cultura.sul 73 - 12 set 2014

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Milreu - StoryTrail: a tecnologia ao serviço do património p. 12 www.issuu.com/postaldoalgarve 9.351 EXEMPLARES Juventude, artes e ideias: Ainda fará sentido? p. 2 Um olhar sobre o património: Património e Educação p. 4 Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO SETEMBRO 2014 n.º 73 D.R. D.R. D.R. Grande ecrã: Cineclube de Faro em rentrée p. 3 Momento: Noite de fim de Verão em Olhão D.R. p. 7 D.R. Carlos do Carmo: a voz do fado em Faro p. 5 D.R.

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• Veja o CULTURA.SUL DESTE MÊS• Sexta-feira (dia 12/9) nas bancas com o PÚBLICO e o POSTAL • Partilhe o seu caderno mensal de Cultura no Algarve • EM DESTAQUE: > JUVENTUDE, ARTES e IDEIAS: Ainda fará sentido?, por Bruno Alexandre > ESPAÇO CRIA: Lago dos Tubarões , por Ana Lúcia Cruz > UM OLHAR SOBRE O PATRIMÓNIO: Património e educação, por Alexandre Ferreira > PANORÂMICAS: Fado maior no Teatro das Figuras com a voz de Carlos Carmo, por Ricardo Claro > MOMENTO: Noite de fim de Verão em Olhão, por Ana Omolete > O(s) SENTIDO(s) DA VIDA A 37º N: Setembro, por Pedro Jubilot > DA MINHA BIBLIOTECA: Vera e Fábio - novas pinceladas nos Frescos de Pompeia, por Adriana Nogueira

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Page 1: CULTURA.SUL 73 - 12 SET 2014

Milreu - StoryTrail: a tecnologia ao serviço

do patrimóniop. 12

www.issuu.com/postaldoalgarve9.351 EXEMPLARES

Juventude,artes e ideias:

Ainda fará sentido?

p. 2

Um olhar sobreo património:

Património e Educação

p. 4

Mensalmente com o POSTAL

em conjuntocom o PÚBLICO

SETEMBRO2014n.º 73

d.r.

d.r.

d.r

.

Grande ecrã:

Cineclube de Faro em rentrée

p. 3

Momento:

Noite de fim de Verão em Olhão

d.r.

p. 7

d.r.

Carlos do Carmo: a voz do fado

em Faro p. 5

d.r.

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12.09.2014 2 Cultura.Sul

A atractividade de uma cidade depende de inúmeras variáveis, mas passa decerto também e essencialmente pela oferta dife-renciadora de cada urbe face às restantes.

Conseguir ter uma oferta dife-renciadora é um desafio para as lideranças políticas, em particular as autarquias, mas é obrigatória se se quer ver uma cidade progredir, em particular na área do turismo.

A capital do Algarve necessi-tava e necessita de se afirmar de forma diferenciada se quer ter al-gum relevo como destino turísti-co numa região que oferece aos turistas muito para ver e fazer, em particular durante o Verão.

A cultura desempenha nesta matéria um papel fulcral e Faro tem neste campo capacidade instalada para se poder afirmar com um programa arrojado de eventos culturais capazes de de-terminarem a diferenciação posi-tiva face à restante região.

Para tanto, haja arte e enge-nho para ultrapassar as dificul-dades, nomeadamente, as de cariz económico e para se en-contrarem os apoios e sinergias capazes de colocar a cidade na rota da cultura.

A ideia de que os farenses recusam aderir a qulquer coisa que lhes seja proposta na cida-de é um falso subterfúgio para a inacção, a prova disso mesmo foi a primeira edição do Festival F que ocupou no fim-de-semana passado a cidade velha farense.

Os farenses aderem aos even-tos que sejam capazes de res-ponder àquelas que são as suas necessidades culturais e que cor-respondam às suas expectativas.

Perceber isto é fundamental, pois a oferta cultural para ser atractiva para o turismo neces-sita de eventos a que adiram as populações locais. Não se faz um festival atractivo para os turistas e visitantes se ao mesmo festival não acorrerem as pessoas da ter-ra, garantindo a moldura huma-na adequada a cada evento.

Faro parece começar a perce-ber isto mesmo e a arriscar para colher. O tiro foi certeiro e a cida-de respondeu à altura do desafio.

A Cultura como elemento diferenciador

Ficha Técnica:

Direcção:GORDAAssociação Sócio-Cultural

Editor: Ricardo Claro

Paginação:Postal do Algarve

Responsáveis pelas secções:• O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N:

Pedro Jubilot• Espaço ALFA:

Raúl Grade Coelho• Espaço AGECAL:

Jorge Queiroz• Espaço CRIA:

Hugo Barros• Espaço Educação:

Direcção Regionalde Educação do Algarve

• Espaço Cultura:Direcção Regionalde Cultura do Algarve

• Grande ecrã:Cineclube de FaroCineclube de Tavira

• Juventude, artes e ideias: Jady Batista• Da minha biblioteca:

Adriana Nogueira• Momento:

Ana Omolete• Panorâmica:

Ricardo Claro• Património:

Isabel Soares• Sala de leitura:

Paulo Pires• Um olhar sobre o património: Alexandre Ferreira

Colaboradoresdesta edição:Ana GonzálezAna Lúcia CruzBruno AlexandreMaria Raquel RoxoPatrícia de Jesus PalmaPaulo Serra

Parceiros:Direcção Regional de Cul-tura do Algarve, Direcção Regional de Educação do Algarve, Postal do Algarve

e-mail redacção:[email protected] publicidade:[email protected] em: www.issuu.com/postaldoalgarve

Tiragem:9.351 exemplares

O Lago dos Tubarões

O Lago dos Tubarões ou Shark Tank, um programa americano que junta cinco grandes mag-natas (tubarões) do mundo dos negócios dispostos a fi-nanciar, com as devidas con-trapartidas, os negócios de al-guns empreendedores, é um dos programas sensação do momento. Há quem ame, há quem odeie. No entanto, seja qual for o sentimento em re-lação a este programa, a ver-dade é que qualquer empre-endedor, e apesar da realidade americana ser completamente diferente da portuguesa, po-derá aprender alguma coisa com o mesmo. Grandes são as discussões acerca da qualida-de do programa, mas também muitas são as risadas. No outro dia, li algures que poderia vir a existir uma versão em por-tuguês. Confesso que tenho alguma curiosidade em saber quem será o Mr. Wonderful de Portugal. O meu interesse nes-te programa deve-se a muitos

fatores, mas em especial ao fe-edback que os empresários po-dem dar aos empreendedores. Este certamente, tal como na versão americana, resultará de anos de experiência e contacto com a dura realidade empresa-rial do nosso país e isso, para

os empreendedores mesmo que não consigam o investi-mento, pode ser decisivo e po-sitivo para o desenvolvimento dos seus negócios. Apesar de muitos telespectadores não gostarem deste programa, a verdade é que são abordados determinados aspetos, que

independentemente da sua nacionalidade, são pertinen-tes para os empreendedores que buscam investimento. Nomeadamente: a) Números ou como o Mr. Wonderful diz: “Know your numbers”. Os em-preendedores, que buscam fi-

nanciamento, têm de conhecer os “números do seu negócio”. Por outras palavras, saber quanto precisam, para que precisam e, caso já tenham implementado a sua ideia de negócio, quanto já ganharam, qual desse montante é lucro e qual a previsão para os pró-

ximos meses ou ano; b) Mer-cado. Conhecer muito bem o mercado e fundamentar as afirmações que fazem aos in-vestidores. Por exemplo, nada de afirmar que o mercado de Design de Autor está em as-censão e depois não saber ex-plicar de onde retiraram essa ideia ou não apresentar, com os resultados do seu negócio, provas disso; c) Outra boa pra-tica, e sempre que possível, é mostrar o produto ou dar uma amostra do (s) produto (s) ao investidor. Para além de repre-sentar um agrado, pode ajudar o investidor a entender melhor o mesmo. Existem muitos ou-tros aspetos, no entanto, estes dependem da abordagem e do à vontade de cada um. Es-tes são pequenos detalhes que podem ser observados ao lon-go do programa e o que para uns não passa de puro entre-tenimento, para outros (par-ticipantes) poderá representar uma oportunidade de apren-der a captar investimento e/ou de divulgar os seus produtos ou serviços. Isto porque se tive-rem um projeto muito interes-sante, podem não vir a obter financiamento, mas tem co-bertura televisiva para todo o país e isso é uma grande opor-tunidade para quem já tem o seu negócio em andamento, com produtos e/ou serviços já disponíveis no mercado, pron-tos para receber encomendas.

d.r.

Ricardo [email protected]

Editorial Espaço CRIA

Ana Lúcia CruzGestora de Ciência e Tecnologia no CRIA - Divisão de Empreende-dorismo e Transferênciade Tecnologia da UAlg

Ainda fará sentido?

