lógica jurídica - roteiro (2004) - fabio ulhoa coelho

60
5/10/2018 LgicaJurdica-Roteiro(2004)-FABIOULHOACOELHO-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 1/60 FABIO ULHOA COELHO Professor da Pontificia Universidade Ca t o lic a de Sao Paulo ROTEIRO DE LOGICA JURIDICA SB ediciio, revista e atualizada 2004 A no d a 1 ;le dic ao : 19 92 (\~. Editora ~ Saraiva

Upload: tatiana-pagotto

Post on 10-Jul-2015

304 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

Page 1: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 1/60

FABIO ULHOA COELHO

Professor da Pontificia Universidade Ca t o lica de Sao Paulo

ROTEIRO DE LOGICA JURIDICA

S B ediciio, revista e atualizada

2004

Ano da 1;ledicao: 1992

(\~. Editora

~ Saraiva

Page 2: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 2/60

ISBN 85-02-04692-6

Dados Internacionais de Cataloqacao na Publicacao (CIP)

(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Coelho, Fabio Ulhoa

Roteiro de 16gicajuridica / Fabio Ulhoa Coelho. - 5 . ed. rev. e

atual . - Sao Paulo: Saraiva, 2004.

Bibliografia.

1. Direito - Fi losofia 2. L6gica 3. L6gica juridica I. Titulo.

CDU-340.12: 164-0521

indices para cataloqo sistematico:

1. L6gica jur id ica : Fi losofia do di rei to 340.12: 16

1648

p.~'::ivaAvenida Marques de Sao Vicente. 1697 - CEP 01139-904 - Barra Funda - Sao Paulo - SP

Tel.: PABX (11) 3613-3000 - Fax: (11) 3611-3308 - Fone Vendas: (11) 3613-3344

Fax Vendas: (11) 3611-3268 - Endereyo Internet: http://www.editorasaraiva.com.br

Filiais

AMAZONASIRONDONIAIRORAIMAIACRE

Rua Cos ta Azevedo , 56 - Cen tro

Fone/Fax: (92) 633-4227/633-4782

Manaus

BAHIAISERGIPE

Rua Agr ip ino D6rea , 23 - B ro ta s

Fone: (71) 381-5854/381-5895

Fax: (71) 381·0959 - Salvador

BAURUISAO PAULO

Rua Monsenhor Claro. 2-55/2-57 - Centro

Fone: (14) 3234-5643 - Fax: (14) 3234-7401Bauru

CEARAIPIAUUMARANHAO

Av. Filomeno Gomes, 670 - Jacarecanga

Fone: (85) 238-2323

Fax: (85) 238-1331 - Forta leza

DISTRITO FEDERAL

S IG QD3 BI. B - l .o ja 97 - Sel or Indus tr ia l Gra fi co

Fone: (61) 344-2920/344-2951

Fax:161)344-1709 - Brasi lia

GOIASITOCANTINS

Av. tndependencia , 5330 - Setor Aeroporto

Fone: (62) 225-2882 1212-2806

Fax:(62) 224-3016 - Goian ia

MATO GROSSO DO SULJMATO GROSSO

Rua 14deJul ho . 3148 - Cen tro

Fone: (67) 382-3682 - Fax: (67) 382-0112

Campo Grande

MINAS GERAIS

Rua A ti pi o deMe lo . 151 - Jd. Mon tanMs

Fone: (31) 3412-7080 - Fax: (31) 3412-7080

8elo Horizonte

PARAIAMAPA

Travessa Apinaqes. 186 - Batis ta Campos

Fone: (91) 222-90341 224·9038

Fax : (91) 241 ·0499 - Bel em

PARANAISANTA CATARINA

Rua Conselhei ro Laurindo, 2895 - Prado Velho

Fone/Fax: (41) 332-4894

Curitiba

PERNAMBUCO/PARAiBAIR. G. DO NORTE

Rua Cor redo r do B ispo , 185 - Boa V is ta

Fone: (81) 3421-4246

Fax: (8123421-4510 -:- Recife

RIBEIRAO PRETO/SAO PAULO

Av. Francisco Junquei ra , 1255 - Centro

Fone: (16) 610-5843

Fax: (16) 610-8284 - Hibei rao Preto

RIO DEJANEIRO/ESpiRITO SANTO

Rua V isconde deSanta Isabe l. 113a 119 - V il a Isabe l

Fone: (21) 2577-9494 - Fax: (21) 2577-8867 12577·9565

Rio de Janeiro

R IO GRANDE DOSUL

Av. Cea ra . 1360 - Sao Geral do

Fone: (51) 3343-1467/3343-7563

Fax: (51) 3 34 3-29 86 /3 34 3-74 69 - Porto Alegre

SAO PAULO -

Av. Marques de Sao Vicente , 1697

(antiga Av. dos Emissar ios) - Barra Funda

Fone: PABX (11 ) 3613-3000 - Sao Pau lo

La forma que se ajusta al movimiento

no es prision, sino piel del pensamiento.

Octavio Paz

Aos rneus alunos

A cada urn deles

Page 3: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 3/60

INDICE

PARA UMA IDEIA GERAL DA LOGIC A 1

1. Logica e realidade.............................................................. 1

ALGUNS CONCEITOS DE LOGICA 9

2. Argumento e proposicao 9

3. Proposicoes categoricas 11

4. Inferencias imediatas 15

5. Silogismos categoricos 20

6. Validade dos silogismos categoricos 22

6.1. Analogia formal... 24

6.2. Regras de validade 26

7. Distribuicao do predicado na particular negativa 28

8. Conteudo existencial 29

9. Para que serve a logica? 31

10. Logica simbolica 34

10.1. Conjuncao 35

10.2. Negacao 35

10.3. Disjuncao 35

10.4. Implicacao . 36

11. Valor de verdade 37

VII

Page 4: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 4/60

12. Calculo de proposicoes (tabela da verdade) 41

o DIREITO COMO UM SISTEMA LOGICO 47

13. 0 conectivo deontico 47

14. Normas juridicas e proposicoes juridicas 49

15. 0sistema juridico 52

16. Para construir um direito 16gico 54

17. Quadro de oposicao logico-deontica 56

18. Superacao das antinomias 60

19. Lacunas.............................................................................. 65

20. Silogismo juridico 71

21. Implicacao extensiva, intensiva e reciproca 76

22. Argumento por analogi a e argumento a contrario 79

23. A l6gica do razoavel.......................................................... 84

. , . ,

PARA UM A IDEIA G ERAL DA LO GICA

1. LO GICA E R E A L I D A D E

o PAPEL DA LOGICA NO DIREITO 87

24. Congruencia pseudo16gica do direito 87

25. Direito e ret6rica 88

26. Positivismo l6gico e 0direito 90

27. L6gicas heterodox as 92

28. Convencimento juridico 95

29. Identidade ideo16gica 95

30. Mobilizacao de emocoes 99

31. Falacias nao-formais 101

32. Intercambio intelectual .. 103

33. A unidade do direito 106

NaAntigliidade, viveu um homem de nome Zenao, nascido em

E16ia. Os registros disponiveis da narrativa de sua morte fazem crer

que e1e foi um homem dotado de grande forca moral. Tendo

participado da organizacao de uma conspiracao contra um tirano, foi

capturado e submetido a tortura em praca publica, para que delatasse

os seus companheiros de insurreicao. Como nao 0 fez, acabou sendo

morto. Mas 0espetaculo de sua tortura, montado para atemorizar os

inirnigos do tirano, produziu 0efeito inverso. Segundo as cronicas, a

extraordinaria lealdade e forca demon strada por Zenao, perante a

violencia brutal que sofria, teriam despertado na populacao a

consciencia da necessidade de se libertar do tirano, seguindo-se, entao,

a sua deposicao,

Zenao era fi16sofo, discipulo de Parmenides. Isso significa que

ele acreditava na ideia de que a razao, e nao os sentidos, tem acesso

a verdade. Os homens podem se assegurar do que conhecem de certarealidade, nao pelo que veem, escutam ou cheiram nela, mas em

funcao do que pensam dela. Na questao basica tomada pela filosofia

daquela epoca - a identificacao da essencia do ser -, Parmenides

afirma a etemidade, imutabilidade, indivisibilidade, homogeneidade,

plenitude e continuidade do ser. Os sentidos apreendem as coisas em

permanente evolucao, mudanca, mas nisso nao reside a verdade,

porque somente a razao e capaz de captar a essencia imutavel do ser.

Essas ideias nao eram comparti lhadas por todos os fi16sofos da

Antiguidade. Heraclito, por exemplo, afirmava exatamente 0inverso,

Bibliografia citada 109

VIII

Page 5: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 5/60

ou seja, a multiplicidade e variedade do real sao a sua essencia e nao

uma simples aparencia.

Na discussao filosofica entre os adeptos de urn e de outro

enfoque, Zenao de Eleia construiu argumentos que procuravam

demonstrar a insubsistencia das ideias opostas as de Parmenides, Dos

muitos argumentos que ele teria elaborado, a civilizacao conservou

nove, dos quais dois sao mais conhecidos: 0da flecha e 0da corrida

entre Aquiles e a tartaruga. Em ambos os argumentos, Zenao parte

da ideia de continuidade do espaco para provar a inexistencia do

movimento.

o argumento da flecha considera 0 lugar de seu lancamento,

onde se encontra 0 arqueiro (ponto A), e 0 alvo em direcao ao qual elancado (ponto B). Para a flecha alcancar 0ponto B, ela devera, antes,

percorrer 0 espaco compreendido entre 0 ponto A e a metade da

distancia entre A-B (ponto C). Para, no entanto, alcancar 0ponto C,

ela devera, antes, percorrer a metade do espaco entre A-C (ponto D).Mas, por sua vez, para alcancar D, a flecha tera de percorrer a metade

da distancia A-D (ponto E) e assim sucessivamente. Como entre dois

pontos, M sempre urn terceiro, segue-se que entre A e B M infinitos

pontos a percorrer, exigindo-se, para tanto, urn tempo infinito, de

sorte que a flecha nunca chegara ao seu alvo. Precisamente, ela nao

abandonara nunca 0 ponto A, porque para chegar a qualquer outro

ponto, por mais proximo que esteja, necessitara percorrer 0infinito.

Logo, conc1ui Zenao, 0movimento nao existe.

o argumento da corrida entre Aquiles, 0 homem mais veloz

da Antigtiidade, e a tartaruga foi construido com vistas a demonstrar

a impossibilidade do primeiro veneer a corrida, se fosse dada ao

quelonio a vantagem de partir uma legua a frente. Desse modo,

para Aquiles chegar ao lugar de onde partiu a tartaruga (ponto A),

ele devera gastar necessariamente uma certa quantidade de tempo.

Ora, durante 0transcurso desse tempo, a tartaruga avancou ~ja nao

se encontra mais no ponto A, e sim a frente (ponto B). Para que

Aquiles percorra a distancia entre A-B, precisara inevitavelmente

de mais tempo. 0mesmo tempo que gas tara a tartaruga para se

locomover do ponto B para outro mais a frente (ponto C), e assim

sucessivamente. Aquiles, por mais que se esforce, nunc a podera

alcancar 0reptil, e, logo, nao podera nunca ultrapassa-lo (cf. Hegel,

1816:207/213).

Esses argumentos e suas conclusoes nao conferem, certamente,

com a nossa experiencia sensivel, que capta 0movimento como

algo real, existente. Nos vemos as pessoas carninhando, a agua dos

rios fluindo, os passaros voando, as maquinas construidas pelos

homens em funcionamento, as flores desabrochando, sentimos 0

vento no rosto, nadamos no mar, e desse modo nao nos

convencemos, de imediato, da pertinencia da conclusao alcancada

pelo filosofo eleata. Mas, em que passagem de sua reflexao

poderiamos encontrar algum erro? Outro pensador da Antigtiidade,

Diogenes de Sinope, conhecido como 0cinico, em uma aula, propos-

se a conte star 0argumento de negacao do movimento caminhando

silenciosamente diante de seus alunos, para, em seguida, reprovar

aqueles que ficaram satisfeitos com tal contestacao (Hegel,1816:209). Claro, porque urn argumento deve ser contrariado por

outro argumento, a identificar 0erro de raciocinio do opositor. Em

que passagem de seu argumento teria Zenao se equivocado? Ou, ao

contrario, somos nos que estamos iludidos quando acreditamos que

existe movimento?

Na verdade, nem 0eleata errou ao demonstrar a inexistencia do

movimento, nem nos estamos equivocados quando pensamos que 0

movimento existe. Isso porque a Iogica nao confere, necessariamente,

com a realidade. Zenao construiu argumentos irrepreensiveis do pontode vista logico. Se a premissa e a continuidade do espaco (entre dois

pontos, M sempre urn terceiro), a conclusao inafastavel e a de que 0

movimento inexiste. Contudo essa premissa nao e verdadeira, naocorresponde a realidade. Entre dois marcos reais, a minha mesa de

trabalho e a porta do escri torio, ha concretamente urn espaco finito,

que apenas pode ser considerado continuo na minha cabeca. As

decorrencias elaboraveis a partir dessa ideia, no exercicio de uma

faculdade racional dos homens, podem nao refletir a realidade,

eventualmente. Entretanto, podem ser decorrencias rigorosamente

2 3

Page 6: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 6/60

As casas espiam os homens

que correm atras de mulheres.

A tarde talvez fosse azul,

nao houvesse tantos desejos.

o pensamento e raciocfnio quando relaciona duas ideias toman-

do uma como premissa e a outra como conclusao. Se uma ideia serve

de ponto de partida para outra, se a sustenta, a fundamenta, entao

esse vinculo tem uma caracteristica propria. A ideia fundamentadora,

chamada premissa, implica a ideia fundamentada, e esta, denomina-

da conclusao, decorre daquela. Nenhuma ideia, em si mesma, e pre-

missa ou conclusao. Sera premissa quando relacionada com outraideia nela fundamentada e sera conclusao se ligada a outra que a

fundamente. Se alguem formula 0 pensamento "estou engordando

porque como muito doce", a ideia "estou engordando" comparece

como implicacao da ideia "como muito doce". Eventualmente esse

pensamento pode nao conferir com a realidade, mas de qualquer for-

ma foi estabelecida uma relacao premissa-conclusao na mente da-

quela pessoa, e isto e um raciocfnio. Costuma-se denominar inferencia

esse tipo de relacao entre duas ideias, em que uma e tomada por

fundamento da outra.

Nem todo 0 pensamento e raciocfnio; e nem todo raciocinio e

logico. Para que uma inferencia (relacao prernissa-conclusao entre

duas ideias) tenha 0carater Iogico, devem ser obedecidos tres princi-

pios fundamentais: 0 da identidade, do terceiro excluido e da nao-

contradicao. Se 0raciocfnio segue com rigor esses primados e outras

regras, a seguir apresentadas, ele e logico; caso contrario, podera ser

raciocfnio dialetico, paradoxal ou mesmo ilogico ou falacioso, mas

nunca sera um pensamento logico - pelo menos, no sentido tradi-

cional de logic a (ver item 27).

o princfpio da identidade afirma: 0 que e, e. De inicio pode

parecer uma evidencia, uma obviedade, uma tautologia; em certo

sentido, ate um desproposito afirmar-se algo assim tao claro e apa-

rentemente incontestavel, De fato, a primeira impressao revela uma

ideia quase tola, desnecessaria de se afirmar, estranha para se adotar

por principio. Mas nao e bem assim e muitos pensadores tern dedica-

do tempo e esforcos a reflexao sobre 0 assunto. Para percebermos a

sua importancia, no entanto, proponho que nos inspiremos inicial-

mente na poesia Relogio, de Cassiano Ricardo:

fundadas na premissa, de tal sorte que se esta fosse verdadeira, aquelas

tambem seriam.

A logica e uma maneira especifica de pensar; melhor dizendo:

de organizar 0pensamento. Nao e a unica, nem e a mais apropriada

para muitas das situacoes em que nos encontramos, mas tem a sua

importancia, principalmente no campo do direito.

Os homens podem ter despertadas em sua consciencia ideias

isoladas, simples, como por exemplo "choveu!", "que desagradavel

essa atitude", "estou com fome", "0 quadrado da hipotenusa e igual

a soma dos quadrados dos catetos". Na intimidade cerebral de cada

um, essas ideias, despertadas por emocoes, sensacoes, lembrancas

ou compreensao racional, surgem desvinculadas de quaisquer outras

ideias, Nao ha pensamento propriamente dito, pois este resulta de

uma conjugacao de ideias.

Nem todo pensamento e raciocfnio. Isto e, podem-se estabele-cer ligacoes entre ideias sem que umas fundamentem outras. Um

fragmento de Drummond, extrafdo do Poema de sete faces, ilustra

essa diferenca:

A relacao entre 0clima da tarde, referenciado pela sua cor, e a

abundancia de desejos (insatisfeitos?), a ligacao entre essas duas

ideias, foi estabelecida de forma sensit iva, sensual, poetic a, 0 que

seja. Com certeza, nao ha um vinculo racional entre essas ideias, no

sentido de que uma delas sustenta a outra. A ninguem ocorreria afir-

mar que Drummond pretendeu discorrer racionalmente acerca das

influencias da libido sobre as condicoes meteorologicas. Pretendeu-

se, e certo, estabelecer um liame entre esses dois fatos, mas nao no

sentido de revelar uma implicacao.

4 5

Page 7: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 7/60

Diante de coisa tao doida

conservemo-nos serenos.

Cada minuto de vida

nunc a e mais, e sempre menos.

Ser e apenas uma face

do nao ser, e nao do ser.

Desde 0 instante em que se nasceja se comeca a morrer.

deira. Os dois outros princfpios sao decorrentes: pelo da nao-contra-

dicao, afirma-se que nenhuma ideia pode ser verdadeira efalsa; pelo

do terceiro excluido, que uma ideia ou iverdadeira ou falsa. Se

alguem desenvolver seu raciocinio guiado por essas e pelas demais

regras logicas, de forma absolutamente rigorosa, entao esse racioci-

nio sera logico.

Note-se bern que, ate aqui, estamos nos referindo a surgimentode ideia, concatenacao de pensamento, desenvolvimento de racio-

cinio, ou seja, a fatos que dizem respeito a intimidade cerebral das

pessoas. Quando se da a exteriorizacao de ideias, ou seja, se elas

sao comunicadas a outras pessoas (por escrito, oralmente ou por

qualquer outro meio), costumam-se adotar express6es diversas:

proposiciio ou enunciado. Estas nao se confundem, no plano

conceitual, com a sua formulacao lingtiistica propriamente dita.

Com efeito, e necessario ter-se clara a distincao entre proposicao

e sentenca, Nas frases "Pedro ama Carolina" e "Carolina e amada

por Pedro", temos duas sentencas, mas apenas uma proposicao, ou

urn iinico enunciado.

Tambem para a exteriorizacao do raciocinio existe denomina-

~ao especifica: argumento. Os argumentos sao conjuntos de proposi-

~oes encadeadas por inferencias. As proposicoes "entre dois pontos

ha sempre urn terceiro", "urn corpo nao pode percorrer 0 infiniio

senao em urn tempo infinito" e "logo, 0movimento nao existe" com-

poem 0argumento da flecha de Zenao,

o argumento pode ser logico, mas isso nao quer dizer que a suaconclusao seja necessariamente verdadeira, isto e, corresponda a rea-lidade. Muito pelo contrario, a iinica garantia que 0raciocinio logico

oferece e a de que, sendo verdadeiras as premissas e valida a

inferencia, a conclusao sera verdadeira. Em outros termos, ha duas

condicoes para que 0raciocinio logico nos conduza a verdade: a ve-racidade das premissas e a correcao do pr6prio raciocinio. Os logi-

cos se OCUPamdessa segunda condicao apenas, ja que da veracidade

das premissas cuidam os cientistas (biologos, matematicos, fisicos,

soci6logos, psic6logos etc.).

Como se percebe, nesse pensamento revestido de forma poeti-

ca, a vida e a morte sao uma mesma e unica coisa, uma unidade de

contraries. Nao se identifica a vida com ela pr6pria e a morte com a

sua negacao e, portanto, como algo diferente. Esse pensamento nao

foi desenvolvido com observancia do principio da identidade. Nao

pode ser tido como logico. 0 contraponto oferecido por esse modo

particular de ver a vida e a morte - como urn mesmo processo -possibilita aclarar 0 que se entende por principio da identidade. No

interior do pensamento logico, as coisas nao podem ser entendidas

como urn complexo de rmiltiplos fatores contradit6rios. Uma arvore

e uma arvore e nao 0vir-a-ser de uma semente. Essa distincao rigida

entre os conceitos que servem de materia para 0raciocinio e impres-

cindivel para urn empreendimento logico.

Claro que, dependendo da situacao em que nos encontramos,

devemos raciocinar logicamente. Para decidir certas questoes judi-

ciais sobre sucessao hereditaria, deve-se pesquisar se deterrninada

pessoa morreu antes de outra, se a crianca nasceu com vida ou

natimorta etc. Nessas situacoes nao tern nenhuma serventia uma dis-

sertacao acerca da unidade indissohivel da vida e da morte. Em ou-

tros momentos, essa ideia pode ser decisiva para despertar nas pes-

soas a consciencia de como gastam inuti lmente tempo e energia por

conta de vaidades ou orgulho, mudando a sua atitude diante de si

pr6prios e dos outros.

Formulado em termos de veracidade das ideias, 0principio da

identidade afirma que se uma ideia iverdadeira, entiio ela iverda-

6 7

Page 8: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 8/60

A logica, em suma, como creio resultar evidente da demonstra-

<raoda inexistencia do movimento por parte da filosofia eleatica, nao

guarda absoluta correspondencia com a realidade. Tal percepcao e

muito importante para 0 completo entendimento dessa maneira es-

pecifica de pensar e, sem duvida nenhuma, indispensavel para a ade-

quada uti lizacao dos recursos logicos, tanto no dire ito como na pro-

pria vida.

;

A LG UNS CONCEITO S DE L OG ICA

2 . A RGUMEN TO E PROPOSI< ;A O

o argumento e urn conjunto de proposicoes, mas nao urn con-junto qualquer. Nele, as proposicoes estao concatenadas de uma for-

ma especifica; ou seja, uma ou mais proposicoes sustentam outra

proposicao, Ha uma inferencia entre elas. Quando a inferencia obe-

dece, com rigor, aos principios da identidade, terceiro excluido e

nao-contradicao, bern como as demais regras logicas, 0argumento elogico e, entao, poderemos ter a certeza de que, se as premissas sao

verdadeiras e se efetivamente sao atendidos tais principios e regras,

a conclusao e verdadeira tambem.

Note-se que 0argumento nao e verdadeiro ou falso. A veracida-de ou falsidade sao atributos das proposicoes, enquanto 0argumento

apenas pode ser valido O U invalido, Nao temos condicoes de enfren-

tar aqui a extraordinariamente complexa questao filosofica da verda-

de, a qual devemos abstrair, por razoes didaticas (para uma introdu-

<raoao tema, ver: Chaui, 1995:901108). De modo singelo - embora

suficientemente fundado em determinada resposta a questao filoso-

fica sobre a verdade -, definiremos como verdadeira a proposicao

correspondente ao que acontece na realidade.

Para ac1arar a importante distincao entre veracidade das propo-

sicoes e validade dos argumentos, tomemos por exemplo 0mais clas-

sico de todos os argumentos, 0da mortalidade de Socrates. Por ele,

parte-se da constatacao geral de que "todos os homens sao mortais"

(primeira premissa) e da especifica "Socrates e homem" (segunda

prernissa), para s @ chegar a ideia de que "Socrates e mortal" (conc1u-

8 9

Page 9: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 9/60

sao). Cada uma dessas tres proposicoes pode ou nao corresponder a

realidade. Se efetivamente todos os homens morrem, entao a primei-

ra premissa e verdadeira; caso contrario, e falsa. Se Socrates for

mesmo homem e nao uma pedra ou gas, entao a segunda premissa e

verdadeira; e, por fim, se ele de fato morre, entao a conclusao tam-

bern e verdadeira, sendo falsa caso Socrates seja imortal. Conforme

o definido acima, cada proposicao em si mesma considerada e ver-dadeira ou falsa, se estiver ou nao em correspondencia com 0 que

acontece na realidade.

Ja 0 argumento nao se insere nesse quadro de consideracoes.

Seus atributos sao diferentes: eles sao validos ou invalidos. A valida-

de do argumento decorre da presenca de uma inferencia logica. Se as

proposicoes tomadas como premissas sustentam, a partir dos princi-

pios do pensamento logico (identidade, nao-contradicao e terceiro

exclufdo), a proposicao tida por conclusao, entao 0argumento e va-

lido ou consistente. Na hipotese contraria, ele sera invalido ou in-

consistente. No argumento da mortalidade de Socrates, das premis-

sas se infere a conclusao, segundo 0rigor dos princfpios logicos. Ou

ate mesmo intuitivamente, percebe-se que ha pertinencia na afirma-

c;aode que a mortalidade de Socrates decorre da mortalidade de to-

dos os homens e de ser 0 filosofo homem.

Correlatamente, se 0argumento considerasse a mortalidade de

Socrates como premissa de sua natureza humana ("Todos os homens

sao mortais; Socrates e mortal; logo, Socrates e homem"), nao have-

ria consistencia, Representaria, ao contrario, urn raciocfnio invalido,

embora pautado em proposicoes identicas as do argumento anterior,e, assim, igualmente verdadeiras. E seria invalido 0 raciocfnio, na

medida em que as proposicoes nele tomadas como premissas - a

mortalidade de todos os homens e a de Socrates - nao fundamen-

tam a proposicao apresentada como conclusao - a natureza humana

de Socrates. Com efeito, Socrates poderia ser urn vegetal.

As proposicoes, portanto, podem ser verdadeiras ou falsas, en-

quanta os argumentos podem ser validos ou invalidos, Isso nao sig-

nifica - atente-se! - que haja relacao direta entre esses atributos.

Nem todo argumento valido possui apenas proposicoes verdadeiras,

assim como nem todo conjunto de proposicoes falsas compoe urn

argumento invalido. Decididamente, nao existe tal correspondencia.

Ao contrario, e possivel nos depararmos com argumentos validos

recheados de proposicoes falsas e vice-versa. Alguns exemplos po-

derao demonstrar isso: a) todo mamffero e voador; todas as tartaru-

gas sao mamfferas; logo, todas as tartarugas sao voadoras; b) ne-

nhum americano e europeu; nenhum europeu e asiatica; logo, ne-

nhum americano e asiatico. No exemplo a, tem-se tres proposicoes

falsas compondo, entretanto, urn argumento valido, consistente; ja

no exemplo b, as proposicoes sao todas verdadeiras, mas as premis-

sas nao sustentam a conclusao, 0que toma 0 argumento invalido.

Solido e 0 argumento valido composto apenas de proposicoes

verdadeiras. Mas, como ja se afirmou, os logicos nao se ocupam da

veracidade ou falsidade da proposicao, Interessam-se apenas pela

validade ou invalidade do argumento. Estudam, em outros termos, as

condicoes segundo as quais sepode considerar logic a uma inferencia,

isto e, obediente aos princfpios e regras do pensamento logico. Poressa razao, inclusive, e para propiciar maior agilidade ao raciocfnio,

desenvolvem os logicos uma linguagem propria, uma notacao espe-

cffica. Como nao se preocupam com a realidade do que esta sendo

afirmado, os logicos dispensam os mamiferos, asidticos, Socrates,

ruminantes e tartarugas e adotam uma ideia geral de ser, representa-

da por letras (A, B, C...). 0 argumento logico ganha, entao, a seguin-

te forma: Todo A e B; todo Be C; logo, todo A e c.

3 . PROPOS IC ;OES CATEGOR ICAS

As proposicoes categoric as afirmam algo sobre duas classes,

incluindo ou excluindo, total ou parcialmente, uma classe de outra.

Quando se diz "todos os homens sao mortais", inclui-se a classe ho-

mens totalmente na classe mortais. Esta e uma proposicao categori-

ca. Sao possiveis quatro proposicoes dessa natureza:

a) a que enuncia a inclusao total de uma classe em outra ("todo

x e y"), chamada universal afirmativa e designada pela letra A, que e

a primeira vogal da palavra latina affirmo;

10 11

Page 10: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 10/60

Sobre as proposicoes categoricas e necessario assentarem-se,

ainda, mais tres conceitos: qualidade, quantidade e distribuicao.

A qualidade da proposicao categoric a esta relacionada com a

afirmacao ou negacao da inclusao enunciada. Assim, temos proposi-

~6es afirmativas (A e I) e negativas (E eO). A quantidade diz respei-

to a amplitude da inclusao au exclusao enunciada, sendo universais

as que propoem a inclusao au exclusao total (A e E) e particulares as

que propoem a inclusao ou exclusao parcial (I e O).

