decisões empresariais e a lei dos meandros

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Artigo do Prof. Raimar Richers sobre estratégia empresarial.

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Page 1: Decisões Empresariais e a Lei dos Meandros

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DECISÕES EMPRESARIAIS E A LEI DOS MEANDROS Artigo premiado pela SPE – Sociedade de Planejamento Estratégico - em 1987 (1º lugar) Raimar Richers1

"Do rio que tudo arrasta se diz que é violento.

Mas ninguém diz violentas as margens que o

comprimem”

Bertold Brecht

Como são tomadas as decisões nas empresas? Na realidade, não o sabemos. Existem

incontáveis "casos" que descrevem situações que implicam decisões e que são citados pelos seus

autores para ilustrar uma dada "verdade"; mas mesmo a somatória dessas verdades todas não

conduz a uma descrição abrangente ou a uma teoria capaz de satisfazer a nossa curiosidade

sobre como o executivo se comporta "tipicamente" ao enfrentar uma situação que o obriga a

traçar um caminho de ação. E, no entanto, esta situação se repete diariamente em todas as

empresas do mundo inteiro (mesmo nas economias planejadas) e todos concordam que poucas

variáveis são tão vitais para o destino de uma organização quanto à maneira como seus

executivos tomam decisões.

O que não faltam são equações matemáticas mais ou menos convincentes sobre o risco

empresarial; e o que há, também, são inúmeros modelos que propõem procedimentos racionais e

quantificáveis para a tomada de decisões. Mas, nem as equações, nem os modelos conduzem a

uma teoria coesa sobre a natureza das decisões empresariais.

Daí poderia concluir-se: o processo decisório escapa às generalizações porque as

decisões são ou tomadas na calada da noite por executivos "solitários" que confiam no seu "taco"

ou por ferrenhos grupos políticos à base da "marra". E, nestes processos, não há muita ciência,

nem uma consistência comportamental que servisse de padrão ou paradigma.

Ou há?

Na realidade, quer me parecer, os diversos processos de tomada de decisão têm muitos

traços em comum, mas que jamais foram devidamente pesquisados pelos especialistas em

administração para deles derivar-se algumas regras gerais. Um desses traços, que tenho

observado com grande freqüência no meio empresarial, é a relutância da maioria dos

responsáveis pelas decisões de entrar em choque direto com os obstáculos que enfrentam ao

delinear seus caminhos estratégicos. Em muitos casos, não faria sentido atribuir esta hesitação à

falta de coragem, pois isto contradiria a personalidade e o estilo gerencial do executivo. Ela é

intencional e pode ser derivada das seguintes duas observações interligadas:

1. Quando, numa empresa qualquer, alguém (mesmo um executivo influente) encaminha uma

decisão importante (que afeta o destino da organização), sempre surgem obstáculos que

dificultam a sua execução;

2. O promotor hábil e experiente de uma decisão importante se esquiva dos obstáculos que

ameaçam debilitar o seu poder, mas não perde o seu alvo de vista.

1Professor fundador da EASP - FGV, consultor e autor de diversos livros sobre Administração e Marketing.

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As duas observações sugerem que os resultados da tomada de decisões nas empresas

dependem, de um lado, do esforço para se atingir um dado objetivo da maneira mais direta

possível, do outro, da cautela com que se evitam desperdícios energéticos ao longo de sua

execução.

No momento, contudo, em que surgem obstáculos de maior monta no caminho, os dois

princípios entram em conflito. Para conciliá-los, portanto, desvios são inevitáveis, mas é preciso

observar também que estes não exijam esforços maiores do que a remoção dos empecilhos. Daí

se infere: os caminhos mais econômicos da decisão não são os que procuram atingir o alvo

diretamente, mas os que otimizam a relação entre as energias gastas no percurso do

caminho e na remoção de obstáculos.

A título de abreviação, denominarei esta regra comportamental "lei dos meandros". Trato-a

como uma "lei" por existirem indícios na própria natureza de que ela está presente em muitos

(todos?) processos orgânicos voltados à busca sistemática de um dado alvo.

Da maioria destes processos não sabemos se são ou não conduzidos por algum

mecanismo "racional" comparável ao das intenções do ser humano. Talvez o processo evolutivo

(genético) se enquadre nesta condição, mas disto não existem provas cabais, apenas algumas

indicações. Mas, onde prevalece a razão humana, como na tomada de decisões, a ação da lei dos

meandros é facilmente perceptível, além de - como procurarei demonstrar neste trabalho -

largamente responsável pelo grau de sucesso dos executivos que exercem uma influência sobre a

ação estratégica numa empresa.

As Origens Naturais da Lei dos Meandros

Comecemos por analisar a lei dos meandros a partir de seu lado "natural", reportando-nos

as investigações realizadas por representantes das ciências chamadas exatas.

A natureza não é sábia em si, mas ela, como nós seres humanos, obedece a determinadas

"regras gerais" que não são necessariamente complexas, mas que não descobrimos facilmente

porque se "escondem" atrás de um véu de comportamentos erráticos. Por exemplo, a natureza

esbanja recursos com uma "generosidade" que surpreende e até assusta. Mas, todas as vezes

que utiliza as suas fontes energéticas com ponderação e cautela, aumentam as perspectivas de

sobrevivência do organismo afetado, além de revelar ao menos uma ponta de alguma lei que

procura estabelecer ordem nos processos evolutivos.

Certamente algumas destas leis naturais tentam reduzir o enorme desperdício que

caracteriza o comportamento dos organismos. Daí afirma o biólogo E. O. Wilson com muita

sabedoria:

"Na equação fundamental da biologia da população, o esforço dedicado à reprodução não é medido diretamente em termos de tempo ou calorias. O que importa é a relação custo/benefício para adaptações futuras. Suponha que a fêmea de um determinado peixe desove pesadamente no primeiro ano de sua maturidade, com o resultado de que um número suficientemente grande de ovos são soltos para produzir 20 peixinhos sobreviventes. No entanto, o gasto de esforço e de energia inevitavelmente custa a vida desta fêmea. Imagine também que um segundo tipo de peixe, cuja fêmea se esforce menos, resulte numa produção de apenas cinco peixinhos com um risco negligenciável para a sua vida e com o resultado que ela possa esperar a realizar cinco ou 10 de tais esforços numa

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só estação de procriação (...). Neste caso particular é provável que a população do segundo peixe cresça mais rapidamente.”

