativa prpria da outra. E bem possvel que o mesmo acto envolva para o agente, simultaneamente, responsabilidade contratual (por violar uma obrigao) e responsabilidade extracontratual (por infringir ao mesmo tempo um dever geral de absteno ou o direito absoluto correspondente).

148. Responsabilidade por factos ilcitos, responsabilidade pelo risco e responsabilidade por factos lcitos danosos. Nota-se uma divergncia de orientao entre os autores que persistem em filiar a responsabilidade extracontratual na ideia da culpa (doutrina da responsabilidade subjectiva) e aqueles que tendem a desprender-se cada vez mais desse pressuposto individual, para olharem necessidade ou convenincia social de reparar o dano sofrido pelo lesado (teoria da responsabilidade objectiva), desde que este no tenha agido com culpa grave ou com dolo. A tendncia no sentido de ampliar o domnio da responsabilidade fundada no risco. O Cdigo Civil reconheceu expressamente as duas formas de responsabilidade extracontratual, dando foros de autonomia responsabilidade pelo risco. Ao lado das formas discriminadas nas duas subseces que integram a seco consagrada responsabilidade civil (art. 483 e segs), cumpre mencionar ainda a responsabilidade ligada prtica de certos factos lcitos causadores de danos.

Responsabilidade por Factos Ilcitos149. Pressupostos: a sua enumerao. Aquele que, com dolo ou mera culpa, diz o art. 483, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposio legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violao. A simples leitura do preceito mostra que vrios pressupostos condicionam, no caso geral da responsabilidade por factos ilcitos, a obrigao de indemnizar imposta ao lesante. necessrio que haja um facto voluntario do agente, pois s o homem capaz de violar direitos alheios ou de agir contra disposies, que infrinja objectivamente qualquer das regras disciplinadoras da vida social. Importa que haja um nexo de imputao do facto ao lesante. Em seguida, indispensvel que violao do direito subjectivo ou da lei sobrevenha um dano, pois sem dano no chega a pr-se qualquer problema de responsabilidade civil. Finalmente, exige a lei que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vtima, de modo a poder afirmar-se, luz do direito, que o dano resultante da violao. S quanto a esses danos manda a lei indemnizar o lesado. A responsabilidade pressupe, nesta zona: a) O facto (controlvel pela vontade do homem);b) A ilicitude;c) A imputao do facto ao lesante;d) O dano; e) Um nexo de causalidade entre o facto e o dano.So estes os elementos constitutivos da responsabilidade civil.

150. I) Facto voluntrio do lesante. O elemento bsico da responsabilidade o facto do agente um facto dominvel ou controlvel pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana pois s quanto a factos dessa ndole tm cabimento a ideia da ilicitude, o requisito da culpa e a obrigao de reparar o dano nos termos em que a lei a impe. Na responsabilidade pelo risco, o dano indemnizvel tanto pode provir de facto praticado pela pessoa do responsvel, como de facto praticado por terceiro, de factos naturais ou at de factos do prprio lesado. A responsabilidade baseada em factos ilcitos assenta sempre, no todo ou em parte, sobre um facto da pessoa obrigada a indemnizar. Este facto consiste num acto, numa aco, ou seja, num facto positivo, que importa a violao de um dever geral de absteno, do dever de no ingerncia na esfera de aco do titular do direito absoluto. Mas pode traduzir-se num facto negativo, numa absteno ou numa omisso (art. 486). A omisso, como pura atitude negativa, no pode gerar fsica ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omisso causa do dano, sempre que haja o dever jurdico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumao desse dano. Quando se alude a facto voluntrio do agente, no se pretende restringir os factos humanos relevantes em matria de responsabilidade aos actos queridos, ou seja, queles casos em que o agente tenha prefigurado mentalmente os efeitos o acto e tenha agido em vista deles. No est inteiramente excluda a responsabilidade das pessoas que, por carncia de capacidade de exerccio, no possuem uma vontade juridicamente relevante no domnio dos negcios jurdicos, contanto que tenham capacidade natural de entendimento e de aco. O que est em causa, no domnio da responsabilidade civil, so puras aces de facto, praticadas sem nenhum intuito declarativo. Portanto, facto voluntrio significa apenas facto objectivamente controlvel ou dominvel pela vontade. Para fundamentar a responsabilidade civil basta a possibilidade de controlar o acto ou omisso. Fora do domnio da responsabilidade civil ficam apenas os danos provocados por causas de fora maior ou pela actuao irresistvel de circunstncias fortuitas.

151. II) Ilicitude. No basta que algum pratique um facto prejudicial aos interesses de outrem, para que seja obrigado a compensar o lesado. A ilicitude reporta-se ao facto do agente, sua actuao, no ao efeito (danoso) que dele promana, embora a ilicitude do facto possa provir do resultado que ele produz. Com o Cdigo vigente houve a inteno de auxiliar o intrprete na rdua tarefa de delimitar o campo da actuao ilcita perante a zona dos comportamentos que, muito embora possam causar danos a outrem, so exigidos ou sancionados pelo direito, ou so pelo menos indiferentes ordem jurdica ou por ela tolerados.

152. Formas da ilicitude: a) Violao de um direito de outrem. A primeira forma esquemtica de comportamento ilcito referida no art. 483 a violao do direito de outrem. Os direitos subjectivos aqui abrangidos so, essencialmente, os direitos absolutos, nomeadamente os direitos sobre as coisas ou direitos reais, os direitos de personalidade, os direitos familiares e a propriedade intelectual. Entre os direitos reais avulta o direito de propriedade, cuja violao pode revestir os mais variados aspectos. Quanto aos direitos de personalidade, apesar de ser duvidoso que se possa falar de verdadeiros direitos subjectivos, no restam dvidas de que a sua violao pode dar lugar obrigao de indemnizar. Nos direitos de autor mais frequente a violao dos direitos patrimoniais. A violao dos direitos familiares patrimoniais pode tambm determinar a obrigao de indemnizar. O mesmo no acontece quanto aos direitos de carcter pessoal, onde as sanes predispostas pelo direito so de outra ordem.

153. b) Violao da lei que protege interesses alheios. Ao lado da violao dos direitos subjectivos, prev-se a infraco da norma destinada a proteger interesses alheios. Trata-se da infraco das leis que, embora protejam interesses particulares, no conferem aos respectivos titulares um direito subjectivo a essa tutela; e de leis que no deixam de atender aos interesses particulares subjacentes.A previso da lei abrange ainda a violao das normas que visam prevenir, no a produo do dano em concreto, mas o simples perigo de dano, em abstracto. Havendo violao das normas que tutelam interesses particulares haver lugar obrigao de indemnizar. Outras vezes, a norma violada proteger interesses particulares mas sem conceder ao respectivo titular um direito subjectivo, s um outro interesse particular mais forte se lhe sobrepe. o que sucede com o art. 1391, que protegendo o interesse dos proprietrios de prdios inferiores no aproveitamento das guas sobejas das fontes ou nascentes, no lhes concede um direito subjectivo, em ateno ao interesse mais forte do proprietrio do prdio onde se situa a fonte ou nascente.

154. Requisitos especiais da 2 variante da ilicitude. Pata que o lesado, em casos do segundo tipo de ilicitude, tenha direito a indemnizar, trs requisitos se mostram indispensveis:1 Que leso dos interesses do particular corresponda a violao de uma norma legal. 2 Que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada. preciso que a tutela dos interesses privados no seja um mero reflexo da proteco dos interesses colectivos que, como tais, a lei visa salvaguardar. 3 Que o dano se tenha registado no crculo de interesses privados que a lei visa tutelar. O segundo requisito verifica-se na generalidade das leis que tutelam valores ligados personalidade fsica ou moral dos indivduos: por isso, ainda que seja duvidoso a possibilidade de invocar a violao de um direito subjectivo alheio.

155. Justificao e sentido do requisito da ilicitude. No se diga que o pressuposto da ilicitude inteiramente intil ou extremamente perigoso: intil, na medida em que ilcito seria mero sinnimo de facto que viola ou ofende os direitos de outrem; perigoso, porque o termo ilcito sugere a ideia de facto proibido, reprovvel, condenado, e essa ideia no passaria de uma sobrevivncia injustificada da velha tese de Chironi, que assinalava ao dever de indemnizar uma funo de represso ou de reaco contra o ilcito. Embora a responsabilidade civil exera uma funo essencialmente reparadora ou indemnizatria, no deixa de desempenhar, acessria ou subordinadamente, uma funo de carcter preventivo, sancionatrio ou repressivo, como se demonstra atravs de vrios aspectos do seu regime. Em primeiro lugar, note-se que a obrigao de reparar o dano recai sobre o autor do facto, independentemente de qualquer enriquecimento que ele tenha obtido. A reparao constitui, em princpio, uma sano e o dever de indemnizar pressupe a culpa do agente. Em segundo lugar, s o carcter sancionatrio, punitivo ou repressivo da responsabilidade civil permite explicar que a indemnizao possa variar consoante o grau de culpabilidade do agente (art. 494), que a repartio da indemnizao entre as vrias pessoas responsveis se faa na medida das respectivas culpas (art. 497, n 2) e que a graduao da reparao, quando haja culpa do lesado, se faa com base na gravidade das culpas de ambas as partes. A ilicitude traduz a reprovao da conduta do agente, embora no plano geral e abstracto em que a lei se coloca, numa primeira aproximao da realidade. A funo preventiva ou repressiva da responsabilidade civil, subjacente aos requisitos da ilicitude e da culpa, se subordina sua funo reparadora, reintegradora ou compensatria, na medida em que s excepcionalmente o montante da indemnizao excede o valor do dano.

