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REMEDIAÇÃO EM ESPAÇOS MUSEOGRÁFICOS 1 A composição midiática da exposição Minas Rupestre do Memorial Minas Gerais Vale Luana Caroline Damião 2 RESUMO O presente artigo pretende explorar a exposição Minas Rupestre, do Memorial Minas Gerais Vale através dos conceitos de Ecologia de Mídias, Remediação e Hipertexto, aplicando-os ao entendimento dos espaços museográficos como mídias. Partindo de um cruzamento bibliográfico e consequente análise e aplicação desses conceitos a sala expositiva, buscamos entender esse espaço como perpassado por processos de remediação em sua constituição comunicativa, com a mescla de acervos, suportes e meios, que visam a transformação da experiência do visitante. PALAVRAS-CHAVE: Remediação. Hipertexto. Ecologia de mídia. Ambiente. Museu. REMEDIATION IN MUSEOGRAFIC SPACES The media composition of Minas Rupestre exhibition of Minas Gerais Vale Memorial ABSTRACT This article aims to explore Minas Rupestre exhibition of Minas Gerais Vale Memorial starting from the concepts of Media Ecology, Remediation and Hypertext, applying them to the understanding of museum spaces as media. Starting from a bibliographic cross and subsequent analysis and application of these concepts in the exhibition room, we seek to understand this space as permeated by remediation processes 1 Trabalho apresentado no GT [Interações, tecnologias e processos comunicativos]. 2 Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Temporalidades pela Universidade Federal de Ouro Preto; [email protected] IX Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Gerais https://ecomig2016.wordpress.com/ | [email protected]

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REMEDIAÇÃO EM ESPAÇOS MUSEOGRÁFICOS1

A composição midiática da exposição Minas Rupestre do Memorial Minas Gerais Vale

Luana Caroline Damião2

RESUMO

O presente artigo pretende explorar a exposição Minas Rupestre, do Memorial Minas Gerais Vale através dos conceitos de Ecologia de Mídias, Remediação e Hipertexto, aplicando-os ao entendimento dos espaços museográficos como mídias. Partindo de um cruzamento bibliográfico e consequente análise e aplicação desses conceitos a sala expositiva, buscamos entender esse espaço como perpassado por processos de remediação em sua constituição comunicativa, com a mescla de acervos, suportes e meios, que visam a transformação da experiência do visitante.

PALAVRAS-CHAVE: Remediação. Hipertexto. Ecologia de mídia. Ambiente. Museu.

REMEDIATION IN MUSEOGRAFIC SPACESThe media composition of Minas Rupestre exhibition of Minas Gerais Vale Memorial

ABSTRACT

This article aims to explore Minas Rupestre exhibition of Minas Gerais Vale Memorial starting from the concepts of Media Ecology, Remediation and Hypertext, applying them to the understanding of museum spaces as media. Starting from a bibliographic cross and subsequent analysis and application of these concepts in the exhibition room, we seek to understand this space as permeated by remediation processes in its communicative constitution, with the mix of collections, supports and media, aiming to transform the visitor's experience.

KEYWORDS: Remediation. Hypertext. Media ecology. Environment. Museum.

INTRODUÇÃO

Partindo da perspectiva apresentada por Carlos A. Scolari (2012; 2015) sobre o

conceito de Ecologia de Mídia e seu entendimento de ambientes midiáticos, onde as

relações de múltiplas facetas dos meios ocorre, podemos compreender os espaços físicos

como integrantes desse movimento. Nesse contexto, é possível fazer o enquadramento de

1 Trabalho apresentado no GT [Interações, tecnologias e processos comunicativos].2 Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Temporalidades pela Universidade Federal de Ouro Preto; [email protected]

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museus como lugares de comunicação e informação, localizados dentro desta ecologia,

onde seus meios passam por processos de reconfiguração.

