cultura.sul 83 - 7 ago 2015

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www.issuu.com/postaldoalgarve 9.089 EXEMPLARES Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO AGOSTO 2015 n.º 83 D.R. O Algarve num outro olhar ps. 4 e 5 Vidadupla segundo Sérgio Godinho p. 10 D.R. Agosto recheado de cinema p. 3 D.R. Editorial: Cultura ‘à fresca’ p. 2 Artes visuais: Qual a margem de liberdade do artista? D.R. p. 6 D.R. Grande ecrã: Umberto Eco: As notícias do amanhã p. 8 D.R. Letras e Leituras:

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• CONHEÇA O CULTURA.SUL DESTE MÊS • Sexta-feira (dia 7/08) nas bancas com o PÚBLICO e o POSTAL • Partilhe o seu caderno mensal de Cultura no Algarve • EM DESTAQUE: > EDITORIAL: Cultura ‘à fresca’, por Ricardo Claro > GRANDE ECRÃ: Agosto recheado de cinema, por Cineclube de Faro > PANORÂMICA: O Algarve num outro olhar, por Ricardo Claro > ARTES VISUAIS: Qual a margem de liberdade do artista?, por Saul Neves de Jesus > LETRAS E LEITURAS: Umberto Eco: As notícias do amanhã, por Paulo Serra > SALA DE LEITURA: Vidadupla segundo Sérgio Godinho, por Paulo Pires > O(S) SENTIDO(S) A 37º N: Agosto, por Pedro Jubilot > DA MINHA BIBLIOTECA: «Salpicos de vida» em Só mais um abraço, de Maria de Fátima Santos, por Adriana Nogueira

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Page 1: CULTURA.SUL 83 - 7 AGO 2015

www.issuu.com/postaldoalgarve9.089 EXEMPLARES

Mensalmente com o POSTAL

em conjuntocom o PÚBLICO

AGOSTO2015n.º 83

d.r

.

O Algarve num outro olhar

ps. 4 e 5

Vidadupla segundo

Sérgio Godinho

p. 10

d.r.

Agosto recheado de cinema

p. 3

d.r.

Editorial:

Cultura ‘à fresca’p. 2

Artes visuais:

Qual a margem de liberdade do artista?

d.r.

p. 6

d.r.

Grande ecrã:

Umberto Eco: As notícias do amanhã

p. 8

d.r.

Letras e Leituras:

Page 2: CULTURA.SUL 83 - 7 AGO 2015

07.08.2015 2 Cultura.Sul

AGENDAR

Novo espaço de encontro: “Café com Letras”, Sextas às Seis

Inserida na sua estratégia de valorização, promoção e reforço da divulgação das Ar-tes e das Letras na região, a Di-reção Regional de Cultura do Algarve, em parceria com a Biblioteca da Universidade do Algarve e com a FNAC de Faro, decidiram criar um novo espa-ço de promoção das Letras do Algarve.

O café é, normalmente, ser-vido quente, e considerado um estimulante. Assim também estes encontros que se preten-dem quentes e vivos (de inver-no ou de verão!), para animar os nossos fins de tarde, que te-rão lugar nas primeiras sextas de cada mês, no novo espaço que a FNAC criou em Faro e no qual tem procurado estabele-cer uma relação próxima com a comunidade.

Este projeto, resultado de uma feliz associação entre es-tas três entidades, conta com a

participação da população, em geral, e da comunidade acadé-mica, em particular, que se de-seja culturalmente envolvida e participativa.

Conversas vivas e entusiastas em torno de livros, da leitura, do presente e do passado, da música, do cinema, das artes, enfim, da Cultura, que é o que nos move e ocupa o cen-tro desta proposta para a qual contamos com a vossa presen-ça. Este encontro acontecerá nas primeiras Sextas de cada mês, pelas 18 horas.

A primeira proposta de en-contro é para dia 4 de Setem-bro, pelas 18 horas, na FNAC do Forum Algarve e resulta da primeira edição assumida pela Direção Regional da Cul-tura do Algarve no âmbito do regulamento de apoio a obras temáticas, que identifica como preocupação central “contri-buir para o conhecimento e maior divulgação da história e da identidade regional”.

O trabalho de Cláudia Diogo sobre as Lendas e outras Me-mórias de Monchique decorre da investigação e dissertação

desenvolvida no âmbito do seu mestrado e revelou-se um estudo académico de grande valor e coerência técnica. A au-tora aceitou o desafio de adap-tar o seu trabalho tendo em vista alcançar um público de leitores mais abrangente, sem, contudo, lhe retirar a vertente de cuidado científico colocado

na investigação.O património oral, as lendas

e memórias de Monchique, tornam-se assim acessíveis a um mais largo leque de inte-ressados. Este registo de sabe-doria e tradição popular é fun-damental, pois sedimenta uma identidade e memória coletiva, ao mesmo tempo que permi-

te que se estabeleçam diálogos intergeracionais, se transmita conhecimento e se valorize um património cultural imaterial do interior do Algarve.

Consideramos este um li-vro pioneiro no registo cui-dado que faz da transmissão oral armazenada na memória da população monchiquense e particularmente oportuno porque está associado a uma janela de temporalidade estri-ta, a partir da qual este registo específico seria impossível ou seria alterado porque sujeito a novas formulações de pensar, viver e sentir. Seguir-se-ão ou-tras sextas e outros temas, que oportunamente divulgaremos.

Para a agenda:4 de Setembro, 18 horas,

Património imaterial do AlgarveLendas e outras memórias

de Monchique, de Cláudia Diogo.Livro publicado pela DRCAlg.

Apresentação: Natércia Magalhães/DRCAlg.

Parceria: Biblioteca da Universidade

do Algarve/Fnac/DRCAlg.

Ponto de partidaOs caminhos actualmente

percorridos pela sociedade con-temporânea levaram a uma to-mada de posição por parte das instituições mundiais, no sentido de atribuírem novas responsabi-lidades e competências às insti-tuições museológicas.

Assim, a Museologia e todos os técnicos ligados a equipamen-tos culturais foram obrigados a reflectir o seu papel e a redefinir metodologias.

Fruto deste debate de ideias, os museus deixaram de ser me-ros repositórios de peças, para passarem a assumir funções em áreas tão importantes como a Investigação, a Comunicação e,

claro, a Educação. Esta nova abordagem técnica

tornou-se também sensível aos “novos públicos”, que até então

tinham dificuldade em contactar com esta realidade. Muito é feito hoje em dia no âmbito das aces-sibilidades e da inclusão, para que seja impossível conceber um espaço que não permita acolher todos os tipos de público.

Este trabalho é interminá-vel mas o Museu Municipal de Olhão também se associou a este desafio.

Com o objectivo de tornar esta instituição viva e focada na comunidade, dispõe de uma equipa técnica especializada focada na conservação, estudo e divulgação junto dos diversos públicos, do seu acervo constituí-do por: património marítimo, ar-

queologia, numismática, indús-tria conserveira, artes plásticas e decorativas, fotografia, metro-logia, cinema, fainas agromarí-timas, maquetas navais, armas, maçonaria e farmácia.

São destes autênticos pe-daços de história e cultura olhanenses que vive o Museu Municipal – Edifício do Com-promisso Marítimo, e é com o objectivo de preservar e per-petuar a sua memória que tra-balhamos no sentido de fazer mais e melhor.

Hugo OliveiraCoordenador

do Museu de Olhão

Editorial Missão Cultura

Direção Regionalde Cultura do Algarve

Juventude, artes e ideias

“FORA DO BARALHO”Até 29 AGO | 21.30 | Teatro Municipal de PortimãoTrata-se de um espectáculo para toda a família que mistura a arte da ilusão com a arte cénica e teatral e que conta a história de um mágico que está a tentar criar o seu próximo espectáculo

“ESCOLA INTERN. ARTES DE LOULÉ 1993-1997”De 13 AGO a 30 SET | Convento de Santo António - LouléExposição apresenta trabalhos recentes de professo-res da Escola das Artes, em particular de Bruce Dor-fman, Minerva Durham, Enrico Gonçalves, Cécile Massart e Pascaline Wollast

foto: drcalg

Monchique, jardins do centro da vila

Agosto é por terras algarvias, todos os anos, sinónimo de cul-tura na rua, com a grande maio-ria dos momentos culturais, dos mais diversos géneros e estilos, a ter lugar fora de portas.

É como se a cultura, também ela, se quisesse pôr 'à fresca', nes-tes dias de estio.

É debaixo de um calor tórrido que as manifestações culturais se fazem ao ar-livre, em praças, auditórios de rua, à beira-mar e junto às margens dos rios.

Num registo que há anos não se via, o mês passado fez-se de noites de invejáveis temperatu-ras, a fazer esquecer os casacos e outros apetrechos sempre indese-jados no Verão e se Agosto repe-tir o estilo meteorológico, então a cultura está de parabéns neste período de espaços abertos e are-jados a fazerem as vezes de palcos.

Certo é que, em estilos mais ou menos populares, das festinhas, às festas, das maiores às mais pe-quenas performances, o Algarve popula por estes dias de uma pu-jança que a cada ano só se vê nos meses de época alta.

Estes são dias de percorrer a região de lés-a-lés e de encontrar em cada esquina uma forma di-ferente de viver as férias com um toque cultural.