156. O abuso do direito. Encontra-se no art. 334. Trata-se de um exerccio anormal do direito prprio. O exerccio do direito em termos reprovados pela lei, ou seja, respeitando a estrutura formal do direito, mas violando a sua afectao substancial, funcional ou teleolgica, considerado como ilegtimo. Havendo dano, o titular do direito pode ser condenado a indemnizar o lesado. Noo. H abuso do direito, segundo a concepo objectiva aceite no art. 334, sempre que o titular o exerce com manifesto excesso dos limites impostos pela boa f, pelos bons costumes ou pelo fim econmico ou social desse direito. No necessria a conscincia, por parte do agente, de se excederem com o exerccio do direito os limites impostos pela boa f, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econmico desse direito; basta que, objectivamente, se excedam tais limites. No basta que o exerccio do direito cause prejuzos a outrem. Para que o exerccio do direito seja abusivo preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em funo dos interesses que legitimam a concesso desse poder. preciso que o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justia. No pode afirmar-se a excluso dos factores subjectivos, nem o afastamento da inteno com que o titular tenha agido, visto esta poder interessar, quer boa f ou aos bons costumes, quer ao prprio fim do direito. Para que haja lugar ao abuso do direito, necessria a existncia de uma contradio entre o modo ou o fim com que o titular exerce o direito e o interesse ou interesses a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito. A frmula do manifesto excesso dos limites impostos pela boa f abrange, de modo especial, os casos que a doutrina e a jurisprudncia condenam sob a rubrica do venire contra factum proprium. So os casos em que a pessoa pretende destruir uma relao jurdica ou um negcio invocando determinada causa de nulidade, anulao, resoluo ou denncia de um contrato. Apurada a existncia do abuso, os efeitos do exerccio irregular do direito sero os correspondentes forma de actuao do titular. Se o exerccio abusivo do direito causou algum dano a outrem, haver lugar obrigao de indemnizar; se o vcio se tiver reflectido na celebrao de qualquer negcio jurdico, este ser, em princpio nulo (art. 296).

157. Factos ilcitos especialmente previstos na lei. Alm das duas grandes directrizes de ordem geral fixadas no art. 483, sobre o conceito de ilicitude, como pressuposto da responsabilidade civil, o Cdigo trata de modo especial alguns casos de factos antijurdicos.

A) Factos ofensivos do crdito ou bom nome das pessoas. O primeiro caso especialmente previsto na lei o da afirmao ou divulgao de factos capazes de prejudicarem o crdito ou o bom nome de qualquer pessoa (art. 484). Considera-se antijurdica a conduta que ameace lesar o crdito ou o bom nome das pessoas singulares e colectivas.

B) Conselhos, recomendaes ou informaes geradoras de danos. Simples conselhos, recomendaes ou informaes, que podem, excepcionalmente, envolver responsabilidade civil (art. 485):a) Quando se tenha assumido a responsabilidade pelos danos;b) Quando haja o dever jurdico de os dar e se tenha agido com culpa;c) Quando o procedimento do agente seja criminalmente punvel. Para que o comportamento do autor seja considerado antijurdico, necessrio que, alm de ter dado um mau conselho ou feito m recomendao, ou prestado uma inexacta informao, ele tenha o dever legal ou negocial de os prestar ou que a sua conduta constitua uma forma de ilcito criminal. A regra de irresponsabilidade pela inexactido das informaes prestadas ou pelo desacerto do conselho dado ou da recomendao feita, corresponde soluo geralmente aceite nas legislaes e preconizada na doutrina.

C) Omisses. Estas constituem formas de comportamento antijurdico apenas quando haja o dever (imposto pela lei ou decorrente de negcio jurdico) de praticar o acto omitido e este pudesse normalmente ter evitado a verificao do dano. O dever imposto por lei tanto pode resultar de uma norma preceptiva, que directamente imponha certa aco, como provir indirectamente da norma que imponha a nossa colaborao na preveno de certo resultado, que punido ou reprovado de outro modo na lei. No 1 caso, a ilicitude refere-se directamente omisso (omisso pura); no 2 caso, ao valor, bem ou interesse jurdico tutelado (comisso por omisso). 158. Causas justificativas do facto ou causas de excluso da ilicitude. A violao do direito subjectivo de outrem ou da norma destinada a proteger interesses alheios constitui, em regra, um facto ilcito; mas pode suceder que a violao ou ofensa seja coberta por alguma causa justificativa do facto, capaz de afastar a sua aparente ilicitude. Pode dizer-se que o facto se considera justificado, e por consequncia lcito, sempre que praticado no exerccio regular de um direito ou no cumprimento de um dever. Essencial que o dever aparentemente infringido pelo agente seja afastado ou neutralizado, definitiva ou temporariamente, por um outro dever ou que a violao tenha sido cometida no exerccio de um direito. Ao lado das duas causas de ordem geral, h ainda algumas causas especiais justificativas do facto. So elas: aco directa, legtima defesa, estado de necessidade e consentimento do lesado.

A) Aco Directa (art. 336). Noo. o recurso fora (s vias de facto) para realizar ou assegurar o prprio direito. Trata-se de uma forma primria e grosseira de realizao da justia, que falha contra os mais fortes e conduz a excessos, com grave dano da paz pblica, contra os mais fracos; mas que pode tornar-se necessria, pela impossibilidade de os meios estaduais de tutela do Direito chegarem a tempo de evitar prejuzos irreparveis. Para que haja lugar aco directa mister a verificao dos seguintes requisitos: a) Fundamento real: necessrio que o agente seja titular dum direito, que procura realizar ou assegurar;b) Necessidade: o recurso fora ter de ser indispensvel, pela impossibilidade de recorrer em tempo til aos meios coercivos normais, para evitar a inutilizao prtica do direito do agente;c) Adequao: o agente no pode exceder o estritamente necessrio para evitar o prejuzo;d) Valor relativo dos interesses em jogo: atravs da aco directa, no pode o agente sacrificar interesses superiores aos que visa realizar ou assegurar. Quando os requisitos discriminados se verifiquem, alm de se tornar lcito o facto, nem sequer h lugar a indemnizao pelos danos causados. A aco directa pode consistir na apropriao da coisa, na destruio dela, na sua deteriorao, na eliminao de certas resistncias ao exerccio do direito ou em outros actos de natureza anloga. No se verificando algum ou nenhum dos requisitos exigidos, o agente obrigado a indemnizar os danos causados, salvo se tiver agido na persuaso errnea da sua verificao e o erro for desculpvel.

B) Legtima defesa (art. 337). Noo. A legtima defesa consiste na reaco destinada a afastar a agresso actual e ilcita da pessoa ou do patrimnio, seja do agente, seja de terceiro. A legtima defesa pode causar danos na pessoa ou no patrimnio do autor da agresso, sobretudo quando haja excesso na reaco. A defesa considera-se legtima, porque, no podendo o Estado, apesar de todo o arsenal dos seus meios de preveno, evitar a prtica de factos ilcitos, justo se reconhea aos particulares a faculdade de se defenderem de alguns deles pelos seus prprios meios. Requisitos. Para que haja legtima defesa essencial que os bens lesados por quem se defende pertenam ao agressor. E necessrio que ainda se verifiquem os seguintes requisitos: a) Agresso: que haja uma ofensa da pessoa ou dos bens de algum; b) Actualidade e ilicitude da agresso: que a agresso seja actual e contrria lei. No necessrio que haja culpa do agressor;c) Necessidade de reaco: que no seja vivel nem eficaz o recurso aos meios normais;d) Adequao: que haja certa proporcionalidade entre o prejuzo que se causa e aquele que se pretende evitar, de modo que o meio usado no provoque um dano manifestamente superior ao que se pretende afastar.Se a agresso passada (no actual), j no se justifica a reaco, porque o dano est consumado; se futura, poder recorrer-se aos meios coercivos prprios. Para que seja contrria lei, basta que a agresso o seja objectivamente, pouco importando que o agressor seja ou no imputvel e tenha ou no culpa. A reaco do agente pode visar a defesa de terceiro, nos termos do art. 337. Ela tem sempre de se dirigir contra o autor da agresso. O autor apenas responder se houver erro da sua parte acerca da verificao dos pressupostos que legitimam a defesa e o erro no for desculpvel. O acto considera-se ainda justificado (lcito), mesmo que haja excesso na defesa, quando o excesso provenha da perturbao ou do medo no culposo com que o agente actuou. O excesso de reaco pode resultar, tanto da impropriedade do meio usado, como do facto do atacante ser manifestamente superior ao do defendente.

C) Estado de necessidade (art. 339). igualmente lcito o acto daquele que, para remover o perigo actual de um dano manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro, destri ou danifica coisa alheia. Deve considerar-se tambm lcito o acto daquele que, em lugar de destruir ou danificar, se limita a usar (sem autorizao) coisa alheia. Noo. O estado de necessidade consiste na situao de constrangimento em que age quem sacrifica coisa alheia, com o fim de afastar o perigo actual de um prejuzo manifestamente superior. Entre a legtima defesa e o estado de necessidade h traos comuns: a leso de um interesse alheio e o fim de afastar um dano. Enquanto a legtima defesa exprime uma reaco ou repulso contra a agresso de outrem, no estado de necessidade actua-se ou por ataque ou como meio de defesa contra um perigo no proveniente da agresso de outrem; no primeiro caso, o perigo resulta da agresso da pessoa contra quem se reage, enquanto no segundo o perigo devido a caso fortuito, sendo o acto praticado contra interesses de terceiro.Os interesses do titular da coisa so legitimamente sacrificados, mas em proveito de outrem, impe-se aqui, nuns casos, e admite-se noutros a indemnizao dos danos causados. H obrigao de indemnizar, sempre que a situao de perigo foi provocada por culpa exclusiva do autor da destruio, danificao ou uso da coisa alheia.

D) Consentimento do lesado (art. 340). Tambm o consentimento do lesado (anterior leso) constitui causa justificativa do facto. O consentimento do lesado consiste na aquiescncia do titular do direito prtica do acto que, sem ela, constituiria uma violao desse direito ou uma ofensa da norma tuteladora do respectivo interesse. Tem-se por existente o consentimento do lesado nos casos em que a leso se operou no seu interesse e de acordo com a sua vontade presumvel (art. 340, n 3).

159. III) Nexo de imputao do facto ao lesante (culpa). Para que o facto ilcito gere responsabilidade, necessrio que o autor tenha agido com culpa. preciso, nos termos do art. 483, que a violao ilcita tenha sido praticada com dolo ou mera culpa. Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovao ou censura do direito. E a conduta do lesante reprovvel, quando se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo. Quando que a conduta do lesante se pode considerar reprovvel ou censurvel? A resoluo deste problema tem duas fases sucessivas. Em primeiro lugar, importa saber quem imputvel que requisitos so necessrios para que a pessoa seja susceptvel do juzo de censura ou reprovao traduzido na imputao do facto ilcito. Depois necessrio saber se a pessoa imputvel, a quem o facto atribudo, agiu, no caso concreto, em termos que justifiquem a censura. Trata-se de saber se a pessoa podia e devia ter agido de modo diferente e em que grau o podia e devia ter feito.