Como jovem político, per-gunto-me: ainda fará sentido falar de política aos jovens? É como se existisse uma barrei-ra invisível a dizer: “Entrada só para adultos”. Os números con-firmam-no. A abstenção cresce, sobretudo na nossa idade.

Somos um país de preocupa-dos “treinadores de bancada”. Mas esse é o primeiro passo para a participação política

(sim, quem acha que só se faz política num partido está en-ganado). E nós, jovens, somos preocupados. E sempre que nos preocupamos com a coisa pública, seja a que nível for, es-tamos a fazer política. É o pri-meiro passo: ver.

Aqui surge um dilema: pre-ocupar-me, só, ou pôr-me ao serviço dos outros? (Sim, quem é político e pensa só em si está muito enganado). Se assumir-mos a meta de servir a socie-dade, vamos ter de ponderar as nossas preocupações. É o segundo passo: julgar.

Depois da análise, o último passo, que se pode dar por ser-mos cidadãos: agir. Sabias que uma vez por mês as sessões da Câmara Municipal, bem como as sessões das Assembleias Mu-

nicipais e das Freguesias são públicas? Que podes apresen-tar os teus problemas e propor soluções? E que podes fazer-te ouvir nos Conselhos Munici-pais de Juventude ou no Parla-mento dos Jovens?

Ver. Julgar. Agir. Não queiras apenas ver. Ouve a tua consci-

ência, e se ela te impele a aju-dar os outros, a fazer mais e melhor, porque esperas? Não sejas apenas “treinador de bancada”. Afirma-te como jo-gador da equipa principal. Há muitos que precisam de ti!

Ainda queres ficar de braços cruzados?

d.r

.

Juventude, artes e ideias

Bruno AlexandrePresidente da JSD de Olhão

d.r.

Page 3: CULTURA.SUL 73 - 12 SET 2014

12.09.2014  3Cultura.Sul

Espaço AGECAL

A categoria património tipográfico será certamente pouco conhecida e, no entanto, desde há cinco séculos, que este património está no centro do longo processo de democratização e massificação da escrita. Em Portu-gal, a expansão tipográfica, com al-cance verdadeiramente nacional, só aconteceu ao longo do século XIX através da instalação de casas de im-pressão por todas as províncias, so-bretudo a partir da criação dos Go-vernos Civis (1835), que as montaram nas suas secretarias para fazer face às necessidades burocrático-administra-tivas crescentes.

O Algarve, depois de ter entrado para a história da tipografia na-cional por aqui ter sido impresso o Pentateuco (Faro, Samuel Gacon, 30.6.1487), integrou novamente a rede de centros de produção ti-

pográfica em 1808, por altura das invasões francesas, dando um con-tributo deveras importante para a restauração da independência por-tuguesa e espanhola. Na verdade, o primeiro periódico da actual provín-cia de Huelva, a Gazeta de Ayamonte (18.7.1810-13.3.1811?), criado como instrumento de combate ao órgão de propaganda francês, a Gazeta de Sevilha, foi impresso em Faro, na ofi-

cina de D. José Maria Guerrero, que então se encontrava ao serviço da Junta de Governo do Algarve.

Mas, a tipografia, tendo um papel crucial neste decurso, deve ser inclu-ída num conjunto mais vasto de es-paços por onde a cultura escrita im-pressa se dissemina e é apropriada por uma cada vez maior diversidade de leitores, de ouvintes e de especta-dores. É assim que, ao longo de Oito-

centos, a par das tipografias, vemos surgir no Algarve os gabinetes de leitura, as sociedades patrióticas, as filomáticas, as escolas, a emergência da imprensa periódica, as sociedades teatrais, as de recreio e de instrução, os museus, as lojas de venda de livros e de periódicos, as bibliotecas popu-lares… Ou seja, todo um conjunto de espaços de sociabilidade, de projec-tos e de iniciativas que têm na pro-

moção da palavra escrita, enquanto meio de emancipação individual, um dos seus principais objectivos e demonstram, em especial, a existên-cia de uma rede por onde a cultura das letras se dissemina e fortalece.

Se muitos destes lugares não são recuperáveis, outros há que o são, as-sim como os testemunhos dos seus protagonistas. É o caso das tipogra-fias tradicionais que ainda subsistem na região, embora, na maioria dos casos em acumulação com os novos equipamentos gráficos. Mas há ain-da resistentes: é o caso, por exemplo, da Tipografia Minerva do Comércio, no n.º 45 da rua 5 de Outubro, em Portimão, que continua a compor e a imprimir manualmente com as máquinas que, em 1926, fundaram a casa. Em todas as situações, estão à guarda de profissionais que têm nas suas mãos um saber com mais de quinhentos anos de existência. Prelos, cavaletes, tipos, máquinas de coser, de picotar e vincar, pren-sas para gravuras, guilhotinas, toda a maquinaria e documentação que compõem uma oficina tipográfica têm valor histórico. Um valor que deve ser preservado e promovido. Um espaço que é lugar de memó-rias e de memória da cultura escrita e do impresso.

Grande ecrã

Cineclube de TaviraProgramação: www.cineclubetavira.com281 971 546 | [email protected]

SESSÕES REGULARESCINE-TEATRO ANTÓNIO PINHEIRO | 21.30 HORAS

18 SET | 9 MOIS FERME (GRAVIDEZ DE... ALTO RISCO), Albert Dupontel, França 2013 (82’) M/12

25 SET | A VIDA INVISÍVEL, Vítor Gonçal-ves, Portugal/Reino Unido 2013 (99’) M/14

Cineclube de Faro em rentréeAs (quase) férias do Cineclube

de Faro (CCF) de Agosto trouxe-ram-nos um conjunto de ideias inovadoras com óbvio reflexo na programação do CCF. Cremos que as propostas do CCF para os próximos meses, constituem um conjunto de excelentes pro-postas, numa programação mais diversa e versátil, nas cinemato-grafias, géneros, origens, cores, sons, intérpretes, aromas, enfim...

Assim sendo, e aproveitando as noites quentes do início de Setembro, retomamos o cinema ao ar livre para um mini-ciclo na esplanada d’Os Artistas.

A partir de 16 de Setembro, regressamos às sessões regula-res no auditório do IPDJ, com um formato de programação que será a tónica para os próximos meses. Dois ciclos intercalam-se, sendo um dedicado a algumas das mais recentes propostas do cinema Português e Europeu e o outro (TransEuropa) concen-trando alguns dos títulos do res-to do Mundo. Espaço então ape-nas para dois excelentes títulos,

por um lado, a 16 de Setembro, O Sonho de Wadjda traz-nos o filme da primeira mulher reali-zadora da Arábia Saudita e um retrato dos sonhos e da condição das mulheres naquele país. A 23 de Setembro, o fabuloso E Ago-ra? Lembra-me, de Joaquim Pin-to e Nuno Leonel, um objecto a todos os títulos fascinante que pulsa entre a história de amor

e o retrato autobiográfico, num dos melhores, senão o melhor fil-me português do ano. A juntar a estes, iniciamos a 30 de Setem-bro um ciclo dedicado ao Cine-ma Brasileiro Contemporâneo, com sessões mais esporádicas (1/mês), em que, aproveitando a proximidade do Dia Mundial da Música, exibiremos o exube-rante Tropicália.

d.r.

Cineclube de Faro Programação: cineclubefaro.blogspot.pt

SESSÕES REGULARESIPJ | 21.30 HORAS | ENTRADA PAGA

CICLO TRANSERUROPA16 SET | O SONHO DE WADJDA, Haifaa Al-Mansour, SAU, 2012

NÓS? EUROPA?23 SET | E AGORA? LEMBRA-ME, Joaquim Pinto, Nuno Leonel, PT, 2014

CICLO 24 ROTAÇÕES/ CINEMABRASIL30 SET | TROPICALIA, Marcelo Machado, Bra/EUA/UK, 2012

FILME FRANCÊS DO MÊS26 SET | L’ENFER, Claude Chabrol,Fra, 1994

Património tipográfico no Algarve: memória da escrita

Patrícia de Jesus PalmaDoutoranda em Estudos Portugueses, Convidada da AGECAL, jovensinvestigadores da cultura do Algarve

d.r.

Oficina Tipográfica: gravura de Jan van der Straet editada por Philip Galle, ca. 1590. © BNP P.I. 27116 P.

Momento do filme L’Enfer, de Claude Chabrol

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12.09.2014 4 Cultura.Sul

“O MUNDO DAS BONECAS”Até 3 OUT | Antigos Paços do Concelho de LagosEm exposição uma colecção de família, onde podem ser apreciadas bonecas fabricadas em diferentes anos, como 1930, 1960 e, mais recentemente, 2014, feitas em papelão, porcelana, madeira, vinil, celulói-de, borracha e algumas pintadas à mão

“VIBRAÇÕES”Até 30 SET | Galeria de Arte Pintor Samora Barros - AlbufeiraA pintura sempre esteve presente na vida de Paulo Botelho e os temas naturalistas das suas obras não escondem uma vincada influência gráfica nas com-posições e nas cores intensas e vibrantes que utilizaAg

endar

Um olhar sobre o património

Património e Educação

Ao longo do seu historial tem o Cultura.Sul dado a conhecer aos seus leitores diversos olhares sobre a temática do Património Cultural, uns numa perspectiva mais técnica, outros tendo por base trabalhos realizados direc-tamente no terreno. Com esta rubrica pretende-se tão somente acrescentar mais um olhar sobre esta abrangente área, na perspec-tiva de sobre ela fomentar e alar-gar o debate.