Podem até não ser as manifes-tações eruditas a que convidam as salas confortáveis e apetre-chadas, mas a cultura é muito mais do que esses momentos, e em muitos dos exemplos que enchem a região durante Agos-to, a verdaedira identidade do Algarve está presente como difi-cilmente estará dentro de portas.

Mais do que banhos de mar, noites aceleradas e sol e areais a perder de vista, o Algarve apre-senta-se, uma vez mais, rechea-do de boas propostas culturais, atreva-se porque vai decerto valer a pena.

Cultura 'à fresca' em Agosto

Ricardo [email protected]

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07.08.2015  3Cultura.Sul

Espaço AGECAL

Grande ecrã

Cineclube de Faro Programação: cineclubefaro.blogspot.pt

Q - ESPAÇO CULTURAL (Jardins do antigo Magistério Primário) | 21.30 HORAS (* sessões gratuitas)

09 AGO - O INFERNO, Carlos Conceição, Portugal, 20’ | VÍCIO INTRÍNSECO, Paul Thomas Anderson, EUA, 2014, M/16, 148’13 AGO - FURICO & FIOFÓ, Fernando Mil-ler, Brasil, 7’ | OS GRANDES ALDRABÕES, Leo McCarey, EUA, 1933, 68’, M/616 AGO - O HOMEM DA CABEÇA DE PA-PELÃO, Luis da Matta Almeida, Pedro Lino, Portugal/ RU, 9’ | PHOENIX, Christian Pet-zold, Alemanha, 2014, 98’, M/1220 AGO - YVONE KANE, Margarida Car-doso, Moçambique/Portugal/Brasil, 2014, 117’, M/12

23 AGO – ESTÓRIA DO GATO E DA LUA, Pedro Serrazina, Portugal, 5’ | O CONTO DA PRINCESA KAGUYA, Isao Takahata, Ja-pão, 2013, 137’, M/6

Cineclube de TaviraProgramação: www.cineclubetavira.com281 971 546 | [email protected]

MOSTRA DE CINEMA NÃO-EUROPEU – AR LIVRE | CLAUSTROS DO CONVENTO DO CARMO | 21.30 HORAS

7 AGO | BEGIN AGAIN (NUM OUTRO TOM), John Carney, E.U.A. 2013 (104’) M/12

8 AGO | SELMA (A MARCHA DE LIBERDA-DE), Ava DuVernay – E.U.A./Reino Unido 2014 (128’) M/129 AGO | THE WIND RISES (AS ASAS DO VENTO), Hayao Miyazaki – Japão 2013 (126’) M/1210 AGO | LEVIAFAN - LEVIATHAN (LEVIA-TÃ), Andrey Zvyagintsev – Rússia 2014 (140’) M/1411 AGO | CITIZENFOUR, Laura Poitras – E.U.A./Alemanha/Reino Unido 2014 (114’) M/1212 AGO | LIKE FATHER, LIKE SON (TAL PAI, TAL FILHO), Hirokazu Koreeda, Ja-pão 2013 (121’) M/12

Agosto recheado de cinemaAo contrário do que é tradição,

o Cineclube de Faro tem este ano uma agenda de Agosto muito preenchida, fruto do inovador projecto que junta diferentes artes e associações culturais de Faro, chamado Q-Espaço Cultu-ral. A actividade cineclubista do CCF estende o Cinema ao Ar Livre pelo mês de Agosto, trazendo à tela do antigo Quintalão do Ma-gistério Primário, em plena Vila Adentro, uma programação que junta clássicos e alguns dos me-lhores filmes estreados no último ano. Os oscarizados Citizenfour, de Laura Poitras, Boyhood-Momentos de uma Vida (Richard Linklater), Vício Intrínseco (Paul Thomas An-derson), ou ainda a singularidade voyeurista hitchcockiana d’A Jane-la Indiscreta, o humor intemporal e frenético dos Irmãos Marx no preciosíssimo Os Grandes Aldra-bões, o virtuosismo de Christian Petzold em Phoenix, o desarmante Yone Kane de Margarida Cardoso, o virtuosismo da animação dos estúdios Ghibli com O Conto da Princesa Kaguya ou ainda o sem-

pre presente Woody Allen com Magia Ao Luar são as sugestões do cartaz do Q- Espaço Cultural, sempre às quintas-feiras e domin-gos, a partir das 21:30.

O cinema ao ar livre, pela mão do CCF não fica no entanto por aqui, entre parcerias e colabora-ções, o cinema é uma constante no Verão e destacamos ainda

mais uma edição do Cinema sob as estrelas em Cacela Velha, a 25 de Agosto com O Sal da Terra, filme centrado na vida e obra de Sebastião Salgado e ainda o genuíno e singular Volta à Terra primeiro e único filme assinado por João Pedro Plácido a 1 de Setembro.

Cineclube de Faro

Imagem do filme 'Magia ao Luar' de Woody Allen

fotos: d.r.

O conceito de Património Cul-tural evoluiu bastante nas últimas décadas, não sendo hoje entendi-do apenas como algo relaciona-do com o passado, mas sim como uma construção do futuro. Atu-almente, as preocupações com a importância da conservação do Património Cultural passaram a fazer parte do discurso dos agen-tes que promovem a sua gestão. Nos últimos anos, a Rede de Mu-seus do Algarve (RMA) conjunta-mente com os museus, de tutela autárquica e outros de iniciativa privada, têm vindo a desenvolver uma campanha de conscienciali-zação do público para a importân-cia da preservação deste legado, que nos foi transmitido pelos nos-sos antepassados e que faz parte da nossa identidade e memória

coletiva, pois existe a consciência de que ela só será conseguida com a contribuição de todos. A conser-vação do património cultural pode ser algo fascinante e interessante, funcionando também como fon-te de conhecimento e fruição, de-vendo, por isso, ser quebradas as barreiras entre os profissionais e o público.

Nos finais da década de 1990 dá--se uma proliferação de museus e núcleos museológicos no Algarve, trazendo consigo a colocação de pessoal qualificado em conserva-ção e restauro, entre outras áreas do conhecimento científico, ten-do contribuído para a evolução da museológica no nosso País. A con-servação é a disciplina mais jovem presente nos museus e foi a última a entrar no campo da Museologia.

No Algarve, os Municípios de Portimão, Silves, Tavira, Alcoutim e Faro possuem laboratórios de conservação e restauro, havendo ainda relações de troca de infor-mações entre os técnicos. Na RMA criou-se o grupo de conservação e restauro (RMA-CR) com o intuito de promover as suas atividades, tendo ainda sido criada uma pági-na na internet sobre conservação “AL-Gharbe Conservação”, (https://

algharbconservacao.wordpress.com/), com fins de divulgação de toda a informação e artigos rela-cionados com esta área, tais como, workshops, lançamentos de livros, ações de formação, etc.

A nível nacional, a Associação Profissional de Conservadores Restauradores de Portugal (ARP), foi fundada em 1995, tendo como principais objetivos a defesa e a promoção da classe profissional dos conservadores-restauradores no nosso País e na Europa, atra-vés da sua representação na Euro-pean Confederation of Conservator--Restorers’ Organizations (ECCO) e na divulgação e salvaguarda do Património Cultural (http://www.arp.org.pt/).

No laboratório de Conservação e Restauro do Município de Tavira os trabalhos desenvolvidos passam pela conservação do património ar-queológico, etnográfico, religioso, industrial, estatuária pública, ele-mentos arquitetónicos e gestão das reservas e coleções, além de ativi-dades educativas vocacionadas para as escolas na sensibilização da importância desta disciplina na salvaguarda do património e o seu papel de retaguarda em qualquer exposição museológica.

Conservação do património no Algarve

Leonor Esteban Técnica Superior de Conservação e Restauro Convidada da AGECAL

celso candeias / museu municipal de tavira

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07.08.2015 4 Cultura.Sul

Panorâmica

Ricardo ClaroJornalista / [email protected]

O Algarve num outro olhar

1 - Aljezur Miradouro da Fortaleza da Arrifana GPS: 37°17'46.9"N 8°52'26.4"W

Recentemente intervencionada para redescobrir significativa-mente a sua beleza, a Fortaleza da Arrifana encima uma falésia da costa oeste do concelho de Al-jezur desde 1635. Açoitada pela nortada a fortificação mostra a sul a Praia da Arrifana à qual se acede por um ziguezague enta-lhado na encosta das arribas.Em todo o seu esplendor, abriga-do das investidas do vento numa forma de concha que convida a olhar o mar, a Praia da Arrifana é imperdível para quem se quer deixar levar pelo imenso azul atlântico.A visão a sul permite mirar a Pe-dra da Agulha, um leixão que se ergue do Atlântico qual sentinela costeira destemida face à dureza das vagas.

2 - Vila do Bispo Miradouro da Torre de Aspa GPS: 37°05'42.1"N 8°57'02.5"W

Da Torre de Aspa só ficou para os

dias de hoje a memória, a atalaia que guardava a Costa Vicentina do Algarve esboroou-se com o rolar dos tempos, mas a arriba mais alta da costa do Algarve continua a ser um ponto privi-legiado de observação.Miradouro natural encimado por um marco geodésico dali se avistam as praias do Castelejo e da Cordoama, onde o escuro das arribas luta com o branco areal para ganhar salpicos das ondas do mar. Um olhar a norte permite vis-lumbrar a Pedra da Laje, for-mação rochosa que se adentra ao mar sendo um pesqueiro de eleição para os amantes da pesca amadora.