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Todas as vezes que um organismo em evolução adota um comportamento voltado ao uso

econômico de suas energias, aumentam as suas chances de sobrevivência. Deve ser esta a

razão por que as árvores inclinam as suas folhas em direção ao sol, como se tivessem sido

programadas por um computador que lhes permitisse atingir um objetivo vital: maximizar a entrada

de luz.

Tanto neste como em inúmeros outros exemplos, a natureza mostra que se norteia pelo

princípio da otimização custo/benefício quando se empenha em assegurar a sobrevivência de

algum de seus organismos, e que nós, seres humanos, somos apenas mais um desses exemplos.

Isto não se aplica somente aos organismos vivos, mas à natureza em geral.

Vejamos o exemplo da água. A água só é combativa e precipitada quando forçosamente

induzida por alguma "pressão irresistível", como o vento e as correntezas no mar, ou a queda

brusca de um leito fluvial na formação de uma catarata. Normalmente, ela se mantém "calma",

mas extraordinariamente capaz de se impor aos obstáculos que a circundam, face à sua

característica fundamental de ser extremamente volúvel, apesar de ter um peso específico

relativamente alto. A água é, como já dizia o venerado poeta grego Píndaro uns 400 anos antes

de Cristo, "a melhor de todas as coisas".

É através do comportamento, ao mesmo tempo disciplinado, hábil e direcional da água,

que se revela a lei dos meandros. Vejamos a partir de que observações e premissas.

Os Rios e a Lei dos Meandros

Ao sobrevoarmos uma bacia fluvial qualquer, podemos observar que os rios parecem

"evitar" correr em linhas retas. A grande maioria forma curvas de surpreendente regularidade

obedecendo a padrões sinuosos que os especialistas chamam "meandros". De acordo com uma

tese, surpreendente, mas convincente, os "meandros não são meros acidentes da natureza, mas

a maneira como um rio se empenha ao virar, sendo portanto a forma mais provável que um rio

pode tomar".3 E mais: "Um dado número de meandros tende a manter uma razão constante entre

a extensão da curvatura e o seu raio (...). Uma amostra de 50 meandros de muitos rios e

correntes distintos revelou um valor médio para esta relação ser de aproximadamente 4,7 para

1".4

Ao que parece, a água "sabe" que a maneira mais econômica para encontrar o seu

caminho resulta da formação de leitos com características de sinuosidade. Este fenômeno em si

não tem nada a ver com a composição geológica do terreno, pois a formação de meandros ocorre

também nas correntezas marítimas e nos canais que se formam nas superfícies dos glaciais, onde

os meios que os circundam são homogêneos.

É fácil demonstrar que o meandro é a maneira mais racional de se reagir a uma pressão

intensa. Basta, para isso, segurar uma fita de aço flexível em dois pontos quaisquer de sua

2 Fonte: Wilson, Edward O. (1975). Sociobiology. The Belknap Press: Cambridge, Mass, 1975. Edição abreviada de

1980, pp. 46-47. O grifo é nosso. 3 Fonte: Leopold, Luna B.; Langbein, Walter B. River Meanders. Scientific American, v. 214, n. 6, June 1996, p. 60.

4 Fonte: Leopold; Langbein. 1966.

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extensão e movimentá-la exercendo maior ou menor grau de pressão: a fita sempre formará

curvas geométricas sinuosas.

É a partir de observações como o comportamento dos rios e das fitas de aço que

extraímos a "lei dos meandros". Ela se refere à maneira como os fenômenos naturais (inclusive o

homem) se comportam ao perseguir um dado objetivo, essencial à sua sobrevivência. Ela pode

ser assim enunciada: Os caminhos da natureza, que visam otimizar a relação custo /

benefício, são sinuosos, não retos.

Para justificar a lei, precisamos responder três perguntas:

1) Por que os caminhos mais racionais não são retos?

Afirma-se com freqüência que a menor distância entre dois pontos é a reta. Implícita nesta

constatação está frequentemente a idéia de que a ligação direta é também a menos dispendiosa

em termos de tempo e energia. No entanto, a natureza nos ensina que isto quase nunca é assim.

Ao traçar uma rota, você sempre encontra alguns obstáculos (as famosas "pedras no caminho").

Por vezes, compensa remover esses obstáculos porque isto requer um esforço menor do

que afastar-se do traçado principal. No entanto, na maioria dos casos, a relação é inversa: custa

menos desviar-se do que tentar vencer os obstáculos. O caminho pode ser mais longo, mas o

dispêndio energético é menor, e por vezes também o desgaste de tempo, porque a remoção dos

obstáculos provoca atrasos e gastos evitáveis de energia.

2) Por que os caminhos mais racionais são sinuosos?

Porque a senóide é o caminho de menor resistência que uma força pode tomar ao ser

comprimida ou ao encontrar obstáculos. Ela cede à pressão, mas sempre procura voltar à sua

forma original, que é a reta. Assim, usando os dois exemplos anteriores como referência,

podemos constatar que tanto os rios quanto a fita de aço formam meandros, mas os do aço são

bem mais uniformes e regulares, em parte porque a pressão exercida sobre ele é uniforme em

ambos os lados, mas também porque as suas moléculas são bem mais regularmente distribuídas

do que as de qualquer formação geológica. Não houvesse a pressão externa, tanto o traçado do

rio quanto o da fita de aço seriam uma reta. Com a pressão, ambos são "obrigados" a se

curvarem. No entanto, a sua curvatura não é arbitrária; ela obedece a uma lei física, a da

sinuosidade, que lhe dita ser esta a forma de menor dispêndio energético para manter o

movimento na direção desejada quando enfrenta obstáculos.

3) O que determina a extensão e largura de cada curvatura?

São dois fatores: primeiro, a constituição do meio ambiente. No caso de um rio, pode ser o

grau de declive do terreno, a resistência ou “receptividade" do solo, a incidência de morros e

montanhas insuperáveis etc.; segundo, a energia despendida pelo agente, ou seja, a intensidade

do seu esforço. Esta, por sua vez, depende de outros dois fatores: primeiro, do poder “inato" do

agente ou de sua capacidade energética inerente; e, segundo, da intensidade do seu empenho.