Efectivamente, e a exemplo da própria definição de Cultura, tra-çar uma definição exacta e limi-nar de Património Cultural não é tarefa de somenos. A evolução da disciplina, das suas práticas e metodologias, da própria assimi-lação das comunidades do que é o Património Cultural, contribui para o dinamismo nas suas defi-nições e conceitos. Mas não será este dinamismo, um dos fascí-nios desta área?

Idos são os tempos em que os olhares sobre o Património se focavam em monumentos his-tóricos, bens móveis e imóveis e obras de arte. Novas formas de pensar e de sentir levaram a que tradições, ofícios, saberes e tam-bém sabores se constituíssem como elementos a preservar e a conhecer melhor, não só pelo seu valor intrínseco, mas tam-bém pelo significado que encer-ram para quem os desenvolve e os percepciona, seja indivídual-mente ou em comunidade.

E é nestas relações entre o fa-zer e o sentir que o Património pode assumir a sua plenitude. A partir do momento em que a comunidade assimila como seus determinados saberes ou técni-cas, potencia o sentimento de partilha comum a cada um dos seus indivíduos. A mera classi-ficação de determinada mani-festação, seja ela física ou não,

como Património não é, per se, garante da sua aceitação por par-te da comunidade. É necessário haver uma relação afectiva para com essa manifestação, a qual desencadeará, naturalmente, a necessidade de protecção. Con-tudo, nem sempre o processo decorre desta forma tão linear (e romântica, atrevo-me a escrever), seja por desconhecimento, por desinteresse ou até por conflitos com interesses privados.

É neste patamar que a Edu-cação direccionada para o Pa-trimónio Cultural é ferramenta essencial para a sensibilização, reconhecimento, protecção e valorização dos bens culturais das comunidades, devendo constituir-se como um dos pila-res da política nacional de ges-

tão, salvaguarda, valorização e conservação do Património Cultural. Mas esta componen-te educativa não deverá ser somente direccionada para as crianças e jovens, devendo an-tes ser sistematizada de forma a ser transversal às diferentes gerações. Existem hoje diversas abordagens à Educação Patri-monial, seja através da existên-cia de Serviços Educativos em Museus ou Monumentos, seja através de iniciativas desenvol-vidas em escolas, das quais já tivemos oportunidade de co-nhecer alguns casos concretos em edicções anteriores do Cul-tura.Sul, direccionados primor-dialmente para a população es-colar. Contudo, são escassos os exemplos de uma abordagem

realizada tendo como público--alvo as faixas etárias seguintes. Será no encontro com estas ge-rações e na sua formação/edu-cação para o Património Cul-tural que poderemos ajudar a construir uma sociedade com-posta por indivíduos sensíveis às diversas manifestações, ma-teriais ou imateriais, que a elas consigam atribuir significados e que com elas se relacionem por forma a que eles próprios se tornem defensores do Patri-mónio que é comum. Porque, convém não esquecer: o que consideramos como Patrimó-nio Cultural não deixa de ser uma herança, cultural, de algo que já teve um significado para alguém e que o deixou ou trans-mitiu às gerações vindouras. Do

mesmo modo procedemos hoje ao classificarmos determinado bem ou manifestação como Património Cultural: estamos a atribuir valor e significado a algo que é passível de ser trans-mitido às futuras gerações.

P.S.: Nos próximos dias 26, 27

e 28 de Setembro irão realizar--se as Jornadas Europeias do Pa-trimónio, coordenadas a nível nacional pela DGPC e subordi-nadas ao tema “Património, sempre uma descoberta”, com actividades a realizar por todo o país. Lanço o desafio para que o estimado leitor consulte a pro-gramação e, juntamente com a sua família, se lance à (re)descoberta dos tesouros que o rodeiam.

Património Cultural é transmitido às novas gerações

d.r.

Alexandre FerreiraLicenciado em PatrimónioCultural, UAlg

Aqui há espectáculo

Teatro Municipal de Faro Programação: www.teatromunicipaldefaro.pt

17 a 27 SET | Festival Dance, Dance, Dance, dança contempo-rânea, espectáculos e workshops, vários preços

Mais do que um espectáculo, o concerto de Carlos do Carmo é uma viagem pela história da música portuguesa dos úl-timos 50 anos. Em 2014, Carlos do Car-mo viu a sua carreira reconhecida com o mais alto galardão da indústria musical mundial, o Grammy Lifetime Achieve-

ment Award.Este espectáculo combina a imagem teatral, o teatro físico, a animação e manipulação de objectos e a música original que transportam o espectador para um universo intimista e próximo da realidade.

Dest

aque 13 SET | Carlos do Carmo, música, 21.30 horas, 75 min,

preço: 20 e 25 euros

Cine-Teatro LouletanoProgramação: http://cineteatro.cm-loule.pt

14 SET | O Tempo dos Dinossauros, cinema, 15.30 horas, 90 min., preço: 3 euros

Os Reis Católicos decretam a prisão de Cristóvão Colombo, por considerarem que abusou do poder nas Índias. Este, em resposta, pede uma audiência com a Rainha Isabel, a Católica, para explicar os seus actos e tentar uma absolvição.La Reunión aproveita este facto histó-rico para desenvolver uma ficção que

reflecte o comportamento do ser hu-mano quando numa posição de poder.Esta produção aborda temas como a reivindicação dos povos indígenas, o poder da Igreja e da oligarquia e a luta de classes. Fala com o público sobre a condição humana em termos univer-sais.

Dest

aque 17 SET | La Reunión, teatro, 21.30 horas, 75 min., preço: 8 euros

TEMPO - Teatro Municipal de PortimãoProgramação: www.teatromunicipaldeportimao.pt

Se vasculharmos na nossa memória to-dos temos um primeiro amor. Pode ser um amor à primeira vista no autocarro. Pode ser um amor da nossa infância. Po-der ser um amor à janela. Pode ser um amor num baile. Pode ser por bilhete ou por carta. Ou então, pode ser um amor por um contrabandista de Elvas que dança melhor do que ninguém. Pode ser por aquele actor que em cena era tão bom namorado. Pode ser pelo rapaz da oficina com aqueles olhos grandes. Pode ser pelo vizinho tímido. Ou pelo rapaz a quem abri a porta na festa. Ou mesmo pela rapariga com quem choquei na rua.

Pode acabar mal, quase sempre acaba. Pode, até, nem nunca ter começado. Pode não ser o mais marcante. Pode até já ter sido esquecido… Será? O Grupo de Teatro Sénior é uma inicia-tiva da Junta de Freguesia de Portimão e tem como objectivo promover o desejo daqueles que sentem apetência para fa-zer teatro, permitindo o desenvolvimen-to da autonomia, da sociabilidade, do espírito de cooperação e do trabalho em equipa. Esta actividade visa contrariar as adversidades da vida, combater a solidão e envolver os mais idosos em actividades de criação artística.

Dest

aque 26 e 27 SET | Amor Meu, teatro, dia 26, 16 horas;

dia 27, 16 e 21.30 horas, 60 min.

Page 5: CULTURA.SUL 73 - 12 SET 2014

12.09.2014  5Cultura.Sul

“ÁRVORE 3 OLHARES”Até 27 SET | Centro de Experimentação e Criação Artística de Loulé (CECAL)Exposição de Henrique Silva, António Travassos e Ana Oliveira. Sob a temática das árvores os três ar-tistas mostram três visões diferentes e três artes dis-tintas: a escultura, a fotografia e a pinturaAg

endar

Panorâmica

Os palcos do Algarve rece-bem todos os anos dezenas de grandes nomes da música, que permitem que a região os possa ouvir e deliciar-se, mas não é todos os dias que um palco da região se pode orgulhar de apresentar um nome maior da música na-cional, do fado em particular, e um dos nomes portugueses de maior prestígio mundial.

O Teatro das Figuras acolhe amanhã, sábado, o grande se-nhor do fado Carlos do Carmo, num espectáculo que está à data de fecho desta edição do Cultura.Sul [quarta-feira, dia 10] “quase esgotado, como refere Joaquim Guerreiro, res-ponsável pela maior sala de es-pectáculos da capital algarvia.

“Será um espectáculo in-timista e onde decerto terão realce as enormes qualidades de comunicador de Carlos do Carmo e que muito nos orgu-lha ter no Teatro Municipal”, refere Joaquim Guerreiro.

