curso de direito - arquivo.fmu.brarquivo.fmu.br/prodisc/direito/dpa.pdf · nesse cotejo,...

63
Curso de Direito O Crime de Fraude Contra Credores DANIELA PEREIRA ALBUQUERQUE Registro Acadêmico 518643/1 Turma 3209D (011) 8974-0573 [email protected] São Paulo 2012 1

Upload: lethuy

Post on 18-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Curso de Direito

O Crime de Fraude Contra Credores

DANIELA PEREIRA ALBUQUERQUE

Registro Acadêmico 518643/1

Turma 3209D

(011) 8974-0573

[email protected]

São Paulo

2012

1

Curso de Direito

O Crime de Fraude Contra Credores

DANIELA PEREIRA ALBUQUERQUE

Registro Acadêmico 518643/1

Professora Orientadora Cinira Gomes Lima Melo Peres

Monografia apresentada à Banca Examinadora do

Centro Universitário das Faculdades

Metropolitanas Unidas, como exigência parcial

para a obtenção de título de Bacharel em Direito

sob a orientação da Professora Cinira Gomes

Lima Melo Peres.

2

3

São Paulo

2012

O Crime de Fraude Contra Credores

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________

Professora Cinira Gomes Lima Melo Peres

___________________________________________________________

Professor(a) _______________________________________

___________________________________________________________

Professor(a)____________________________________________

4

Resultado da Avaliação: _____._____(________________)

DEDICATÓRIA

Este trabalho de conclusão de curso é dedicado

aos meus pais e a minha irmã, que me auxiliaram

durante toda a vida, sempre ensinando a buscar a

realização dos meus sonhos, aos grandes

profissionais com os quais trabalhei, bem como

aos meus professores, que tanto me ensinaram

durante minha vida acadêmica e profissional, a

5

todos os meus amigos, em especial Fernando,

André e Diego, que me acompanharam e ajudaram

durante este longo trajeto, cada um da sua maneira

e ao meu namorado e amigo Caio Henrique, pelo

amor, companheirismo e incentivo em todas as

horas.

Sinopse

O presente trabalho tem por escopo o estudo do crime de fraude contra

credores, previsto na Lei de Falências e Recuperação Judicial, Lei 11.101 de 2005,

pretendendo ainda relacioná-lo com alguns dos demais crimes falimentares.

Será exposto um estudo breve, mas necessário, sobre a evolução da norma

no mundo e posteriormente no Direito Pátrio, para que se entenda o desenvolvimento

da norma através dos tempos.

Serão também conceituados os pontos principais da norma falimentar de

modo que o leitor possa bem compreender a matéria como um todo, analisando-se

posteriormente os sujeitos passivo e ativo, o bem jurídico tutelado, a possibilidade de

tentativa, o concurso de pessoas, bem como as causas de aumento e diminuição de

pena, previstas nos parágrafos e incisos do artigo 168 da Lei 11.101 de 2005.

Far-se-á, como apontado alhures, um estudo sobre a relação deste crime

com os demais previstos na Lei, para que se entenda a ligação entre eles e o prejuízo

6

sofrido não só pelos credores, mas como também pela própria Massa Falida e pelo

Judiciário como um todo.

Por fim, o trabalho contará com um apêndice com figuras explicativas e

gráficos que, juntamente com as explanações aqui propostas, certamente

proporcionarão uma abordagem clara e didática sobre este tema de tão importante

hodiernamente.

Sumário

Introdução 1 1. A Falência 4 1.1. Origem Etimológica do Termo Falência 4 1.2. Conceito e Nomenclatura 4 1.3. Natureza Jurídica da Falência 6 2 Evolução Histórica da Norma Falimentar 8 2.1. Evolução da Norma Falimentar no Brasil 103. Princípios Norteadores da Norma Falimentar Brasileira 133.1. Preservação da Empresa 133.2. Separação dos Conceitos de Empresa e de Empresário 143.3. Recuperação das Sociedades e Empresários Recuperáveis 143.4. Retirada do Mercado de Sociedades ou Empresários não Recuperáveis 143.5. Proteção aos Trabalhadores 153.6. Redução do Custo do Crédito no Brasil 153.7. Celeridade e Eficiência dos Processos Judiciais 153.8. Segurança Jurídica 163.9. Participação Ativa dos Credores 163.10. Maximização do Valor dos Ativos do Falido 16

3.11. Desburocratização da Recuperação de Microempresa e Empresas de Pequeno Porte 17

3.12. Rigor na Punição dos Crimes Relacionados à Falência e à Recuperação Judicial 17

4. Conceitos Atinentes ao Tema 18

7

4.1. Recuperações Extrajudicial, Judicial e Falência 184.2. Sentença Declaratória 235. Crime Falimentar 255.1. Conceito 265.2. Natureza Jurídica do Crime Falimentar 285.3. Sentença Declaratória como Condição Objetiva de Punibilidade 295.4. Juízo Competente 306. Fraude Contra Credores 326.1. Breve Comparativo entre o Delito na Lei Anterior e Lei Vigente 326.2. Bem Jurídico Tutelado 336.3. Sujeito Ativo 336.4. Sujeito Passivo 346.5. Elementos Subjetivo e Objetivo do Tipo Penal 346.6. Causas de Aumento de Pena 356.7. Contabilidade Paralela 376.8. Concurso de Agentes 386.9. Redução ou Substituição da Pena 396.10. Consumação 406.11. Concurso de Crimes 40 Conclusão 46 Referências 49

8

Anexos

ANEXO A – Tabela contendo os principais casos de fraude, conforme as rubricas

contábeis ___________________________________________________________ 51

ANEXO B – Tabela contendo as Falências e Recuperações Judiciais requeridas desde

a vigência da Lei 11.101 de 2005. (atualizadas até Fevereiro de 2012)__________ 52

ANEXO C – Tabela contendo as Falências e Recuperações Judiciais deferidas desde a

vigência da Lei 11.101 de 2005. (atualizadas até Fevereiro de 2012)____________ 53

9

Introdução

O presente trabalho, como destacado anteriormente na sinopse, tem por

objetivo principal o estudo do crime de fraude contra credores no âmbito da Lei de

Falência e Recuperação Judicial, Lei 11.101 de 2005, analisando-se todos os aspectos

deste tipo penal.

Entrementes, antes do estudo do tema central, para que o leitor possa ter

uma boa compreensão do conteúdo, primeiramente serão abordados o conceito, a

origem do termo que se pretende estudar, bem assim sua natureza jurídica.

Será traçado também um prisma da evolução da norma falimentar desde os

primórdios da civilização jurídica até os dias atuais, abordando-se também esta

evolução no Direito Pátrio.

Posteriormente, serão explicados os princípios norteadores da norma

falimentar no Brasil que, como de conhecimento comezinho, são de relevante

importância para a interpretação e aplicação das normas.

Também serão explicados alguns conceitos básicos, fundamentais na norma

falimentar como um todo e, de igual forma, de enorme importância na parte que se

pretende estudar, qual seja, a parte criminal, com ênfase no crime de fraude contra

credores.

10

Adentrando-se ao bojo do trabalho, serão feitas proposições acerca dos

crimes falimentares, tais como seu conceito, sua natureza jurídica, juízo competente

para julgamento e condições de punibilidade de todos os crimes falimentares.

Por oportuno, sobre o crime de fraude contra credores, será traçado um

comparativo entre o tipo penal na vigência da Lei anterior e na vigência da Lei atual,

destacando-se as principais diferenças entre ambas.

Abordar-se-ão todos os incisos do tipo penal, tais quais as diversas causas

de aumento de pena, entre elas as adulterações de escrituras contábeis e destruição de

dados negociais, bem como aquela prevista no parágrafo 2º da Lei de Falências e

Recuperações Judiciais, que trata especificamente do chamado “Caixa Dois”.

Ainda nesta seara, serão apontados dentro do crime de fraude contra

credores, quais são os sujeitos ativo e passivo, o bem jurídico tutelado, o elemento

subjetivo e objetivo do crime.

Finalmente, mas não menos importante, será traçado um paralelo entre o

crime de fraude contra credores e alguns dos outros crimes previstos na Legislação

Falimentar, de modo que se possa verificar a facilidade da ocorrência de crime

continuado e/ou concurso de crimes.

Restará comprovada a ligação entre o crime de fraude contra credores e

alguns dos demais crimes previstos no diploma falimentar, e tal ligação somente

confirmará o fato de que embora se verifiquem algumas lacunas na Lei, esta foi muito

11

bem desenvolvida pelo legislador, de modo a minimizar os efeitos de empresários de

mal intencionados.

De todo o exposto, será apresentada ainda uma conclusão abrangendo todos

os temas estudados traçando-se pontos positivos e negativos da Lei avaliando-se a

importância desta para a sociedade empresária, para o comércio, os credores, enfim,

todos aqueles interessados no bom desenvolvimento do processo falimentar e

recuperacional e correta prestação jurisdicional do Estado.

