cultura.sul 90 - 4 mar 2016

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www.issuu.com/postaldoalgarve 7.535 EXEMPLARES Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO MARÇO 2016 n.º 90 RICARDO CLARO Amália ao sul p. 8 Som Riscado: festival desafia públicos em Loulé p. 5 D.R. Lugares da Primeira Globalização p. 3 D.R. Missão Cultura: Fragmentos de uma história do Algarve contemporâneo p. 2 Letras e Leituras: Harper Lee: Autora de um só livro? D.R. p. 4 D.R. Espaço AGECAL: A fotografia é arte visual? p. 6 Artes visuais: D.R.

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• CONHEÇA O CULTURA.SUL DESTE MÊS • Sexta-feira (dia 04/03) nas bancas com o PÚBLICO e o POSTAL • ON-LINE a informação à distância de um clique em www.postal.pt • • No Facebook em https://www.facebook.com/CulturaSul-Jornal-de-Artes-Letras-do-Algarve • EM DESTAQUE: > Missão Cultura: Fragmentos de uma história do Algarve contemporâneo, por Alexandra Gonçalves > ESPAÇO AGECAL: Lugares da Primeira Globalização, por Rui Parreira > LETRAS E LEITURAS: Harper Lee: Autora de um só livro?, por Paulo Serra > PANORÂMICA: Som Riscado: festival desafia públicos em Loulé, por Ricardo Claro > ARTES VISUAIS: A fotografia é arte visual?, por Saul Neves de Jesus > ESPAÇO AO PATRIMÓNIO: A Rede AZUL – uma rede de Teatros para o Algarve, por Dália Paulo e Joaquim Guerreiro > SALA DE LEITURA: Amália ao Sul, por Paulo Pires • Partilhe o seu caderno mensal de Cultura no Algarve •

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  • www.issuu.com/postaldoalgarve7.535 EXEMPLARES

    Mensalmente com o POSTAL

    em conjuntocom o PBLICO

    MARO2016n. 90

    ric

    ard

    o c

    laro

    Amlia ao sul

    p. 8

    Som Riscado: festivaldesafiapblicos em Loul p. 5

    d.r.

    Lugares da Primeira Globalizao

    p. 3

    d.r.

    Misso Cultura:

    Fragmentos de uma histria do Algarve contemporneo

    p. 2

    Letras e Leituras:

    Harper Lee: Autora de um s livro?

    d.r.

    p. 4

    d.r.

    Espao AGECAL:

    A fotografia arte visual?

    p. 6

    Artes visuais:d.r.

  • 04.03.20162 Cultura.Sul

    AGEN

    DAR

    Comemoraram-se em Setem-bro de 2015 os 100 anos do 1 Congresso Regional Algarvio em que se mobilizaram pela primeira vez os grandes vultos do Algarve para uma reflexo profunda, no Casino da Praia da Rocha, sobre os desgnios desta regio.

    Durante trs dias juntaram--se vrias classes profissionais e as personalidades mais destaca-das para diagnosticar o panora-ma regional de ento. Podemos mesmo referir que o Algarve as-sumiu uma ruptura regionalista com o resto do pas, pois ao in-vs de congressos municipalistas que promoviam a propaganda nacional, situaram a discusso numa dimenso aglutinadora de uma viso regional. O turismo ainda no era uma realidade no Algarve, mas as preocupaes da populao falavam de desigual-dades sociais e territoriais.

    Vivia-se a 1 Repblica Portu-guesa e experimentava-se uma crise governativa que contribua para mudanas sucessivas de chefes de governo. A nvel mun-dial, a Guerra das Guerras tinha despontado no ano anterior e a

    Europa teria de reconfigurar as suas fronteiras. O comboio che-gara pouco anos antes ao Algar-ve. As mulheres reivindicavam direitos de igualdade, o casa-mento laicizava-se e a instruo popular era discutida. O ltimo concelho do Algarve tinha aca-bado de nascer: So Braz de Al-portel em 1 de junho de 1914, fechando assim o mosaico dos 16 concelhos que hoje constro-em este territrio.

    As reflexes desenvolvidas data falavam-nos dos produtos e da indstria do Algarve (Lus Mascarenhas), do clima (Ben-tes Castelo Branco), das paisa-gens culturais algarvias (Joo de Mello Falco Trigoso) e da alfabetizao (Mateus Moreno), entre outros. O professor Fernan-do Catroga fala numa revoluo cultural de raiz neo-iluminista1 no Algarve. Sobre o desenvolvimen-to do turismo na regio assume particular relevncia a interven-o de Thomaz Cabreira (Presi-dente do Congresso), que havia sido ministro das finanas por pouco tempo e apresentava nes-te congresso uma reflexo sobre as zonas tursticas, que viriam a determinar o aparecimento das primeiras estruturas de apoio ao turismo do Algarve. Defen-deu ento a criao de uma gare martima em Vila Real de Santo Antnio para trazer os turistas da

    margem de Ayamonte, na An-daluzia, at ao Algarve. Prope a criao das zonas tursticas da Praia da Rocha e de Monchique indo ao encontro da procura en-tre o mar e a serra, e introduz a necessidade de um casino e de um teatro, que proporcionem uma outra oferta regular. Foram dias de inovao e planeamento prospectivo.

    Numa coordenao cientfica conjunta connosco, o Profes-sor Doutor A. Paulo Oliveira e a Mestre Cristina F Santos, deter-

    minou-se que os 100 anos do 1 Congresso do Algarve seriam o pretexto para intentar um con-tributo para a histria do turis-mo no Algarve. A obra aconteceu e est a. Recebeu o contributo de 15 artigos que abordam temas sobre: patrimnio, cultura e tu-rismo em termos abrangentes e conceptuais; histria do turismo no Algarve; e as infra-estruturas e o turismo na regio. O apoio de vrios municpios e entidades, tornou possvel a sua edio pela Universidade do Algarve, atravs

    da sua Faculdade de Cincias Hu-manas e Sociais e do CEPAC.

    Estes retalhos a que se cha-maram fragmentos celebram e marcam desta forma um cen-tenrio que teve com o Munic-pio de Portimo e o seu Museu Municipal ao longo do ano que passou a programao de um conjunto de relevantes palestras, assim como motivou uma exce-lente exposio ainda patente no Museu sobre o despertar deste novo Algarve.

    Hoje, na linguagem do marke-ting, correntemente adoptada, dir-se-ia que naquele Congres-so Algarvio, foi a primeira vez que se fez uma anlise SWOT, identificando-se potencialida-des e constrangimentos para a regio, no entanto, ainda subsis-tem muitas destas caractersticas por resolver e cumprir.

    Alexandra Rodrigues Gonalves

    1) Maria de Ftima Pegado Martins de Almeida Pires (2012)

    O surto das ideias republicanas no Algarve (1876-1910). Tese de Mestrado da FCHS/Univer-

    sidade do Algarve. available on line: https://sapientia.ualg.pt/bitstream/10400.1/3484/1/

    tese_venha%20a%20republica%20paginada%20-%20C%C3%B3pia.

    pdf, Outubro de 2015.

    Tirar... ou os ombros ou o peso...

    No gosto quando as pes-soas dizem que no preci-sam de ningum. [] Tal-

    vez at seja bom ficar um dia ou dois a ss connosco prprios. Mas no ser triste ficar sozinho o tempo todo?

    Eu fiz um bolo, vou com--lo sozinha. Vou demorar imenso tempo a com-lo, sozinha. A no ser que esteja em TPM. Mas que sentindo faz, Eu fazer um bolo s para mim? Sem ter ningum que diga - Gosto, est bom, devias fazer mais vezes - ou - Que

    bela merda, no serves para pasteleira, vai mas escrever.

    Eu acho que precisamos de algum, para partilhar, para ajudar, para ouvir. Hoje em dia as pessoas j no ouvem, elas se calhar s esperam a sua vez para falar. Eu preciso de algum, todos ns precisamos de ser amigos, de cuidar, proteger. Para que serve a vida se vi-vermos ss?

    No me digam que no precisam de ningum. No me digam que esto bem somente por vossa conta. Eu sei, todos sabemos cuidar de ns. Foi para isso mesmo que fomos ensinados, para cuidarmos de ns. Ento e somos egostas ao ponto de no cuidarmos dos outros?

    As pessoas precisam amar mais. Ter mais pacincia. No cuspir estupidez. Eu sou

    estpida, mas sou uma est-pida que cuida, que ama, e que no se importa de ser es-tpida. Ser estpido at no mau. Desde que seja uma estupidez saudvel. Aquilo que somos, anda connosco, aos nossos ombros. E pare-cendo que no, com o passar do tempo, s vezes o peso j nos dobra. J no se supor-ta. s vezes, temos que tirar... ou os ombros ou o peso...