Repassando, a proposicao categorica em que 0termo S e incluf-do, total ou parcialmente, no termo P e , qualitativamente considera-

da, afirmativa (ex.: "todo mamffero e vertebrado" e "algum mamife-

ro e vertebrado"). Por outro lado, aquela em que 0 termo S e exclui-do, total ou parcialmente, do termo P e , qualitativamente, negativa

(ex.: "nenhum marnffero e vertebrado" e "algum mamffero nao e

vertebrado"). Ja a proposicao categoric a em que 0termo S se encon-

tra totalmente inclufdo ou excluido do termo P e , quantitativamente,universal (ex.: "todo mamffero e vertebrado" e "nenhum marnffero evertebrado"). Enquanto a proposicao categoric a em que 0 termo S e

parcialmente inclufdo ou exclufdo do termo P e , quantitativamente,particular (ex.: "algum mamffero e vertebrado" e "algum mamffero

nao e vertebrado").

Por fim, a distribuicao. Considera-se que a proposicao catego-

rica distribui urn certo termo quando veicula informacao pertinente a

todos os membros da classe referenciada por esse termo. A proposi-

~ao categorica universal afirmativa A, por exemplo, distribui 0 seu

termo sujeito S, e nao distribui 0 termo P. Na proposicao "todo rna-

mffero e vertebrado", sabe-se alguma coisa acerca de qualquer rna-

mffero aleatoriamente escolhido (sabe-se que ele e vertebrado); mas

nao se pode afirmar nada com seguranca sobre qualquer vertebrado

apanhado a esmo (ele podera ou nao ser mamffero).

Os logicos, em sua maioria, ensinam que a universalidade da

proposicao categorica implica a distribuicao do termo S, e a qualida-

de negativa implica a distribuicao do termo P (cf. Copi, 1953:145).

Dessa forma, a universal afmnativa (A) distribui apenas 0 seu sujei-

to, a universal negativa (E) distribui ambos os seus termos, a part i-

cular afirmativa (I) nao distribui nenhum dos seus termos e a part i-

cular negativa (0) distribui apenas 0 seu termo predicado.

b) a que enuncia a exclusao total de uma classe de outra ("todo

x nao e y", ou melhor, "nenhum x e y"), denominada universal nega-

tiva e referida pela letra E, a primeira vogal da palavra latina nego;

c) a que enuncia a inclusao parcial de uma classe em outra ("al-

gum x e y"), conhecida por particular afirmativa e indicada pela

letra I, segunda vogal de affirmo; e

d) a que enuncia a exclusao parcial de uma classe de outra ("al-

gum x nao e y"), que e a particular negativa referenciada pela letra

0, a segunda vogal da palavra nego.

Assim, temos por exemplo:

Todo homem e mortal.............................. proposicao categorica A

Nenhum homem e mortal...... proposicao categorica E

Algum homem e mortal............... proposicao categorica 1

Algum homem nao e mortal........ proposicao categorica 0

A classe de que se enuncia a inclusao ou exclusao parcial au

total e denominada termo sujeito, e referida pela letra S; ja a classe

na qual se afirma a inclusao ou exclusao e denominada termo

predicado e referida pela letra P. Conseqtientemente, no exemplo

acima, a classe homem seria mencionada atraves do termo sujeito e a

classe mortal pelo termo predicado. Adotando-se a notacao especffi-

ca da logica, teremos as seguintes formas para as proposicoes cate-

goricas:

Todo S e P proposicao categorica A

Nenhum S e P proposicao categorica E

Algum S e P proposicao categoric a I

Algum S nao e P proposicao categorica 0

12 13

Page 11: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 11/60

Ocupemo-nos, rapidamente, em verificar se os logicos estao

corretos em ensinar tal coisa. Uma proposicao universal afirmativa

(A) realmente veicula informacao pertinente a qualquer membro da

classe mencionada pelo termo sujeito. Se digo que "todo quadrado e

urn retangulo", tenho urn dado relativo a qualquer quadrado que se

apresente aos meus olhos, isto e, ele sera urn retangulo, Se, no entan-

to, eu defrontar com urn retangulo qualquer, nada poderei afirmarsobre ele, a partir da proposicao categoric a em questao. Efetivamen-

te, apenas 0 termo sujeito (quadrado) esta distribuido.

A proposicao categorica universal negativa (E), ao seu turno,

veicula inforrnacao pertinente a qualquer membro da c1asse

referenciada por ambos os seus termos. Se digo "nenhum brasileiro

e europeu", saberei, a partir desse enunciado, alguma coisa sobre

qualquer brasileiro (ele nao e europeu) e sobre qualquer europeu (ele

nao e brasileiro). Ocorre, portanto, nessa forma de proposicao cate-

gorica, a distribuicao tanto do termo sujeito (brasileiro) como do

termo predicado (europeu).

A proposicao categorica particular afmnativa (I) nao veicula

informacao prestavel a qualquer membro das classes mencionadas

pelos seus dois termos. A afirmacao de que "algum brasileiro e can-

tor" nao possibili ta concluir nada acerca de qualquer brasileiro (ele

pode ser ou nao cantor), nem de qualquer cantor (ele pode ser ou nao

brasileiro). Nessa forma de proposicao categorica, assim, nao ha a

distribuicao nem do sujeito (brasileiro), nem do predicado (cantor).

Ate aqui, portanto, parece que 0ensinamento daqueles logicos

confere. Quando, no entanto, eles consideram a particular negativa,

pretendem a distribuicao do termo predicado. Para Irving Copi, por

exemplo, afmnar que alguma coisa esta excluida de certa classe e

fazer referencia necessaria a totalidade da classe. Se determinada

pessoa e expulsa de urnpais, i lustra, todas as regioes desse pais serao

inacessiveis a ela (1953:145).

Sera assim, realmente? Se digo "algum brasileiro nao e can-tor", terei que tipo de informacao pertinente a todos os cantores?

Nenhuma, na verdade. Mas aqui devemos ceder ao princfpio da iden-

tidade para continuarmos pensando logicamente. Eu me explico: a

afirmacao de que "algum x e y" implica, no mundo real, a afirmacao

do contrario ("algum x nao e y"). E impossivel distinguir, na realida-

de, uma da outra. Se considero que alguns estudantes sao atentos,

estou considerando que outros nao 0sao. Mas nao e assim no mundo

da logica, que, como mencionado, nao guarda necessaria correspon-

dencia com0

real. Com efeito, para os logicos, quando se formulauma proposicao categorica particular afirmativa, nao se esta, nem de

longe, pretendendo a afirmacao concomitante da proposicao catego-

rica particular negativa correspondente. Em termos estritamente 10-

gicos, a proposicao de que "algum S e P" significa que pelo menos

um S esta incluido em P. Disso nao deriva, pelo rigor do princfpio da

identidade, que exista S exc1uido de P.

Por tal razao, como a logica nao precisa corresponder ao real,

mas deve observar estritamente os principios que elegeu para 0 seu

desenvolvimento, deve-se aceitar que a proposicao categorica parti-

cular negativa (0) distribui 0 seu termo predicado (P). Embora isso

possa nao corresponder a minha ou a sua experiencia no uso da lin-

gua, essa distribuicao deve ser admitida. Caso contrario, estaremos

desenvolvendo urn outro tipo de pensamento, diferente da Iogica,

Essa ideia, penso, ficara mais clara adiante (item 7).

4 . INFERENCIAS IMEDIATAS

o argumento com duas proposicoes categoric as referentes as

mesmas classes e chamado de inferencia imediata. Configura hipo-

tese em que uma proposicao categorica e premissa suficiente para a

conclusao veiculada em outra proposicao. Destacaremos, aqui, tres

operacoes logic as que veiculam uma inferencia imediata: 0 quadro

de oposicao, a conversao e a obversao,

Atraves do quadro de oposicao, estabelecem-se relacoes entre

as proposicoes categoricas, que revelam as possibilidades de uma

delas ser verdadeira ou falsa, a part ir da veracidade ou falsidade das

demais.

14 15

Page 12: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 12/60

Eis 0quadro:

'": ." •~ .( D •

a •o •'" .••••••••

contrariesA E• • • • • • • • • • • •• • • • • ••• • • • • ••• • • • ••• •• • ••••

•••••••

••

• ••

• •• ••

sobre a falsidade ou veracidade de "nenhum cirurgiao e sadico" (pode

ser que algum seja, pode ser que nenhum seja).

As proposicoes particulares sao definidas como subcontrdrias

porque ambas podem ser verdadeiras, mas nao podem ser falsas

simultaneamente. E possivel afirmar a veracidade de "alguns estu-

dantes sao estudiosos" e de "alguns estudantes nao sao estudio-

sos", mas a falsidade de ambas as assertivas nao pode ser sustenta-da. A inferencia imediata derivada da relacao de subcontrariedade

e, portanto, a seguinte: a falsidade de uma proposicao particular

implica a veracidade da subcontraria. Quer dizer, sendo falso que

"algum jornalista e mitornano", sera verdadeiro que "algum jorna-

lista nao e mitomano". Note-se bern que nao se pode concluir se

uma particular e verdadeira ou falsa, partindo-se apenas da veraci-

dade da outra particular. Se "algum engenheiro nao e prudente" e

verdadeiro, nao se con segue concluir dis so a veracidade ou falsida-

de de "algum engenheiro e prudente" (pode ocorrer de nenhum

engenheiro ser prudente).

A relacao entre a universal e a particular da mesma qualida-

de e denominada subalternidade. A universal afirmativa esuperalterna da part icular afirmativa e esta e subalterna daquela.

Similarmente, a universal negativa e superalterna da particular

negativa e esta e subalterna daquela. Pois bern, da veracidade da

superalterna decorre a veracidade da subalterna; e da falsidade da

subalterna deriva a falsidade da superalterna. Se afirmo a veraci-

dade de "todos os logicos sao gastronomes", sera verdadeiro tam-

bern que "algum logico e gastronomo". Por outro lado, se for fal-

so que "algum logico e gastronome", tambem sera falso que "to-

dos os Iogicos sao gastronomes". Paralelamente, se e veraz que

"nenhum pedagogo e cinefilo", sera igualmente verdadeiro que

"algum pedagogo nao e cinefilo"; e se for inveridico que "algum

pedagogo nao e cinefilo", tambem 0 sera a assertiva de que "ne-

nhum pedagogo e cinefilo",

Atente-se para 0 seguinte: da falsidade da superalterna, nada e

possivel concluir acerca da veracidade ou falsidade da subalterna.

Assim, se sabemos que "todo narciso e nefelibata" e falso, entao

•• •

• •••

••••••

· '"· ::• 0"· ~. . . .• (l)

• a• 0• rJl

••••••••

• •

•••

As proposicoes universais sao consideradas contrdrias porque

ambas podem ser falsas, mas nao podem ser verdadeiras, simultane-

amente. Se digo "todos os jornaleiros sao bigodudos" e "nenhum

jornaleiro e bigodudo", essas duas afirmacoes nao podem ser verda-deiras; e evidente que pelo menos uma delas, senao ambas, sao fal-

sas. Duas proposicoes categoricas contrarias possibilitam a seguinte

inferencia imediata: se uma delas for verdadeira, a outra sera falsa.

Se digo ser verdade que "todo advogado e prolixo", entao e falsa a

afirmacao "nenhum advogado e prolixo". Do mesmo modo, see ver-

dadeiro que "nenhum juiz e guloso", e falso "todo juiz e guloso".

Registre-se, contudo, que da falsidade de uma das contrarias nada se

pode concluir acerca da veracidade ou falsidade da outra. Se afmno

ser falso que "todo cirurgiao e sadico", nao e possivel conc1uir nada

16

• •• •

•• •• •• •• •

•• •••••• •• ••~ .

0 •

'o~ •'& ~ •~~ . .

0 <: : ' •c; ••

•• c0."

• V v ,.~•0~0;.

• • /OJ'•••

• • •• •• •• ••• ••• • • • ••• • • • • • •• • • • • • • • • • • • •• ••• • •I 0

subcontrarios

17

Page 13: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 13/60

"algum narciso e nefelibata" tanto pode ser falso como verdadeiro.

Por outro lado, da veracidade da subalterna, nada e possfvel afirmarsobre a veracidade ou falsidade da superaltema. Isto e , sendo verda-deiro "algum sabio nao e autodidata", nada cabe dizer sobre a vera-cidade ou falsidade de "nenhum sabio e autodidata".

Por fim, a relacao de contraditoriedade, pertinente a universal

e a particular de qualidades diferentes. Se uma proposicao categori-ca e verdadeira, a sua contraditoria sera falsa e vice-versa. Ha

contraditoriedade se a veracidade de uma proposicao implica a falsi-

dade da outra, e se a sua falsidade implica a veracidade da outra. A

universal afirmativa e contraditoria a particular negativa (Se "todosos astronautas sao elegantes" for verdadeiro, entao "algum astronau-

ta nao e elegante" sera falso, e vice-versa), e a universal negativa econtraditoria a particular afirmativa (Se for falso que "nenhum car-

nfvoro e invertebrado", entao sera verdadeiro que "algum carnfvoro

e invertebrado'', e vice-versa).

Em resumo, podem ser estabelecidas, a partir do quadro de opo-

sicao, as seguintes inferencias imediatas:

1) Se a universal afrrmativa (A) for verdadeira, entao a univer-

sal negativa (E) sera falsa, a particular afrrmativa (I) sera verdadeira

e a part icular negativa (0), falsa.

2) Se a universal negativa (E) for verdadeira, entao a universal

afrrmativa (A) sera falsa, a particular afirmativa (I) sera falsa tam-

bern e a particular negativa (0), verdadeira.

3) Se a particular afirmativa (I) for verdadeira, entao a univer-

sal negativa (E) sera falsa, e nada se podera concluir acerca da fal-

sidade ou veracidade da universal afirmativa (A) e da particular

negativa (0).

4) Se a particular negativa (0) for verdadeira, entao a universal

afrrmativa (A) sera falsa, e nenhuma conclusao se podera alcancar

sobre a falsidade ou veracidade da universal negativa (E) e da parti-

cular afirmativa (I).

5) Se a universal afrrmativa (A) for falsa, entao a particular ne-

gativa (0) sera verdadeira, nao cabendo inferir nenhuma conclusao

sobre a veracidade ou falsidade da universal negativa (E) e da part i-

cular afirmativa (I).

6) Se a universal negativa (E) for falsa, entao a particular afir-

mativa (I) sera verdadeira, e indeterminavel a veracidade ou falsida-

de da universal afirmativa (A) e da particular negativa (0).

7) Se a part icular afrrmativa (I) for falsa, entao a universal afir-

mativa (A) sera falsa, a universal negativa (E) sera verdadeira e aparticular negativa (0), verdadeira tambern.

8) Se a particular negativa (0) for falsa, entao a universal afir-

mativa (A) sera verdadeira, a universal negativa (E) sera falsa e a

particular afirmativa (I), verdadeira.

Esta a primeira operacao logic a de inferencia imediata, em que

duas proposicoes categoricas compoem urn argumento. Passemos,

agora, a analise de duas outras operacoes: a conversao e a obversao,

Pela conversao, mantem-se a qualidade da proposicao tomada

por premissa e inverte-se a funcao dos termos (0 sujeito passa apredicado e vice-versa). Para as proposicoes de forma universal ne-

gativa (E) e particular afrrmativa (I), e sempre valida a conversao,Confira: "se nenhum jomaleiro e bigodudo, entao nenhum bigodudo

e jornaleiro"; "se algumjomaleiro e bigodudo, entao algum bigodudo

e jornaleiro". Para a proposicao universal afirmativa (A), a conver-

sao e valida apenas se for alterada tambem a quantidade. Assim, "se

todo jomaleiro e bigodudo, entao algum bigodudo e jornaleiro",

Por obversao entende-se a operacao pela qual se mantem a quan-

tidade e 0 termo sujeito e altera-se a qualidade e 0 termo predicado,

adotando-se 0 complementar desse ultimo. Complementar de urn

termo e 0que abrange todos os seres nao compreendidos pelo mes-

mo termo. 0 complementar de cantores retine todos os nao-cantores.

A obversao e valida entre as proposicoes contrarias e entre as

subcontrarias. Ou seja, as proposicoes universais (A e E) sao obversas

uma da outra, assim como 0 sao as proposicoes particulares (I e O).

Concretizando: "se todos os estudantes sao loiros, entao nenhum es-

tudante e nao-loiro"; e "se algum estudante e loiro, entao algum es-

tudante nao e nao-loiro".

18 19

Page 14: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 14/60

5. SILOGISMOS CATEGORICOS

Logo, todo primata e vertebrado.

clusao e denominado termo maior (no exemplo, vertebrado). 0 ter-

mo menor eo maior sao definidos como extremos. 0 termo que nao

figura na conclusao, mas apenas nas premissas, e conhecido como

termo media (no exemplo, mamifero).

A premissa que contem 0 termo menor e chamada premissa me-

nor (no exemplo, "todo primata e mamifero"), e a que contem 0termo

maior, premissa maior (no exemplo, "todo mamifero e vertebrado").

Modo do silogismo e a referencia ao tipo de enunciados que ele

possui. Ainda no exemplo em tela, temos tres enunciados universais

afirmativos. 0 seu modo e AAA. Se0silogismo possui por premissa

maior urn enunciado universal afirmativo (A), por premissa menor

urn enunciado particular afmnativo (I) e na conclusao urn enunciado

particular negativo (0), 0 seu modo sera AIO, e assim por diante.

Figura do silogismo e a referencia a funcao do termo medic

nas premissas, ou seja, se esse termo e sujeito ou predicado dos

enunciados que 0 contem. Ha quatro figuras possiveis: 1) 0 termomedio e sujeito da premissa maior e predicado da premissa menor;

2) 0 termo medio e predicado em ambas as premissas; 3) 0 termo

medio e sujeito em ambas as premissas; 4) 0 termo medio e

predicado na premissa maior e sujeito na premissa menor. Em ou-

Ha logicos, como Jacques Maritain (1948: 1871189), que negam

a existencia de inferencia imediata, considerando que as duas propo-

sicoes por ela relacionadas, uma como premissa da outra, veiculam,

a rigor, a mesma ideia, embora reproduzida de formas diferentes.

Segundo esse enfoque, so haveria inferencia - ou seja, raciocfnio -,

quando se conjugassem duas premissas para, dessa conjugacao, se

extrair a conclusao.

o argumento composto por duas premissas e uma conclusao e

chamado de silogismo; e se essas premissas e a conclusao forem pro-

posicoes categoric as, entao se trata de urn silogismo categorico. To-

memos urn exemplo:

Todo mamifero e vertebrado.

Todo primata e mamifero.

Tern-se, aqui, duas proposicoes categoricas (premissas) que sus-

tentam uma terceira proposicao categorica (conclusao), 0 silogismo

categorico tern sempre duas proposicoes categoricas como premissas

("todo mamffero e vertebrado" e "todo primata e mamifero") e uma

proposicao categorica como conclusao ("logo, todo primata e verte-

brado"). Alem disso, opera necessariamente com tres termos diferen-

tes (mamifero, vertebrado e primata), que figuram cada urn em duas

das proposicoes do silogismo (mamifero figura em "todo mamffero e

vertebrado" e em "todo primata e mamifero", e assim por diante).

Qualquer argumento que nao atenda a essas especificacoes nao sera

urn silogismo categorico.

Por enquanto, trataremos apenas dos silogismos categoricos e,

para simplificar, adotaremos a expressao silogismo para os referenciar

e enunciado para as proposicoes categoricas que dele fazem parte.

Todo silogismo possui tres termos. 0 sujeito da conclusao e

chamado termo menor (no exemplo, primata). 0 predicado da con-

20

tros termos:

Premissa Maior Medio-Maior Maior-Medio

Premissa Menor Menor-Medio Menor-Medio

Conclusiio Menor-Maior Menor-Maior

Figura n.Q. (1) ( 2 )

Premissa Maior Medio-Maior Maior-Medio

Premissa Menor Medic- Menor Medic- Menor

Conclusiio Menor-Maior Menor-Maior

Figura n.Q. (3) (4)

21

Page 15: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 15/60

o silogismo sobre os primatas mamiferos vertebrados, acima,

adota a figura 1. Urn exemplo de silogismo de figura 2:

"Todo brasileiro e americana; nenhum europeu e americana;

logo, nenhum europeu e brasileiro",

Urn silogismo de figura 3:

"Algum brasileiro e paulista; todo brasileiro e americana; logo,

algum americano e paulista'',

E, finalmente, urn silogismo de figura 4:

"Todo paulista e brasileiro; nenhum brasileiro e europeu; logo,

nenhum europeu e paulista",

Aforma do silogismo e a conjugacao do seu modo e figura. 0

primeiro exernplo, do primata mamifero vertebrado, apresenta urn

silogismo da forma AAA-l (isto e, modo AAA e figura 1). Os de-

mais exemplos, dos paragrafos anteriores, de paulistas e brasileiros,

tern respectivamente as formas: AEE-2, 1A1-3 e AEE-4.

Ha, em tese, 256 formas possfveis para os silogismos, mas so-

mente algumas sao validas, ou seja, representam urn argumento con-

sistente, em que as premissas sustentam validamente a conclusao,

Para Jacques Maritain, fi liado a tradicao da logic a aristotelica, ape-

nas dezenove formas de silogismo seriam legftimas (1983:214). Na

Idade Media, os monges, a falta de melhor OP9aopara entretenimen-

to intelectual, dedicavam-se a dar nomes as formas validas dos

silogismos: 0da forma AAA-l, por exemplo, ficou conhecido como

Barbara.

6. VAL IDADE DOS S ILOGISMOS CATEG6R ICOS

Como deve proceder a pessoa interessada em verificar se ha ou

nao consistencia nesse raciocinio, sob 0ponto de vista logico? Tal-

vez essa pessoa nao conheca 0 conteudo dos conceitos empregados

(empresario, responsabilidade civil independente de culpa, cirurgiao

plastico), 0que inviabiliza urn teste baseado na referencia concreta

das ideias expressadas. Mas se ela dominar as regras da logica, a

falta do conhecimento especffico do conteiido afirmado sequer con-sistira empecilho, ja que podera confirmar a pertinencia do racioci-

nio mediante a analise de sua forma. Elucidemos essa altemativa.

Em primeiro lugar, e necessario revestir a assertiva em foco de

carater silogistico, ou seja, devemos transforma-la .num silogismo

categorico. Isso significa construir 0mesmo raciocinio com tres enun-

ciados (proposicoes categoricas), servindo dois deles de premissas

para 0 terceiro. A assertiva de que "0 empresario responde pelos aci-

dentes de consumo independentemente de culpa" informa que e atri-

buto do empresario responder mesmo sem culpa pelos acidentes deconsumo. Essa especie de responsabil idade e chamada de objetiva.

Em outros termos, ser empresario e estar sujeito a responsabilidade

objetiva. Essa mesma ideia, formulada atraves de urn enunciado, te-

ria a seguinte expressao Iinguistica: "todo empresario e objetivamen-

te responsavel por acidente de consumo", Temos ja uma premissa.

A frase "0 cirurgiao plastico nao e empresario ..." pode ser

traduzida no enunciado "nenhum cirurgiao plastico e empresario",

Finalmente, a conclusao se extrai do fragmento "e, portanto, so

se ele for culpado pelo erro medico podera ser responsabilizado por

danos esteticos"; ele informa ter 0cirurgiao plastico responsabilidade

fundada na culpa, que e tambem chamada de "subjetiva". Em outros

termos, 0 medico so responde subjetivamente e nao objetivamente

por danos esteticos derivados de sua imperfcia, Os danos esteticos

causados por erro medico numa cirurgia plastica, por fim, e uma

especie de acidente de consumo. A conclusao se traduz, entao, pelo

enunciado "nenhum cirurgiao plastico e objetivamente responsavel

por acidente de consumo". Temos, entao, 0argumento:

E possivel identificar a validade de urn silogismo a partir de sua

forma. Para testar se determinado raciocfnio e logicamente valido,

devemos traduzi-lo em urn argumento silogistico e detectar a sua for-

ma (modo e figura). Se a forma for a de urn silogismo valido, 0racio-

cinio em questao sera logico.

Consideremos a seguinte assert iva: "0 empresario responde

pelos acidentes de consumo independentemente de culpa. 0 cirur-

giao plastico nao e empresario e, portanto, so se ele for culpado pelo

erro medico podera ser responsabilizado por danos esteticos",

22 23

Page 16: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 16/60

Todo empresario e objetivamente responsavel por acidente de

consumo.

Nenhum cirurgiao plastico e empresario.

deve possuir premissas verdadeiras. Nao pode haver diividas quanta

a veracidade das prernissas, para que 0rnetodo funcione. Isso porqueo raciocfnio logico, sempre que desenvolvido corretamente a part ir

de prernissas verdadeiras, conduz a conclusoes verdadeiras. Quer di-

zer, se0silogismo paradigm a possui premissas verdadeiras e conc1u-

sao falsa, entao 0raciocfnio nao foi valido, Desse modo, para a ade-

quada aplicacao desse metodo, exige-se da pessoa que 0utiliza co-

nhecimento dos termos envolvidos. Ou, por outra, quem se vale da

analogia formal, deve construir urn silogismo paradigma a partir de

conceitos conhecidos. No nosso caso, poderia ser adotado, por exem-

plo, 0 seguinte:

Logo, nenhum cirurgiao plastico e objetivamente responsavel

por acidente de consumo.

Propositadamente estamos trabalhando com uma assertiva que

nao oferece maiores dificuldades em sua traducao silogfstica. Pode

ocorrer, no entanto, de nos confrontarmos com raciocfnios expressos

com maior erudicao, ou na forma indireta, que impossibilitam a pronta

identificacao dos fundamentos e do concluido. Em qualquer caso,

seja pela utilizacao de determinadas palavras (logo, importa, por isso,

tendo em vista etc.), seja pelo proprio contexto em que se insere a

tematica abordada, sempre sera possivel proceder a traducao do raci-ocfnio testado em urn argumento silogfstico,

Em seguida a traducao, devemos pesquisar a forma do argumen-to, ou seja, 0 seu modo e figura. 0 modo do nosso exemplo e AEE, ja

que a prernissa maior e uma universal afirmativa e a prernissa menor e

a conclusao sao universais negativas. Pela disposicao do termo medio,

a figura e 1.Portanto, a forma desse argumento e AEE-1.

Sabemos que, independentemente do conteiido, pode-se aferir a

validade do silogismo a partir unicamente de sua forma. Sao 256

formas diferentes, entre as quais tern validade apenas algumas. Res-

ta-nos, em prosseguimento, no teste do raciocinio sobre a responsa-

bilidade do cirurgiao plastico, discemir se urn argumento silogisticode forma AEE-1 e valido ou nao, Para isso, temos pelo menos doiscaminhos: a analogia formal ou a aplicacao das regras de validade.

Todo cao e mamffero,

Nenhum gato e cao.

Logo, nenhum gato e mamifero.

6.1. Analogia formal

Trata-se de urn silogismo da mesma forma do testado (AEE-1)

e, efetivamente, nao e valido. As premissas, que sabemos verdadei-ras, porque conhecemos caes, gatos e mamiferos, nao sustentam a

conclusao, que temos condicao de afirmar ser falsa, pois os gatos sao

mamiferos. Ora, se as premissas sao verdadeiras e a conclusao resul-

tou falsa, a inferencia estabelecida entre elas foi inconsistente, invali-

da. Se isso se verifica no argumento paradigma, todo e qualquer ou-

tro argumento de mesma forma, inclusive 0 testado, tambem sera

invalido, Do que se conclui que a assertiva inicialmente considerada,

sobre a responsabilidade do cirurgiao plastico por acidente de consu-mo, nao reproduz urn raciocfnio 16gico.

Esse e 0metodo da analogi a formal. Ele apresenta algumas li-

mitacoes, que devem ser ressaltadas. A sua aplicacao nao permite,

em certos casos, uma conclusao absolutamente segura sobre a vali-

dade do argumento sob teste. Na verdade, s6 e conclusiva a adocao

desse metodo quando leva a inconsistencia do argumento. Se a ana-

logia formal apontar para a validade do argumento testado, entao sera

prudente repetir 0metodo, com paradigmas diferentes, para procurar

diminuir os riscos de erro. Isso porque nao se pode afastar a hip6tese

Pela analogia formal, constr6i-se urn silogismo paradigma com

a mesma forma daquele cuja validade esta sendo testada. 0 paradigma

24 25

Page 17: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 17/60

6.2. Regras de validade

negativa e a conclusao afirmativa (os modos on, AEI, OAA etc.) ,

bern como com duas premissas negativas (EEA, EEE, OEO etc.) .

Voltemos, entao, ao raciocinio do cirurgiao plastico para testa-

10 por este outro metodo, Sua forma e AEE-l; isso significa que:

1) Na premissa maior, ha urn enunciado universal afirmativo

(A), em que 0 sujeito e 0 termo medio e 0predicado, 0 termo maior.

Como a universal distribui sempre 0 termo sujeito, entao 0 termo

medio se encontra distribufdo por esta premissa. Pode-se conc1uir,

tambem, que 0 termo maior nao esta distribufdo, ja que os enuncia-

dos afirmativos nao distribuem 0predicado.