3 - Lagos Miradouro da Ponta da Piedade GPS: 37°04'51.8"N 8°40'10.8"W

À Ponta da Piedade chega-se por estrada que é simultaneamente Via Sacra com as paragens assina-ladas por pequenos nichos alusi-vos aos momentos percorridos por Jesus carregando a cruz.No miradouro, junto ao Farol, o azul profundo estende-se até onde os olhos deixam ver e as vistas podem espraiar-se pela li-nha recortada da costa escarpada de Lagos.Aqui pode mirar-se ao longe do alto e para o fundo, descendo a extensa mas inesquecível escada-

ria até às cristalinas águas rodea-das por uma enseada de contor-nos e luminosidade místicos.

4 - Monchique Miradouro da Fóia GPS: 37°18'56.1"N 8°35'31.5"W

É do ponto mais alto do Algar-ve, 902 metros, que se pode ter uma visão que percorre o traça-do costeiro ao longe com a mes-ma facilidade com que permite percorrer o pontilhado da serra que marca o interior do Algarve.O melhor dos dois ‘algarves’ à distância de um olhar que se pode lançar sem obstáculos, nem reservas sobre o imenso a chamar pelo divagar num silên-cio condicente.

5 - Silves Miradouro da cidade GPS: 37°11'19.5"N 8°25'50.9"W

Silves cai em dornas arruadas do Castelo até ao Arade com cores e mil sombras de verdes reflexos. Do lado de lá do Miradouro ::::: a frontaria da cidade debruça-se sobre o vale fértil e salpicada do branco alvo da cal deixa adivi-nhar um outro tempo.

Imagine-se um convite para deixar voar o olhar, planando até ao limite das vistas, ora estendendo-se até tocar o azul infinito do Atlântico, ora calcorreando encostas das serras até se es-vair nos cumes que parecem recortar em desafio os céus.

Há muitas formas de ver o Algarve e o desafio que pro-pomos neste Cultura.Sul é o de o ver com outro olhar e de uma outra perspectiva, altaneiros.

Percorremos o Algarve de lés-a-lés, começando no ex-tremo noroeste até à frontei-ra com Espanha, no extremo leste, e trazemos-lhe locais únicos para uma mirada es-pecial sobre as terras, os ma-res e os rios algarvios.

Propomos uma nova pers-pectiva, com uma visão pro-jectada em direcção ao vazio das grandes paisagens de cos-ta, barrocal e serra, com ima-gens dignas de retrato mas, acima de tudo, dignas de se-rem guardadas na memória.

Desafiamos, com recurso a coordenadas GPS, mas sem-pre em locais fáceis de encon-trar com recurso a mapas ou ao velho truque de pergun-tar às gentes da terra, a que

encontre alguns dos diversos miradouros da região, com uma proposta em cada con-celho algarvio.

Escolhemos vistas do oce-ano, arribas escarpadas, mo-numentos, paisagens de cida-de e de hortejo do barrocal.

Seleccionámos visões das várias facetas deste Algarve que se estende à largura do país, com paisagens de serra, vistas a partir de faróis e de promontórios mais ou menos intervencionados pela mão humana.

Convidamos a conhecer rios e praias, a descobrir os tons ocres da entrada da ser-ra e o verde seco do Algarve sujeito aos rigores do estio, com o mesmo tom com que propomos que sinta a brisa marítima ou se deixe embe-vecer pelos parchais da Ria Formosa e do Sapal de Cas-tro Marim.

Mostramos vistas a partir de igrejas e castelos, e leva-mos a sede de vistas largas aos topos das serras algar-vias num convite a imagens panorâmicas com absolutos 360 graus.

O Algarve visto a partir do alto tem outra beleza, é dife-rente, ganha dimensão e as-sume em pleno a sua diversi-dade paisagística.

Mostra-se a quem o olha de forma única e em todo o esplendor, sem reservas, nem obstáculos, numa verdadeira exibição de braços abertos ao conviva que o deseja olhar.

Descanse o olhar e a mente no azul único do Verão algar-vio, conheça de que matizes

se fazem os cursos de água e com que paletas se pintam os solos desta região única.

Mais do que conhecer cada um destes segredos algarvios que lhe propomos, deseja-mos que em cada momento se deixe transportar e que em cada proposta encontre um momento raro que se mereça recordar.

Deixe-se envolver pelo si-lêncio e pelo recato de alguns dos locais que sugerimos e ganhe uma nova interpre-tação sobre uma terra que muitos crêem ser apenas sol e mar e desmistifique um Algarve carregado de tradi-ções, forjado tantas vezes, na rudeza bruta de terras duras de enfrentar.

Há um mundo para des-cobrir nesta terra aberta ao mar que importa conhecer, do marulhar das ondas cum-pridas na orla dos areais ao assobio dos ventos no alto da Fóia ou do Cerro de São Miguel.

Há neste Algarve cheiros únicos de esteva e pinheiro, de mar e de ria por descortinar.

De um só golpe tanto para ver na imensidão sem freio, desafiando o horizonte e tudo o que há de permeio, porque há em cada um des-tes miradouros um Algarve a descobrir com outro olhar.

Dezasseis propostas raras para momentos inesque-cíveis da serra à beira-mar porque nem só de praia se fazem as férias ou o Algarve e há paisagens que não se podem, simplesmente, dei-xar de admirar.

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Panorâmica

No topo o Castelo de Silves guar-da os segredos de uma ocupa-ção progressiva e os vestígios de povos que o escolheram para resguardo. Também ele um mi-radouro sobre o vale recortado em torno da cidade se apresenta como mais um local para deitar sobre o Algarve um outro olhar.

6 - Lagoa Miradouro da Ponta do Altar GPS: 37°06'20.9"N 8°31'08.9"W

Sentinela da embocadura do Arade, a Ponta do Altar faz-se ver ao longe com um feixe lu-minoso vermelho a cada cinco segundos a partir do farol que encima a falésia.A vista permite um olhar sobre o oriente em direcção à Praia dos Caneiros com o leixão da Gaivota em primeiro plano, mas é para ocidente e para o interior que a paisagem mostra a foz do Ara-de, a Praia da Rocha e Portimão, com a marina a seus pés.Em direcção à longínqua Casa-blanca em Marrocos, a mais de 300 quilómetros, o inesgotável Atlântico com as cores das águas mais recatadas do sul do Algarve.

7 - Portimão Miradouro da Fortaleza de Santa Catarina GPS: 37°07'00.9"N 8°31'47.6"W

Daqui se podem ver a oriente a Ponta do Altar já em terras de La-goa, com o Arade a interpor-se entre as suas margens no encon-tro com o oceano.Para sul os molhes adentro, as águas convidando a um pas-seio, descida a escadaria até à Marina de Portimão, mar aden-tro ensolarado e fresco da brisa marítima.A este a Praia da Rocha em toda a sua extensão, plana e de areias brancas apresenta-se como se de um lençol se tratasse, com o Mi-radouro da Praia da Rocha, ou-tro local de vistas convidativas ao deslumbre, a definir o extremo leste do areal.

8 - Albufeira Miradouro do Pau da Bandeira GPS: 37°05'13.4"N 8°14'53.8"W

Do moderno miradouro do Pau da Bandeira se avista Albufeira Velha, a Praia dos Pescadores e a Praia do Peneco num único olhar sobre o leste.À baixa de Albufeira e às praias chega-se descendo a encosta numa viagem de escadas rolan-tes com o mar como pano de fundo.Para sul, uma vez mais o ho-rizonte azul marítimo e se o olhar convidar a uma espreita-dela para nascente mostra-se o areal da Praia do Inatel seguido da Praia dos Alemães, onde mais uma curva do recorte costeiro deixa a vontade de descobrir outros promontórios do Algarve.

9 - Loulé Miradouro da Igreja de Nossa Senhora da Piedade GPS: 37°08'25.7"N 8°02'13.0"W

De volta ao Algarve mais interior, junto a Loulé ergue-se altaneira a Igreja de N. Senhora da Piedade.Ao promontório não pode só subir o andor por altura da Mãe Soberana, festa maior da quadra pascal na região, suba-se pela es-trada e contorne-se o edificado para se poder deixar repousar o olhar sobre o casario de Loulé com o castelo em destaque.A paisagem do barrocal estende--se para norte e oeste semeada de oliveiras e amendoeiras por en-tre mato de estevas.

10 - São Brás de Alportel Miradouro da Arroteia GPS: 37°09'33.1"N 7°54'28.2"W

Entre a serra e o mar pode ler-se

no ferro que adorna, junto ao chão, este local de rara beleza dentre os muitos que pode visi-tar em São Brás de Alportel.Ao fundo, entre o recorte da serra a sul em direcção a Faro, o Atlântico deixa-se mirar, mar-cando posição ao longe como que a lembrar que também ele, a par da serra, é um dos pólos do Algarve.Num silêncio convidativo deixe--se levar pelas encostas da serra a sul em direcção ao vasto barrocal ou lance um olhar para norte em direcção ao pontilhado serrano profundo, onde nascem os so-breiros, obreiros da melhor cor-tiça do mundo.