    Editorial Misso Cultura

    Direo Regionalde Cultura do Algarve

    Juventude, artes e ideias

    PARA ALM DA PORTAAt 26 MAR | Galeria de Arte da Praado Mar - QuarteiraExposio apresenta uma recolha que foi efectuada por Antnio Alvlua Correia sobre portas em ma-deira de habitaes, na sua maioria degradadas, em diversas zonas do Algarve

    PRELUDE5 MAR | 22.00 | Casa do Povo de Santo Estvo- TaviraProjecto Darko marca o regresso de Z Manel m-sica (ex-vocalista dos Fingertips), desta vez, a solo, afirmando-se como compositor, intrprete e letrista

    foto: drcalg/r. parreira

    O reconhecimento devido a quem o merece e o Museu de Portimo um caso de sucesso que merece claramente ser re-conhecido. Outros haver certa-mente nesta rea da museologia, como noutras, tambm eles e pe-las mais diversas razes, que de-vro ser alvo de reconhecimento, mas o que neste caso releva o sucesso do museu portimonense em nmero de visitantes no pas-sado ano de 2015.

    Mais de 53.400 pessoas passa-ram pelo equipamento cultural da cidade do Arade no ano pas-sado, um valor que faz crescer o volume de visitas em 5,7% e s isto era por si digno de destaque.

    O espao, um museu de cariz industrial, no entanto digno de nota quanto sua perfro-mance porque ao atingir este valor fica entre os grandes do pas, combatendo com os mu-seus sob tutela directa da Direc-o-Geral do Patrimnio.

    O Museu de Portimo tem mais visitantes que, por exem-plo, os museus Nacional de Arte Contempornea / do Chiado e Nacional do Traje.

    A posio relativa do museu algarvio em termos comparati-vos assim digna de relevo e d nota do interesse que suscita e da sua capacidade de funcionar como elemento diferenciador da oferta cultural portimonense e regional. Uma mais-valia que prova tambm que os museus algarvios esto longe de serem simples espaos de exposio sem interesse ou capacidade aglutinadora.

    Por todas estas razes se deve o reconhecimento a quem pen-sou, criou, dirige e mantm em funcionamento mais um 'palco' da cultura regional.

    Museu de Portimo, um caso de sucesso

    Ricardo [email protected]

    Petra Martins Blogger

    Fragmentos de uma histria do Algarve contemporneo

  • 04.03.2016 3Cultura.Sul

    Espao AGECAL

    H 600 anos atrs, nos finais da Idade Mdia, o extremo Sul de Por-tugal assumiu um particular prota-gonismo nos contactos atlnticos que configuraram uma abertura do Mun-do Antigo e Medieval que alguns his-toriadores designam como Primeira Globalizao.

    Numa conjuntura histrica espec-fica, em que a Cristandade cobiava as riquezas que vinham do espao africano mas as rotas caravaneiras estavam nas mos dos imprios mu-ulmanos, enquanto os medos ao oceano inibiam os mareantes e os afastavam das rotas ocenicas, algu-mas elites do espao atlntico euro-peu e a burguesia emergente que as apoiava procuraram criar novas opor-tunidades econmicas fora desse m-bito geogrfico.

    Merc das suas boas condies porturias e da sua posio no ex-

    tremo Sudoeste europeu como en-cruzilhada das rotas martimas entre o Mediterrneo, o Atlntico Norte e a costa atlntica africana, um conjun-to de localidades algarvias foi impli-cado no lanamento de um projeto global de viagens de explorao ma-rtima ao longo da costa ocidental africana a partir da segunda dcada do sculo XV.

    Se o centro nevrlgico desse mo-vimento foi Lagos protagonismo

    que se deve a uma populao de ma-reantes experimentados, natureza da sua baa abrigada, proximidade das serras de Monchique e Espinha-o de Co para aprovisionamento de madeira usada na construo naval e ao abastecimento que era garantido por hortas, terras de po e pastos, e s salinas essenciais conservao dos gneros que abasteceram barcas e caravelas em viagens de longa du-rao outras localidades algarvias

    como Alvor, Silves, Tavira ou Castro Marim participaram nele ativamente.

    Em todas essas localidades se fez sentir a presena de um dos grandes impulsionadores desse movimento de explorao, personagem incon-tornvel neste contexto: o Infante Dom Henrique, o prncipe que criou uma das maiores casas senhoriais do reino e um portentoso emprio co-mercial sustentado pelo trfico do ouro e dos escravos mas que, aos cin-

    quenta anos, escolhe o promontrio de Sagres, um ermo escarpado apon-tado mar adentro, para nele edificar a sua vila a moradia que escolheu para morrer.

    Em 2015, esse conjunto de locali-dades algarvias onde se faz sentir a tradio dos patrimnios do mar co-notados com os Descobrimentos, deu corpo a uma candidatura que visa a sua inscrio na lista indicativa do Pa-trimnio Mundial da UNESCO e que integra ainda, repartidos por Portu-gal, Espanha, Cabo Verde, Marrocos e Mauritnia (cinco pases), vrios luga-res que a memria universal associa ao imaginrio das importantes mudan-as histricas relacionadas com aquele movimento de explorao e comrcio.

    So lugares associados ao lana-mento de um processo de globaliza-o ainda limitado por uma perceo do mundo centrada no mediterrno, sem uma noo da verdadeira confi-gurao do oceano que agora dei-xava de meter medo mas continua-va a ser informe e sem fim. nossa convico que o reconhecimento mundial dessa herana comum e a sua adequada gesto promovero o intercmbio cultural entre povos, contribuindo para o dilogo entre culturas, projetando um conceito dinmico de cultura de paz.

    Grande ecr

    Cineclube de TaviraProgramao: www.cineclubetavira.com281 971 546 | [email protected]

    SESSES REGULARES | CINE-TEATROANTNIO PINHEIRO | 21.30 HORAS

    10 MAR | SICARIO (SICRIO - INFILTRA-DO), Denis Villeneuve E.U.A. 2015 (121) M/1617 MAR | QUE HORAS ELA VOLTA?, Anna Mylaert Brasil 2015 (111) M/12 24 MAR | AMY, Asif Kapadia Reino Uni-do/ E.U.A. 2015 (127) M/14

    31 MAR | MUSTANG, Deniz Gamze Er-gven Frana/Alemanha/Turquia/Qatar 2015 (97) M/12

    Filmes abordam condio humana e sociedade em Tavira

    A maioria dos filmes programa-dos levantam uma srie de ques-tes em torno da condio huma-na. Se bem que o filme "45 anos" um retrato mais intimista, os fil-mes "Sicrio", "Que horas volta?" e "Mustang", levantam questes muito pertinentes no contexto econmico e social que vivemos actualmente. Finalmente todos eles tratam da condio humana.

    "45 anos" foi um pedido do pblico de Tavira. Um filme que consegue escapar dos lugares comuns em torno do assunto da velhice e pe em relevo o papel da paixo e do tempo.

    "Sicrio" questiona o valor da vida humana. Com um estilo vi-sual que impressiona, o director gere com grande mestria o ritmo e o suspense. Tudo resulta credvel no brutal universo que explora. O seu virtuosismo narrativo serve ao realizador para expor uma con-cluso arrepiante. O que os guar-dies da ordem mais temem no a droga, mas sim que se provo-

    que caos na prpria ordem."Que horas ela volta?" fala

    com inteligncia e sensibilidade de algo que no perdeu vign-cia desde o princpio da humani-dade, a chamada luta de classes, por mais que aqueles que esto por cima afirmem que se trata de algo que pertence ao passado, superado pelo progresso, pela civilizao, ou por um mundo mais justo e falcias similares.

    "Mustang" exibe as contra-

    dies da sociedade patriarcal turca. O realizador evoca essa crise cultural nos jovens. uma histria dramtica, mas Gamze Ergven tem a capacidade de a contar com leveza e com uma dose de humor.

    O cineclube anuncia que con-tinuar com a sua programao regular todas as quintas feiras, e que a Mostra este ano inaugura no dia 15 de Julho.

    Cineclube de Tavira

    Cena do filme 'Sicrio'

    fotos: d.r.

    Cineclube de Faro Programao: cineclubefaro.blogspot.pt

    IPDJ | 21.30 HORAS8 MAR | QUE HORAS ELA VOLTA?, Anna Mylaert Brasil 2015 (111) M/12 15 MAR | MUSTANG, Deniz Gamze Er-gven, Frana/Alemanha/Turquia/Qatar, 2015, 97, M/1422 MAR | ANTESTREIA | JOHN FROM, Joo Nicolau, Portugal, 2015, 98 , com a presen-a do realizador (a confirmar)

    TEATRO MUNICIPAL DE FARO | 21.30 HORAS29 MAR | FILHO DE SAUL, Lszl Nemes, Hungria, 2015, M/16

    Lugares da Primeira Globalizao

    Rui ParreiraArquelogo e muselogo, scio da AGECAL.

    d.r.

  • 04.03.20164 Cultura.Sul

    Harper Lee Autora de um s livro?