O segundo desses dois últimos fatores obviamente só se aplica aos seres que têm uma

"vontade livre", ou seja, que dispõe de recursos mentais para poder dosar e controlar os seus

esforços. Um rio não tem estes controles, contrário ao ser humano e, dentro de limites mais

restritos, aos animais. Até que ponto o homem está efetivamente livre para poder agir sob

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determinadas condições ambientais é uma questão de muita celeuma que agita a humanidade há

vários séculos. Não é este o momento mais oportuno para discutir este problema, mas a ele

voltaremos em outra ocasião, não só por ser em si empolgante, mas também porque da maneira

como encaramos a dicotomia determinismo / livre vontade depende também a nossa interpretação

sobre a forma e a intensidade com que as empresas atuam sobre seus ambientes externos.

Regras Para Implementar a Lei nas Empresas

A lei dos meandros tem uma infinidade de significados para a vida real dos seres vivos.

Uma de suas variantes refere-se à maneira como os homens tomam decisões, ou melhor, como

deveriam tomá-las. Esta variante pode ser assim formulada: As decisões mais racionais são as

que minimizam os confrontos com os obstáculos que surgem no seu caminho. Isto vale

tanto para o convívio social entre indivíduos quanto para a criação e aplicação de uma estratégia

empresarial.

Ao desenvolverem as suas estratégias, as empresas não só definem os objetivos que

desejam atingir, como também os caminhos para atingi-los. Ao defini-los, partem, muitas vezes,

da ilusão de que esses caminhos sejam retos. Eles nunca o são, e isto por duas razões. Primeiro,

porque o ambiente externo não aceita uma ingerência com facilidade. Há concorrentes a

enfrentar, possivelmente um governo que não colabora e uma multiplicidade de obstáculos

"naturais", como a dificuldade de encontrar fornecedores adequados e a resistência de

compradores potenciais.

A segunda razão decorre da própria estrutura interna. Uma empresa é, acima de tudo, uma

instituição política e, como tal, opera a partir de intenções que geram conflitos e só podem ser

atingidas através daquilo que podemos chamar de "filtros de negociação". Esses filtros não só

freiam a velocidade do processo decisório, como também obrigam os estrategistas a aceitarem

rodeios e desvios do seu caminho original, por mais claro que possa ser o seu alvo final.

Infelizmente, não dispomos ainda de recursos analíticos que permitissem compreender e

equacionar os caminhos políticos de uma organização qualquer e ordená-los dentro de conceitos

e modelos generalizáveis e projetáveis. De outro lado, a prática é uma grande escola capaz de

nos sugerir algumas regras comportamentais que se coadunam com a lei dos meandros quanto à

sua aplicabilidade ao contexto empresarial. Vejamos algumas dessas regras diretamente

associadas à nossa lei:

1) Tenha sempre um alvo claro à sua frente.

É impossível desenvolver uma política racional de meandros sem antes definir seus

objetivos estratégicos. Os objetivos servem de constante referencial de direcionamento da ação

estratégica, comparável aos mapas que o capitão de um navio utiliza, seja para, a qualquer

momento, poder localizar a posição do navio em alto-mar, seja para poder dirigi-lo a um

determinado porto com um mínimo de desvios e riscos.

Alvos são, portanto, indispensáveis como referenciais e padrões de orientação para

qualquer objeto em movimento, inclusive a empresa. Sem eles, o objeto se perde no espaço,

desperdiça tempo e recursos e, mais cedo ou mais tarde, sucumbe. Todo empresário sabe disto,

ao menos intuitivamente.

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É verdade que são poucos os que definem e divulgam seus objetivos estratégicos com

clareza. Mas isto não quer dizer que eles não tenham objetivos. Na realidade, nunca encontrei um

bom empresário que não tivesse uma idéia bastante clara de seus alvos supremos. Por vezes,

esta idéia não passa de uma imagem abstrata na sua cabeça ou, mesmo quando clara, não é

transmitida a seus pares com precisão, seja porque se sente inseguro, porque teme que a

divulgação o tornará mais vulnerável e transparente aos seus adversários políticos e

concorrentes, seja porque não se quer comprometer formalmente. Mas o alvo existe, pois todo

empresário e alto executivo empresarial sabe que sem ele não é possível administrar.

Em suma, os empresários são como as águas dos rios: eles sabem a direção que devem

tomar, mesmo que tenham uma noção apenas vaga de seu destino.

2) Conheça bem o terreno que você pretende explorar.

O ambiente é como a terra que é mais ou menos fértil e se predestina a determinados tipos de culturas, não importa quão intensa for a intervenção do homem. Ela pode sofrer longas estiagens, ou ser afetada por períodos extensos de chuvas que afetam a sua produtividade, mas não mudam a sua constituição básica. No Rio Grande do Sul foram feitas inúmeras tentativas para se cultivar o trigo, mas os resultados deixaram a desejar. Em compensação, nas mesmas terras, hoje abunda o plantio de soja. Cada ambiente tem, portanto, algumas forças inatas que convém detectar, para poder aproveitar o seu potencial econômico.

Ambientes também têm "climas" como a terra. Eles são compostos de flutuações, em parte

cíclicas, mas repetitivas, em parte passageiras e erráticas. Ao primeiro tipo, por exemplo, pertence

a inflação no Brasil, ao segundo, os movimentos de demanda de um determinado produto. Ambos

os tipos de flutuação devem ser levados em conta num plano econômico-financeiro, mas

avaliados e interpretados de maneiras distintas.

Os altos e baixos do clima ambiental incomodam muitos executivos, ao ponto de usá-los

como argumento para ''comprovar" que o planejamento é inútil e um desperdício de tempo. Mas,

uma vez que eles venham a compreender que a finalidade do planejamento não consiste em fazer

previsões precisas e percebam que o planejamento pode ser baseado em conceitos racionais,

mas flexíveis, como a política dos meandros, mudam de opinião.

Por mais erráticas e imprevisíveis que sejam as mudanças ambientais, elas obedecem a

certos padrões comportamentais detectáveis. Analisando-se um ambiente descobrem-se sempre

algumas tendências que lhe são inerentes e que podem ser identificadas como transitórias ou

pertinazes. Ao planejador cabe descobrir estas tendências, interpretá-las e traduzi-las em

diretrizes úteis à ação estratégica da empresa.

3) Nunca espere atingir o alvo diretamente.

Nas suas fases iniciais, uma empresa não precisa voltar as suas atenções aos obstáculos

que irá encontrar ao longo de seus caminhos. A esta altura, ela deve estar primordialmente

empenhada em criar um impacto e manter-se estruturalmente equilibrada. Mas, na medida em

que seus principais executivos se familiarizarem com a realidade externa, bem como as suas

perspectivas, convém introduzir variáveis no seu planejamento que considerem o surgimento de

obstáculos que podem atrasar projetos, aumentar custos e provocar mudanças, tanto estruturais

quanto comportamentais.