11 - Faro Torre da Igreja da Sé GPS: 37°00'47.9"N 7°56'06.7"W

A torre gótica da Sé de Faro, que exibe os sinos da construção re-ligiosa, é a imagem de marca de um monumento incontornável para quem visita a cidade velha de Faro.Do alto da torre sineira a vista da Ria Formosa e da baixa da cida-de impõem-se. O serpentar das águas da ria estende-se no hori-zonte até às dunas das praias das ilhas barreira num olhar que se pode deixar repousar de nascen-te para poente.Um labirinto laguna de esplen-dorosas cores ao pôr-do-sol que contrasta com o olhar para norte/noroeste onde a cidade se impõe da baixa em direcção aos arredores com a serra em pano de fundo.

12 - Olhão Cerro de São Miguel GPS: 37°06'05.0"N 7°49'56.9"W

Do alto dos seus mais de 400 metros, o Cerro de São Miguel, maior elevação da Serra de Mon-te Figo, apresenta ao visitante todo o barrocal de sudeste a su-doeste, com a orla costeira a ver--se em dias de céu limpo desde Espanha até perto de Albufeira.A norte erguem-se as empeder-

nidas serranias do Algarve numa paisagem semeada de oliveiras e amendoeiras tão velhas como a lonjura que a vista pode alcançar.No extremo sul, a antecipar o Atlântico, a perder de vista a Ria Formosa que bordeja Olhão e as ilhas barreira como um suave ris-co de tom areia desenhado antes do horizonte imenso.

13 - Tavira Castelo e Igreja de Santa Maria GPS: 37°07'31.5"N 7°39'05.5"W

A zona do Castelo de Tavira e a envolvente da Igreja de Santa Maria, um dos edifícios que se ergue entre muralhas, propor-cionam uma visão rara da beleza da cidade do Gilão.Com o Rio a escorrer entre o ca-sario até às Quatro-Águas, a be-leza da cidade tavirense sempre pautada pela presença omnipre-sente de edificações religiosas são um doce para o olhar.Como se fosse um puzzle reche-ado de segredos convidativos, o rendilhado dos arruamentos exi-be-se ao visitante numa rara bele-za que quando chega o entarde-cer se torna quase inacreditável.

14 - Castro Marim Castelo de Castro Marim GPS: 37°13'05.5"N 7°26'34.5"W

Não há amor como o primeiro, dizem, mas há-os vários no que

toca a miradouros e paisagens de deslumbre, como aquela de que se pode usufruir a partir do Castelo de Castro Marim.Perceber o recorte da vila for-tificada de fronteira é um dos desafios colocados aos olhos do mirante antes de se deixar embe-vecer pelos regatos do Sapal de Castro Marim que caminham inexoráveis para o Guadiana, também ele no percurso final até à foz.Do outro lado do rio terras de Espanha com Ayamonte em primeiro plano, enquanto para norte se mostram em poderio, uma vez mais, as serranias deste Algarve.Um olhar sobre a vila deixa per-ceber um tempo marcado por um ritmo próprio feito de um compasso único de que se pode usufruir com uma visita pelo centro de Castro Marim.

15 - Vila Real de Santo António Farol de Vila Real de Santo António GPS: 37°11'14.2"N 7°24'59.2"W

A vista do Farol de Vila Real de Santo António, visitável às quar-

tas-feiras à tarde, mostra o recor-te pombalino da baixa da cidade do Guadiana.Dali se avista em perfeição Aya-monte, do outro lado da foz do Guadiana, e os areais e parchais que deixam adivinhar a Isla Cris-tina, primeira praia de terras de Espanha.Para sul e antes do azul do Atlân-tico imponente, a Mata Nacional e a Praia da Ponta da Areia que se estende até Monte Gordo a leste.Em direcção a norte Castro Ma-rim e a serra, ao longe a enqua-drar um Guadiana que se adivi-nha serpenteante.

16 - Alcoutim Castelo de Alcoutim GPS: 37°28'15.2"N 7°28'18.7"W

Do alto do Castelo de Alcou-tim parece poder-se estender as mãos para afagar o casario de Sanlúcar del Guadiana do outro lado da fronteira.O rio divide a meio as gentes que o hábito havia de unir depois das guerras entre as duas nações. O casario é alvo de branco cal de ambos os lados da serpente aquí-fera e decai sobre as margens em dornas expostas aos olhares es-trangeiros permanentesUma paisagem deliciosa e de bu-cólicos tons a lembrar outra vez que o Algarve se faz de muitos e diversos ‘algarves’, qual paleta disponível para pintar de mil tons uma terra recheada de surpresas.

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07.08.2015 6 Cultura.Sul

Artes visuais

Saul Neves de JesusProfessor catedrático da UAlg;Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora

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“CONCERTO PELOS TIME FOR T”23 AGO | 22.00 | Praça do Infante - LagosTiago Saga é o fundador do projecto Time For T, lu-so-britânico, oriundo do Algarve. Actualmente vive em Brighton, onde concluiu o curso de composição musical na Universidade de Sussex

“FIL TIRÉ – RACINES COUPÉS”Até 28 AGO | Casa dos Condes - AlcoutimExposição da artista francesa Dominique Chaumel-le, que se tem evidenciado nas áreas da decoração, desenho e pintura, inspirando-se nas viagens que tem feito

Qual a margem de liberdade do artista?

Obra “Dino Campana”, de Sandro Chia (2000)

d.r.

Já lá vai o tempo da depen-dência do artista em relação ao poder religioso ou ao poder po-lítico. Atualmente, considera-se que a dependência é sobretudo em relação ao mercado, aos mar-chand, ao público e aos investido-res. Mas terá que ser assim? Será que a produção artística não pode ser realizada apenas pelo prazer dessa realização?

“A arte como atividade liberta-dora ligada ao instinto” (Bossa-glia, 2001), já estava bem presen-te nos action painting dos anos 40 e 50, em particular com Jackson Pollock, em que a pintura são fi-lamentos de cores que vão nas-cendo do pulsar das sensações do artista. Não utilizava cava-lete, pintando telas de grandes dimensões colocadas no chão para se sentir mais envolvido e dentro do quadro, e não utiliza-va pincéis, partindo do pingo de tinta que deixa cair na tela para produzir toda a obra de arte, uti-lizando latas de tinta perfuradas, numa relação física intensa com a obra produzida.

Mas é a partir dos anos 80 que se desenvolve um movimento, designado de Transvanguarda, que procura acentuar a utiliza-ção de diversos meios na produ-ção artística, numa atitude ecléti-ca e multidisciplinar, e de forma livre e com prazer.

Tal como a crise na arte no início do século XX levou vários artistas em busca daquilo que parecia mais autêntico na arte, porque mais primitivo, em par-ticular nas civilizações africanas e polinésias, por parte de Picasso e de Gaugin, por exemplo, tam-bém a vanguarda dos anos 60, em particular com a desmate-rialização defendida na arte con-cetual, levou à necessidade dum retorno ao concreto, ao material, à cor, a partir dos anos 70 e 80,

sendo a Transvanguarda um dos movimentos que se desenvolveu nesse sentido.

Assim, os transvanguar-distas aproveitaram a ênfa-se nas ideias e na reflexão, mas com um suporte na produção artística ma-terial, conseguindo uma conciliação entre as ideias e a sua materialização, isto é, entre as imagens mentais e as imagens retinianas ou visuais.

A transvanguarda pode ser enquadrada no neo--expressionismo dos anos 70, o qual se desenvolveu em diversos países. No caso de Itália, foi buscar referên-cias à arte povera e iniciou-se com a publicação do livro “La transvanguardia”, em 1980, pelo crítico de arte Bonito Oliva (1979, 1980), em que propõe esta desig-nação para caracterizar o trabalho de alguns jovens artistas italianos, nome-adamente Francesco Cle-mente, Mimmo Palladino, Enzo Cucchi, Sandro Chia e Nicola De Maria, os quais se dedicavam à pintura figura-tiva, rompendo com a van-guarda e assumindo uma ligação com o passado da arte, numa atitude descom-prometida e de inspiração livre nas mais variadas correntes artísticas anteriores, podendo transitar de umas para outras. Bonito Oliva procurou dar uma dimensão internacional a esta perspetiva de produção artística livre (Bonito Oliva, 1982), tendo dirigido a 45ª Bienal de Veneza, em 1993, o que é revelador da sua importância no mundo ar-tístico da década de 80.

Nas obras mais conseguidas pela transvanguarda, a dimen-são dramática é manifesta, expri-mindo-se nas cores, ora vivas, ora escuras (Ferrari, 2001), adquirin-do o título da obra uma função central para explicar essa tensão dramática. Embora este movi-mento tenha surgido em Itália, tendo sido apresentado na 40ª Bienal de Veneza, Oliva conside-rava que esta forma de arte seria mundial, podendo inspirar-se em diversas tradições, sem fron-

teiras limitativas. A atitude eclética caracteriza

os praticantes da arte transvan-guardista, pois utilizam e expe-rienciam vários estilos e diversas técnicas artísticas, sem se com-prometerem com nenhuma, fluindo e fruindo na sua utiliza-ção. Este ecletismo acontece tan-to na escolha temática, como nos meios e nos materiais utilizados (Duzzo, 2011; Santaella, 2009). Nas palavras de Bonito Oliva (1980), “o ecletismo é uma ca-racterística da suave identidade do artista (…) A Transvanguarda não ostenta o privilégio de uma genealogia única, pois bebe de diversas fontes”. E continua refe-rindo que “a arte transvanguar-dista deixa circular a imagem sem lhe perguntar de onde vem ou para onde vai, seguindo o im-pulso de prazer que se re-estabe-lece na primazia da intensidade

do trabalho sobre a técnica”. Para Oliva será a subjetividade do artista que permitirá tornar as obras atemporais, pois “o ca-ráter atemporal é alcançado pelo fato da obra nunca representar o presente do artista, uma vez que a sua sensibilidade é inconstan-te”. A não dependência em rela-ção ao reconhecimento do seu trabalho e de aspetos socioeco-nómicos relacionados com a sua produção artística, liberta o su-jeito de avaliações pelos outros. O artista transvanguardista des-taca-se pelo seu individualismo, decidindo para onde quer ir, o que quer fazer, sem compromis-sos ou preconceitos.