    Harper Lee uma autora que marcou a literatura norte-ame-ricana e anglfona apesar de o ter feito pensava-se atravs de uma nica obra. Mataram a Cotovia (To kill a mockingbird) considerado Melhor Romance do Sculo, em 1999, pelo Libra-ry Journal, ganhou o Pulitzer em 1961 e vendeu mais de 30 milhes de exemplares, tradu-zido em mais de quarenta ln-guas, adaptado ao cinema em 1962. Em Portugal, foi traduzi-do originalmente sob o ttulo Por favor no matem a cotovia, at que a Relgio dgua numa edio mais recente corrigiu o t-tulo, segundo muitos de forma mais justa, para Mataram a Co-tovia. Poucos meses depois de ter sido publicado outro manuscrito seu, que parecia constituir uma sequela ao seu primeiro roman-ce, a autora faleceu no dia 19 de Fevereiro deste ano.

    Apenas no final da sua vida, quando Harper Lee contava j 88 anos, foi publicada outra obra, entre muita polmica, lanada entre ns com o ttulo Vai e Pe uma Sentinela, publicada pela Editorial Presena, em Outubro de 2015. Em agosto de 2014 a advogada de Harper Lee, Tonja B. Carter, ao remexer entre vrios documentos da autora ter-se- deparado com um manuscrito que lhe chamou a ateno pois parecia tratar-se de um rascu-nho para o To kill a mocking-bird, sendo que os nomes das personagens eram os mesmos. S depois percebeu que aquela era uma histria diferente e si-tuada vinte anos mais tarde em relao aco de Mataram a Cotovia, com uma nova intriga e onde as crianas eram agora jovens adultos. Supostamente Go set a watchman foi o primei-ro original de Harper Lee mas, quando o apresentou ao editor, este ter-lhe- sugerido que escre-vesse um livro da perspectiva de Scout ainda em criana, recuan-do cerca de vinte anos.

    Entretanto, tudo o que se conseguiu apurar sobre a publi-cao deste manuscrito perdido, ou melhor dizendo, esquecido, ter sido por interposta pessoa,

    sem ter havido qualquer decla-rao directa por parte da auto-ra. Afinal, Harper Lee no dava uma entrevista desde 1964, pois recolheu-se ao anonimato, e des-de 2007, quando ter sofrido um acidente vacular cerebral, que vi-via num lar na terra onde nasceu, Monroeville, encontrando-se f-sica e metalmente debilitada, e aparentemente cega. Mesmo quando a advogada foi julgada em tribunal o silncio de Harper Lee ter-se- mantido, ainda que tenha deixado a mensagem de que este manuscrito era uma obra acabada e, mesmo que no estivesse ao nvel do roman-ce por que ficou mundialmente conhecida, era certamente uma obra digna de uma principiante.

    Nelle Harper Lee nasceu no dia 28 de Abril de 1926 em Mon-roeville, uma pequena cidade do Alabama, onde se tornou a me-lhor amiga de um rapaz que se mudou para l aos quatro anos, aps o divrcio dos pais. Harper Lee servir de inspirao a esse mesmo rapaz, anos depois, para a personagem Idabel de Outras vozes, outros lugares, o roman-ce de estreia de Truman Capote, enquanto este, por seu lado, ser retratado como Dill, o vizinho e amigo da protagonista Scout, de Mataram a Cotovia, um rapaz baixo, de ombros largos, sem-pre presente nas brincadeiras de Scout e do irmo Jem. Quem viu os filmes Capote (2005) e Infame (2006), recordar-se- de Nelle Harper Lee, a inseparvel amiga de Truman Capote, representa-da, respectivamente, por Catheri-ne Keener e Sandra Bullock.

    Nelle foi a mais nova de qua-tro irms, filhas de um advoga-do, cuja carreira ter comeado com o polmico caso de defe-

    sa de dois negros acusados de terem morto um comerciante branco, depois condenados a morte por enforcamento. Este caso real est de certa forma re-tratado na forma como Atticus Finch, o pai de Scout, tambm ele advogado, em Mataram a Co-tovia, no hesitar em defender, perante o assombro e revolta de vizinhos e amigos, um negro acusado de violar uma jovem branca, ensinando aos filhos que nunca se devem render ao racis-mo ou a qualquer outro tipo de preconceito social. Esta situao ir ter um volte face curioso no se-gundo livro de Harper Lee, Vai e Pe uma Sentinela, onde o pai de Scout, agora com 26 anos e co-nhecida pelo nome prprio de Jean Louise, parece finalmente sucumbir tambm ele ao racis-mo, o que retrata as tenses ra-ciais que se viviam nos anos 50.

    Em Vai e Pe uma Sentine-la sente-se, efectivamente, esse

    constante retorno infncia de Scout, o que parece justificar, de facto, que este livro tenha pro-vocado a escrita de Mataram a Cotovia. Quando Jean Louise re-gressa sua terra natal, pois vive agora em Nova Iorque ( seme-lhana da autora), para visitar o pai que est doente, existem constantes deambulaes pelo passado da protagonista, por ve-zes atravs da narrao de epis-dios subitamente relembrados, muitas vezes apenas em subtis aluses ou comparaes entre o tempo da narrativa e o tempo da infncia: Os comboios haviam mudado desde a sua infncia (p. 11); Havia vinte anos que no voltava quela estao (p. 14); O tempo da escola havia sido o perodo mais infeliz da sua vida (p. 36).

    A escrita leve mas cuidada, e com um humor bastante pecu-liar, que parece advir da prpria perspectiva e esprito irreveren-

    te de Jean Louise: Jean Louise, Jem e Dill ter-se-iam aborrecido de morte no fosse o reverendo Moorehead possuir um talento deslumbrante que fascinava as crianas: ciciava. Tinha um espa-o entre os dois dentes da frente (Dill jurava que eram falsos e ti-nham sido feitos assim para os fazer parecer naturais) que pro-duzia um som desgraadamen-te divertido quando ele pronun-ciava uma palavra com um s ou mais. Perverso, Jesus, Cristo, salvao, sucesso eram palavras--chave que esperavam ouvir todas as noites, e a sua ateno era recompensada de duas for-mas: naquele tempo, nenhum pastor conseguia terminar um sermo sem as usar todas, o que

    lhes garantia deliciosos paroxis-mos de riso abafado pelo menos sete vezes por noite; em segundo lugar, uma vez que prestavam uma ateno to rigorosa ao re-verendo, os trs amigos foram considerados as crianas mais bem comportadas da congre-gao. (p. 60-61).

    Publicado ou no com o consentimento da autora, que j no ter vivido o suficiente para colher os louros deste su-cesso (a obra estava j no top de vendas da Amazon, seis meses ainda antes do seu lanamen-to); o estado de sade da auto-ra seria to debilitante como se fazia crer?; este romance tem de facto qualidade literria para fa-zer jus sua obra anterior que parecia fazer de Harper Lee au-tora de um nico livro (apesar de ter escrito alguns contos e ensaios)? Esta no uma obra de todo pacfica, dado o contex-to em que surge e as questes que levanta, mas certamente um romance meritrio de ser lido, independentemente de se ler antes ou depois ou at mes-mo de se ter lido ou no Mata-ram a Cotovia. tambm uma obra que faz luz sobre o passa-do da protagonista, Jean Loui-se Finch (ter a sua infncia e a educao que recebeu por parte do pai uma mentira?) e sobre o passado de uma nao dividida pelas tenses raciais que, afinal, no so um assunto arrumado, como ainda recentemente se pde verificar a propsito da questos dos scares.

    Paulo SerraInvestigador da UAlgassociado ao CLEPUL

    Letras e Leituras

    fotos: d.r.

    A publicao de Vai e Pe uma Sentinela gerou muita polmica

    Harper Lee marcou a literatura norte-americana e anglfona

  • 04.03.2016 5Cultura.Sul

    Panormica

    Festival Som Riscado: Criar! Implicar! Inovar!

    Loul prepara-se para receber, entre os dias 31 de Maro e 3 de Abril, um novo festival que prome-te ser uma verdadeira pedrada nas mansas guas do panorama geral da cultura no Algarve.

    Dizer que o Festival Som Riscado - assim se chama a nova data que pretende marcar a agenda anual da cultura regional - um festival que pretende unir a nova msica portuguesa de cariz experimental e os universos da imagem e das artes visuais, pouco, muito pouco, para definir o desafio que a Cmara de Loul, presidida por Vtor Aleixo, quer lanar regio.

    'Som riscado': um apelo interveno,

    uma provocao... mesmo uma afronta

    ao pensamento do espectador

    verdade que o festival quer unir a nova msica nacional de li-nha minimal, psicadlica e electr-nica e o desenho, a pintura, o gra-ffiti e o cinema, bem como, a esta mescla quer chamar a fotografia, a arte digital, a imagem animada e o design. Mas o Som Riscado quer ser muito mais do que isso, quer ser um apelo interveno, uma provocao... mesmo uma afronta ao pensamento do espectador.

    Mais longe - depois da conversa do Cultura.Sul com Dlia Paula, responsvel pelo departamento de Cultura da Cmara de Loul e uma das mentes por detrs de todo o festival - a verdade que o Som Riscado no quer espectadores tout court, quer em cada um dos que se deslocarem ao festival um verda-deiro interventor, um pensador, um deslumbrado activo e - porque no - um fazedor de arte que no deixa por mos alheias a interpre-tao e a definio do fenmeno cultural.

