desenvolvimento intelectual da criança

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Desenvolvimento intelectual da criança: um processo temporal Segundo Piaget, o desenvolvimento cognitivo da criança é um processo temporal, cujos pontos essenciais da pesquisa do autor foram: o papel necessário do tempo no círculo vital e o estudo da existência da possibilidade desse acelerar ou frear o desenvolvimento intelectual da criança. Ao pesquisar o desenvolvimento intelectual, levando-se em conta o tempo, Piaget preocupou-se em limitar-se seus estudos no que se refere ao desenvolvimento psicológico, em detrimento ao desenvolvimento escolar ou familiar. Dessa forma, segundo Piaget, dois aspectos podem ser distintos do desenvolvimento intelectual da criança: a) Aspectos psico-social: a criança recebe informações das inter-relações com o mundo exterior; b) Desenvolvimento da inteligência: a criança aprende por conta própria, isto é, o que ela deve aprender sozinha e é essencialmente isso que leva mais tempo. Com relação aos aspectos psico-sociais, pode-se dizer que eles estão intimamente ligados ou subordinados aos desenvolvimentos da inteligência, o qual, por sua vez, relaciona-se com o ciclo temporal. Dessa constatação da íntima relação dos aspectos, Piaget destaca dois pontos fundamentais relativos ao tempo: a) Duração: para a formação dos instrumentos lógicos para o raciocínio é necessária uma maturação das estruturas cognitivas; b) Sucessão: a criação dos novos instrumentos depende dos instrumentos preliminares já existentes. Novamente, dessa constatação, Piaget formula a teoria dos estágios de desenvolvimento, o que se faz por quatro graduações sucessivas. O primeiro estágio, chamado de sensório-motor, é uma etapa que precede a linguagem e que ocorre antes dos 18 meses. De acordo com Piaget, "[...] existe uma inteligência antes da linguagem, mas não existe pensamento [...] A inteligência é a solução de um

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Desenvolvimento intelectual da criança: um processo temporal

Segundo Piaget, o desenvolvimento cognitivo da criança é um processo temporal, cujos pontos essenciais da pesquisa do autor foram: o papel necessário do tempo no círculo vital e o estudo da existência da possibilidade desse acelerar ou frear o desenvolvimento intelectual da criança.

Ao pesquisar o desenvolvimento intelectual, levando-se em conta o tempo, Piaget preocupou-se em limitar-se seus estudos no que se refere ao desenvolvimento psicológico, em detrimento ao desenvolvimento escolar ou familiar. Dessa forma, segundo Piaget, dois aspectos podem ser distintos do desenvolvimento intelectual da criança:

a) Aspectos psico-social: a criança recebe informações das inter-relações com o mundo exterior;

b) Desenvolvimento da inteligência: a criança aprende por conta própria, isto é, o que ela deve aprender sozinha e é essencialmente isso que leva mais tempo.

Com relação aos aspectos psico-sociais, pode-se dizer que eles estão intimamente ligados ou subordinados aos desenvolvimentos da inteligência, o qual, por sua vez, relaciona-se com o ciclo temporal. Dessa constatação da íntima relação dos aspectos, Piaget destaca dois pontos fundamentais relativos ao tempo:

a) Duração: para a formação dos instrumentos lógicos para o raciocínio é necessária uma maturação das estruturas cognitivas;

b) Sucessão: a criação dos novos instrumentos depende dos instrumentos preliminares já existentes.

Novamente, dessa constatação, Piaget formula a teoria dos estágios de desenvolvimento, o que se faz por quatro graduações sucessivas.