160. a) Imputabilidade. Diz-se imputvel a pessoa com capacidade natural para prever os efeitos e medir o valor dos actos que pratica e para se determinar de harmonia com o juzo que faa acerca deles. Exige-se para que haja imputabilidade, a posse de certo discernimento (capacidade intelectual e emocional) e de certa liberdade de determinao (capacidade volitiva). Por isso se diz (art. 488, n 1) que no responde pelas consequncias do facto danoso quem, no momento em que o facto ocorreu, estava incapacitado de entender ou querer. H pessoas em que a lei presume a falta de tal capacidade no momento do facto (os menores de sete anos e os interditos por anomalia psquica). E h outras que, carecendo dela, so tratadas como se a possussem. Nos casos em que no h imputabilidade do autor material do facto, o lesado poder ressarcir-se custa da pessoa obrigada vigilncia do agente, salvo se se verificar alguma das circunstncias previstas no art. 491. Nos casos em que no haja pessoas obrigadas vigilncia do agente ou em que se verifique alguma das circunstncias previstas na parte final do art. 491, a leso tende a ficar sem reparao, por falta de quem responda por ela. Responsabilidade especial das pessoas inimputveis. O art. 489 admite que a pessoa inimputvel pode ser condenada a indemnizar total ou parcialmente o lesado, quando razes de equidade assim o imponham: porque o agente tenha bens bastantes por onde responder, porque o lesado tenha ficado em difcil situao econmica, porque seja acentuada a diferena de condio econmica entre um e outro, porque seja avultado o montante do prejuzo, porque seja particularmente grave a conduta do agente, etc. A indemnizao deve ser calculada de modo a no prejudicar os alimentos do inimputvel, nem os deveres legais de alimentos que recaiam sobre ele (art. 489, n 2). Pode dizer-se que para haver responsabilidade da pessoa inimputvel necessria a verificao dos seguintes requisitos:a) Que haja um facto ilcito;b) Que esse facto tenha causado danos a algum;c) Que o facto tenha sido praticado em condies de ser considerado culposo, reprovvel, se nas mesmas condies tivesse sido praticado por pessoa imputvel;d) Que haja entre o facto e o dano o necessrio nexo de causalidade;e) Que a reparao do dano no possa ser obtida dos vigilantes do inimputvel; f) Que a equidade justifique a responsabilidade total ou parcial do autor, em face das circunstncias concretas do caso.

161. b) Culpa. Noo. No basta a imputabilidade do agente. necessrio que o imputvel tenha realmente agido com culpa, que haja certo nexo psicolgico entre o facto praticado e a vontade do lesante. A culpa exprime um juzo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstncias especficas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. um juzo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor, e pode revestir duas formas distintas: o dolo e a negligncia ou mera culpa. Quando a responsabilidade se funda na mera culpa, diz o art. 494 que a indemnizao pode ser equitativamente fixada em montante inferior ao valor dos danos causados, desde que assim o justifiquem o grau da culpabilidade do agente, a situao econmica deste e do lesado e as demais circunstncias do caso. O montante da indemnizao ter de corresponder sempre ao valor dos danos, no podendo o juiz arbitrar indemnizao inferior. Quando sejam vrias as pessoas responsveis pelos danos, prescreve o art. 497, n 2, que o direito de regresso entre os responsveis existe na medida das respectivas culpas e das consequncias que delas advieram. Na hiptese de o prprio lesado ter concorrido para a produo ou o agravamento do dano, manda o art. 570 ajustar a concesso e o montante da indemnizao forma como, em casa caso concreto, a culpa do agente ou do devedor e a culpa do lesado contriburam para a verificao do dano. 162. Modalidades da culpa. O dolo (direito, necessrio ou eventual). A distino entre o dolo e a negligncia, como modalidades da culpa, aparece referida no art. 483, n 1. O dolo aparece como a modalidade mais grave da culpa, aquela em que a conduta do agente, pela mais estreita identificao estabelecida entre a vontade deste e o facto, se torna mais fortemente censurvel. No dolo cabem os casos em que o agente quis directamente realizar o facto ilcito. Estes so os casos de dolo directo aqueles em que o agente representa ou prefigura no seu esprito determinado efeito da sua conduta e quer esse efeito como fim da sua actuao, apesar de conhecer a ilicitude dele.

163. Elemento intelectual do dolo. Alm do nexo entre o facto ilcito e a vontade do lesante, nexo que constitui o elemento volitivo ou emocional do dolo, este compreende ainda um outro elemento, de natureza intelectual. Para que haja dolo essencial o conhecimento das circunstncias de facto que integram a violao do direito ou da norma tuteladora de interesses alheios e a conscincia da ilicitude do facto. No essencial ao dolo a inteno de causar um dano a outrem; basta a conscincia do prejuzo, do carcter danoso do facto.

164. Mera culpa ou negligncia. Diferente do dolo, em qualquer das suas variantes, o conceito de mera culpa ou negligncia, a qual consiste na omisso da diligncia exigvel do agente. No mbito da mera culpa cabem os casos em que o autor prev a produo do facto ilcito como possvel mas por leviandade, precipitao, desleixo ou incria cr na sua no verificao. Ao lado destes, h variadssimas situaes da vida corrente, em que o agente no chega sequer, por imprevidncia, descuido, impercia ou inaptido, a conceber a possibilidade de o facto se verificar, podendo e devendo prev-lo e evitar a sua verificao, se usasse da diligncia devida. Fala-se nestes casos em culpa inconsciente. A mera culpa (quer consciente, quer inconsciente) exprime uma ligao da pessoa com o facto menos incisiva do que o dolo, mas ainda assim reprovvel ou censurvel. O grau de reprovao ou de censura ser tanto maior quanto mais ampla for a possibilidade de a pessoa ter agido de outro modo, e mais forte ou intenso o dever de o ter feito.

165. Culpa em abstracto (em sentido objectivo) e culpa em concreto (em sentido subjectivo). Trata-se de saber qual o padro por que se afere a conduta do lesante. Mede-se a culpa em concreto pelo figurino real do prprio lesante; e determina-se a culpa em abstracto, pelo modelo de um homem-tipo, pelo padro de um sujeito ideal. Quanto responsabilidade extracontratual, a situao diferente: nem o lesado escolhe a pessoa que violou os seus direitos ou ofendeu os seus interesses; nem seria justo lanar sobre ele as consequncias da usual imprevidncia, desleixo ou falta de zelo do autor do facto. O Cdigo Civil consagrou a tese da culpa em abstracto quanto responsabilidade extracontratual; mas afastou-se desta, ao mandar aplicar o mesmo critrio (da culpa em abstracto) apreciao da culpa no domnio da responsabilidade contratual (art. 487, n 2). Contudo, quanto responsabilidade contratual, tambm o art. 799, n 2, determina que a culpa apreciada nos termos aplicveis responsabilidade civil.A expresso final do n 2 do art. 487 quer apenas dizer que a diligncia relevante para a determinao da culpa a que um homem normal (um bom pai de famlia) teria em face do condicionalismo prprio do caso concreto. Uma vez apurada a culpa do agente, este obrigado a indemnizar, devendo o montante da indemnizao corresponder, em princpio, ao prejuzo causado. Quando sejam vrios os responsveis ou quando haja concorrncia de culpas do lesante e do lesado, volta a interessar o grau de culpabilidade de cada um deles para a fixao da sua quota de responsabilidade nas relaes internas (art. 497, n 2).

166. A culpa como deficincia da vontade ou como conduta deficiente? O problema que suscita a noo de mera culpa o de saber se no mbito da negligncia entra apenas a falta de cuidado, de zelo ou de aplicao, ou se nela cabe tambm a falta de senso, de percia ou de aptido. A melhor orientao de iure constituendo que a mais fielmente se coaduna com a opo da lei pelo critrio da culpa em abstracto, a que, dando diligncia exigvel homem o contedo mais amplo, define a mera culpa como uma conduta deficiente e a no restringe condio de uma simples deficincia do factor vontade no acto. a) Por um lado, no seria justo que a inaptido, a impercia, a incompetncia, as taras, as reaces anormais de temperamento ou de carcter prejudicassem antes a pessoa ou o patrimnio dos terceiros com quem ele contacta. O que est em causa, no domnio da responsabilidade civil, uma questo elementar de justia comutativa. b) Trata-se da soluo mais educativa ou pedaggica e da que mais favorece as exigncias da segurana social, bem como os interesses gerais da contratao e do comrcio jurdico. c) No se diga que a noo de culpa leva o julgador a exigir do indivduo um esforo superior s suas foras, impondo-lhe um dever que ele naturalmente incapaz de cumprir. d) A orientao proposta ter a vantagem de levar o interessado muitas vezes a coibir-se dos actos que escapam de todo ao crculo das suas aptides naturais. Os conhecimentos e as aptides objectivamente exigveis podem variar de profisso para profisso e at consoante a idade das pessoas. E variam de acordo com os conhecimentos ou a preparao especiais dos indivduos.

167. Os termos clssicos da distino entre o dolo e a negligncia. As crticas da doutrina moderna: a) O dolo e a teoria finalista da aco. Desde que o agente proceda com inteno, com pleno conhecimento das circunstncias de facto, no necessrio que tenha conhecimento da ilicitude da sua conduta, para que haja responsabilidade baseada no dolo; basta que haja desconhecimento culposo. O erro sobre a ilicitude poder apenas, se for culposo, servir de base negligncia. O dolo aparece referido no art. 483, ao lado da negligncia (mera culpa), nitidamente como uma das modalidades possveis da culpa. Nunca a inteno do agente esgotaria o mbito do dolo, desde que ela compreende os casos do chamado dolo eventual.

168. b) A violao do dever objectivo de cuidado (do cuidado exigvel) como elemento da ilicitude e no da negligncia. Suponhamos que o automobilista, ao aproximar-se de uma passagem de pees, afrouxou de velocidade, como mandam as regras de trnsito e fez todos os sinais sonoros ou de luzes indicativos da sua aproximao. Apesar disso, atropelou um peo, ferindo-o gravemente ou matando-o. A doutrina clssica entende que a responsabilidade falha neste caso, por no haver culpa, visto o condutor ter agido com o cuidado exigvel na circulao rodoviria. H quem entenda que, em tal hiptese, no existe sequer ilicitude, por considerar que esta envolve a violao do dever objectivo de cuidado ou do cuidado exigvel no comrcio jurdico. No existe verdadeira violao objectiva do Direito nos casos em que, havendo um resultado danoso causado pela aco ou omisso de uma pessoa, esta usou de todas as precaues exigidas pelas normas regulamentares aplicveis ou pelas regras de comrcio jurdico. Seria um absurdo supor que a ordem jurdica exige que as pessoas actuem por forma a que tais resultados, apesar de considerados como ilcitos, jamais se verifiquem. O agente deve ter observado o cuidado exigido pelos usos do comrcio jurdico, por se reconhecer que no agiu ilicitamente, que fez tudo quanto a ordem jurdica pode razoavelmente exigir dele. No esta concepo de ilicitude aceite no direito civil portugus.