    Por detrs deste entendimento pouco usual do espectador est a ideia de que a cultura um factor estratgico de desenvolvimento do concelho de Loul e a consciencia-lizao dos programadores cultu-rais locais de que a poltica cultural deve assentar num entendimento do territrio e da populao, que se faz ouvindo as pessoas do concelho numa perspectiva que recusa tra-ar rumos com decises top-down

    e, antes, se obriga a ouvir e a apos-tar numa construo horizontal e transversal das decises no campo cultural, refere Dlia Paulo.

    O festival no pretende ser um programa cultural com data mar-cada, finito e fechado sobre si mes-mo enquanto epifenmeno cultu-ral. O Som Riscado o ponto culminante de uma programao cultural que se fez e faz - e far - ouvindo a populao louletana e percebendo quais so as suas ne-cessidades, ao mesmo tempo que, numa perspectiva macro, se v o que faz falta no panorama cultural regional, quer em termos de oferta, quer em termos de resposta aos di-versos pblicos-alvo, refere a res-ponsvel autrquica.

    Um festival urbano para um pblico jovem

    e jovem adulto

    Percebemos que quer em Loul, quer na regio, havia uma falta de resposta para os pblicos jovem e jovem-adulto que integrasse o que de novo na regio e no pas se vai fazendo na rea da nova msica portuguesa e na explorao de ino-vadores conceitos no mundo das artes visuais, refere Dlia Paulo, que encontrou a resposta na pro-posta de verdadeiros e inovado-res dilogos entre artistas das artes performativas e das artes visuais e plsticas, onde o desafio lanado aos artistas foi o de se unirem em parcerias para a criao de obras verdadeiramente nicas e - no

    poucas vezes - irrepetveis.

    Implicar o espectador

    Este um dos aspectos inovado-

    res do festival que importa realar, mas no o nico. A ideia da equi-pa de programao do Som Risca-do a de que o espectador deve ser implicado em todo o festival, mais do que assistir, deve propor, questionar, desafiar e participar no fenmeno cultural. Um ver-dadeiro desafio a quem assiste s performances ou v as exposies ou ouve os concertos durante este festival.

    Comemos a fazer este cami-nho de implicar o pblico desde 2014 e apostmos nele em 2015 e 2016, para que a programao cul-tural do concelho seja o reflexo dos seus destinatrios, que nela parti-cipam desde o incio, e que culmi-na com este primeiro festival, que funciona como a cereja no topo do bolo deste percurso, diz Dlia Paulo.

    este processo de audio da populao que nos faz acreditar que o Som Riscado, formatado como foi para implicar os pbli-cos, trar consistncia e coerncia a uma oferta cultural que estava em falta na regio.

    A partir do Cine-Teatro Louletano num verdadeiro espectculo

    constante pulverizado por toda a cidade

    O festival, que promete espalhar-

    -se pela cidade de Loul, ter o seu centro nevrlgico no Cine-Teatro Louletano, mas a inteno para esta edio zero que se pulverize por espaos abertos e fechados em toda a cidade.

    Este um festival marcada-mente urbano e jovem, mas que tambm ter programao para as famlias de jovens adultos com os seus respectivos filhos, refere Dlia Paulo, que no recusa - an-tes antecipa como provvel - que o evento se espanda para alm das fronteiras da cidade de Loul em futuras edies.

    Com menos de 30 mil euros de oramento o Som Riscado quer ainda lanar pontes entre artistas e artes que fomentem a criao cul-tural de forma continuada a nvel transversal nas geografias, unin-do artistas regionais e nacionais e criando condies para que este palco alargado seja uma platafor-ma de lanamento da produo cultural do Algarve para o mains-tream nacional.

    'Maravilhem-se, impliquem-se e inquietem-se'

    Maravilhem-se, impliquem-se e inquietem-se a proposta - nada pouco ambiciosa - que Dlia Pau-lo faz ao pblico na apresentao deste novo festival, que une confe-rncias a exposies, msica a pro-jeces, instalaes e leitura entre tantos outras propostas, numa pro-gramao que junta nomes como Marum Nascimento, Milita Dor, Susana de Medeiros, Menau, Vasco Clio, Carlos Barretto, Joo Frade, Simo Costa, Yola Pinto, Holy No-thing e Rui Monteiro, entre muitos outros.

    Uma aposta na sustentabilidade

    Tudo isto para um primeiro fes-tival que no se esgota com o cair do pano e que promete manter-se vivo ao longo de toda a programa-o cultural de Loul durante o ano, criando condies para uma apos-ta sustentvel na criao artstica local e regional e no cruzamento desta com o todo nacional, de for-ma a criar no s produtos culturais inovadores como pblicos novos e implicados na vida cultural que os envolve, refere Dlia Paulo.

    Quatro dias de artes vrias e ca-samentos improvveis prometem assim animar Loul enquanto ame-aam provocar o verdadeiro arre-pio do som riscado nas conscin-cias de quem se atrever a passar por Loul a partir de 31 de Maro.

    Implique-se, vai ver que emoo participar em alternativa a, sim-plesmente, assistir. H propostas assim!

    Ricardo ClaroJornalista / [email protected]

    Dlia Paulo, a responsvel pela programao do festival

    fotos: ricardo claro

    O Cine-Teatro Louletano o epicentro do Festival Som Riscado, previsto para se espalhar pela cidade

  • 04.03.20166 Cultura.Sul

    Saul Neves de JesusProfessor catedrtico da UAlg;Ps-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de vora

    A fotografia arte visual?Artes visuais

    Em termos de fotografia ar-tstica, e inclusivamente das relaes entre a fotografia e a pintura na primeira metade do sculo XX, destaca-se o tra-balho de Francis Picabia, con-siderando este que a fotografia pode ajudar o artista a desen-volver a sua imaginao sobre o que vai efetivamente pin-tar. Como exemplo, pintou o quadro Femmes au Bulldog (1940/41) a partir de uma fo-tografia retirada de uma revis-ta pornogrfica Mon Paris (1936), mas transformou os elementos decorativos do ori-ginal, sendo substitudos por um co e por uma segunda mulher. Segundo o prprio, o pintor escolhe um motivo, depois imita o que escolheu e, por fim, deforma-o. aqui que o artista se encontra.

    No que concerne a artistas que na primeira metade do sculo XX tiveram um contri-buto importante para o de-senvolvimento da fotografia como expresso artstica des-taca-se ainda Man Ray. Este viveu nos EUA, encontrando em Marcel Duchamp o prin-cipal aliado para as suas ex-

    perincias fotogrficas entre outras iniciativas conjuntas, como o terem fundado a re-vista New York Dada. No entan-to, no encontrou nos EUA o reconhecimento pretendido, pelo que partiu para Paris, em 1921, considerando que s a capital francesa estava madura para compreender o seu esp-rito profundamente impreg-nado de dadaismo (cit. em Heiting, 2008, 14). Parece que aqui encontrou o pretendido reconhecimento do seu traba-lho, tendo conhecido Picasso e Braque, entre outros artistas, e desenvolvido a fotografia arts-tica, utilizando vrias tcnicas de manipulao fotogrfica, como a dupla exposio e a so-larizao, sendo at considera-do que em resumo, Man Ray criou a fotografia surrealista (Heiting, 2008). Uma das suas fotografias mais conhecidas Le Violon dIngres (1924), em que desenhou nas costas de uma modelo os smbolos que costumam encontrar-se dese-nhados nos violinos, estabele-cendo as semelhanas entre o corpo da mulher e um violino. curioso que Man Ray trabalhou como fotgrafo para financiar a pintura e, com a nova atividade, desenvolveu a raiografia (1922), criando imagens abstratas, ob-tidas sem o auxlio da cmara, mas sim com a exposio luz de objetos previamente disper-sos sobre o papel fotogrfico, deixando nestes a marca da sua sombra. Era claramente um artista multidisciplinar, diferen-ciando o seu trabalho na foto-grafia e na pintura, ao afirmar

    o seguinte: em lugar de pintar pessoas, comecei a fotograf--las, e desisti de pintar retratos ou melhor, se pintava um retra-to, no me interessava em ficar parecido. Finalmente conclui que no havia comparao en-tre as duas coisas, fotografia e pintura. Pinto o que no pode ser fotografado, algo surgido da imaginao, ou um sonho, ou um impulso do subconsciente. Fotografo as coisas que no que-ro pintar, coisas que j existem (cit. em Heiting, 2008). Os contri-butos de Man Ray alargaram-se inclusivamente ao cinema, ten-

    do produzido em particular o filme surrealista Ltoile de Mer (1928), com o auxlio de uma tcnica chamada solarizao, pela qual inverte parcialmente os tons da fotografia.