A sala cheia não espanta e é mais do que merecida para aquele que no rescaldo de co-memorar 50 anos de carreira é, simplesmente, a voz do fado.

Impressivo e impressionan-te, dotado de um timbre único e inesquecível, Carlos do Car-mo não precisa prometer nada ao público que o aclama há décadas, espectáculo atrás de espectáculo. Basta-lhe ser igual a si mesmo, calmo, pondera-do, intenso e reconfortante como é, nas conversas fáceis e soltas com que brinda a assis-tência por entre os momentos do seu dom maior que é o de cantor.

Um símbolo nacional

Símbolo incontornável de fados que integram o ima-ginário colectivo da canção nacional, património ima-terial da humanidade, em melodias e poemas como Canoas do Tejo, com música e letra de Frederico de Brito; Lisboa Menina e Moça, que juntou Paulo do Carvalho

a Ary dos Santos, Joaquim Pessoa e Fernando Tordo; o memorável Estrela da Tarde, de Ary dos Santos com mú-sica de Fernando Tordo e o sempre marcante Os Putos,

onde desenhou as notas que receberam, uma vez mais, um poema de Ary, Carlos do Carmo é muito mais do que os prémios e integra em vida o património na-

cional da música.

O reconhecimentointernacional último

Mais do que a manifesta

importância nacional, ‘a voz’ - porque se não lhe pode chamar coisa diversa - viu recentemente ser-lhe entre-gue o reconhecimento mais alto a que um cantor latino pode aspirar, ao receber da Latin Recording Academy, o Prémio à Excelência Musical - “Lifetime Achievement”.

Carlos do Carmo é o único português agraciado com um Grammy na categoria “Life-time Achievment”, e apenas a cantora de ópera Elisabete de Matos, que recebeu um Grammy para Melhor Álbum Clássico, foi até hoje reconhe-cida pela academia latina.

É esta voz, cuja discografia é imensa, quer pela proficui-dade, quer pela qualidade, que subirá ao palco do Tea-tro das Figuras, para cantar e encantar com temas que va-gueiam entre Por Morrer Uma Andorinha e Júlia Florista, pas-sando por Lisboa Oxalá; Novo Fado Alegre e Pontas Soltas.

As guitarras acompanha-rão, ainda, o fadista em O Que Sobrou de um Queixume; Calçada à Portuguesa e Fado do 112, bem como, nos te-mas Vou Contigo Coração; Nasceu Assim, Cresceu Assim e Loucura.

Os duetos

Decerto não faltarão os momentos para recordar outros temas insubstituí-veis no percurso do fadista de Lisboa, mas Carlos do Carmo vem ao Algarve, tam-bém, cantar o seu novo disco Fado é Amor”

Desde sempre enamorado pelo fado, o cantor enamora--se em Fado é Amor de muitas das vozes na nova vaga de fa-distas nacional.

As faixas do mais recente trabalho de Carlos do Car-mo unem o grande senhor do fado ao ‘filho de lides’ Camané e ao arrepio da voz de Mariza.

A alma masculina do fado canta lado-a-lado

com a leve rouquidão de Carminho e a sinceridade vocal de Ana Moura, mas também se cruza com Ri-cardo Ribeiro, Raquel Tava-res, Cristina Branco, Marco Rodrigues, Aldina Duarte e Mafalda Arnauth.

O obreiro maior do fado património da humanidade volta assim a uma das suas facetas, a de mestre e mão amiga de quem se faz à epo-peia que é cantar o fado e, uma vez mais, se faz lado-a--lado com as novas vozes ao mar alteroso das emoções feitas música que expurga as dores da alma.

De sorte e destino, de amor e dor, de saudade e paixão se fará o espectáculo de Carlos do Carmo, com a força bruta de quem canta a canção nacional com do-tes de mestria sendo, tam-bém, nessa medida, a voz de Portugal.

“TESTEMUNHOS DE MILAGRE”Entre 19 SET e 20 SET | Galeria Municipalde AlbufeiraExposição de pintura de Luís Athouguia, repleta de visões oníricas, de muitos cerimoniais, um lu-gar iconográfico das abstracções das formas e dos conteúdos

fotos: d.r.

Fado maior no Teatro das Figuras com a voz de Carlos do Carmo

O fadista vai interpretar temas do seu novo disco ‘Fado é Amor’

Carlos do Carmo é o único português distinguido com o Grammy latino ‘Lifetime Achievement Award’

Page 6: CULTURA.SUL 73 - 12 SET 2014

12.09.2014 6 Cultura.Sul

“13º FESTIVAL DE FLAMENCO”12 e 13 SET | 21.30 | Centro Cultural de LagosO Festival Flamenco de Lagos celebra a sua 13º edição com espectáculos de enorme beleza visual e sonora. As três formas de ver e sentir o flamenco: o cante, o toque e o baile, fundem-se e tornam-se num espectá-culo de vanguarda, fantasia e ilusão flamenca

“A VOLÚPIA E O SUPLÍCIO DA ESTEVA”Até 30 SET | 21.30 | Casa do Sal – Castro MarimCarlos Luz apresenta, na sua exposição, uma outra perspectiva sobre a esteva, geralmente associada à desertificação e a terrenos pouco férteis, mostrando também a sensualidade, o mistério e o sofrimento, inerentes à condição humanaAg

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Uma outra voz - O rio do tempo

Gabriela Ruivo Trindade é o mais recente nome da ficção literária por-tuguesa. Nascida em Lisboa, em 1970, psicóloga de formação, residente em Londres há dez anos com o marido e os dois filhos, é a mais recente ven-cedora do prémio anual Leya. Este prémio atribuído ao seu romance Uma Outra Voz consiste no valor de cem mil euros, sendo considerado a maior distinção literária nacional que distingue autores inéditos.

A autora inspirou-se na vida de um seu antepassado, baseando-se em al-guns factos ou pormenores que lhe foram chegando através de relatos contados e escritos pelos seus pró-prios familiares, nomeadamente no blog de família. Essa biografia impre-cisa estava construída de forma im-perfeita, e felizmente que assim era, como mencionou a própria autora em entrevista, pois foram justamente as lacunas que permitiram a procura de um sentido, criado a partir do fio desta narrativa. João Francisco Carre-ço Simões, nonagenário falecido em 1954, foi um empresário natural de Estremoz, terra dos avós da autora, e transformou-se assim nessa perso-na de papel que é João José Mariano Serrão.

Na contracapa do romance po-demos ler que este homem «foi um republicano convicto que contribuiu decisivamente para a elevação de Es-tremoz a cidade e o seu posterior de-senvolvimento. Solteiro, generoso e empreendedor como poucos, abriu lojas, cafés e uma oficina, trouxe a electricidade às ruas sombrias e criou um rancho de sobrinhos a quem deu um lar e um futuro». Este discurso bastante encomiástico que encoraja, efetivamente, à leitura do livro, acaba por se tornar impreciso, na medida em que o livro dá, na verdade, mui-to pouca conta destes eventos mais importantes na vida da personagem, incidindo mais num discurso íntimo e emocional, tanto na voz do próprio, quando chegamos à segunda parte do

romance (as últimas trinta páginas), como na voz das outras cinco figuras que servem de espelhos da persona-gem. A narrativa acaba por ser muito mais sobre essas mesmas personagens do que naquela figura que se deseja-ria central. O livro Uma Outra Voz estrutura-se assim como um retrato de família polifónico. Existem cinco vozes não designadas mas claramen-te identificáveis. E esta estrutura, que procura assumir-se como esclarece-dora, refratando a verdade em vários prismas, acaba por se revelar frag-mentária, pois a figura ominosa de João José Mariano Serrão acaba por estar sempre lá embora, na verdade, seja muito pouco iluminada pelas vo-zes dos seus familiares. O mistério que se procura resolver com a escrita aca-ba por se adensar, da mesma forma que sucedeu na vida real. Deste modo podemos pensar neste romance como um puzzle criado a partir de uma ten-tativa de colar diversas partes de um retrato de uma família ou do retrato que essa família criou de um homem, imerso nas brumas do tempo: «O tempo é um rio. Um rio com muitas vozes». Existe um diário que desapa-receu na vida real, mas de que se recu-peram alguns trechos no final do ro-mance, e que relatam os dias passados em África, facto várias vezes aludido mas nunca explicado antes porque se desconhecia, lá está, toda a verdade. Mas, como alerta o próprio João José Mariano Serrão: «Afinal, onde está a verdade. Eu digo-vos: a verdade não está em parte nenhuma. A verdade criamo-la nós, com as estórias que inventamos.» (pág. 309). Tessitura

essa reforçada nas palavras do alter ego da própria autora, no epílogo do romance, quando se refere ao proces-so de bordadura designado como pé--de-flor: «tem o mérito de andar para a frente andando para trás, tal e qual me senti muitas vezes nestas páginas»