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Constatar a existência de obstáculos, obviamente, não basta. É preciso tentar minimizar

seus impactos. Para que isto possa acontecer, a figura do meandro serve de modelo. O

planejador deve aceitar a ocorrência de desvios como algo inevitável, mas procurar reduzir a

extensão e largura das curvas. Para isto tem de ter sempre em mente os seus alvos e avaliar, a

cada instante que surjam obstáculos, o que seria menos dispendioso: removê-los ou circundá-los.

Ao circundá-los, precisa avaliar quando e como poderá voltar a sua rota original e quanto isto lhe

custará em termos de tempo e recursos.

Mas - antes que alguém confunda os dois conceitos - convém frisar: meandro não é

sinônimo de jeito. Pode haver uma "sinergia" entre as duas situações, mas elas não são idênticas.

O jeito resolve problemas momentâneos e inesperados de maneira criativa e original, mas pouco

se preocupa com os seus possíveis efeitos em cadeia. Ele é, por definição, imediatista. A política

dos meandros pode, por vezes, recorrer ao jeito, mas só deve fazê-lo desde que isto não

provoque uma mudança do seu objetivo de longo alcance. Assim como o rio cava o seu leito

sempre "de olho" na sua foz, o executivo, voltado à política dos meandros, jamais perde seu

objetivo principal de vista, nem os esforços necessários para alcançá-lo; apenas, para minimizá-

los, se prontifica a dar voltas. Ambos - o rio e o homem - fazem concessões, desviando-se

temporariamente do seu caminho, exclusivamente porque percebem que esta é a forma mais

econômica de agir sem abrir mão de seus intuitos primordiais.

Muitas empresas reconhecem a necessidade de contar com desvios nos seus planos.

Costumam chamar isto de contingências, mas geralmente as tratam como se fossem exceções.

Melhor seria que as aceitassem como regras, ou que as tratassem como válvulas de escape

embutidas no próprio sistema. Elas podem ser onerosas, talvez, mas têm a vantagem estratégica

de oferecer maior flexibilidade de movimentação às suas ações e de preparar a organização para,

a qualquer momento, introduzir elementos de surpresa para os concorrentes.

Ao incorporar a filosofia dos meandros à cultura de uma organização, os seus inspiradores

precisam dar tempo ao tempo. Entre outros, precisam tornar-se cientes de que mais importante do

que o período de execução de um plano são o peso, a clareza e a persistência de perseguição de

seu alvo principal, associados à disposição de lutar pelo caminho de menor resistência para atingi-

lo. De certa forma podemos dizer que a empresa deve funcionar como uma roldana ou, para usar

uma imagem mais moderna, um redutor. Roldanas e redutores servem para aumentar a eficácia

de um processo produtivo: elas reduzem o consumo de energia através da extensão do caminho

percorrido. Elas são uma demonstração cotidiana do princípio secular de que a melhor maneira

para se domar uma força maior do que a sua consiste em fracioná-la.

4) Procure entender o “ritmo decisório” de sua empresa e de seus principais

concorrentes.

Toda empresa tem o seu próprio ritmo decisório e em nada adianta querer forçar uma

decisão tentando quebrá-lo. O ritmo é como o pulsar do nosso coração - predeterminado, regular,

imperturbável e sintonizado com todos os outros órgãos banhados pelo sangue.

É curioso observar quão distinto é este ritmo decisório nas diferentes empresas, não

importa a que setor pertençam. As suas "batidas", mais ou menos lentas, fazem parte da sua

cultura e reagem, possivelmente com violência, contra quem ousa provocar uma alteração.

Decisões, portanto, que visam interferir neste ritmo, exigem um estudo preliminar de seus

compassos e um cauteloso preparo do timing na sua introdução.

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Afirma-se, com freqüência, que as decisões costumam ser bem mais lentas nas empresas

grandes do que nas pequenas, o que daria a estas vantagens de flexibilidade e adaptabilidade,

sobretudo em ambientes conturbados. Não nego a validade desta tese, mas acredito que não seja

tão comum quanto possa parecer à luz de outra lógica, que nos sugere: nas empresas grandes,

as decisões devem passar por vários filtros de executivos influentes, enquanto na pequena um ou

dois homens podem decidir rapidamente. Se, por uma razão qualquer (por exemplo, um conflito

familiar), a pequena empresa perde a sua flexibilidade e rapidez de decisão, os seus dias

provavelmente estão contados; ela precisa movimentar-se com agilidade para sobreviver. A

empresa grande, ao contrário, não sofre necessariamente por ser lenta; por vezes, isto até é uma

vantagem, por exemplo, quando ela resolve acompanhar os passos de uma concorrente durante

vários anos, antes de tentar derrubá-la do cavalo.

Então, a diferença fundamental entre o comportamento das pequenas e grandes empresas

não é o fato de as primeiras serem, normalmente, mais ágeis, mas que precisam desta agilidade

para sobreviver, enquanto uma grande empresa pode até beneficiar-se ao adotar uma tática de

"lentidão programada". Isto tudo, no entanto, não impede que a rapidez de decisão possa ser uma

poderosa arma na mão de uma grande empresa, sobretudo se e quando a maioria de seus

executivos está culturalmente imbuída e preparada para agir com velocidade e firmeza.

Há, no mundo, alguns monstros empresariais que estão acostumados a um ritmo decisório

muito intenso. Um bom exemplo é o Citicorp.

Apesar de ser de longe o maior banco dos EUA, o Citicorp se mexe continuamente,

movido por um espírito inovador e altamente competitivo, não só com referência às outras

instituições financeiras, como também em termos da sua própria estrutura. Como afirma um de

seus inúmeros vice-presidentes: “Divertir-se no Citibank significa fazer dinheiro”,5 ao que outro

executivo acrescenta: “O que nos prende ao banco é a possibilidade de ser criativo e de poder

realizar algo com impacto a partir de uma boa idéia”.6

Para que esta filosofia possa funcionar, é evidentemente preciso dar muita latitude aos

executivos e permitir que os jovens apresentem sugestões que sejam levadas a sério. Vital

também para o seu sucesso é o reconhecimento de que a falha administrativa faz parte do

processo aprendizagem, o que parece ser o caso no Citicorp.