2) Na premissa menor, ha urn enunciado universal negativo (E),

em que 0termo menor e 0sujeito e 0termo medic, 0predicado. Este

tipo de enunciado distribui ambos os seus termos. Assim, 0 termo

medio se encontra distribufdo tambem nesta prernissa.

3) A conclusao e uma universal negativa. Como ha uma premis-sa negativa tarnbem (a menor), nao ocorre a transgressao a terceira

regra acima formulada. Mas por se tratar de urn tipo de enunciadoque distribui ambos os seus termos, 0maior encontra-se distribuido,

Ora, na prernissa maior, nao se verifica a distribuicao desse termo, e,

em consequencia, incorre-se na falacia do ilicito maior.

o raciocinio testado, sobre a responsabilidade do cirurgiao plas-

tico, transgrediu, portanto, a segunda regra de validade. Nao tern,

assim, consistencia para a logic a; e invalido,

E bastante oportuno recuperar, neste momento, aquela ideia de

que nao existe relacao direta entre a veracidade das proposicoes e a

validade do argumento. Com efeito, os cirurgioes nao sao empresa-

rios (CC, art. 966, paragrafo tinico) e nao tern responsabilidade obje-tiva pelos danos que causam no exercfcio da profissao (CDC, art. 14,

§ 42). 0 raciocinio testado, assim, e invalido, mesmo sendo absolu-

tamente verdadeiras as tres proposicoes que 0 compoem. A logic a

nos possibilita verificar se as premissas sustentam validamente a

conclusao. Apenas isso. 0 cirurgiao plastico nao tern responsabili-

dade objetiva, mas isso nao se deve ao fato de ele nao ser empresa-

rio. Deve-se ao fato de ser profissionalliberal. Por conseguinte, enun-

ciados verdadeiros podem estar indevidamente relacionados, como

prernissas de conclusoes verdadeiras. A logica sabera apontar que a

de inconsistencia do silogismo constitufdo apenas por proposicoes

verdadeiras. Como a unica garantia dada pela logica e a de que 0

raciocinio logico empregado na conjugacao de premissas verdadei-

ras nao pode conduzir a conclusao falsa, entao podemos ter certeza,

quanto aos resultados obtidos da aplicacao do metodo da analogia

formal, apenas se 0 argumento testado revelar-se invalido.

Outro caminho a percorrer, na afericao da consistencia dos racio-

cinios, sob 0ponto de vista da logic a, e 0da aplicacao das regras de

validade dos silogismos. Se 0argumento testado nao as observa, es-

tritamente, ele e invalido.

Conhecamos tais regras. Em primeiro lugar, 0 termo medic deve

estar distribufdo em pelo menos uma das prernissas. Em decorrencia,

e invalido 0 argumento em que 0 termo medio nao esta distribufdo

nem na premissa maior, nem na menor. 0 silogismo que inobserva

essa regra incorre na falacia da nao-distribuicao do termo medic.

A segunda regra estabelece que nenhum termo extrema (me-

nor ou maior) pode estar distribufdo apenas na conclusao, Ou seja,

se a conclusao distribui 0termo menor, a premissa menor necessa-

riamente deve distribui-lo tambem; similarmente, se a conclusao

distribui 0 termo maior, deve ocorrer a sua distribuicao tambem na

premissa maior. Anote-se que 0 silogismo opera uma deducao, isto

e, as premissas sao gerais em relacao a conclusao, de modo que

nesta nao pode haver informacao que ja nao se encontre naquelas.Quando 0 termo menor se encontra distribufdo apenas na conc1u-

sao, diz-se que 0 silogismo incorre em ilicito menor; se a falacia

(erro logico) se refere ao termo maior, denomina-se ilicito maior.

A terceira e ultima regra de validade afirma que 0mimero de

premissas negativas deve ser igual ao de conclusao negativa. Dessa

maneira, se houver uma premissa, maior ou menor, de qualidade

negativa, a conclusao deve ser necessariamente negativa. Essa regra

afasta a validade de silogismos com prernissas afirmativas e conc1u-

sao negativa (os modos AAE, AlE, no etc.) , com uma premissa

26 27

Page 18: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 18/60

ligacao entre tais proposicoes e indevida, mas nao ten! meios depesquisar a veracidade ou falsidade delas.

Todo homem e mamifero.

Algum vertebrado nao e mamifero.

Logo, algum vertebrado nao e homem.

7. D ISTR IBU ICAO DO PR EDICA DO NA P AR TICU LA R

NEGATIVA Ora, se considerassemos que a particular negativa nao distribui

o seu predicado (mamffero), esse silogismo nao poderia ser conside-rado valido porque teria incorrido na falacia da nao-distribuicao do

termo medio. Na premissa maior, universal afirmativa (A), 0predicado

(mamifero) nao e distribuido, em funcao da qualidade afirmativa do

enunciado. Necessario, portanto, se torna, para a validade desse

silogismo, que a premissa menor distribua 0 termo medic.

Em suma, deve-se ter por distribufdo 0predicado na particular

negativa, para que todas as pecas deste jogo de armar chamado 16gi-

ca se encaixem perfeitamente.

o enunciado E, de quantidade particular e de qualidade negati-

va (algum S nao e P), distribui 0 termo predicado, segundo a licao

dos 16gicos (cf. Copi, 1953:145; Salmon, 1963:60). Isso significa

que urn enunciado desse tipo veicula informacao pert inente a qual-

quer membro da classe referida pelo termo predicado. Ou seja, se-

gundo tais logicos, a assert iva "algum brasileiro nao e astronauta"possibilitaria conhecermos algo relativo a qualquer astronauta.

Esforcos foram feitos no senti do de demonstrar a pertinencia da

regra da distribuicao do predicado pela particular negativa, como se

ela retratasse uma experiencia de todos nos. Decididamente, contu-

do, nao convencem. Nao se informa propriedade alguma de qualquer

membro de certa classe negando-se a inclusao parcial nesta de outra

classe.

A despeito da inverdade contida na regra da distribuicao do

predicado pela particular negativa, ela deve ser respeitada para que se

preserve 0pensamento logico. Lembremo-nos de que a 16gica e ape-

nas uma maneira de pensar, de organizar 0raciocfnio, que nao guar-

da necessaria correspondencia com a realidade. Observar, portanto,

uma regra falha nao representa maiores problemas, se for demonstra-

da a sua indispensabilidade a consistencia do sistema logico. Em outras

palavras, a incorporacao da regra, nao obstante a sua falha, deve ser

feita, quando se revela necessario considerar distribuido 0 termo

predicado na particular negativa para garantir a validade de silogismos.

Procurando clarear urn pouco mais a ideia, consideremos 0

silogismo denominado Baroco (AOO-2), que e valido, consoante sepode demonstrar atraves de outros metodos desenvolvidos pela logi-

ca (0Diagrama de Venn, por exemplo). Segundo esse silogismo:

8 . CONTEUDO EXIS TENC IA L

Os logicos, ao se ocuparem da questao pertinente as relacoes

entre as proposicoes categ6ricas e 0 seu objeto real- isto e, entre a

afirmacao de que "todos os financistas sao sadicos" e as caracterfsti-

cas psicologicas efetivamente manifestadas pelos profissionais da

area das financas -, lancam mao por vezes do conceito de conteudo

existencial. Por exemplo, na interpretacao boolean a, assim chamada

em homenagem ao logico George Boole, defende-se a nocao de au-

senoia de conteiido existencial das proposicoes universais (A e E).

Para essa interpretacao moderna, apenas as part iculares podem ter

conteiido existencial, pois afirmam que ha pelo menos urn membro

da classe dos sujeitos que esta (I) , ou nao esta (0), incluido na classe

dos predicados (apud Copi, 1953:158/159).

Em outros termos, a negacao de conteiido existencial dos uni-

versais pretende que, ao se afirmar "todos os carnivoros sao verte-

brados", dir-se-ia, na verdade, apenas que "se houver carnfvoros, eles

sao vertebrados". Desse modo, na proposicao do tipo A, nao haveria

28 29

Page 19: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 19/60

propriamente afirmacao de que existem membros na classe do sujei-

to. Ao contrario, da assertiva de que "algum carnivoro e vertebrado"derivaria a afirmacao de que existe pelo menos urn carnivoro, isto e,

urn membro da classe do termo sujeito.

Na introducao ao presente trabalho (item 1), procuramos de-

monstrar, pela analise dos argumentos de Zenao de Eleia contra a

existencia do movimento, que 0raciocinio nao e fiel a realidade ape-nas porque e logico. Pode-se, com efeito, desenvolver raciocinio ple-

namente valido, articulando apenas enunciados falsos. Como 0argu-

mento logico nao guarda necessaria correspondencia com a realida-

de, 0 debate sobre 0 conteiido existencial dos enunciados nao tern

sentido algum no contexto da logica. Para certos logicos, no entanto,

essa discussao sobre 0conteiido existencial dos enunciados repercu-

te na formulacao das regras de validade do silogismo categ6rico.

Nesse sentido, note-se que a formulacao apresentada acima das

regras do silogismo (item 6.2) corresponde a interpretacao aristotelica,sendo que, modemamente, alguns logicos as tern reinterpretado e

propoem formulacoes diferentes. A mudanca e comumente ligada adefinicao das proposicoes categ6ricas de tipo universais afmnativas

(A) como enunciados condicionais, isto e , que abstraem a questao da

existencia de membros na classe referida pelo termo sujeito.

Ha pelo menos duas propostas de reformulacao das regras de

validade dos silogismos categ6ricos, a partir da negacao do conteii-

do existencial dos universais. Em primeiro lugar, a que altera as re-

gras de distribuicao dos termos, no sentido de prescrever que 0termo

medic deve estar distribufdo exatamente uma vez, e que nenhum ter-mo extremo pode estar distribuido apenas uma vez (cf. Salmon,

1963:61). E a segunda proposta adiciona a regra de invalidade do

silogismo composto por prernissas universais e conclusao particular

(cf. Copi, 1953:188/189). Ambas alcancam, por vias diferentes, 0

mesmo resultado.

Evidentemente, de acordo com a interpretacao adotada - a

aristotelica ou a modema -, altera-se 0conjunto de silogismos va-

lidos. 0 conhecido como Darapti, de forma AAI-3, por exemplo, econsistente para a Iogica aristotelica (cf. Maritain, 1948:213/217),

30

mas nao para a modema. Isto porque, segundo a versao tradicional

das regras de validade, 0 termo medic deve estar distribuido pelo

menos uma vez no silogismo e 0Darapti atende a essa condicao, na

medida em que ambas as prernissas 0distribuem. Ja a versao moder-

na, ao adrnitir apenas uma distribuicao do termo medio - nem mais,

nem menos -, ou ao rechacar silogismos com prernissas universais

e conclusao particular, nao podera reconhecer a sua validade.

9 . P AR A Q UE S ER VE A L OG ICA ?

A este passo, com as poucas nocoes de logica apresentadas, e

possivel proceder-se a indagacao acerca de sua utilidade. Ja sabemos

que ela nao e capaz de mensurar a veracidade das proposicoes, de

maneira que se justifica 0maior cuidado diante de urn pensamento

logico. Com efeito, 0 raciocinio pode tratar com absoluto rigor de

dados totalmente falsos. E, assim, as pessoas podem acabar se fasci-

nando pelo encadeamento logico de certas ideias e esquecer de me-

ditar sobre a sua veracidade.

E importante conhecermos os lirnites dos recursos oferecidos

pela logica, para que possamos utiliza-la nos momentos e pelos meios

adequados. Para discutirmos a utilidade da logica, podemos tomar

por referencial a relacao entre a veracidade ou falsidade dos enuncia-

dos e a validade do silogismo, partindo dos seguintes exemplos:

Todo mamifero e invertebrado.

Todo homem e invertebrado.

Logo, todo homem e mamifero.

Por esse primeiro silogismo, registra-se a existencia de racioci-

nio invalido (transgressor da regra da distribuicao do termo medic)

com prernissas falsas e conclusao verdadeira. Isso significa que a

veracidade da conclusao nao pressupoe a validade do raciocinio nem

a veracidade das prernissas.

31

Page 20: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 20/60

Todo homem e invertebrado.

Todo mamifero e invertebrado.

Agora, tem-se urn silo gismo com inferencia validamente

estabelecida, mas os enunciados que 0comp6em sao, tanto nas pre-

missas como na conclusao, falsos. Ou seja, a validade do raciocinio

nao depende da veracidade dos enunciados; como tambem, da vera-

cidade destes nao decorre a validade do argumento.

Logo, todo mamifero e homem.

Trata-se de urn silogismo com premissas falsas, conclusao fal-

sa e inferencia invalida (falacia da nao-distribuicao do termo media).Todo invertebrado e mamifero.

Todo homem e invertebrado.Todo homem e vertebrado.

Todo mamffero e vertebrado.Logo, todo homem e mamifero.

Logo, todo mamifero e homem.Nesse argumento, as premissas sao falsas, a conclusao e verda-

deira eo raciocfnio valido. Portanto, e possivel partir de inverdades

e, raciocinando com rigor logico, alcancar uma conclusao verdadei-

ra. Com efeito, a veracidade da conclusao e a validade do raciocfnio

nao pressup6em a veracidade das premissas.

Aqui, temos urn silogismo com premissas verdadeiras, racioci-

nio invalido (nao ocorreu a distribuicao do termo medic) e conclu-

sao falsa. Ou seja, a veracidade das premissas nao importa a validade

da inferencia, nem a veracidade da conclusao.

Todo mamifero e vertebrado.

Todo homem e vertebrado.

Todo mamifero e vertebrado.

Todo homem e mamifero.

Logo, todo homem e vertebrado.

Logo, todo homem e mamifero.

Todo mamifero e homem.

Todo vertebrado e mamifero.

Finalmente, urn silogismo com premissas verdadeiras, racioci-

nio valido e conclusao verdadeira. Aqui reside a unica garantia que a

logica e capaz de dar: se as premissas forem verdadeiras e 0 racioci-

nio valido, entiio a conclusao sera verdadeira.

E impossivel construir urn silogismo valido com premissas ver-

dadeiras e conclusao falsa. Essa hipotese esta, com efeito, afastada. A

logica, alias, estaria irremediavelmente inutilizada casu alguem con-

seguisse elaborar urn exemplo de silogismo categorico com enuncia-

dos verdadeiros nas premissas e urn falso na conclusao e que observasse

as tres regras de validade (distribuicao do termo media, nao-distribui-

~ao do termo extremo na conclusao se nao estiver distribuido na pre-

missa e igual mimero de premissa negativa e conclusao negativa).

Esse silogismo tern premissas e conclusao verdadeiras, mas a

inferencia nao e valida (falacia da nao-distribuicao do termo medic).

Por conseguinte, a veracidade dos enunciados nao toma valido 0ra-

ciocfnio. Pode-se dissertar apenas com proposicoes verazes, sem, no

entanto, estabelecer entre elas uma inferencia valida, isto e, sem ra-

ciocinar logicamente.

Logo, todo vertebrado e homem.

32 33

Page 21: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 21/60

10. L6GICA SIMB6uCA

enunciados simples e compostos. Os primeiros sao os que nao sepodem

desdobrar em outros enunciados. A assertiva "Socrates e homern"corresponde, por exemplo, a urn enunciado simples. Ja os enunciados

compostos se desdobram em simples. A afirmacao de que "se Socrates ehomem, ele e mortal" corresponde a urn enunciado composto, que pode

ser desdobrado em: "Socrates e homem" e "Socrates e mortal". Os enun-ciados simples sao representados por letras mimisculas (p, q, r, s etc.) e

os compostos por operacoes envolvendo enunciados. As principais ope-

racoes sao: conjuncao, negacao, disjuncao e implicacao.

Em resumo, a iinica certeza emanada da logica e a de que, sen-

do verdadeiro 0antecedente (premissas) e valida a inferencia (racio-

cinio), sera verdadeiro 0conseqiiente (conclusao). Nada mais. A uti-

lizacao dos recursos logicos, por conseguinte, deve ser feita com

permanente atencao a este seu limite.

A logica criada por Aristoteles, na Antigiiidade Classica (secu-

10IV antes de Cristo), quase nao experimenta nenhuma grande trans-

formacao durante mais de dois milenios, a ponto de Kant, no final do

seculo XVIII, considera-la exemplo de ciencia completa e perfeita.

Foi, assim, no contexto de apatia por qualquer tentativa de aprimora-

mento da logica, que, em 1879,0 matematico alemao Gottlob Frege

dedicou-se a criar uma lingua formal do pensamento puro, que auxi-

liasse a realizacao de calculos logicos. Propos, entao, uma ideografia

(Begriffsschrift), com 0objetivo de permitir a superacao das impre-

cisoes da lingua natural e propiciar maior rigor na analise da valida- -

de dos argumentos, sob 0ponto de vista logico. Com a sua proposta,

Frege abriu 0caminho para uma profunda alteracao na logic a, que 0

seculo XX iria presenciar: a criacao e 0desenvolvimento da chama-

da logica simbolica (cf. Kneale-Kneale, 1962:4411444; e Lacoste,

1988:21128).

Ao introduzir uma notacao propria para 0 calculo de proposi-

c;oes, a logic a simbolica realiza no conhecimento logico uma trans-

formacao semelhante a ocorrida com a substituicao dos algarismos

romanos pelos arabicos, no calculo aritmetico (cf. Copi, 1953:226).

Em outros termos, embora seja plenamente possfvel multiplicar

CCXXXVIII por XIX, e inegavel que essa operacao se realiza mui-

tissimo mais velozmente, atraves da notacao arabica, isto e , 238 e19, para os mesmos mimeros. Processo semelhante se verifica com 0

calculo proposicional, quando se substitui "se Socrates e homem,

entao ele e mortal" por p - - - + q.

A logica simb6lica estuda 0 calculo denominado proposicional,

que nao se refere a mimeros, mas a proposicoes, ou enunciados. Ha

10.1. Conjun90o

A conjunciio e a operacao que articula dois enunciados simplespelo conectivo e, resultando nurn enunciado composto. 0 ponto (.) e 0

seu sfrnbolo. Assim, a proposicao "a validade do ato jurfdico pressupoe

agente capaz e objeto lfcito" e urn enunciado composto, derivado da

conjuncao dos enunciados simples "a validade do atojuridico pressup6eagente capaz" e "a validade do atojurfdico pressup6e objeto Ifcito". Se0

primeiro enunciado simples for designado porp e 0outro por q,0enun-

ciado composto da conjugacao sera designado por p.q (le-se: "p e q").

10.2. Nego90o

A negadio e a operacao pela qual se infirrna a veracidade ou falsida-de de urnenunciado simples. Simboliza-se a negacao pelo til (-). 0 enun-

ciado "a validade do atojurfdico pressupoe agente capaz" e negado por "avalidade do ato jurfdico nao pressup6e agente capaz", Se 0 primeiro ereferido por p, este ultimo deve ser referido por -p (le-se: "nao p").

10.3. Disjun900

A disjunctio e a operacao que articula dois enunciados simples

pelo conectivo ou, formando assim urn composto, que revela uma

altematividade.

34 35

Page 22: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 22/60

Note-se que a altematividade pode ser exc1usiva ou inc1usiva. E

exc1usiva se os elementos em altemancia nao puderem conviver de

nenhuma forma. Isto e , quando urn deles se verifica, 0 outro nao

pode se verificar; como, por exemplo, na proposicao "para a logic a

classica, urn enunciado qualquer e verdadeiro ou falso". Ja, a altema-

tividade e inc1usiva se os seus elementos podem conviver, embora

nao esteja afastada tambem a hipotese de apenas urn deles se verifi-

car. Assim, na proposicao "para veneer na vida e necessario sorte ou

competencia", ha uma altematividade inc1usiva, uma vez que anteve

o sucesso dos competentes, dos sortudos e dos que sao ao mesmo

tempo competentes e sortudos.

A lingua portuguesa destina tanto para a altematividade inc1u-

siva como para a exc1usiva a mesma expressao ("ou"), que, desse

modo, encerra uma ambigiiidade. Em textos tecnicos, adota-se por

vezes a solucao He/OU" , se necessario precisar a natureza inc1usiva da

alternancia. No latim, ao contrario do portugues, ha palavras dife-

rentes para cada hipotese: a exclusiva (tambem chamada disjuncaoforte) e referida por aut e a inc1usiva (disjuncao fraca), por vel.

A logic a deve necessariamente eliminar a ambigiiidade propria

da linguagem natural, para realizar suas operacoes com 0 absoluto

rigor que pretende alcancar, Assim, adota como simbolo da disjuncao

inclusiva a cunha (isto e , a letra v, a primeira da palavra latina vel).

Se p e q sao enunciados simples, entao a sua disjuncao inc1usiva sera

p v q (le-se: "p ou q"). Para a disjuncao exc1usiva, 0 sfrnbolo e maiscomplexo e resulta de operacoes de conjuncao e negacao. Se p e q

sao enunciados simples, a sua disjuncao exc1usiva sera (p v q).-(P.q)

(le-se: "p ou q e nao a conjuncao de p e q").

aquecida a cern graus Celsius, entao ela evapora", temos urn exem-

plo de implicacao. Nela se afmna que ocorrera a evaporacao da agua,

na hipotese de aquecimento aquela temperatura. Em outros termos,

nao acontecera de a agua nao evaporar, se aquecida a cern graus

Celsius.

Urn dos sfrnbolos mais usuais da implicacao e a seta ( - - - + ) . Des-

se modo, se p e 0 enunciado simples antecedente e q 0 conseqiiente,

entao p - - - + q (le-se: "v implica q") sera 0 enunciado composto da

implicacao.

A exemplo da disjuncao, ha ambigiiidades na implicacao, Pelos

conectivos "se ... entiio' podem ser expressas diferentes ideias. No

exemplo acima, do evaporamento da agua, tem-se a enunciacao de

uma lei causal da natureza. Ja na afirmacao "se os marniferos sao

vertebrados e os primatas sao marniferos, entao os primatas sao ver-

tebrados", expressa-se uma inferencia logica. Na proposicao "se ele

esta vivo, entao ele nao morreu", apenas a contraposicao de concei-

tos, e assim por diante. Ha, no entanto, urnmicleo comum a qualquerimplicacao, a indicar a superacao das ambigii idades, que e a nocao

de que nao se verifica 0 antecedente sem 0 conseqiiente. Ou, dizendo

o mesmo em notacao simb6lica: p - - - + q = = -(p.-q) (le-se: "p implica q

equivale a nao se verifica p sem q").

A implicacao referida pela - - - + tern natureza extensiva, no senti-

do de que 0 antecedente e condicao necessaria, mas nao suficiente,do conseqiiente (ver item 21).

11. VALOR DEVERDADE

10 .4 . Implicac ;aoA veracidade ou falsidade dos enunciados compostos (isto e , 0

seu valor de verdade) pode ou nao depender da veracidade ou falsi-

dade (quer dizer, do valor de verdade) dos enunciados simples nos

quais se desdobram. Quando 0valor de verdade do enunciado com-

posto depende totalmente do valor de verdade dos seus enunciados

simples, ele se denomina composto funcional de verdade. Nas ope-

racoes acima apresentadas de conjuncao, disjuncao e implicacao, os

A implicaciio e a operacao em que se ligam dois enunciados

simples atraves dos conectivos "se ... entdo", 0 enunciado simples

inaugurado pelo se e denominado antecedente, e 0outro consequen-

teoA implicacao afirma que 0antecedente nao se verifica sem que 0

conseqiiente tambem se verifique. Na proposicao "se a agua e

36 37

Page 23: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 23/60

vV

F

F

V

F

V

F

V

F

F

F

Para que a implicacao, por fim, seja verdadeira, e necessario

que nao ocorra de 0 antecedente ser verdadeiro e 0 conseqiiente ser

falso. Considere, por exemplo, 0 enunciado "se a pessoa completar

18 anos de idade, entao ela e considerada capaz pelo direito" (p -+q).

Esse enunciado somente nao sera verdadeiro se houver uma situacao

juridica em que a pessoa com 18 anos de idade (P ) nao for considera-

da capaz (q). Isto e, na hipotese em que p e verdadeiro, mas q e falso.

Note-se que a implicacao, em si, nao deixa de ser verdadeira se

o antecedente e 0 conseqiiente forem falsos. Em outros termos, se

nao houver, por hipotese, pessoas com mais de 18 anos e tambem

nao houver pessoas capazes, isso nao afasta a possibilidade de algum

dia certas pessoas completarem essa idade e, entao, alcancar a capa-

cidade juridica. A implicacao permaneceu verdadeira, embora ne-

nhum de seus elementos de fato tivesse se verificado.

Por outro lado, tambem nao torna falso 0enunciado composto

implicacional a circunstancia de ser falso 0 antecedente e verdadeiro

o conseqiiente. Com efeito, ha outros fatores que tambem dao ensejoa capacidade juridica, como a emancipacao (r), 0casamento (s) ou 0

estabelecimento com economia propria (t). Quer dizer, sep e falso, q

podera ser verdadeiro, como conseqiiente de r, s ou t.

A tabela da verdade da implicacao e, portanto, a seguinte:

enunciados compostos sao funcionais de verdade, isto e, a sua vera-

cidade ou falsidade depende da veracidade ou falsidade dos enunci-

ados simples em que se desdobram.

Na conjuncao, para que 0enunciado composto seja verdadeiro, e

necessario que os seus enunciados simples sejam verdadeiros tambem.

A proposicao "as companhias sao sociedades de capital e institucionais"

(p.q) somente e verdadeira seforem verdadeiras as proposicoes "as com-

panhias sao sociedades de capital" (P ) e "as companhias sao sociedades

institucionais" (q). Constroi-se, assim, a seguinte tabela da verdade:

TABELA 1:CONJUNc;AO

p q p . q

Na disjuncao fraca (alternatividade inclusiva), 0enunciado com-

posto sera verdadeiro sefor verdadeiro qualquer dos enunciados sim-

ples em que se desdobra. Desse modo, para que seja verdadeira a

proposicao "contra a sentenca de falencia cabem os recursos de agravo

ou de embargos" (p v q), e necessario que os enunciados simples

"contra a sentenca de falencia cabe agravo" (P ) e "contra a sentenca

de falencia cabem embargos" (q) sejam verdadeiros, ou pelo menos

urn deles seja verdadeiro. Pela tabela da verdade:

TABELA 2: DISJUNc;AO

p q p v q

V V V

V F V

F V V

F F F

38

TABELA 3: IMPLICAc;Ao

p q p - + q

V V V

V F F

F V V

F F V

Essas definicoes quanta aos valores de verdade dos enunciados

simples e dos compostos funcionais de verdade, derivados de con-

juncao, disjuncao (debil) ou implicacao, serao utilizadas na afericao

da validade de argumentos, sob 0ponto de vista logico, pelo metoda

39

Page 24: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 24/60

da tabela da verdade. Antes, porem, de se analisar a aplicacao desse

metodo, cabe assentar mais duas outras operacoes: a equivalencia e a

negacao.

Na equivalencia, cujo simbolo e 0 sinal de igualdade (ss), li-

gam-se dois enunciados conferindo-lhes 0mesmo valor de verdade.

A veracidade de urn corresponde a veracidade do outro, e a falsidade

de qualquer urn deles corresponde a falsidade do outro. Se digo que

"nao denunciar 0 crime e tao grave quanta contribuir para a sua

concretizacao" (p = = q), estou sustentando a equivalencia entre os

enunciados "nao denunciar 0crime e grave" (P ) e "contribuir para a

concretizacao do crime e grave" (q). Se ambos sao simultaneamente

verdadeiros ou simultaneamente falsos, a equivalencia sera verda-

deira. Se urn deles e verdadeiro e 0outro e falso, a equivalencia sera

falsa. A tabela da verdade da equivalencia e, portanto, a seguinte:

A partir de tais definicoes, ja e possivel entender algumas ope-

racoes de calculo proposicional, centradas na aplicacao do metodo

da tabela da verdade.

1 2. CALCULO DE PROPOSIC ;OES ( TABELA DA VERDADE )

TABELA 4: EQUIVALENCIA

p q e=«

V V V

V F F

F V F

F F V

Afirmamos, no item lO, que 0micleo comum a todas as formasde implicacao extensiva e a afirmacao de que nao se verifica a vera-

cidade do antecedente e a falsidade do consequente. Em notacao,

p ~ q = = -(p.-q). E possivel testar a validade dessa equivalencia, atra-yes da tabela da verdade.