    Um outro artista cujo trabalho marcou simultaneamente a his-

    tria da pintura, da fotografia e do cinema, mas j no incio da segunda metade do sculo XX, foi Andy Warhol, inserido no movimento Pop Art. Este surgiu nos EUA, em finais dos anos 50, procurando constituir uma alternativa produo artsti-ca desenvolvida na Europa, em particular Paris. Associado ao movimento da cultura pop, este movimento procurou tra-zer para o meio artstico temas do quotidiano, permitindo que, no s a cultura popular se tenha tornado um tema da arte, como tambm que a arte se tenha tor-nado parte integrante da cultura popular. Warhol tambm apre-sentou alguns contributos ao n-vel do cinema. Por exemplo, em Sleep (1963), este artista at expressa alguma relao com os pressupostos do movimento futurista, ao procurar explorar a gesto do tempo atravs do vdeo, pois este permitiria au-mentar ou diminuir a velocidade comparativamente realidade.

    O elevado valor financeiro com que as fotos de alguns artistas so transacionadas na atualidade em leiles de arte contempornea tambm expressa o reconhecimento da fotografia como forma de arte. Uma das artistas que mais se destaca a este nvel Cindy

    Sherman, sendo suas duas das dez fotografias mais caras vendidas desde sempre, Sem ttulo #153 (1985) e Sem t-tulo #96 (1981). Esta ltima foi transacionada por 3,89 milhes de dlares, em 2011. Cindy Sherman centra-se fun-damentalmente no auto-retra-to, procurando levantar ques-tes sobre o papel da mulher na sociedade. Curiosamente, a prpria refere que ter abando-nado a pintura, na sua forma-o superior em artes visuais, e se ter comeado a dedicar fotografia, por na pintura se li-mitar a copiar a arte de outros pintores.

    Nesta anlise das relaes entre a fotografia e a pintura, convm ainda salientar os tra-balhos produzidos no mbito do fotorealismo, desenvolvidos a partir dos anos 60. Os fotore-alistas copiavam meticulosa-mente, em pintura, motivos projetados na parede por um projetor de diapositivos. Seria assim um novo tipo de realis-mo, uma representao da re-presentao, sendo a mquina fotogrfica o instrumento in-termedirio entre a realidade e o artista. Seria a fotografia que constitua a realidade, pois era sobre ela que os pintores rea-lizavam os seus trabalhos. Na sequncia do fotorealismo, de-senvolveu-se o hiperrealismo, em que as obras representadas, pinturas ou esculturas, so re-alizadas a partir de imagens fotogrficas, no caso da pintu-ra, ou de figuras reais, no caso da escultura. Como o prprio nome indica, uma realidade levada ao extremo e, para isso, trabalhada a partir da imagem fotogrfica. Tendo uma base fo-togrfica, o resultado final , no entanto, mais complexo e sub-jetivo, criando a iluso de uma nova realidade no presente na fotografia original, a chamada simulao da realidade.

    Nota: Algumas das reflexes apresentadas neste artigoencon-

    tram-se no livro Construo de um percurso multidisciplinar, integrati-

    vo e de sntese nas Artes Visuais, de Saul Neves de Jesus

    ([email protected])

    Fotografia Le Violon dIngres, de Man Ray (1924)

    fotos: d.r.

    Fotografia Sem ttulo #153, de Cindy Sherman (1985)

    AGEN

    DAR TRADIES DE PSCOA

    At 2 ABR | Posto Municipal de Exposies de LagosExposio de Timo e Elisabeth Dillner alusiva Ps-coa, com uma mostra de ovos coloridos artesanais tpicos de vrios pases como Frana, Blgica, Alema-nha (da coleo Schnorr) e Pases Baixos

    PORTUGALIDADE4 MAR | 22.00 | Cine-Teatro LouletanoO maestro Antnio Victorino dAlmeida apresenta uma conferncia-concerto juntamente com Miguel Leite (antigo aluno do maestro), numa digresso que assinala o seu 75 aniversrio

    Fotografia Sem ttulo #96, de Cindy Sherman (1981)

  • 04.03.2016 7Cultura.Sul

    Momento

    A tempestade caisobre a cidadeFoto de Ana Omelete

    Espao ALFA

    Desde o sculo XIX, uma das grandes ambies na fo-tografia era conseguir captar imagens coloridas, tal qual eram observadas. Para cum-prir o objetivo, vrios foram os estudos e experincias efetuadas, sendo que a pri-meira fotografia colorida foi captada em 1861, pelo fsico James Clerk Maxwell. Mas, apenas em 1935 surgiu o primeiro filme colorido Ko-dachrome, o qual, aps me-lhoramentos, revolucionou o mercado e incentivou outras marcas a apostar nesta rea, permitindo a massificao da fotografia colorida, a partir da dcada de 1960.

    A massificao da fotogra-

    fia colorida levou a que muitos fotgrafos e meios de comu-nicao vaticinassem o fim da fotografia a preto e branco. Vrias foram as publicaes mundiais que passaram ape-nas a utilizar registos colori-dos, afastando os fotojornalis-tas do registo preto e branco, visto como algo fora da reali-dade. Porm, muitos fotgra-fos no adotaram o corte ra-dical com a fotografia a preto e branco, continuando a pro-duzir trabalhos de autor, apre-ciados internacionalmente.

    Ao longo dos ltimos anos, o registo fotogrfico preto e branco passou a ser visto como uma forma de expres-so artstica de grande im-pacto, capaz de transmitir as emoes que esto por detrs das imagens. Sendo este tipo de imagem uma abstrao da realidade, o que faz dela algo magnfico a capacidade que o fotgrafo tem de produzir um bom enquadramento, que possa contar uma hist-ria e despertar sentimentos, sem que seja necessrio o re-

    curso a texto, com uma boa utilizao da escala de cin-zas, jogando com o contras-

    te da imagem. Hoje, j na era digital, a fotografia a preto e branco afirmou-se e idola-

    trada, existindo no mercado vrias solues para trata-mento digital que permitem

    simular o velhinho efeito do gro-de-filme, imortalizando o uso desta tcnica secular.

    A imortalidade da fotografia a preto e branco

    Marco PedroMembro da ALFA

  • 04.03.20168 Cultura.Sul

    Uma outra Amlia, (re)ligada terra e aos encantos do sul

    d.r.

    Na brancura da cal o tra-o azul / Alentejo a ltima utopia. // Todas as aves par-tem para o sul / todas as aves: como a poesia, escreveu Ma-nuel Alegre. Amlia tambm sentiu este apelo inebriante do sul, talvez impelida pelo seu esprito de cigana-anda-rilha e bicho-do-mato (como gostava de se definir), talvez para se lavar de desencontro e poeira num lugar, renova-dor, onde a luz cai a direito (como diria Sophia). vida de horizontes largos e da comu-nho despreocupada com as coisas mais simples, a afinida-de com o mistrio da imensi-do alentejana j morava em si: A primeira vez que fui ao Alentejo era muito nova e tive uma sensao de liberdade. E aquele espao todo sem fim vista. O Alentejo um stio onde uma pessoa v mais do que aquilo que pode ver.

    E depois havia o mar, mo-tivo potico que cantou nos palcos do mundo e que redes-cobriu nos encantos da ento virginal costa alentejana, e que para Amlia foi sempre sinnimo de fora e de nsia de libertao. Gostar do mar foi talvez uma necessidade, diria mesmo, e imaginava frequentemente, como reza certo cancioneiro alentejano, que o mar se transform[ava] em rosas / e o seu barco num jardim. Da ter pintado, pela sua mo, flores de todas as co-res nas paredes voltadas para o mar da sua casa no Brejo, na freguesia de S. Teotnio (concelho de Odemira), onde escondia e exorcizava a ines-capvel solido de muitos anos a arrastar o amor das multides e a desiluso de quem no tinha saudade do passado nem esperana no futuro , numa espcie de fortaleza que era tambm um porto de abrigo.

    Como confidenciava o Joo Belchior Viegas amigo, cm-plice e empresrio, sempre invisvel e decisivo, de Am-lia entre 1965 e 1992, o qual

    conheci em 2002 em S. Brs de Alportel (onde passou a vi-ver aps sair de Lisboa) e com quem partilhei longas horas daquelas conversas que per-manecem dentro de ns para a vida toda , ela procurava os campos de Odeceixe e l, sim, sentia-se contente por estar viva, excitando-se com os pra-dos repletos de malmequeres e comovendo-se com as cores garridas e contrastantes, como que embriagada pelo cheiro da esteva. Consultaria at um psicanalista por causa da sua paixo pelas flores, com quem falava amide e ralhava quan-do no abriam ou cresciam como desejava.

    Os seus amigos, alis, tam-bm eram aqueles que consi-go se aventuravam a cortar ra-magens e flores em muros de casas particulares em Lisboa. Quando eram surpreendidos pelos proprietrios, Amlia lanava o xaile cabea e fu-gia a rir. Apesar de a Cmara Municipal lhe ter comeado a remeter ramos de flores re-gularmente para a poupar ao cansao das jardinagens clan-destinas, a fadista nunca abdi-cou desse vital divertimento. Um dia, quando questionada sobre as suas virtudes, Am-lia diria mesmo que as suas maiores qualidades eram chei-rar com o seu nariz, ver com os seus olhos, apalpar com os seus dedos, crer em Deus sua maneira, sem esperana no cu nem medo do infer-

    no (curiosamente, a palavra Amlia significa em rabe trabalho de Deus) e no ter ambio.