O primeiro estágio, chamado de sensório-motor, é uma etapa que precede a linguagem e que ocorre antes dos 18 meses. De acordo com Piaget,

"[...] existe uma inteligência antes da linguagem, mas não existe pensamento [...] A inteligência é a solução de um problema novo par ao indivíduo [...], enquanto pensamento, é a inteligência interiorizada e se apoiando não mais sobre a ação direta, mas sobre um simbolismo, sobre a evocação simbólica pela linguagem, pelas imagens mentais". (Piaget, p. 15/16, 1972)

O período sensório-motor leva tanto tempo para se desenvolver, isto é, a aquisição da linguagem é tão tardia, pois necessita de um sistema de ações interiorizadas, isto é, um sistema de operações, que é executado não mais materialmente, mas interior e simbolicamente. Para que isso ocorra é necessário que exista um sistema de ações afetivas e materiais, para em seguida ser capaz de construí-las em pensamento. De acordo com Piaget,

"É por isso que existe um período sensório-motor tão longo antes da linguagem; é por isso que a linguagem é tão tardia, com relação ao desenvolvimento. É necessário um amplo exercício da ação pura para construir as subestruturas do pensamento ulterior". (Piaget, p. 17, 1972)

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Das noções elaboradas pela ação material no nível sensório-motor e que o pensamento se servirá ulteriormente, pode-se destacar: a noção do objeto, do espaço, do tempo e de causalidade. Segundo Piaget, é o período da infância em que as aquisições são mais numerosas e rápidas. Em outras palavras, o desenvolvimento é singularmente acelerado durante o primeiro ano de vida da criança.

O segundo período, chamado pré-operatório - que vai até aproximadamente os sete anos - aparece na criança a capacidade de representar alguma coisa por meio de outra, a qual foi chamada por Piaget de "função simbólica". Nesse nível aparece um conjunto de símbolos que torna possível o pensamento, o qual segundo Piaget é um sistema de ações interiorizadas, que por sua vez não é apenas uma tradução, mas uma nova estruturação e que leva um tempo considerável para se desenvolver. De acordo com Piaget,

"O desenvolvimento não é linear: é necessária uma reconstrução [...] o que foi adquirido no nível sensório-motor não pode ser continuado se mais, mas deve ser re-elaborado no nível da representação, antes de atingir essas operações e conservações". (Piaget, p. 23, 1972)

No terceiro nível, chamado operatório concreto - que inicia aos sete anos em média e que vai até os doze anos - ocorre uma modificação fundamental no desenvolvimento, pois, segundo Piaget, a criança se torna capaz de coordenar ações no sentido da reversibilidade, isto é, capaz de agir com uma certa lógica. Nesse período a lógica não se aplica sobre enunciados verbais, mas sobre os objetos; pela primeira vez a criança é capaz de operar.

No quarto período, chamado operatório concreto, a criança se torna capaz de raciocinar e de deduzir sobre hipóteses e preposições, e não somente sobre objetos manipuláveis - Piaget chamou de lógica das proposições.

Com relação aos estudos sobre a possibilidade de acelerar ou frear o desenvolvimento intelectual da criança Piaget constatou que este é, antes de qualquer outra coisa, uma questão de equilíbrio e é possível acelerá-lo. Entretanto, corre-se o risco de romper o equilíbrio se o desenvolvimento for acelerado além de certos limites. Segundo Piaget,

"O ideal da educação, não é aprender ao máximo, [...], mas é antes de tudo aprender a aprender; é aprender a se desenvolver e aprender a continuar a se desenvolver depois da escola". (Piaget, p. 32, 1972)

O período da inteligência sensorial-motora

O estádio da inteligência sensorial motora decorre desde o nascimento até cerca de dois anos. Compõe-se de seis estágios ou sub estágios, como se descreve nas próximas secções.

Exercícios reflexos (de zero até um mês)

O reflexo é uma estrutura hereditária que se consolida e organiza através do seu próprio funcionamento; é um sistema de movimentos fechado - um esquema (v. g., reflexo de Moro, de sucção, de preensão, etc.). No exercício reflexo encontram-se já esboçadas as grandes funções de assimilação, acomodação, e organização que determinam a formação das estruturas intelectuais ulteriores (Piaget, 1986). Existe já uma certa acomodação: a criança