Numa sociedade global, ape-nas teria sentido uma “arte mun-dial”, que se inspira em todas as tradições. Assim, o artista não tem necessidade de se fixar a um passado ou a um presente,

dispensando o peso da história, podendo assumir a sua liberda-de e o prazer da reali-zação.

O prazer na práti-ca é, assim, uma das principais caracte-rísticas da tendência transvanguardista, numa atitude livre de preconceitos aca-démicos, podendo revelar-se até ingénua. Conforme referia o próprio Bonito Oliva (1980), “o princípio do prazer substitui o princípio da realida-de, entendido como exercício gratificante do trabalho artístico”.

Todos os artistas deste movimento re-velavam a vontade de não obedecer às re-gras da composição, preferindo usufruir da catarse que pode estar presente na criação artística, qua-se que ficando num estado de fluxo, de acordo com a teoria de Csikszentmihalyi (1996). Segundo esta teoria, quando se en-contram em estado de fluxo, as pessoas

tornam-se parte da atividade que estão praticando, apresentando um sentimento de total envolvi-mento e a consciência totalmen-te focada na atividade em si.

Não diminuindo a importân-cia do pensamento e da arte po-der ser uma forma de comunica-ção importante, graças ao poder de síntese da imagem visual, toda a produção artística deve-ria permitir expressar a emoção e a alma do artista...

Finalizaríamos com um po-ema que escrevemos em 2009, com o título “Alma de artista” (Jesus, 2009):

O início é branco,minimalismo sem cor,vazio de emoções.

Corpo sem almaque precisa de vida

para viver…

Tela…Jogo de possíveis,caminho para a fantasia…

Alma de artista…Sopro de inspiração,arrepio da pele,transpiração de sensibilida-de…

Palpitações de alegria,fôlego da esperança,em cada pincelada de cor.

Projecções do inconscientetraduzidas em azul, vermelho e amarelo,cores básicas e suas misturas.

Cascata de corinunda o espaço branco,num tempo de magia.

Euforia dos sentidos,chama da alma,energia da luz.

Emoções expressasem rasgos de um pincel, êxtase dos sentidos,clímax da cor…

No final os contrastes ganham sentido, retoques dados pelo conscien-te, coerência do todo,superando a soma das partes.

Alma de artistano corpo da tela.Vida partilhadacom os que vão ver…e viver… sentindo…

Nota: Este artigo integra o livro “Construção de um percurso

multidisciplinar, integrativo e de síntese nas Artes Visuais”, de

Saul Neves de Jesus ([email protected]). Todas as receitas obtidas com a venda deste livro revertem

a favor da compra de uma mesa de gravura para o curso de Artes

Visuais da Universidade do Algarve. Pode ser adquirido na

Fnac de Faro (Forum Algarve) ou em Fnac online (http://www.fnac.

pt/Construcao-de-um-Percurso--nas-Artes-Visuais-Saul-Neves-de-

-Jesus/a869599)

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07.08.2015  7Cultura.Sul

Na senda da Cultura

Momento

IrresistívelFoto de Ana Omelete

O Centro Cultural de Lagos, qua-se a completar 23 anos, tem estado a receber, desde o início deste ano, obras de reabilitação que visam a manutenção e conservação geral do edifício, a adequação às novas exigências em matéria de seguran-ça e evacuação, o reapetrechamen-to técnico do auditório, a melhoria de condições para os agentes cul-turais que habitualmente se apre-sentam nesta sala de espectáculos, assim como o aumento do nível de conforto para o público.

Obras vão custar mais de 110 mil euros

Se a intervenção já realizada no primeiro trimestre de 2015 teve como principal foco as questões de segurança do auditório, nesta se-gunda fase de reabilitação do Cen-tro Cultural de Lagos as atenções viram-se para aspectos estruturais e remodelação de espaços interiores (impermeabilização de coberturas, pintura de paredes exteriores e inte-riores, remodelação das instalações

sanitárias da área dos camarins, substituição do tecto falso e da ilu-minação do auditório), o que obri-

ga ao encerramento do auditório, prevendo a autarquia lacobrigense que “os trabalhos desta empreitada,

adjudicada pelo valor de 110 mil e 916 euros, acrescidos de IVA decor-ram até ao final do mês de Agosto”.

Equipamentos técnicos e conforto da sala ficam

para a terceira fase

A decorrer estão também os proce-dimentos de contratação pública vi-sando o fornecimento de materiais e equipamentos para reapetrechamen-to técnico do auditório (equipamento de áudio, vídeo e iluminação de ceno-grafia), assim como a substituição da alcatifa e cadeiras, trabalhos que irão decorrer num terceiro momento, pro-gramado para o final do mês de Se-tembro, de modo a não comprometer a programação já existente.

Estas intervenções no Centro Cul-tural de Lagos rondam um montante total estimado na ordem dos 270 mil euros e integram uma candidatura no âmbito do FEDER, pelo que po-derão vir a ser financiadas na ordem dos 65%.

Os trabalhos podem “suscitar a alte-ração ou condicionamento temporá-rio do horário de funcionamento do Centro Cultural de Lagos, designada-mente na primeira quinzena de Agos-to”, prevê a Câmara de Lagos.

Obras de reabilitação do Centro Cultural de Lagos entram na segunda fase

d.r.

Intervenções rondam um investimento total de cerca de 270 mil euros

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07.08.2015 8 Cultura.Sul

Ficha Técnica:

Direcção:GORDAAssociação Sócio-Cultural

Editor: Ricardo Claro

Paginaçãoe gestão de conteúdos:Postal do Algarve

Responsáveis pelas secções:• Artes visuais:

Saul de Jesus• Espaço AGECAL:

Jorge Queiroz• Espaço ALFA:

Raúl Grade Coelho• Espaço ao Património:

Isabel Soares• Da minha biblioteca:

Adriana Nogueira• Grande ecrã:

Cineclube de FaroCineclube de Tavira

• Juventude, artes e ideias: Jady Batista

• Letras e literatura: Paulo Serra• Missão Cultura:

Direcção Regionalde Cultura do Algarve

• Momento:Ana Omelete

• O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N: Pedro Jubilot• Panorâmica:

Ricardo Claro• Sala de leitura:

Paulo Pires• Um olhar sobre o património:

Alexandre Ferreira

Colaboradoresdesta edição:Hugo OliveiraLeonor Esteban

Parceiros:Direcção Regional de Cultu-ra do Algarve, FNAC Forum Algarve

e-mail redacção:[email protected]

e-mail publicidade:[email protected]

on-line em: www.postal.pt

e-paper em:www.issuu.com/postaldoalgarve

facebook: Cultura.Sul

Tiragem:9.089 exemplares

Umberto Eco – As notícias do amanhã

Umberto Eco, escritor e eru-dito italiano, nasceu a 5 de Ja-neiro de 1932 em Alessandria (Piemonte). Pouco se sabe so-bre a sua infância, a não ser que se doutorou pela Univer-sidade de Turim com apenas vinte e dois anos de idade, apresentando uma tese consa-grada ao pensamento filosófi-co de São Tomás de Aquino in-titulada «O Problema Estético em S. Tomás de Aquino». Entre 1954 e 1959 desempenhou as funções de editor cultural na cadeia de televisão estatal ita-liana RAI. Leccionou nas uni-versidades de Turim, Milão e Florença e no Instituto Poli-técnico de Milão. Tinha trinta e nove anos de idade quando foi nomeado professor catedrático de Semiótica pela Universidade de Bolonha, a mais conceitua-da de Itália. Destacara-se como filósofo, medievalista e semió-logo, quando se estreou na narrativa com O Nome da Rosa. O romance possui uma peque-na ressalva introdutória de que se trata de um texto verídico: um estudioso terá descoberto por acaso a tradução francesa de um manuscrito do século XIV. O autor do manuscrito é um monge beneditino alemão, Adso de Melk, que narra, no fim da sua vida, um estranho caso vivido na adolescência. A história decorre no ano de 1327, na Idade Média, período que poderemos verificar adian-te é caro a Umberto Eco. Gui-lherme de Baskerville, um fran-ciscano inglês, e o jovem Adso, chegam a uma abadia benedi-tina onde se irão reunir impor-tantes teólogos ao serviço do Papa e do Imperador mas su-bitamente vêem-se envolvidos numa história policial. Note-se aliás na ironia do nome Gui-lherme de Baskerville que traz ao leitor associações a O cão dos Baskerville, um romance poli-cial de Sir Arthur Conan Doyle onde figuram nada mais nada menos que Sherlock Holmes e Watson. Guilherme de Basker-ville e o jovem Adso armam-se assim em detetives amadores, tentando desvendar este mis-tério que envolve a morte por

envenenamento de um mon-ge, que surge com a ponta do dedo e a ponta da língua ro-xas, num mosteiro fechado ao mundo onde ocorrem sete cri-mes em sete dias, e tudo parece girar em torno um manuscrito proibido que se esconde na bi-blioteca labírintica da abadia, com acessos secretos e onde os corredores parecem não levar a lado nenhum. Muito antes do sucesso de romances como O código da Vinci, O Nome da Rosa foi um verdadeiro êxito edito-rial que foi depois adaptado ao cinema, com Sean Connery no principal papel.