169. A ilicitude e a culpa como pressupostos distintos e autnomos da responsabilidade civil. A culpa e a ilicitude so conceitos distintos, embora em certo sentido complementares. A culpa, considerando todos os aspectos circunstanciais que interessam maior ou menor censurabilidade da conduta do agente, olha ao lado individual, subjectivo, do facto ilcito, embora na apreciao da negligncia a lei inclua, nos termos expostos, os elementos de carcter objectivo. Para que a reaco seja justificada, essencial que haja uma agresso ilcita. Mas no se exige que o agressor actue com culpa. Quanto aos danos causados por no imputveis, admite o art. 489 que, por motivos de equidade, o agente possa, em determinadas circunstncias, ser condenado a repar-los, total ou parcialmente. Nenhuma razo pode justificar que as pessoas no imputveis respondam em termos mais rigorosos que os imputveis. Se a falta de ilicitude exclui a responsabilidade destes, por igual razo h-de afastar a daqueles. Situao paralela verifica-se nos casos de presuno legal de culpa (art. 491 a 493 e art. 503, n 3), onde o autor na aco de indemnizao ter de provar os elementos de facto que interessam ilicitude, mas no os que se referem culpa. A falta de imputabilidade, a coaco, o erro, o medo podero excluir ou atenuar a culpa.

170. Prova da culpa. Presunes de culpa. Sendo a culpa do lesante incumbe ao lesado fazer prova dela (art. 342). Regra oposta vigora para o caso da responsabilidade contratual (art. 799), onde o facto constitutivo do direito de indemnizao o no cumprimento da obrigao, funcionando a falta de culpa como uma excepo, em certos termos oponvel pelo devedor. O art. 487, n 1 ressalva os casos em que haja presuno legal de culpa. E h vrios casos em que a lei presume a culpa do responsvel.

A) Pessoas obrigadas vigilncia de outrem. No caso de danos causados por incapazes a terceiros presume-se que houve culpa da parte das pessoas obrigadas a vigi-los (art. 491). As pessoas atingidas pela obrigao de indemnizar no respondem por facto de outrem, mas por facto prprio, visto a lei presumir que houve falta (omisso) da vigilncia adequada. Esta presuno baseia-se em vrias consideraes, a saber: a) Num dado da experincia (boa parte dos actos ilcitos praticados pelos incapazes procede de uma falta de vigilncia adequada);b) Na necessidade de acautelar o direito de indemnizao do lesado contra o risco da irresponsabilidade ou de insolvabilidade do autor directo da leso;c) Na prpria convenincia de estimular o cumprimento dos deveres que recaem sobre aqueles a cuja guarda o incapaz esteja entregue. O vigilante pode sempre afastar a presuno, nos termos do art. 491, parte final. A responsabilidade do obrigado vigilncia pode ser afastada por qualquer das duas vias abertas no preceito legal: mediante a prova de cumprimento do dever de vigilncia ou mostrando que o dano se teria produzido, mesmo que o dever tivesse sido cumprido. Nem todos os obrigados a vigiar outras pessoas esto sujeitos presuno de culpa, mas s aqueles cujo dever de vigilncia determinado pela incapacidade natural do vigiado. Como incapacidade natural nem sempre corresponde a inimputabilidade, pode cumular-se a responsabilidade do incapaz e da pessoa obrigada a vigi-lo: nesse caso, respondero solidariamente nos termos do art. 497.

B) Danos causados por edifcios ou outras obras. Quanto aos danos causados por edifcios que venham a ruir, no todo ou em parte, vale o mesmo regime (presuno de culpa, mas no responsabilidade objectiva), nos termos do art. 492, contanto que a derrocada ou queda do edifcio provenha comprovadamente de vcio da construo ou de defeito de conservao. A responsabilidade abrange o proprietrio ou possuidor, por se presumir que deles a negligencia havida na construo ou na conservao, que levou derrocada do edifcio ou da obra. Se o dano provier apenas de defeitos de conservao e esta competir a outra pessoa, sobre esta recair a presuno legal de culpa, desde que no haja ao mesmo tempo culpa do proprietrio ou possuidor. Se houver respondero ambos solidariamente. A responsabilidade do proprietrio ou possuidor do edifcio cessa, nos termos do art. 492, logo que prove que no houve culpa da sua parte, como sucede no caso de a derrocada ser devida a caso fortuito ou a facto de terceiro. Nestes casos h responsabilidade por facto ilcito, agravada com a presuno de culpa.

C) Danos causados por coisas ou animais ou por actividades perigosas. Dos danos provocados pelas coisas ou pelos animais e no dos danos causados pelo agente com o emprego das coisas ou dos animais, visto nenhuma razo haver para excluir estes do regime geral da responsabilidade civil. Se a responsabilidade assenta sobre a ideia de que no foram tomadas as medidas de precauo necessrias para evitar o dano, a presuno recai em cheio sobre a pessoa que detm a coisa ou o animal, com o dever de os vigiar. Essa pessoa ser, normalmente, o proprietrio. Quanto aos danos causados no exerccio de actividades perigosas, o lesante s poder exonerar-se de responsabilidade, provando que empregou todas as providncias exigidas pelas circunstncias para os evitar. Afasta-se indirectamente a possibilidade de o responsvel se eximir obrigao de indemnizar, com a alegao de que os danos se teriam verificado por uma outra causa, mesmo que ele tivesse adoptado todas aquelas providncias. O carcter perigoso da actividade (causadora dos danos) pode resultar da natureza da actividade ou da natureza dos meios utilizados. D) Danos provocados pelo condutor de veculo por conta de outrem. Um outro caso de presuno de culpa o dos danos causados por veculo de circulao terrestre, quando o veculo conduzido por algum, por conta de outrem, nos termos do disposto no n 3 do art. 503.

171. IV) O dano. Noo. Variantes. Para haver obrigao de indemnizar, condio essencial que haja dano, que o facto ilcito culposo tenha causado um prejuzo a algum. Dano real e dano patrimonial. O dano a perda in natura que lesado sofreu, em consequncia de certo facto, nos interesses que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar. a leso causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste a forma de uma destruio, subtraco ou deteriorao de certa coisa, material ou incorprea. a morte ou so os ferimentos causados vtima; a perda ou afectao do seu bom nome ou reputao; etc. Ao lado do dano assim definido, h o dano patrimonial que o reflexo do dano real sobre a situao patrimonial do lesado. Uma coisa a morte da vtima, as fracturas, as leses que ela sofreu (dano real); outra, as despesas com os mdicos, com o internamento, o funeral, os lucros que o sinistrado deixou de obter em virtude da doena ou da incapacidade, os prejuzos que a falta da vtima causou aos seus parentes (dano patrimonial). O dano patrimonial mede-se por uma diferena: a diferena entre a situao real actual do lesado e a situao (hipottica) em que ele se encontraria, se no fosse o facto lesivo. Dentro do dano patrimonial cabe, no s o dano emergente, ou perda patrimonial, como o lucro cessante ou lucro frustrado. O dano emergente ou perda patrimonial compreende o prejuzo causado nos bens ou nos direitos j existentes na titularidade do lesado data da leso. O lucro cessante ou lucro frustrado abrange os benefcios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilcito, mas a que ainda no tinha direito data da leso. Quando se exprime o dano real pela soma de dinheiro correspondente diminuio patrimonial causada pela leso, d-se expresso dano o sentido de dano de clculo. Se a avaliao do prejuzo se faz em funo do valor que a coisa tem no patrimnio do lesado faz-se uma avaliao concreta do dano; se apenas se procura determinar o valor objectivo da coisa atingida temos a avaliao abstracta do dano. Faz-se igualmente uma avaliao concreta do dano, quando se toma em conta o valor mais alto a que o comprador teve de adquirir certa mercadoria, por no lhe ter sido entregue, na data fixada, aquela que comprara; far-se-ia uma pura avaliao abstracta, se apenas se considerasse o preo corrente da mercadoria devida no momento em que se calcula o valor do dano. Dano patrimonial e dano moral (no patrimonial). Alude-se ao dano patrimonial ou material para abranger os prejuzos que, sendo susceptveis de avaliao pecuniria, podem ser reparados ou indemnizados, seno directamente, pelo menos indirectamente. Ao lado destes danos pecuniariamente avaliveis, h outros prejuzos que, sendo insusceptveis de avaliao pecuniria, porque atingem bens que no integram o patrimnio do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigao pecuniria imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfao do que uma indemnizao. A estes danos d-se normalmente o nome de danos morais; o Cdigo Civil (art. 496) chama-lhes danos no patrimoniais. O mesmo facto ilcito pode produzir simultaneamente danos patrimoniais e danos no patrimoniais. Danos directos e danos indirectos. Na categoria do dano cabem no s os danos directos, que so os efeitos imediatos do facto ilcito ou a perda directa causada nos bens ou valores juridicamente tutelados, mas tambm os danos indirectos que so as consequncias mediatas ou remotas do dano directo.Do alguns autores tambm o nome de danos indirectos aos prejuzos reflexamente sofridos por terceiros.

172. Ressarcibilidade dos danos no patrimoniais. A favor da soluo negativa tem-se argumentado com a natureza irreparvel destes danos. O dinheiro, de um lado, e as dores fsicas ou morais, do outro. No h possibilidade de apagar (indemnizar) com dinheiro os malefcios desta natureza. O dano de clculo no tem cabimento nesta rea. Embora o dinheiro e as dores morais ou fsicas sejam, de facto, grandezas heterogneas, a prestao pecuniria a cargo do lesante, alm de constituir para este uma sano adequada, pode contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado. Entre a soluo de nenhuma indemnizao atribuir ao lesado, a pretexto de que o dinheiro no consegue apagar o dano, e a de se lhe conceder uma compensao, reparao ou satisfao, adequada, ainda que com certa margem de discricionariedade na sua fixao, incontestavelmente mais justa e criteriosa a segunda orientao. Imoral e bem mais injusto o resultado a que conduz a tese oposta, negando qualquer compensao a quem sofreu o dano e deixando absolutamente intacto o patrimnio do autor da leso, a pretexto da dificuldade ou da impossibilidade de fixar o montante exacto do prejuzo por ele causado. Imoral fazer comrcio dos bens de ordem espiritual, no pretender o ressarcimento dos danos que lhes sejam causados. Quanto a ser muito difcil, seno impossvel, calcular o montante exacto da compensao devida pelos danos morais o argumento no convence. Dificuldade suscita o clculo de certos danos patrimoniais indirectos e nunca se duvidou da sua ressarcibilidade.