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tenteia antes de conseguir apreender o seio materno com correção. A acomodação confunde-se, porém, com a assimilação, que se manifesta na necessidade de repetição (v. g., sugar o que quer que seja). A assimilação é, pois, o mecanismo predominante. Note-se que as explicações dadas a propósito do ato reflexo resumem já os princípios básicos da teoria piagetiana. A atividade reflexa da criança tem tendência para se reproduzir (assimilação reprodutiva), para incorporar sempre mais outros objetos estímulos (assimilação generalizadora) e para discriminar o objeto adequado (assimilação re cognitiva). Uma quarta forma de assimilação, já antes referida, consiste na assimilação mútua de esquemas, que constitui a já referida função de organização. Recorrendo a um termo introduzido por Baldwin, Piaget designa esta tendência para reproduzir repetidamente uma atividade como reação circular. A atividade reflexa é desencadeada e prolonga-se através seu próprio exercício. A assimilação expressa nos atos reflexos assume a transição do biológico para o psicológico, constituindo mesmo o fato primordial da psicologia do indivíduo. A assimilação revela-se como mecanismo de ligação que permite explicar como é que um novo esquema resulta duma diferenciação e duma complicação de esquemas anteriores. Esta assimilação anuncia já o processo mental do juízo (afirmação ou negação, v.g., "o cão é um animal"), que implica assimilação do universo aos quadros próprios da inteligência. Do ponto de vista da criança, segundo Piaget, existem apenas estados de consciência da fome e da satisfação. A criança ainda se não identifica como sujeito.

Primeiros hábitos, reações circulares primárias e esquemas primários, primeiras percepções organizadas (de um até quatro meses e meio)

O estádio dos primeiros hábitos decorre entre um mês e quatro meses e meio. As adaptações hereditárias enriquecem-se agora com hábitos, que são adaptações adquiridas com base na aprendizagem. Então, a acomodação dissocia-se da assimilação. Os primeiros hábitos formam-se a partir dos esquemas reflexos (sucção, preensão, visão, audição, etc.), através do mecanismo da reação circular.

Sensório-motor

Neste estágio, a partir de reflexos neurológicos básicos, o bebê começa a construir esquemas de ação para assimilar mentalmente o meio (Lopes, 1996). Também é marcados pela construção prática das noções de objeto, espaço, causalidade e tempo (Macedo, 1991). Segundo Lopes, as noções de espaço e tempo são construídas pela ação, configurando assim, uma inteligência essencialmente prática.

Conforme Macedo (1991, p. 124), é assim que os esquemas vão "pouco a pouco, diferenciando-se e integrando-se, no mesmo tempo em que o sujeito vai se separando dos objetos podendo, por isso mesmo, interagir com eles de forma mais complexa". Nitzke et al. (1997b) diz-se que o contato com o meio é direto e imediato, sem representação ou pensamento. Como por exemplo, o bebê pega o que está em sua mão; "mama" o que é posto em sua boca; "vê" o que está diante de si. Aprimorando esses esquemas, é capaz de ver um objeto, pegá-lo e levá-lo a boca.

Pré-operatório

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É nesta fase que surge, na criança, a capacidade de substituir um objeto ou acontecimento por uma representação (Piaget e Inhelder, 1982), e esta substituição é possível, conforme Piaget, graças à função simbólica. Assim este estágio é também muito conhecido como o estágio da Inteligência Simbólica.

Contudo, Macedo (1991) lembra que a atividade sensório-motor não está esquecida ou abandonada, mas refinada e mais sofisticada, pois se verifica que ocorre uma crescente melhoria na sua aprendizagem, permitindo que a mesma explore melhor o ambiente, fazendo uso de mais e mais sofisticados movimentos e percepções intuitivas.

A criança desse estágio:

a) É egocêntrica, centrada em si mesma, e não consegue se colocar, abstratamente, no lugar do outro.

b) Não aceita a idéia do acaso e tudo deve ter uma explicação (é fase dos "por quês").

c) Já pode agir por simulação, "como se".

e) Possui percepção global sem discriminar detalhes.

f) Deixa se levar pela aparência sem relacionar fatos.