Desde o início dos anos dois mil, os museus brasileiros procuram englobar formas

de comunicação diversas, na busca pela utilização de meios transportados da cotidianidade

dos visitantes para as salas de exibições, almejando a identificação e atualização dos

espaços. Além disso, apontam para a identificação do público, para que este ainda se sinta

incentivado a visitar uma instituição museológica, ou seja, os museus procuram uma

reconfiguração comunicacional, que traga experiências diversas aos espectadores, de forma

que eles não consigam encontrar esses aspectos em outros locais, influenciando sua escolha

pela visita (Meneses, 2007).

Dentro desse cenário, aparece o conceito de Remediação, trabalhado por Jay David

Bolter e Richard Grusin (1999), ao entenderem que os meios não seriam estáticos diante do

espaço-tempo, mas se moldam de acordo com a necessidade dos indivíduos, respondendo a

preceitos de origem social, cultural, política e econômica. Assim, os meios se transformam

inserindo aspectos de outros a sua concepção ‘original’, remediando as mídias e

sobrevivendo ao serem utilizadas de formas mais diversas do que antes da existência desse

processo.

Essa lógica encontra também Derrick de Kerckhove (2003), ao trabalhar com a

hipertextualidade em três momentos distintos, onde na fase eletrônica (a que vivemos na

contemporaneidade) esse encontro sensorial e multifacetado seria realizado.

Nesse contexto, compreendemos que a ecologia de mídia e a mente hipertextual do

público trazem demandas quanto a formatação das exibições em instituições museológicas,

que veem sendo transformadas desde o início do século XXI no Brasil, com a ampliação do

acesso às tecnologias digitais e sua inserção cada vez mais incisiva na rotina dos

indivíduos. Assim, partindo desse cenário, temos como objetivo apontar as possibilidades

de expansão da experiência nos museus trazidas pela remediação dos espaços expositivos.

Para tanto procuramos demonstrar os pontos de convergência entre os conceitos de ecologia

de mídia, remediação e hipertextualidade, para em um segundo momento aplicá-los a

análise da exposição Minas Rupestre do Memorial Minas Gerais Vale, apontando para a

interface entre a ampliação das mídias nesse espaço e o processo de reconfiguração das

experiências envolvidas ao se frequentar um museu.

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SOBRE A RELAÇÃO DOS MEIOS

Diversos elementos e cenários afetam constantemente os meios de comunicação e

transformam tanto sua estrutura quanto conteúdo, além da forma como a composição destes

aspectos é trabalhada e disposta para o público. Essas questões são perpassadas nas

discussões sobre ecologia de mídia, remediação e hipertexto, de forma a considerar,

principalmente, como as relações técnicas e de modificações dos meios aparece pautada em

necessidades e respostas sociais, culturais, econômicas e políticas de maneira inseparável.

Assim, torna-se impossível pensar em ambientes técnicos afastados da ação humana, uma

vez que estão conectados desde o cerne de concepção de ambos.

A perspectiva de espaço-tempo se transforma com as criações tecnológicas, o

ambiente todo é alterado a partir delas. Scolari (2012) aponta para o entendimento das

mídias e dos indivíduos em relação constante e cíclica, de auto sustentação e permanência,

onde nada desaparece e meios convivem em um mesmo ambiente.

Entretanto, não podemos interpretar essa ampliação dos suportes como algo passivo

e sem grandes repercussões. Scolari (2012) aborda Neil Postman, que trabalha com este

conceito a partir de uma perspectiva de Marshall McLuhan para ilustrar melhor estas

convivências e implantações de novas mídias. Para Postman (1998 apud SCOLARI, 2012),

a partir da criação da prensa na Europa, não seria possível dividir a história entre uma era

antes da prensa e de um novo período do continente com a simples adição desse meio. O

que existiria a partir dessa invenção seria uma Europa diferente, já que “Um novo meio não

adiciona alguma coisa; ele muda tudo”. (POSTMAN, 1998 apud SCOLARI, 2012, p. 205,

tradução nossa).3

Nesse contexto, as teorias da comunicação se encontrariam inseridas em campo

discursivo caracterizado pela heterogeneidade, constituídas de redes de comunicação que se

associam e formam falas/performances singulares. Assim, podemos perceber a ecologia de

mídias como (...) uma teorização expandida que abarca, (...) quase todos os aspectos dos processos de comunicação, desde as relações entre os meios e a economia, até as transformações perceptivas e cognitivas que sofrem os sujeitos a partir de sua