Na maioria das empresas maiores, contudo, o ritmo decisório é lento e marcado por

múltiplos obstáculos internos, como a resistência à modificação, a oposição política às inovações,

os freios costumeiros da burocracia, a alegada falta de tempo e a passividade dos executivos

quando enfrentam problemas ligados ao futuro. Portanto, se você tiver um orçamento aprovado

para lançar um novo produto que a fábrica poderia aprontar dentro de seis meses, não conte com

este prazo, necessariamente. Pense nos meandros e procure avaliar quanto tempo "de folga"

você deve acrescentar ao seu programa para enfrentar e circundar barreiras mais ou menos

previsíveis dentro da organização.

O que vale para a própria empresa vale também para os seus concorrentes. Também eles

estão sujeitos a seguir um dado ritmo que é possível descobrir simplesmente observando-os

sistematicamente ao longo dos anos. Ao confrontar o seu próprio perfil com o de seus principais

rivais, prepare-se para receber algumas surpresas que lhe poderão ser extremamente úteis ao

formular a sua estratégia.

5 Fonte: The New Shape of Banking. Business Week, June 18 1984, pp. 104 – 110.

6 Fonte: Business Week, 1984.

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5) Ao encontrar obstáculos, não se precipite: avalie a situação antes de agir.

Expressa de maneira específica e mais pragmática, esta regra sugere: a cada instante que

surgir um obstáculo, "pese-o" antes de enfrentá-lo; se os custos estimados para derrubá-lo forem

maiores do que os benefícios esperados da sua remoção, dê uma volta ou espere até surgir uma

oportunidade melhor. Em outras palavras, esteja sempre preparado para utilizar uma estratégia de

contingências porque, por mais estável que seja o ambiente em que a empresa opere, alguns

acontecimentos inesperados sempre ocorrem que ameaçam a execução ordenada dos nossos

planos e para os quais devemos nos preparar.

Geralmente, ao surgirem, os problemas provocam a nossa disposição de reagir

espontaneamente, o que é psicologicamente compreensível, mas geralmente não muito racional.

Digamos que, de repente, o seu principal concorrente resolva reduzir seus preços drasticamente e

divulgar isto através de uma ampla campanha publicitária. Deixe-o, não retalie respondendo com

uma redução ainda maior. Avalie antes os fortes e fracos de seu rival com especial cuidado e

prepare uma ação de surpresa que o atinja nos seus pontos mais vulneráveis.

O que vale para a relação entre a empresa e o seu meio ambiente aplica-se também às

suas relações políticas internas. Ou, como afirma um experiente executivo e consultor num

trabalho clássico de administração:

“O gerente bem-sucedido é sensível à estrutura do poder na organização. Ao considerar

qualquer proposição de maior peso em andamento, ele consegue identificar a posição dos

vários indivíduos e das unidades na organização numa escala que varia do apoio total e

franco até a oposição determinada, por vezes amarga e frequentemente bem disfarçada. No

meio da escala, há uma área de indiferença comparativa. Geralmente vários aspectos de

uma proposição recaem nesta área e é aqui que ele sabe que pode operar. Ele avalia a

profundidade e a natureza dos blocos na organização. A sua percepção lhe permite

movimentar-se através daquilo que eu chamo de corredores de indiferença comparativa. Ele

raras vezes desafia um corredor quando está bloqueado, preferindo deter-se até que se

abra de novo (...). Ele sabe que a organização só tolerará um determinado número de

proposições que emanam do ápice da pirâmide (... e) só raras vezes encontrará uma

proposição que é apoiada por todas as facções da organização. A emergência de apoio

forte em algumas áreas quase que certamente provocará oposições fortes em outras".7

Os corredores de indiferença comparativa, de que nos fala Wrapp, são como os desvios

que os rios tomam ao formar seus meandros. Explorá-los, todavia, não constitui apenas uma

tática recomendável para quem pretende conquistar posições de mando e influência numa

empresa; eles são aplicáveis também à empresa como um todo - como máxima estratégica.

6) Antes de agir, pondere várias opções, mas escolha apenas uma.

Não é a intensidade da pressão que mantém um obstáculo em movimento, é a persistência

do esforço. Mas, se o esforço não for concentrado - isto é, aplicado em vários sentidos ao mesmo

tempo -, ele corre um alto risco de ser desperdiçado.

É esta uma sabedoria que vem de longa data. Os samurais do século XVI já a pregavam:

7 Fonte: Wrapp, H. Edward. Good Managers Don't Make Policy Decisions. Harvard Business Review, v. 45, n. 5,

set/oct 1967, p. 93. Os grifos são do autor.

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“A velocidade não faz parte do verdadeiro caminho da estratégia. A velocidade implica que

as coisas pareçam rápidas ou lentas, dependendo de estarem ou não dentro do ritmo. Seja

qual for o seu caminho, um mestre da estratégia não dará a impressão de ser apressado”.8

Portanto, o que importa, é o ritmo, não a velocidade, nem a intensidade da pressão.

De outro lado, é preciso não esquecer que ponderação não é sinônimo de indiferença ou

passividade. Estas não levam a nada; apenas colocam o organismo à mercê de predadores. Mas

a precipitação é, por vezes, pior: ela dificulta a definição clara de objetivos, se choca com

barreiras intransponíveis, revela as intenções aos competidores, dificulta o raciocínio ordenado e

provoca desgastes desnecessários de energia. Na maioria das situações, o ideal consiste em

procurar um meio-termo entre passividade e precipitação, na esperança de se aproximar ao

máximo da relação custo / benefício mais favorável.

Há situações, é claro, em que uma ação rápida é fundamental para se alcançar um alvo,

como, por exemplo, num conflito aberto ou numa guerra em que a surpresa é vital para o sucesso.

Mas, felizmente, estas situações constituem a exceção e não a norma. Na maioria delas,

um timing que divide o caminho em etapas controláveis e se propõe a atingir cada uma

ponderadamente - medindo esforços e suas prováveis reações ao longo do caminho e sempre

cônscio em não desperdiçar energias - costuma ser a forma ideal para se atingir um objetivo, seja

ele um propósito pessoal, ou envolva ele os alvos supremos de uma instituição.

Saber dosar e direcionar as suas energias é, portanto, a chave do sucesso para a

estratégia de qualquer empresa. Muitas jamais aprendem esta lição; daí vegetam e depois

sucumbem. Outras têm a sorte de serem dirigidas por um empreendedor ou grupo de executivos

talentosos que sabe aplicar a dosagem "certa", com habilidade e até sabedoria no momento

adequado. Nenhuma empresa, no entanto, escapa do ônus de buscar a sua própria “fórmula" de

sucesso através de um constante exercício de tentativas e erros, pois, para cada uma delas, a

fórmula ideal é diferente e não pode ser adquirida, a não ser pela experiência. Assim, por

exemplo, a recuperação econômica da Chrysler só foi possível através de um contínuo trabalho

de inovações estratégicas e estruturais, enquanto a sua concorrente Fiat só conseguiu superar

uma sucessão de crises e contratempos após lembrar-se de sua simples missão original: produzir

automóveis.