Para exemplificar esse estágio, poder-se-ia mostrar para a criança duas bolinhas de massa iguais e dá-se a uma delas a forma de salsicha. A criança nega que a quantidade de massa continue igual, pois as formas são diferentes. Não relaciona as situações.

Operatório-concreto

Conforme Nitzke et al. (1997b), nesse estágio a criança desenvolve noções de tempo, espaço, velocidade, ordem, casualidade [...] Sendo então capaz de relacionar diferentes aspectos e abstrair dados da realidade. Apesar de não se limitar mais a uma representação imediata, depende-se do mundo concreto para se abstrair.

Um importante conceito desta fase é o desenvolvimento da reversibilidade, ou seja, a capacidade da representação de uma ação no sentido inverso de uma anterior, anulando a transformação observada. Como por exemplo, despeja-se a água de dois copos em outros, de formatos diferentes, para que a criança diga se as quantidades continuam iguais. A resposta é afirmativa uma vez que a criança já diferencia aspectos e é capaz de "refazer" a ação.

Operatório-formal

Segundo Wadsworth (1996) é neste momento que as estruturas cognitivas da criança alcançam seu nível mais elevado de desenvolvimento. A representação agora permite à criança uma abstração total, não se limitando mais à representação imediata e nem às relações previamente existentes. Agora a criança é capaz de pensar logicamente, formular hipóteses e buscar soluções, sem depender mais só da observação da realidade.

Em outras palavras, as estruturas cognitivas da criança alcançam seu nível mais elevado de desenvolvimento e tornam-se aptas a aplicar o raciocínio lógico a todas as classes de

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problemas. Exemplificando o estágio: pede-se para analisar um provérbio como "de grão em grão, a galinha enche o papo", a criança trabalha com a lógica da idéia (metáfora) e não com a imagem de uma galinha comendo grãos.

Conseqüências para a educação

A teoria de Piaget parece ter implicações na educação, sobretudo no que se refere à organização curricular (seqüência dos materiais da aprendizagem), conteúdos curriculares, e metodologia de ensino.

No que se refere à sequência dos materiais, a criança deve estar preparada para aprender. Quanto aos conteúdos curriculares, os materiais destinados a crianças devem ser interessantes e manipuláveis, dando oportunidade a iniciativas da criança. As metodologias de ensino inspiradas em Piaget favorecem a aprendizagem pela descoberta, o uso moderado do conflito provocado por inconsistências cognitivas e a aprendizagem cooperativa, realizada através dos companheiros.

Durante o período concreto, a criança deve ser ajudada a superar as limitações do pensamento concreto. Sempre que se tratar de conteúdos mais complexos, pode recorrer-se ao uso de modelos concretos às analogias com conteúdos familiares. Deve ser dada ao aluno oportunidade para manipular e experimentar os objetos e para se comportar ativamente, quer no plano interno quer no plano externo, perante os problemas propostos. Deve-se dar à criança a oportunidade para aperfeiçoar a capacidade de confrontar o próprio ponto de vista e o ponto de vista dos outros. No estádio do pensamento formal, a escola deve insistir no aperfeiçoamento das novas capacidades formais, podendo, no entanto usar a metodologia típica do estádio do pensamento concreto quando o aluno revelar dificuldades especiais perante novos conteúdos.

Estas sugestões são especialmente adequadas à aprendizagem de materiais complexos e estruturadas em relação aos quais os alunos apresentam deficiências quanto aos conhecimentos prévios. Deve-se dar aos alunos a oportunidade para lidar com hipóteses e para explorar essas hipóteses sistematicamente de modo dedutivo e indutivo. Sobretudo na fase inicial do período formal, conhecida como fase de egocentrismo metafísico, deve-se ajudar o aluno a confrontar as suas teorizações abstratas quer com a realidade concreta quer com as teorizações dos outros adolescentes e adultos. Deve ser considerada a especial relevância do grupo de pares, no que se refere à necessidade de confrontar a teorização abstrata e o real.