3 “A new medium does not add something; it changes everything.” (POSTMAN, 1998 apud SCOLARI, 2012, p. 205)

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exposição as tecnologias de comunicação. (SCOLARI, 2015, p. 17, tradução nossa).4

As origens da metáfora da ecologia de mídia vem da biologia, que na década 1950

voltou seus olhares para relações maiores que as moleculares, na busca por compreender o

todo que envolvia o ambiente celular. No mesmo sentido, na década de 1960 e 1970, a

perspectiva comunicacional linear, onde um emissor transmite informações à um receptor

passivo, já não se fazia mais suficiente. Aparece em voga uma procura por entender o

entorno dos dois polos e se questionar quanto a linearidade dessa relação, assim, aspectos

sobre a composição entre as mídias, indivíduos e sociedade, com suas nuances político-

culturais desponta numa perspectiva de mutualidade. Neste ponto, a metáfora aparece com

sentido autoexplicativo para este ambiente de interações midiático-humanas.

Dentro desses parâmetros, Scolari (2012) entende a ecologia de mídias possível a

partir de duas perspectivas. A primeira dessas interpretações seria o entendimento das

mídias como ambientes onde as tecnologias “(...) criam ambientes que afetam as pessoas

que os usam”. (SCOLARI, 2012, p. 207, tradução nossa)5, assim, os meios teriam a

capacidade de envolver as pessoas e influenciar as formas como elas se portam e percebem

o seu redor. O segundo aspecto aborda as mídias como espécies, onde elas seriam membros

paralelos a outros de atuação social, no desenvolvimento das tecnologias, entendido aqui

como uma intermídia, onde vários tipos de mídias se relacionam no mesmo ecossistema,

modificando-se mutuamente. O entendimento e mescla dessas duas perspectivas só é

possível para Scolari (2012) se considerarmos a ecologia de mídia como “(...) um ambiente

que inclui diferentes mídias e tecnologias.” (SCOLARI, 2012, p. 209, tradução nossa).6

Nesse ponto, encontramos o conceito de remediação e seus desdobramentos

trabalhados por Bolter e Grusin (1999). Para Scolari (2012) os autores falharam em sua

conceituação ao não se aprofundarem nas hibridizações dos meios que viriam justamente da

ecologia de mídias. A análise de Bolter e Grusin (1999) cerca o conceito de remediação e

sua dupla lógica, a de imediação e hipermediação, assim entendem os meios como

4 (...) una teorización expandida que abarca, (...) casi todos los aspectos de los procesos de comunicación, desde las relaciones entre los medios y la economía hasta las transformaciones perceptivas y cognitivas que sufren los sujetos a partir de su exposición a las tecnologías de la comunicación. (SCOLARI, 2015, p. 17)5 “(...) create environments that affect the people who use them” (SCOLARI, 2012, p. 207)6 “(...) an environment that includes different media and technologies” (SCOLARI, 2012, p. 209)

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híbridos, mas focando majoritariamente na questão estrutural das tecnologias, onde

entendemos se enquadrar a observação de Scolari (2012).

Na atualidade, nossa cultura busca por meios de comunicação que se espelhem cada

vez mais em nossos cotidianos e, ao mesmo tempo, percebemos uma tentativa de eliminar

os rastros dessa mediação, ou seja, a intenção é a multiplicação e transparência das mídias.

Esses objetivos são os abordados na lógica da remediação por Bolter e Grusin (1999)

através de duas perspectivas base.