Para tanto, devemos comecar pela construcao do cabecalho da

tabela. Nele, nas colunas a esquerda, devemos situar os enunciadossimples primaries. No nosso caso, temos dois (p e q), mas poderia-

mos ter mais (r, s, t etc.). Na coluna da direita, situaremos a proposi-

r;aoque desejamos demonstrar, isto e, que a implicacao p ~ q equivale

a -tp=-q). Temos, entao, por enquanto, 0 seguinte cabecalho:

p q p ~ q = = -(p.-q)

Ja na operacao de negacao, a veracidade de urn enunciado p

importa a falsidade de sua negacao +p, e vice-versa. Se e verdadeiro

que "a companheira tern direito a alirnentos" (P), sera falso que "acompanheira nao tern direito a alimentos" (-p). A tabela da verdade

correspondente a essa operacao e, portanto, a seguinte:

Nas colunas intermediarias serao postos os enunciados, simples

ou compostos, necessarios a passagem dos enunciados das colunas aesquerda para 0da coluna a direita. No caso presente, iremos neces-sitar de uma coluna para -q, uma para p.-q, uma para -(p.-q) e uma

para p ~ q. Finalizando 0 cabecalho, temos as seguintes sete colu-

nas:

TABELA 5: NEGA~AO

p -p

I

p

2

q

3

-q

4

»-«

5

-(p.-q)

6 7

P ~ qe-ip. -q)

V

F

F

V

Na sequencia, devemos atribuir os valores de vcrdade para os

enunciados simples primarios, zelando para que nao falte nenhuma

combinacao. Desse modo:

40 41

Page 25: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 25/60

1 2 3 4 5 6 7

P q -q e-« -(p.-q) p---+q p - - -+ q=-(p.-q)

v v F

V F V

F V F

F F V

No preenchimento dos valores de verdade da coluna 5, deve-

mos nos valer dos valores de verdade da col una 4 e da tabela da

verdade da negacao (item 11, tab. 5). Assim:

1 2 3 4 5 6 7

p q -q p--q -(p.-q) p---+q p - - -+ q=-(p.-q)

V V F F VV F V V F

F V F F V

F F V F V

Agora, podemos preencher a coluna 6, a partir das colunas 1 e

2, utilizando a tabela da verdade especifica da operacao da implica-

9ao (item 11, tab. 3).

1 2 3 4 5 6 7

p q -q p--q -(p.-q) p---+q p - - -+ q=-(p.-q)

V V F F V V

V F V V F F

F V F F V V

F F V F V V

1 2 3 4 5 6 7

P q -q p r- q -(p.-q) p---+q p - - -+ q=-(p.-q)

V V

V F

F V

F F

Prosseguindo, devemos localizar os valores de verdade da ter-

ceira coluna. Nela encontramos, no cabecalho, 0enunciado =q, que

e a negacao de q.Valendo-nos da tabela da verdade especifica dessaoperacao, ja definida anteriormente (item 11, tab. 5), preenchemos a

coluna 3 a partir da coluna 2:

Como 0 enunciado composto da coluna 4 e a conjuncao dos

enunciados simples das colunas 1 e 3, para preenchermos os valores

de verdade dessa coluna, devemos nos valer dos valores de verdade

das colunas 1 e 3 e da tabela da verdade especifica da conjuncao

(item 11, tab. 1). Em decorrencia:

Finalizando, devemos comparar as colunas 5 e 6, cujos enun-

ciados compostos sao os elementos componentes do enunciado com-

posto da coluna 7, bern como fazer uso da tabela da verdade da equi-

valencia (item 11, tab. 4).

1 2 3 4 5 6 7 1 2 3 4 5 6 7

P q -q p.-q -(p.-q) p---+q p - - -+ q=-(p.-q) p q -q p.-q -(p.-q) p---+q p - - -+ q=-(p.-q)

V V F F V V F F V V V

V F V V V F V V F F V

F V F F F V F F V V V

F F V F F F V F V V V

42 43

Page 26: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 26/60

Como todos os valores de verdade da coluna 7 resultam verda-

deiros (essa tabela revela, a rigor, uma tautoiogiat. entao esta de-

monstrado que 0 enunciado composto nela situado e sempre verda-deiro, quaisquer que sejam os valores de verdade de p e q.

Outro exemplo de calculo proposicional viabilizado pela tabela

da verdade e 0de afericao da validade de urn argumento, sob 0ponto

de vista logico. Imaginemos que a nossa questao seja verificar se e

valido 0 seguinte raciocinio: "se 0aquecimento da agua a cern graus

Celsius implica a sua evaporacao, e se a agua evaporou, entao a sua

temperatura e de cern graus Celsius". Ou, por notacao propria da

logica simbolica:

p - - + q

q

:. p

assim e , devemos procurar, na tabela da verdade, as linhas em que as

duas prernissas sao verdadeiras, isto e as linhas em que os valores de

verdade das colunas 2 e 3 sao V . Isso severifica nas linhas I e III. Seem

qualquer dessas linhas, 0valor de verdade da coluna correspondente aconclusao for F, entao 0 raciocfnio seguramente e invdlido (pois se

fosse valido, nao poderia haver nenhuma linha na tabela da verdade

com valores V nas colunas das prernissas e F na da conclusao).

Feitas essas consideracoes, pode-se concluir que 0 argumento

em teste nao e valido logicamente, ja que na linha III as prernissas

tern 0valor de verdade V e a conclusao 0valor F.

Consideremos outro argumento: "quem comete crime de horni-

cfdio doloso esta sujeito a pena de reclusao; portanto, nao havendo aimposicao dessa pena, nao se caracteriza aquele crime". Em notacao

da logica simbolica:

Le-se: "p implica q; dado q; portanto p",

Para avaliarmos se esse raciocfnio e valido, devemos nos valerda tabela da verdade da implicacao (item 11, tab. 3), ou seja:

p - - + q

: . - q - - +- p

Para verificar a validade desse argumento, devemos construir a

seguinte tabela da verdade:

2 3

p q p - - + q

I V V V

II V F FIII F V V

IV F F V

p q - q - p p - - + q - q - -+ -p

V V F F V V

V F V F F F

F V F V V V

F F V V V V

Note-se que a primeira das prernissas do raciocinio em teste se

encontra na coluna 3; a segunda prernissa na coluna 2 e a conclusao

na coluna 1. Sabemos que a iinica garantia que se pode esperar da

logica e a de que, sendo verdadeiras as premissas e valido 0racioci-

nio, a conclusao sera necessariamente verdadeira (item 9). Ora, se

Nessa tabela, em todas as linhas em que a prernissa (coluna 5)

tern 0valor de verdade V, a conclusao (coluna 6) tambem tern 0mes-

mo valor de verdade (linhas I, III e IV). Entao 0 raciocfnio e valido.o mesmo procedimento (quer dizer: formalizacao em notacao pro-

pria da logic a simbolica, construcao da tabela da verdade especifica

para a hipotese, localizacao das linhas em que as colunas das prernis-

sas tern valor de verdade V e afericao do valor de verdade da coluna

44 45

Page 27: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 27/60

da conclusao) pode ser uti1izado na verificacao da va1idade de qual-

quer raciocinio. Configura esse procedimento exemplo de calculo

proposiciona1, desenvo1vido pela logica simbolica. Ha outros calcu-

los proposicionais (arvores de refutacao, derivacoes hipoteticas etc.),

mas as nocoes apresentadas ate aqui sobre a logica sao suficientes

para enfrentarmos 0objeto deste 1ivro: a logica juridica. o DIREITO ,

COMO UM SISTEMA LOGICO

13.0 CONECTIVO DEONTICO

Para muitos filosofos do direito (Ke1sen, 1960:132/137), existe

uma grande diferenca entre a natureza das proposicoes formuladas

pelos cientistas em geral e a das formuladas pelos estudiosos das

normas juridicas. Segundo essa perspectiva, quando urn ffsico, bio-

logo ou sociologo estabelecem relacao entre dois dados pertinentes

ao seu objeto de estudo, tomam urn deles como causa do outro. Esta-

belecem, assim, uma relacao de causalidade, em que urn dado, 0an-

tecedente, tern 0efeito de produzir 0do conseqiiente.

Exemplificando: 0 cientista que observa a agua evaporar sem-

pre que aquecida a cern graus Celsius pode estabelecer, em sua men-

te, a relacao de causalidade entre esses dois fatos. Ou seja, ele formu-

la a ideia de que a agua aquecida aquela temperatura se transforma

em vapor. Urn dado (aquecimento da agua a cern graus Celsius) etido por causa e 0outro (evaporacao da agua) por efeito. Urn sociolo-

go, estudando 0 tema da criminalidade, ao examinar os indices de

desemprego, pode estabelecer uma relacao entre esses dois fatos, no

sentido de tomar 0problema economico como causa do aumento de

crimes, e este como efeito daquele.

Os cientistas em geral estabelecem entre 0antecedente e 0con-

sequente uma relacao de necessidade ou de probabilidade. E neces-

sario que a agua aquecida a cern graus Celsius evapore. Tal e a ideia

46 47

Page 28: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 28/60

que surge no espfrito do ffsico. 0 conectivo - a partfcula lingiifstica

utilizada para conectar, ligar, 0 antecedente ao conseqiiente - de

que se valem esses cientistas e 0 verbo ser: dado 0 antecedente, sera

o conseqiiente; dada a agua aquecida a cern graus Celsius, ela sera

transformada em vapor; verificado 0 aumento nas taxas de desern-

prego, sera verificado tambern aumento na criminalidade.

Os estudiosos das normas jurfdicas (e tambem das normas mo-

rais, das de etiqueta etc.) nao estabelecem relacao de causalidade entre

os dados emergentes de seu objeto, mas uma relacao de natureza di-

versa. Para eles, 0 dado que figura como antecedente nao pode ser

considerado causa do dado conseqiiente. Quando 0penalista ensina

que cabe reclusao na hipotese de homicfdio doloso, a estrutura da

proposicao por ele enunciada nao toma a punicao como causada pelo

crime. Segundo 0 enfoque desses filosofos do direito, 0 estudioso

das normas formula proposicoes em que 0 antecedente e ligado ao

conseqiiente por urn conectivo diferente: 0verbo composto dever ser.

Entre os dados considerados (homicfdio doloso e reclusao), a relacao

estabelecida nao e de causalidade, mas de imputacao. Ou seja, OCOf-

rido 0homicidio doloso, deve ser a reclusao. Em termos estruturais,

dado 0antecedente, deverd ser 0conseqiiente.

Dessa forma, consideravel parte da filosofajurfdica admite uma

diferenca fundamental entre 0enunciado formulado pelos cientistas

causais e 0formulado pelos estudiosos das normas (por vezes, deno-

minados cientistas normativos). Para sintetizarmos essa diferenca,

chamemos p ao antecedente e q ao conseqiiente. Tanto os cientistas

em geral como os estudiosos das normas formulam 0 enunciado

p ~ q. Mas a implicacao teria sentido radicalmente diverso em uma

e outra hipotese. Para os cientistas em geral, a implicacao e causal(q segue p), e, para os estudiosos das normas, ela e imputativa

(q deve seguir p). Diz-se que a primeira relacao opera no campo do

saber apofantico e a segunda no do saber deontico. 0 verbo compos-

to dever ser e, assim, 0conectivo deontico, que serve de ligacao entre

o antecedente e 0conseqiiente de uma relacao imputativa.

A natureza do dever ser corresponde a questao logica de ex-

trema complexidade. Apresentei, aqui, apenas uma das possibilida-

des de aborda-lo, isto e, considerando-o como conexao entre enun-

ciados. Lourival Vilanova noticia a gama de possibilidades para a

discussao sobre a natureza do dever ser: urn simples operador, uma

categoria ontologica, a referencia ao fato empfrico da vontade, ou

apenas uma expressao lingufstica (1989:53 e passim; ver tambem:

1976:94/107 e 1977:90192).

De qualquer forma, e a partir da distincao entre 0conhecimento

criado pelos cientistas em geral e 0dos estudiosos das normas (entre

os quais osjuristas, dedicados as normas jurfdicas) que a filosofia dodireito se propoe a questao sobre a existencia de uma logica especi-

ficamente deontica. Em outros termos, se e diversa a construcao das

proposicoes, no interior do conhecimento sobre as normas, nao seria

o caso de se criar uma logica propria, capaz de operar com essa dife-

renca? Ou a me sma logic a construfda a partir do saber apofantico

teriaja os instrumentos necessaries a organizacao do saber deontico?

(cf. Kelsen-Klug, 1981).

Antes, no entanto, de se indagar sobre a possibilidade de uma

logic a especificamente jurfdica (ou deontica), creio ser necessario

aclarar uma questao previa. Com efeito, somente podemos sair a cam-

po arras de algo assim como uma logica jurfdica se tivermos sufici-

entemente claro que 0direito efetivamente comp6e urn sistema logi-

co. Pois se0direito nao for logico, investigar a viabilidade da logica

jurfdica e absurdo. Usando de metafora bastante corrente, seria 0

mesmo que procurar, num quarto escuro, urn gato preto que nao esta

laoAntes, portanto, de se discutir a existencia de uma logica deontica,

entendo ser pert inente indagar se ha ou nao logicidade no direito.

14 . NORMAS JUR iO ICAS E PROPOSI< ;O ES JUR iO ICAS

Kelsen, urn dos maiores filosofos do direito do seculo XX,

nao admite a ideia de uma logic a propria para 0conhecimento das

normas jurfdicas. No entanto, ele considera que ha l6gica no direi-

to. Precisamente, para Kelsen, 0 cientista do direito e 0 responsa-

vel por tomar logico 0 conjunto das normas editadas pel as autori-

dades (advirta-se, aqui, que as expressoes "ciencia do direito" e

"cientista do direito", enquanto se estiver analisando Kelsen, serao

48 49

Page 29: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 29/60

empregadas, para facilitar a exposicao, no senti do kelseniano; cf.

Coelho, 1995:53/60).

Para se entender com exatidao 0 rico pensamento de Kelsen

sobre a logicidade do direito, deve-se partir da diferenca estabelecida,

na segunda versao de seu celebre Teoria Pura do Direito (1960: 110/

116), entre norma jurfdica (Rechtsnorm) e proposicao juridica

(Rechtssatz).

Tanto a norma como a proposicao jurfdica sao enunciados

deonticos. Estabelecem entre 0antecedente e 0conseqtiente a cone-

xao especifica da relacao deontica - isto e, verificado 0anteceden-

te, deve ser 0 conseqtiente. Mas quem enuncia a norma juridica e a

autoridade competente, ao passo que a proposicao e produto da cien-

cia do direito. Dessa diferenca basica derivam as demais.

o sentido da norma juridica e prescritivo. A autoridade compe-tente para a editar formula jufzo segundo 0 qual e imputado ao ante-

cedente 0 conseqtiente por ela definido. 0 legislador, ao aprovar 0

art . 121 do Codigo Penal, expressou 0 desejo de que 0 homicidiofosse punido com reclusao de seis a vinte anos. A conexao entre a

a~ao de matar alguem e essa pena surge no espiri to do legislador em

decorrencia exclusivamente de sua propria vontade.

Ja 0 sentido da proposicao juridica e descritivo, quer dizer, a

conexao deontica estabelecida pelo cientista do direito se destina a

descrever 0 contido na norma juridica. Quando 0 penalista leciona

que 0 homicidio e punido com reclusao de seis a vinte anos, pela

legislacao em vigor no Brasil , ele nao esta manifestando sua vonta-

de. Eventualmente, 0 cientista pode ate discordar da disposicao da

lei, considera-la branda ou excessiva, de tal sorte que a alteraria caso

fosse legislador. Mas, para Kelsen, isto nao tern, ou nao deve ter,

nenhuma importancia, na medida em que 0penalista, como cientista

do direito penal, deve se limitar a conhecer cientificamente a norma

posta. Quer dizer, de forma isenta, ele deve apenas revelar 0 teor da

vontade normativamente expressa.

Uma norma juridica pode ser valida ou invalida. Em Kelsen, a

validade da norma esta condicionada a dois fatores apenas: minima

de eficacia e autoridade competente. Segundo uma elaboracao teori-

ca apresentada mais adiante (item 18), 0pensamento kelseniano nao

considera relevante 0conteiido da norma juridica para a definicao de

sua validade. Desde que emanada de autoridade competente - ou,

em outras palavras, ligada mediata ou imediatamente a norma hipo-tetica fundamental - e desde que dotada de minimo de eficacia, a

norma juridica sera valida, ainda que seu conteiido contrarie 0 de

norma hierarquicamente superior.

Por seu turno, a proposicao juridica pode ser verdadeira ou fal-

sa. Sera verdadeira se 0cientista descrever com fidelidade a norma

em estudo e falsa na hipotese inversa. Se 0cientista do direito penal

enunciar que 0 roubo, no Brasil, e punido com detencao de dois a

quatro anos, ele esta formulando uma proposicao falsa, uma vez que

o comando expresso no Codigo Penal sanciona esse crime com re-

clusao de quatro a dez anos e multa (art. 157).

A ordem juridica e 0conjunto de normas juridicas, enquanto 0

sistemajuridico, 0de proposicoes. Na primeira, nao existe necessaria-

mente logica interna. As normas sao editadas pelas autoridades (cons-tituinte e legislador baixam normas gerais, 0juiz baixa normas indi-

viduais etc.) em razao da competencia atribufda pela mesma ordem,

sem, contudo, se observar uma necessaria compatibilizacao Iogica

entre elas. As normas juridicas sao postas, simplesmente.

No sistema juridico, entretanto, para que ele seja cientifico, deve

haver logica entre as proposicoes que 0 integram. Como as normas

sao validas ou invalidas, nao ha sentido em atribuir-lhe funcao de

verdade ou falsidade. Para Kelsen, apenas os enunciados verdadei-

ros ou falsos podem ser logicamente relacionados. Desse modo, ape-

nas indiretamente - quer dizer, atraves das proposicoes juridicas -

a ordem normativa pode ganhar consistencia logica. Revela-se, as-

sim, a assumida fi liacao neokantiana do pensamento de Kelsen, por

admitir 0carater constitutivo da ciencia, que significa reconhecer no

sujeito cognoscente (0 cientista) 0 responsavel pela organizacao do

real. Segundo a visao neokantiana, ha caos no Universo; a ciencia

cria 0 cosmos. Vale dizer, em Kelsen, as autoridades, sem qualquer

preocupacao sistematica ou logica, editam as normas gerais ou indi-

viduais, enquanto os cientistas do direito recuperam esse material

50 51

Page 30: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 30/60

15 . 0 S IS TEMA JUR iO ICO

da autoridade que as edita, mas na mem6ria das pessoas que a estu-

dam, aplicam ou observam.

Na comunidade jurfdica, encontramos profissionais do direito

(jufzes, professores de direito, advogados etc.) que dominam urn

deterrninado conhecimento nao generalizado: eles conhecem 0con-

tetido das normas em vigor. Mas nao sao apenas eles que dominam

tal conhecimento. Os administradores, de empresas privadas ou enti-

dades publicas, os contadores, peritos judiciais, membros dos pode-

res legislativo e executivo, alem de outras pessoas nao-profissionais

do direito tambem conhecem, em certa medida, 0 conteiido de nor-

mas jurfdicas vigentes.

Claro que nenhum homem, mesmo 0mais competente dos pro-

fissionais do direito, conhece todas as normas em vigor. A comuni-

dade juridica, assim, varia enormemente, de acordo com a norma em

referencia, Urn civilista de renome nacional nao participa da comu-

nidade juridica, quando se cuida da compreensao e aplicacao de nor-

ma de direito financeiro, ramo juridico que compreende as regrassobre utilizacao do dinheiro publico. Nesse caso, 0contador funcio-

nario publico, as vezes, domina mais 0conteiido da norma que mui-

tos advogados e jufzes, mesmo especializados em direito publico.

A norma juridica reside, portanto, na cabeca dos membros da

comunidade juridica, daquela parcela difusa da sociedade que se

apropria do conhecimento especffico de seu conteiido. 0 parlamen-

tar que participou da aprovacao de uma lei pode ou nao integrar a

comunidade jurfdica conhecedora dessa lei. Depende de diversos fa-

tores, como 0 seu interesse, urn comentario tecnico que tenha escri-

to, suas atividades extraparlamentares etc. Afirmar que a norma juri-

dica reside na vontade das autoridades competentes para a editar euma abstracao. Nenhum presidente da Republica conhece todas as

leis que sancionou ou decretos que assinou. Os parlamentares, na

votacao de urn projeto, em geral, limitam-se a seguir a orientacao da

lideranca de seu partido ou se guiam pelos interesses de bases eleito-

rais ou pela a<;aode lobbies.

Nesse contexto, 0sistema juridico nao pode ser entendido como

o conjunto apenas das proposicoes juridicas formuladas pelos

bruto (como os astronomos recolhem do ceu 0movimento erratico

das estrelas) e dao-lhe a forma l6gica indispensavel ao seu conheci-

mento cientffico. A ordem juridica, em Kelsen, nao e l6gica; a cien-cia juridica e que deve descreve-la como tal.

Nesse quadro, uma norma nao pode ser deduzida, segundo prin-

cfpios l6gicos, de outra norma. A lei ordinaria nao e conclusao da

Constituicao, nem esta a sua premissa. Sao apenas dados que se

mostram ao cientista do direito, para que este os organize, descre-

vendo-os e relacionando-os logicamente, atraves das proposicoes de

sua ciencia. Kelsen, portanto, embora negue a necessaria existencia

de l6gica no interior do ordenamento jurfdico, afirma a possibilidade

de a ciencia do direito organiza-lo logicamente. Admite, entao, uma

certa logicidade no direito.

Vimos que 0 pensamento jundico de inspiracao kelseniana dis-

tingue entre norma e proposicao juridica, A autoridade com compe-

tencia para editar a norma, quando 0 faz, enuncia, segundo a visao

kelseniana, urn dever ser de carater prescritivo, e os doutrinadores,

ao estudarem a mesma norma, concebem urn dever ser de carater

descritivo. 0 conjunto de proposicoes jurfdicas (as elaboracoes dos

doutrinadores) constitui 0 sistema jurfdico, que, conforme mencio-

nado no item anterior, deve ser l6gico, para ser cientffico.

Proponho, aqui, refletirmos urn pouco acerca dessa distincao

entre norma e proposicao juridica. E penso que, para tanto, devemos

inicialmente nos indagar: "onde residem as normas juridicas?",

Para 0 pensamento kelseniano, como as normas sao formula-

96es da autoridade com competencia para as editar, a lei se encontra-

ria na vontade do legislador que a aprovou. Penso que nao e bernassim. Se considerarmos as pessoas reais, de carne e osso, vivendo

em sociedades altamente complexas como a nos sa, podemos perce-

ber que as normas juridicas foram apropriadas por urn conjunto des-

sas pessoas, a comunidade jurfdica; residem, assim, nao na vontade

52 5 3

Page 31: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 31/60

doutrinadores. Deve-se superar a distincao kelseniana entre normas

e proposicoes, pois os estudiosos do direito tambem integram a co-

munidade juridica. Isto e , as normas juridicas residem, tambem, em

suas mentes. Alias, os doutrinadores sao os mais prestigiados mem-

bros da comunidade juridica. A sua opiniao acerca do conteiido de

determinada norma tern muito mais importancia que a ideia eventu-

almente formulada no pensamento da autoridade competente res-

ponsavel pela sua edicao. 0 entendimento pessoal do prefeito que

baixou determinado decreto sobre procedimentos licitatorios em seu

municipio nao costuma prevalecer diante da interpretacao contraria,

sobre 0 conteiido do mesmo decreto, con stante de parecer de

renomado adrninistrativista.

A norma juridica, assim, e aquilo que certas pessoas pensam

sobre ela. As ideias acerca do conteiido das normas juridicas em vi-

gor, incorporadas pelo conjunto difuso e variavel de pessoas inte-

grantes da comunidade juridica, comp6em urn corpus. Elas se en-

contram de alguma forma relacionadas umas com as outras. Seinexistisse a limitacao ffsica do intelecto humano, poder-se-ia cogi-

tar da tarefa de concentrar todas essas ideias num conjunto mais ou

menos harmonico, isto e, num sistema.

A partir dessas consideracoes sobre a superacao da distincao

entre norma e proposicao juridica, pode-se reformular a questao ba -

sica ja proposta anteriormente e com a qual nos ocuparemos, direta

ou indiretamente, daqui para diante: 0 sistema juridico (no sentido

aqui apresentado e nao na concepcao kelseniana), esse corpo de idei-

as presentes na memoria de homens e mulheres de uma parcela da

sociedade (a comunidade juridica), pode ser entendido como urn sis-

tema logico?

Em suma, 0direito e logico?

16 . P ARA CONST RU IR UM D IR EIT O L 6G IC O

na articulacao do pensamento de urnjeito especffico: a ligacao de ideias,

tomadas umas como premissas de outras, com estrita observancia de

determinadas regras estabelecidas pela propria logic a (0 princfpio da

identidade, da nao-contradicao, do terceiro exclufdo, as regras de

validade do silogismo categorico etc.). Urn sistema de enunciados e

logico, portanto, na medida em que seu repertorio (os enunciados que

o integram) estiver articulado dessa forma especifica.

o sistema jurfdico somente pode ser considerado logico,

conseqtientemente, se os enunciados por ele compreendidos puderem

ser organizados sob a perspectiva dos princfpios e regras do raciocfnio

logico. Assim, se as normas juridicas pertencentes a determinado

direito forem sisternatizaveis a partir do principio da identidade e

demais postulados logicos, entao esse direito pode ser considerado

logico; na hipotese inversa, nao,

Dizendo 0mesmo com mais exatidao: 0 sistema jurfdico sera

logico se for unitario, consistente e completo. A unidade esta l igada

ao principio da identidade. A consistencia e a qualidade do sistemaque atende ao principio da nao-contradicao, Tern essa qualidade 0

sistema integrado por proposicoes compativeis entre si. Por outro

lado, a presenca de proposicoes contraditorias ou contrarias no interior

do mesmo sistema compromete a consistencia deste. Em termos

simbolicos, -(p.~p) e condicao de logicidade,

Ja a completude e a qualidade do sistema que atende ao princf-pio do terceiro exclufdo (Vilanova, 1977: 147). Completo se conside-

ra 0sistema integrado por uma proposicao ou pela sua contraditoria.

A ausencia de ambas toma 0sistema incompleto. Quer dizer, p v ~p

e outra condicao de logicidade dos sistemas de enunciados.

No campo da teoria do direito, antinomia e 0conflito entre nor-

mas do mesmo ordenamento e lacuna e a ausencia de norma para a

disciplina de certo caso. 0 direito e logico, portanto, quando nao

possui antinomias nem lacunas. A manifestacao de antinomias no

sistema juridico compromete 0 seu carater logico, porque configura

desobediencia ao princfpio da nao-contradicao. A lacuna, a seu tur-

no, macula a logica do sistema juridico por caracterizar a inobser-

vancia do principio do terceiro exclufdo,

A logica nao e instrumento de ampliacao de conhecimentos, masde organizacao do raciocfnio. E uma maneira de raciocinar. Consiste

54 55

Page 32: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 32/60

Nesse contexto, os filosofos juridicos que consideram logico 0

direito devem, por algum meio, afirmar a sua unidade, eliminar as

antinomias e lacunas. Se resultar infrutifero 0esforco de supressao

dos conflitos e de ausencia de normas, nao cabera afirmar-se a

logicidade do direito.

Em suma, se 0 direto se pretende logico, nao pode ser rmiltiplo,

nem ter antinomias ou lacunas. Cuidemos, por enquanto, dessas duas

ultimas, A questao da unidade do direito enfrenta-se no final (item 33).

1 7. QUADRO DEOPOS I< ;AO LOG ICO -DEONTICA

quer norma juridica fazendo uso de qualquer um dos modais (cf.

Vilanova, 1977:37/38 e 102). Nesse sentido, admite a logica do di-

reito que toda norma obrigatoria pode ser referida atraves de uma

proibicao e vice-versa. Ha alguma discussao apenas quanta ainterdefinibilidade entre os modais obrigatorio/proibido, de um lado,

eo permitido, de outro (cf. von Wright, 1970:87/88).

Para a interdefinicao dos modais normativos, 6 necessario ma-

nusear-se convenientemente a funcao negativa, pois obrigar deter-

minada conduta p 6 0mesmo que proibir a conduta oposta -p; per-

mitir 0comportamento q equivale a nao obrigar (-0) 0mesmo com-

portamento, e assim por diante. Formalmente, dado um comporta-

mento p, tern-se as seguintes equivalencias:

Norberto Bobbio, pensador italiano com importantes contribui-

~6es para a teoria da politica e do direito, construiu, para definir as

antinomias juridicas, um quadro de oposicao entre as normas, similar

ao quadro de oposicao logica das proposicoes categoricas, que foi ja

exarninado anteriormente (item 4). Proponho seguirmos a mesma tri-

lha. Mas 0quadro que iremos construir 6 algo diferente do de Bobbio.