(pág. 313). E é nesses dois epílogos a encerrar a obra que existe verdadei-ramente um momento rico, original, porque despido de qualquer ilusão, onde a autora acaba por se assumir como a própria personagem que fala a partir do tempo presente, e parece dissertar sobre o próprio processo de escrita que lhe terá tomado três a quatro anos da sua vida nesta re-construção histórica que, diga-se em abono da verdade, tem muito pouco de histórica. As mulheres desta obra são, aliás, personagens muito margi-nais, se quisermos entrar um pouco no campo da pós-modernidade da ficção literária contemporânea. Ma-ria Filomena Alecrim, a quarta voz, e mãe das duas primeiras vozes a en-trar em cena no corpo do romance, é uma mãe solteira de dois filhos, o que pode ser considerado bastan-te arrojado para a sua época, tendo esta mulher nascido em 1912. Na ver-dade só um dos filhos é que é de pai incógnito, José Eduardo, pois a outra filha, saberemos depois, foi adoptada. A quinta voz é Dona Ana, uma jovem prostituta, que vamos seguindo des-

de o seu início de “carreira”, em que é ainda uma jovem imberbe e virgem até se tornar ela própria na dona do bordel em Estremoz, contribuindo de-cisivamente para a sua modernização e adaptação aos novos tempos. São as duas personagens mais atípicas e peculiarmente curiosas do romance, pela forma como conduzem a sua vida, de forma independente e deste-mida. Uma das vozes mais arrojadas e singulares da narrativa, Donana é, afinal, o verdadeiro, grande e único amor da vida de João José Mariano Serrão, que repetidamente recusa os seus pedidos de casamento, pois pre-fere negar o que lhe vai no coração, preferindo persistir em agarrar-se à independência que conquistou.

A terceira voz do livro constitui uma voz mais isolada. Álvaro, um jovem em revolta existencial, preso a uma cama de hospital, tendo aca-bado de receber a notícia de que não voltará a andar, é uma personagem inspirada num primo da autora, ví-tima de um acidente numa manifes-tação antifascista ocorrida no dia 10 de junho de 1978, em que um polí-cia disparou sobre ele, o que o deixou incapacitado. A própria autora assu-me como este episódio da narrativa se deve à necessidade que sentiu de abordar o 25 de Abril, da mesma for-ma que de início não pensou incluir essa história mas porque «mexeu mui-to comigo e achei que também fazia parte da história da minha família». Facto inegável, e que pode também justificar a pertinência da inclusão desta mesma história no conjunto da narrativa, é a forma como apesar de tudo a História se repete a si pró-pria, mesmo com os seus erros, como aconteceu há não muito tempo numa certa manifestação.

Considerado por alguma imprensa como uma obra-prima, à semelhança da obra vencedora do anterior prémio Leya (O teu rosto será o último, de João Ricardo Pedro), não perfilhamos des-sa opinião embora esta obra siga um estilo fácil de ler, numa escrita escor-reita e fluída como esse rio do tem-po que procura retratar, num registo próximo da oralidade, onde predo-minam inclusivamente vocábulos de um “falar” alentejano, o que origina a inserção de um pequeno glossário no final do livro. A escrita segue um ritmo circular, pois a narração depen-de muito mais da carga valorativa dos acontecimentos e da associação livre, em que uma ideia leva a outra.

Paulo SerraInvestigador da UAlgassociado ao CLEPUL

Letras e Leituras

fotos: d.r.

Gabriela Ruivo Trindade venceu em 2013 o Prémio LeYa

‘Uma Outra Voz’ foi o primeiro livro publicado pela escritora

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Momento

Noite de fim de Verão em Olhão

Foto de Ana Omolete

A fotografia como terapia

A fotografia tem sido uma grande alia-da para o desenvolvimento de diversos estudos, em vários âmbitos profissionais, tais como: medicina, ciências, jornalismo, psicologia etc. A possibilidade de poder produzir imagens ampliadas para pro-porcionar estudos mais detalhados e precisos tem demonstrado uma ajuda preciosa em inúmeras áreas temáticas. Entretanto, a utilização da fotografia tem sido muito promissora, na medida em que esta se torna um instrumento facili-tador, ajudando na comunicação de pes-soas com dificuldade na expressão ver-bal sobre determinados temas. De uma forma pontual aplico o uso da fotografia para reabilitação de pessoas com doença mental. Esta iniciativa tem-se mostrado

uma agradável surpresa. Neste meio, exis-tem sempre algumas dificuldades para estas pessoas exprimirem o que sentem, e deste modo, a fotografia permite criar estímulos para que as mesmas consigam manifestar interesse num determinado assunto, tornando a comunicação mais espontânea e desinibida.

Através da fotografia é possível sen-sibilizá-las para pormenores que nor-malmente passam despercebidos, tais como, as texturas, as cores, a morfologia das plantas, o modo de observar os pre-dadores naturais existentes nos jardins, o fascínio do mundo das sementes, etc. Aplicar a fotografia neste meio, gera uma forma de interação fascinante, pois sa-lienta determinados aspetos que, muitas vezes, são difíceis de ser explicados. A fo-tografia representa um elemento promis-sor no acesso à informação quanto a um mundo único, onde pessoas com doença mental vivem marginalizadas na maio-ria das vezes, de forma solitária e incom-preendida, resgatando de certa maneira uma auto-estima fragilizada pela própria doença ou pelas adversidades das suas circunstâncias.

Espaço ALFA

d.r.

Ana GonzálezMembro da ALFA

Depois de anos a exibir o olhar do fotógrafo Vítor Correia, a rubrica Mo-mento passa agora a mostrar a arte da captura do momento de Ana Omolete.

A Vítor Correia, que por razões pes-soais nos deixa, o agradecimento de-vido por anos de colaboração com o Cultura.Sul.

A Ana Omolete, que assume agora este espaço, desejamos o sucesso que estamos certos atingirá, mostrando o seu olhar único sobre a realidade.

Ana Omolete é o novo olhar da rubrica Momento

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Guadalupe - entre memórias e objetosEspaço ao Património

A Ermida de Nossa Senho-ra de Guadalupe é uma sin-gela capela localizada per-to da aldeia da Raposeira, concelho de Vila do Bispo, e tem na sua origem associado o culto a uma virgem negra. Templo onde desde sempre se celebram cultos comuni-tários de fertilidade, consi-derado pelos locais como propício para a realização de casamentos e batizados, era até há bem pouco tem-po apelidado de Capela de Nossa Senhora de Água de Lupe, sendo muito frequen-tes as idas em romaria a este local para pedir a bênção da chuva.

Para vos falar de como tudo começou, terei que re-cuar no tempo e recordar a preparação de uma pequena exposição sobre as memórias associadas a este templo: no decorrer de algumas conver-sas informais com os idosos residentes nas aldeias cir-cundantes, fui conhecendo e descobrindo um universo que na altura me era intei-ramente desconhecido; que existia um brilho nos olhos de cada vez que se fala da “ermida”, da “Guadalupe”

e a riqueza das histórias de vida desta gente.

Fiquei curiosa e quis saber mais. Fui então descobrindo

as “estórias de dentro”, que demonstram o verdadeiro afeto e carinho que estas pessoas têm por aquele lo-

cal, especial para todas elas. E as saudades que têm das idas à ermida em “romaria”, muitas vezes à noite para pe-

dir água à Nossa Senhora de “Água de Lupe”.

Foi com esta ideia em mente, das memórias asso-

ciadas a este lugar, que mais tarde organizei duas oficinas educativas dirigidas ao Jar-dim de infância de Vila do Bispo. E foi com estas crian-ças de três, quatro e cinco anos que aprendi porque é que a forma como “sentem” (usando todos os sentidos mais o “sentir”, o sentimen-to) o que está em seu redor é tão despreocupada e tão “despida” de tudo. Aprendi que é preciso “purificar” os nossos sentidos, desembru-lhá-los de aprendizagens, expetativas, preconceitos e códigos impostos para ver-dadeiramente poder aceder ao que é verdadeiro.

Guadalupe, entre memórias e objetos

Guadalupe - entre memó-rias e objetos é um projeto educativo que se foca na im-portância das memórias afe-tivas que os objetos e os espa-ços encerram, na ligação da comunidade ao território e ao seu património, na noção de partilha e de pertença. Esta ati-vidade foi ganhando forma a partir do desejo que há muito tinha de poder dar a conhecer

Maria Raquel RoxoTécnica da Direcção Regional de Cultura do Algarve

fotos: d.r.

Festa da escola na Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe

“o essencial é saber ver, saber ver sem estar a pensar, (…) Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!), Isso exige um estudo profundo, Uma aprendizagem de desaprender.”

Alberto Caeiro

Escutar PortugalSala de leitura

Paulo PiresProgramador culturalno Município de [email protected]

A Fundação Francisco Ma-nuel dos Santos [FFMS] editou, em Maio deste ano, no âmbito da sua colecção “Ensaios da Fun-dação”, a obra Sons e Silêncios da Paisagem Sonora Portuguesa, de Carlos Alberto Augusto, a qual constitui uma pertinente (e pouco habitual) abordagem ao universo do som em Portugal,

centrando-se em três vertentes principais: o ruído, o silêncio e a música.