173. Resoluo do problema no plano direito constitudo. O Cdigo Civil aceita, no domnio da responsabilidade extracontratual, a tese da reparabilidade dos danos no patrimoniais, mas limitando-a queles casos que, pela sua gravidade, meream a tutela do direito (art. 496). A gravidade do dano h-de medir-se por um padro objectivo. A gravidade apreciar-se- em funo da tutela do direito: o dano deve ser tal modo grave que justifique a concesso de uma satisfao de ordem pecuniria ao lesado. A reparao obedecer a juzos de equidade. A indemnizao, tendo especialmente em conta a situao econmica do agente e do lesado, mais uma reparao do que uma compensao, mais uma satisfao d que uma indemnizao. O montante da indemnizao correspondente aos danos no patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso segundo critrios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsvel, sua situao econmica e s do lesado e do titular da indemnizao (art. 496, n 3), aos padres de indemnizao geralmente adoptados na jurisprudncia, etc. O facto de a lei, atravs da remisso feita no art. 496, n 3, para as circunstncias mencionadas no art. 494, ter mandado atender, na fixao da indemnizao, quer culpa, quer situao econmica do lesante, revela que ela no aderiu, estritamente, tese segundo a qual a indemnizao se destinaria nestes casos a proporcionar ao lesado, de acordo com o seu teor de vida, os meios econmicos para satisfazer ou compensar com os prazeres da vida os desgostos, os sofrimentos ou as inibies que sofrera por virtude da leso. A indemnizao reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, no lhe estranha a ideia de reprovar ou castigar; no plano civilstico e com os meios prprios do direito privado, a conduta do agente.

174. Indemnizao pelo facto da morte da vtima. Os casos de leso corporal a que sobreveio a morte tm levantado divergncias, quer na jurisprudncia, quer na doutrina, quanto incluso da perda da vida, como dano no patrimonial autnomo, no clculo da indemnizao. O facto de o art. 496, n 2, reconhecer um direito prprio, por danos no patrimoniais; ao cnjuge ou aos parentes mais prximos da vtima, no exclui a possibilidade de se reconhecer ao mesmo tempo o direito indemnizao pelos danos morais causados prpria vtima e de neles se incluir a perda da vida. Aquela concesso, objectivamente considerada, desprendida do verdadeiro pensamento da lei, no bastaria para afastar a indemnizao pela morte, como um direito transmissvel por via hereditria. Uma coisa so os danos sofridos pela prpria vtima; outra, os danos directamente causados aos familiares. A indemnizao a reparao de um dano (de terceiro). Sendo a morte da pessoa lesada ou agredida um dano que atinge essencialmente o cnjuge e os parentes mais prximos da vtima, conviria arredar aquele princpio e fixar a titularidade e o montante da respectiva indemnizao, tendo directamente em conta os danos patrimoniais e no patrimoniais que a morte da vtima causa reflexamente a essas pessoas. Foi esta ltima orientao, a soluo mais realista, que a lei perfilhou. O direito indemnizao por danos no patrimoniais cabe aos ditos familiares, sem distinguir entre danos morais sofridos pela prpria vtima e os causados aos seus parentes ou ao seu cnjuge. No nmero subsequente (n 3) que expressamente se afirma que, no caso de morte, a indemnizao tanto abrange uns como outros. Nenhum direito de indemnizao se atribui, por via sucessria, aos herdeiros da vtima, como sucessores mortis causa, pelos danos morais correspondentes perda da vida, quando a morte da pessoa atingida tenha sido consequncia imediata da leso. No caso de a agresso ou a leso ser mortal, toda a indemnizao correspondente aos danos morais cabe, ao aos herdeiros por via sucessria, mas aos familiares por direito prprio, segundo o art. 496, n 2. Ao lado dos desgostos ou dos vexames causados pela agresso ou pela causa dela, haver realmente que contar as mais das vezes com o dano moral que, no plano afectivo, pode causar aos familiares a falta do lesado, quer esta proceda de morte instantnea, quer no.

175. Evoluo da jurisprudncia. incontestvel que a perda do direito vida por parte da vtima da leso constitui, nos termos do n 2 do art. 496, um dano autnomo, susceptvel de reparao pecuniria. No n 2 do art. 496 diz-se que as pessoas a designadas tm o direito a indemnizao, ao lado daquela que, por via hereditria, possa caber aos herdeiros em geral, como se faz nos n 2 e n 3 do art. 495, quando se enumera as vrias categorias de terceiros que tm direito a ser indemnizados por danos patrimoniais causados pela leso corporal. Diz-se, pelo contrrio, que o direito indemnizao dos danos no patrimoniais, por morte da vtima cabe, em conjunto, ao cnjuge e aos parentes a discriminados.

123. Danos patrimoniais e danos no patrimoniais (Responsabilidade civil do produtor) - Opinio do Dr. Calvo da Silva. Condio essencial da responsabilidade civil em geral a existncia de dano. Este pressuposto vem mencionado no art. 1 do DL n 383/89: O produtor responsvel, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que pe em circulao. Mas nem todos os danos so ressarcveis ao abrigo do tal diploma. No caso de morte ou leso corporal, so ressarcveis todos os danos, sejam patrimoniais ou no patrimoniais, tambm chamados correntemente danos morais. Aproveitou-se a amplitude da Directiva Comunitria para considerar os danos no patrimoniais no mbito dos danos ressarcveis pelo produtor. Por vrias razes.Em primeiro lugar, para evitar que, neste domnio da responsabilidade objectiva do produtor, se controvertesse a aplicao do disposto no art. 496, por fora da remisso feita pelo art. 499. Em segundo lugar, para afirmar que os danos atendveis no so s os provenientes de leso corporal, mas os resultantes de qualquer leso pessoal, seja da integridade fsica, psquica ou moral. O legislador teve em mente prevenir a eventual multiplicao de classificaes dos danos morais ou no patrimoniais que s geram confuso no plano terminolgico. Em terceiro lugar, para considerar a leso da pessoa passvel de sano pelo desrespeito inviolabilidade da pessoa humana vista em corpo e esprito. Esta soluo acertada, pois no s no dano pessoa entram elementos de natureza heterognea, como a imbricao dos seus aspectos material e imaterial torna por vezes difcil dissoci-los. A soluo consagrada a correcta, tambm porque tem por ressarcveis, no s os danos patrimoniais indirectos sejam os danos emergentes, sejam os lucros cessantes, como igualmente os danos no patrimoniais. No tocante extenso dos danos a indemnizar, valem as regras do direito comum. No que se refere ao dano patrimonial indirecto da prpria vtima resultante de leso pessoa, a avaliao far-se- segundo a teoria da diferena entre a situao patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se no existissem danos (art. 566, n 2). Na fixao do dano patrimonial indirecto de terceiros em caso de morte ou leso pessoal, vale o disposto no art. 495. Quanto determinao do quantum debeatur de danos no patrimoniais, providencia o art. 496. Apenas trs observaes: 1. So ressarcveis apenas os prejuzos que, pela sua gravidade, meream tutela do direito. A formulao do art. 496 personaliza o dano sade, nele abrangendo o dano psquico, isto , a leso da integridade ou sanidade mental, consequncia ou no de atentado integridade fsica; 2. Consagrao da equidade como critrio de determinao do quantum respondeatur, em consonncia com a aludida personalizao do dano no patrimonial. Ao preceituar que o montante da indemnizao ser fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em ateno, em qualquer caso, as circunstncias referidas no art. 494, confia-se na deciso do juiz, que ter em conta a gravidade das leses e demais circunstncias susceptveis de personalizar o dano e realizar a justia do caso concreto, a equidade;3. Titularidade do direito ao ressarcimento, por morte da vtima. No que toca aos danos no patrimoniais laterais, as pessoas mencionadas no n 2 do art. 496 so os seus titulares, iure proprio. Controvertida a questo dos danos no patrimoniais sofridos pela vtima, sobretudo o do ressarcimento da prpria perda da vida ou dano da morte: deferir-se- aos herdeiros por via sucessria, ou cabero por direito prprio aos familiares mais prximos, referidos no n 2 do art. 496? A soluo a seguinte: o ressarcimento dos danos no patrimoniais sofridos pela vtima, com especial destaque para o dano da morte, defere-se iure hereditrio s pessoas enumeradas no n 2 do art. 496. Por um lado, a 2 parte do n 3 do mesmo artigo inculca a ideia de que os titulares dos danos no patrimoniais sofridos pela vtima so as pessoas com direito a indemnizao nos termos do nmero anterior, o que se compreende por serem os familiares mais prximos as pessoas que por via de regra conviviam com a vtima; mas a mesma 2 parte do n 3 do art. 496 no inculca a ideia de que esses danos da vtima pertenam iure proprio s mesmas pessoas. Se o dano sofrido pela vtima, os seus familiares no devem receber o correlativo ressarcimento por direito prprio mas iure hereditrio, considerando que no momento da morte o preo a dor se fixou na esfera do de cujus como direito de crdito indemnizao, direito autnomo e distinto das dores e sofrimentos dos conviventes. O grande alcance da 2 parte do n 3 do art. 496 reside em determinar as pessoas que, iure hereditrio, so titulares dos danos no patrimoniais sofridos pela vtima, embora afastando-se da ordem por que so chamados os herdeiros, ordem estabelecida no art. 2133.