A primeira delas seria a imediação, para entender essa lógica os autores apontam

para a realidade virtual, onde o objetivo seria a total imersão do público, sem detecção dos

meios, que ‘desapareceriam’ justamente por envolverem o indivíduo de forma total. Um

exemplo disso seriam narrativas virtuais, onde a interface se obscurece diante das ações do

indivíduo. Podemos perceber isso nos jogos em primeira pessoa, seguindo o estilo de

Doom, por exemplo, além de inserção no cinema com os filmes de terror found footage7

como Bruxa de Blair (Eduardo Sánchez; Daniel Myrick, 1999) e Amizade Desfeita (Levan

Gabriadze, 2014), que seriam produzidos como se os olhos do público fossem a câmera do

filme, o incluindo na narrativa.

A imediação, entretanto, não faria com que as pessoas se esquecessem

completamente dos meios, mas percebessem a realidade retratada de forma diferente da

tradicional, já que estaria pautada no objetivo de desaparecimento do meio, mesmo estando

imersos nele. Assim, o "Espaço gráfico deve ser continuo e cheio de objetos e deve

preencher o campo de visão do observador, sem rupturas." (BOLTER; GRUSIN, 1999, p.

22, tradução nossa).8

Nessa perspectiva conseguimos encontrar exemplos além dos de imersão

computacional ou cinematográfica. Alguns jogos em real life trazem esse aspecto, como o

Escape Room SP, que foi influenciado por jogos virtuais e disponibiliza salas em uma

edificação onde um grupo de jogadores é trancafiada com o objetivo de escapar a partir da

7 Segundo Ana Maria Acker (2015), os filmes foud footage são “(...) (filmes de gravações encontradas ou perdidas, dependendo da tradução). Essas obras são realizadas em parte ou totalmente a partir de falsos registros amadores de situações estranhas ou extraordinárias (...). Tais filmes, muitas vezes, simulam ser documentários e geralmente têm a premissa de que as pessoas que captaram as imagens estão mortas ou desaparecidas”. (ACKER, 2015, p. 1). Disponível em: <https://lumina.ufjf.emnuvens.com.br/lumina/article/view/405/380>. Acesso em 25 ago. 2016. 8 “Graphic space should be continuous and full of objects and should fill the viewer's field of vision without rupture.” (BOLTER; GRUSIN, 1999, p. 22)

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resolução de enigmas. O espaço físico é real e os objetivos são traçados pela empresa,

entretanto a intenção seria a completa imersão dos jogadores nos sessenta minutos de jogo9.

Além deste exemplo, podemos também apontar para algumas salas de museus, onde

a partir de cenografia, recursos audiovisuais e artefatos, buscam a criação de ambientes

para retratar determinadas temáticas de forma imersiva, abordando as informações que se

almeja passar ao público numa perspectiva sensorial. Observamos esse aspecto na sala que

buscamos abordar nesse trabalho, Minas Rupestre, do Memorial Minas Gerais Vale, além

de outros locais como a exposição de curta-duração Stanley Kubrick do Museu da Imagem

e do Som de São Paulo, e a Galeria Cosmococa de Hélio Oiticica no Instituto Inhotim em

Minas Gerais.

Enquanto isso, a lógica da hipermediação, para os autores, se faz mais evidente na

World Wide Web, pela multiplicidade de janelas e meios que uma mesma página pode

conter, mas também pode ser observada em outros locais, como em meios físicos, que

seriam o caso das exposições em museus novamente, por exemplo. Ao contrário da

imediação, aqui a intenção não é tornar o meio transparente, mas perpassado por múltiplos

meios simultaneamente em determinado espaço, que não necessariamente possuem uma

conexão ou linearidade, mas transformam as experiências com aspectos mais interativos.

Na hipermediação, a performance que o meio terá ao seu final importa mais que sua

transparência, assim os produtores dessas mídias deixam claro para os usuários os

processos que fazem essa interatividade possível e almejam que os indivíduos se sintam

confortáveis com isso, ou seja, faz dos espectadores conscientes dos meios e das mídias.

(BOLTER; GRUSIN, 1999, p. 39).

Essas duas lógicas completam o quadro da remediação, que seria a representação de

uma mídia em outra (s). Por exemplo, um computador possibilitar que se faça downloads

de fotos e filmes que não necessariamente dependem deste aparelho para sobreviver. Ao

possibilitar o acesso a esses arquivos ele não estaria excluindo ou modificando as mídias

anteriores, mas incluindo-as na dele.