Um dos aspectos mais interes-santes do livro tem a ver com as reflexões sobre o silêncio. Martin Luther King costumava dizer que no final não nos lembraremos das palavras dos nossos inimi-gos, mas do silêncio dos nossos amigos. Num texto inspirado pela obra de Albert Camus, in-serido na obra Biblioteca (2004), o escritor Gonçalo M. Tavares dis-serta literária e filosoficamente sobre alguns efeitos do silêncio:

Calado entrou na sala ruidosa assustando com a sua imobilida-

de e mudez aqueles que gritavam e davam murros na mesa. Todo o homem que entra traz um segredo. Mas o homem que entra calado traz um segredo e uma força. Ca-lado saiu da sala de novo ruidosa. Mas os homens que gritavam e da-vam murros na mesa tinham agora algo mais: o medo. Todo o homem que sai rouba um segredo aos que ficaram. E todo o homem que sai calado leva o segredo e a força da-queles que ficaram.

Se Tavares põe a tónica no silêncio enquanto epicentro de inquietação, expectativa, força e mistério (pela imprevisibilidade e medo que traz consigo) – pers-

pectiva que o autor Carlos Alber-to Augusto também sublinha na sua obra como faceta dominante do silêncio em Portugal: o silên-cio-medo (“Habituámo-nos, há muito, a guardar para nós, nos nossos botões, o nosso silêncio, a engolir as palavras, perdemo--nos no silêncio dos corredores, tememos o silêncio dos defuntos e guardamos silêncio sobre as nossas convicções” [p.48]) –, ou-tras dimensões podem ser igual-mente associadas ao mesmo.

Explanando uma espécie de teoria do silêncio, a obra editada pela FFMS relembra-nos que este tem um valor operacional

na comunicação e constitui, no fundo, uma construção men-tal elaborada pelo indivíduo e pela sociedade, podendo ser assim também uma podero-sa ferramenta de controlo e de domínio. Mas o silêncio tam-bém apresenta um assinalável potencial mobilizador (“a força do saber fazer silêncio”, que, em última análise, se assume como uma espécie de silêncio sonoro), quando se pretende congregar o colectivo em torno de uma causa solidária (o exemplo do “silêncio por Timor”, durante três minu-tos, em Setembro de 1999). Mas há ainda os silêncios positivos, as pausas, os silêncios serenos, os de contentamento ou de enfado, e os “silêncios-sábios” (de que fala

Fernando Pessoa; ou quando se pensa nos grandes segredos dos alquimistas: “Quem fala não sabe, quem sabe não fala”).

Adoptando igualmente uma abordagem sociológica, pode ler-se a certo passo: “Não deixa de ser irónico que este poder de produzir silêncio seja hoje incomparavelmente mais acu-tilante e eficaz do que o de pro-duzir ruído” [p.59]. E o livro re-lembra ainda que, actualmente, a capacidade mais temível é a de gerar não o som sagrado (pois as possibilidades de difundir ruí-do foram muito alargadas e es-tão ao alcance de todos) mas o silêncio sagrado, o qual permita transmitir, sem perturbações, a mensagem essencial ao funcio-

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Espaço ao Património

aos mais jovens a sabedoria as-sociada a este local, materiali-zada nas memórias e histórias pessoais dos mais velhos.

As turmas do 3.º e 4.º ano da Escola Livre do Algarve (E.L.A.), situada na aldeia da Figueira e que segue a pedagogia Wal-dorf, foram especialmente con-vidadas para a participação neste projeto educativo.

Era uma manhã fria e cin-zenta de fevereiro, mas mesmo assim o grupo de cerca de 20 alunos da E.L.A. estava muito entusiasmado com a visita a este lugar, já conhecido por algumas das crianças. Sabiam que se ia falar de memórias. Mas o que são as memórias? E foi assim que se deu início a esta viagem…

“O que é a memória? Podemos tocá-la?

Podemos cheirá-la? Como guardamos

memórias? As memórias

têm cheiro? Existem objetos com

memória? E este lugar? Que me-

mórias terá?”

Os alunos foram convida-dos a visitar a ermida como “guardadores de memórias”: levaram consigo todos os registos desta visita; fosse através de algumas palavras registadas em papel ou sen-sações inscritas nas suas men-tes; fosse através dos possíveis segredos sussurrados que em

tempos se ouviam através de uma cadeira (cadeira de con-fessionário) e pelas histórias mágicas contadas pelos mais velhos da comunidade sobre este lugar, em torno de um “objeto-memória”.

A partir de um “objeto-me-mória”, neste caso uma lanter-na a petróleo, as anciãs convi-dadas especialmente para este dia, a D. Joaquina e a D. Gua-dalupe, contam as suas his-tórias do passado: as viagens que faziam à noite em tempos idos, de como percorriam a pé estas terras com destino a este lugar, a esta ermida, para pe-dir a bênção da água, ilumi-nadas pela luz desta lanterna. De como este lugar é desde sempre muito especial para

os mais velhos, pois é um es-paço de fé, de esperança, de re-fúgio. Um lugar que lhes está no coração.

A entrega pelas mãos da an-ciã do seu “objeto-memória” à turma foi o início de um pro-cesso que se pretende dinâmi-co, enriquecedor e promotor do retorno a este lugar. As crianças levam para a escola essa me-mória (a lanterna), juntamen-te com outras memórias que entretanto foram “guardando” e são convidadas a reescrever a mesma, enriquecendo-a com novas camadas, através da criação de um trabalho criati-vo realizado em conjunto. Fica a promessa de devolução do ob-jecto às anciãs e de criação das suas próprias memórias. Este compromisso é assumido por todos e é “selado” com o toque do sino da igreja.

A Ermida de Nossa Senho-ra de Guadalupe foi o lugar escolhido para a realização da festa de fim de ano lectivo desta escola, que aconteceu no passado dia 17 de junho, com a plena adesão de toda a comunidade escolar. O tem-plo estava repleto de crianças, professores, pais, familiares, irmãos e vizinhos.

A D. Joaquina e a D. Gua-dalupe foram também con-vidadas. No final da festa as crianças devolveram às anciãs o objeto-memória e apresen-taram a toda a comunidade os trabalhos (desenhos) que criaram em torno dessa “me-mória” e sobre este lugar de memória.

Atividade “Guadalupe - entre memórias e objetos”

Desenho entregue por uma das crianças

Ermida de Nª Sra. de Guadalupe- Jardim de Infância de Vila do Bispo

namento das coisas. E o autor vai ainda mais longe na sua reflexão, numa afirmação (realista e iróni-ca) que não dispensa uma leitura igualmente política: “Não adian-ta ter a capacidade de produzir som. Só quem tem a capacidade de silenciar os outros pode aspi-rar ao reconhecimento” [p.60].

Mas nem só de silêncios se faz este ensaio. Sempre imbuída do lema de Voltaire (o ouvido é o caminho do coração), a obra também fala da música como elemento da paisagem sonora portuguesa e da sua ligação aos meios electroacústicos de trans-missão e difusão. Fazendo uma leitura muito crítica da presença musical nos órgãos de comuni-cação (“o figurino da sua marca

na paisagem sonora é hoje o mesmo em todo o lado”, “sem quaisquer pausas ou respira-ções”), o autor sublinha o poder perverso da mesma ao nível do silenciamento, moldagem de rit-mos e comportamentos, e condi-cionamento da escuta por parte do indivíduo e do colectivo.

Ainda no domínio musical – e além de focar, de forma aces-sível aos menos especializados, aspectos técnicos relativos ao estudo dos sons (electroacús-tica, ecologia acústica, etc.) –, são explorados exemplos do quotidiano ligados aos ofícios dos moleiros, pescadores e pas-tores, em que se observa uma relação dinâmica e equilibra-da entre os sons da natureza

e dos seres vivos e o ambiente sonoro mecânico (os utensílios, ferramentas e apetrechos usa-dos nestas profissões), a qual configura, sustenta e equilibra harmoniosamente esses ecos-sistemas sonoros que aliam a vertente profissional/pragmáti-ca às dimensões lúdica, afectiva e relacional. Aliás, em Portugal têm sido muitos os estudiosos da Etnomusicologia que têm re-alçado a diversidade e riqueza da paisagem sonora nacional. Lembramos, por exemplo, os trabalhos de Michel Giacometti, que recolheu espécimes precio-sos como o “Ai leva, leva” (me-lopeia polifónica entoada pelos pescadores para cadenciar o lançamento e recolha das redes)

ou o “Aboio” (cantilena usada pelos pastores para conduzir o gado e “matar o tempo”).