176. V) Nexo de causalidade entre o facto e o dano: remisso para a obrigao de indemnizao. Relevncia da causa virtual. Nem todos os danos sobrevindos ao facto ilcito so includos na responsabilidade do agente, mas apenas os resultantes do facto (art. 483), os causados por ele. H um problema na conexo substancial do nexo de causalidade existente entre o facto e o dano com os casos de presuno de culpa versados no art. 491 e seguintes. Em todos estes casos isenta-se o agente de responsabilidade, se ele provar que no houve culpa da sua parte ou se, no obstante a culpa com que agiu, mostrar que o dano se teria produzido, ainda que o seu facto (culposo) no se tivesse verificado. A causa virtual o facto (real ou hipottico) que tenderia a produzir certo dano, se este no fosse causado por um outro facto (causa real). Se algum, no intuito de matar um animal, lhe der alimentos envenenados a comer, suficientes para provocar a morte, mas um terceiro abater entretanto o animal a tiro, dir-se- que o tiro foi a causa real da morte dele, enquanto o envenenamento uma causa virtual do mesmo efeito. No necessrio que o facto tenha j sido posto em execuo, para que se possa consider-lo como causa virtual de certo efeito danoso. Para designar esta categoria de situaes, alguns autores aludem a uma causalidade antecipada, prematura ou precipitada. Coloca-se a questo de saber se a causa virtual capaz de excluir, e em que termos, a responsabilidade do autor da causa real do dano. este problema (da relevncia negativa da causa virtual ou hipottica) que a lei parece responder nos arts. 491, 492 e 493, n 1. Apesar de haver um facto ilcito que actuou como causa real, operante, do dano verificado, o agente (culpado ou no) isento de responsabilidade, por exclusiva considerao da causa virtual do mesmo efeito danoso. Em todos os casos daqueles artigos, para a produo do dano concorrem no s o facto da pessoa em princpio responsvel, mas tambm o facto de terceiro ou um facto acidental. 177. Titularidade do direito indemnizao. Tem direito indemnizao o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violao da disposio legal, no o terceiro que s reflexa ou indirectamente seja prejudicado.Por exemplo, se A foi atropelado por B e sofreu ferimentos, ser este obrigado a indemniz-lo do dano que lhe causou. Mas j no ser obrigado a indemnizar C, dono do teatro onde A deveria exibir-se no dia no acidente. No h no nosso sistema um direito integridade do patrimnio cuja violao possa assegurar a indemnizao eventualmente requerida pelo lesado. aos danos causados a terceiros, sem violao de nenhuma relao negocial ou para-negocial e sem infraco de nenhum dever geral de absteno ou omisso, que se tem dado o nome de danos patrimoniais puros. Excepcionalmente, a indemnizao pode competir tambm ou caber apenas a terceiro. Sucede isso nos casos no art. 495. Em relao a certas despesas que a leso determinou, considera-se o responsvel obrigado para com as pessoas a quem a despesa deve ser paga. Quanto aos danos patrimoniais, a lei manda indemnizar tanto no caso de morte como no de leso, o prejuzo sofrido por aqueles que podiam exigir alimentos do lesado ou por aqueles a quem este os prestava no cumprimento de uma obrigao natural. Relativamente aos danos no patrimoniais, o direito indemnizao cabe ao cnjuge e aos filhos, ou outros descendentes que os representem; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e na falta de uns e outros, aos irmos e sobrinhos com direito de representao. Estes danos no patrimoniais compreendem tanto os que a vtima tiver sofrido, como os suportados directamente pelas prprias pessoas a quem caiba a indemnizao. Tanto o art. 495, n 3, em relao aos danos patrimoniais, como art. 496, n 2, relativamente aos danos no patrimoniais, podem dar lugar a dvidas de interpretao e de aplicao prtica: a) Quanto indemnizao por danos patrimoniais ocorre a pergunta se tm direito a ela apenas as pessoas que, no momento da leso, podiam exigir j alimentos ao lesado, ou tambm aquelas que s mais tarde viriam a ter esse direito, se o lesado fosse vivo. Se a necessidade de alimentos, embora futura, for previsvel, nenhuma razo h para que o tribunal no aplique a doutrina geral do n 2 do art. 564. Mas ainda que a necessidade futura no seja previsvel nenhuma razo h para isentar o lesante da obrigao de indemnizar a pessoa carecida de alimentos do prejuzo que para ela advm da falta da pessoa lesada. O lesante no poder ser condenado em prestao superior quela que provavelmente o lesado suportaria, se fosse vivo. b) Relativamente aos danos no patrimoniais, lquido que apenas tm direito a indemnizao os familiares destacados no n 2 do art. 496, como tambm lquido que os familiares do 2 grupo (ascendentes) s tero direito a essa indemnizao se no houver cnjuge nem descendentes da vtima e que os do 3 grupo (irmos ou sobrinhos) s sero chamados na falta de qualquer familiar dos grupos anteriores.

178. Prescrio do direito indemnizao. Sem prejuzo do prazo (de vinte anos) correspondente prescrio ordinria, o direito indemnizao fundada na responsabilidade civil est sujeito a um prazo curto de prescrio (trs anos). A prova dos factos que interessam definio da responsabilidade torna-se difcil e precria. Fixou-se o prazo da prescrio em trs anos, a contar do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificao dos pressupostos condicionam a responsabilidade, soube ter direito indemnizao pelos danos que sofreu. A lei tornou ainda o incio da contagem do prazo independente do conhecimento da pessoa do responsvel. Se o lesado s tiver conhecimento da identidade do responsvel depois de verificada a leso, o prazo de trs anos para a propositura da aco conta a partir da data em que o lesado teve conhecimento do seu direito. Se forem vrios os responsveis e o lesado tiver desde logo conhecimento de um ou vrios deles apenas, no lhe ser lcito intentar a aco j depois de findo o prazo fixado, a pretexto de s ento ter tido conhecimento de outro ou outros dos responsveis. A circunstncia de haver prescrito o direito indemnizao pelo dano causado contra a propriedade no significa (art. 498, n 4), que prescreva ou caduque ao mesmo tempo o direito de propriedade sobre a coisa danificada ou o direito restituio do enriquecimento injusto. O prazo prescricional especial fixado no art. 498 vale apenas para a responsabilidade extracontratual. No faria sentido que uma das obrigaes simples emergentes da relao obrigacional prescrevesse no prazo de trs anos e as restantes, derivadas da mesma relao, prescrevessem s ao fim de vinte anos.No mesmo prazo do direito indemnizao prescreve o direito de regresso entre os vrios responsveis, pois quanto a esse procedem as razes que justificam o abreviamento da apreciao judicial do facto ilcito. O prazo conta-se a partir do cumprimento (art. 498, n 2).

260. O problema da causalidade: I) A causa como condio sine qua non (teoria da equivalncia das condies). Se no conceito de causa do dano fosse includo todo o conjunto de circunstncias que interferem no respectivo processo causal, poucas vezes por certo o no cumprimento do devedor ou o facto ilcito culposo praticado pelo agente poderia ser considerado como causa de danos que ningum duvida pr a seu cargo, na obrigao de indemnizar. Da que os autores procurem distinguir, no agregado de circunstncias que concorrem para a produo do dano, entre aquelas sem cujo concurso o dano no se teria verificado e as outras, que contriburam para o mesmo evento, mas cuja falta no teria obstado sua verificao. As primeiras constituem verdadeira condio sine qua non do dano. Embora isoladamente nenhuma delas bastasse para desencadear o dano, vrios autores as consideram como causa desse evento, na medida em que sem qualquer delas o dano no se teria produzido. Causa toda a condio sem a qual o efeito no se teria verificado.O no cumprimento da obrigao ser considerado como causa de todos os danos que o credor no teria sofrido, se no fosse a inadimplncia do devedor, sem embargo de outras circunstncias terem concorrido tambm para a verificao desses danos. Limita-se a obrigao de indemnizar aos danos em cujo processo de causalidade interfere esse facto e queles que no se verificariam sem tal facto. O facto ilcito do devedor ou do agente pode ser apontado como condio do dano registado. A relao causal no pode servir para delimitar, por si s, a zona de responsabilidade do devedor ou agente. 261. II) A causa como factor substancialmente distinto da condio no processo factual conducente ao dano. No mbito da indemnizao s poderiam ser includos, entre os danos causados pelo facto, aqueles de que o devedor ou o agente tivesse culpa. O subterfgio da culpa falha por uma dupla razo: primeiro, porque a obrigao de indemnizar prescinde muitas vezes da existncia de culpa; depois, mesmo quando a responsabilidade nasce da prtica de um facto ilcito, no justo nem criterioso limitar a indemnizao aos danos cobertos pela culpa do agente. No faltou quem identificasse a causa como a condio mais eficaz ou mais prxima do efeito danoso; enquanto outros a consideram a condio decisiva do dano, distinta das meras condies impulsivas ou obstativas.

262. III) Teoria da causalidade adequada. Suas variantes. O pensamento fundamental da teoria que, para impor a algum a obrigao de reparar o dano sofrido por outrem, no basta que o facto praticado pelo agente tenha sido, no caso concreto, condio (sine qua non) do dano; necessrio ainda que, em abstracto ou em geral, o facto seja uma causa adequada do dano. H que escolher aquele que, segundo o curso normal das coisas, se pode considerar apto para produzir o dano, afastando aqueles que s por virtude de circunstncias extraordinrias o possam ter determinado. Que o facto seja condio d dano ser requisito necessrio mas no requisito suficiente, para que possa ser considerado como causa desse dano. A falta do devedor no ser considerada a causa do do registado se ela no puder ser apontada, em abstracto, como causa adequada desse dano. Para alguns autores, o facto ser causa adequada do dano, sempre que este constitua uma consequncia normal ou tpica, ou seja, sempre que, verificado o facto, se possa prever o dano como uma condio natural ou como um efeito provvel dessa verificao. Para outros, o facto que actuou como condio do dano s deixar de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificao do dano, tendo-o provocado s por virtude das circunstncias excepcionais, extraordinrias ou anmalas, que intercederam no caso concreto.Os danos que o facto s provocou merc de circunstncias extraordinrias, no previsveis de modo nenhum por um observador experiente na altura em que o facto se verificou sero suportados pela pessoa lesada.

263. A formulao prefervel da causa adequada. A doutrina mais acertada a que entende que na tal prognose confiada ao julgador ou no juzo abstracto de adequao, se devem tomar em considerao apenas as circunstncias reconhecveis data do facto por um observador experiente; mas que, alm dessas, devem ser ainda includas as circunstncias efectivamente conhecidas do lesante na mesma data, posto que ignoradas das outras pessoas. Um facto s deve considerar-se causa (adequada) daqueles danos (sofridos por outrem) que constituem uma consequncia normal, tpica, provvel dele. Todos os outros deveriam ser suportados pelo portador ou titular dos interesses afectados. Para que haja causa adequada, no de modo nenhum necessrio que o facto, s por si, sem colaborao de outros, tenha produzido o dano. Essencial que o facto seja condio do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condies desse dano. Para que um dano seja considerado como efeito adequado de certo facto no necessrio que ele seja previsvel para o autor desse facto. Se a responsabilidade depender da culpa do lesante, imprescindvel a previsibilidade do facto constitutivo de responsabilidade, visto essa previsibilidade constituir parte integrante do conceito de negligncia, em qualquer das modalidades que esta pode revestir. Mas j no se exige que sejam previsveis os danos subsequentes. Essencial apenas que o facto constitua uma causa (objectivamente) adequada. A causalidade adequada no se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. esse processo concreto que h-de caber na aptido geral ou abstracta do facto para produzir o dano.