Inicialmente, devemos definir a notacao a ser utilizada. Os 10-

gicos do direito ensinam que sao tres os modais operados pelos enun-

ciados juridicos: obrigatorio, proibido e permitido. Para os enuncia-

dos que obrigam determinado comportamento p, e utilizada a nota-~ao O(P); para os que proibem (vedam) 0comportamento p, a nota-

~ao V(P); e para os que permitem 0 comportamento p, a notacao

P(P). Nesse sentido, a norma "6 obrigatorio 0 usa de trajes compati-

veis com a tradicao forense'' sera referenciada pelo simbolo O(P),

em que 0 significa a adocao do modal obrigatorio, e p, 0comporta-mento de usar trajes compativeis com a tradicao forense. Para a nor-

ma "6 proibido fumar", adotar-se-a V(q), em que V identifica a proi-

bicao e q a acao de fumar. Finalmente, a norma "6 facultado ao maior

de 16 anos 0 alistamento eleitoral" sera simbolizada por P(r), em

que P define 0modal permitido era conduta consistente em alista-

mento eleitoral.

Os modais deonticos (0, V e P) podem ser considerados

interdefiniveis; quer dizer, 6 possivel se referir, formalmente, a qual-

O(P) - V(-p) = = -P(-p)

V(P) - O(-p) = = -P(P)

P(P) - -O(-p)== -V(P)

P(-p) = = -O(P) = = -V(-p)

Concretizando: a norma "6 obrigatorio 0 pagamento da taxa"

equivale a norma "6proibido nao pagar a taxa" ou a "nao 6permitidonao pagar a taxa"; a norma "e proibido fumar" poderia ser expressa

por "6 obrigatorio nao fumar", ou "nao 6 permitido fumar"; ja a nor-

ma "6 permitido 0 ingresso de des" pode se expressar por "nao 6

obrigatorio nao ingressar com des" ou "nao 6 proibido ingressar

com caes"; por fim, a norma "6 permitido nao ir" equivale a "nao 6

obrigatorio ir '' e a "nao 6 proibido nao ir' '.

No quadro de oposicao logico-deontica, na posicao A, encon-

tra-se a prescricao afirmativa universal (todos devem fazer p), isto 6,

a obrigatoriedade de certo comportamento. Na posicao E, a prescri-

~ao negativa universal (todos devem nao fazer p, ou melhor, nin-

guem deve fazer p), que 6 a proibicao. Na posicao I, a prescricao

afirmativa particular (nem todos devem fazer p), que 6 uma forma de

permissao, e em 0, a prescricao negativa particular (nem todos nao

devem fazer p), uma outra permissao (cf, Bobbio, 1958:238/240).0

resultado 6 0 seguinte quadro:

56 57

Page 33: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 33/60

O~)-------------------V~)

P~) - - - - - - - - - - - - - - - - - - P(-p)

Definindo essas normas pelo modal obrigatorio, pode-se

construir 0quadro de oposicao logico-deontica:

O~) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - O(-p)

-O(-p) -O~)

As normas O~) e O(-p) sao contrarias: ambas podem ser

invalidas, mas ambas nao podem ser validas.

58

As normas O~) e -O~) sao contraditorias: se uma e valida, a

outra e invalida,

As normas O(-p) e -O( -p) sao tambem contraditorias: se uma

e valida, a outra e invalida.

As normas -O(-p) e -O~) sao subcontrarias: ambas podem

ser validas, mas nao podem ser invalidas,

As normas O~) e -O(-p) sao subaltemas: se a superaltemaO~) for valida, a subaltema -O(-p) tambem sera valida; e se a

subaltema for invalida, a superaltema tambem 0 sera.

As normas O(-p) e -O~) sao subaltemas: se a superaltema

O(-p) for valida, a subaltema -O~) tambem sera valida; e se a

subaltema for invalida, a superaltema tambem 0 sera.

Concretizando, podemos perceber que se determinada norma

obriga votar e outra proibe votar, uma delas (senao as duas) sera

invalida. Por outro lado, se certa norma obriga votar e outra nao obriga

votar, uma delas sera valida e a outra necessariamente invalida, E

assim por diante.

Registre-se, enfim, que a relacao de normas subcontrarias, no

quadro de oposicao logico-deontica, e empiricamente absurda. De

acordo com essa relacao, asduas permissoes (de fazer e de nao fazer)

podem ser ambas validas, mas nao podem ser simultaneamente inva-

lidas. Quer dizer, se uma for invalida, a outra necessariamente devera

ser valida. Dessa forma, se "e permitido votar" for invalido, seria

valido "e permitido nao votar" . Sao, no entanto, empiricamente

indissociaveis essas normas permissorias, ja que 0 comando delas

emanado resulta no mesmo: ao destinatario sera facultado votar ounao votar.

Por outro lado, pela relacao de subalternidade, se a norma O~),

que obriga votar, for valida, entao a norma -O( -o : que permite votar,tambem seria valida. Do mesmo modo, se a norma -O~), que permite

nao votar, for invalida, a norma O(-p), que proibe votar, tambem seria

invalida. Isso igualmente nao corresponde it experiencia de todos nos.

Mas, aqui devemos novamente adotar as regras logicas, apesar

da nao-correspondencia com a realidade, em nome da consistencia

59

Page 34: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 34/60

do quadro. Quer dizer, para que as demais relacoes (entre normas

contrarias e entre normas contraditorias) se mantenham, e necessarioaceitarem-se as relacoes de subcontrariedade e de subaltemidade.

Assim, se -O(P) e valida, entao a contraditoria O(P) sera invalida e a

subaltema desta, -O(-p), indeterminada (valida ou invalida). Por

outro lado, se -O(P) e invalida, entao a contraditoria O(P) sera valida

e a sua subaltema -O( -i» tambem. Quer dizer, atraves das relacoes

de contraditoriedade e de subaltemidade, pode-se concluir que duas

permiss6es podem ser validas, ou uma pode ser valida e outra invalida,

mas nao pode se verificar a si tuacao de ambas serem invalidas.

Portanto, para se preservarem as diversas relacoes do quadro, as

permiss6es de fazere dena o fazer devem, imperiosamente, ser entendidas

como normas que nao podem, aomesmo tempo, ser invalidas, ainda que

isso pareca inocorrente na realidade que conhecemos.

Para Bobbio, havera antinomia se duas normas nao puderem

ser validas simultaneamente. Nesse caso, considera-se que ha

incompatibilidade entre os comandos, com comprometimento daconsistencia do sistema (Bobbio fala em coerencia do ordenamento

juridico). Logo, as antinomias somente podem ocorrer entre duas

normas contrarias ou entre duas contraditorias, ja que apenas as

relacoes de contrariedade ou de contraditoriedade afastam a hipotese

de duas normas concomitantemente validas, Pela analise desse teorico

do direito (1960:82/88), a antinomia esta presente em tres situacoes:

a) quando uma norma obriga certo ato e outra 0 proibe (normas

contrarias); b) quando uma norma obriga certo ato e outra permite a

abstencao desse ato (normas contraditorias); c) quando uma norma

proibe certo ato e outra 0permite (normas contraditorias).

1 8. s UP ERA< ;AO DAs A NT I N O M lA S

Para se eliminar 0conflito entre normas juridicas, existem tres

criterios aceitos pelos teoricos do direito: 0cronologico, 0hierarqui-

co e 0da especialidade (cf. Diniz, 1987:39/44). Pelo criterio crono-

logico, a norma posterior prevalece sobre a anterior. Entende-se que

60

a norma juridica mais nova revoga a mais antiga, em funcao do pres-

suposto do con stante aperfeicoamento do direito positivo. De acordo

com 0 criterio hierarquico, a norma superior prevalece sobre a infe-

rior. Se urn dispositivo constitucional e antinomico em relacao a umalei ordinaria, aquele deve ser respeitado em prejuizo desta. E segun-

do 0 criterio da especialidade, a norma especial prevalece sobre a

geral. As regras sobre 0 contrato de compra e venda constantes do

Codigo Civil nao se aplicam as relacoes de consumo se0Codigo de

Defesa do Consumidor contiver disposicao diversa, porque esta ulti-

ma e mais especifica (diz respeito apenas aos contratos envolvendo

consumidores) do que a primeira (aplicavel aos contratos em geral).

Por vezes, esses criterios podem se revelar insuficientes, isto e ,impotentes para a solucao das antinomias. Isso ocorre, em primeiro

lugar, quando os proprios criterios entram em conflito. Imagine-se a

norma A, posterior inferior antinomica em relacao a norma B, ante-

rior superior. De acordo com 0criterio cronologico, seria aplicada a

norma A, mas segundo 0hierarquico, prevaleceria a B. Designa-seessa situacao de "antinomia de segundo grau", ja que a incompatibi-

l idade nao reside apenas nas normas, mas igualmente nos criterios

de sua superacao.

Para resolver as antinomias de segundo grau, existem outros

criterios. 0 conflito entre 0cronologico e 0hierarquico e resolvidoem favor deste ultimo (a norma superior anterior e aplicada em detri-

mento da inferior posterior). Entre 0cronologico e 0da especialida-

de, este prevalece (a norma geral posterior nao revoga a norma espe-

cial anterior).

Quando, no entanto, a antinomia de segundo grau se estabelece

entre 0criterio hierarquico e 0da especialidade, ensina Bobbio que

inexiste meio seguro para se optar por urn ou outro, tendo em vista a

igual importancia dos valores relacionados com cada urn deles. 0

criterio da hierarquia decorre do valor seguranca e 0da especialida-

de e imposicao da justica (1960:1131119).

Existe, tambem, uma outra situacao em que os criterios adotados

pelo direito se revelam insuficientes para a solucao das antinomias.

Trata-se do conflito entre duas normas editadas concomitantemente,

61

Page 35: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 35/60

de hierarquia e ambito de incidencia identicos. Pense-se em dois dis-

positivos da mesma lei tributaria, definindo, para determinado im-

posto, aliquotas diversas. Cada dispositivo estabelece urn valor dife-

rente ao tributo a ser pago.

Nessas situacoes (antinomia de segundo grau entre os padroes

hierarquico e 0da especialidade, de urn lado, e a identidade de hie-

rarquia, cronologia e ambito de incidencia, de outro), configura-se a

chamada antinomia real, ou seja, aquela para cuja superacao nao

existe cri terio, Diante das antinomias reais, deve-se considerar que

as duas normas antinomicas sao igualmente validas, podendo-se es-

colher qualquer uma delas (cf. Bobbio, 1960:102/112; Kelsen,

1979:268).

Nao se deve esquecer, por outro lado, que, embora aceitos pela

generalidade dos te6ricos do direito, os criterios de superacao de

antinomias, de primeiro e de segundo grau, nao sao sempre aplica-

dos. Por vezes, ocorrera a obediencia a norma anterior em detrimen-

to da posterior, a inferior em prejufzo da superior e a geral em lugarda especial. Nesses casos, em que a superacao das antinomias e feitasem observancia dos criterios hermeneuticos admitidos, verifica-se,

rigorosamente falando, a antinomia real (Coelho, 1992:88/90).

Ora, a possibilidade de antinomias reais compromete a consis-

tencia do sistema juridico, ja que ele nao poderia ser mais visto como

urn corpo l6gico, por desrespeitar 0 princfpio da nao-contradicao.

Note-se bern que a circunstancia de se evidenciar uma antinomia

real em deterrninado ordenamento jurfdico, que consagre a proibi-

c;aode non liquet, nao impede a aplicacao de uma das normas antino-

micas. Os casos submetidos a decisao, de acordo com 0previsto nes-

se ordenamento, serao forcosamente resolvidos, cabendo ao juiz se

nortear pelo disposto nas normas conflitantes. No entanto, a mera

operacionalidade do sistema nao significa a sua logicidade. Do fato

de se resolverem, de algum modo, as pendencias nao decorre a eli-

minacao da incompatibilidade entre as normas. 0direito nao pode

ser considerado l6gico unicamente porque e aplicado.

Mas permanece a questao. Os fi16sofos jurfdicos que defendem a

possibilidade de urn direito l6gico devem apresentar alguma equacao

62

te6rica capaz de compatibilizar as normas jundicas antinomicas. Caso

contrario, nao podem continuar postulando a logicidade do direito.

Kelsen tern uma proposta para essa equacao. Para ele, confor-

me ja mencionamos, a validade da norma juridica nao guarda rela-

c;aocom 0 seu conteiido, porque 0direito compoe urn sistema dina-

mico e nao estatico, Certa lei ordinaria pode dispor diferentemente

do que a Constituicao prescreve e, apesar dis so, ser valida se as auto-

ridades competentes, de acordo com a mesma Constituicao (os mem-

bros do Poder Judiciario), a reconhecerem como tal. Nao interessam

ao estudioso do direito, segundo 0pensamento kelseniano, os moti-

vos pelos quais essas pessoas, investidas da competencia constitu-

cional para dizerem 0direito, irao ter por valida a lei ordinaria dis-

cordante da Constituicao. Interessa, apenas, a confirmacao de que a

autoridade com competencia para decidir sobre a validade da lei,

efetivamente e pelo procedimento adequado, considerou-a valida.

.Nao tern nenhuma importancia a opiniao majoritaria da doutrina ou

o sentido dos textos normativos captado pelas pessoas em geral.

Para 0pensamento kelseniano, pouco divulgado nesse particu-

lar, a Constituicao confere aos membros do legislativo urn duplo poder

legiferante: 0de editar leis de acordo com 0que se encontra direta-

mente nela contido e 0 de edita-las de acordo com 0 que nela se

encontra indiretamente contido. Paralelamente, a Constituicao reco-

nhece aos juizes urn duplo poder jurisdicional: 0de decidir as causas

de acordo com 0que se encontra diretamente estabelecido na lei e 0

de decidi-las segundo 0que se encontra prescrito indiretamente na

pr6pria Constituicao (Kelsen, 1960:363/374; Coelho, 1995:49152).

Para entendermos melhor a equacao te6rica de Kelsen, situemo-

nos numa ditadura mili tar sul-americana qualquer, das decadas de

1960-1970. Na Constituicao, encontraremos consagrado 0 direito agreve, a ser disciplinado por lei. No plano da legislacao ordinaria,

deparamo-nos com urn complexo mecanismo burocratico, definido

como requisito para 0exercicio legal da greve. Imaginemos: 0movi-

mento grevista somente sera considerado Iicito se tiver sido aprova-

do pela maioria absoluta dos trabalhadores presentes na assembleia

com, no minimo, urn terce da categoria, desde que esta tenha sido

63

Page 36: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 36/60

convocada pelo sindicato com a observancia de algumas formalida-

des e presidida por delegado do governo; alem disso, 0sindicato deve,

com antecedencia de uma semana, notificar 0 inicio da greve as em-

presas envolvidas, atraves de determinado instrumento etc. Em ou-

tros termos, atraves de mecanismos de controle inseridos na legisla-

<;aoordinaria, pode-se dificultar, ou ate mesmo inviabilizar, 0exercf-

cio do direito assegurado consti tucionalmente. Essa lei ordinaria, a

rigor, afronta 0 texto da Constituicao, na medida em que limita 0

exercfcio do direito nele consagrado, e, assim, deveria ser t ido por

inconstitucional.

Urn kelseniano, no entanto, nao concordaria tao rapidamente

com essa conclusao. Para ele, 0legislativo aprovou a lei e, pela Cons-

t ituicao, os seus membros tern poderes para editar leis. Ele diria que,

se houve afronta ao dispositivo constitucional assegurador do direito

de greve, com certeza nao se desrespeitou 0 dispositivo que atribui

aos integrantes do legislativo a competencia para editar leis. Mais: se

ojudiciario considerar, atraves de decisao definitiva, irrecorrivel, quea lei em questao e constitucional, entao ela sera valida, a despeito do

entendimento da doutrinajuridica, ou do sindicato ou da grande mas-

sa dos trabalhadores interessados. Porque a Constituicao atribui a

competencia para dizer 0direito aos jufzes e nao aos doutrinadores,

aos sindicalistas ou aos trabalhadores. Essa seria a visao do discfpulo

de Kelsen.

Em suma, para a teoria pura do direito, nao ha incornpatibilida-

de possivel entre normas (Kelsen, 1960:74/82). Nao ha antinomias,

desde que as normas confli tantes sejam editadas pelos orgaos com-petentes e consideradas validas pelas autoridades com competencia

para dizer 0 direito. A validade das normas juridicas atributivas de

competencia e dada por uma norma basica, fundamental, que deter-

mina a obediencia aos elaboradores da Consti tuicao. Ora, estes de-

terminaram a obediencia as leis aprovadas pelo legislativo e as deci-

sees proferidas pelo judiciario. Obedecer 0 constituinte, em outras

palavras, e obedecer 0legislativo e 0judiciario, no exercfcio das res-

pectivas esferas de competencia,

Na visao de Kelsen, 0 direito e cientificamente descrito como

urn sistema dinamico, piramidal e unitario. Dinamico, na medida em

que 0conteiido das normas postas sao irrelevantes para a sua consis-

tencia, cabendo considerar-se apenas as normas atributivas de com-

petencia, Pirarnidal, porque as normas atributivas de competencia se

encontram hierarquicamente dispostas, situando-se no cume a nor-

ma fundamental. E unitario, enquanto descrito logicamente, isto e, a

partir do reconhecimento da afirmacao do duplo poder legiferante e

do duplo poder jurisdicional.

A perspectiva que pense 0 direito como urn sistema logico de

enunciados (normas juridicas, proposicoes doutrinarias, siimulas de

julgamentos etc.) deve resolver a questao das antinomias no sentido

de demonstrar a sua impossibilidade. Temos, acima, a solucao da

teoria pura do direito para esse problema. Outras poderiam ser tenta-

das. De qualquer forma, sem uma equacao teorica qualquer para dis-

solver todas as antinomias juridicas, nao havera consistencia na afir-

macae da logicidade do direito. Desse modo, ou se adota 0entendi-mento kelseniano (ou outro que tambem negue a possibilidade de

antinomias no sistema juridico) ou se renuncia a pretensao a urn di-

reito Iogico.

1 9. LACUNAS

As lacunas sao definidas como a ausencia de lei para urn caso

concreto. Os elaboradores dos textos legais, com certeza, nao podem

antever todas as situacoes que a realidade ira oferecer e, por isso,surge a questao acerca de como resolver, juridicamente, os casos nao

previstos. 0direito positivo, habitualmente, consagra a regra da ana-

logia, apelo aos costumes ou aos principios gerais, como a forma de

decidir as pendencias para as quais inexista norma especffica, No

Brasil, esse parametro se encontra no art. 42 da Lei de Introducao ao

Codigo Civil.

Mas a possibilidade de lacunas no sistema compromete 0 seu

carater logico. Isso porque transgride 0principio do terceiro exclui-

64 65

do, segundo 0qual, para urn sistema ser tornado por logico, ele deve de todos os comportamentos: eo que as nega nao admite 0 direito

Page 37: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 37/60

conter 0enunciado ou 0seu contraditorio. Especificamente, em rela-

c;aoao sistemajuridico: dado 0comportamento p, deve haver no sis-

tema uma norma N, geral ou especifica, que 0 sancione ou nao 0

sancione. Para que 0direito seja logico e completo, portanto, e ne-cessaria a presenca da norma V(P) ou da norma Pep) para qualquer

conduta que se considere. Quer dizer, dado algum ato humano, ele

sera ou sancionado pelo direito ou nao-sancionado, estando definiti-vamente excluida terceira altemativa. Em suma, a completude do di-

reito depende da existencia de uma norma juridica ou da norma con-

traditoria, pertinente a qualquer a<,;iioou omissao human a que se con-

sidere.

Ha duas maneiras basic as de se enfocar 0problema das lacunas.

De urn lado, relacionando-o com 0 con stante aperfeicoamento do

proprio direi to. Essa ideia de progressividade nos leva a crer que, no

futuro, quando os elaboradores normativos forem mais experientes,

caprichosos e percucientes, as normas poderao ser melhor redigidas,

de sorte a anteciparem todas as variaveis possfveis. Segundo essa

primeira perspectiva, as lacunas caracterizam a etapa do artesanato

normativo, que 0progresso do direito devera superar.

A segunda maneira de se enfocar a questao das lacunas diz res-

peito as condicoes logicas do sistema. Nao se pressupoe 0 aperfei-

coamento da tecnica legislativa, mas, ao contrario, a inafastavel

imprevisibilidade relativa das acoes human as (sempre havera uma

margem de casos nao previstos especificamente pelas normas).

o operador do direito (juiz, advogado, promotor dejustica etc.)

costuma relacionar a negativa de lacunas com a afirmacao de umadisciplina juridica exaustiva, e a tese do direito lacunoso com a im-

possibilidade de uma ordem juridica exaustiva. 0senso comum juri-

dico, em outros termos, vincula a falta de lacunas com a criacao de

urn ordenamento que contenha norma especifica para cada situacao

juridicamente relevante e a presenca de lacunas com a inexistencia

de normas especfficas para todas as situacoes.

Curiosamente, 0enfoque jusfilosofico que afirma a possibilida-

de de lacunas aponta para urn direito exaustivamente disciplinador

com tal capacidade. Assim, os filosofos juridicos, para os quais 0

direito podera vir a ser exaustivo, admitem as lacunas, e os que rejei-

tam tal perspectiva as negam, invertendo as relacoes vislumbradas

pelo senso comum dos operadores juridicos. Na verdade, estao falan-

do de coisas diferentes. No campo da filosofia do direito, a questao

das lacunas nao discute se 0 direito possui ou nao uma norma com

conte lido especffico voltado a cada conduta humana, pois quanta a issotodos concordam na negativa. Rejeitar as lacunas nao significa adrnitir

a possibilidade desse conjunto abrangente e exaustivo de normas juri-

dicas. Muito pelo contrario, significa encontrar uma equacao teorica

pela qual 0 sistema juridico possa se apresentar completo. Em outros

termos, nao se cuida de investigar a possibilidade de contarmos com

uma norma N para cada ac;aop. Mas, isto sim, de podermos qualificar

juridicamente, como sancionada ou nao-sancionada, qualquer ac;aop.

Os teoricos do direito formularam diferentes equacoes para con-

siderar completo 0sistema juridico (cf. Bobbio, 1960: 1251184;Diniz,

1981 e 1993:395/430) .

Santi Romano e outros, por exemplo, distinguem dois espacos

juridicos: 0 plena, onde se encontram todas as condutas referidas

pelas normas; e 0 vazio, que reline as demais condutas. Ora, assim

como 0mar nao e a lacuna do continente, tambem 0 espaco juridico

vazio nao pode ser considerado fator de incompletude do sistema

jurfdico. Do fato de algumas acoes humanas nao se encontrarem dis-

ciplinadas especificamente por normas jurfdicas nao se pode extrair

a conclusao de que 0 direito seria lacunoso. Desse fato conclui-se,

apenas, que existem acoes irrelevantes para0

direito. Dada, portanto,a conduta p, se ela se encontra no espaco jurfdico pleno, sera proibi-

da, obrigatoria ou permitida, segundo 0 disposto na norma; se ela se

encontra no espaco jurfdico vazio, nao desperta qualquer interesse

para 0direito.

Outros, como Zitelmann, negam as lacunas a partir da norma

geral exclusiva. Quando 0 comportamento nao se encontra es-

pecificamente referido por uma norma juridica, ele e qualificadopela norma de ambito geral do tipo "tudo que nao e proibido, e per-

66 67

Page 38: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 38/60

mitido", ou -V(P) - - -+ P(P). Ao decidir uma demanda judicial, 0juiz

ira aplicar ou a norma especialmente prevista pelo legislador para a

hipotese ou a norma geral incorporada pelo sistema. Nesse sentido,

qualquer comportamento p ou se encontra qualificado por uma nor-

ma N especffica (e, entao, sera proibido, permitido ou obrigatorio,

segundo 0 prescri to nessa norma), ou se encontra qualificado pela

norma geral exclusiva (e, entao, sera permitido se a norma geral per-

mitir todos os comportamentos nao proibidos).

Sob 0ponto de vista logico, portanto, se0ordenamento contem

norma geral exclusiva, entao nao ha a possibil idade de lacunas. No

direito brasileiro de hoje, a norma geral exclusiva pode ser encontra-

da no principio consti tucional da legalidade, segundo 0 qual nin-

guem e obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senao em

virtude de lei (art. 52, II, da Constituicao Federal). Isto e , se inexistirlei proibindo ou obrigando certa conduta, ela e permitida.

Ora, 0juiz brasileiro, ao julgar 0 comportamento de qualquer

pessoa, deve pesquisar se existe lei proibindo ou obrigando esse com-

portamento. Se a encontrar, evidentemente nao ha que se falar em

lacunas. E se nao a encontrar, 0comportamento deve ser considera-

do permitido, e, nesse caso, tambem nao ha que se falar em lacunas.

Portanto, e completo 0direito que contem uma norma geral exclusi-

va, pela qual todas as acoes nao disciplinadas de modo especffico

sao, nao obstante, juridicamente qualificadas.

Mas, se assim e , qual seria 0 sentido de urn dispositivo legal

referente a omissao nas proprias leis? Urn dispositivo como 0art. 42,

da Lei de Introducao ao Codigo Civil, que determina a aplicacao da

analogia e dos principios gerais ou 0 socorro aos costumes? Comopodem conviver esta regra de preenchimento de lacunas e a regra

geral exclusiva?

Bobbio tern uma interessante resposta a tal indagacao. Para eie,

a norma geral exclusiva nao garante a completude do ordenamento

juridico, quando se preve uma norma geral sobre 0 preenchimento

de lacunas nesse mesmo ordenamento, a qual se reveste de natureza

inclusiva. Isto e , ao dispor sobre os mecanismos de superacao das

lacunas, normas como as do art. 42 da Lei de Introducao ao Codigo

Civil passam a considerar como disciplinado pela ordem juridica a

conduta que se encontrava fora do ambito de incidencia dessa. Em

outros termos, inclui no campo das condutas normatizadas aquela

para a qual nao existe nenhuma norma especffica,

Em consequencia disso, para Bobbio, as lacunas se verificam

nao na falta de normas disciplinadoras de condutas, mas na falta de

criterio de escolha entre a norma geral exclusiva, que permite tudo

que nao for normativamente disciplinado como proibido, e a norma

geral inclusiva, que dispoe sobre as condutas nao disciplinadas

normativamente (1960:1541155; cf. Vilanova, 1977:1891191).

o seu entendimento, assim, sugere que a questao das lacunas

envolveria, em ultima analise, urn problema de confli to entre duas

normas: a geral exclusiva e a geral inclusiva. Portanto, lacunas nao

existiriam por carencia, mas sim por abunddncia de normas sobre a

mesma conduta. Curioso registrar que a questao das antinomias

reais, no mesmo Bobbio, pode ser reduzida a urn problema de lacu-

nas, ja que decorrente da falta de criterio para a solucao de certos

conflitos normativos (item 18). Entramos, por tais vias, num circulo

vicioso, em que as antinomias sao, na verdade, lacunas, e estas sao,

na verdade, antinomias. Tal circularidade e consequencia do estreito

vinculo existente entre 0principio Iogico da nao-contradicao (ao qual

se liga a questao das antinomias) e 0do terceiro excluido (relaciona-

do com a das lacunas).

Kelsen ja apresenta uma resposta diferente a indagacao sobre a

convivencia da norma geral exclusiva e 0 art. 42 da Lei de Introducao

ao Codigo Civil. Segundo ele, todas as normas juridicas podem ser

reduzidas as sancionadoras; quer dizer, tern sempre a estrutura logica

p - - -+ q, sendo p a descricao da conduta humana que se pretende proibir,

e q, a definicao de uma sancao. A norma proibitiva "matar alguem -

reclusao de seis a vinte anos" e referida por p - - -+ q, sendo p a acao de

matar alguem, e q, a pena de reclusao de seis a vinte anos. A norma

obrigatoria "quem deseja construir deve obter a respectiva licenca da

Prefeitura, sob pena de multa" tern a estrutura p - - -+ q, sendo p 0com-

portamento de construir sem licenca da Prefeitura, e q, a sancao de

multa. E a norma permissiva "e facultado 0estacionamento nessa area"

68 69

Page 39: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 39/60

consiste em p - - -+ q, sendo p a acao da autoridade impedindo 0motoris-

ta de estacionar seu veiculo na area em questao, e q, a sancao de

invalidacao da penalidade eventualmente aplicada por essa autorida-

de. Para Kelsen, todas as normas tern uma mesma estrutura, a de san-

cionar determinado agir humano (cf. Coelho, 1995:35/40).

Ora, se assim e, se todas as normas sao 0que se poderia chamar

de imperativos sancionadores (cf. Telles Jr., 1971:347/385; Diniz,

1979:85192), entao as condutas relacionadas deonticamente com uma

sancao devem ser apenadas com a medida sancionatoria prevista; e

as demais condutas, por nao se encontrarem ligadas a qualquer san-

~ao, nao devem ser apenadas. 0 juiz, diante de uma conduta qual-

quer, deve considerar se 0direito a liga a sancao. Em caso positivo, 0julgamento deve ser no sentido de impor a pena estabelecida. Em

caso negativo, se 0direito nao sanciona a conduta em foco, 0julga-

mento deve ser no sentido de se considera-la licita. Em Kelsen, nao

existe possibilidade de lacunas, portanto.