    A descoberta, em 1962, dos paradisacos nove hectares de terra junto praia da Seiceira no Brejo veio no seguimen-to de uma dcada de intensa projeco internacional para Amlia, a qual culminou, em 1959, com a eleio como uma das quatro melhores cantoras do mundo (a par de dith Piaf, Judy Garland e Lena Hor-ne) pela prestigiada revista norte-americana Variety. No obstante, Amlia faria um ano sabtico, ausentando-se dos olhares pblicos entre 1960 e 1961, vindo a casar neste l-timo ano com o engenheiro Csar Seabra no Rio de Janeiro. Apesar de ter anunciado que iria abandonar a carreira arts-tica passando a viver no Bra-sil, a paixo pelo cho ptrio e por um povo-fa(da)do que a entendia falariam mais alto, e em 1962 Amlia regressa a Lisboa, ano em que conhece Alain Oulman na Ericeira (este mostra-lhe inicialmente o po-ema Vagamundo, de Lus de Macedo) e com quem enceta uma inspiradora colaborao que ir ser decisiva para o seu futuro percurso, levando-a a explorar novos e ousados ter-ritrios musicais estranhos at ento ao fado clssico: Eu es-tava espera daquela msica [de Oulman]. No que esti-vesse espera, mas a minha

    maneira de cantar estava espera daquilo.

    O ano de 1962 , assim, du-plamente estimulante para Amlia: nova etapa musical em que o fado atingir voos mais altos de arrojo e rein-veno (patentes logo no c-lebre EP Amlia Rodrigues, mais conhecido como Busto ou Asas fechadas) e a desco-berta de um singular refgio a sul. Num descapotvel verde prateado, de estilo americano, conduzido por um motorista, Amlia chegou ao Brejo com Csar Seabra, recm-casados, e ter-lhe- dito J no saio mais daqui, adquirindo uma her-dade junto falsia a Jacome Pacheco, pai do actual dono do Caf Central da pacata po-voao, pela quantia de 300 contos. Terminava assim o priplo exploratrio da fa-dista pela costa alentejana (de Lisboa a Sagres), em bus-ca de distncia e resguardo relativamente aos holofotes da fama. O marido de Am-lia idealizaria ento para esse espao um projecto de viven-da para frias, com linhas modernas e privilegiando o conforto, bem como um aces-so (ainda esto l os degraus que Amlia tantas vezes pi-sou) ao pequeno areal da praia que ficaria conhecida como a Praia da Amlia. Uma casa sem luz nem telefo-ne, simplesmente um stio onde pendurar o chapu, um lugar sem deve nem haver,

    onde Amlia encontrou um modo de calar e um falar claro / um olhar cara a cara e frente a frente / um viver devagar que tudo raro / e nico e s assim urgente (Manuel Alegre, so-bre o Alentejo).

    A ligao apaixonada e cmplice de Amlia com aquele lugar mgico de finis-terra e suas gentes ter sido uma das obras-primas da sua vida: desde as idas regulares ao Caf Central, em jeito de ritu-al, onde pedia sempre a sala de dentro e uma mesa especfica, escolhendo invariavelmente peixe (sobretudo dourada), ou das sardinhas assadas na brasa com que gostava de re-ceber os amigos em sua casa, at cmplice amizade com Francisca Efignia (a Xica), a quem escreveu uma dedica-tria numa fotografia que di-zia Para a minha amiga Xica que sabe tanto de pesca que at me pescou a mim e com quem passava longe seres a ver filmes do Fred Astaire ou a devorar livros de cowboys alugados numa loja de S. Te-otnio, passando ainda pela original sinalizao em forma de malmequer (que resistiu voragem do tempo e l perma-nece) que mandou colocar na entrada do caminho de terra batida que d acesso sua her-dade, pelas flores de todas as cores que pintou, com as suas prprias mos, no muro bran-co de entrada (infelizmente hoje apagadas), pelos porcos

    que ficava a mirar de longe e que baptizava com nomes prprios portugueses (Ant-nio, Joaquim, etc.), ou at pela sincera e esforada tentativa, ainda que quase sempre desa-jeitada, de ajudar o caseiro da quinta a plantar batatas.

    Ao sul, num Alentejo que desnuda e recentra, onde se vive rente terra e rente pele, acredito que Amlia pde eva-dir-se, esquecer-se e regressar quela frescura das coisas ve-getais e ao grande vento lm-pido do mar que Sophia su-blimemente cantou nos seus versos. A sua atraco pelos lugares de fronteira e abismo talvez porque todos os aman-tes so raianos / como os ciga-nos de passagem e seu amor de bala e desafio (novamen-te Alegre); e o Belchior falava--me tanto do seu fascnio por Sagres levou assim Amlia a esse lugar-destino de liberda-de e solido, como que senta-da beira do mundo, o qual se foi mitificando no imaginrio colectivo, ainda mais aps a sua morte no Outono de 1999. A sua memria espiritual ficou indelevelmente impressa na-quela paisagem recndita e selvagem, naquela falsia onde se abre um admirvel mundo novo ao olhar tal como Am-lia nos abriu novos horizontes de ouvir e de sentir com o seu fado feito de singular intuio e verdade natural.

    Numa entrevista a Ins Pe-drosa dois anos antes da sua morte, Amlia reiterava a ideia de que andara toda a vida a no viver a sua vida, de que no fizera a sua vida, fizeram--na. E de que continuava a no saber o que a felicidade, at porque no se pode meter uma vida toda numa palavra. Mas a sul ela ter pintado de muitas tonalidades e matizes esse denso preto que dizia ser, excessivamente, a cor do seu feitio e da sua vida inteira essa cor que para si no era necessariamente triste: Tenho muitas alegrias atravs da cor preta. s vezes, por isso, como se fosse encarnado. Gosto de pensar que Amlia encontrou nos trilhos e areais alm-Tejo, entre a serenidade criadora dos campos e o mpe-to fremente e inquietante das guas atlnticas, uma (amb-gua, misteriosa) alegria que advm de uma tristeza qual no faltou pecado nenhum.

    (continua na prxima edio)

    Amlia ao sulSala de leitura

    Paulo PiresProgramador culturalno Municpio de Loulhttp://escrytos.blogspot.pt

    In memoriam Joo Belchior Viegas Teresa Oliveira e ao Gonalo Couceiro

  • 04.03.2016 9Cultura.Sul

    O(s) Sentido(s) da Vida a 37 N

    AGEN

    DAR OBRAS NARRATIVAS

    At 1 MAI | Museu Municipal Dr. Jos Formosinho - LagosEduarda Coutinho apresenta uma exposio simul-taneamente literria e artstica, com nove obras de espaos e tempo divergentes, mas ainda assim in-terligadas entre si

    BIOCOAt 2 ABR | Museu Municipal de LoulA paixo pela tradio e pela nossa identidade le-vou a Bioco Tradition a recriar esta pea com design, adaptando-a mulher actual

    Maro

    Pedro [email protected]

    Melhor ao sol

    Olho no cu desta manh de ainda inverno, a instabilidade que o ar tem vindo a produzir por estes dias apresentando-se em termos de nuvens cumuliformes, mas um melmano com um pouco de sorte encontra facilmente na in-ternet, uma cano apropriada para se reafir-mar no desejo da clusula de que as pessoas ficam sempre melhor ao sol

    Lua de Marfim

    No ltimo trimestre, esta editora de Lisboa tem sido a casa de diversos escritores algarvios, desde o recentemente homenageado pela sua

    vida e obra, o poeta Manuel Madeira, at es-treante Adlia Csar, que j aqui publicmos. Do primeiro saiu Para Decifrao do Caos e da segunda o que se ergue do fogo. Na coleco Lua Cheia j tinham sado simultaneamente em 2015 os sugestivos ttulos artrozes, nozes e vozes (com)sentidas e Curtos Contos, de Gabriela Rocha Martins e Paulo Moreira respectivamente.

    Destaque ainda para os mais recentes livros dos autores Fernando Cabrita - Meditao em Novembro, e Vtor Gil Cardeira com Escaras (ambos na coleco Meia Lua-parte II). E acaba-dinho de sair Escrever dobrar e desdobrar palavras procura de um sentido de Lus Ene, com texto abaixo:

    Estava a escrever quando ouviu um ar-ranhar quase imperceptvel na porta do quarto; levantou o olhar como procura de uma palavra ou de uma ideia, o que fa-zia muitas vezes, e continuou a escrever. Voltou a ouvir o arranhar e parou de escrever, mas toda a sua ateno estava dirigida para aquilo que escrevia. Faltava qualquer coisa. As-sim no dava! No conseguia terminar a histria. E de novo o arranhar. Olhou para a porta e de-pois para o ecr. Parecia que ia recomear a es-crever, mas depois levantou-se e foi abrir a porta. E assim que finalmente o gato Benevides conse-gue entrar nesta histria e acab-la de uma vez por todas com alguma dignidade.