A partir do exemplo dos “si-nos electrónicos” (que, desde os anos 80, começaram gradu-almente a substituir o toque humano dos sinos) e da con-sequente banalização do seu uso ritual, o autor alerta ainda para as repercussões mais per-niciosas da mecanização da paisagem sonora portuguesa: “o ‘sino electrónico’ retirou a carga simbólica e dramática ao sinal, remexeu territórios à pro-cura de identidades perdidas ou falsas, pôs em causa velhas rela-ções de autoridade e espalhou a confusão” [p.43].

Há ainda lugar para uma

fundamentada reflexão sobre o potencial poluente do ruído na sociedade actual (a chamada “es-quizofonia”), em que esta obra questiona a relação entre o pro-gresso material, a expansão do ruído e a surdez total da popula-ção, dissertando-se ainda, no to-cante ao controlo do ruído, sobre a regulamentação existente em Portugal: “uma das causas princi-pais para a ineficiência do Estado é a dependência absurda de cri-térios tecnicistas e legalistas para avaliar situações que são muitas vezes do senso comum. O fantas-ma dos equipamentos de medi-da e do decibel pairam sobre as reclamações de ruído como se estes fossem o princípio e o fim de qualquer ambiente sonoro

desejavelmente equilibrado e sadio” [p.35].

Os estudos científicos dizem--nos que os bebés conseguem ouvir sons logo nos primeiros meses de gestação, reagindo dentro da barriga da mãe a es-ses estímulos, e que à vigésima semana o seu ouvido está com-pletamente formado, sendo que, aos três anos, a capacidade audi-tiva (e neuro-sensorial em geral) humana encontra-se no seu pon-to máximo de evolução. Peran-te responsabilidades como esta, no remate da obra surgem duas questões, porventura, primor-diais: não será urgente soarmos melhor (não fôssemos todos de-signers sonoros)? E pararmos um pouco para escutar melhor?

foto: vanda oliveira

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“LOS NUEVOS CAMINOS”Até 31 OUT | Casa dos Condes - AlcoutimNatural de Buenos Aires, Pedro Solá herdou da sua mãe e dos seus avós o gosto pelas artes. Concentra no seu espólio a pintura, o desenho, a escultura e a cerâmica

Agendar

“A FÁBRICA (STAND UP COMEDY)”19 SET | 21.30 | Centro Cultural de LagosO trio de actores Pedro Borges, Telmo Ramalho e Marta Borges sobem ao palco com uma temática de fundo cativante, cenário e figurinos renovados, novos jogos de improviso e toda uma dinâmica de espec-táculo que o torna ainda mais atraente

Setembro

Pedro [email protected]

O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N

Estes dias de canícula

Em agosto perguntava sempre ao meu avô quando era o dia da maior maré do ano, em-bora ele quase sempre me dissesse que era bem provável que a de setembro ainda fosse um pouco maior. gostava de vê-la vazar muito e tentava atravessar com pé os canais da ria for-mosa. à tarde ia sempre ver até onde a água da preia-mar tinha chegado. ficava ali a observar aqueles 10 a 12 minutos em que se diz que as águas param. antes e depois da maré começar a vazar ou encher novamente. era então só nes-ses momentos que me apercebia que o mar era maior que a vida em terra.

Poesia na Rua

As ruas de Cacela Velha voltam a encher-se de poesia, no próximo domingo,  dia 14 de Se-

tembro, com mais uma edição da «Poesia na Rua», que tem como ponto de partida a herança poética de Ibn Darraj al-Qastalli, natural de Ca-cela, onde nasceu em 958, bem como de outros poetas que escreveram sobre Cacela Velha ou aí viveram, como são os casos de Abû al-‘Abdarî, Sophia de Mello Breyner Andresen, Eugénio de Andrade, Teresa Rita Lopes ou Adolfo C. Gago.

Como vem sendo hábito, durante este dia Cacela Velha irá oferecer a todos os visitantes, sessões de poesia, conversas, exposições, apre-sentações de antologias, homenagens e um mercado de rua com livros e produtos locais. Mas porque esta será uma festa em redor das palavras, haverá ainda múltiplas obras para ler e consultar diante do magnífico cenário natural de Cacela Velha, bem como um «estendal de poesia» onde cada visitante será convidado a deixar o seu poema ou a levar consigo aquele que mais gostar. O programa começa às 10h00, e pode consultar-se no facebook do CIIPC – Cen-tro de Investigação e Informação do Património de Cacela.

Postais da Costa Sul~ depois que tu partiste, o vento começou

a soprar muito forte de sudoeste, ou seja, do lado do farol do cabo carvoeiro. quando assim é, a areia da praia fica varrida e apesar de não estar frio, o desconforto provocado pelos finos grãos a picar no corpo faz com que os veranean-tes levantem ferros mais cedo. até os pequenos guerreiros do areal são obrigados a bater em retirada, com promessa de novos reinos encan-tados algures perto dali. a falta desse burburi-nho, neste fim das férias de verão preconiza a tua ausência ~

Sophia e as férias

«Naquele tempo as férias eram mais com-pridas(…) estavam de acordo com o clima do

nosso país, não como agora que as crianças deixam o campo, a praia e a montanha para se meterem, contra a natureza, nas salas de aula durante os maravilhosos dias de setembro. O meu ano lectivo não seguia as datas dos países onde em Setembro já há frio e chuva. Está claro que agora o tempo deu uma cambalhota e já ninguém sabe em que estação do ano está!» ~ fala assim a sensibilidade de Sophia de Mello Breyner Andresen.

Estofo de Maré

o mar assomando à janela de sulé mais uma via de escapena simples brutalidade deste tempo

quem sofrer que partaquem assim desejar, que fiquequem ficar por aí que morramas o que for o último a sairque escreva o poema e feche o postigo

António Bentes FrancêsAbro a página de um blogue e reencontro

António Bentes Francês (Lagoa, Algarve), po-eta, olisipógrafo e contador de histórias e de sonhos. Relembro os versos de ‘O Chão dos De-dos’ (apa, 2001) que um dia li e transcrevi para me acompanharem num pequeno caderno, até hoje: «Gosto das coisas que não entendo com-pletamente./Esse alheamento ajuda-me a vencer a inquietação./A inquietação de me sentir sa-

turado de mim por dentro./Sonho a esperança ténue de envelhecer devagar.»

Septetos

É um espaço da Rádio Universitária do Algar-ve em 102.7 fm, em Faro, dedicado à poesia. Dia-riamente, um poema. Uma rubrica onde sete escritores declamam curtas poéticas para dar a conhecer o que se faz pelo Algarve e para es-timular o gosto pela poesia. Uma apresentação simples e fácil para chegar ao público em geral. Para que descubram a Poesia que ouvem, mas também a Poesia que todos têm dentro de si.

fotos: d.r.

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Vera e Fábio – novas pinceladas nos Frescos de Pompeia

Da minha biblioteca

Adriana NogueiraClassicistaProfessora da Univ. do [email protected]

“VOLKER HUBER, O HOMEM E A SUA VIDA”Até 4 OUT | Galeria de Arte do Convento Espírito Santo - LouléAtravés de documentos fotográficos e vídeo, esta exposição tenta retratar a personalidade do funda-dor do Centro Cultural São Lourenço, em Almancil, revelando também a sua veia artística Ag

endar

“O ALGARVE!”Até 30 NOV | 21.30 | Museu Municipalde Arqueologia de AlbufeiraExposição com reproduções das pinturas de George Landmann, que apresenta imagens do Barlavento e Algarve Central no século XIX, captadas por um estrangeiro viajado e curioso

Lívia Borges apresenta um segundo romance da saga Frescos de Pompeia. Digo «um» segundo e não «o» se-gundo, pois, como a autora tem revelado nas apresen-tações, quer de Julia Felix, o seu primeiro romance (v. Cultura.Sul, de agosto de 2011), quer deste, os seus livros foram desenhados como fazendo parte de um todo (alguns já estão mes-mo completamente escri-tos), constituindo, no final, um vasto fresco da vida em Pompeios*, na época impe-rial. Este segundo romance de Lívia Borges tem como personagem principal uma escrava, que aparecia mui-to secundariamente no primeiro romance. Por seu lado, Julia Felix entra aqui, não como protagonista, mas como antagonista e propi-ciadora de muitas situações difíceis que Vera tem de vi-ver e suportar. Uma forma inteligente de nos prender a uma coleção e de nos fazer ansiar pelo volume seguinte. E, apesar de haver uma rela-ção lógica entre eles, a nos-sa ordem de leitura pode ser variável. Um desafio.

Viajante no tempo

Vera e Fábio (Chiado Edi-tora, 2014) tem uma par-ticularidade que estimula o meu gosto pela temática das viagens no tempo. É ver-dade, confesso. Sempre achei curioso como os autores re-solviam as incongruências que necessariamente nos

vêm à ideia quando pensa-mos na possibilidade de al-guém poder ir ao passado (ou ao futuro) e não alterar nada. E Lívia Borges passa com distinção, pois não é fá-cil fazer encaixar as peças do passado com as do presente.