Por fim, serão expostos alguns julgados de relevante interesse para a

matéria, bem como dados estatísticos, que comprovarão a eficácia do novo diploma e

o quanto é importante o Legislador e o Poder Judiciário continuarem combatendo os

crimes falimentares com o necessário rigor, para que se proteja a lisura das atividades

comerciais e a sociedade como um todo.

12

1. A Falência

A Falência, como se sabe, é a situação da empresa que, por razões alheias a

sua vontade ou não, deixa de honrar com seus compromissos para com seus clientes,

fornecedores, etc. Entretanto, faz-se necessário um breve estudo introdutório nesse

sentido, sobre o termo. Vejamos.

1.1. Origem Etimológica do Termo Falência

A palavra falência tem origem do latim, advindo do verbo latino fallere,

que significa enganar, faltar com a palavra, com a confiança, cair, tombar, incorrer em

culpa, cometer uma falha.

Frequentemente e não há muito tempo, utilizava-se também o termo

bancarrota para indicar a falência. A origem desta palavra é francesa, sendo a grafia

correta bancarrotta, que podia ser diferenciada entre simplice (decorrente de

negligência, imprudência e imperícia) e fraudulenta, que indicava a falência que

ocorria por má-fé e dolo.

1.2. Conceito e Nomenclatura

O conceito de Falência abrange duas óticas diferentes, sendo certo que

pode-se conceitua-la no âmbito jurídico e no econômico, como se verá mais à frente.

13

Em assim sendo, o conceito econômico pode ser assim transcrito: “é a

condição daquele que, havendo recebido uma prestação a crédito, não tenha à

disposição para a execução da contraprestação, um valor suficiente, realizável no

momento da contraprestação1”.

Já naquele conceito que mais nos interessa, o jurídico, tem-se, nas palavras

do festejado Amador Paes de Almeida que:

“Processo de execução coletiva por congregar todos os credores, por força

da vis attractiva (força atrativa) do juízo falimentar. Verdadeiro

litisconsórcio ativo necessário, ou seja, elo que reúne diversos litigantes em

um só processo ligados por comunhão de interesses.2”

Por oportuno, para que se bem desenvolva o trabalho, é necessário também

explicar a nomenclatura correta que parte da doutrina entende como sendo

“FALENCIAIS” e parte entende como sendo “FALIMENTAR”.

Nesse cotejo, compartilha-se da opinião de Fábio Ulhoa Coelho que

entende que “crime falimentar pode ser entendido como o tipificado na Lei de

1 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação de Empresa. 26ª Ed – São Paulo: Saraiva, 2012, p.40.

2 ALMEIDA, Amador Paes de. Op. cit., p. 40.

14

Falências e não aquele para o qual é condição a decretação da quebra de um

empresário3”.

Assim, para que se facilite a compreensão, utilizaremos o termo

“FALIMENTAR”, porquanto já pacificado na jurisprudência e doutrina, esclarecendo,

contudo, que quando for utilizado, não necessariamente estará se falando de eventos

ocorridos somente na falência, mas como também daqueles ocorridos nas

Recuperações Judiciais, a depender do tema que se trate.

1.3. Natureza Jurídica da Falência

A natureza jurídica é a aproximação que determinado instituto possui com

uma grande categoria jurídica, sendo, portanto possível incluí-lo dentro daquele, a

título de classificação.

Pois bem. Nesse particular, a doutrina não é uníssona, sendo certo que o

Direito Falimentar envolve diversas ciências jurídicas, a saber: Comercial, Civil,

Administrativo, Processual e, com destaque para o tema que se pretende estudar, o

Direito Penal.

Entretanto, no Direito Pátrio, tal matéria sempre foi encaixada no Direito

Mercantil, embora possua o tema natureza sui generis, sendo certo que não se

3 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falência e de Recuperação de Empresas. 7. ed. Ver. - São Paulo: Saraiva, 2010 p.462

15

confunde a Falência com qualquer outro instituto, possuindo ela os próprios princípios

e diretrizes, formando-se um sistema inexoravelmente diferente dos demais,

denominado Direito Falimentar.

16

2. Evolução Histórica da Norma Falimentar

Como apontado acima, a legislação falimentar e recuperacional visa

regulamentar funcionamento da empresa que se encontra em situação de dificuldade

ou que já “quebrou”, bem como os assuntos atinentes a esse fato.

A legislação falimentar, assim como diversos institutos jurídicos, teve

surgimento há muito tempo atrás, na civilização Romana, onde o comerciante que

deixasse de quitar com suas obrigações, pagava não com seu patrimônio, mas com seu

próprio corpo, recaindo sobre este, várias punições, inclusive ser tomado por seus

credores como escravo ou mesmo pagando com a própria vida.

Tal sistema vigorou até 428 a.C com o surgimento da Lex Poetelia Papira,

divisora de águas, pois substituiria a norma antiga pelo sistema que se conhece hoje,

em que a dívida recai sobre o patrimônio e não mais sobre o corpo do devedor 4.

Posteriormente, surgiria então o instituto da bonorum venditio, que é a

primeira norma que se assemelha com o instituto Falimentar, já que neste sistema,

quando o devedor não cumpria com sua obrigação perante do credor, seus bens

poderiam ser, por ordem do pretor, alienados a um curador (curator bonorum) que os

administrava, vendia e quitava as dívidas não saldadas através de rateio.

4 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação de Empresa. 26ª Ed – São Paulo: Saraiva, 2012, p.29.

17

Também nesta época, várias alterações recaíram sobre a norma até que ela

estivesse em harmonia com o que se esperava do sistema jurídico daquela época. Um

desses exemplos é que, em razão de várias fraudes verificadas pela administração de

todos os bens por uma única pessoa, surgiu o instituto da missio in bona, onde os

credores assumiam posse dos bens do devedor sob a supervisão do pretor 5.

Havia ainda algo assemelhado ao chamado rol de credores, que será

apresentado mais a seguir, já que também nessa época eram afixados pela cidade

dizeres, dando publicidade ao procedimento, principalmente nos locais onde o devedor

exercia suas atividades comerciais, para que os demais credores pudessem reclamar

seus eventuais créditos.

Mais a frente, durante a Idade Média, nota-se evolução da norma

empresarial e, consequentemente, da norma falimentar, em razão do grande

desenvolvimento do comércio marítimo e, surge uma grande mudança, que é a sub-

rogação da dívida, que sai da pessoa do credor, passando então a ser cobrada pelo

Estado.

Em um primeiro momento, tais medidas aplicavam-se a todos da sociedade

e com o fortalecimento do comércio, restringiram-se apenas aos comerciantes, em

países como Áustria, Dinamarca, Hungria, Inglaterra, Noruega, etc.

5 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Direito Falimentar Brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 21, 31/05/2005. Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_Le itura&artigo_id=594>. Acesso em 08/03/2012.

18

É importante ressaltar neste ponto que nesta época, a falência era

considerada um crime, sendo punível com cartazes com dizeres infame e até

mutilações, mostrando que a punição física ainda não se encontrava completamente

divorciada do Sistema Jurídico.

No Código Napoleônico, codex de grande importância para o

desenvolvimento do Direito como um todo, em todas as suas áreas, é que se verifica a

maior evolução da norma falimentar. A Lei especial somente era aplicada aos

comerciantes e, nos casos em que não se verificasse o dolo para a condução ao estado

de Falência, eram concedidas as benesses da moratória.

2.1. Evolução da Norma Falimentar no Brasil

No Brasil-Colônia aplicavam-se as Leis editadas e vigentes em Portugal,

que na época, eram as Ordenações Afonsinas. Tais normas foram seguidas pelas

Ordenações Manuelinas e, durante sua vigência, determinava-se que o devedor seria

preso até que saldasse sua dívida, a menos que, de própria vontade, oferecesse seus

bens para quitá-las, providência adotada e instituída pelo Direito Italiano.

Entretanto, foi somente em 1756, especificamente em 13 de novembro, que

surgiu o Alvará elaborado pelo Marquês de Pombal, que traria nova fase ao Direito

Falimentar Brasileiro, porquanto agora, a norma somente seria aplicada aos homens de

negócio.

Havia ainda a necessidade de o devedor comparecer à Junta Comercial

jurando a verdadeira causa de sua falência, entregando também as chaves "dos

19

armazéns das fazendas", declarando ainda todos os seus bens "móveis e de raiz",

entregando o Livro Diário e apontado todos os assentos de todas as mercadorias6.

Já havia a previsão do Edital de credores e também uma reserva do produto

da venda dos bens do devedor para que este pudesse sustentar a si e sua família, bem

como notava-se a existência de comandos penais que previam que caso houvesse dolo

ou Falência Fraudulenta, procedia-se à prisão do devedor.