A mesma coisa pode ser observada na concepção expositiva em museus, com o

trabalho de mescla de mídias em um mesmo ambiente para se abordar uma temática,

transformando a exposição como um meio diferente do que era antes dessas intervenções.

9 ESCAPE ROOM SP. Release da Escape Room SP. Disponível em: <http://escaperoomsp.com/>. Acesso em 23 ago. 2016.

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Essas construções atingiriam os objetivos da cultura contemporânea, explicitados nas

lógicas de imediação e hipermedição, que seriam justamente de multiplicar e obscurecer as

mídias nas nossas relações sociais.

Caminhando nesse mesmo sentido, Kerkhove (2003) trabalha com o conceito de

hipertexto, que é abordado tanto por Scolari (2012, 2015) na ecologia de mídia através da

ideia de interface, quanto por Bolter e Grusin (1999) com mescla de técnicas e meios

trazidas na remediação.

Para Kerkhove (2003) a linguagem humana se divide em três estágios. O primeiro

seria o da oralidade, onde a linguagem se faz extremamente corporal, baseada em memórias

e cânones físicos, como monumentos, que contribuem para a passagem de significados

abusando dos aspectos sensoriais do corpo diante do coletivo. O sentido da escrita

apresenta formas de guardar as linguagens e compreende-las por seu contexto através desse

instrumento de registro, além de tirar a responsabilidade de guarda dos sentidos da memória

e transferi-la para um objeto. Enquanto isso, o sentido da eletricidade trabalha com a ideia

de digital, onde os contextos podem ser diversos e elaborados a partir de suportes sensoriais

que ampliam e modificam a experiência que era observada nos dois tópicos anteriores, com

o entrecruzamento dos três.

Na perspectiva eletrônica, o hipertexto surge no sentido de amplificação das

possibilidades de meios e significados gerados por eles, uma vez que

A mente do hipertexto é dominada por ícones, logotipos, links. Sua principal interface é a tela. O hipertexto não implica simplesmente ‘um texto que está ligado a outros textos’, ele realmente circunda todo o mundo da comunicação eletrônica em um processo de armazenamento permanente de informação. Ao mesmo tempo, o hipertexto introduz as mentes dos usuários às telas, interconectando-os e os acelerando em redes. (KERCKHOVE, 2003, p. 7).

O autor exemplifica aqui uma análise mais voltada para as redes da World Wide

Web, mas ao abordar as interfaces como o elo de ligação entre o espectador e os meios,

vemos o hipertexto conectado com a ecologia de mídia, além do conceito de remediação,

trazido pela mescla de sentidos geradas pelas mídias e a interatividade proposta pela

imediação na busca por transparência.

Esses aspectos trabalhados por Scolari, (2012, 2015), Bolter e Grusin (1999) e

Kerckhove (2002) exemplificam o trabalho dos museus no século XXI, com a entrada das

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tecnologias digitais para a gama de acervo e suporte das instituições. O objetivo seria o de

cobrir o olhar do espectador com a obra, assim as exposições se tornam imersivas, através

da multiplicidade dos meios, além de trabalhar com símbolos e despertar percepções

sensoriais diversas no público em um mesmo ambiente. Partindo desses pressupostos,

voltamos nossos olhares para a exposição Minas Rupestre, do Memorial Minas Gerais

Vale.

IMERSÃO ESPACIAL: O MUSEU COMO MEIO

O Memorial Minas Gerais Vale está localizado na Praça da Liberdade na cidade de

Belo Horizonte em Minas Gerais e foi inaugurado no ano de 2010. O prédio em que foi

instalada a instituição data de 1897, tendo funcionado como sede da Secretaria do Estado

da Fazenda de Minas Gerais. Como a edificação não foi construída com o objetivo de

abrigar um museu, algumas alterações tiveram que ser feitas para adaptação dos espaços,

então além de buscar apontar características originais do local e sua importância histórica

para a cidade, adaptações cenográficas ocorreram para ambientar determinadas salas, com o

objetivo de fazer com que o público experimentasse os locais de forma sensitiva.10

O Memorial é dividido em três pavimentos e cada um deles aborda determinados

aspectos da história de constituição do Estado de Minas Gerais, no sentido de homenagem e

buscando identificação dos visitantes. Especificamente no segundo pavimento, o objetivo é

tratar de heranças históricas que constituem a região, em diversas épocas.