O mito da origem sensorial dos conhecimentos científicos

Piaget ao tratar da diferenciação entre percepção e sensação levanta hipótese sensorial dos nossos conhecimentos (Piaget, p. 79). Repassemos as principais hipóteses; inicia comentando o paradoxo de M. Planck (Initiations à la Physique) sobre a origem sensorial dos nossos conhecimentos: os nossos conhecimentos físicos seriam tirados de sensações, mas o seu progresso consiste precisamente em se libertar de qualquer antropomorfismo e, por conseqüência, se afastar tanto quanto possível do dado sensorial. Donde concluímos que o

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conhecimento nunca provém da sensação só por si, mas sim do que a ação acrescenta a esse dado.

Para Piaget, a sensação ou percepção atua sempre nos estágios elementares de formação dos conhecimentos; porém, nunca atuam sozinhos e o que se acrescenta é tão importante como elas nessa elaboração (Piaget, p. 79). Sensação é diferente de percepção; a percepção existe como totalidade e a sensação como elementos estruturados. A percepção não é um composto de sensações, mas uma composição de sensações, necessitando uma ação do sujeito sobre objeto, que reage ao sujeito. Um exemplo esclarecedor seria o realizado por Ivo Kohler (Piaget, p. 83): munindo um sujeito de óculos prismáticos, invertia a imagem de 180º. Após dois dias de utilização, a representação da realidade passou a ser normal; através dos esquematismos cerebrais o sujeito passou a ter visão normal, apesar de estar constantemente com imagens invertidas.

Os nossos conhecimentos não provêm nem da sensação nem das percepções isoladas, mas da ação inteira da qual a percepção constitui somente a função de sinalização. O próprio da inteligência não é contemplar, mas transformar o seu mecanismo é essencialmente operatório (Piaget, p. 83). Não se conhece o objeto senão agindo sobre ele e transformando-o de duas formas possíveis: modificando sua posição, movimento, propriedades para explora-lo (ação física) ou enriquecendo o objeto com propriedades e relações novas que conservam as suas propriedades ou relações anteriores, completando-as através de sistemas de classificações, ordenações, estabelecimento de correspondências, enumerações ou medidas (ação lógico-matemática). Portanto o importante é o esquema, aquilo que é geral nas ações e se pode transpor de uma situação à outra. O esquema é resultado direto da generalização das próprias ações, e não da sua percepção.

Aplicando estes conceitos a casos concretos podemos dizer que a noção de espaço é mais rica que a percepção do espaço por dois motivos: primeiramente por corrigir a anisotropia do campo visual substituindo-a por uma isotropia perfeita. Em segundo lugar, devido a tudo que a ação acrescentou à percepção: o espaço nocional introduz sistemas de transformações onde a percepção permanece com estruturas estáticas empobrecidas. Estas transformações têm origem na ação e não nas percepções. A noção depende essencialmente da construção (generalização construtiva) ligada a ação.

Ao estudar a gênese das noções lógicas e matemáticas na criança verifica-se a sua profunda dependência da experiência. Existe um nível que a criança não admite a transitividade. Aquilo que (a partir do nível operatório dos sete as oito anos) parece evidente por necessidade dedutiva, começa assim por não ser conhecido senão com a ajuda da experiência.

A experiência física consiste em agir sobre os objetos para obter um conhecimento por abstração, a partir dos próprios objetos. A experiência lógico-matemática consiste em agir sobre os objetos, mas com abstração dos conhecimentos a partir da ação. Esta ação confere aos objetos características que não possui por si mesmos.

Se existe um conhecimento lógico-matemático puro, desligado de qualquer experiência, não existe reciprocamente conhecimento experimental que possa ser qualificado de puro, no sentido de desligado de qualquer organização lógico-matemática. A experiência nunca é

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acessível senão por intermédio de quadros lógico-matemáticos, consistindo em classificações, ordenações, correspondências, funções, etc. A física é uma perpétua assimilação do dado experimental a estruturas lógico-matemáticas, porque o próprio refinamento da experiência é função dos instrumentos lógico-matemáticos utilizados a título de intermediários necessários entre sujeito e os objetos a atingir.