Passando pelo período pós-independência, diversas normas foram editadas

e nos termos destas foram instituídas, por exemplo, a moratória e possibilidade de

acordo prévias que, posteriormente foram sendo modificadas e melhoradas, através da

Lei 2.024/1908, editada por Carvalho de Mendonça, antecipando institutos da Lei

atual.

Em 1945 foi publicada a norma antecessora da Lei 11.101 de 2005, o

Decreto- Lei 7.661 de 1945 na qual verificamos a possibilidade de que qualquer

empresário conseguisse pleitear a concordata (nomenclatura antiga da recuperação

judicial), independentemente de possibilidade de recuperação.

Finalmente, em 2005 entrou em vigor a Lei 11.105, sendo atual norma que

regula a Falência e Recuperação judicial. Na valiosa lição trazida por Fábio Ulhoa

Coelho “duas alterações importantes se verificam no cotejo dessas disposições: a)

6 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação de Empresa. 26ª Ed – São Paulo: Saraiva, 2012, p.32.

20

redução da autonomia do administrador judicial em relação à atribuída pela Lei ao

síndico; b) simplificação e racionalização do procedimento de escolha” 7.

Assim é que a norma falimentar foi evoluindo através dos tempos, até que

chegasse à Lei que hoje conhecemos, mostrando-se adequada e contemporânea,

visando diminuir sobre a sociedade, como um todo o impacto causado pela Falência ou

processo de Recuperação da empresa.

7 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falência e de Recuperação de Empresas. 7ª ed. Ver. - São Paulo: Saraiva, 2010 p.65.

21

3. Princípios Norteadores da Norma Falimentar Brasileira

Segundo o Dicionário Jurídico Referenciado, princípio é “uma regra,

preceito, razão primária, proposição, verdade geral, em que se apoiam outras

verdades” 8 e, como todo ramo do Direito, também a Falência possui seus princípios

norteadores, que serão abordados superficialmente. Senão vejamos:

3.1. Preservação da Empresa

Provavelmente este é o princípio mais importante que norteia o Direito

Falimentar, pois, em verdade, sempre que possível o Estado visará recuperar a

empresa e não dar cabo dela. Assim, a preservação da empresa deve ser precedida

sempre que possível.

Preservar a empresa significa criar emprego, consequentemente renda.

Significa gerar riqueza econômica, corroborando no crescimento e desenvolvimento

social do País.

O revés causa perda de todo o capital integralizado, maquinário, pessoal já

treinado, nome empresarial, marca, know-how, ponto comercial, fornecedores,

clientes, que levam anos para serem solidificados e dificilmente são possíveis de serem

recuperados.

8 HORÁCIO, Ivan. Dicionário jurídico referenciado – São Paulo: Primeira Impressão, 2007. P. 721

22

3.2. Separação dos Conceitos de Empresa e de Empresário

É de conhecimento comezinho a básica diferença entre empresa e

empresário. A Lei 11.105 de 2005 tem como princípio basilar a diferença entre estas

duas figuras principalmente porque, quando necessário, divorciar-se-á um do outro

para sobrevivência da empresa. Assim, caso outro empresário ou sociedade tenha

condições, pode assumir a condução da empresa em recuperação para que esta possa

novamente ser produtiva ao mercado comercial.

3.3. Recuperação das Sociedades e Empresários Recuperáveis

Como discutido anteriormente, a principal função do Estado é tentar manter

a empresa; mas somente aquela que puder ser recuperada. Objetiva-se assim a

manutenção de tudo aquilo e todos aqueles que já estão preparados para o

desenvolvimento da atividade empresária e cabe ao Estado dar instrumentos e

condições para tanto, conforme se verá mais adiante, ainda que algumas mudanças

devam ocorrer.

3.4. Retirada do Mercado de Sociedades ou Empresários Não Recuperáveis

Ao contrário do tópico anterior, quando não se vislumbra possibilidade de

recuperação da empresa, o Estado deverá intervir de forma rápida e eficiente,

minimizando os efeitos nocivos que uma empresa mal gerida ou um empresário mal

intencionado podem causar ainda mais problemas ao mercado econômico.

23

3.5. Proteção aos Trabalhadores

Aliado aos princípios e às normas obreiras, o Princípio da Proteção aos

Trabalhadores está intimamente ligado ao Princípio da Preservação da Empresa,

porquanto manter esta implicará naturalmente na manutenção dos postos de trabalhos

daqueles, que por vezes têm como único bem sua força de trabalho.

Por esta razão é que, os créditos trabalhistas, por exemplo, por terem

natureza alimentar são preferenciais na classificação de créditos (conceito que veremos

mais à frente), devendo, inclusive, serem pagos em prazos bem menores que aqueles

impostos aos demais créditos.

3.6. Redução do Custo do Crédito no Brasil

Também se pretende preservar as instituições financeiras detentoras de

crédito, motivo pelo qual, também o crédito delas, em casos especiais, é privilegiado,

visando sempre o desenvolvimento econômico, como aqueles de garantias reais, por

exemplo.

3.7. Celeridade e Eficiência dos Processos Judiciais

Justamente para que se minimizem os efeitos nocivos causados pela

falência da empresa e o não cumprimento dos compromissos assumidos pelo

empresário para com os demais comerciantes é que, verificada a situação que necessita

da intervenção Estatal de qualquer maneira que seja (desde a homologação de plano de

24

recuperação extrajudicial até a intervenção do Banco Central nos casos de falência de

instituição bancária), dentro do possível aos litígios e a todas as questões será aplicada

a possível celeridade.

3.8. Segurança Jurídica

Este é mais um dos princípios que não somente são aplicados à falência,

mas como a todos os ramos do direito, por tratar-se de materialização de norma

fundamental. Nesse sentido, esse princípio impõe que a norma falimentar seja clara e

cristalina, de modo a evitar decisões conflitantes e interpretações dúbias.

3.9. Participação Ativa de Credores

A nova Lei veio maximizar a participação dos credores no processo

Falimentar e o princípio em comento visa que todos eles, trabalhando ativamente em

conjunto, possam agir de forma a otimizar os resultados, já que são de seu próprio

interesse, bem como evitar a ocorrência de fraudes em todo o processo.

3.10. Maximização do Valor dos Ativos do Falido

Tanto quanto for possível, o Estado deverá achar mecanismos de assegurar

que aos bens da empresa falida seja dado o maior valor possível, mais uma vez para

minimizar os efeitos do processo.

25

Nesse sentido e combinando-se tal princípio como o da Celeridade e

Eficiência dos Processos Judiciais é que não seria adequado que tais “litígios”

levassem muito tempo para serem solucionados, pois acarretaria a deterioração do

patrimônio, o que refletiria em prejuízo para os credores. Ainda, nesse sentido, devem-

se viabilizar maneiras para que se venda a empresa como um bloco, um todo, evitando

assim a perda dos intangíveis.

3.11. Desborucratização da Recuperação de Microempresas e Empresas de

Pequeno Porte

Mais uma vez, verifica-se que o objetivo do Legislador é priorizar a

recuperação da empresa, antes que seu estado seja irrecuperável. Nesse sentido, o

princípio em comento prevê que para que as microempresas e empresas de pequeno

porte possam também ter acesso ao auxílio do Judiciário, normas paralelas às

principais devem ser criadas, tornando o processo recuperacional menos burocrático e

oneroso.

3.12. Rigor na Punição dos Crimes Relacionados à Falência e à Recuperação

judicial

Para o desenvolvimento do bojo do trabalho, este será um dos princípios

mais importantes, pois orientará a interpretação da norma de modo a coibir

veementemente os “crimes falimentares” (mais a frente iremos aclarar o termo)

evitando assim as falências fraudulentas e concessão de benefícios a empresários que

tenham concorrido diretamente e dolosamente para o fracasso da empresa, evitando

assim prejuízos socioeconômicos

26

4. Conceitos Atinentes ao Tema

Muito embora o fito do presente estudo seja o estudo específico do crime de

fraude contra credores, para a melhor compreensão do tema será necessário conceituar

diversos institutos ligados à matéria.

Tais explanações serão importantes para que se entenda também a matéria

como um todo. Vejamos.

4.1. Recuperações Extrajudicial, Judicial e Falência

Como já apontado exaustivamente até este ponto, a Lei de que trata o

presente estudo, qual seja, a Lei 11.101 de 2005 visa recuperar as empresas com

possibilidades reais de soerguimento, sejam elas de pequeno porte ou não ou, no caso

de impossibilidade desta recuperação, a coordenação de todos os bens por pessoa

competente para que, administrando-os, diminua os efeitos danosos à comunidade de

credores.

Quando há real possibilidade de recuperação de uma empresa/empresário

que deixou de honrar com seus compromissos, a Lei prevê duas formas de auxílio: A

Recuperação extrajudicial ou a Recuperação judicial. Vejamos os principais pontos de

cada uma delas.