A sala Minas Rupestre tem a intenção de apontar para doze mil anos atrás,

remontando “(...) um ambiente de uma caverna com registros rupestres. A proposta é levar

o visitante a uma viagem pelos sítios arqueológicos do Estado”.11 Minas Gerais possui uma

grande gama de reservas arqueológicas e até mesmo o esqueleto de Luzia, considerado o

mais antigo da América, foi encontrada no estado, ou seja, enaltecer esses aspectos se torna

algo de interesse ao Memorial por, mais uma vez, reafirmar a posição do estado diante do

país e continente.

10 MEMORIAL Minas Gerais Vale. Sobre o memorial. Disponível em: <http://www.memorialvale.com.br/sobre-memorial/apresentacao-sobre-memorial/>. Acesso em 25 ago. 2016. 11 MEMORIAL Minas Gerais Vale. Sala Minas Rupestre. Disponível em: <http://www.memorialvale.com.br/ambientes/minas-rupestre/>. Acesso em 25 ago. 2016.

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Para tratar desse período muito distante da atualidade e coberto de mistificações, a

instituição optou por - através de cenografia, recursos sonoros, audiovisuais, acervos e

obras interativas que se ativam com a movimentação do público - tentar transpor o visitante

para um ambiente de caverna.

Os circuitos das exposições do Memorial são, em sua maioria, livres, não

delimitando a trajetória que o público deve fazer de forma rígida, entretanto, na sala Minas

Rupestre, mesmo com a autonomia de ir e voltar no local, a entrada e saída do espaço é

bem demarcada, justamente por trabalhar com transposição ambiente. Aqui a intenção seria

a de apagar os vestígios de influência visual do exterior da sala (Imagem 1), através da

baixa incidência de luz e da proteção do espaço por cortinas, assim o olhar do visitante

seria completamente preenchido pela sala em si, sem influências externas, encontrando a

imediação de Bolter e Grusin (1999).

Imagem 1 – Visão Geral da Exposição Minas Rupestre

Fonte: Revista Ecológico, 2014

Além disso, a mescla de muitas mídias também é característica desse espaço, como

apontamos acima, transformando o ato final de performance da sala como algo interativo,

caracterizando-se como a hipermediação de Bolter e Grusin (1999). Além de encontrar a

ecologia de mídias, na exposição especificamente falando, e na própria relação do museu

como meio com outros espaços e mídias.

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Através da cenografia e ambientação audiovisual, principalmente, a remediação

pode ser observada em todo o circuito de Minas Rupestre. Ao entendermos a sala como

mídia, os vários outros meios que são sobrepostos nesse espaço trabalham para criar o

ambiente da exposição e atingir seu objetivo de comunicação. Assim, na exibição, a

estrutura foi retrabalhada a partir da implantação de novos/diferentes suportes dos vistos em

salas tradicionais de museus (acervos e iluminação, basicamente), para uma gama muito

mais ampla de meios, que trabalhados em conjunto levam a uma remediação da exposição

enquanto mídia.

Ao mesmo tempo, a hipertextualidade de Kerckove (2003) aparece até mesmo na

divisão de sua análise de eras, entre oralidade, escrita e eletricidade, uma vez que esses três

aspectos são levados em consideração na sala, por sua temática. Mas, além dessa

coincidência, a tecnologia e sua gama de objetos aponta para um trabalho sobre o contexto

a partir de suportes sensoriais, que visam a ampliação da experiência, justamente o que

encontramos na exposição.