Mas, prossegue 0criador da teoria pura do direito, se a ordemjuridica autoriza aos juizes a aplicacao da analogia e dos principios

gerais ou 0apelo aos costumes em caso de omissao da lei, entao nao

e possivel ignorar essa regra autorizadora, devendo-se compatibiliza-

la com 0restante do sistema. Como todas as normas sao reduzidas aestrutura de urn imperativo sancionador (dado certo comportamen-

to, deve ser uma sanciioi, para 0pensamento kelseniano, aquele juiz

que enxerga lacuna no direito esta, na verdade, pretendendo aplicar

sancao a uma conduta nao-sancionada ou deixar de aplicar sancao a

conduta sancionada. Ou seja, ele pretende inverter 0 sentido da nor-

ma. Se inexistem lacunas, falar nelas e procurar dar ao caso concretosolucao diferente da prevista pela ordemjuridica (1960:338/343).

Urn exemplo ajudara na compreensao da teoria kelseniana das

lacunas. Imaginemos que a mulher A, fisicamente incapaz de ter uma

gestacao, contrate com a mulher B a implantacao de seu ovule fe-

cundado no utero desta ultima, que, por sua vez, se obriga a the en-

tregar a crianca assim gerada, logo apos 0nascimento. Suponhamos

que B, deixando de cumprir 0 contrato, nao se submeta a operacaomedica de implantacao do ovule em seu organismo. A, entao, propoe

acao judicial rec1amando perdas e danos por inadimplemento de obri-

gacao contratual. Em sua defesa, B alega nulidade do contrato. Como

deve 0juiz julgar essa pendencia?

o contrato sera nulo, pela otica de Kelsen, se houver norma

juridica sancionando com a nulidade 0 comportamento consistente

em contratar a implantacao de ovulo fecundado. Revirando a ordem

em vigor, ele nao encontra tal norma. Em principio, portanto, deve-

ria considerar valida a contratacao feita e julgar procedente a acao

proposta. Se essa solucao, liberada pela ordem juridica vigente, for

adequada aos valores do juiz, com certeza ele a adotara em sua deci-

sao. Mas, na hipotese inversa, caso considere tal solucao agressiva

aos seus valores, 0juiz poderia evita-la, ao cogitar da existencia de

uma lacuna. Para integra-la, deveria aplicar a sancao de nulidade ao

referido contrato, valendo-se da analogia, dos principios gerais do

direito ou dos costumes.

Ou seja, em Kelsen, 0julgador so considera que ha lacunas no

ordenamento quando nao 0satisfaz a solucao por este oferecida. Emtermos mais precisos, as lacunas sao vistas pelo pensamento

kelseniano como uma ficciio, a possibilitar a compatibilizacao dos

pressupostos logico-operacionais do direito com os postulados eti-

cos de quem tern a competencia para 0 aplicar.

De qualquer forma, pela equacao teorica do espaco juridico

vazio, da regra geral exc1usiva ou pela formulada por Kelsen, a nega-

~ao das lacunas e condicao da logicidade do sistema juridico. Urn

sistema incapaz de ser caracterizavel, de algum modo, como com-

pleto nao sera logico.

2 0. S IL OG ISMO JUR rO ICO

Os profissionais do direito (advogado, juiz, promotor de justi-

ca, procurador etc.) , no seu cotidiano, organizam argumentos para

fundamentarem seus pontos de vista em pecas processuais, parece-

res ou decisoes. Para os logicos, seria possivel traduzirem-se estes

diversos arrazoados (a peticao inicial do advogado, 0libelo acusatorio

70 71

caso concreto, de cujos elementos se pode estabelecer uma ligacaodo promotor, 0parecer do procurador, 0acordao do tribunal etc.) em

Page 40: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 40/60

1) 0 empregado despedido semjusta causa deve ser remune-

rado pelas ferias ndo gozadas;

de pertinencia com a norma enunciada na outra premissa. Por en-

quanto, a referencia ao fato e apresentada como enunciado apofantico

(0 antecedente liga-se ao conseqiiente pelo verbo ser), mas, a seguir,

esse aspecto sera reexaminado. A conclusao, por sua vez, contempla

a subsuncao do caso a norma, ou a aplicacao do direito traduzida poruma decisao, Se 0 silogismo diz respeito a peticao do advogado, ao

libelo do promotor ou ao parecer do procurador, a conclusao apre-sentara a decisao postulada, e no caso de sentencajudicial ou acordao,

a decisao adotada.

Por ora, entao, a reducao do raciocinio dedutivo juridico a suaforma logica resultaria: se M deve ser P, e S e M, entdo S deve ser P.

E 0denominado silogismo normativo, que se diferencia do teoretico

(se M e P, e S e M, entiio S e P), em razao da natureza deontica da

premissa maior e da conclusao (Kelsen, 1960a: 13/14).

Por essa primeira tentativa de definicao da estrutura formal do

silogismo juridico, nota-se que ele nao se apresenta puramente deontico,

ou seja, constituido apenas por enunciados de dever ser. Isso porque a

prernissa menor, ao contrario dos demais enunciados, ndo acopla 0

antecedente (Joao) ao conseqiiente (empregado despedido sem justa

causa) atraves do conectivo deontico (dever ser), mas atraves do

apofantico (ser), Na prernissa menor dessa forma silogistica, tem-se a

afirmacao de urn fato, urn enunciado de realidade.

Essa impureza do silogismo jurfdico preocupa alguns logicos

do direito, que questionam a exatidao da forma seM deve ser PeS e M,

entiio S deve ser P (cf, Vilanova, 1977:243). Para eles, valeria a pena

investigar se a prernissa menor efetivamente nao teria tambem cara-ter deontico.

Para tanto, deve-se assentar que os fatos nao ingressam no mun-

do juridico necessariamente tal como ocorreram na realidade. Em

outros termos, 0profissional do direito nao argumenta a partir dos

pr6prios fatos, mas da feicao que eles assumem nos autos do proces-

so. A cornprovacao processual de determinado acontecimento nao

significa a sua efetiva ocorrencia. E claro que foram desenvolvidas

divers as tecnicas de reproducao processual de fatos (perfcias tecni-

silogismos. Mais do que isso, seria possfvel identificar a estrutura

silogistica presente em toda a argumentacao juridica, que se faz vei-

cular por meio de deducoes.

Deducao, conforme 0 conceito corrente, embora questionado

(Costa, 1993:31), eo raciocfnio a partir de prernissas mais gerais que

a conclusao. Para alguns logicos do direito, 0profissional do direito,

em seu trabalho, nao se lirnita a encadear operacoes mentais deduti-vas, mas, ao contrario, conjuga diversas outras faculdades mentais,

como a intuicao e a inducao (cf. Montoro, 1981:138). De qualquer

forma, quando se traduz num silogismo categ6rico deterrninado ra-

ciocfnio jurfdico, pressupoe-se que 0 profissional do direito tenha

operado uma deduciio.

A estrutura padrao do raciocinio dedutivo juridico teria a se-

guinte configuracao: a) na prernissa maior, 0enunciado de dever-ser

contido na norma juridica (a lei); b) na menor, 0enunciado de reali-

dade sobre urn fato pertinente a normajuridica (0caso concreto); c)

na conclusao, a aplicacao da norma juridica ao fato (decisao),

Numa primeira tentativa de se exemplificar 0 silogismo jurfdi-

co, poder-se-ia considerar 0 seguinte:

2) Ora, Joiio e empregado despedido sem justa causa;

3) Logo, Jodo deve ser remunerado pelas ferias niio gozadas.

Note-se que a prernissa maior apresenta a norma juridica, que

prescreve a remuneracao das ferias nao gozadas, na hip6tese de des-

pedida de empregado semjusta causa (CLT, arts. 146 e 147). Claro

que ela nao se encontra no silogismo expressa do mesmo modo que

nos textos de lei em vigor. Na prernissa maior, a norma deve ser

enunciada em sua forma logico-deontica (antecedente ligado ao con-

seqiiente pelo verbo dever ser). Na prernissa menor, a referencia ao

72 73

cas, depoimentos de testemunhas, documentacao fotografica, cine- do exercito, reestabeleceu-se a ordem. Os tres dias de tumultos re-

Page 41: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 41/60

matografica etc.), mas 0 julgador imparcial, obrigatoriamente au-

sente no momento do acontecido, tern da realidade apenas a versao

processualmente construfda, E, para 0direito, interessa apenas essa

versao, Se 0 litigante nao conseguir provar certo fato, a decisao jurf-

dica deve considera-lo inexistente. Portanto, para a aplicacao da nor-

ma ao caso concreto, leva-se em conta simplesmente a versao pro-

cessual desse caso.

A distancia entre a realidade do fato e a sua versao processual,

e a prevalencia desta sobre aquela no raciocfnio jurfdico, podem ser

ilustradas com 0 julgamento ocorrido em 29 de abril de 1992, em

Los Angeles, Estados Unidos, dos policiais brancos acusados de agres-

sao contra Rodney King, urn cidadao negro. Na noite de 3 de marco

de 1991, King dirigia seu veiculo em alta velocidade quando foi per-

seguido e interceptado pela polfcia. Ajoelhado ao lado do vefculo,

recebeu sucessivos e violentos golpes dos policiais (chutes e 56 gol-

pes de cassetete). As imagens do espancamento, captadas por urn

cinegrafista amador, foram transrnitidas pela TV para todo 0mundo,

despertando sentimentos de indignacao contra a evidente agressao

da policia.

Na sessao de julgamento, os advogados de defesa exibiram 0

filme para os jurados, por mais de uma vez e em camera lenta, ale-

gando que somente desse modo seria possfvel perceber-se 0que te-

ria acontecido com exatidao. Argumentaram que 0filme, detidamente

exarninado, mostrava, na verdade, que King tentava agredir os poli-

ciais, que apenas se defendiam. Essa versao foi a aceita pelo juri, e

os acusados absolvidos.

Naquela noite, teve inicio, em Los Angeles, 0maior conflito

racial das Americas, depois da luta pelos direitos civis da decada de

1960. Em protesto contra a ignorninia perpetrada por aquela decisao

judicial, rnilhares de negros deflagaram uma verdadeira guerra urba-

na, saqueando e incendiando lojas, carros e predios, alem de agredir

brancos, coreanos e tambem outros negros. A onda de violencia es-

tendeu-se pelos dias seguintes, e alcancou San Fraacisco, Las Vegas

e Atlanta, repercutindo em todo 0pais. Somente ap6s a intervencao

74

sultaram em 37 mortes, 1.200 pessoas feridas, 2.000 predios e lojas

atingidos, 1.300 incendios e prejufzos estimados em ate urn bilhao

de d6lares (cf. 0 Estado de S. Paulo, 01 e 02.05.92).

Ou seja, a reproducao de deterrninado fato - 0filme veiculado

por todo 0mundo - ganhou uma versao processual: a vitima trans-

formou-se no agressor e os agressores em inocentes. 0que tern rele-

vancia para a decisao judicial nao e 0 fato em si, alias forcosamenteinacessfvel para 0julgador imparcial, mas a sua descricao pelos meios

de prova judicialmente aceitos.

Ora, se assim e, a prernissa menor do silogismo jurfdico deve

ser expressa tambem por urn enunciado deontico. Se Joao foi ou nao

despedido sem justa causa, se concretamente inexistiram razoes para

a sua despedida, isto e irrelevante para a decisao judicial que reco-

nheca 0 seu direito a remuneracao pelas ferias nao gozadas. Interes-

sa saber, a rigor, se0empregador conseguiu levar aos autos da recla-

macae trabalhista elementos que possam convencer os julgadores da

ocorrencia de justa causa na despedida. Em termos mais precisos,

tern importancia saber se, a partir do que consta dos autos, Joao deve

ser considerado urn empregado despedido sem justa causa.

o silogismo juridico, em sua forma pura, aprimorada, deve serassim expresso: se M deve ser PeS deve ser M, entiio S deve ser P.

Ou, concretizando:

1) 0 empregado que, pelas provas reunidas na reclamaciio.for

considerado como despedido sem justa causa deve ser re-

munerado pelas ferias niio gozadas;

2) Joiio deve ser,pelas provas reunidas na reclamaciio, cons i-

derado empregado despedido sem justa causa;

3) Logo, Joiio deve ser remunerado pelas ferias ndo gozadas.

Alguns fil6sofos do direito, lucidamente, problematizam a na-

tureza logico-dedutiva da operacao mental que acompanha a aplica-

75

~ao da norma ao caso concreto (cf. Siches, 1956:188/210). Na verda- exc1usivamente 16gica, mas envolve ponderacoes valorativas e intui-

Page 42: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 42/60

de, 0 raciocfnio que 0 advogado, 0 promotor de justica, 0 procurador

e 0 julgador desenvolvem nao pressup6e a estrutura silogistica.

Nesse contexto, Lourival Vilanova demonstra como a conc1u-

sao, no silogismo juridico, vai alem das premissas. A interpretacao e

a aplicacao do direito positivo nao podem ser feitas sem valoracoes

ou referencia a realidade, e, por isso, nao e correto considerar tais

operacoes mentais uma deducao 16gica. Esta, essencialmente, opera

apenas em nivel formal e nao e capaz de propiciar a concrecao mate-

rial caracteristica da experiencia juridica (1977 :245/248).

Para Luis Prieto Sanchis, a processo de aplicacao judicial do

direito se inicia com a valoracao provis6ria dos fatos e a individua-

lizacao da norma ou setor juridico relevante. Em seguida, entrecru-

zam-se apreciacoes faticas e normativas, ja que os fatos sao entendi-

dos e considerados a partir de sua referencia legal, e a lei, por sua

vez, se interpreta no contexto de situacoes de fato. 0estabelecimen-

to de ambas as prernissas, a maior e a menor, portanto, e conco-rnitante (1987:821107).

2 1. IM P LlCA9AO EXTENSIV A, IN TENS IV A E REC iP ROCA

o primeiro te6rico do direito a pesquisar as possibilidades aber-

tas no campo da fila sofia juridica, pelo desenvolvimento da 16gica

simb6lica, foi , em 1951,0 alemao Ulrich Klug. Antes dele, outros ja

haviam registrado a extraordinario progresso que a calculo propo-

sicional vinha realizando desde 0 inicio do seculo, mas sem diividafoi Klug 0 primeiro a tentar aproveita-lo na construcao da ciencia do

direito.

Klug considera que os estudiosos e aplicadores do direito de-

viam observar, em suas argumentacoes, as regras 16gicas, porque isso

e, no seu entender, uma condicao necessaria, embora nao suficiente,

para que 0 conhecimento juridico a1cance a qua1idade de cientifico

(1951:247/248). Diz-se condicao nao suficiente, na medida em que

outras tambem sao necessarias, ja que a argumentacao juridica nao e

76

~ao (1951:195 e prologo).

Ao contrario de Kelsen, para quem apenas a ciencia do direito e

suscetivel a aplicacao da 16gica, Klug sustenta tambem a possibili-

dade de relacionamento 16gico entre as pr6prias normas juridicas.

Segundo sua opiniao inicial sobre 0 tema, em resposta a indagacao

do pr6prio Ke1sen, nao existiria nenhum principia a dificultar a apli-

cacao de regras da 16gica as concatenacoes entre enunciados de de-ver ser, de qualquer natureza. As normas juridicas (tal como as pro-

posicoes de realidade) tambern nao podem se contradizer, sao

deduzidas umas das outras e serao ou verdadeiras ou fa1sas (Kelsen-

Klug, 1981:30/33). Posteriormente, Klug reviu essa ultima assertiva,

adotando a nocao corrente na filosofia do direito, de que as normas

nao podem ser verdadeiras ou falsas, mas apenas validas ou invali-

das. Contudo, procurou estabelecer uma analogia entre a veracidade

e a validade, da qual conc1uia a pertinencia da analise 16gica das

normas (1981:66/68).

Em seus estudos, K1ug tern acentuada preocupacao com a

equivocidade da implicaciio, Como referido anteriormente, a l iga-

~ao entre dais enunciados pelos conectivos se ... entiio da margem a

mais de uma interpretacao (item 10).Distingue Klug tres variedades

dessa ligacao: a implicacao extensiva (sempre que ... entiio), a inten-

siva (apenas se . .. entiio) e a reciproca (se e apenas se ... ent iio). Os

compendios, afirma, se ocupam da primeira, ornitem-se quanto a

segunda e consideram a ultima sob 0 nome de equivalencia, ignoran-

do assim a equivocidade. E indispensavel, entretanto, para a 16gica,

especialmente a juridica, distinguir c1aramente essas tres relacoes(1951:33/36).

Nesse sentido, 0 rigor da 16gicarecomenda a uti lizacao de sim-

bolos pr6prios para cada modalidade de implicacao, para a supera-

~ao da equivocidade. Assim, como a extensiva e referida pela seta

( - - - + ) , vale-se Klug para a intensiva da seta dupla (~) e para a reci-

proca do til (-). Aqui neste l ivro, como esse ultimo sfmbolo foi re-

servado para a negacao, expressaremos a implicacao reciproca pelo

simbolo da seta bidireciona1 (v+).

77

A tabela de verdade, para 0 calculo proposicional relacionado No caso da legitima defesa, e ela uma condicao suficiente para a

Page 43: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 43/60

com as tres modalidades de implicacao, e a seguinte (Klug, 1951:43):

p q p~ q p~ q p- q

V V V V V

V F F V F

F V V F F

F F V V V

A implicacao extensiva veicula que 0 antecedente e condicaosuficiente do conseqiiente. Quer dizer, basta dar-se 0 antecedente,

para que 0conseqiiente se verifique. No caso da implicacao extensi-

va, ndo se apresenta 0antecedente como condicao necessaria do con-

seqiiente. Isto e , q podera se verificar, ainda que p nao ocorra, umavez que pode ser a consequencia de r, s ou t.Eo que revela a tabela da

verdade acima, na linha III.

A intensiva veicula que 0 antecedente e condicao necessaria do

conseqiiente. Em outros termos, sem que se de0antecedente, 0conse-

qiiente nao podera se verificar. Ressalte-se que, nessa hipotese, 0antece-

dente e necessario, mas ndo e suficiente para0conseqiiente. Dessemodo,q, embora nao possa se verificar semp, podera nao ocorrer a despeito de

p; isso pela ausencia de outra condicao necessaria e nao suficiente r, s ou

t.Tal pode ser constatado na linha II da tabela da verdade, acima.

Por fim, a implicacao reciproca veicula que 0antecedente e con-

dicao necessaria e suficiente do conseqiiente. Nao hap sem q e vice-versa. Pela equivalencia, veicula-se que outras condicoes r, s ou t

simplesmente nao existem.

Em termos concretos: para 0direito penal, se a pessoa agiu em

legitima defesa, entao nao ha crime (CP, art. 23, II); para 0 direito

comercial, se0devedor e empresario, entao ele esta sujeito a falencia(LF, art. Ill); e, para 0 direito civil, se 0 homem nasceu com vida,

entao tern personalidade jurfdica (CC, art. 22); essas implicacoes,

porem, nao sao iguais.

78

inexistencia do crime, mas nao necessaria. Tambem se 0 autor se

encontra em estado de necessidade, cumpre estritamente dever legal

ou exerce regularmente seu direito, nao havera crime (CP, art . 23, I e

III). Por outro lado, a condicao de empresario e necessaria, mas naosuficiente para a decretacao da falencia, que pressupoe tambem a

insolvencia do devedor (caracterizada, no direi to brasileiro, pela

impontualidade injustificada ou por pratica de ato de falencia) e0

devido processo legal (pedido de falencia). Ja 0nascimento com vida

e condicao necessaria e suficiente para a aquisicao de personalidade

jundica.

Essa precisao do sentido das implicacoes auxiliara Klug no

enfrentamento de uma das mais tormentosas questoes com que se

debatem os teoricos que consideram logico 0direito: a relacao entre

o raciocfnio analogico e 0argumento a contrario.

22. ARGUMENTO POR ANALOGIA E ARGUMENTO A

C ON TR A R IO

Qualquer fato nao disciplinado especificamente na lei da ensejo

a que se alcancem conclusoes jundicas diametralmente opostas, se-

gundo se utilize do argumento analogico ou do a contrario, Por exem-

plo, sob a ordem constitucional anterior a 1988, editou-se no Brasil

uma lei reservando para empresas sob controle nacional a exploracao

de atividades economic as ligadas a informatica. 0 texto constitucio-nal de entao era omisso quanta a legitimidade de reserva de mercado,mas previa a exclusao de empresas estrangeiras de determinados se-

tores economicos, como a navegacao de cabotagem, a exploracao de

recurs os minerais ou de empresas jornalisticas.

o debate acerca da constitucionalidade da lei envolveu, do lado

dos defensores da medida, 0 argumento analogico; e, do lado dos

opositores, 0 argumento a contrario. Os primeiros lembravam que a

ordem constitucional admitia a reserva de mercado de algumas ativi-

dades, de cujos traces comuns (natureza estrategica para 0 desen-

79

volvimento e defesa da soberania nacionais) poder-se-ia extrair 0 TodoM e P

Page 44: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 44/60

fundamento, por via analogica, para a previsao de outras reservas

legais, sempre que presentes os mesmos traces. Os outros contra-

argumentavam que se a ordem constitucional excluiu a participacao

de empresas estrangeiras apenas de determinadas atividades, expres-

samente mencionadas, a contrario sensu nenhuma outra poderia ser

objeto de reserva, tendo em vista os princfpios gerais da ordem eco-

nomic a de liberdade de iniciativa e de competicao.Como se ve, 0 argumento analogico fundamentava a validade

da lei de reserva de mercado da informatica, e 0argumento a contra-

rio, a invalidade.

Para Kelsen, e superabundantemente demonstrado que ambos

os argumentos sao destitufdos por completo de valor, porque condu-

zem a resultados opostos e nao existe qualquer criterio a nortear as

oportunidades de emprego de urn ou outro (1960:468). No seu con-

texto, a afirmacao kelseniana diz respeito a padroes de cientificidade.

Em outros termos, a ciencia do direito, para ele, e incapaz de formu-

lar diretrizes seguras, a part ir das quais se poderiam definir as situa-

c;oes em que caberia a interpretacao por analogia ou 0 argumento a

contrario.

Mesmo sob 0ponto de vista da logica, os dois argumentos tern

validade discutivel.

A analogia costuma ser inserida pelos logicos entre os metodos

de inducao (cf. Copi, 1953:313/322), que fundamentam conclusoes

meramente provaveis (Costa, 1993), de cuja veracidade nao se pode

ter a mesma certeza resultante da deducao.

Outras vezes, seguindo a linha da tradicao aristotelica, ela e tida

como argumento sem estrutura propria, derivada da combinacao do

raciocfnio indutivo (para a determinacao de semelhancas) e dedutivo

(para a validade da predicacao). A deducao envolvida com a analogia,

no entanto, tern sua validade posta em questao, por incorrer na falacia

do quarto termo (quaternio terminorum). Isto e, 0 termo medio do

silogismo dedutivo, na analogi a, revestir-se-ia de inaceitavel ambigui-

dade. 0 questionamento pode ser facilmente compreendido pela es-

trutura logica da analogia, que adota a seguinte forma:

Todo S e semelhante aM

Logo, todo S e P

Ora, M e semelhante a M sao termos distintos e 0 silogismo

valido nao admite qualquer ambigliidade. Os tres termos (menor, me-

dio e maior) devem necessariamente ter 0 mesmo sentido nas duas

proposicoes em que cada urn aparece (cf. Copi, 1953: 1841185). Des-

se modo, a logic a classica nega validade ao argumento ana16gico.

Klug, interessado em pesquisar as condicoes de desenvolvimento

da logic a jurfdica, nao tinha como deixar de enfrentar a questao da

pertinencia logica da analogia, que e urn argumento fartamente utili-

zado no direito. Assim, ele procura demonstrar sua consistencia atra-

yes da aplicacao do conceito de circulo de semelhanca, importado do

calculo de classes da matematica (1951: 1701172).

Nesse sentido, afirma que a premissa menor todo S e semelhan-

te a M expressa que todos os membros x que ostentam a propriedadeS pertencem ao cfrculo de semelhanca caracterizado por M. Essa e a

chave para superacao da ambigliidade. 0termo medio sera a classe

composta pela classe dojuridicamente regulado e pela classe do se-

melhante aojuridicamente regulado mas juridicamente nao regulado

(cf, Vilanova, 1977:186). Desse modo, se a e a classe do juridic a-

mente nao regulado, ~ a do juridicamente nao regulado mas seme-

lhante aojuridicamente regulado, X a dojuridicamente regulado e 8 a

classe do subsumido a determinado regulamento jurfdico, entao 0

argumento analogico teria a seguinte formula valida:

{(a c ~).[(~u X) c 8]} ----t (ac 8)

Que se le: sempre que a classe a estiver contida em ~ e a uniao

das classes ~ e X estiver contida na classe 8 , entao a estara contido

em 8.

Concretizando, a partir do exemplo acima da lei de reserva de

mercado da informatica: na classe do juridicamente nao regulado

80 81

(a), encontra-se a atividade economic a da informatica; na do juridi- o pressuposto do argumento a contrario e 0de que a norma, ao

Page 45: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 45/60

camente nao regulado mas semelhante aojuridicamente regulado (B),

as atividades economic as estrategicas para 0 desenvolvimento ou

defesa da soberania nacionais nao referidas expressamente na Cons-

tituicao; na do juridicamente regulado (X), as atividades economic as

estrategicas referidas na Consti tuicao (navegacao de cabotagem,

empresas jomalisticas etc.); e na do subsumido a determinado regu-

lamento juridico (0), todas as atividades economic as de que estaoexcluidos os estrangeiros.

o argumento, entao, pode ser assim apresentado: sempre que

as atividades economic as ligadas a informatica integrarem 0conjun-

to de atividades nao mencionadas pela Constituicao como estrategi-

cas para 0 desenvolvimento ou defesa da soberania nacionais, mas

semelhantes a essas (a c B ) ; e que as atividades nao mencionadas na

Constituicao como estrategicas juntamente com as mencionadas in-

tegrarem a classe das atividades de que estao exclufdos os estrangei-

ros [( B u X) CO]; entao as atividades ligadas a informatica integra-

rao 0 conjunto de atividades de que estao excluidos os estrangeiros(aCO).

Desse modo, segundo Klug, 0calculo proposicional, da logica

simb61ica, propiciaria 0afastamento das crfticas que a logica classi-

ca formulou contra a analogia. E, em decorrencia, 0argumento jurf-

dico fundado nessa operacao revestir-se-ia de logicidade.

Por outro lado, 0argumento a contrario e , sob 0ponto de vista

da logica, urn erro incontornavel, na medida em que afirma a

inexistencia do conseqtiente a partir da do antecedente. Ao enunciar

que "a chuva molha 0chao", nao se autoriza concluir, logicamente,que inexistindo chuva (antecedente) nao havera chao molhado (con-

seqtiente). Muito pelo contrario, outros fatos podem implicar molhar

o chao. Assim, incorre-se em falacia quando se considera que da

inexistencia de imputacao normativa de deterrninada consequencia a

certo fato, segue-se que essa conseqiiencia nao e imputavel a tal fato(sfntese do argumento a contrario). Cuida-se, portanto, de raciocfnio

errado para a logic a, mas largamente aceito pela retorica jurfdica (cf.

Ferraz Jr., 1988:309/310).

82

incluir sob seu ambito de incidencia determinado comportamento,

exclui necessariamente os demais (cf. Vilanova, 1977:187). Sob 0

ponto de vista logico, esse pressuposto nao se sustenta em nenhuma

hip6tese; e mesmo sob 0ponto de vista jundico, nem sempre e sus-tentavel, porque os elencos legais e normativos podem ser exaustivos

ou exemplificativos.

Objetivando configurar logicamente esse argumento, Klug sevale da dist incao entre implicacao extensiva, intensiva e recfproca

(item 21) para afirmar que 0 raciocfnio a contrario e valido apenasnas duas ultimas hip6teses. Quer dizer, se a implicacao e extensiva

(sempre que ... entdoi, as crfticas que a 16gica endereca ao argumento

a contrario sao procedentes. Mas se a implicacao e intensiva (somen-

te se ... en tao) ou recfproca (se e somente se . .. entiio), 0 argumento

tern consistencia logica (1951:180/184). Nesse sentido, se 0antece-

dente e condicao necessaria (nao interessando se e suficiente ou nao)

do conseqtiente, tera sentido concluir que nao se verificando esse

ultimo, aquele tambem nao se verifica.

No contexto da distincao das tres modalidades de implicacao,

portanto, Klug confere estatuto logico ao argumento a contrario. A

questao se desloca, em decorrencia, a pesquisa do sentido da lei. Se a

interpretacao concluir que 0 legislador pretendera estabelecer entre

antecedente e conseqtiente uma implicacao extensiva (elenco

exemplificativo), a uti lizacao do argumento a contrario sensu e

inapropriada. Se, contudo, a interpretacao concluir que se estabele-

ceu a implicacao intensiva ourecfproca (elenco exaustivo), entao esse

argumento tern validade, sob 0ponto de vista 16gico e jurfdico.