27

No caso da Recuperação extrajudicial, prevista no artigo 161 e seguintes,

desde que preenchidos requisitos necessários, apontados no artigo 48 da Lei

11.101/959, poderá o devedor reunir seus credores para renegociar suas dívidas.

Ainda, deverão ser observados todos os comandos contidos no artigo 161,

que fala especificamente sobre o procedimento em questão, para que este possa ser

concretizado, o que poderá se dar de duas formas.

Uma delas é aquela apresentada no artigo 162, em que o devedor apresenta

o plano de recuperação extrajudicial, com sua justificativa e seus termos e

documentos, juntamente com as assinaturas de todos os credores que a ele aderiram,

para que seja submetido à análise de Juízo, para homologação.

De outra forma, a homologação do plano de recuperação extrajudicial

poderá ocorrer quando 3/5 dos credores de todos os créditos de cada espécie por ele

abrangidos o aprovarem, obrigando assim os demais credores

Importante destacar que, aqui não há que se falar em administrador judicial

(vide artigos 21 e seguintes da Lei 11.101 de 2005), pois o empresário pretende

cumprir todas as suas obrigações por seus próprios meios, sem a intervenção do Estado

(exceto em razão da homologação do plano).

9 Artigo 48

(...)

I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III – não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

28

Ressalte-se ainda que, o principal diferencial deste tipo de recuperação é a

espécie de créditos sujeitos: não se submetem os créditos tributários, trabalhistas e

decorrentes de acidentes de trabalho, as multas contratuais, multas aplicadas por

infrações penais e aqueles dispostos no Artigo 49, § 3º10, 86, II11 e 161, §1º12.

Na novel legislação, encontra-se ainda a figura da Recuperação judicial, é

tratada no artigo 47 e seguintes e na lição de Paulo Fernando Campos Salles de Toledo

pode ser assim conceituada:

“o instituto jurídico, fundado na ética da solidariedade, que visa sanear o

estado de crise econômico-financeira do empresário e da sociedade

empresária com finalidade de preservar os negócios sociais e estimular a

atividade empresarial, garantir a continuidade do emprego e fomentar o

trabalho humano, assegurar a satisfação, ainda que parcial e em diferentes

10 Artigo 49

(...)

§ 3o Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

11 Artigo 86

(...)

III – dos valores entregues ao devedor pelo contratante de boa-fé na hipótese de revogação ou ineficácia do contrato, conforme disposto no art. 136 desta Lei.

12 Artigo 161

(...)

§ 1o Não se aplica o disposto neste Capítulo a titulares de créditos de natureza tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, assim como àqueles previstos nos artigos. 49, § 3o, e 86, inciso II do caput, desta Lei.

29

condições, dos direitos e interesses dos credores e impulsionar a economia

creditícia mediante a apresentação, nos autos da recuperação judicial, de um

plano de restauração e reerguimento, o qual, aprovado pelos credores,

expressa ou tacitamente, e homologado pelo juízo, implica na novação dos

créditos anteriores ao ajuizamento da demanda e obriga todos os credores á

ela sujeitos, inclusive os ausentes, os dissidentes e os que se abstiverem de

participar das deliberações da assembleia geral” 13.

Assim é que, conforme apontado anteriormente, a Recuperação judicial visa

conceder uma série de benefícios (elencados no Artigo 50 da Lei) ao empresário em

situação econômica decadente, para que, aprovado o Plano de Recuperação judicial e

suspensas suas execuções temporariamente, este possa tentar se reestabelecer, com

vistas a manter sua atividade empresária, preservando assim os postos de trabalho dos

empregados colaborando para a manutenção da Função Social da Empresa.

Ressalte-se ainda, neste ponto que não estão, sob qualquer hipótese, sujeitos

à Recuperação judicial aqueles créditos que tenham se originado após o ingresso do

pedido Recuperacional, sendo certo que estes contribuem de fato para a finalidade da

Recuperação e, em caso de decretação de Falência, serão considerados, nos termos da

Lei, como créditos prioritários (Artigo 67 da Lei).

Ainda, segundo o renomado Fábio Ulhoa Coelho, “também estão excluídos

dos efeitos da recuperação judicial o fiduciário, o arrendador mercantil ou negociante

do imóvel (como vendedor, compromitente vendedor ou titular de reserva de domínio)

se houver cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade no contrato”, bem assim os

13 TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 2. ed. ver e atual. – São Paulo: Saraiva, 2007 p. 119/120.

30

“bancos credores por adiantamento aos exportadores (ACC) 14” e estes últimos são

excluídos justamente para que possam praticar juros menores, de modo a viabilizar a

sobredita Recuperação judicial.

Por fim, encontram-se dispostos nos Artigos 75 e seguintes as regras para a

Falência propriamente dita, decretada quando não há possibilidade de recuperação da

empresa/empresário, visando o procedimento a minimização dos efeitos desta quebra.

A Falência poderá ser requerida pelo próprio empresário, pelo cônjuge

vivente, herdeiro ou inventariante, quotista ou acionista do devedor ou qualquer um de

seus credores, nos termos do Artigo 97. Poderá ainda ser decretada pelo juízo quando:

“Artigo 73

(...)

I – por deliberação da assembleia-geral de credores, na forma do art. 42

desta Lei;

II – pela não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação no prazo

do art. 53 desta Lei;

III – quando houver sido rejeitado o plano de recuperação, nos termos do §

4o do art. 56 desta Lei;

IV – por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de

recuperação, na forma do § 1o do art. 61 desta Lei.”

14 In Comentários à Lei de Falência e de Recuperação de Empresas. 7. ed. Ver. - São Paulo: Saraiva, 2010 p.147.

31

Nestas hipóteses, elencadas no Artigo 73, será a Recuperação judicial

convolada em Falência, sendo o Falido substituído pela Massa Falida, representada

pelo Administrador judicial.

Outro efeito crucial da decisão que decreta a Falência é o vencimento

antecipado dos créditos, ou seja, se há um credor com uma divida vincenda, este

habilitará seu crédito reduzido valor equivalente ao tempo que resta até o vencimento,

possibilitando assim que o ativo da Massa não seja tão afetado.

Também há que se ressaltar que, nos casos de dívidas em moeda

estrangeira, será considerado parâmetro para conversão cambial a data em que for

proferida a decisão que decreta a Falência e não a data em que o débito for quitado,

contrariando a regra geral. Trata-se de mais um dos benefícios previstos pelo

legislador para que o maior número de credores possa ser pago.

Destaque-se que haverá uma ordem de pagamentos que deverá ser seguida,

determinando-se “classes” de credores, em consonância com o disposto no Artigo 83

da Lei 11.101, observada a natureza do crédito habilitado.

4.2. Sentença Declaratória

A Sentença Declaratória que se aborda neste ponto, tem, naturalmente, as

mesmas características de toda e qualquer sentença. Trata-se de “ato do juiz que

implica alguma das situações previstas nos artigos 267 e 269” do Código Civil. Como

sabido, a sentença será um marco no processo porquanto separará a fase instrutória da

fase de execução do direito por ela convalidado.

32

Entrementes, a natureza jurídica da sentença, embora o próprio nome diga

tratar-se de sentença declaratória, em verdade, pode ser considerada também como

uma sentença de natureza jurídica constitutiva. Isto porque mesmo que declare a

falência, defira a recuperação judicial ou homologue o plano de recuperação judicial,

também não deixa de constituir o direito dos credores.

A “sentença declaratória” (utilizar-se-á o termo para definir a sentença que

decrete a falência, autorize o processamento da recuperação judicial ou homologue o

plano de recuperação extrajudicial, exceto quando tratar-se de assunto específico de

algum deles) é extremamente importante conquanto trata-se de condição de

procedibilidade da ação penal e, por conseguinte, de punibilidade do crime, sobre o

qual se falará mais adiante.

33

5. Crime Falimentar

Como apontado acima, a o Universo Falimentar tem diversas figuras que

colaboram para o seu bom funcionamento que, como também já afirmado

exaustivamente, colaboram para que os efeitos da quebra sejam o menos nocivos

quanto possível.

Entretanto, certas práticas e atos, dolosos ou não, findam por culminarem

em prática de crime, que conta inclusive com um capítulo especial na Legislação

Falimentar.

Quanto ao aspecto penal, como bem asseverado pela mais abalizada

doutrina, ressalvados poucos tópicos, a Lei 11.101 de 2005, que entrou em vigor após

mais de meio século de vigência do dispositivo legal anterior, trouxe significativas

melhoras na seara penal, porquanto trouxe regras mais simples tanto no direito

material quanto na tipificação penal, trazendo também nova ótica sobre a prescrição e

extirpando certos institutos.

Não excessivo, por oportuno, lembrar que ao tratar-se de “CRIMES

FALIMENTARES”, o termo poderá abranger tanto os delitos praticados quando da

decretação da falência propriamente dita, como também daqueles praticados antes,

durante ou depois de qualquer das espécies de Recuperação judicial.