264. O nexo de causalidade em face do direito constitudo. A resposta ao problema da causalidade vem dada no art. 563. H, com efeito, danos que o lesado muito provavelmente no teria sofrido se no fosse o facto ilcito imputvel ao agente, e que, no entanto, no pode ser includos na obrigao de indemnizao, porque isso repugnaria ao pensamento da causalidade adequada, que o art. 563 indubitavelmente quis perfilhar. Deste modo, para que um dano seja reparvel pelo autor no facto, necessrio que o facto tenha actuado como condio do dano. Mas no basta a relao de condicionalidade concreta entre o facto e o dano. preciso que, em abstracto, o facto seja uma causa adequada desse dano.

265. Teoria do fim tutelado pelo contrato ou pela norma legal infringida. Trata-se da teoria segundo a qual a distino entre danos indemnizveis e no indemnizveis se deve fazer, no em obedincia ao pensamento da causalidade adequada do facto, mas tendo em vista os reais interesses tutelados pelo fim do contrato, no caso da responsabilidade contratual, ou pelo fim da norma legal, no caso da responsabilidade extracontratual. No caso da responsabilidade contratual, hoje assente que o devedor responde, no s pelo cumprimento dos deveres de prestao, mas tambm pela observncia dos deveres acessrios de conduta. E quanto a estes ltimos no se afigura possvel proceder a uma criteriosa seleco dos danos provenientes da sua inobservncia, para distinguir entre os que devem e no devem ser indemnizados pelo obrigado, sem recorrer ao nexo de causalidade entre o facto constitutivo da responsabilidade e o dano.No respeitante segunda modalidade da ilicitude prevista no art. 483, importa realmente saber se o lesado figura entre os titulares dos interesses protegidos pela disposio infringida e se a leso se deu no crculo dos interesses tutelados pela norma. No se torna necessrio recorrer nesses casos teoria do fim da proteco legal para eliminar a responsabilidade do agente; esta falha atravs do requisito da ilicitude, por no haver a violao tpica de interesses objectivamente descrita na lei. Quanto violao ilcita dos direitos subjectivos alheios, a simples identificao dos interesses tutelados pelas respectivas normas insuficiente para delimitar o mbito dos danos indemnizveis.

266. Objecto da reparao. Formas da indemnizao. Prioridade da reconstituio natural. Determinados os danos de que o facto foi causa adequada, so todos esses, e s esses, que, em princpio, ao responsvel incumbe reparar. A obrigao que impende sobre este ter como escopo essencial, nos termos do art. 562, a reconstituio da situao que existiria, se o facto no se tivesse verificado.O objecto essencial da indemnizao fora a reparar os danos de que o facto foi causa adequada, e a deduzir as vantagens que o lesado no teria tido, se no fosse aquele facto. O art. 566, n 1 opta pela reconstituio in natura da situao hipottica, mandando reparar o dano mediante a reconstituio natural, apesar de o lesado preferir possivelmente a indemnizao em dinheiro. A lei quer prover directa remoo do dano real custa do responsvel, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes. Se o dano (real) consistiu ou no desaparecimento de certa coisa ou em estragos nela produzidos, h que proceder aquisio de uma coisa da mesma natureza e sua entrega ao lesado, ou ao conserto, reparao ou substituio da coisa por conta do agente. Se houve ferimentos ou doena em pessoas, haver que curar da sua sade at ao restabelecimento do lesado. A lei (art. 562) manda reconstituir, no a situao anterior leso, mas a situao (hipottica) que existiria, se no fosse o facto determinante da responsabilidade. Nem sempre o recurso reconstituio natural permite resolver satisfatoriamente a questo da reparao do dano. H casos em que a reconstituio natural no sequer possvel. A impossibilidade da reconstituio pode ser material ou jurdica. A insuficincia d-se quando a reconstituio no cobre todos os danos ou no abrange todos os aspectos em que o dano se desdobra. Aos casos de insuficincia da reconstituio devem ser equiparados aqueles em que o dano, pela sua natureza (dano no patrimonial), no susceptvel de reparao mediante reconstituio natural, nem sequer de indemnizao, mas apenas de compensao. A reconstituio natural deve considerar-se meio imprprio ou inadequado, quando for excessivamente onerosa para o devedor (art. 566, n 1), ou seja, quando houver manifesta desproporo entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparao natural envolve para o responsvel. A indemnizao deve ser fixada em dinheiro.

267. Clculo da indemnizao em dinheiro. Teoria da diferena. O mesmo tipo de facto ilcito pode dar lugar a indemnizaes muito diferentes por serem muito diversos os danos que o facto causou em cada caso concreto. A indemnizao pecuniria deve medir-se por uma diferena pela diferena entre a situao (real) em que o facto deixou o lesado e a situao (hipottica) em que ele se encontraria sem o dano sofrido. O art. 566, n 2 aceita essa teoria da diferena. A diferena estabelece-se entre a situao real actual e a situao hipottica correspondente ao mesmo momento.

269. III) Culpa do prprio lesado. O princpio abrangido pela ressalva do n 2 do art. 566 o da atendibilidade da culpa do prprio lesado na produo ou no agravamento do dano para a fixao do montante da indemnizao ou para a eventual exonerao de responsabilidade do lesante. Para a produo do dano pode efectivamente concorrer, ao lado da culpa do lesante, o facto do lesado. Outras vezes, a vtima no ter contribudo para a produo do dano, mas para o seu agravamento, ou no ter concorrido, como lhe cumpria, para atenuar ou minorar o dano. A lei confere ao julgador a possibilidade, no s de manter ou reduzir a indemnizao, mas de eliminar inclusivamente, de acordo com a gravidade das culpas de ambas as partes e com as consequncias que delas resultaram.

Responsabilidade pelo Risco

179. Responsabilidade objectiva: sua fundamentao. Dos danos que cada um sofra na sua esfera jurdica s lhe ser possvel ressarcir-se custa de outrem quanto queles que, provindo de facto ilcito, sejam imputveis a conduta culposa de terceiro. Os restantes, quer provenham de facto fortuito ou de fora maior, quer sejam causados por terceiro, mas sem culpa do autor, ter de suport-los o titular dos bens ou direitos lesados. Na impossibilidade de o Estado chamar a si a cobertura de todos os danos devidos a caso fortuito ou de fora maior, a teoria da responsabilidade subjectiva constitui a soluo mais defensvel. Os indivduos respondem pelos factos que dependem da sua vontade, que eles poderiam e deveriam ter prevenido. Torna-se necessrio temperar o pensamento clssico da culpa com certos ingredientes sociais de carcter objectivo. O recurso cada vez mais frequente mquina e aos processos mecnicos de trabalho, ligado revoluo industrial e mais tarde revoluo tecnolgica aumentou o nmero e a gravidade dos riscos de acidente a que os operrios esto sujeitos. Ao lado da doutrina clssica da culpa, um outro princpio aflorou neste sector: o da teoria do risco. Quem utiliza em seu proveito coisas perigosas, quem introduz na empresa elementos cujo aproveitamento tem os seus riscos; quem cria ou mantm um risco em seu proveito prprio, deve suportar as consequncias prejudiciais do seu emprego, j que deles colhe o principal benefcio. Quem aufere os (principais) lucros da explorao industrial, justo que suporte os encargos dela, entre os quais se inscreve o dos acidentes no trabalho.

180. Socializao do risco. Mesmo a tendncia para socializarem o risco ou comunicarem o dano, segurando a indemnizao devida ao lesado, no s nos casos em que o acidente seja devido a circunstncias de fora maior estranhas ao funcionamento do veculo, mas tambm naqueles em que o responsvel no seja conhecido ou em que, sendo conhecido, no tenha meios para cobrir a sua responsabilidade. H casos excepcionais de responsabilidade que pode assentar sobre um facto natural, um facto de terceiro ou at um facto do prprio lesado. O facto constitutivo de responsabilidade deixa de ser necessariamente um facto ilcito.

180-A. Concurso da responsabilidade contratual com a responsabilidade extracontratual ou delitual. Faz-se uma aluso facilidade com que se pode transitar de um para outro domnio da responsabilidade, mas tambm possibilidade de o mesmo acto revelar para o agente, simultaneamente responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual. H duas teses opostas que tm sido discutidas na doutrina estrangeira: a que reconhece ao lesado a possibilidade de invocar indistintamente a modalidade da responsabilidade que mais convenha ao efeito que ele pretende alcanar (tese do cmulo das responsabilidades) e a tese dos que excluem essa possibilidade de recurso simultneo a uma e outra das variantes da responsabilidade (tese do no cmulo ou da no acumulao). A lei portuguesa absteve-se de tomar posio neste assunto.

Responsabilidade do Comitente

181. Carcter objectivo da responsabilidade. O comitente responde, em determinados termos, mas independentemente de culpa, pelos danos que o comissrio cause a terceiro, desde que o comissrio tenha agido com culpa (art. 500). A lei civil vigente assinala de modo inequvoco o carcter objectivo da responsabilidade do comitente, afirmando (art. 500, n 1) que ele responde, independentemente de culpa, e que (n 2) a sua responsabilidade no cessa pelo facto de o comissrio haver agido contra as instrues recebidas.Trata-se de a responsabilidade prescindir da existncia de culpa adiantando a prova de que o comitente agiu sem culpa ou de que os danos se teriam igualmente registado, ainda que no houvesse actuao culposa, da sua parte. Se houver culpa, tanto do comitente como do comissrio, qualquer deles responde solidariamente perante o lesado, mas o encargo da indemnizao ser depois repartido entre eles, na proporo das respectivas culpas. Havendo s culpa do comitente, apenas ele ser obrigado a indemnizar, nos termos da responsabilidade por factos ilcitos. Se houver apenas culpa do comissrio, o comitente que houver pago poder exigir dele a restituio de tudo quanto pagou (art. 500, n 3).

182. Pressupostos: I) Vnculo entre comitente e comissrio (liberdade de escolha e relao de subordinao). Para que haja responsabilidade objectiva deste, o primeiro requisito que haja comisso que algum tenha encarregado outrem de qualquer comisso (art. 500, n 1). O termo comisso tem aqui um sentido de servio ou actividade realizada por conta e sob a direco de outrem. A comisso pressupe uma relao de dependncia entre o comitente e o comissrio, que autorize aquele a dar ordens ou instrues a este. A relao de subordinao pode ter carcter permanente ou duradouro, como quando provm de um contrato de prestao continuada ou peridica, ou ser puramente transitria, ocasional, limitada a actos materiais ou jurdicos de curta durao. Alm da relao de subordinao, h autores que referem a liberdade de escolha do comissrio por parte do comitente. Por via de regra, a liberdade de escolha do comissrio anda associada relao de dependncia.No se pode duvidar da existncia da comisso, por funcionar em pleno a relao de subordinao ou dependncia entre o comitente e o comissrio. Mas se concebe a existncia de casos em que seja totalmente suprida a liberdade de escolha, subsista a relao de dependncia, expressa no facto de a comisso dever ser exercida sob as ordens e segundo as instrues do titular do interesse satisfeito.