Baudolino é um romance que mais uma vez versa o medieval, sobre um pequeno camponês fantasioso e mentiroso. Numa história rocambolesca e píca-ra, este anti-herói passa a vida a inventar mas, como que por milagre, tudo o que imagina produz História, e conquista mesmo o imperador Frederico Barbarroxa que o adota.

A Misteriosa Chama da Rainha Loana conta como um alfar-rabista de Milão sexagenário luta por recuperar a memória após um AVC. Yambo lembra--se de cada livro que leu mas não se lembra do próprio nome ou da sua infância nem reconhece a família. Como forma de recuperação de si próprio, volta à casa de cam-po da sua infância, onde des-cobre livros, álbuns de banda desenhada, revistas, discos de outros tempos, religiosamen-te guardados, e começa uma viagem em que se percebe

como o poder da ficção e da cultura que nos envolve é tão determinante como os episó-dios históricos e pessoais que vivemos. Este é talvez um dos livros mais pessoais ou nos-tálgicos do autor, bem como profundamente inovador.

O Cemitério de Praga situa--se no século XIX, entre Tu-rim, Palermo e Paris, e conta a história de um espião que condena tudo e todos mas que é ele próprio uma perso-nagem execrável. Ao estilo de um romance-folhetim, cruza personagens e situações que aconteceram efetivamente, em torno de uma personagem fic-tícia cujos feitos são também eles fatuais apesar de muitas vezes desprezíveis, como é o caso da falsificação conhecida como «Os Protocolos dos Sá-bios Anciãos de Sião», que iria depois inspirar a Hitler a criar os campos de concentração do Holocausto.

Entre as suas numerosas obras ensaísticas, podemos destacar Os Limites da Inter-pretação, A Passo de Carangue-jo, Construir o Inimigo e outros escritos ocasionais, Obra Aberta, Sobre Literatura e o famoso guia académico Como se Faz uma Tese em Ciências Humanas.

Organizou ainda os livros ilustrados e ricos em informa-ção histórica intitulados His-tória da Beleza, História do Feio e A Vertigem das Listas, e mais recentemente coordena em três volumes um importante estudo sobre a Idade Média, cruzando a sociedade, a arte,

a espiritualidade, a filosofia e a ciência desse período co-mummente tido como obcuro e erradamente apelidado de a Idade das Trevas.

O último romance de Um-berto Eco intitula-se Número Zero e trata justamente de uma equipa de seis redacto-res, sem grande experiência aliás no jornalismo, criada à pressa com vista à edição de lançamento de um jornal. O jornal chama-se «Amanhã» justamente por não lidar com as notícias do que aconteceu na véspera mas sim com o que ainda irá acontecer: «as notí-cias do dia anterior já nós as sabemos pela televisão às oito da noite, pelo que os jornais contam sempre as coisas que já sabemos, e é por isso que vendem cada vez menos. No Amanhã, a estas notícias que já cheiram mal como o peixe será certamente oportuno resumi--las e relembrá-las, mas bastará uma colunazinha, que se leia em poucos minutos.» (p. 28).

O romance narrado na pri-meira pessoa pela voz de Co-lonna, um escritor fantasma, inicia com uma nota de aler-ta, datada de Junho de 1992, no momento em que a vida de Colonna parece encontrar--se ameaçada, à semelhança do que terá acontecido com Simei, o director do jornal, que desapareceu sem deixar rasto. Só depois recuamos até ao mês de Abril do mes-mo ano, durante o período em que se constituíu a equi-pa de redacção e se delineiam

as características do jornal. Da equipa de redactores destaca--se Braggadocio, um redactor paranóico que vai conjectu-rando obsessivamente uma teoria da conspiração em torno do cadáver de Musso-lini, acreditando que o Duce nunca terá morrido, e é tam-bém no espaço da redacção que Colonna conhece a jo-vem Maia, quase licenciada em Letras, que trabalhava numa revista de mexericos e com quem se irá envolver amorosamente.

Este curto livro, o mais pe-queno romance de Eco até à data, constitui-se assim como uma crítica ou reflexão do que é o jornalismo actual-mente, constituindo-se, con-forme refere a contracapa, como um «manual perfeito para o mau jornalismo que, gradualmente, nos impossi-bilita de distinguir uma in-venção de um directo»: «Ha-bitualmente, mesmo para um jornal verdadeiro, a solução mais prudente é puxar para o lado sentimental, ir entrevis-tar os parentes. Se estiverem atentos, é assim que fazem as televisões, quando vão tocar à porta da mãe a quem mete-ram o filho de dez anos nos ácidos: senhora, o que sentiu com a morte do seu menino? Humedecem-se os olhos das pessoas e fica tudo satisfeito. Existe uma bela palavra ale-mã, Schadenfreude, o prazer com a desgraça alheia. É este sentimento que um jornal deve respeitar e alimentar.» (p. 114).

Paulo SerraInvestigador da UAlgassociado ao CLEPUL

fotos: d.r.

'Número Zero' é como se intitula o último romance de Umberto Eco

Letras e Leituras

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07.08.2015  9Cultura.Sul

O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N

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“FESTIVAL CAIXA A SUL”22 AGO | 22.00 | Praça do Infante - LagosGuiados pelo magnífico tenor português Carlos Gui-lherme, a Orquestra Clássica do Sul embarcará numa ‘viagem sensorial’, sob a direcção do seu maestro ti-tular Rui Pinheiro

“ENTRE O ABSTRACTO E O FIGURATIVO”Até 21 AGO | Biblioteca Municipal Álvaro de Cam-pos - TaviraApós uma breve incursão no estilo figurativo, é na arte abstracta que Marisa Patrício consegue mostrar toda a sua sensibilidade, numa verdadeira comu-nhão de sentimentos

Agosto

Pedro [email protected]

Linha do horizonte

~ da praia de hoje, a linha do horizonte não passa de um conceito. está ali muito perto de nós, e mesmo assim é tão só uma miragem. por vezes, no ensejo das marés, o mediterrâ-neo empurrado pelo vento levante esgueira-se diligentemente para cá do estreito, expedindo uma parte das suas águas mornas que se vêm refrescar do atlântico. na costa sotavento vão apropriar-se de cores com nomes próprios de azul e verde, encostados a apelidos ainda por inventar ~

Pedaço do mundo

~ a praia. é o pedaço de mundo por excelên-cia que foi inventado para as crianças. e que nós tomamos de assalto em cada verão, para ver se

ainda conseguimos trazer à memória esse tem-po de quando éramos reis.

o mar, quente ou frio, é ainda e sempre do seu domínio. para isso elas constroem castelos e fortalezas à beira-mar, num árduo trabalho de carregar baldes de água e areia. a tarefa é sempre recompensada a bolas de berlim ou ge-lados ~

Da calma~ uma estranha calma apoderou-se do dia. a

brisa do nascente embala pequenas vagas para se dissimularem na borda de costa. o movimen-to regular e retrógrado da maré que escoava, foi soltando conchas na praia, para as repou-sar desse intenso refluxo (e influxo) a que se entregam diariamente. ficarão então expostas aos olhos de todos, e às mãos de quem as qui-ser tomar por empréstimo ao mar, na franja de areia húmida por instantes deixada livre ~

Do tacho

~ mas que grande caldeirada: patarroxa, tra-melga, tamboril e safio. de azeite rega-se mais que um fio. folha de louro só metade, não vá estragar o guisado. o tomate tem de ser pelado. alho picado, pimento às tiras e rodelas de cebo-la. e não te esqueças do sal, ó tola. das batatas descascadas faz a terceira das camadas. vinho branco, salsa picada, liga o lume, liga o rádio, abre a janela para sair o vapor. não, esse ainda não é o barco do teu amor. que o dele é à vela, e na barra vai entrar mesmo a horas do jantar. um pouco de piri-piri, já não te aguentas em lume brando. pões a mesa e o vestido de ex-chita. e tudo em ti palpita ~

Da hora~ aproveitar o dia. sair na direcção do mar,

nessa hora matutina de quase não-nuvens desfi-lando livres, em que a luz incandescente da orla marítima não tem igual neste lado do paraíso. destas penínsulas prometidas resta o que não foi tocado pela mão do homem, ou aquilo que

ainda consegue por enquanto ficar fora do seu alcance. como o vai e vem das marés remexen-do as areias que formam e disformam línguas traçando as passagens da corrente. são os en-cantos naturais o que mesmo assim resta para o olhar ~

Da felicidade~ as ondas decrescendo na vazante vão-se

aliviando das suas algas para amaciar o plano e extenso areal que se vai destapando com o avançar da tarde. no regresso da praia tudo está calmo numa luz dolente. como se não houves-se amanhã. este dia parece não querer sair do lusco-fusco. as águas estão paradas numa maré que não quer quebrar esse espelho deitado. e se a felicidade fosse apenas isto de ficar olhando a tamanha beleza da hora crepuscular, infini-tamente… ~