34

5.1. Conceito

Na obra de Alexandre Demetrius Pereira encontra-se que crime falimentar é

“toda e qualquer conduta típica, antijurídica e culpável, definida e sancionada no

âmbito penal da legislação penal que possa, efetiva ou potencialmente, agravar a

situação de crise em que se encontra um devedor empresário e cuja punibilidade se

encontra subordinada ao reconhecimento desta conjuntura econômico-financeira pelo

Poder Judiciário, por meio da falência ou recuperação” 15.

Como falado acima, há na Lei de Falência e Recuperação judicial um

capítulo específico sobre os crimes em espécie, cujos quais serão abordados a seguir.

Entretanto, em alguns pontos esparsos encontram-se alguns dispositivos que

inegavelmente têm natureza Penal, pelo que, não podem deixar de serem mencionados.

É o caso, por exemplo, do artigo 99 da Lei 11.101 de 2005 dispõe sobre a sentença nos

seguintes termos:

“Artigo 99 - A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras

determinações:

(...)

III – ordenará ao falido que apresente, no prazo máximo de 5 (cinco) dias,

relação nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e

classificação dos respectivos créditos, se esta já não se encontrar nos autos,

sob pena de desobediência;”

15 PEREIRA, Alexandre Demetrius. Crimes Falimentares – Teoria, Prática e Questões de Concurso Comentadas. 1. ed.. - São Paulo: Editora Malheiros, 2010 p.60.

35

Como é de conhecimento comezinho, desobediência é crime, previsto no

artigo 330 do Código Penal, apenado com detenção de 15 dias a 6 meses e multa que,

se aplicados a um réu primário, em nada surtirão em seu direito de ir e vir. Tal

comando revela-se como uma astreinte (multa diária aplicável que força o

cumprimento de uma decisão) possível de ser aplicada neste caso já que sua finalidade

é forçar o cumprimento da ordem.

Nesse sentido, o que se trata neste ponto é da impossibilidade de prisão em

flagrante do falido por referido crime já que apresentar os documentos mencionados

alhures podem implicar na produção de prova contra si mesmo, desobrigando-o desta

forma a cumprir a ordem, assegurado este direito pela Constituição Federal.

Ainda com relação a comandos esparsos de natureza penal, destaca-se

aquele contido no mesmo artigo, inciso VII:

“Artigo 99:

(...)

VII - determinará as diligências necessárias para salvaguardar os interesses

das partes envolvidas, podendo ordenar a prisão preventiva do falido ou

de seus administradores quando requerida com fundamento em provas da

prática de crime definido nesta Lei.”

Segundo a brilhante família Delmanto de doutrinadores penais, tal comando

é flagrantemente inconstitucional sendo, portanto inaplicável pois: i) divorciada do

inciso constitucional que prevê prisão civil somente nos casos de inadimplência de

obrigação alimentar e depositário infiel (já derrubada esta última em razão da

ratificação do Brasil ao Pacto de San José da Costa Rica); ii) Incompetência do Juízo

36

Cível para processar e julgar crimes falimentares, já apontada no artigo 183 da Lei de

Falência e Recuperação judicial, sobre o qual se falará mais adiante e iii) falta de

fundamento para a prisão cautelar16.

5.2. Natureza Jurídica dos Crimes Falimentares

Como diversos outros pontos do estudo da Lei de Falências e Recuperação

judicial, também a natureza jurídica dos crimes, definida pelo bem jurídico tutelado,

não têm posição solidificada pela doutrina, que se divide basicamente em 5 (cinco)

grupos, são eles:

i) Crimes patrimoniais assemelhando-se ao furto, estelionato ou apropriação indébita já

que, na verdade, por ter deixado de honrar com os compromissos para com os

credores os bens do falido não mais o pertenceriam;

ii) Crimes contra o comércio porquanto as práticas do falido seriam potencialmente

mais prejudiciais ao mercado comercial e a atividade empresarial;

iii) Crimes contra a economia popular já que prejudicariam diretamente o crédito;

iv) Crimes contra a fé-publica comercial à medida que atacam a boa fé que rege o

comércio em geral;

v) Crimes contra a administração da justiça, posição esta que aparenta ser a mais

adequada, já que a falência implica a priori, na impossibilidade de o Estado

16 DELMANTO, Roberto; DELMANTO, Roberto Jr.; DELMAN TO, Fábio Machado de Almeida. Leis Penais Especiais Comentadas – Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2006 p.679

37

poder garantir aos credores e demais interessados a devida prestação

jurisdicional.

Abordados estes pontos esparsos da Lei de falências e os conceitos básicos,

serão esmiuçados agora os crimes em espécie, destacando-se aquele previsto no artigo

168 desta Lei 11.101.

5.3. Sentença Declaratória como Condição Objetiva de Punibilidade

Antes de abordar os crimes na Lei de Falência e Recuperação judicial, é

necessário que se destaque e explique o comando previsto no artigo 180. Se não

vejamos.

“Artigo 180 - A sentença que decreta a falência, concede a recuperação

judicial ou concede a recuperação extrajudicial de que trata o art. 163 desta

Lei é condição objetiva de punibilidade das infrações penais descritas nesta

Lei.”

Referido artigo é bastante categórico ao condicionar a punibilidade pelos

crimes nela previstos à prolação da sentença que decrete a Falência, conceda a

Recuperação judicial ou homologue o plano de Recuperação extrajudicial.

Equivale dizer que sem a decisão declaratória acima descrita, não haverá fato

punível.

38

Entretanto, necessário destacar que embora seja condição de punibilidade,

os crimes podem ser cometidos antes ou depois da prolação da decisão judicial,

bastando para a validade do ius persequendi.

Sobre esta questão, destaca-se que a prescrição dor crimes falimentares

rege-se pelo Código Penal, sendo certo que o termo inicial é a decisão judicial que

decreta a falência, concede a recuperação judicial ou homologa o plano de recuperação

extrajudicial. Interrompe-se, entretanto, a prescrição que começara a correr após a

decisão da recuperação judicial quando, porventura a mesma empresa/empresário é

decretada com falida.

5.4. Juízo Competente

O Juízo competente para processar as ações falimentares em geral

(recuperações judiciais e extrajudiciais, bem como a falência), como sabido é o Juízo

Falimentar, próprio para estas questões, conforme enunciado na Lei:

“Artigo 76 - O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer

todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as

causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido

figurar como autor ou litisconsorte ativo”

Entretanto, tratando-se de crimes falimentares, transfere-se a competência

para o Juízo Criminal, nos termos do artigo 183 da Lei de Falências e Recuperação

judicial, in verbis:

39

“Art. 183 - Compete ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada

a falência, concedida à recuperação judicial ou homologado o plano de

recuperação extrajudicial, conhecer da ação penal pelos crimes previstos

nesta Lei.”

Importante destacar ainda nesta seara que, também nos termos do

prelecionado no mesmo diploma legal, a Ação penal nos casos de crimes falimentares

será sempre da modalidade pública incondicionada e mais disposições penais podem

ser encontradas nos artigos 185 e seguintes da Lei.

40

6. Fraude Contra Credores

“Art. 168 - Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência,

conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial,

ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o

fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem.”

O crime de fraude a credores está previsto no artigo 168 da Lei 11.101 de

2005, A Lei de Falência e Recuperação judicial e é um dos principais crimes previstos

nesta Lei, já que, por vezes, praticando os demais previstos na legislação esparsa,

estará o agente, necessariamente, fraudando os credores, como melhor restará

demonstrado posteriormente.

6.1. Breve Comparativo Entre o Delito na Lei Anterior e Lei Vigente

Como apontado ulteriormente, a Lei vigente, qual seja, a Lei 11.101 de

2005, donde se extraiu o texto acima, não é a primeira Lei a abordar o tema “falência”

sendo precedida pelo Decreto Lei 7.661 de 1945 em razão de diversas mudanças tanto

no cenário empresarial quanto no cenário do Poder Judiciário.

41

O crime em comento era assim tipificado no codex anterior:

“Artigo 187 - Será punido com reclusão por um a quatro anos o devedor que,

com o fim de criar ou assegurar injusta vantagem para si ou para outrem,

praticar antes ou depois da falência algum ato fraudulento que resulte ou

possa resultar prejuízo aos credores”

Nota-se deste modo que o bojo do tipo penal não divergiu muito daquele

apresentado hodiernamente, entretanto, as diferenças mais visíveis serão nas causas de

aumento de pena, incluídas em um exaustivo rol, as quais serão abordadas a seguir.

6.2. Bem Jurídico Tutelado

O bem jurídico tutelado é aquele bem que se busca proteger quando se

tipifica determinada conduta tida como ilícita. Neste caso, o bem jurídico tutelado é o

direito dos credores da massa, a ter se crédito satisfeito, e imaculado de fraudes e, ao

mesmo tempo, a própria administração da justiça, já que, em ocorrendo crime,

qualquer que seja, o Judiciário não pode fornecer a devida prestação aos

jurisdicionados.