De acordo com Piaget,

[...] a interpretação empirista do conhecimento apresenta o vício de esquecer a atividade do sujeito. Ora, toda a historia da física, a mais avançada das disciplinas fundadas sobre a experiência, nos mostra que esta nunca é bastante por si só e que o progresso dos conhecimentos é a obra de uma união indissociável entre experiência e a dedução: é o mesmo que dizer, de uma colaboração necessária entre os dados oferecidos pelo objeto e as ações ou operações do sujeito – essas ações e operações constituem o quadro lógico-matemático fora do qual o sujeito não consegue assimilar intelectualmente os objetos (Piaget, p. 105).

Nesse ponto vemos que Piaget tem o seu conceito a respeito dos sentidos. Não parece ter o mesmo significado para os filósofos antigos. Com este posicionamento e compreensível que atribua as ciências experimentais um caráter estático. A experimentação leva por si a dedução e a teorização (esquemas lógico-matemáticos) de interpretação dos fenômenos. Somente pela abstração dos acidentes do ente material se pode chegar a conceitos universais, válidos para a queda dos corpos como à órbita dos planetas. A própria noção de campo, apresenta uma total superação das noções perceptivas em busca de uma ordenação mais coerente.

Piaget descreve que,

[...] no caso do paradoxo de Planck o conhecimento físico não procede nunca da sensação nem sequer da percepção puras, mas implica, desde o princípio, uma esquematização lógico-matemática das percepções assim como das ações exercidas sobre os objetos; começando por uma tal esquematização, é então natural que estas junções lógico-matemáticas se tornem cada vez mais importantes com o desenvolvimento dos conhecimentos físicos e, por conseqüência, que estes se afastem sempre cada vez mais da percepção como tal (Piaget, p. 91).

Einstein aconselhou a Piaget que examinasse a questão de existir ou não uma intuição de velocidade independente do tempo. Após algum trabalho descobriu-se que ”se as noções temporais são efetivamente mais complexas e de maturação tardia, existe em todas as idades uma situação privilegiada que dá lugar a uma intuição da velocidade independente da duração (mas não, naturalmente, da ordem de sucessão temporal): tal é a noção de “ultrapassagem”, que se constitui em função da relação simplesmente ordinais. Tome-se, por exemplo, uma trajetória retilínea cuja metade está provida de nove barras verticais atrás das quais passa o móvel: 70% a 80% dos sujeitos têm a impressão de que uma aceleração de movimento na parte tracejada em relação à parte livre. Ora, não se trata aqui de uma relação entre a velocidade, o tempo e o espaço “fenomenais”. A explicação que parece impor-se é, pois que o movimento de perseguição do móvel pelo olhar é constantemente prejudicado, na parte tracejada, por fixações momentâneas das barras, o que ocasiona uma ultrapassagem do móvel em relação aos movimentos do olhar e uma impressão de maior velocidade. Ainda resta

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estabelecer uma relação entre a velocidade do móvel exterior e a da excitação ou da extinção das persistências retinianas no próprio campo visual.

Piaget parecem não ter considerado a formação da imagem sobre a retina algo, que neurologicamente dizendo, pudesse alterar a interpretação da realidade. Esta uma imagem apresenta duas dimensões. A interpretação de imagens em três dimensões é uma adaptação neurológica altamente especializada, ainda que ocorra por esquemas de ações. Suas recombinações perceptivas apresentam implicações mais profundas que concebera Piaget. A neurociência nos mostra que a visão não capta os objeto em um todo - como Gestal (Piaget, p. 82) - mas por parte: contorno, forma, etc, A necessidade de compreender problemas computacionais de identificação de imagens, levaram a esquemas de identificação mais compactos, em termos de memória. Transpondo ao sistema biológico, a eficiência do sistema em busca por sistemas com menor gasto de energia comporia este padrão neural de interpretação da realidade. Isto explica em parte porque nossas imagens mentais são menos “reais” que as percepções. Não há razão, do ponto de vista da estruturação de esquemas, diferença entre memória e realidade.