A contraposicao do argumento ana16gico e a contrario, portan-

to, diz respeito apenas as hip6teses de implicacao intensiva (~) ou

recfproca (~). Uma vez demonstrada a invalidade do argumento a

contrario referido a enunciado implicacional intensivo ( - - - + ) , fica claro

que apenas 0 argumento por analogia pode operar nessa hip6tese

(Larenz, 1960:449/450).

Para solucionar a contraposicao entre os argumentos, Klug pro-

poe: a) 0 raciocfnio por analogia e , em princfpio, independente do

83

argumento a contrario, e depende apenas do estabelecimento do ade- entender sentidos e conexoes de significados, operando com valores

Page 46: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 46/60

quado cfrculo de semelhanca; b) 0raciocinio a contrario e , em prin-

cfpio, independente do argumento analogico, e depende apenas da

natureza da implicacao expressa na norma; c) 0argumento analogico

depende do a contrario se a implicacao intensiva ou reciproca susci-

tar como questao previa os limites maximos do circulo de semelhan-

ca; d) ja 0argumento a contrario nao depende do analogico, na medi-

da em que da definicao dos casos em que a norma nao se aplica, naosegue a definicao de semelhancas a justificar a analogia (Klug,

1951:1871188; cf. Ferraz Jr., 1988:310).

2 3. A LO GICA DO RAZoAvEL

e estabelecendo finalidades e propositos,

o aplicador do direito, para fazer uso da logica do razoavel,

deve investigar algumas relacoes de congruencia. Especificamente,

ele deve se indagar: quais sao os valores apropriados a disciplina dedeterminada realidade (congruencia entre realidade social e os valo-

res)? Quais sao os fins compativeis com os valores prestigiados

(congruencia entre valores e fins)? Quais sao os propositos concreta-mente factiveis (congruencia entre os fins e a realidade social)? Quais

sao os meios convenientes, eticamente admissfveis e eficazes, para a

realizacao dos fins (congruencia entre meios e fins)?

Com a resposta a essas indagacoes, 0 aplicador do direito ira

encontrar uma solucao para 0caso concreto, sustentada por urn racio-

cinio nao-formal, porem razoavel. 0 exemplo do proprio Siches,

extrafdo de Radbruch, podera auxil iar no ac1aramento do metodo

proposto (1956:164/166). Coloquemo-nos na posicao de urn guarda

em service numa estacao ferroviaria, em cuja porta Mtabuleta com

os seguintes dizeres: "e proibida a entrada de pessoas com caes",

Urn homem, trazendo a coleira urn urso, pretende ingressar no local.Se formos aplicar a norma proibitiva ao caso, mediante encadea-

mento logico-formal, terfamos por conclusao a admissibilidade da-

quela pessoa ao recinto, ja que urso nao e cao, Se, contudo, nos inda-

garmos sobre a congruencia entre essa solucao e os fins perseguidos

pela norma, iremos perceber a sua irrazoabilidade. A solucao mais

razoavel e, sem diivida, aquela vedando a entrada do homem com 0

urso, pois esse animal incomodaria os demais passageiros tanto ou

mais que 0cao. Em resumo, para a aplicacao do direito, se a decisaomais razoavel nao e a decorrente da logica formal, esta nao deve

prevalecer.

Com a logica do razoavel, pretende Siches superar a multi-

plicidade de processos hermeneuticos atualmente operados pelo di-

reito (1956: 1781187). Alem disso, ele considera que os jufzes costu-

mam se valer, ainda que inconscientemente, da logica do razoavel

para determinar a decisao que darao aos casos em julgamento. Ao

prolatarem a sentenca, no entanto, encobrem a operacao desenvolvi-

o filosofo do direito Luis Recasens Siches tern uma contri-

buicao bastante interessante para a discussao sobre a logicidade do

direito. Para ele, quando 0raciocinio jurfdico empreendido a partir

da logica formal conduz a uma conclusao injusta, irritante, agressi-va aos valores prestigiados pelo direito, 0 interprete sente que M

razoes consistentes para 0 afastamento de tal resultado. Ora, se ha

razoes, prossegue Siches, entao nao se abandonou 0campo da logi-

ca, embora se tenha posto de lado uma certa logica - a formal.

Mas, para ele, a substituicao da conclusao alcancada pela logica

formal por uma outra solucao nao caracteriza a desconsideracao

arbitraria dos metodos de conhecimento logicos. Isso porque a subs-

t ituicao e feita em funcao de razoes consistentes, ou seja, a procura

de solucoes mais corretas, justas ou adequadas a casos concretos.

Assim, uma logica nao-formal, em Siches, se revela mais apropria-da ao entendimento das questoes humanas e a aplicacao do direito.

Impoe-se, portanto, 0desenvolvimento de outra forma de racioci-

nio, diferente da logica formal dedutiva, que ele chama de logic a

do razoavel (1956:131/177).

Enquanto 0pensamento racional puro da logica formal tern a

natureza meramente explicativa de conexoes entre ideias, entre cau-

sas e efeitos, a logica do razoavel tern por objeto problemas huma-

nos, de natureza jundica e politica, e deve, por isso, compreender ou

84 85

da com uma roupagem pseudodedutiva de natureza silogistica. Es-

Page 47: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 47/60

pera Siches que 0 aprofundamento do estudo do processo da

razoabilidade, revelando que e este 0 verdadeiro meio de os jufzes

cumprirem seu dever de fiel obediencia ao direito, permita-lhes con-

tinuarem a proceder da forma como hoje procedem, mas ja sem qual-

quer dissimulacao (1956: 172).

o que se questiona nessa contribuicao e a natureza logica do

raciocinio razoavel, Ao contrario do que pretende Siches, nem todoencadeamento de razoes corresponde a urn raciocinio logico. A so

presenca de motivos, sentidos pelo interprete como capazes de rejei-

tarem determinado enunciado conclusivo, nao significa que se de-

senvolveu urn pensar logico; pelo menos, segundo a tradicao classi-

ca, que caracteriza 0raciocinio Iogico pela observancia dos principi-

os da identidade, do terceiro exclufdo e da nao-contradicao (adiante,

noticiaremos 0 desenvolvimento de logicas heterodoxas, em cujo

contexto se poderia inserir sem maiores problemas a proposta de

Siches: item 27).

Na logic a do razoavel, 0pensamento nao se guia pelos princi-

pios da logica classica, mas por outros, centrados na investigacao da

congruencia entre a realidade, os valores, os meios e os fins da nor-

ma juridica. A razoabilidade e a negacao da identidade.

.. .o PAPEl DA LO GICA NO D IR E IT O

24. CO NG RU ENCIA P SEU DO LO GICA DO DIR EIT O

Sistema e 0 resultado de uma relacao especifica estabelecida

entre os elementos de seu repertorio. Urn sistema de ideias relacio-

nadas entre si, com estrita observancia dos principios da identidade,

da nao-contradicao e do terceiro excluido, e urn sistema logico. Para

que 0direito possa ser entendido como urn sistema logico, ele deve

atender a essa condicao, Contudo, a possibilidade de antinomias

reais e de lacunas num conjunto sistematico de normas juridicas ca-

racteriza a desconsideracao de principios logicos e inviabiliza, por

isso, 0empreendimento teorico de se tratar 0direito sob 0ponto de

vista da logica,

Em suma, 0 sistema juridico nao e Iogico,

Mas tambem nao e aleatorio. Os integrantes da comunidade

juridica nao podem formular livremente a norma que desejarem em

seu pensamento e pretende-la vigente. 0 sistema juridico tern uma

congruencia, uma unidade. Se os elementos de seu repertorio (as

normas, as proposicoes, as siimulas etc.) nao se encontram relacio-

nados logicamente, com certeza eles man tern uma relacao de nature-

za diversa. Uma relacao que, por outro lado, tambem nao poderia ser

considerada ilogica, porque se pretende logica, se apresenta como

tal. Assim, proponho que se considere de carater pseudologico a

congruencia do sistema juridico (Miaille chama-a "alogica";

1976:178/188).

Em suma, 0direito nao e logico, mas retorico.

86 87

2 5. D IREITO E RETOR ICA em suma, estao permanentemente construindo argumentos com

Page 48: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 48/60

vistas a convencerem os seus interlocutores de alguma coisa.

Convencer e obter a adesao ou a conformacao do interlocutor a

uma ideia. Alguem esta convencido (convicto ou persuadido) quan-

do compartilha das mesmas ideias do orador. 0 advogado tern a tare-

fa profissional de despertar no espfrito do juiz a conviccao de que

decidir a demanda em favor de seu cliente e 0mais acertado e justo.

Se 0 advogado consegue convencer 0juiz do seu caso de que a nor-

ma juridica N deve ser interpretada no sentido x, nenhuma importan-

cia tern 0 sentido atribufdo a essa norma pelos demais jufzes, pela

doutrina ou pela autoridade que a editou. Se 0promotor, convencido

da ocorrencia do crime, consegue convencer tambem os jurados de

que 0 acusado efetivamente assassinou a vitima, essa sera a versao

dos fatos a prevalecer, mesmo que a realidade tenha sido eventual-

mente outra. 0 papel do profissional do direito e ser convincente.Isso distingue os bons dos maus profissionais.

o interlocutor do advogado ou do promotor, em sua atuacaojudicial, e 0julgador (juiz.jurados, tribunal etc.). Quando 0procura-

dor (advogado publico) prepara urn parecer previo a decisao da auto-ridade executiva (prefeito, governador, ministro etc.), aparentemen-

te 0 seu dialogo e com essa autoridade, mas, a rigor, no seu auditorio

estao todos aqueles que irao apreciar a legalidade do ato administra-

tivo em questao (poder legislativo auxil iado pelos tribunais de con-

tas, 0judiciario em eventual mandado de seguranca ou acao popular

etc.). 0 interlocutor do procurador tambem e 0julgador.

Os juizes, por sua vez, competentes para dizer 0 direito, em

alguns casos de modo definitivo, tern por interlocutores, em certa

medida, a sociedade como urn todo. Qualquer cidadao, lendo a fun-

damentacao de urn acordao, ou de uma sentenca, deve ficar conven-

cido de que a decisao proferida foi a mais acertada e de que, portan-

to, ele se encontra em boas maos seprecisar se socorrer do judiciario

algum dia. Isso e indispensavel a confianca no direito e na justica.

o interlocutor do doutrinador e a comunidade juridica, ou seja,as pessoas que formulam em seus pensamentos as normas vigentes.

Aristoteles distinguia entre 0raciocinio dialetico, que versa so-

bre 0 verossimil e serve para embasar decisoes, e 0 analitico, que

trata do necessario e sustenta demonstracoes. Chaim Perelman, logi-

co e filosofo do direito belga, recupera essa formulacao fundamental

do pensamento aristotelico para situar 0 raciocinio juridico no pri-

meiro grupo, ressaltando a sua natureza argumentativa. Ele mostra

como as premissas do raciocinio juridico nao sao propriamente da-

das, mas escolhidas. 0 orador que as elege (0advogado, 0promotor,

o juiz etc.) deve, de inicio, buscar compartilha-las com 0 seu audito-

rio (juiz, juri, tribunal, opiniao publica etc.). A final, as solucoes que

atendem a razoes de born senso, eqiiidade ou de interesse geral aca-

bam se impondo como expressao do direito vigente, ainda que, para

demonstrar essa ligacao, recorra-se comumente a argumentacoes

especiosas. Perelman propoe, entao, uma nova ret6rica, a partir do

exame das motivacoes presentes nos argumentos de advogados e

jufzes (1952 e 1979).

Nos termos da formulacao apresentada neste livro, a con-

gruencia pseudologica do sistema jurfdico e resultado do uso de

uma retorica especificamente centrada nas normas juridicas. Por

retorica, aqui, se entende 0conjunto de tecnicas comunicativas pe-

las quais se busca 0 convencimento do interlocutor. 0 profissional

do direito, em seu cotidiano, nao faz nada alem de construir argu-

mentos convincentes. 0 advogado organiza ideias (transcreve

doutrinadores, cita jurisprudencia, relata fatos) na peticao inicial

com 0objetivo de convencer 0juiz a decidir em favor da pretensao

por ele defendida. 0 promotor de justica, no juri, descrevedetalhadamente a cena do crime, com 0 intuito de despertar nos

jurados a certeza da culpa do acusado. 0 juiz, ao proferir uma deci-

sao, fundamenta-a para que 0 tribunal superior se convenca da sua

pertinencia e a confirme. Quem Ie urn julgado, por sua vez, deve

ficar convencido de que a solucao encontrada para 0 caso concreto

foi a mais adequada, justa e tecnica. 0 doutrinador gasta erudicao e

muito papel para que a comunidade juridica prestigie a interpreta-

~ao dele acerca de certa norma juridica. Os profissionais do direito,

88 89

o trabalho de convencimento jurfdico, no processo judicial, se e contraditorio, Em segundo lugar, nem sempre a interpretacao juri-

dica tern 0 objetivo de eliminar a vaguidade e a ambigliidade exis-

Page 49: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 49/60

desenvolve em dois niveis. 0 profissional deve procurar trazer 0 seu

interlocutor a compartilhar, com ele, da mesma versao sobre os fatos

e do mesmo entendimento acerca das consequencias juridicas pre-

vistas para fatos com essa versao. De sorte a plantar na cabeca do

interlocutor a ideia de uma decisao juridica coincidente com a que

tomaria (ou com a que tomou, no caso de ser juiz 0orador). Adiante

(itens 28 a 32), retomaremos a analise do processo de convencimen-to judicial.

26 . P OSITIV ISM O LO GICO E 0 DIR EITO

o positivismo logico e uma das mais importantes manifesta-

~6es do pensamento fi losofico do seculo XX. Nascido da reflexao

dos pensadores reunidos no denominado Cfrculo de Viena (Moritz

Schlick, Rudolf Carnap e outros), essa corrente postulou que 0 co-

nhecimento cientifico deveria se traduzir numa linguagem artificial,mais rigorosa que a natural, cuja criacao era tarefa da ciencia,

No campo do conhecimento jurfdico, 0positivismo logico re-

percute ainda hoje, sendo possfvel identifica-lo na origem da propria

logica deontica (cf. Warat, 1984:59/62). Transposto para a questao

da cientificidade do conhecimento juridico, 0 pressuposto do

positivismo logico implicou a formulacao de uma nova proposta. A

ciencia do direito seria resultante da construcao de uma linguagem

propria, artificial e formalizada, capaz de superar a vaguidade e a

ambigliidade da linguagem natural do legislador. A interpretacao das

normas juridicas, se realizada cientificamente, poderia tomar preci-

sos, rigorosos, bern definidos, exatos os termos e conceitos nelas

empregados.

o pressuposto de elaboracao de uma linguagem rigorosa para a

hermeneutica juridica, a partir da qual a doutrina ganharia 0estatuto

de conhecimento cientifico, esbarra, contudo, em dois obstaculos.

Em primeiro lugar, 0objeto (isto e , 0 sistema de enunciados formu-lado pela linguagem natural do legislador) nao e logico, mas lacunoso

90

tentes nas normas.

Pode parecer urn tanto estranha essa ultima assertiva, ja que os

manuais juridicos costumam repetir a nocao de que interpretar e fi-xar 0 conteiido e 0 a1cance da norma juridica. Nesse sentido, parece

natural que uma das principais tarefas do interprete seria a de limpar

o texto normativo das express6es vagas e ambiguas.Contudo, atentando-se para 0 que Tercio Sampaio Ferraz Jr.

leciona acerca da interpretacao do direito (1988 :257/259, principal-

mente), e possivel perceber que ela nao busca sempre a superacaodas imprecisoes da linguagem natural. Nesse sentido, deve-se consi-

derar que, em geral, as prescricoes procuram adotar express6es lin-

ginsticas de rigor denotativo ou conotativo. Em outros termos, pro-

curam veicular-se por meio de urn "codigo forte", que lhes de sentido

univoco. Mas como 0 rigor estreita 0espaco de manobra do receptor

da prescricao, este tended a ampliar suas possibilidades de compor-

tamento. Para tanto, devera valer-se de urn "codigo fraco", procuran-do relativizar 0rigor dos conceitos empregados pelo orador.

o inverso tambem pode se verificar: se a prescricao for editada

atraves de urn "codigo fraco", 0receptor ganhara espaco de manobra

ao exigir a decodificacao conforme urn "codigo forte". A parafrase

que a interpretacao realiza da norma, em suma, nao serevela sempre

urn exercfcio de decodificacao rigorosa, mas varia de acordo com as

circunstancias (Ferraz Jr., 1988:258).

Exemplifique-se, para ac1arar a formulacao. No Brasil, 0 con-

ceito legal de instituicoes financeiras leva em conta a atividade prin-

cipal ou acessoria de "coleta, intermediacao ou aplicacao de recur-

sos financeiros proprios ou de terceiros" (Lei 4.595/64, art. 17). Por

outro lado, a falta de autorizacao do Banco Central para exploracao

de atividades de insti tuicoes financeiras implica pena de reclusao

(Lei 7.492/86, art. 16).

Pois bern, vamos supor que 0Banco Central considere determi-

nadas atividades desenvolvidas por empresas de faturizacao como

caracteristicas das instituicoes financeiras e adote as medidas cabi-

91

veis com vistas a punicao dos faturizadores. Nesse caso, 0advogadodestes devera demonstrar que os conceitos usados pel a norma

manece circunscrito a tal definicao, deve-se necessariamente rejeitar

Page 50: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 50/60

interpretanda, aparentemente univocos (como atividade, principal,

proprios ou de terceirosi; bern interpretados, revelam ambiguidades,

e os conceitos aparentemente ambiguos (coleta, intermediaciio, apli-

caciio, recursos financeiros) tern seus contomos precisos.

Na primeira hipotese, 0 que seria claramente urn limite dentro

do qual estaria inserida a atividade de faturizacao, devera necessa-riamente parecer impreciso, de modo a permitir concluir-se a nao-

incidencia da norma. Na segunda, 0que poderia representar limites

fluidos, ensejadores de diividas sobre a subsuncao da faturizacao ao

conceito legal, deve ser necessariamente clarificado, para possibili-

tar a sustentacao da tese de que os faturizadores nao desenvolvem a

atividade financeira normativamente definida, por estarem fora de

tais limites.

Note-se que, em outras circunstancias, pode ate ocorrer de 0 ar-

gumento juridico, retoricamente mais eficaz, resultar do maior forta-

lecimento dos c6digos fortes e do maior enfraquecimento dos fracos.

Para que 0proposto pelo positivismo logico pudesse prosperar,

enquanto forma de viabilizacao do conhecimento cientffico do direi-

to, seria necessario, portanto, que existissem apenas determinadas

modalidades de parafrase inerpretativa (basicamente, 0fortalecimento

do c6digo fraco das prescricoes). Mas como a interpretacao, por ve-

zes, tambem procura flexibil izar os conteiidos precisos da norma,

introduzindo ambiguidade onde aparentemente havia univocidade, a

ideia de construcao de uma linguagem hermeneutic a cientffica, arti-

ficial e rigorosa se mostra insustentavel,

2 7. L OG ICAS HETERODOXAS

Tem-se trabalhado, neste livro, ate aqui, com 0conceito tradici-

onal de logica, isto e, entendendo-a como forma de organizacao do

pensamento a partir dos princfpios gerais da identidade, nao-contra-

dicao e terceiro excluido. E, conforme acentuado, enquanto se per-

9 2

a ideia de que 0direito e logico. Ou, como prop6e Tercio Sampaio

Ferraz Jr., a prop6sito da imperatividade das normas jurfdicas, 0di-

reito manifesta uma "logica" curiosa, urn universo de crises e recon-

ciliacao em que, por vezes, a coerencia parece incoerencia (1978: 142).

A filosofia da logica contemporanea, crescentemente ligada a

matematica, tern apresentado consideraveis progressos no campo das

chamadas logicas heterodoxas, que organizam 0pensamento a partir

de princfpios diversos dos da logica tradicional. De acordo com essa

outra perspectiva, mais larga, logica e definida como qualquer classe

de canones de inferencia baseada em sistema de categorias.

Newton da Costa reconhece a relativa vaguidade do conceito

mais largo de logica, mas considera que geralmente se tern algo mais

ou menos definido, ao se inserir a logica no contexto racional-cienti-

fico. Sera dentro desse conceito, por outro lado, que se incluira tanto

a Iogica classica aristotelica como outras logicas que surgiram no

seculo XX, tais a intuicionista, a polivalente e a paraconsistente. Saoessas novas logicas as chamadas heterodox as ou nao-classicas, para

as quais nao valem alguns dos principios centrais da logica tradicio-

nal (1993:12/16).

As logicas heterodoxas podem ter dois tipos de relacao com a

logica classica: visam complementa-la ou substi tui-Ia. Em alguns

casos, nao e facil dist inguir em que conjunto deterrninada logica he-

terodoxa poderia ser melhor enquadrada. Nas formuladas com 0ob-

jetivo de substituir a logica classica, caracteriza-se, por vezes, uma

rivalidade entre essa ultima e a heterodoxa; caso em que pode ocor-

rer de deterrninada inferencia ser valida para uma Iogica e invalida

para a outra.

Por exemplo, na hip6tese da inferencia de forma:

-A --+B

-A --+-B

: . A

93

Essa inferencia, como afirma Newton da Costa, e valida na 16-inferencia, havera as inferencias validas (L-dedu<;oes) e as invalidas

(L-paralogismos). 0 paradoxo apontado se manifesta se a afirmacao

Page 51: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 51/60

gica classica, mas na intuicionista constitui paralogismo ou ate mes-

mo uma inferencia nao-codificavel (1993: 19).

Desse alargamento da definicao de logica, por evidente, decor-

rem solucoes diferentes para muitas das questoes examinadas neste

livro. Destaque-se, por exemplo, a da efetiva logicidade da logica do

razoavel, de Siches (item 23). Ora, se se considera logico qualquer

conjunto de enunciados, desde que observem regras de inferencia

fundadas em categorias gerais, entao todas as decisoes razoaveis po-

deriam ser consideradas logicas, ja que sao infenveis das categorias

de congruencia entre realidade, valores, meios e fins da norma juri-

dica. Outro exemplo: a existencia de conflitos normativos insupera-

veis e de lacunas nao mais comprometeria a logicidade do sistema

juridico, a partir dessa ampliacao conceitual, posto que seriam subs-

ti tuidos os principios da nao-contradicao e do terceiro exclufdo por

outras categorias gerais.

Desse modo, apenas se pode considerar 0direito 16gico no con-

texto das 16gicas heterodoxas, mesmo assim dependendo das cate-

gorias gerais eleitas como princfpio organizador do sistema.

Por outro lado, ressalte-se que afirmar a congruencia pseudologica

do sistema jurfdico (como proposto neste l ivro) nao e 0mesmo que

explorar a possibilidade de uma 16gicajuridica heterodoxa. Isso por-

que, com a nocao de pseudologicidade, pretende-se fazer referencia ao

fato de que 0direito, se, por urn lado, nao e logico no sentido ortodoxo,

por outro, deve se apresentar como tal. Raciocinios jundicos que se

revelem consistentes apenas segundo uma logica heterodoxa sao in-

sustentaveis, no atual estagio evolutivo do direito e da cultura. E assime, ainda que se adotem como padrao as logicas heterodoxas comple-

mentares da classica, Em outros termos, nao existe, na argumentacao

juridica, eficacia retorica em se afastar a logica ortodoxa, e isso e jus-

tamente 0que busca qualquer formulacao heterodoxa.

Atente-se que a logic a heterodoxa pode facilmente envolver-se

num paradoxo: ao pretender deixar de lado os princfpios informadores

da Iogica classic a, ela pode acabar reintroduzindo-os inadvert ida-

mente. Quero dizer, como qualquer logica L define seus canones de

94

da validade da inferencia pressupuser nao os canones da formulacao

heterodoxa, mas os da logic a classica, Explico-me: sustentar que

Ldeducoes sao Ldeducoes e nao sao L-paralogismos atende ao prin-

cipio da identidade; postular que Lvdeducoes sao os enunciados

compatibilizados com os canones de inferencia heterodoxos, e

L-paralogismos os nao compatibilizados, e 0 mesmo que afirmar 0

princfpio da nao-contradicao; nao admitir outra situacao alem de

Lvdeducoes ou L-paralogismos, para os enunciados codificaveis, e

acolher 0princfpio do terceiro excluido,

2 8. C ON VENC IM EN TO J U RID IC O

o convencimento e uma interacao comunicativa. De urn lado, 0

orador, de outro, 0 interlocutor (tambem chamado receptor ou audi-

torio), e, unindo-os, uma mensagem. 0 convencimento resulta do

processo pelo qual 0 interlocutor passa a compartilhar da mensagem

emanada do orador. 0 interlocutor, com efeito, nao se limita a enten-

der ou aceitar a mensagem, mas a adota como sua.

oprocesso do convencimento pode serdesdobrado em tres: a) iden-

tidade ideologica; b) mobilizacao das emocoes; c) intercambio intelectu-

al.Em certas situacoes, 0interlocutor se convence da mensagem do ora-

dor apenas em funcao de urn desses fatores. Mesmo no direito, ha deci-

soes motivadas por simples apelo emocional, e a instituicao dojuri po-

pular fomece urn farto repertorio de exemplos para a hipotese. Contudo,

o profissional do direito deve dominar 0manuseio dos tres processospara se desincumbir satisfatoriamente de suas tarefas.

29 . IDENT IDADE IDEOLOGICA

Para que 0 convencimento seja eficaz, urn dos processos e a

busca de identidade ideologica entre orador e interlocutor. Ideologia

e urn sistema de ideias sobre a sociedade. A maneira pela qual uma

95

pessoa entende as relacoes entre os homens, a sua visao de mundo,

os seus valores, compoem sua ideologia. Quando 0mesmo sistema

interlocutor considerar que nao possui identidade ideol6gica com 0

orador, ele sera menos receptivo a mensagem transmitida.

Page 52: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 52/60

de ideias sobre a sociedade e incorporado por urn grupo de pessoas

ou por uma classe social, a ideologia correspondente ganha forca

material. Dai falar-se em ideologia burguesa, nacionalista, machista,

racista etc.

Uma ideologia pode compreender ideias incorrespondentes com

a realidade. Ideias que conferem carater de natural e essencial a rela-c;oes de dominacao. Quando a doutrina religiosa deu sustentacao ao

feudalismo, propagou a ideia da origem divina do poder real. En-

quanto esse ensinamento era aceito pelas pessoas, inclusive aquelas

para as quais ele poderia nao ser interessante, a ideia de que 0 rei

derivava 0seu poder politico de Deus era tida por verdadeira. A ideo-

logia fomece uma explicacao para 0 real, e , muitas vezes, oculta

uma exploracao sob a aparencia de uma relacao necessaria, natural

entre os homens (cf. Chaui, 1980).

As normas juridicas sao uma especie desse tipo de ideologia,

isto e, urn sistema de explicacao da realidade que oculta relacoes de

poder. A exploracao presente na relacao de producao capitalista apa-

rece, na norma juridica, revestida pela forma do contrato de traba-

lho. Os homens da comunidade jurfdica tomam conhecimento dessa

relacao social atraves da ideia de contrato, que pressupoe partes li-

vres e iguais. Essa ideia, portanto, enquanto explica a realidade, tam-

bern a oculta.

A identidade ideol6gica e 0 processo pelo qual 0 orador trans-

mite ao interlocutor a informacao de que a sua mensagem nao se

incompatibiliza com a ideologia deste ultimo. Note-se que naoene-

cessaria a absoluta e total identidade das ideologias do orador e do

interlocutor, para que este se convenca da mensagem. Se fosse por

acaso assim, somente as pessoas com identic as visoes de mundo

poderiam entrar em acordo sobre qualquer assunto.

Em outros termos, se0interlocutor se perceber ideologicamen-

te identificado com 0 orador (isto e, ambos compartilham de uma

mesma visao de mundo, no que interessa ao objeto da mensagem),

sera mais receptivo ao discurso convincente. E, ao contrario, se 0

o profissional do direi to nao deve renunciar aos seus valores,adulterar sua ideologia, para tentar convencer 0seu interlocutor. Deve,

isto sim, sopesar 0quanto a falta de identificacao ideol6gica no caso

em questao podera influir negativamente no convencimento do

interlocutor, para, entao, procurar compensar esse desequilibrio com

outros recursos ret6ricos. Em todo 0 caso, e conveniente saber emque terreno se trava 0embate argumentativo.