6.3. Sujeito Ativo

Entende-se, subjetivamente, que o caso em tela é classificado como “crime

próprio”, que somente pode ser cometido por agente que tenha condições específicas,

como é o caso do infanticídio, que somente pode ser cometido pela mãe do recém-

nascido.

42

Assim é que se entende, portanto que somente pode ser cometido pelo

próprio devedor, sendo certo que, no entender de Delmanto17, também equiparam-se

àquele os sócios, diretores, gerentes, administradores e conselheiros, bem como o

administrador judicial, na medida de sua culpabilidade.

Igualmente, embora seja crime próprio, não se pode descartar a

possibilidade de coautoria, que aliás, é bastante comum nestes casos, figurando como

principais coautores os colaboradores do devedor que atuam na área contábil, já que

suas atividades são bastante complexas e demandam muito conhecimento para serem

verificadas por Leigos.

6.4. Sujeito Passivo

No caso do crime em tela e na maioria dos outros previstos na Lei de

Falência e Recuperação judicial, o sujeito passivo, ou seja, aquele que sofre a ação do

sujeito ativo é a comunidade de credores, que vê a possibilidade de receber o que de

direito ser ameaçada, bem assim a Administração da justiça que, não velando pelos

direitos dos credores, não pode dar a eles a devida prestação jurisdicional.

6.5. Elementos Subjetivo e Objetivo do Tipo Penal

17 DELMANTO, Roberto; DELMANTO, Roberto Jr.; DELMAN TO, Fábio Machado de Almeida. Leis Penais Especiais Comentadas – Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2006 p. 686.

43

O crime de que se aborda, não admite a forma culposa, sendo, portanto, que

seu elemento subjetivo é o dolo específico, com o fim de obter vantagem indevida para

si ou para outrem.

O elemento objetivo do tipo, ou seja, a conduta incriminada pelo tipo penal,

é praticar ou realizar antes ou depois da decisão declaratória (sentença que decrete a

falência, defira o processamento da recuperação judicial ou homologue o plano de

recuperação extrajudicial) ato fraudulento, ou seja, aquele em que há artimanha,

engodo, enganação que ainda resulta ou possa resultar prejuízo aos credores.

6.6. Causas de Aumento de Pena

“Artigo 168

(...)

§ 1o A pena aumenta-se de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o agente:

I – elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos;

II – omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que deles

deveria constar, ou altera escrituração ou balanço verdadeiros;

III – destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais armazenados

em computador ou sistema informatizado;

44

IV – simula a composição do capital social;

V – destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de

escrituração contábil obrigatórios.”

No parágrafo primeiro, transcrito in verbis ulteriormente, encontram-se as

causas de aumento de pena daquele tipo penal previsto no caput e, não por

coincidência tratam-se de condutas tipicamente contábeis.

Note-se neste particular o quanto mencionado anteriormente acerca do

concurso de agentes do crime de fraude contra credores, que em sua maioria, são

praticados por profissionais de contabilidade. Isto porque são estes que têm acesso a

todos os documentos que, alterados, deturpam o real conteúdo do patrimônio da

empresa.

Segundo a doutrina especializada, dentre as formas de concretização deste

crime, algumas são as mais corriqueiras (vide ANEXO A), demonstrando mais uma

vez a facilidade da ocorrência do concurso de credores, destacando a omissão do

legislador, em todos os incisos do parágrafo primeiro, ao deixar de mencionar os

demais documentos contábeis, como verbi gratia o DFC – Demonstração de Fluxo

de Caixa entre outros.

No que tange ao INCISO I, temos por ilegal o ato daquele que “elabora

escrituração contábil ou balanço com dados inexatos”; vale dizer que é punido com

aumento de pena aquele que, utilizando a “contabilidade criativa”, o agente elabora a

escrituração (inserção de dados ou atos administrativos acerca da empresa em suporte

material, ou seja, livros, fichas ou sistemas) ou insere no balanço (demonstração

45

contábil destinada a evidenciar, qualitativa e quantativamente, numa determinada data,

a posição patrimonial e financeira da entidade) dados divergentes.

Falando-se sobre o INCISO II, punindo o ato de quem “II – omite, na

escrituração contábil ou no balanço, lançamento que deles deveria constar, ou altera

escrituração ou balanço verdadeiros”, entende a doutrina majoritária que somente se

configurará a causa de aumento de pena na conduta omissiva e comissiva, somente

quando o ato tiver verdadeiro impacto sobre as contas da empresa.

O INCISO III trata sobre o agente que “destrói, apaga ou corrompe dados

contábeis ou negociais armazenados em computador ou sistema informatizado”

demonstrando que, ao editar a norma, o legislador mostrou estar em consonância com

a contemporaneidade, já que busca preservar os sistemas eletrônicos. Não só aqueles

que armazenam dados contábeis, mas também aqueles que contém contratos, lista de

clientes e fornecedores, por exemplo.

No INCISO IV verifica-se a causa de aumento de pena nos casos de

simulação de capital social. Trata-se de previsão bastante interessante já que, busca

evitar que se demonstre falsamente nos documentos contábeis que a empresa tem mais

solidez do que possui na verdade. Tal prática é vedada principalmente porque era

grande a incidência de empresas ou empresários que com os documentos falsificados

desta forma, buscavam maior aprovação de crédito ou ludibriar compradores e

investidores. Note-se, entretanto que, anteriormente somente se apenava aquele que

com esta atitude buscasse crédito; hodiernamente, será aumentada a pena apenas com

o ato de aumentar o capital.

46

Finalmente no INCISO V, verifica-se causa real de aumento de pena nos

casos em que se “destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de

escrituração contábil obrigatórios”. Leia-se como documentos de escrituração contábil

obrigatório o Livro Diário, o de Registro de Duplicatas, bem assim aqueles

complementares obrigatórios a cada tipo de regime societário. Repele-se esta conduta,

pois os credores basear-se-ão principalmente nestes documentos para apurar a situação

da empresa na busca do recebimento de seus créditos.

6.7. Contabilidade Paralela

“Artigo 168

(...)

§ 2o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até metade se o devedor manteve

ou movimentou recursos ou valores paralelamente à contabilidade exigida

pela legislação.”

Buscou aqui o legislador reprimir a contabilidade paralela, também

chamada de “caixa-dois”, uma das práticas mais comuns em administrações

fraudulentas, aumentando ainda mais a pena, agora de 1/3 (um terço) até metade

daquela prevista no caput.

Mais uma vez, trata-se de crime próprio, mas que admite coautoria,

predominantemente por profissionais contábeis, já que estes profissionais, quando em

conluio com os devedores, conseguem realizar o caixa-dois de maneira mais fácil.

47

A conduta em questão é punida justamente porque quando o devedor

mantém a contabilidade paralela, impossibilita o administrador judicial, o Juízo e

principalmente os credores de conhecerem o valor real de seu passivo, prejudicando a

prestação jurisdicional do Estado.

6.8. Concurso de Agentes

“Artigo 168

(...)

§ 3o Nas mesmas penas incidem os contadores, técnicos contábeis, auditores

e outros profissionais que, de qualquer modo, concorrerem para as condutas

criminosas descritas neste artigo, na medida de sua culpabilidade.”

Como informado ulteriormente, o crime em comento é do tipo ‘próprio’,

sendo certo que o caput deixa claro poder somente ser praticado pelo empresário

falido, em recuperação judicial ou extrajudicial. Entretanto, o coautor sabedor da

qualidade do autor (empresário ou equivalente), também incorre nas mesmas penas,

mormente os profissionais da área contábil, conforme já demonstrado.

6.9. Redução ou Substituição da Pena

“Artigo 168

(...)

48

§ 4o Tratando-se de falência de microempresa ou de empresa de pequeno

porte, e não se constatando prática habitual de condutas fraudulentas por

parte do falido, poderá o juiz reduzir a pena de reclusão de 1/3 (um terço) a

2/3 (dois terços) ou substituí-la pelas penas restritivas de direitos, pelas de

perda de bens e valores ou pelas de prestação de serviços à comunidade ou a

entidades públicas.”

A causa de redução de pena transcrita acima visa diminuir a pena do

empresário da pequena18 e média empresa19. Entende a doutrina estar prevista esta

causa especial de redução, mormente por que: i) o menor porte econômico da empresa,

muitas vezes exige a gestão pessoal do devedor e não permite que este se aconselhe, na

administração da atividade empresarial com profissionais de maior competência e de

maior custo salarial, com o fim de cumprir as complexas exigências das legislações

comercial, trabalhista, tributária ou societária; ii) a falta de habitualidade na prática de

condutas fraudulentas. Tais requisitos devem ser cumulativos.