183. II) Prtica do facto ilcito no exerccio da funo. A responsabilidade do comitente, diz o n 2 do art. 500, s existe se o facto danoso for praticado pelo comissriono exerccio da funo que lhe foi confiada. A lei quis afastar da responsabilidade do comitente os actos que apenas tm um nexo temporal ou local com a comisso. Mas acentuando que a responsabilidade do comitente subsiste, ainda que o comissrio proceda intencionalmente ou contra as instrues dele. Ficaro excludos os actos que no se inserem no esquema do exerccio da funo, mas cabem na frmula da lei os actos ligados funo por um nexo instrumental, desde que compreendidos nos poderes que o comissrio desfruta no exerccio da comisso. Sero da responsabilidade do comitente os actos praticados pelo comissrio com abuso de funes, ou sejam, os actos formalmente compreendidos no mbito da comisso, mas praticados com um fim estranho a ela.

184. III) Responsabilidade do comissrio. A responsabilidade (objectiva) do comitente pressupe a responsabilidade do prprio comissrio.Este requisito tem como resultado que o comitente s responde (objectivamente) quando haja culpa do comissrio. Esta culpa pode ser a simples culpa presuntiva do comissrio, que este no consiga elidir. Havendo culpa efectiva, comprovada, do condutor e encontrando-se este no pleno exerccio da sua funo de comissrio, evidente que tem inteira aplicao o disposto no art. 500. Quando houver responsabilidade objectiva do comitente, h sempre tambm responsabilidade solidria do comissrio, devendo a repartio do montante da indemnizao, nas relaes internas entre comitente e comissrio, operar-se nos termos do art. 497. O comitente poder responder independentemente de culpa do comissrio, se tiver ele procedido com culpa. Nesse caso j no haver responsabilidade objectiva, mas responsabilidade por factos ilcitos, baseada na conduta culposa do comitente.

185. Fundamento da responsabilidade do comitente. Para fundamentar a responsabilidade do comitente falta saber por que razo pode ele ser obrigado a indemnizar, sem ter agido com culpa. Se o comitente se serve de outra pessoa para a realizao de certo acto, colhendo as vantagens dessa utilizao, justo que sofra tambm as consequncias prejudiciais dela resultantes. O comitente goza do direito de regresso contra o comissrio, para se ressarcir de quanto haja pago (art. 500, n 3). A nota mais caracterstica da situao do comitente a sua posio de garante da indemnizao perante o terceiro lesado, e no a onerao do seu patrimnio com um encargo definitivo. Esta posio especial perante terceiros assenta numa dupla considerao: por um lado, quando um indivduo se serve de uma outra pessoa para, sob a sua direco, realizar determina tarefa, como se ele prprio agisse, sendo o comissrio, no domnio restrito da comisso, uma espcie de nncio ou representante do comitente; por outro lado, mais justo que os efeitos da frequente insuficincia econmica do patrimnio do comissrio recaiam sobre o comitente, que o escolheu e o orientou na sua actuao, do que sobre o lesado, que apenas sofreu as consequncias desta.

Responsabilidade do Estado e demais Pessoas Colectivas Pblicas

186. Regime geral. aplicvel ao Estado e s restantes pessoas colectivas pblicas, nos termos do art. 501, quanto aos danos causados pelos seus rgos, agentes ou representantes no exerccio de actividades de gesto privada, o regime fixado para o comitente. O Estado e as demais pessoas colectivas pblicas: a) Respondem perante o terceiro lesado, independentemente de culpa, desde que os seus rgos, agentes ou representantes tenham incorrido em responsabilidade;b) Gozam do direito de regresso contra os autores dos danos, para exigirem o reembolso de tudo quanto tiverem pago, excepto se tambm houver culpa da sua parte.So actos de gesto pblica os que, visando a satisfao de interesses colectivos, realizam fins especficos do Estado ou outro ente pblico. Os actos de gesto privada so, de modo geral, aqueles que, embora praticados pelos rgos, agentes ou representantes do Estado ou de outras pessoas colectivas pblicas, esto sujeitos s mesmas regras que vigorariam para a hiptese de serem praticados por simples particulares. So actos em que o Estado ou a pessoa colectiva pblica intervm como um simples particular, despido do seu poder de soberania ou de do seu ius auctoritatis. A realizao destes actos incumbe, em princpio, aos rgos da pessoa colectiva, os quais podem e necessitam muitas vezes, ser coadjuvados pelos agentes ou representantes da mesma pessoa pblica. Os rgos da pessoa colectiva so as entidades, abstractamente consideradas, de composio singular ou colegial, s quais incumbe, por fora da lei ou dos estatutos, exprimir o pensamento ou traduzir e executar a vontade dessa pessoa. Os rgos que normalmente praticam actos de gesto susceptvel de lesar os interesses de terceiro so os rgos executivos ou externos aqueles que representam a pessoa colectiva nas suas relaes com terceiros; mas pode acontecer que as deliberaes ou resolues dos rgos internos ou deliberativos contenham j ofensas dos direitos ou de interesses de terceiro juridicamente protegidosAs pessoas colectivas pblicas s respondem, independentemente de culpa, quando sobre os autores do facto recaia a obrigao de indemnizar e quando o facto haja sido praticado no exerccio da funo. Carecendo a pessoa colectiva de vontade prpria, por sua especial natureza, no tem cabimento nas relaes entre ela e os seus rgos, a excepo prevista no n 3 do art. 500. Essa excepo s pode verificar-se em relao aos actos praticados pelos agentes ou representantes, pois ento perfeitamente concebvel a existncia de culpa por parte dos rgos que lhe confiaram a incumbncia e que representam a vontade da pessoa colectiva. Sempre que satisfaa a indemnizao, a pessoa colectiva pblica goza do direito de regresso contra o autor do facto, nos termos do n 3 do art. 500.

Danos causados por animais

187. Regime legal. I) Pessoa responsvel. J na subseco relativa responsabilidade por factos ilcitos, a propsito dos casos de presuno de culpa, se faz referncia obrigao de indemnizar certos danos causados por animais (art. 493).O art. 502 refere-se tambm aos danos causados por animais, mas estabelecendo para eles um princpio de responsabilidade objectiva, a cargo do respectivo utente. O art. 493 refere-se s pessoas que assumiram o encargo da vigilncia dos animais, enquanto o disposto no art. 502 aplicvel aos que utilizam os animais no seu prprio interesse. Quem utiliza em seu proveito os animais que, como seres irracionais, so quase sempre uma fonte de perigos, mais ou menos graves, deve suportar as consequncias do risco especial que acarreta a sua utilizao. Este fundamento da responsabilidade atinge o proprietrio ou aqueles que, como usufruturio ou o possuidor, tm um direito real de gozo sobre o animal. Contudo, se o dono o ceder por emprstimo a outrem, tambm o comodatrio o utiliza em seu proveito, sendo justo que responda pelos danos que a utilizao do animal venha a causar. J no responder, entretanto, nos termos do art. 502 a pessoa a quem o dono do animal, tendo que ausentar-se, pediu que o guardasse. Se o animal alugado, a sua utilizao passa a fazer-se tanto no interesse do locado, como no do locatrio, que directamente se serve dele no seu interesse, devendo ambos considerar-se responsveis perante o terceiro lesado.No havendo culpa do vigilante, a obrigao de indemnizar recair apenas, com o fundamento do risco, sobre a pessoa do utente, caso se verifiquem os pressupostos de que depende.O achador do animal perdido tambm no responder objectivamente pelos danos que ele causar, enquanto no se decidir a utiliza-lo como seu.

188. Danos indemnizveis. Nem todos os danos causados pelo animal obrigam o utente a indemnizar. Na responsabilidade deste cabem apenas os danos resultantes do perigo especial que envolve a utilizao do animal. Ficam afastados os casos em que o dano foi causado pelo animal, como poderia ter sido provocado por qualquer outra coisa, sem nenhuma ligao com o perigo prprio ou especfico do animal.

Danos causados por veculos

189. Regime da responsabilidade: A) Pessoas responsveis: No domnio dos acidentes de viao, ou seja, no captulo dos danos causados por veculos de circulao terrestre, vigora o princpio da responsabilidade objectiva, fundada no risco. Importa determinar as pessoas que respondem pelos danos. Em regra, o responsvel o dono do veculo, visto ser ele a pessoa que aproveita as especiais vantagens do meio de transporte e quem correlativamente deve arcar com os riscos prprios da sua utilizao. Todavia, se houver um direito de usufruto sobre a viatura, ou se o dono tiver alugado ou emprestado o veculo, ou se este lhe tiver sido furtado ou for abusivamente utilizado pelo motorista j a responsabilidade (objectiva) do dono no se justifica, luz dos bons princpios. A lei identificou a pessoa do responsvel atravs de duas notas essenciais:a) Direco efectiva do veculo;b) Utilizao deste no prprio interesse.Responde pelos danos que o veculo causar, nos termos do art. 503, quem tiver a direco efectiva dele e o utilizar no seu prprio interesse (ainda que por intermdio do comissrio). Ter a direco efectiva do veculo destina-se a abranger todos aqueles casos em que, com ou sem domnio jurdico, parece justo impor a responsabilidade objectiva a quem usa o veculo ou dele dispe. Trata-se das pessoas a quem especialmente incumbe tomar as providncias adequadas para que o veculo funcione sem causar danos a terceiros. A direco efectiva do veculo o poder real (de facto) sobre o veculo, mas no equivale ideia grosseira de ter o volante nas mos na altura em que o acidente ocorre. Tem a direco efectiva do veculo a pessoa que, de facto, goza ou usufrui as vantagens dele, e a quem, por essa razo, especialmente cabe controlar o seu funcionamento. D-se o nome de detentor a quem tem a direco efectiva sobre o veculo. A utilizao no prprio interesse visa afastar a responsabilidade objectiva daqueles que, como o comissrio, utilizam o veculo, no no seu prprio interesse, mas em proveito ou s ordens de outrem (o comitente). O interesse na utilizao, tanto pode ser um interesse material ou econmico, como um interesse moral ou espiritual. Pode tratar-se de um interesse reprovvel.Responsabilidade do comissrio: Ao lado da responsabilidade (objectiva) do detentor, h que contar ainda com a responsabilidade do condutor, se este conduzir o veculo por conta de outrem. O condutor no responde,