Com o avanço das neurociências é possível verificar com maior exatidão os conceitos da psicologia e a epistemologia, dando-lhes maior solidez através de comprovações experimentais constitutivas da estrutura orgânica do indivíduo.

Reflexões de Luis Otoni Meireles Ribeiro

Problemas de epistemologia genética

Dois aspectos do desenvolvimento intelectual, o aspecto psico-social e o aspecto espontâneo da inteligência (psicológico). Interessante a ironia de Piaget quando nos pergunta sobre a idade com que nossos filhos responderiam corretamente sobre a conservação de matéria, pois sempre consideramos os nossos mais inteligentes, mais desenvolvidos e etc... Isto pode nos cegar quanto as possibilidades reais de propiciar vivências construtivas cognitvamente aos nossos filhos, normalmente somo mais castradores como pais do que como professores, com freqüência falamos não mexe para não desarrumar, não brinque para não sujar, quantas possibilidades de experimentação boicotamos em nosso filhos, isto que sabemos que a inteligência se desenvolve pela ação.

Com relação à conservação de matéria, peso e volume, percebemos como a criança considera só um aspecto de cada vez, o que a conduz inicialmente a noções erradas quanto às conservações anteriores. Piaget explica que a criança se utiliza três argumentos para justificar a conservação, os argumentos de identidade, reversibildade e de compensação. Para as constatações relativas ao tempo temos os aspectos relativos a duração e a ordem de sucessão dos acontecimentos.

Um resultado interessante foi obtido com as experiências de Jan Smerdslund, no Centro de Epistemologia Genética, que tentou acelerar a aquisição da noção de conservação do peso, somente conseguiu uma aprendizagem específica, sem a capacidade de generalização, percebemos que as estruturas cognitivas necessitam ser construídas de uma forma global,

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através de experimentações gradativas, onde a adaptação só ocorrerá depois dos processos de acomodação e assimilação dos desequilíbrios vividos.

Portanto a idéia central de Piaget é "para que um novo instrumento lógico se construa, é preciso sempre instrumentos lógicos preliminares; quer dizer que a construção de uma nova noção suporá sempre substratos, subestruturas anteriores". (Piaget, p. 215).

Neste sentido é que Piaget nos explica a ordem de sucessão fixa dos estágios de desenvolvimentos, mas alertando que não existe uma cronologia constante em termos de idade e sim uma ordem de sucessão constante. Como sendo, o 1º o estágio sensório-motor, o 2º o estágio pré-operatório, o 3º o estágio operatório concreto e o 4º o estágio operatório formal.

Também temos atualmente algumas pistas de que estas estruturas se desintegram na ordem inversa na velhice, com os trabalhos do Dr. Ajuriaguerra e seus colaboradores. A compreensão de que o desenvolvimento requer tempo, pois sem tempo não há a adaptação necessária, é reforçada por Piaget ao distinguir inteligência de pensamento.

A inteligência seria a coordenação dos meios para atingir um fim, frente a um novo problema para o ser. Já o pensamento é a representação simbólica de uma inteligência não mais apoiada sobre a ação direta. Existindo assim uma inteligência sensório-motora antes do pensamento e da linguagem.

Piaget também nos explica que por ter a linguagem uma dependência do pensamento, ela requer um sistema de ações interiorizadas e mais tarde um sistema de operações. Operações são ações executadas não mais materialmente, mas interiorizadas e simbólicas, podendo ser combinadas e reversíveis. Entretanto, é necessário para chegar as operações, executar materialmente para ser capaz de construí-las em pensamento.

Isto justifica a demora no surgimento da linguagem, é necessário um longo período de exercício da ação para construir as estruturas de pensamento que permitirão a linguagem no futuro. São elas as noções do objeto, a do espaço, a de tempo, sob a forma de seqüências temporais, a noção de causalidade.

Por exemplo, a noção de espaço, passa por um crescente de descoberta dos vários espaços,o espaço bucal, o espaço visual, o espaço tátil e o espaço auditivo, este tempo de desenvolvimento é necessário para que a criança supere o egocentrismo primitivo.