Ainda sobre a questão posta, é importante destacar que a doutrina tem

entendido que, muito embora o texto legal afirme que o juiz “poderá” reduzir a pena

ou substituí-la, trata-se de direito do empresário, devendo ser aplicada. Destaque-se

também que, a mesma doutrina entende que, nos casos em que a pena aplicada seja

superior a 4 (quatro) anos, não deve o juiz aplicar a substituição da pena, obedecendo à

regra do artigo 44 do Código Penal, pois, se assim fosse, concederia a benesse a

18 Empresário ou pessoa jurídica ou a ela equiparada, que aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais). – Lei 123/2006, artigo 3º.

19 Empresário ou pessoa jurídica ou a ela equiparada, que aufira, em cada ano calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais) – Lei 123/2006, artigo 3º.

49

empresários com condutas mais gravosas que certamente não devem receber este

benefício legal20.

6.10. Consumação

A consumação do delito ocorre no momento da prática do ato

fraudulento, sem critério temporal (antes ou depois da sentença declaratória),

havendo a necessidade de comprovação de nexo causal, ou seja, o ato fraudulento

precisa necessariamente resultar ou poder resultar prejuízo aos credores, com o fim de

obter ou assegurar a indevida vantagem. Note-se, desta forma, que “resultar” ou

“poder resultar” revelam a intensão do legislador em definir a modalidade do crime

material e formal.

6.11. Concurso de Crimes

Como apontado acima, a fraude contra credores abre margem para uma

série de crimes que são meios para se atingir o fim, sejam eles de natureza falimentar

ou não.

Tratando-se de crimes comum, isto é, não falimentar, mais

corriqueiramente verifica-se a ocorrência de formação de quadrilha (Artigo 288 do

Código Penal), que ocorre quando há conluio entre os empresários, lavagem de

dinheiro (Lei 9.613 de 1998), estelionato (Artigo 171 do Código Penal), a duplicata

20 PEREIRA, Alexandre Demetrius. Crimes Falimentares – Teoria, Prática e Questões de Concurso Comentadas. 1. ed.. - São Paulo: Editora Malheiros, 2010 p. 157.

50

simulada (Artigo 172 do Código Penal) sem excluir a possibilidade de crimes contra a

ordem tributária, contra o sistema financeiro, entre outros.

Anteriormente à vigência da Lei 11.101 de 2005, havendo um concurso de

condutas criminosas, isto é, duas condutas, estar-se-ia diante de um crime plúrimo que

não necessariamente implicaria em concurso formal, exceto se a conduta delituosa, por

si só configurasse crime, hipótese em que diante de dois crimes, aplicavam-se duas

penas21.

No caso do concurso de crimes falimentares na vigência da Lei anterior,

aplicava-se a Unicidade dos Crimes Falimentares, pois ainda, segundo a doutrina, o

bem jurídico tutelado era o mesmo e advinha de um mesmo ato, qual seja, a decretação

da falência.

Em julgado do Exmo. Min. Gilson Gipp, tem-se o conceito deste princípio

como sendo “ficção criada pela doutrina, a qual dispõe que, no caso de concurso de

diversas condutas direcionadas ao cometimento de fraudes geradoras de prejuízos aos

credores da empresa submetida ao processo de falência, deve-se entender como

praticado um só tipo penal, com a aplicação ao agente somente da pena do mais

grave deles.22 ”

21 DE LUCCA, Newton; DOMINGUES, Alessandra de Azevedo. Direito Recuperacional – Aspectos Teóricos

e Práticos. 1ª edição – São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 239. 22 RHC 56.368/SP – Rel. Min. GILSON DIPP, Julgamento em 24.10.06, Quinta Turma, Publicado no DJ em 20.11.06

51

Nesse sentido, leia-se o julgado abaixo, de Relatoria do Exmo. Ministro

Jorge Scartezzini, sobre referida teoria, que vigorava na vigência da Lei anterior, com

citações da doutrina:

“Assentou a doutrina no sentido de que em matéria de crimes falimentares,

há unidade no crime, não obstante a multiplicidade de fatos que a

caracterizem. O fato criminoso quem em última análise, se pune á a

violação do direito dos credores pela superveniente insolvência do

comerciante. Todos os atos, portanto, conta tal delito devem ser

considerados como um todo único. Concluindo, é de se observar o

princípio da unicidade dos crimes falimentares, pois, no caso concreto, os

atos lesivos ensejaram a falência da empresa.” (RHC 10.593/SP – Rel. Min.

JORGE SCARTEZZINI, Julgamento em 28.08.2001, Quinta Turma,

Publicado no DJ em 20.11.06.)

A aplicação de referido princípio mostrou-se bastante sólida, enquanto

vigeu a legislação anterior, não por concordância de toda a doutrina, mas pela

manutenção de um contexto antigo, com mais de um século e, alterar o entendimento

poderia implicar em falta de segurança jurídica.

Com a nova legislação, a doutrina moderna afasta a aplicação do Princípio

da Unicidade, dando lugar à aplicação do Princípio da Pluralidade, ou seja, o agente

poder ser enquadrado em qualquer dos crimes previstos na Lei de Falências, podendo,

no máximo, beneficiar-se das regras do Artigo 69 e seguintes do Código Penal

Brasileiro.

A mudança se justifica a medida que, manter a aplicação do Princípio da

Unicidade, seria mitigar o esforço do legislador em tornar as normas penais

52

falimentares mais rigorosas e afronta direta ao princípio ulteriormente apontado e,

ainda, premiar o empresário criminoso que, poderia praticar vários crimes, antevendo

que somente seria condenado por um deles, o de pena mais gravosa.

Ainda, não se pode olvidar que expressamente a Lei 11.101 de 2005

determina a aplicação de todas as normas do Código Penal e delas não se excluem as

regras sobre concurso de crimes e, em assim sendo, devem ser obedecidas. E nesse

passo, destaque-se também que no artigo 182 da Lei, a decisão declaratória inclusive

interrompe o prazo prescricional, “surgindo ai um novo curso prescricional e uma

nova área de atuação” 23.

Note-se ainda que, atualmente, os crimes podem ser cometidos antes,

durante ou depois da falência, sem mencionar a inovação da Lei ao também punir

aqueles que são praticados durante as recuperações (judicial e extrajudicial) e, desta

forma, podendo o mesmo crime ou crimes diversos ser praticados em tempos

diferentes (atentando-se para o prazo que pode durar um processo de falência), não é

crível que a Teoria da Unicidade ainda deva ser aplicada.

Nessa seara, verifica-se a possibilidade de concurso de crimes falimentares

em muitos dos dispositivos da Lei que trata deste assunto e, como visto, ao concurso

não poderá ser aplicado o Princípio da Unicidade.

Note-se, neste sentido, o texto do artigo 171 da Lei 11.101 de 2005:

23 DE LUCCA, Newton; DOMINGUES, Alessandra de Azevedo. Direito Recuperacional – Aspectos Teóricos e Práticos. 1ª edição – São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 241

53

“Art. 171 - Sonegar ou omitir informações ou prestar informações falsas no

processo de falência, de recuperação judicial ou de recuperação

extrajudicial, com o fim de induzir a erro o juiz, o Ministério Público, os

credores, a assembleia-geral de credores, o Comitê ou o administrador

judicial:”

Verifica-se perfeitamente possível a possibilidade de fraude contra credores

com a conduta prevista neste artigo, pois sonegando-se, omitindo-se ou prestando

informações falsas, necessariamente os credores sofrerão prejuízo e, o agente, muito

provavelmente obterá vantagem para si.

No próximo delito, temos como punível a conduta de:

“Art. 172 - Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência,

conceder a recuperação judicial ou homologar plano de recuperação

extrajudicial, ato de disposição ou oneração patrimonial ou gerador de

obrigação, destinado a favorecer um ou mais credores em prejuízo dos

demais:”

Da mesma forma que no caso anterior, o delito em comento parece ser

próprio do devedor que, onerando seu patrimônio, necessariamente obterá vantagem

para si e, com esta prática, invariavelmente prejudicará os credores.

E no próximo tipo penal, in verbis, lê-se como indevida a conduta do agente

que:

54

“Art. 174 - Adquirir, receber, usar, ilicitamente, bem que sabe pertencer

à massa falida ou influir para que terceiro, de boa-fé, o adquira, receba

ou use.”

Note-se a utilização do termo “ilicitamente” sendo portanto um ato

invariavelmente fraudulento e, o agente que adquira receba ou utilize o bem,

necessariamente estará obtendo vantagem indevida para si, prejudicando os credores,

mais uma vez.

Por fim, no artigo 175 da Lei de Falências, vê-se:

“Art. 175 - Apresentar, em falência, recuperação judicial ou recuperação

extrajudicial, relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamação

falsas, ou juntar a elas título falso ou simulado.”