7) Encare o risco sob dois ângulos - nunca um só.

Viver não é possível sem riscos, administrar também não. Isto nos incomoda muito e,

frequentemente, nos faz recuar até perante situações que estão plenas de oportunidades

promissoras e concretas.

Por que este medo do risco? Certamente, porque a incerteza assusta, mas também,

acredito, porque nos ensinaram que o risco e a ameaça são sinônimos. Na realidade, a coisa é

mais complexa - e menos assustadora para a tomada de decisões, como pretenderei demonstrar

neste trecho.

Ao enfrentar um obstáculo, corremos um risco, mas ao desviar-se dele, também; o que

muda apenas é a natureza do risco. No primeiro caso, precisamos contar com a resistência do

8 Fonte: Musashi, Miyamoto. Um Livro de Cinco Anéis. Ediouro: Rio de Janeiro, 1974, p. 101.

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11

obstáculo, no segundo com a possibilidade de encontrar outros obstáculos no caminho. Mas, a

análise não deveria parar aí. Em ambos os casos também há oportunidades; por exemplo, no

primeiro, a chance de eliminar um adversário que incomodava e, no segundo, a possibilidade de

descobrir algo inesperado, talvez até um filão de ouro. O fato é que oportunidade e ameaça estão

fatalmente irmanadas no risco, o que poucos executivos reconhecem e usam como variável

dinâmica do seu planejamento.

A associação indelével entre oportunidades e ameaças para formar o risco ajuda-nos a

melhor entender a natureza do processo decisório nas empresas. Entre outros, ela destrói o mito

de que os empresários mais bem-sucedidos são os mais audazes - os que enfrentam ameaças (e

apenas ameaças) com mais coragem do que outros. A nós convence a opinião de McClelland que

o empresário é, acima de tudo, uma pessoa com uma alta necessidade de auto-realização

(achievement), associada a uma preferência por uma tomada moderada de riscos.9

Esta maneira de ver o empresário recebeu, recentemente, um forte apoio de um trabalho

realizado pelo professor do MIT Edward Bowman, que investigou a natureza do risco em 85

setores de atividade e suas principais empresas. Ele chegou a uma surpreendente conclusão:

nem as empresas dentro dos setores investigados nem os setores em si demonstram uma

correlação positiva entre riscos e retornos. Pode até se dizer que as empresas que não se

arriscam muito são as que têm as melhores chances de atingir retornos mais elevadas.10

Como conciliar este resultado com a afirmação comum de que o lucro representa o prêmio

que o empresário recebe por ter assumido um risco no passado? Bowman aventa várias

hipóteses, entre elas a noção de que as firmas bem administradas não precisam se envolver em

riscos elevados para atingir bons resultados, enquanto as menos bem administradas são

"empurradas" para decisões que envolvem riscos maiores.

A pergunta que se impõe a esse tipo de interpretação é, evidentemente, a seguinte: em

que consiste uma "boa" administração? Ou: o que distingue uma má de uma boa administração?

Lamento não poder oferecer uma fórmula simples (ou não tão simples) para responder esta

questão. Mas avento uma hipótese a ela relacionada que pode ser extrapolada de um sugestivo

artigo de Peter Dickson e Joseph Giglierano. Ele chama a atenção para o fato de que o risco é

uma medalha de duas facetas, uma das quais é sistematicamente esquecida. De um lado, temos

o que eles denominam o risco de "afundar o barco". Ele consiste na possibilidade de que alguma

iniciativa deixe de oferecer resultados satisfatórios. O outro lado, "perder o barco", refere-se ao

risco de uma empresa não tirar proveito de uma oportunidade, seja porque não se apercebeu

dela, ou simplesmente porque deixou passá-la. É nela que não se pensa muito, apesar de sua

importância.11

Aproveito-me desta visão dicotômica para tentar uma explicação complementar à tese de

Bowman. Parece-me que uma das condições fundamentais para tornar uma administração "boa"

(isto é, financeiramente bem-sucedida) é a capacidade de seus dirigentes conseguirem identificar

e aproveitar-se de oportunidades antes de seus concorrentes. Eles sabem da relação

oportunidade/ameaça inerente a qualquer risco, não a temem, mas, pelo contrário, procuram tirar-

lhe proveito antecipando-se à ação competitiva.

9 É esta a tese central defendida por David C. McClelland e David G. Winter em Motivating Economic Achievement, The

Free Press, New York, 1969. 10

Fonte: Bowman, Edward H. A Risk/Return Paradox for Strategic Management. Sloan Management Review, v. 21 n.

3, Spring 1980, pp. 17-31. 11

Fonte: Dickson, Peter R.; Giglierano, Joseph J. Missing the Boat and Sinking the Boat: A Conceptual Model of Entrepreneurial Risk. Journal of Marketing, v. 50, n. 3, July 1 1986, pp. 58-70.

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12

Ao tentar "testar" este conceito à luz da minha experiência com as empresas, posso

afirmar com convicção: tanto os empresários, quanto os executivos inovadores que conheci,

tinham e têm esse dom (provavelmente mais inato que cultivado) de reconhecer oportunidades

latentes e de usá-las com vantagem para seus negócios, sem envolver-se em grandes riscos.

Ao encarar o risco sob o duplo enfoque oportunidade/ameaça, torna-se particularmente

recomendável a obediência à lei dos meandros durante a tomada das decisões mais importantes

nas empresas. Afinal, quem está disposto a avaliar as oportunidades e ameaças implícitas na

escolha de vários caminhos, mesmo que indiretos, tem melhores chances de ser bem-sucedido do

que quem insiste num só caminho apenas por ser o mais direto.

8) Antecipe-se aos movimentos; não aguarde a sua passagem.12

Tenho observado, com freqüência, como as empresas encaram o seu futuro. Na grande

maioria dos casos, elas deixam-se nortear pela seguinte norma: "O que virá certamente será uma

continuação daquilo que era e ainda é. Portanto, para entender o futuro, precisamos conhecer o

passado e o presente." Para verificar se a empresa pensa e age assim, basta olhar os seus

relatórios de previsão de vendas. Geralmente, ao menos no Brasil, eles não passam de

extrapolações de tendências seculares.