Nesta ficção, Vera, uma portuguesa a passar por um período de depressão pro-funda e desgaste do casa-mento, vai, um pouco con-trariada, de viagem a Itália. Durante um passeio em Roma, na Via Ápia, é trans-portada para o passado, com o quebrar de um ovo (com toda a metáfora que um ovo carrega: princípio de novo ci-clo, início, embrião de nova vida…), e é com o quebrar de outro ovo que retorna ao presente.

Como resolveu a autora as situações mais práticas? Como comunicava Vera, não sabendo latim? Alguns auto-res põem todos a falar a mes-ma língua. Vemos isso quase sempre nos filmes america-nos, onde todos falam inglês, desde os alienígenas aos ín-dios, aos chineses, aos ani-mais… Aqui, como Vera não sabia a língua do império ro-mano, não comunicava qua-se com ninguém. Havia até quem a considerasse muda. E sempre que as outras perso-nagens falam (em latim na-turalmente), o texto aparece em itálico, e o seu teor real-ça a dificuldade de compre-ensão. E como fazer com as roupas? Há autores que co-locam as personagens a sur-girem nuas no local/tempo de destino (situação deveras embaraçosa, convenhamos). Lívia Borges optou por deci-dir que Vera manteria as suas roupas modernas ao chegar a Pompeios («– Que vestimentas são essas que usa? // – Algum costume bárbaro, certamente.» p.43) e o mesmo aconteceria quando regressasse ao séc. XXI («Pensava que tinha sido uma boa ideia descartar-se

da túnica romana rasgada e suja de sangue. Usava um vestido que surripiara num estendal, três números aci-ma e que ajeitara o melhor possível ao corpo. Mantivera, contudo as sandálias roma-nas pois não desencantara nenhuns sapatos» p.282).

Loquerisne linguam latinam?

Este livro também é sobre a (ou a falta de) comunica-ção entre as pessoas. Que-rendo, há várias formas de nos fazermos entender, mas nem sempre muito eficazes. Este pequeno excerto, com um certo humor, demostra uma tentativa de entendi-mento (pp.137; 139):

«– Queria agradecer-te, por aquilo que fizeste por mim… Foste tu que pediste a Julia Felix para me comprar.

Sem o teu gesto, estaria per-dida (…).

– Não percebi uma única pa-lavra do que me disseste. Que língua falas, hispânica?

(…) – De onde vens, Fabius?

Vocês tratam-me por hispâ-nica, presumem que venho da Hispânia. (…)

O gladiador semicerrou os olhos.

– Hum… Falas-me da His-pânia? Queres saber de onde venho.

E ela tornou, decompondo o nome da província:

– His-pâ-nia.E ele revelou, imitando-a:– Dá-cia… Dá-cia.Vera sorriu com a desco-

berta.– Dácia?– Dácia… essa é a minha

pátria. A Dácia. Pertenço à tribo dos suci, mas vivi muito tempo na Mésia, junto à fron-

teira e ao castro da legião.– Dácia… Ora, a Dácia.

– Ela colocou um dedo no queixo, revendo os seus co-nhecimentos sobre a geo-grafia antiga. – Se vens da Dácia… A Dácia, se bem me lembro, agora chama-se Roménia. O que faz de ti, segundo a minha classifica-ção… romeno. És romeno.

Ele franziu a testa.– Romano? Por que falas nos

romanos? Sou dácio, desprezo os romanos. Foram ele que me fizeram escravo.

– Romanos? A que propó-sito vêm os romanos?»

Viajem ao fundo da alma

A ida ao passado de Vera (sintagma que encerra duas verdades, podendo ser cor-retamente lido no seu duplo sentido: «ida que Vera faz ao passado» e «ida que Vera

faz ao seu próprio passa-do») não é inócua. De facto, as nossas ações são sempre consequentes, sejam elas em que épocas forem, mesmo que não conheçamos o seu alcance. A bruxa responsá-vel por esta viagem assume a responsabilidade da sua de-cisão, admitindo que alterou a história, mas não nos diz como: «Mudaste a tua vida e a vida de todos com os quais estiveste. A culpa foi minha, confesso. Interferi nos de-sígnios dos deuses. Mudei o teu rumo e mudei o rumo de Pompeia» (p.280).

A viagem de Vera, que po-derá parecer um sonho, é sentida sempre como mui-to real. E longe de ser uma mulher linda, esplendorosa, uma princesa (como quase todas as pessoas imaginam que foram em vidas passa-das), Vera é uma pessoa nor-mal, com um ar pouco fino, que vai viver como escrava, que encontra forças, cren-ças, resistência, resiliência, que nem sabia que tinha e que lhe vão servir nesta vida/tempo, de onde tinha fugido.

Para quem gosta de ro-mances históricos e de Roma antiga em particular (que é o meu caso), este livro, es-crito de uma forma vívida (não ocultando a violência e as arbitrariedades da épo-ca), visual, olfativa, irá pre-encher as suas expectativas.

E se ainda não leu Julia Felix (Ed. Presença, 2011), é altura de o fazer.

* Em 2011, a propósito de Júlia Felix, escrevi neste jornal: «Pom-peios – a minha formação de classi-cista obriga-me a esta nota. A cidade vesuviana, em Latim, é Pompeii, um nome masculino plural. O nome «Pompeia» foi um erro de tradu-ção do popularíssimo romance de Edward Bulwer-Lytton, de 1834, The Last Days of Pompeii, por Os últimos dias de Pompeia. O nome da cidade, em português, é Pompeios.»

‘Vera e Fábio’ é o segundo romance de Lívia Borges

d.r.

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12.09.2014 12 Cultura.Sul

Dando cumprimento à sua missão de criar melhores con-dições de acesso aos bens cul-turais, a Direção Regional de Cultura do Algarve tem pro-curado requalificar os espaços visitáveis e os equipamentos de apoio à visita dos oito monu-mentos que tem diretamente a seu cargo. Neste âm-bito, tem dado uma ênfase parti-cular às questões de acessibilidade física e de comuni-cação desses bens cultu-rais imóveis. Desde logo pro-movendo a necessária reflexão sobre os conceitos e práticas da acessibilidade (exemplificada nos encontros transfronteiriços de profissionais de museus al-garvios e andaluzes). Mas tam-bém através da melhoria do acesso aos conteúdos explica-tivos, com a criação de nova si-nalética para os monumentos e a instalação de meios auxiliares de leitura dos mesmos, exem-plificada pela maqueta tátil dirigida a visitantes invisuais e amblíopes.

Prosseguindo esta sua mis-são, a Direção Regional de Cultura do Algarve procurou a colaboração da Exciting Space. Esta empresa jovem, sediada numa incubadora de empresas de Lisboa e especia-lizada na criação de conteú-dos, desenvolveu o produto StoryTrail, um conceito que se começou a pensar há cerca de dois anos atrás e que a em-presa apresentou já em dois concursos, tendo, em cada um deles, recebido a “Menção Honrosa”: Prémio Nacional das Indústrias Criativas Serral-

ves / Unicer (2013) e Vodafone Big Apps Lisboa (2014).

O conceito – agora desen-volvido especificamente para as ruínas romanas de Milreu – é relativamente simples mas extremamente inovador. Em Milreu, um dos mais significa-

tivos sítios arqueológicos do Algarve, situado junto à loca-lidade de Estoi, podem visitar--se os vestígios de uma impo-nente villa da época romana, um palácio rural construído entre os séculos II e IV da era cristã mas habitado até ao sé-culo X. A partir de um guião preparado com a orientação científica de historiadores e arqueólogos, foi desenvolvi-

da uma aplicação que pode ser utilizada durante

a visita ao monu-mento, ou então a partir do con-forto do lar. Caro-

lina, a guia virtual, acompanha o visitante

aos principais pontos de in-teresse do monumento, num percurso virtual por entre os edifícios romanos arruinados, e os seus passos podem ser se-guidos no local pelos visitan-tes, enquanto ouvem os seus comentários acerca das insta-lações habitadas na Antigui-dade por senhores e servos, num ambiente de luxo onde não faltavam as termas, os es-tuques pintados, as esculturas, os mosaicos e um templo mo-numental.

A aplicação Milreu – Story Trail encontra-se disponível, de forma gratuita, na Apple Store, para iPhone e iPad, es-tando em estudo versões para Android e WindowPhone. Através da página internet www.cultalg.pt – Monumen-to de Milreu, também se con-segue aceder ao link para des-carregar a aplicação.

Direção Regional de Cultura do Algarve

Milreu - StoryTrail: as tecnologias ao serviço do património

d.r.

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Aspecto da aplicação para plataformas móveis

A Direção Regio-nal de Cultura do Algarve, com a colaboração da empresa Exciting Space, introduziu nos monumentos que lhe estão afe-tos no Algarve um inovador conceito de visita guiada. Uma aplicação para equipamentos ele-trónicos móveis de-senvolvida para as ruínas romanas de Milreu, permite re-alizar uma visita ao monumento, explo-rando os principais pontos de interesse na companhia de uma guia virtual