Minas Rupestre trabalha com a cenografia das paredes de uma caverna, com escritas

e pinturas imitando a arte rupestre; a temperatura ambiente é baixa, como se o público

realmente tivesse adentrado uma sala cavada na terra; existe a mescla com acervos, como a

réplica do esqueleto de Luzia, além de representação da pré-história com o aspecto de

museus escolares de história natural (com a recriação de espaços em vitrines) e textos

informativos (Imagem 2); a ambientação sonora também se faz presente, com leve som

ambiente; além disso, a baixa iluminação em união com os recursos audiovisuais, buscam

transparecer o estilo visual daquele período, ao mesmo tempo que as pinturas rupestres

projetadas e identificadas nas paredes se alteram com o movimento dos corpos dos

visitantes, assim, dependendo do posicionamento que o público assume dentro do espaço, é

possível alterar a localização e a forma das artes, colocando o espectador como primeira

pessoa na visita, que tem capacidade de controlar parte do local. (Imagem 3).

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Imagem 2 - Detalhe de vitrine.

Fonte: Fotografia da autora.

Imagem 3 - Detalhe do acervo audiovisual com influência de movimentação do público.

Fonte: Super Uber, 2013.

Todos esses aspectos de constituição trabalham conjuntamente para realizar a

composição deste espaço enquanto exposição. A partir da tendência trazida desde o início

do século XXI nas instituições museológicas, que versam sobre a transformação destes

locais segundo uma perspectiva de experiências dos visitantes, a existência de mescla de

acervos, mídias e suportes, imersão nos ambientes, além da possibilidade de interatividade

se tornam aspectos essenciais de fruição. E, essa interpretação das performances tidas IX Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Gerais

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nesses espaços, trazem outras formas com as quais os museus podem tratar as informações,

para atingir seu objetivo como meio comunicador e de formação crítica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Percebemos com esses apontamentos que o cruzamento dos conceitos de ecologia

de mídia, remediação e hipertexto se fazem presentes nos ambientes digitais e virtuais, mas

também são condizentes com discussões referentes a ambientes e espaços físicos, como na

exposição Minas Rupestre. A sala se apresenta como meio que atua com a incorporação e

reutilização de diversos elementos midiáticos, assim como apontado por Bolter e Grusin

(1999), dando um novo formato para as tradicionais exposições e colocando-as no âmbito

da ecologia de mídia, como um meio no sentido de ambiente, que influência a forma como

as pessoas se relacionam com aquele espaço e as informações ali veiculadas. Além disso, a

hipertextualidade se faz presente ao pensarmos na experiência vivenciada nesse

entrecruzamento e multiplicidade de meios, como forma de ampliação sensorial.

Nesse sentido, faz-se importante associar esses conceitos trazidos da comunicação e

aplicá-los aos estudos dos espaços e museus, com possibilidades geradas pelo diálogo com

a museologia. Isso porque, além das áreas dialogarem justamente na concepção das

exposições - o ato comunicativo das instituições - ao associarmos esses conceitos à área dos

museus, ampliamos o debate sobre a forma como as informações podem ser vinculadas

nesses espaços, almejando formas mais eficientes e experimentais de diálogo com o

público.

REFERÊNCIAS

BOLTER, J. David; GRUSIN, Richard. Remediation: Understanding new media. MIT Press, 1999.

ECOLÓGICO, Revista. As Muitas Minas no Museu VIII: Minas Rupestre. Disponível em: <http://www.revistaecologico.com.br/materia.php?id=83&secao=1375&mat=1528>Acesso em: 06 nov. 2016.

KERCKHOVE, Derrick. Texto, contexto e hipertexto: três condições da linguagem, três condições da mente. Famecos, n. 22, dezembro, 2003.

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MENESES, Ulpiano T. B. Os Museus na Era Virtual. IN: IN: BITTENCOURT, José Neves; BENCHETRIT, Sarah Fassa; GRANATO, Marcus. Museus, Ciência e Tecnologia. Livro do Seminário Internacional. Museu Histórico Nacional: Rio de Janeiro, 2007. p. 49-70.

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