Do mar

~ em agosto perguntava sempre ao meu avô quando era o dia da maior maré do ano, embora ele quase sempre me dissesse que era bem provável que a de setembro ainda fosse um pouco maior. gostava de vê-la vazar muito e tentava atravessar com pé os canais da ria for-mosa. à tarde ia sempre ver até onde a água da preia-mar tinha chegado. ficava ali a observar aqueles 10 a 12 minutos em que se diz que as águas param. antes e depois da maré começar a vazar ou encher novamente. era então só nes-ses momentos que me apercebia que o mar era maior que a vida em terra ~

Da ‘silly season’

~ não reparar do tempo que passa, dormir sem malha na hora que calha, esquecer que não

se é dono do destino, parecer que se perdeu o tino, sentindo-se de novo menino, andando li-vre. escolhem-se roupas leves e pedala-se contra o vento sudoeste que interfere com a música nos auriculares. mesmo assim o sol de frente aquece a cara protegida pelos óculos escuros. depois chega-se a um cais de pedra, colocam-se as mochilas aos ombros e segue-se o trilho que levará ao mar crescente. quem alcunhou esta es-tação de estúpida (‘silly season’), não devia estar de perfeito juízo ou não amava a liberdade ~

Da simplicidade

~ a vida é simples. montam-se as bicicletas e aproximamo-nos da ria formosa. depois atra-vessamo-la por uma ponte pedonal. caminha-se então pelo trilho que é ladeado de diversificada vegetação, dentro e fora da laguna. chegados ao longo areal bebe-se a água fresca das mochilas. entra-se então noutra dimensão. apesar da ain-da baixa temperatura (20ºc) do mar para esta zona atlântica da costa sul, dão-se 3 mergulhos e 1/2 dúzia de braçadas. segue-se uma 1/2 h ao sol, à leve brisa de sudoeste. um passeio perfeito é isto. (nem vou falar dos biqueirões fritos com arroz de tomate que vieram a seguir e etc...) ~

Da travessia

~ acabou o levante mas resta um suave alon-gar das ondas até se espraiarem no pontal de areia mais a sul do território. ao fim da tarde re-gressa o vento norte, mas agora na sua vertente quente. quando se deixa uma ilha, mesmo que perto de terra firme, há sempre um sentimento de perda. parece que lá deixámos um momento de vida irrecuperável. na travessia, por mais pe-quena que seja, há um qualquer segredo recôn-dito que se assoma. e que só a brisa marítima sossega, nesse lugar externo entre dois pontos indeléveis ~

fotos: d.r.

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07.08.2015 10 Cultura.Sul

Vidadupla segundo Sérgio GodinhoSala de Leitura

Quem disse que a vida é simples? Ou transparente? Ou linear? As vidas dentro da vida soará a mais realista, autêntico e complexo, convocando assim a intemporal questão da plura-lidade-diversidade na unidade--singularidade, a qual traz con-sigo inquietação, espanto, júbilo, dúvida, como convém à boa li-teratura. Onde acaba uma vida e começa outra dentro de uma polifónica vida? E como coexis-tem essas múltiplas vidas? E de que lado da vida estamos (ou queremos estar)? E vivemos re-almente a nossa vida ou a(s) do(s) outro(s)? E que vida nos é roubada? E a vida também é o que não vivemos, o que imagi-namos viver? No livro Vidadupla, que marca a sua estreia na ficção para adultos, Sérgio Godinho [SG] lança-nos muitas interro-gações porque “só se desvenda o que se pensa que se conhece”, como se lê logo, em jeito de sub-til mote, no conto inaugural “O lençol”. (Não se dizia, a propósito dos grandes segredos dos alqui-mistas, que “quem fala não sabe, quem sabe não fala”?)

Se é vincado o pendor filosó-fico destas histórias duplas urdi-das na primeira pessoa, em fala íntima (metendo-se na pele dos leitores), e sem nomes próprios, feitas para pensar (o pensamen-to a acontecer), as ideias são bem temperadas por uma linguagem simbólica e uma poeticidade em que o espelho (“Um espe-lho é reflectir e depois reflectir sobre isso”.), o círculo/o girar, o lençol, a bicicleta (dar ao pedal da vida), um cavalito vaidoso e sedento de liberdade ou, entre outros, um cão rafeiro, intuiti-vo, que dá à cauda mostrando o caminho do “próximo momen-to mágico”, são elementos que questionam a existência quoti-diana, a interioridade e o rumo dos protagonistas. Estas perso-nagens buscam o seu equilíbrio próprio, a sua identidade (múl-tipla e desdobrada), têm receio da transmissão do seu espaço de li-berdade – como confessa mesmo

uma delas, no conto “O álibi do falso culpado” –, e há, em geral, estranheza, conflito, precarieda-de e desfasamento na sua relação consigo próprias e com (a passa-gem d’)o tempo, o amor, a mor-te, os outros. As contradições são,

no fundo, a argamassa e o motor destas segundas naturezas que parecem teias de aranha, porque “nós somos tal qual o girassol e a margarida, parecemos ser um, mas somos muitos. Vivem egos, aos milhões, dentro de nós, mes-mo quando pensamos ser uma unidade, uma singularidade, um indivíduo” (segundo Afonso Cruz). Já em 2012, em conversa com Mário Soares, o pintor Júlio Pomar sabiamente lembrava: “Que isto de viver é difícil, não é brincadeira nenhuma. Não sabe-mos viver com as nossas contra-dições. ‘É um indivíduo cheio de contradições’, dizem as famílias. Ainda bem! Se não tem consci-ência das suas contradições, o bi-cho homem anda com as quatro patas no chão”.

A construção destes contos assenta, em larga medida, na ex-ploração de várias dualidades de sentido: memória/esquecimento, inocência/culpa, esperança/de-sencanto, liberdade(s)/prisão. O olhar interrogativo e perscruta-dor de SG, que nem “pergunta-dor de histórias”, revisita as várias tonalidades, desafios e dilemas que esse rol de ambiguidades, e seus limbos, coloca às persona-

gens (e, por extensão, aos leito-res): o carrasco que procura de-pois expiar-se, o professor que tem um caso amoroso secreto com um aluno, a rapariga do circo “posta a girar desde pe-quena”, o “arquitecto-paisagista

com desorientação topográfica”, o pré-catastrofista que faz rir os outros com as suas duras verda-des ditas em tom lúdico.

A evolução em cena desta ga-leria de figuras duplas propor-ciona sempre a vinda à tona de uma consciência (como quan-do o carrasco compreende o condenado que o reconhecera no momento derradeiro), in-terpelando-nos e levando-nos a pensar quão ténue e fina pode ser a fronteira entre os dois pólos de cada uma das dualidades aci-ma explicitadas, desconstruindo uma certa visão rígida, parcela-da e estanque do que constitui o labirinto da vida, como se feito de paredes muito espessas onde não cabem vasos comunicantes, onde nada se mistura. No conto “Notas soltas da corda e do car-rasco”, quando se pensaria que o triângulo clássico e equiláte-ro carrasco-vítima-salvador seria perfeito, estando bem definidos os lugares/papéis de cada vértice e as distâncias (iguais) entre os mesmos, o desenrolar do enredo mostra-nos a dimensão imper-feita, permeável e mutável des-sa tríade aparentemente exacta – não fossem os gráficos “artes

aproximativas”, como SG adver-te noutro passo do livro.

Amor, (desas)sossego, emprego…

Aparentemente sombrio, no

subtexto desta Vidadupla – assim escrita, pois não há um abismo entre a vida e os seus duplos, antes continuidades, pontes, re-começos – reside uma lumino-sidade própria (por vezes algo difusa), expressa numa vontade de viver, de arriscar, de experi-mentar, de reinventar os dias, sem derrotas definitivas ou de-sistências. Um dos passos mais poéticos da obra, espécie de súmula lírica da mesma: “[…] sempre na esperança de sentir no meu amor rugoso a pele lisa dos inícios”. As dualidades nova-mente: rugoso/liso, turbulência do amor/apaziguamento pós-so-frimento, rumo ao esperançoso renovar dos dias. Isto não invali-da, paralelamente, o tratamento irónico-satírico do tema da espe-rança num outro conto de maior alcance social (“Queria só falar da minha história de amor”), em que se retrata a crise e a falta de emprego (“Havia esperança, sobretudo nas exportações”.) e em que a operária protagonista viu a palavra “esperança” escrita a letras vermelhas de trás para a frente e esteve três dias seguidos a olhar para ela e a tentar dizê-la ao contrário e sabê-la de cor. A

atitude idealista da operária de se despedir, sem indemnização, antes de ser oficialmente dispen-sada reflecte sobre a questão da dignidade individual como valor supremo em tempos em que a “crise” surge também como si-nónimo de diluição de valores básicos/ideais, de falta de respei-to pelo outro e de repetição de erros do passado, resumidas nes-ta pérola poética: “A injustiça, o tempo cortado, a bicicleta a apa-nhar ferrugem”. Porque a vida sem dignidade, com o nome riscado, é como a bicicleta com ferrugem: uma roda emperrada que impede a vida de girar, uma vida por viver (atrasada, adiada).