    Meditar em Azul

    Virando costas ao agreste vento de norte que teima em arrefecer os dias, deparamos foro-samente com esse imenso mar a sul. Impondo--se na paisagem de costa. Impossvel desviar o olhar. E ignorar como mexe com os sentidos.

    Assim se descobrem novos mundos, mesmo esses, os interiores que os h sempre por des-cobrir ou revisitar nessa meditativa extenso.

    Escandinvia Bar

    No ltimo lbum de originais, Galinhas do Mato, no qual, devido ao seu estado de sa-de, no consegue interpretar todas as msi-cas previstas, apenas duas das canes, sendo uma Escandinvia Bar, dedicatria conhe-cida casa que o autor frequentava na Fuzeta, com a mulher Zlia. O disco foi completado por Jos Mrio Branco, Helena Vieira, Fausto e Lus Represas. Jos Afonso acabaria por falecer a 23 de Fevereiro de 1987, em Setbal, outra terra de pescadores, deixando um cancioneiro inigualvel.

    Som Riscado

    pelo menos arriscado fazer um festival de som em Loul, que no s feito de concertos. Mas ter tambm exposies, debates e refle-

    xes, workshops, instalaes e performances, entre 31 de Maro e 3 de Abril. Em iniciativa promovida pela Cmara de Loul, com um forte envolvimento da equipa do Cine-Teatro, preten-de fomentar cruzamentos e dilogos criativos entre a nova msica portuguesa mais experi-mental e o universo da imagem e das diferen-tes correntes de artes visuais. A programao poder ser consultada nos sites da organizao.

    Jam A Lyrica

    quando as palavras se encontram com a msica. Tnia Silva e Paulo Moreira, actores da ACTA, e o msico Z Eduardo, referncia in-ternacional do jazz, servem ao pblico, de um modo original, poemas de seis autores con-temporneos, todos a viver no Algarve: Ado Contreiras, Adlia Csar, Fernando Esteves Pinto, Maria Lusa Francisco, Miguel Godinho, Vtor Gil Cardeira. O espectculo surgiu de uma ideia inicial do escritor e editor Fernando Esteves Pin-to e uma produo da Associao Grmio das Msicas. A apresentao ao pblico do projecto ser no Dia Mundial da Poesia 21 de Maro, s 21h30, na Biblioteca Municipal de Faro Ant-nio Ramos Rosa. Ou podero tentar entrada na ante-estreia de dia 12, no Clube Farense.

    Barquinho Na tarde de chuva, h uma folha branca de

    papel sempre pronta a dobrar-se, at formar um pequeno barco. Pode pintar-se, batiz-lo at, e porque no colocar-lhe uma mensagem de es-perana, desde um pas quase triste. Depois vai ser lanado suavemente nas guas de um rio ali mo. Mesmo sem se saber onde chegar nesta odisseia. Sequer, encontrar ele gua salgada que no a das lgrimas de um povo antigo.

    fotos: d.r.

  • 04.03.201610 Cultura.Sul

    A Rede AZUL uma rede de Teatros para o Algarve

    Nos finais da dcada de 90, incios dos anos 2000 foi pensada (e nunca concreti-zada) uma rede de Teatros e Cine-Teatros para Portugal. Os dois ltimos quadros co-munitrios permitiram a re-cuperao e a construo de uma rede de equipamentos que nunca vieram a funcionar em rede. Construdos os equi-pamentos, as equipas ficaram sem rede e foram construindo o caminho que culminou, em alguns casos, com a constitui-o de redes regionais ou de programao, como o caso da Artemrede (2005), a rede de programao Cinco Sentidos (2009) ou a rede informal CIRA - Comunidade Intermunicipal da Regio de Aveiro (2013).

    Na regio do Algarve, cin-co municpios do Algarve Central Faro, Loul, Olho, Tavira e Albufeira no m-bito da candidatura (2009) Rede de Equipamentos Cul-turais Programao Cultural em Rede, apoiada pelo QREN- PO Algarve21, promoveram o programa Movimenta-te - Trajectrias de Programa-o Cultural em Rede (2011-2012), de criao, produo e programao em rede. Uma experincia muito enrique-cedora para as equipas que, pela primeira vez, comea-ram a construir uma rede, a pensar o territrio e a criar sinergias entre as equipas. Uma experincia que permi-tiu ser complementar, ganhar escala e criar novas experi-ncias de trabalhar com o pblico, ouvir o territrio, tendo algumas das propostas programticas permitido ao pblico fazer parte e estar em palco; implicando-o na aco desmistificou pr-conceitos e criou afetos com os espaos. O Movimenta-te derrubou barreiras, criou pblicos mas esfumou-se com o fim do fi-nanciamento comunitrio e o trabalho em rede terminou.

    Conscientes de que a Cul-tura deve estar no centro da poltica de desenvolvimento da regio e que para isso se tornar uma realidade o traba-lho em rede fundamental, os profissionais dos equipa-mentos culturais teatros, cine-teatros e auditrios (re)iniciaram o caminho (ja-neiro de 2014) de trabalho em rede.

    Durante dois anos fez-se o diagnstico das potenciali-dades e carncias da regio, criaram-se laos de confiana interpares, perspectivou-se o futuro do trabalho em rede, criaram-se os documentos fundadores da rede AZUL, rede de Teatros do Algarve e apresentou-se, num momen-to inicial, a proposta s ins-tituies regionais Direo Regional de Cultura do Algar-ve, Universidade do Algarve, Comisso de Coordenao e Desenvolvimento Regional, Regio de Turismo do Algar-ve e Comunidade Intermuni-cipal da Regio do Algarve.

    Comummente identifi-cadas, a rede AZUL elencou as principais debilidades na rea das artes performati-vas no Algarve: a fixao de criadores na regio; o apoio criao; a debilidade do

    apoio por parte do Estado s estruturas da regio; uma programao pouco consis-tente dos equipamentos cul-turais; a quase ausncia de itinerncia das estruturas de cariz amador pela regio e a carncia de recursos huma-nos dos equipamentos cul-turais.

    Nesse sentido, a rede AZUL definiu a sua misso: progra-mar e apoiar a produo cultu-ral regional, tendo em vista a circulao artstica na regio, rentabilizando as infraestru-turas existentes e reforando a oferta cultural regional, as-sim como permitir receber no Algarve produes nacionais e internacionais, bem como os seus objectivos principais: promover a identidade cultu-ral regional; apoiar a criao pelos agentes culturais locais; aumentar o acesso e fruio s artes; valorizar a oferta cul-tural da regio; criar econo-mias de escala na aquisio

    de espetculos; apoiar a cir-culao dos agentes culturais locais pelos espaos da rede.

    Para a concretizao des-tes objectivos, a rede definiu trs eixos de atuao: apoio criao; programao em rede e formao, os quais fo-ram elencados a 9 de janeiro de 2016, aquando da apre-sentao pblica da Rede AZUL, composta, nesta fase inicial, por 11 parceiros: Al-bufeira, Faro, Lagoa, Lagos, Loul, Olho, Portimo, So Brs de Alportel, Silves, Tavira e Vila Real de Santo Antnio.

    No eixo do Apoio Cria-o, foi aberto um Convite criao (terminou a 28 de fevereiro) que se destinou a Associaes culturais sem fins lucrativos de cariz amador e com personalidade jurdica, sediados no Algarve e que contou com o apoio da Dire-o Regional de Cultura do Algarve, tendo envolvido 10 dos 11 parceiros.

    No eixo da programao em rede est a ser desenvolvido um programa na rea edu-cativa, direcionado para o pblico escolar, a principiar no ano lectivo 2016/2017. Iniciou-se, ainda, a partilha da programao dos parcei-ros, assim como a possibili-dade de realizao de uma programao temtica anual. Por outro lado, os parceiros vo disponibilizar uma ficha de itinerncia para que as es-truturas possam apresentar a sua proposta artstica AZUL. Comprometeram-se, ainda, a trabalhar a itine-rncia das estruturas sedia-das na regio, como forma destas irem densificando as suas propostas.

    No eixo da formao a AZUL pretende qualificar as equi-pas tcnicas dos equipamen-tos culturais da rede, quer atravs de formao externa, quer atravs de formao en-tre parceiros. Neste eixo pre-v-se, igualmente, a formao dirigida s estruturas de cariz amador da regio.

    Como afirmou o poeta Antnio Machado ao andar faz-se o caminho, e este o grande desafio da rede AZUL: construir um caminho coe-rente, consistente, comple-mentar e resiliente que vise contribuir para o aumen-to da criao regional e da qualificao da oferta cultu-ral regional, alicerada numa viso estratgica de desen-volvimento regional que coloque a Cultura no centro da agenda poltica regional e numa necessidade para as pessoas.

    Apresentao da rede AZUL

    d.r.