Mais uma vez, nitidamente o artigo indica ser a conduta fraudulenta e, tal

tipo penal, parece o que mais claramente retrata o real prejuízo dos credores, que têm

que dividir o valor do ativo com quem a eles não faz jus e, tal agente, habilitando

crédito falso, também obterá vantagem.

55

Conclusão

Diante de tudo o que fora apontado no presente trabalho, conclui-se que a

norma falimentar é aquela que busca minimizar os efeitos da falência ou melhor gerir a

recuperação da empresa solvente. Nota-se também que a norma falimentar Brasileira,

após a publicação da nova Lei, a 11.101 de 2005 têm buscado solucionar os conflitos

dos credores e empresários da melhor maneira possível, não havendo, na doutrina,

grandes críticas a este projeto que têm inclusive ajudado a reduzir o numero de casos

de pedidos e processamentos de processos falimentares e recuperacionais (vide

ANEXOS B e C).

Pelo exposto foi possível notar também que a norma falimentar Brasileira é

fixada em Princípios muito sólidos, os quais ajudam os operadores do Direito e o

próprio Estado-Juiz a melhor interpretar as normas, sempre visando à minimização dos

efeitos nocivos causados por estes processos, bem como priorizando os credores e

combatendo veementemente a prática criminosa nestes processos.

56

Também depreendeu-se que para a compreensão do crime de fraude contra

credores, objeto central deste trabalho, necessário foi fazer uma breve explicação sobre

alguns conceitos fundamentais, como a própria falência, recuperação judicial e

extrajudicial. Nesse ponto não se pode olvidar também da importância de se conceituar

a sentença declaratória, ou seja, aquela que decreta a falência, defere o processamento

da recuperação judicial ou homologa o plano de recuperação extrajudicial, já que esta

é condição objetiva de punibilidade não só do crime estudado, mas como também dos

demais previstos naquela Lei.

Sobre os crimes falimentares, fez se um breve estudo sobre seu conceito e

natureza jurídica, buscando coloca-los em um campo do Direito e entender sua origem,

conceitos estes comum a todos os crimes previstos na Lei de Falência e Recuperação

judicial.

Adentrando-se ao tema do estudo, sobre o crime de fraude contra credores,

o estudo buscou fazer um comparativo entre o instituto na Lei anterior e a Lei vigente,

pretendendo, desta forma, avaliar a importância da novel legislação.

Ainda sobre o crime de fraude contra credores, analisou-se o bem jurídico

tutelado que, em essência, é a própria prestação jurisdicional do Estado, bem como o

sujeito ativo e o sujeito passivo do delito, observando-se a possibilidade de coautoria.

Também foram analisados os elementos objetivos e subjetivos de referido

tipo penal, bem assim as causas de aumento de pena, importantes, pois podem elevar a

pena de 1/3 (um terço) a 1/6 (um sexto), verificando-se, portanto, a gravidade das

57

condutas ali apontadas, que na maioria das vezes, constituem crimes mais graves,

inclusive de crimes contra a economia popular, como ocorre quando da destruição de

documentos obrigatórios, como o Livro Caixa.

Não se pôde deixar de abordar, neste cotejo, o crime de contabilidade

paralela, tão comum em vários países e em cenários de empresas com problemas

financeiros, mostrando-se esta conduta ainda mais recriminável, já que prevê aumento

de 1/3 (um terço) até ½ (metade) da pena, conquanto tal prática impossibilita os

credores, o administrador judicial e até mesmo o Estado de verificar as reais posses da

empresa, prejudicando o bom andamento do processo.

O trabalho também apontou a corriqueira ocorrência do concurso de

agentes neste crime falimentar, já que, muitas vezes, os empresários agentes têm o

auxilio de profissionais da área contábil, por exemplo, profissionais estes que na

maioria das vezes têm acesso direto aos documentos que podem configurar a fraude,

bem assim sabedores do modus operandi para se alcançar tal fraude.

Abordaram-se ainda as causas de diminuição da pena, possível quando

tratar-se de empresa de pequeno ou médio porte, desde que a prática fraudulenta não

seja corriqueira, requisitos estes que, como visto, precisam necessariamente ser

cumulativos, para que a haja a concessão do benefício, que poderá inclusive chegar à

substituição de pena, desde que esta não ultrapasse os 4 (quatro) anos.

Importante também foi trabalhar a questão da consumação do crime, que

não ocorre no momento em que o credor tem o prejuízo, bastando simplesmente a

58

prática da conduta fraudulenta, que por si só, configura o tipo penal e, em assim sendo,

o crime em questão não admite tentativa nem modalidade culposa.

Finalmente, buscou-se também traçar um parâmetro entre o crime estudado

e os demais crimes que mostram-se como meios para que se atinja um bem maior, qual

seja, a obtenção de vantagem indevida para si ou para outrem, mostrando assim o

quanto é importante que cada vez mais o legislador busque mecanismos de se coibir

tais práticas, preservando assim o direito dos jurisdicionados, fazendo valer cada uma

das garantias previstas na carta cabo-verdiana.

Referências

ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação de Empresa. 26ª

edição – São Paulo: Saraiva, 2012.

59

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falência e de Recuperação de

Empresas. 7ª edição. Ver. - São Paulo: Saraiva, 2010.

DE LUCCA, Newton; DOMINGUES, Alessandra de Azevedo. Direito

Recuperacional – Aspectos Teóricos e Práticos. 1ª edição – São Paulo: Quartier

Latin, 2009.

HORÁCIO, Ivan. Dicionário jurídico referenciado – São Paulo: Primeira Impressão,

2007.

MACHADO, Rubens Approbato – Comentários à Nova Lei de Falências e

Recuperação de Empresas. 2ª edição. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Direito Falimentar Brasileiro. In: Âmbito Jurídico,

Rio Grande, 21, 31/05/2005. Disponível em <http://www.ambito-

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_Leitura&artigo_id=594>.

Acesso em 08/03/2012.

PEREIRA, Alexandre Demetrius. Crimes Falimentares – Teoria, Prática e

Questões de Concurso Comentadas. 1ª edição - São Paulo: Editora Malheiros, 2010.

SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes.

Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 3ª edição – São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2007.

60

TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique.

Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 2ª edição ver e atual. –

São Paulo: Saraiva, 2007.

Site Serasa Experian

<http://www.serasaexperian.com.br/release/indicadores/falencias_concordatas.htm>,

consultado em 13.02.12.

ANEXO A – Tabela contendo os principais casos de fraude, conforme as rubricas

contábeis.

Elemento das demonstrações sobre a qual a fraude incide Descrição

Caixa Movimentos fraudulentos em dinheiro sem comprovação bancária

61

Pagamento de despesas pessoais de sócios com o caixa da sociedade, violando o princípio da entidade

Fraude em vales e retiradas de numerário

Subtração de numerário com substituição por títulos falsos ou sem valor

Recebimento de valores no caixa sem contabilização ("caixa-dois") e criação de passivos fictícios

Pagamento de empregados-fantasmas

Avaliação fraudulenta de valores de estoque

Estoque sem comprovação por documento idôneo

desvios em quantidade e qualidade dos bens do estoque Estoques

Fraudes em sucatas e refugos

Baixa indevida em títulos a receber

Recebimentos fraudulentos de clientes em lugar da pessoa jurídica credora, em concurso com fraude documental

Fraude em devolução de bens vinculados a contas a receber Contas a receber

Apropriação fraudulenta de valores de multas por atraso devidas por clientes

Investimentos fictícios em imobilizado

Aumento ou diminuição indevida de cotas de depreciação, amortização ou exaustão

Reavaliações Fraudulentas

Contabilização de despesas em lugar de ativação no imobilizado

Trocas ruinosas de imobilizado

Ativo permanente

Contabilização fraudulenta de gastos com pesquisa e desenvolvimento

Passivo fictício

Contabilização fraudulenta de datas com o fim de vantagens indevidas

Dupla contabilização de passivos Passivo

Contabilização parcial de dívidas

Integralização com imobilizado obsoleto a valor irreal

Contabilização a maior de valores em conta de capital social Patrimônio líquido Criação de falsas reservas por doação de valores fictícios ou reavaliações fraudulentas

PEREIRA, Alexandre Demetrius. Crimes Falimentares – Teoria, Prática e Questões de

Concurso Comentadas. 1ª edição - São Paulo: Editora Malheiros, 2010. P. 142.

ANEXO B – Tabela contendo as Falências e Recuperações Judiciais requeridas

desde a vigência da Lei 11.101 de 2005 (dados de 2012 até o mês de fevereiro)

FONTE:

<http://www.serasaexperian.com.br/release/indicadores/falencias_concordatas.htm>,

consultado em 13.02.12.

ANEXO C – Tabela contendo as Falências e Recuperações Judiciais deferidas

desde a vigência da Lei 11.101 de 2005 (dados de 2012 até o mês de fevereiro)

62

FONTE:

<http://www.serasaexperian.com.br/release/indicadores/falencias_concordatas.htm>,

consultado em 13.02.12.

63