São múltiplas as formas como a ideia de liberdade (vocábulo recorrente na obra) é percep-cionada nestes contos dilemá-ticos, pois cada personagem intenta encontrar/preservar/reflectir sobre a sua concepção do que é ser livre na duplicidade, de como o livre-arbítrio convive com a contradição no psicolo-gismo humano e na interacção com o outro. Pois a liberdade também pode, eventualmente, ser um pau de dois bicos, como frisa o protagonista do conto “O

álibi do falso culpado”: “Preser-var o meu espaço de liberdade tinha-se tornado tarefa simples, e recompensadora, se bem que cobrada a preço alto várias vezes à saída”. Ou a rapariga do circo, que acostumada, vaidosamente, a girar no seu círculo (de confor-to) desde tenra idade, um dia en-contra uma saída com o seu ca-valo (pois “falta muita comida à liberdade”), mas apercebe-se depois que, contraditoriamente, precisa desse movimento circu-lar, rotineiro e previsível, desse porto seguro mesmo que oclu-so. Para o carrasco, por seu lado, a liberdade é “o momento em que se apercebeu de tudo o que não tinha sido […], o momento em que se é outra pessoa”, mas também o espaço incerto e irre-gular, a insondável e cativante terra de ninguém entre o corpo e a alma, entre o pescoço e a cor-da – no fundo, aquele magnífi-co espaço, patético e sublime, entre as árvores, de que falava o poeta Rilke.

Uma nota para o conto “Os-mose”, talvez o mais poético do livro: SG perscruta com mestria os processos interiores, as forças que se debatem dentro de um homem que um dia descobre o amor, levando-o a descentrar--se, a diluir a sua capa osmóti-ca, a redescobrir o seu corpo, a construir “uma nova rua, um cheiro diferente na cama”, a perceber que a sua vida não ia ser feita só para o amparar pois ele acabara de amparar a cabe-ça noutro ombro (e não mais seria o mesmo) – a duvidar dos versos de Márcia, que an-tes lhe pareciam tão certeiros: “Não fiz camadas do meu ser só para ti”. Doravante, um novo refrão, precário e esperançoso: “Eu via-me, e não era fácil, ter de ramificar o meu carreiro no mundo. Amor incluído. Não ti-nha hábito”.

A inquietante reinvenção do acto criativo em Sérgio Godinho

fotos: d.r.

A beleza é uma contradição velada.

Jean-Paul Sartre

Paulo PiresProgramador culturalno Município de Louléhttp://escrytos.blogspot.pt

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07.08.2015  11Cultura.Sul

Da minha biblioteca

Adriana NogueiraClassicistaProfessora da Univ. do [email protected]

Gostei muito deste livro de Maria de Fátima Santos (que já recebera uma menção honrosa no Prémio Literário João Gaspar Simões). É daqueles livros que le-mos e não sabemos se é prosa ou poesia, de tão bonito que é. Bo-nito… talvez não seja este o adje-tivo que se esperaria para classi-ficar o conteúdo literário de um livro, mas é o que não me sai da cabeça. Não é que a história seja bonitinha ou as personagens exaltem em beleza. Não é isso. Nem quer dizer que não haja violência, mortes, traições. Que as há. Mas existe nele um tom, uma musicalidade, uma calma (ajudada por uma pontuação onde a exclamação está ausente) que dão harmonia a um conjun-to de vozes que se vão fazendo ouvir através de um narrador peculiar.

Mas já lá vamos. Vou primeiro apresentar a autora, que para al-guns pode ser menos conhecida.

Maria de Fátima Marques Correia Santos nasceu em Lagos, em 1948, e aposentou-se como professora de Física e Química. Talvez tenha sido essa condição que lhe tem dado tempo – e predisposição – para escrever e pintar. Tem publicado poemas e contos, quer no seu blogue, quer em livro (foi também vencedora de um dos cinco prémios Novos Talentos FNAC Literatura 2012). Quanto ao que desenha e pinta (a que chama «o gosto pelo traço desenhado e pelas tintas»), pode ser visto num dos seus blogues, Intimarte (http://intimarte.blo-gspot.pt/). Só mais um abraço é o seu primeiro romance. Mas não parece nada, pois não padece de maleita de principiante, que pro-cura mostrar tudo quanto sabe.

Antes pelo contrário: é uma es-crita muito contida, onde as emoções, os sentimentos e as ações ficam-se pela esfera do não-dito e do subentendido.

«o passado não tem de-pois nem antes»

Se escrevesses, farias um salti-tar no tempo. Salpicos de vida, que o passado mão tem depois nem antes» (p.131), diz-nos a narradora, numa frase que re-sume, de uma maneira muito simples e esclarecedora, o modo como a história nos é contada. E digo «narradora», porque en-tendi (apesar de isso nunca ser revelado, sendo apenas a minha

opinião) que quem narra é a per-sonagem principal, Maria de Lur-des, uma jovem nascida no Sul e que vai pequenina para África, com os pais. Através de um sub-terfúgio que lhe permite afastar--se emocionalmente da história, dirige-se a si própria como se fosse outra, através do uso da 2ª pessoa do singular, contando a sua vida, a vida dos seus pais, dos seus irmãos, dos seus amo-res, dos amores dos outros. Uma história que nunca foi contada, que nunca foi escrita, uma his-tória que apenas conjetura e que não se atreve a adivinhar («Se es-crevesses, talvez dissesses do seu cheiro. Mas nem tu escreves, nem a tua mãe retoma o decurso do

tempo» – p.18).A narrativa saltita, de facto,

no tempo, pois a história não nos é contada de uma forma li-near (apesar de nunca nos fazer perder o fio à meada). Somos colocados in medias res, na selva africana, como se soubéssemos de quê e de quem se está a falar. Logo no primeiro capítulo, fala--se do Afonso (o pai), da Maria Inácia (a mãe) e do Augusto (o vendedor ambulante), como se já os conhecêssemos e cada ca-pítulo que se segue não fizesse mais que nos lembrar de quem foram. No segundo capítulo, há uma analepse onde se conta como foi que Maria de Lurdes nasceu. E os capítulos que se se-

guem (nenhum é numerado ou tem nome) falam-nos, com subtileza, dos filhos que Maria Inácia teve, da vida que foi vi-vendo, das mortes a que foi as-sistindo, das mudanças de casa e de terra, tudo temperado com o calor de África, que desgasta os corpos a ele não habituados.

«Ainda não sabiasque um dia, partirias,

apenas tu e ela»

Uma das razões porque a nar-rativa nos prende (além da ele-gância da escrita) é o jogo que é feito com os tempos e modos verbais, permitindo a criação de ambientes muito diferentes. Os tempos do passado, esse que não tem «depois nem antes», vão sendo revelados, mas à medida do saber da protagonista, pois se esta não conhece, a narrado-ra só pode tentar deduzir: «Não tens certeza se foi no rosto dele que viste desenharem-se as pa-lavras que cuidas ter ouvido, ou se nem seria mais do que o teu pai dizendo que o Augusto tinha morrido» (p.60).

O abundante uso do imperfei-to do conjuntivo, acompanha-do do condicional (presente ou pretérito, como no exemplo que se segue), marca a irrealida-

de, como se tudo não passasse de conjeturas: «Se já então sou-besses, terias reparado que o brilho nos olhos do teu pai era um brilho diverso: como se fos-se um susto que lhe andasse lá no fundo. Se já então soubesses, terias percebido que o destino desenha futuros no olhar da gente» (p.39).

Outro tempo bastante usado é o futuro que, assim, vaticina o porvir: «tu nunca terás a dádi-va das lágrimas e dos soluços» (p.92) «E no abraço que hão--de dar-se, saberás que não são choros que te lavam o rosto mas tão-somente a chuva que cairá intensa nesse inverno na capital do que já fora um vasto Impé-rio» (p.105).

«Não tens certeza do quanto possas ter imaginado»

Uma característica que me agrada neste livro é o facto de não considerar o leitor alguém a quem tem de se contar tudo. Antes pelo contrário: este é um livro cheio de subentendidos, mas de tal forma apresentados que percebemos perfeitamen-te a situação ou a palavra não dita: «Maria Inácia sempre fora de escrever com a mão direita o que se não dera com Fabíola, e as lutas que a tua mãe teve com a professora da primária que queria corrigir aquele há-bito na menina» (p.125-6).

Um livro que nos embala no seu ritmo, que nos envolve na humidade tropical, que nos leva a juntar todos os pontos que foram sendo dispersos na narrativa e a construirmos o seu (nosso) sentido.

Um belíssimo romance, pri-meira obra literária publicada por uma nova editora, a iwin-Press. Dedicada, sobretudo, à publicação de livros eletró-nicos de natureza científica e pedagógica, em boa hora não fecharam a edição apenas a estas áreas e fizeram uma in-cursão pela literatura. Pelo su-cesso da escolha, espero que continuem.

'Só mais um abraço' é o primeiro romance de Maria de Fátima Santos

d.r.

AGENDAR

“CONCERTO DE DAVID GUETTA”14 AGO | 19.00 | Estádio Municipal de QuarteiraConsiderado o maior DJ da actualidade e um dos produtores mais requisitados internacionalmente, os espectáculos de David Guetta atraem multidões

“AS FLORES ABREM MAIS DEPRESSA AO DOMINGO”Até 15 AGO | Galeria de Arte do Conventodo Espírito Santo - LouléChristine Henry apresenta um tema imensamente divisível, que é a dobra. Há o dobrar, desdobrar, redo-brar incessantemente os espaços e as temporalidades da experiência

«Salpicos de vida» em Só mais um abraço, de Maria de Fátima Santos

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