Ultimamente, dois fatores agravaram esta sagração da média representativa. Um é a

variedade e o crescente grau de sofisticação dos métodos estatísticos de previsão (aos quais

voltaremos abaixo), outro são os custos decrescentes do hardware e software. Ambos esses

benefícios contribuíram para difundir e intensificar o vício da acomodação. É tão mais fácil projetar

as tendências do passado do que ir à busca de oportunidades! Mas é precisamente isto que se

recomenda fazer: observar o ambiente externo para detectar movimentos inovadores que se

prestam para a exploração econômica, ou até criar condições de oferta que atendam a

oportunidades de mercado em estados ainda latentes.

Quase sempre, antecipar é melhor do que projetar. São poucas as empresas no mundo

que adotam esta regra, não apenas porque é mais cômodo confiar-se na tradição, mas também

porque é difícil identificar-se oportunidades quando ainda são cruas. Empresas muito experientes

tornaram-se vítimas dessa dificuldade, como a Spalding, que perdeu a sua liderança de mercado

para a Wilson porque não conseguiu identificar o surto mundial de tênis que surgiu no final da

década de 60. Da mesma maneira, a famosa produtora de filmes cinematográficos, a 20th

Century-Fox descartou o surgimento dos videocassetes como uma tendência de moda passageira

e, inclusive, cedeu o direito de reprodução de 50 de seus melhores filmes para uma pequena

organização, denominada Magnetic Video, pelo irrisório valor de US$ 1 milhão. Mas, logo mais,

percebeu o seu erro e quis reaver os seus direitos. Para consegui-los, teve de absorver a

Magnetic - o que lhe custou US$ 7,5 milhões.

Provavelmente, os exemplos mais famosos de cegueira de oportunidade são o da máquina

copiadora Xerox e do aparelho de som estereofônico portátil Walkman. Em ambos os casos, uma

atitude conservadora foi responsável pela cegueira que impediu reconhecer uma inovação

tecnológica que virou um grande sucesso de mercado. A máquina Xerox foi rejeitada por

empresas como a DuPont e a Kodak; no caso do Walkman, uma pesquisa de mercado mal

12

Fontes dos dados desta seção: Dickson; Giglierano, 1986; Traumfabriken erstrahleh in neuem Glanz. Der Spiegel, n.

48, 24/11/1980; Business Week (06/03/1978; 13/04/198109/02/1987).

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13

conduzida revelou que o produto não teria demanda suficiente. Era preciso visão e coragem para

provar a ampla aceitação das duas inovações.

Os dois exemplos clássicos mostram quão difícil e enganosa é a arte de antecipação. Mas,

quem quer chegar à vanguarda, precisa cultivá-la com carinho e dedicação. Isto implica saber

conjugar quatro funções: primeiro, a de investir no desenvolvimento de inovações que, segundo,

preenchem um nicho de mercado. Ademais, terceiro, é preciso ter um "faro" por oportunidades e,

finalmente, ter a coragem de enfrentar a resistência de opositores - sem nenhuma garantia

concreta de sucesso em mãos. No entanto, as empresas que conseguem conjugar estes quatro

ingredientes têm largas chances de se tornarem prósperos líderes de mercado. Tome o caso da

Tetrapak, o gigante produtor sueco que domina o mercado mundial de um produto que parecia

pouco promissor há poucos anos: a embalagem asséptica de produtos alimentícios. Hoje ela já

domina pelo menos 1/3 do mercado europeu de leite e está rapidamente aumentando a sua

participação na embalagem de outros produtos, como sucos de fruta e achocolatados.

Por assim dizer, no outro lado da cerca deste sueco, encontram-se os grandes produtores

de embalagens tradicionais, como os fabricantes de latas de alumínio e de aço inoxidável. Todos

eles devem estar cientes do declínio inevitável e fatal em que se encontra o seu mercado, mas

poucos estão reagindo à altura. Entre eles se destaca a Alcoa que recentemente optou por um

caminho estratégico que pode até parecer incoerente: enquanto, com muita garra, defende a sua

posição de liderança como produtora de embalagens de alumínio, não hesita em preparar-se para

o momento em que terá de abandonar o que hoje de longe constitui a sua principal linha. A tarefa

não é fácil porque obriga a administração a pregar duas filosofias contraditórias: a de defender

uma posição considerada perdida e a de buscar novas opções tecnológicas ainda envoltas de

uma densa neblina. A esta altura, apenas um indício parece seguro neste caminho: a de que os

produtos de embalagem do futuro serão mais densos em tecnologia e menos densos em termos

de material. Mas o que isto implica quanto a tipos de produtos e modalidades de combinações

tecnológicas, ainda está por ser descoberto. Não é em vão, portanto, que a Alcoa está hoje

empregando cerca de 1.200 pesquisadores em seus laboratórios.

Esses exemplos demonstram de maneira mais ou menos dramática o que vale para a

totalidade das empresas: encarar o futuro como uma mera projeção linear do passado não só

conduz a erros crassos de estimativa; implica também menosprezar os efeitos da lei dos

meandros e, sobretudo, bloqueia a visão das oportunidades e ameaças do momento. Portanto, o

que se recomenda às empresas que desejam avaliar as suas chances no futuro, é partir de uma

base atual zero e cultivar a sua sensibilidade para detectar a natureza dos riscos - no seu duplo

sentido - implícita no seu tipo de negócio. Depois, ao projetar as perspectivas das opções mais

promissoras, convém voltar aos meandros do passado em busca de ensinamentos

potencialmente proveitosos para a escolha da opção de menor risco em relação a suas

expectativas de retorno.

Dada a sua importância e dificuldade, a arte e as técnicas da antecipação deveriam ser

tratadas com a mesma seriedade que se atribui a todos os outros "princípios" de administração de

que nos falam os livros-textos, tais como o planejamento, a organização, a delegação e o controle.

Ela também mereceria bem mais atenção do que está recebendo, tanto nas salas de aula quanto

nas reuniões dos executivos. As suas principais facetas - a de ficar "de olho" para descobrir sinais

(positivos ou negativos) de mercado em suas fases embrionárias e a de investir em inovações

tecnológicas - exigem mais sensibilidade do que os métodos sofisticados de quantificação, mas

também são mais voláteis. Tanto mais convém promovê-las na empresa através de programas de

treinamento e incentivos, de investimentos em P&D e da criação de um clima propício a uma

melhor compreensão da natureza do risco.