Quando nao for possivel a identidade ideol6gica com 0

interlocutor, 0 orador pode procurar neutralizar a ideologizacao da

discussao, Ao contrario, se ha condicoes da identidade ideol6gica, 0

orador deve acentua-Ia, Por exemplo: durante algum tempo, no Bra-

sil, 0homem que matava a esposa adiiltera conseguia, muitas vezes,

a absolvicao, baseado na tese da legitima defesa da honra. Essa tese

tern por referencial ideol6gico a visao da mulher como objeto de

posse do marido. Somente homem ou mulher com ideologia machista

enxerga no assassinato do conjuge adtiltero a defesa da honra pesso-

al. A mudanca do papel da mulher no mercado de trabalho e na fami-

lia vern acarretando 0desprestigio da ideologia machista. Urn advo-

gada criminalista atuando, hoje, num centro urbano de medic ou gran-

de porte, no Brasil, nao pode mais adotar sem riscos a tese da Iegfti-

rna defesa da honra, em materia de crime passional. Isso porque, em

geral, sera diffcil estabelecer com osjurados a identidade ideol6gica

machista indispensavel a tese em questao,

Mas, digamos que, em razao de fatores bastante especfficos (ida-

de dos membros do conselho de sentenca, particularidades da acao

criminosa etc.) , urn advogado consiga, em sua sustentacao, alguma

simpatia dos jurados para a tese da legft ima defesa da honra. 0pro-

motor de justica, percebendo isso, deve desideologizar 0debate na

replica, acentuando os aspectos tecnicos do julgamento, como tatica

para minar a identidade ideol6gica alcancada pelo defensor.

E importante notar que nenhuma ideologia se sustenta sem urn

lastro pseudol6gico. 0apartheid, urn dos mais nefastos regimes de

segregacao racial da Hist6ria da humanidade, se alicercava numa

96 97

ideologia dotada de coerencia intema. Segundo os fundarnentos des-

se regime, seria condicao para 0desenvolvimento dos povos nativos

Certarnente, a si tuacao seria outra se os magistrados tivessem

extemado a mesma ideia por uma forma retoricamente palatavel, ou

Page 53: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 53/60

o seu isolamento em relacao aos colonizadores. 0 desenvolvimento

separado (apartheid) e apresentado pel a ideologia segregacionista

como a garantia da preservacao da identidade dos povos nativos, uma

vez que a miscigenacao poderia acarretar a.absorcao desta pela cul-

tura europeia, Como se pode perceber, ha uma inegavel logica, sob 0

ponto de vista do branco europeu colonizador, presente na ideologiade sustentacao do regime de segregacao racial. 0 mesmo poderia ser

investigado em relacao a qualquer outra ideologia. Com certeza, ne-

nhuma delas se reproduziria sem uma aparencia de logicidade, sem

uma congruencia pseudologica.

Por isso, porque toda ideologia tern urn substrato pseudologico,

a identidade ideologica e processo retorico que exige do orador re-

vestir sua mensagem com a aparencia de urn raciocfnio logico. Ne-

nhum profissional do direito pode deixar claramente explicitado 0

desenrolar do processo de identificacao ideologica com 0interlocutor.

Isso nao e retoricamente eficaz, e pode comprometer a adesao do

interlocutor a mensagem, surpreendido pela natureza da ligacao

estabelecida com 0 orador. 0 processo deve se desenvolver de modo

difuso, com as partes simplesmente notando a comunhao de pensa-

mento no tocante aos valores basicos do direito: a imparcialidade do

juiz, a verdade da interpretacao juridica, a seguranca da estratificacao

hierarquica das normas vigentes etc. Na medida em que 0 interlo-

cutor sinta que fala a mesma lingua gem que 0orador, essa etapa do

processo de convencimento se conclui satisfatoriarnente.

Exemplo de como a explicitacao do ideologico implfcito na re-torica jurfdica diminui a eficiencia do discurso convincente nos edado pelo movimento do direito altemativo, no sul do Brasil. Urn

grupo dejufzes gauchos, series e progressistas, entrevistados por urn

jornal, declarou que os seusjulgarnentos se baseavam menos na lei e

mais em suas proprias conviccoes de justica social. A repercussao

nao foi posit iva nos meios forenses, e 0mesmo jornal, de tendencia

conservadora, manifestou em editoriais raivosos a sua inconformidade

com 0movimento.

seja, circunscrita aos parametres geralmente aceitos pela comunida-

de jurfdica. Se afirmo que certa lei nao deve ser aplicada porque

contraria meu senso de justica, essa ideia nao conseguiria convencer

ninguem da comunidade jurfdica, porque sequer seria considerada

pelos interlocutores, habituados a operar com 0princfpio da triparticao

constitucional dos poderes; se, no entanto, elaboro todo urn discursoretorico tendente a demonstrar a inconstitucionalidade daquela lei,

eventualmente nao conseguirei a adesao dos interlocutores, mas, por-

que estarei operando dentro dos limites aceitos pel a retorica jurfdica,

serei pelo menos levado em consideracao (e esta e a primeira condi-

~ao para convencer 0meu interlocutor: ser considerado orador).

3 0. M OBIL lZ A< ;A O D E EMO <;O ES

o homem nao e urn ser purarnente racional. As suas acoes, 0seu comportarnento, nao se definem exclusivamente a partir de mo-

tivos da razao. Muito ao contrario, nas suas decisoes acabam predo-

minando, por vezes, emocoes, instintos, forcas que habitam 0 in-

consciente. Cada urn de nos podera encontrar na propria vida exem-

plos de coisas que fizemos sem qualquer justificativa razoavel, sob 0

ponto de vista da racionalidade, mas, a despeito disso, correspon-

dente a necessidades ditadas por nossos sentimentos. A decisao juri-

dica, proferida por juizes ou administradores humanos, tambem elargarnente influenciada pelas emocoes.

Para se ter uma ideia da importancia de se levar em conta 0 lado

irracional dos homens da comunidade jurfdica, basta notar que nenhu-

rna opcao profissional e totalmente arbitraria. Ha relacoes entre as ca-

racterfsticas psiquicas de cada pessoa e a sua profissao, escolhida com

maior ou menor liberdade. Os advogados penalistas costumarn ser me-

nos rfgidos, perante a vida e as outras pessoas, do que osjufzes cfveis.

Ora, como 0interlocutor e sempre urn ser humano, suas opcoesserao motivadas nao apenas pela sua capacidade intelectual, mas tam-

98 99

bern por sua hist6ria psicologica, seus sentimentos, sua postura pe-

rante a vida, pelo grau de auto-estima que tiver etc.

o convencimento comeca com a aparencia ffsica do orador. Pro-

gressivamente, 0estudante de direito vai experimentando mudancas

em seu corpo. 0 seu jeito de vestir, de cortar os cabelos, de se sentar,

Page 54: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 54/60

Cabe 0 registro de que investigacoes neurobiologicas estao

constatando que, nos seres humanos, os neuronios responsaveis pela

tom ada de decis6es se articulam diretamente com os relacionados

aos sentimentos (percepcao das emocoes) e remotamente com os

processadores do pensamento logico, A partir dos casos de pacientes

que sofreram les6es numa certa regiao do cerebro (a dos corticesventromediais pre-frontais) e, em seguida, simultaneamente perderam

a capacidade de se emocionarem e passaram a tomar decisoes

individual e socialmente reprovaveis, essas investigacoes medicas

trabalham com a hipotese de que sentir emocoes e parte do processo

decisorio ("hipotese do marcador-somatico"). 0 sistema neural

localizado naquela regiao pre-frontal do cerebro relaciona as

representacoes de possiveis altemativas de decisao com emocoes que

a pessoa ja experimentou. Sao, entao, rapidamente descartadas as

altemativas que despertam emocoes ruins, centrando-se as decisoes

nas demais. A experiencia com esses pacientes tern sugerido aos

medicos que a estrategia de decisao fria (isto e, fund ada apenas na

Iogica formal) descreve melhor a maneira como agem os doentes

com lesoes pre-frontais, ao tomarem suas decisoes, do que 0modo

de agir das pessoas saudaveis (Damasio, 1994:204 e passim).

Assim sendo, urn dos recursos retoricos a ser levado em conta e

o da mobilizacao das emocoes.

Pode, de inicio, parecer estranha uma ideia como essa. 0 direito

sempre foi visto como urn mecanismo exclusivamente racional, em

que as emocoes devem ser dominadas para nao interferir com ajusti-ca e a correcao da decisao judicial. Mas, na realidade, isso nao aeon-

tece assim. Nao e facil separar em partes a pessoa una do julgador.

Alias, e melhor para todos que 0juiz se envolva humanamente com a

questao em julgamento. Se fosse vantajosa a mutilacao do homem

julgador, seria mais inteligente utilizarmos maquinas de julgamento

(e 0estagio atual da tecnologia na area de informatica ja 0possibili-

ta) e pronto. Vida longa para 0profissional do direito que sente, alem

de pensar!

de cumprimentar os outros, acaba se amoldando a urn padrao incom-

pletamente definido, mas certamente existente: 0 padrao do corpo

retorico. E necessaria uma boa capacidade de verbalizacao de ideias,

mesmo para aqueles que, profissionalmente, se limitam a escrever.

As roupas devem ser tradicionais e a postura nao deve destoar delas.

Os apertos de maos efusivos, os tapinhas nas costas, 0falar alto parademonstrar alegria, 0 intrometer-se em qualquer assunto com a pre-

tensao de domina-lo sao outros ingredientes que compoem 0 corpo

retorico. Aquele corpo que, por si so, ja deve predispor os

interlocutores a prestarem atencao ao que van ouvir. Assim como a

peticao bern apresentada, impressa a laser em papel timbrado de boa

qualidade e de born gosto, pode ser lida muito mais cuidadosamente,

tambem a pessoa do profissional com determinada aparencia chama

mais a atencao para si e para as suas ideias.

E claro que a aparencia, por si so, nao e garantia de nada, masnao pode ser ignorada, porque e fator que interfere em diferentes

graus no processo de convencimento juridico. Urn corpo retorico,

que mobilize as emocoes do interlocutor no sentido de faze-lo assu-

mir pelo menos uma atitude receptiva, simpatica, em relacao ao ora-

dor: 0 profissional do direito que descuida desse aspecto deixa de

manusear importante recurso retorico.

Mas aqui tambern, 0 recurso deve ser utilizado difusamente. 0

ato de convencimento deve parecer veiculado exclusivamente por urn

intercambio intelectual. Nao se deve, com efeito, perder de vista que a

congruencia do sistema jurfdico tern carater pseudologico. Uma rou-

pagem logica, portanto, deve vestir a mobilizacao das emocoes,

Nesse contexto ganha importancia a analise das falacias nao-

formais.

31. FALAclAS NAO-FORMAIS

Copi propoe agrupar as falacias (erros na argumentacao, sob 0

ponto de vista logico) em duas categorias: as formais, que resultam

100101

da inobservancia de regras logicas, como por exemplo a nao-distri-

buicao do termo medio no silogismo categorico; e as nao-formais,

dade (ad verecundiam) consiste na invocacao da opiniao de terceiro,

respeitado pelo interlocutor, coincidente com 0argumento defendido

Page 55: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 55/60

em que 0equfvoco provem de ambigiiidade ou irrelevancia imediata-

mente imperceptfveis, As falacias nao-forrnais, apesar de sua

insubsistencia logica, podem fundamentar urn argumento convincente,

se 0 interlocutor nao percebe a ambigiiidade ou irrelevancia da pre-

missa, presentes no raciocinio do orador (1953:731100).

oargumento terrorista, por exemplo,

euma das modalidades de

falacia nao-formal. Atraves dele, fundamenta-se determinada deci-

sao jurfdica afirmando que 0contrario resultaria numa consequencia

pratica desastrosa. Imaginemos que 0 prefeito promoveu concurso

para 0 preenchimento de cargos de professor na rede municipal de

ensino e 0 sindicato da categoria, alegando a ocorrencia de irregula-

ridades, impetrou mandado de seguranca visando a nulidade do pro-cedimento seletivo. Se0advogado do prefeito 0defendesse afirman-

do que a nulidade do concurso acarretaria 0 adiamento do infcio do

ana letivo, prejudicando consideravel mimero de alunos, ele estaria

se utilizando de urn argumento terrorista. 0adiamento das aulas, pelorigor da logica, e de todo irrelevante para se julgar a legalidade do

concurso. No entanto, trata-se de fato que pode ser apresentado como

decisivo para 0julgamento, mobilizando sentimentos nos julgadores.

o argumento do advogado do prefeito e uma inegavel falacia nao-formal, mas, sob a estrita otica da eficacia retorica, pode ter pertinencia,

o argumento ad hominem e outra falacia nao-forrnal, consisten-te em se denegrir a imagem de uma pessoa, com vistas a comprome-

ter a procedencia daquilo que ela afirma. Em jufzo, muitos depoi-

mentos deixam de ser considerados em funcao de argumentos dessa

ordem. 0argumento ad ignorantiam, pelo qual a veracidade de uma

ideia e afirmada pela falta de demonstracao de sua falsidade, nao tern

a menor substancia logica, mas e expressamente admitida pelo direi-

to quando a lei estabelece algumas presuncoes (por exemplo: a da

inocencia dos acusados, a da veracidade e certeza dos atos adminis-

trativos etc.). 0 argumento ad misericordiam, em que se baseia 0

convencimento no apelo a piedade do interlocutor, e outra falacia

nao-formal com largo uso no tribunal dojuri. 0argumento de autori-

pelo orador. No direito, se traduz pela citacao de doutrinadores reco-

nhecidos, de antecedentes jurisprudenciais, apresentacao de parece-

res dejurisconsultos etc. Claro que, sob 0ponto de vista logico, nao

basta demonstrar 0 entendimento convergente dos estudiosos, para

que este resulte consistente. Em termos de argumentacao retorica, no

entanto, tal recurso e de grande eficacia.

Outro argumento falacioso e a ambiguidade resultante da enfa-

se. Copi nos da urn exemplo: "nao devemos falar mal dos nossos

amigos". Se essa frase for pronunciada com enfase nas duas ii ltimas

palavras, da-se a entender que dos inimigos se pode falar mal. Na

interpretacao de normas jundicas ou de contratos, urn argumento dessa

natureza pode inverter 0 sentido do texto.

Pelos exemplos elencados, percebe-se que 0 argumento pode

ser falacioso, sob a perspectiva da logic a, mas eficaz retoricamente

falando. E a eficacia retorica da falacia nao-formal depende da

maior ou menor mobilizacao das emocoes do interlocutor. Como men-cionado, esse tipo de falacia se caracteriza pela existencia de urn erro

logico, de irrelevancia ou ambiguidade, nao perceptivel de imediato.

E necessaria a mediacao de urn esforco racional para que se revele 0

equivoco no espfrito do interlocutor. Ora, a mobilizacao das suas

emocoes pode leva-lo a nao acionar completamente suas faculdades

racionais de percuciencia, de sorte a desaperceber 0carater falacioso

do argumento.

3 2. IN TERCAMB IO IN TELECTUA L

A solucao de Klug para a superacao da falta de criterio norteador

da aplicacao do argumento por analogia e a contrario (examinada no

item 22) nao resolve, a rigor, 0 problema. Como afirma Lourival

Vilanova, a opcao entre urne outro argumento exige uma tomada de

posicao axiologica (1977: 187). Isto e, a escolha pelo raciocfnio por

analogia ou pelo argumento a contrario depende da valoracao de

102 103

similitudes e de diversidade, sem a qual nao se pode delimitar 0 cfr-

culo de semelhancas. Mas, a rigor, a impossibil idade logica de solu-

dade juridica (exemplos: a obrigatoriedade de fundamentacao da sen-

tenca e os embargos declaratorios para eliminacao de contradicao

Page 56: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 56/60

cionar 0 impasse nao importa maiores dificuldades para 0direito, ja

que tanto urn quanta outro argumento (assim tambern 0argumento a

fortiori e outros) terao sua pert inencia avaliada apenas segundo 0

criterio da eficacia retorica, e nao por sua consistencia.

A congruencia do direito e pseudologica porque sua unidade e

retorica com aparencia logica. Ou seja, se as pessoas certas da comu-nidade jurfdica (os lfderes dos part idos no parlamento, a maioria da

camara julgadora do recurso, 0corpo docente titulado da universida-

de etc.) se convencerem da pertinencia de determinada ideia relativa

ao direito, entao essa ideia passa a integrar 0 sistema juridico,

Fazer retorica significa manusear tecnicas para convencer 0

interlocutor. Tais tecnicas sao muitas e variadas, desenvolvendo cada

profissional urn certo estilo proprio, que realiza, em diferentes

medidas, a identidade ideologica, a mobilizacao das emocoes e 0

intercambio intelectual. Em outros termos, todo 0processo de con-

vencimento e a busca da identificacao entre orador e interlocutor. 0

primeiro comunica a pretensao de compartilhar ideias com 0seu ou-

vinte. Essa comunicacao nao e feita apenas pela fala, pois orador einterlocutor sao humanos. A postura, os olhares, 0modo de vestir, 0

tom de voz, a correcao gramatical no usa da linguagem, todos os

atributos humanos podem ser acionados para veicular a intencao de

convencer 0 interlocutor. Por essa razao, os recursos retoricos nao

sao apenas racionais.

Embora seja possivel 0convencimento juridico baseado apenas

na identificacao ideologica ou na mobilizacao das emocoes, e neces-sario deixar bern claro que 0 processo por excelencia de convenci-

mento se realiza por meio do intercambio intelectual. 0 direito, no

atual estagio de evolucao da sociedade, nao pode prescindir de uma

aparencia de logicidade. Mesmo quando 0 ideologico ou 0 emocio-

nal foram os fatores decisivos, 0argumento jundico assume a forma

de raciocfnio logico-dedutivo. De urn lado, ha mecanismos desenvol-

vidos pelo proprio sistema juridico para garantir a predominancia do

racional sobre 0 emocional, nos argumentos operados pela comuni-

nas decisoes judiciais). De outro lado, os aspectos ideologicos e

passionais do direito se encontram suficientemente dissimulados pela

cultura.

Portanto, embora 0 profissional do direito possa conhecer e

manusear todos os recursos retoricos atuave is no contato

intersubjetivo, inegavelmente ele deve dominar, antes de mais nada,as tecnicas de art iculacao e veiculacao de ideias, porque 0decisivo,

no convencimento juridico, ainda e 0intercambio intelectual estabe-

lecido entre orador e interlocutor.

o dorninio da logic a, nesse sentido, acaba se revelando 0mais

importante dos recursos retoricos, 0 profissional que articula com

rigor logico 0 seu discurso tern em maos argumentos bastante con-

vincentes. Se dominar bern a logica, podera argumentar e contra-

argumentar com maior proficiencia, fundamentando melhor seus

pontos de vista. No plano do intercambio intelectual estabelecido entre

orador e interlocutor, no processo de convencimento, 0profissionallogico e muito mais eficiente.

o direito nao e urn sistema logico, mas pseudologico. Ou seja: alogica nao tern a funcao de conferir congruencia ao sistema juridico,

mas nao deixa de ter certo papel na retorica. Quando 0 direito se

apresenta logico (sendo-o ou nao), agrega-se a ideologia juridica a

crenca de seguranca, rigor, certeza, que sao as marcas tipicas do pen-

samento logico. Pode-se, entao, entender a preocupacao daquelas te-

orias do direito em identificar 0sistema juridico como conjunto logi-

co de enunciados, seja atraves de equacoes absolutamente atentas ao

rigor da logic a classica, como em Kelsen ou Klug, seja por tentativasmenos rigorosas, como a de Siches (que adquire sentido logico ape-

nas no contexto das formulacoes heterodoxas). Em qualquer hipote-

se, com mais ou menos rigor, 0direito parecera mais seguro se pare-

cer mais logico.

Por fim (porque e muito importante), quero lembrar que 0usa

dos recursos reto-icos deve ser, antes de mais nada, etico, 0 profis-

sional do direito nao pode esquecer que e responsavel por todas asconsequencias dos seus atos na vida das outras pessoas.

104

105

3 3. A U NIDA DE DO DIR EIT O

Para ser urn sistema logico, 0direito deve ter unidade, consis-

uma oposicao nuclear, que vai acompanha-los por toda a sua vida

profissional, embora travestida de nomes diversos. Trata-se da oposi-

Page 57: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 57/60

tencia e completude, condicoes ligadas respectivamente aos princf-

pios (da logic a) da identidade, nao-contradicao e terceiro exclufdo.

Ja foram exarninadas as duas ultimas, concluindo-se que 0 sistema

jurfdico nao pode ser considerado estritamente logico, tendo em vis-

ta as antinornias (normas conflitantes) e lacunas (ausencia de nor-

mas). E hora de finalizar esse Roteiro enfrentando a questao da uni-

dade: se 0 sistema jurfdico nao for unitario, saber 0que e e 0que naoe direito tornar-se-a questao disputavel.

Para Lourival Vilanova, a unidade do sistema jurfdico e formal

somente. A falta de homogeneidade dos objetos sobre os quais ver-

sam as normas jurfdicas afasta a construcao da unidade do direito

pelo conteudo delas. 0 sistema jurfdico, assim, apenas ostenta 0atri-

buto da unidade no plano das estruturas logicas de seu repertorio

normativo (1977: 110/111). Em outros termos, para ver 0direito como

urn sistema unitario, e imperioso abstrair por completo 0 conteudodas normas jurfdicas e tratar de estruturas vazias de sentido material.

A unidade se expressaria , desse modo, por uma formulacao geral,

como, por exemplo, a kelseniana: todas as normas jurfdicas possuem

urn antecedente descrevendo a conduta humana, a qual se 1igacomo

consequente uma sancao, Desvestido de conteiido, 0direito reduz-se

a urn unico esquema descritivo da linguagem, no qual tenta se sus-

tentar a afirmacao de unidade.

Essa forma de pretender unitario 0 sistema juridico -

incontornavel para quem 0 tern por urn complexo logico de enuncia-

dos - acaba demonstrando a falta de unidade do direito em sua

concretude, isto e, na exteriorizacao por Constituicao, leis, decretos e

decisoes judiciais com conteudo.

Na verdade, 0direito nao e unitario, nao 0pode ser. Os conflitos

em sociedade nao se resolvem sem urn mecanismo flexivel de com-

posicao de interesses, e para essa flexibilidade e importante que a

propria discussao do que e 0direito (edo que ele nao I~)seja inconclusa.Explico-me: desde as primeiras aulas, os estudantes se deparam com

106

9ao entre a teoria do direito natural e 0positivismo jurfdico. De for-

ma bern simplificada, pode-se descrever essa oposicao do seguinte

modo: para os jusnaturalistas, 0 direito transcende a lei (as decisoes

justas sao as que se desapegam do texto do direito positivo e norteiam-

se pelas necessidades da natureza humana), enquanto para os

positivistas 0 direito e a lei e nada mais (os juizes, mesmo discordan-do da solucao legal, devem prestigia-la). 0 embate entre essas postu-

ras fundamentais (desapego ou apego a lei) e indispensavel para 0

regular funcionamento do direito. Por isso, a controversia entre

jusnaturalistas e positivistas nunca sera superada; ao contrario, rea-

parecera, de tempos em tempos, na filosofia e doutrina jurfdicas, ain-

da que com vestes renovadas.

Em suma, 0direito, se quer cumprir sua funcao, nao pode ser

unitdrio. Ele deve conter instrumentos argumentativos que tomem

confortavel ao juiz, quando necessaria uma ou outra atitude, afastar-

se da letra da lei ou apegar-se a ela. 0 direito e , assim, resultado daconvivencia necessaria de progressistas e conservadores, jusnatu-

ralistas e formalistas, altemativos e kelsenianos.

o sistema jurfdico e produto de rmiltiplas determinacoes, que

nao se conciliam no plano da logica, Em outros termos, como nao

pode dispensar nem positivistas, nemjusnaturalistas, 0direito carece

de identidade logica: e e niio e a lei. A rigor, se 0direito transcende alei e, ao mesmo tempo, reduz-se a ela, so urn pensamento dialetico

(no sentido hegeliano-marxista, que de logico-formal nao tern nada)

pode compreender seu funcionamento e apontar na ideologia algum

indfcio de unidade.

107

Page 58: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 58/60

B IBL IOGRAF IA C ITADA

- BOBBIO, Norberto

1958 Teoria della norma giuridica

Torino, sem data, G. Giappichelli

1960 Teoria dell' ordinamento giuridico

Torino, sem data, G. Giappichelli

- CHAU!, Marilena

1980 0que e ideologia

Sao Paulo, 1981, Brasiliense, 71ed.

1995 Convite a Filosofia

Sao Paulo, 1995, Atlas, 21ed., s.d. da 11ed.

- COELHO, Fabio Ulhoa

1992 Direito e Poder

Sao Paulo, 1992, Saraiva

1995 Para entender Kelsen

Sao Paulo, 1995, Max Limonad

- COPI, Irving M.1953 Introduction to logic

traducao brasileira

Sao Paulo, 1978, Mestre Jou, 21ed.

- COSTA, Newton da

1993 Logica Indutiva e Probabilidade

Sao Paulo, 1993, Hucitec-Edusp

10 9

- DAMAsIO, Antonio R.

1994 Decartes' error - emotion, reason and the human brain

Edicao brasileira. Sao Paulo, Companhia das

Allgemeine Theorie der Normen

traducao brasileira

1979

Page 59: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 59/60

Letras, 20 01 , 7f! reimp.

- DINIZ, Maria Helena

1979 Conceito de norma juridica como problema de

essencia

Sao Paulo, 1979 , RT

As lacunas no direito

Sao Paulo, 1981 , RT

1981

1987 Conflito de normas

Sao Paulo, 1987 , Saraiva

Compendia de Introduciio a Ciencia do Direito

Sem data da 1f!edicao

Sao Paulo, 1993, Saraiva, 5f !ed.

1993

- FERRAZ Jr., Tercio Sampaio1978 Teoria da Norma Juridica

Sao Paulo, 1978 , RT

1988 Introducdo ao Estudo do Direito

Sao Paulo, 1989 , Atlas, lIed., 2" reimp.

- HEGEL, Georg W. F.

1816 Vorlesungen iiber die Geschichte der Philosophie

traducao brasileira da colecao "Os Pensadores"

Sao Paulo, 1973, Victor Civita, vol. I

- KELSEN, Hans

1960 Reine Rechtslehre

edicao portuguesa

Coimbra, 1979 , Armenio Amado, 5" ed.

Das Problem der Gerechtigkeit960a

edicao portuguesa

Coimbra, 1979 , Armenio Amado, 21 1ed.

110

Porto Alegre, 1986 , Sergio Fabris

- KELSEN, Hans - KLUG, Ulrich

1981 Rechtsnormem und logische Analyse

edicao espanhola

Madrid, 1988 , CEC

- KLUG, Ulrich

1951 Juristische Logik

edicao colombiana

Bogota, 1990 , Temis

- KNEALE, Will iam & KNEALE, Martha

1962 The Development of Logic

traducao portuguesa

Lisboa, 1991 , Calouste Gulbenkian, 31 1ed.

- LACOSTE, Jean

1988 La philosophie au XXe. siecle

traducao brasileira

Campinas, 1992, Papirus

- LARENZ, Karl

1960 Methodenlehre der Rechtswissenschaft

traducao portuguesa

Lisboa, s.d., Calouste Gulbenkian

- MARITAIN, Jacques

1948 Elements de Philosophie - II. L'ordre des

concepts -I. Petite logique (logiqueformelle)

traducao brasileira

sem data da primeira edicao

Rio de Janeiro, 1983, Agir, 1 0 " ed.

111

- MIAILLE, Michel

1976 Une introduction Critique au Droit

traducao portuguesa

Causalidade e Relaciio no Direito

sem data da prime ira edicao

Sao Paulo, 1989, Saraiva, 2i!ed.

1989

Page 60: Lógica Jurídica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO

5/10/2018 L gica Jur dica - Roteiro (2004) - FABIO ULHOA COELHO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/logica-juridica-roteiro-2004-fabio-ulhoa-coelho 60/60

Lisboa, 1979, Moraes

- MONTORO, Andre Franco

1981 Estudos de Filosofia do Direito

Sao Paulo, 1981, RT

- von WRIGHT, G. Henrik

1970 Norm and action - a logical enquiry

traducao espanhola

sem data da primeira edicao inglesa

Madrid, Tecnos, 1979, F' ed., Ii!reimp.- PERELMAN, Chaim1952 Traite de l'argumentation

edicao belga

Bruxelas, 1988, Universite de Bruxelles, 5i!ed.

1979 Logique Juridique. Nouvelle rhetorique

Paris, 1979, Dalloz, 2i!ed., sem data da Ii!ed.

- WARAT, Luis Alberto

1984 0Direito e sua linguagem

Porto Alegre, 1984, Sergio Fabris

- SALMON, Wesley C.

1963 Logic

traducao brasileira

Rio de Janeiro, 1981, Zahar, 6i!ed.

- SANCHIS, Luis Prieto

1987 Ideologia e Interpretacion Juridica

Madrid, 1987, Tecnos

- SICHES, Luis Recasens

1956 Nueva Filosofia de la Interpretacion del derecho

Mexico, 1980, Pornia, 3i!ed.

- TELLES Jr., Goffredo

1971 Direito QuanticoSao Paulo, 1980, Max Limonad, 5i1 ed.

- VILANOVA, Lourival

1976 L6gica Juridica

Sao Paulo, 1976, Jose Bushatsky

1977 As estruturas logicas e 0sistema do direito

positivo

Sao Paulo, 1977, Educ-RT

112 113