    O logtipo da nova rede algarvia na rea da Cultura

    Ficha Tcnica:

    Direco: GORDAAssociao Scio-Cultural

    Editor: Ricardo Claro

    Paginaoe gesto de contedos:Postal do Algarve

    Responsveis pelas seces: Artes visuais:

    Saul de Jesus Espao AGECAL:

    Jorge Queiroz Espao ALFA:

    Ral Grade Coelho Espao ao Patrimnio:

    Isabel Soares Da minha biblioteca:

    Adriana Nogueira Grande ecr:

    Cineclube de FaroCineclube de Tavira

    Juventude, artes e ideias: Jady Batista

    Letras e literatura: Paulo Serra Misso Cultura:

    Direco Regionalde Cultura do Algarve

    Momento:Ana Omelete

    O(s) Sentido(s) da Vida a 37 N: Pedro Jubilot Panormica:

    Ricardo Claro Sala de leitura:

    Paulo Pires Um olhar sobre o patrimnio:

    Alexandre Ferreira

    Colaboradoresdesta edio:Dlia PauloJoaquim GuerreiroMarco PedroPetra MartinsRui Parreira

    Parceiros:Direco Regional de Cultu-ra do Algarve, FNAC Forum Algarve

    e-mail redaco:[email protected]

    e-mail publicidade:[email protected]

    on-line em: www.postal.pt

    e-paper em:www.issuu.com/postaldoalgarve

    facebook: Cultura.Sul

    Tiragem:7.535 exemplares

    Espao ao Patrimnio

    Dlia PauloDiretora de Departamentode Desenvolvimento Humano e Coeso da Cmara Municipal de Loul

    Joaquim GuerreiroDiretor delegado do Teatro Municipal de Faro

  • 04.03.2016 11Cultura.Sul

    Da minha biblioteca

    Adriana NogueiraClassicistaProfessora da Univ. do [email protected]

    Passei os olhos pelas estantes e reparei num conjunto de livros, deitados (e no na vertical como os outros dessa prateleira, que como eu os ponho quando me falta espao numa qualquer le-tra, o C, neste caso). No eram muitos (apenas 9, num univer-so bem mais extenso). Entortei a cabea, para ler os ttulos, e l estava o nome de Mrio Cludio, autor sobre o qual aqui nunca tinha escrito. A cor da lombada de um deles, em bordeaux, com letras brancas, destacava-se das outras (brancas ou pretas) e eu lembrava-me bem do livro, lido recentemente (2014): Retrato de Rapaz.

    A identidade

    Mrio Cludio o pseudni-mo de Rui Manuel Pinto Barbot Costa. Durante algum tempo no soube disso, apesar do pri-meiro livro que comprei dele, em 1992, Tocata para Dois Clarins, ter um pendor autobiogrfico (que eu na altura no soube no devia ter lido nenhuma crtica sobre o assunto) e as ltimas palavras daquela novela serem Rui Manuel.

    A ideia de um autor que usa pseudnimo sempre me desper-tou curiosidade, imaginando as razes que poderiam subjazer ao facto (no caso de Mrio Cludio, foi por razes pragmticas, para que o, ento, recm-advogado no fosse confundido com o es-critor). Mas mais curiosidade tive quando surgiu, em 2011, Tiago Veiga, uma biografia. Ter Tiago Veiga existido? Ser um novo pseudnimo? Ou ser um hete-rnimo? Mrio Cludio no quis ser explcito nas respostas que foi dando a estas perguntas, mas numa entrevista revista LER, de-clarou: Como figura de fico,

    Tiago Veiga tem de ser respeita-do por razes de afecto. Explico--lhe porqu: uma das maiores decees que tive foi quando os meus pais me disseram que o Pai Natal no existia. Estava farto de saber mas no queria confron-tar essa verdade. Fiquei comple-tamente devastado. No quero devastar ningum.

    Biografias

    notrio que muitos dos seus livros so de biografias. Uns por encomenda (como foi o caso de Amadeo, a pedido de Vasco Graa Moura), outros, porque encon-trou nas vidas dos biografados razes para isso. Numa entrevista a Anabela Mota Ribeiro, revista Seleces do Readers Digest, afir-mou: Quando vejo uma figura biografvel, sinto que, de alguma forma, essa figura me chamou. mais uma possesso de uma fi-gura que exige que eu a biografe do que propriamente uma busca minha. So figuras que tm algu-ma coisa a ver comigo, mesmo que a afinidade se manifeste por um lado mais negativo. A nica coisa que depois respeito a cro-nologia. Fao uma psicobiogra-

    fia, uma incurso pela personali-dade da pessoa, pelas atmosferas a que esteve ligada, muito mais que pelos factos verificveis.

    Um discpulo no estdio de Leonardo da Vinci

    Este livro no uma biogra-fia de Leonardo da Vinci, que nomeado, frequentemente, ape-nas por o Homem. Um narra-dor omnisciente acompanha o rapaz que d o ttulo ao livro, cujo pai o entregou ao mestre para ser um criadito para varrer a oficina, mas que, dada a sua natureza conquistou o grande pintor e tornou-se um dos seus aprendizes mais chegados. E essa natureza que explorada na obra (139 pginas), onde ele tratado por ganapo, moo, mo-cito, catraio, pequeno, mido, gaiato (nomes exemplificativos, retirados apenas das pp. 21-24). Por vontade de agradar ao amo ou por vontade de chocar os outros, o rapaz vive, desde cedo, no exagero e no desregramento. Quando toda a oficina se esmera por contribuir para a construo do modelo do gigantesco cava-lo encomendado por Ludovico

    Sforza para homenagear o seu pai, o ganapo, levado pelo inconsciente af de reconquistar as boas graas do amo, assumindo uma natureza equestre, manifestada em trotes e galopes, em relinchos, em vio-lentos bufos das narinas, e nesse gemido plangente, comum aos ces, que denota a queixa, a s-plica, ou a declarao de amor. O prprio construtor do cavalo deliciava-se com tais entremezes, e dir-se-ia estimul-los at, isto como se o catraio o apoiasse no devaneio em que andava, e no engenho que punha na concreti-zao dos seus artefactos (p.26).

    Quando cresceu, aprimorou as suas qualidades de ladro, manipulador, fanfarro, abusa-dor, sempre com a complacncia do artista. Amante? Pai? Irmo? A relao entre os dois no ex-plicitada, mas deixa-nos pistas da cumplicidade que sempre os uniu.

    Anos depois, quando a idade j no lhe permitia ser chama-do pelos nomes que antes o descreviam, pois mantinha, pa-radoxalmente, a malandrice e ingenuidade da quase infncia, o narrador anexa expresses

    ou adjetivos para o descre-ver: chamado de o moo de outrora (p.116), o pretrito rapaz (p.120), o antigo jo-vem, o adolescente perptuo (p.121), ou o jovem de anta-nho (p.128).

    Um outro nome pelo qual tratado no texto Salai, al-cunha por que o aprendiz era chamado por Leonardo, insinu-ando que o moo era um dia-binho, e em que se reconhecia a sua natureza de ladro e mentiroso, de teimoso e glu-to, conforme o amo o carac-terizava (p.37). Durante mui-to tempo foi conhecido como Andrea Salaino, at que no sc. XX o seu nome foi recuperado: Gian Giacomo Caprotti, chama-do de Salai.

    Leonardo parece passar flutu-ante, pouco definido, pela nar-rativa. Quando est a morrer, isso que se observa nele: Um nevoeiro pairava nos olhos do gnio, igual ao que torna irre-sistvel de compaixo a mirada dos ces moribundos. E nisso via o aprendiz a velatura que desde sempre cobrira rostos e

    paisagens do pintor.Mas, na verdade, Leonardo

    que constri Salai, como se cria uma obra, tirando aqui, acres-centando ali, permitindo isto, no recriminando aquilo, casti-gando aqueloutro. Ao perceber os suspiros finais do mestre, o ra-paz Fugiu por fim morte que invadia o que lhe talhara a vida, no como desistem os covar-des que no podem amar, mas como escolhem os heris que entregam o corao para alm da caducidade dos dias (p.130).

    Alguns desenhos de Leonar-do e de Salai ilustram o livro, no apenas para distrao ou instruo do leitor, mas justi-ficados pela narrativa, que os enquadra no momento da sua criao.

    A linguagem usada, algo arcaizante, contribui para nos cercar num clima de sfumati, como a pintura do mestre, suavizando a brutalidade de algumas descries de abusos e deboches.

    No podemos deixar de ter compaixo pelo rapaz de sempre.

    Mrio Cludio foi premiado pelo romance 'Retrato de Rapaz'

    foto: d.r.

    AGEN

    DAR PINTURA DE CASSIANO LIMA

    At 29 FEV | Galeria Pintor Samora Barros- AlbufeiraO autor apaixonado por pintura h mais de 20 anos, contando no seu curriculum com vrias exposies individuais e colectivas em Portugal e no estrangeiro

    DESCORTINARAt 30 ABR | Galeria do Convento do EspritoSanto - LoulTata Regala apresenta um estudo fotogrfico so-bre o conceito de retrato, onde as palavras vestem e desnudam

    Retrato de Rapaz, de Mrio Cludio

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