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9) Ao planejar, aproveite-se, mas desconfie dos métodos e modelos pré-fabricados.

Esta recomendação pode parecer contraditória, mas não pretende sê-la. É que vivemos

numa época em que tanto os cientistas quanto os leigos se curvam demasiadamente perante as

tecnologias do modelo. Não que estas não mereçam a nossa confiança ou até admiração,

sobretudo como instrumentos de apoio à decisão e de simplificação de processos. Mas, aos

poucos, esses modelos, quantitativos ou não, começaram a ser encarados como a palavra final,

não mais como guias de conduta das decisões.

Para nós, o grande mérito dos métodos e sistemas quantitativos está na sua versatilidade

de aplicações. Atualmente, uma empresa pode empregar métodos simples ou complexos, mas

não necessariamente dispendiosos, para analisar opções de ação estratégica usando modelos de

viabilidade econômica, simulações dos mais diversos tipos, árvores de decisão, análises

multiatributivas de utilidade ou outros métodos de natureza estatística que se prestam para

equacionar problemas tais como: localização de fábricas, armazéns ou aeroportos; alocação de

verbas para fins específicos, como para o P&D ou a publicidade; avaliação de opções de

investimentos e seus retornos potenciais; confrontos entre sistemas alternativos de distribuição e

logística; análise de riscos financeiros e seus fluxos de caixa; previsões de vários tipos de

ocorrências, como vendas e o comportamento cíclico ou sazonal de um setor de atividade;

vantagens e limitações da integração vertical; ou mesmo dos prós e contras de se entrar num

novo tipo de negócio.

Distintas que sejam essas aplicações, todas elas têm uma característica em comum: são

quantificáveis. O seu principal valor reside na faculdade de confrontos objetivos entre alternativas

mensuráveis. O seu risco, de outro lado, não consiste tanto, como se afirma frequentemente, na

dificuldade de submeter questões de ordem estratégica a processos quantitativos, mas antes na

tendência de tomar os resultados das análises quantitativas por recomendações irrefutáveis e,

sobretudo, no risco de subestimar a influência de fatores políticos, ou simplesmente subjetivos, no

processo decisório.

É, como afirma um experiente diretor de planejamento de uma empresa de peso, a AT&T:

o planejador

"(...) frequentemente emergente de disciplinas quantitativas, como economia, engenharia,

pesquisa operacional ou ciência de computação, concebe a corporação como se fosse um

modelo de programação linear - uma refinaria de óleo, cujas vísceras são controláveis por

antecipação e compostas de urna miríade de porteiras do tipo sim/não que produzirá um

comportamento otimizante da parte de 60.000 operários.”.13

Felizmente, por exigirem um bom preparo matemático ou, ao menos sistêmico (que não

costuma ser o forte dos executivos), os modelos quantitativos causam ainda menor confusão nas

cabeças do gerente moderno do que os inúmeros instrumentos analíticos existentes no mercado e

que partem de premissas simplificadas da realidade, mas que requerem apenas um módico

conhecimento das disciplinas exatas. Eles tornaram-se as principais armas do planejador do

nosso tempo. Trata-se da enxurrada de instrumentos mágicos de decisão com que fomos

inundados a partir da década de 70, como os grids, portfólios, BCGs, ADLs, PIMs e sistemas

matriciais, sem falar das várias teorias "letradas", como X, Y, Z e M, que nos foram apresentados

como uma espécie de evangelho em incontáveis seminários e palestras e que milhões de

gerentes aceitaram comodamente em milhares de empresas do mundo. Com eles, o poder dos

13

Fonte: Blass, Walter P. Ten Years of Business Planners. Long Range Planning, v. 16. n. 3, 1983, p.21.

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planejadores estratégicos atingiu alturas nunca antes imaginadas por um pessoal de staff,

evidentemente provocando fortes reações e invejas por outros executivos, particularmente os de

linha. Ocorre que esta hegemonia só poderia perdurar até que se percebesse quão frágil são os

modelos e instrumentos para a tomada de decisões. Mais uma vez, os administradores tinham de

reaprender a lição de que não há sistemas nem máquinas capazes de substituir o processo

decisório; e reconhecer que eles só servem para colocar alguma ordem nos nossos pensamentos,

ajudando-nos a separar o eventual do impossível.

Mas somos todos mais ou menos vítimas das nossas paixões. Eis um exemplo de dois

competentíssimos especialistas da análise de processos decisórios e que, na abertura de seu

livro, formulam o seguinte problema: coloque-se na posição de um alto executivo de uma empresa

que acaba de descobrir que um subordinado valioso e confiável, cujos numerosos julgamentos no

passado sempre tinham sido infalivelmente precisos, na realidade tinha baseado as suas decisões

nos conselhos de uma cartomante. E perguntam: “Você promoveria este homem, ou o mandaria

embora?” Respondem os autores, com uma dose de humor britânico: “A resposta, naturalmente, é

mandá-lo embora e contratar a cartomante como consultora!”.14 Será? Não seria preferível não

interferir na relação do gerente com a cartomante e convidá-lo a participar da sociedade?

Esperemos que um dia sejam descobertos modelos à altura do talento de uma boa

cartomante. Eles teriam de conjugar insumos mensuráveis e projetáveis com variáveis

psicossociais e políticas. As opções estratégicas teriam de ser claramente indicadas, com todas

as vantagens e limitações para uma grande variedade de decisões, que partiriam das mesmas

premissas, mas indicariam caminhos distintos de ação, "acompanhando-os", passo a passo,

quanto as suas repercussões sobre os objetivos preestabelecidos do programador, através de um

conjunto de simulações "quanto-qualitativas" que não deixassem mais muitas dúvidas quanto ao

caminho mais aconselhável a seguir.

Por enquanto, é claro, estamos longe deste "ideal" (?), o que nos obriga a nos contentar

com os modelos e métodos à disposição, úteis como instrumentos de apoio para traçar rotas

alternativas e esclarecer algumas dúvidas, mas ainda incapazes de propor decisões à prova de

fogo. Enquanto isto não acontecer, convém aplicar a lei dos meandros de forma mais intuitiva do

que científica, recorrendo à experiência e à imaginação, mas sempre com uma certeza em mente:

os caminhos da decisão jamais são linhas retas.

14

Fonte: Moore, P. G.; H. Thomas. The Anatomy of Decisions. Penguin: London, 1976, p. 13.