cultura.sul 87 - 11 dez 2015

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www.issuu.com/postaldoalgarve 7.586 EXEMPLARES Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO DEZEMBRO 2015 n.º 87 RICARDO CLARO Cultura e fronteiras instáveis: arte e entretenimento p. 8 Arco da Vila mostra-se ao público p. 5 D.R. Faro 2005 - Memória de uma Capital Nacional da Cultura p. 3 D.R. Missão Cultura: Caminhos de Cultura no Algarve 2015 p. 2 Letras e Leituras: A Balada de Adam Henry - Amor e Morte D.R. p. 4 D.R. Espaço AGECAL: Qual o sentido das Artes Visuais? p. 6 Artes visuais: D.R.

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• CONHEÇA O CULTURA.SUL DESTE MÊS • Sexta-feira (dia 11/12) nas bancas com o PÚBLICO e o POSTAL • Partilhe o seu caderno mensal de Cultura no Algarve • EM DESTAQUE: > Missão Cultura: Caminhos de Cultura no Algarve, por Alexandra Gonçalves > ESPAÇO AGECAL: Faro 2005 - Memória de uma Capital Nacional da Cultura > LETRAS E LEITURAS: A Balada de Adam Henry - Amor e Morte, por Paulo Serra > PANORÂMICA: Arco da Vila mostra-se ao público, por Ricardo Claro > ARTES VISUAIS: Qual o sentido das Artes Visuais?, por Saul Neves de Jesus > SALA DE LEITURA: Cultura e fronteiras instáveis: arte e entretenimento, por Paulo Pires

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Page 1: CULTURA.SUL 87 - 11 DEZ 2015

www.issuu.com/postaldoalgarve7.586 EXEMPLARES

Mensalmente com o POSTAL

em conjuntocom o PÚBLICO

DEZEMBRO2015n.º 87

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laro

Cultura e fronteiras instáveis:

arte e entretenimentop. 8

Arco da Vila mostra-se ao público p. 5

d.r.

Faro 2005 - Memória de uma Capital Nacional da Cultura

p. 3

d.r.

Missão Cultura:

Caminhos de Cultura no Algarve 2015

p. 2

Letras e Leituras:

A Balada de Adam Henry - Amor e Morte

d.r.

p. 4

d.r.

Espaço AGECAL:

Qual o sentido das Artes Visuais?

p. 6

Artes visuais:d.r.

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11.12.2015 2 Cultura.Sul

AGENDAR

Caminhos de Cultura no Algarve 2015

Passado que está mais um ano é tempo de balanço da ac-tividade desenvolvida. Relem-bramos que a actuação deste organismo desconcentrado da administração central possui como duas áreas principais de intervenção: a salvaguarda e gestão do património cultural; e a promoção da criação artís-tica, neste caso com dois domí-nios de actuação - a fiscalização das estruturas financiadas pelos organismos da administração central da área da cultura e o apoio ao tecido cultural não profissional da sua área territo-rial (conforme o Decreto-Lei n.º 114/2012, de 25 de Maio).

Na ação cultural e no apoio à actividade de criação artística estabeleceram-se critérios prio-ritários de avaliação comuns que incluem: o combate à ex-clusão social e à desertificação do interior do Algarve; a educa-ção para a cultura e para as ar-tes; a valorização do património imaterial do Algarve e a preser-vação das tradições, memórias e identidade; a revitalização de núcleos e centros históricos; a inovação cultural, projetos multidisciplinares, multicultu-rais, trabalho em rede e parce-rias (onde as novas indústrias criativas têm assumido papel preponderante). Foi neste âm-bito que a Comissão de Edição apoiou vários trabalhos e con-tribuiu para a criação de uma nova imagem e linha editorial da Direção Regional de Cultura do Algarve. Em parceria com a Universidade do Algarve e a Di-reção das suas Bibliotecas criou--se na FNAC, do Forum Algarve, a rubrica “Café com Letras”, onde se apresentaram edições, se discutiram temas de cultura e se debateram ideias e projectos nestes domínios.

Pelo segundo ano consecuti-vo, programou-se em rede para o conjunto dos monumentos sob gestão da DRCAlg, criando uma dinâmica de interação en-

tre os agentes culturais regio-nais, e as várias áreas artísticas, tendo por base o Programa de Dinamização e Valorização dos Monumentos do Algarve (Di-VaM) e sob o tema das “Raízes Mediterrânicas”.

Melhorou-se a comunicação e a promoção da actividade da DRCAlg, marcando presença em feiras do sector a nível nacio-nal. Estreitou-se a colaboração com outras entidades, nome-adamente com o Turismo do Algarve e algumas associações empresariais, através de pro-jectos e protocolos específicos. Desenvolveram-se as rotas tu-rísticas e culturais e procurou-se criar novas dinâmicas em torno destes projectos.

Na salvaguarda e valorização dos monumentos, Sagres absor-veu a maior atenção, por moti-vos óbvios. Mas foi continuado o apoio técnico em várias inter-venções municipais e de inicia-tiva particular, assim como se participou nas redes regionais temáticas associadas.

Nos indicadores dos visitan-tes, os números revelavam no fim do mês de outubro um re-sultado que não se alcançava há mais de 12 anos, superando os 300 mil ingressos na Fortaleza

de Sagres. Comemoraram-se os dez

anos da Convenção Quadro de Faro e nos desafios de âmbito europeu e internacional anun-ciaram-se a candidatura de Faro a Capital Europeia da Cultura, e as várias tentativas de inscrição na lista indicativa da UNESCO das candidaturas de Vila Real de Santo António (Cacela e Nú-cleo Pombalino de Vila Real de Santo António) e a dos “Luga-res da Primeira Globalização”, que envolve oito municípios do Algarve, a Direção Regional de Cultura do Algarve, a Região de Turismo do Algarve e a Uni-versidade do Algarve, e ainda, a Região Autónoma da Madeira, dos Açores, o Governo Autonó-mico de Ceuta e a Cidade Velha de Cabo Verde.

No âmbito do planeamen-to estratégico para a região, identificaram-se em conjunto com os municípios do Algarve e a CCDRAlg, o conjunto de in-tervenções urgentes, e por isso prioritárias, a fim de serem in-cluídas no mapeamento dos in-vestimentos a poder ser apoia-dos pelo CRESC Algarve 2020, no eixo dedicado ao patrimó-nio cultural.

Lançou-se o desafio à AMAL

de encontrar connosco o finan-ciamento e os meios para criar uma Agenda Regional para a Cultura com base numa plata-forma digital em que estamos a trabalhar com a proposta de designação de “Cultura+”, que englobasse todos os municípios do Algarve, a DRCAlg e a RTA.

Também neste ano, se con-seguiu concretizar uma antiga ambição e se mudou de casa, tendo encontrado um espaço de maior conforto e melhores condições de trabalho e aces-sibilidade para os serviços da cultura, até então sediados num edifício de habitação.

Nos novos desafios surgem propostas que são partilhadas e que nalguns casos, têm careci-do de disponibilidade financei-ra para a execução e de meios humanos e técnicos. A DRC Algarve continua a defender a necessidade de ter um projeto regional de sistematização e análise de dados e indicadores e onde se faça monitorização nestes domínios, sob pena de não conseguirmos em conjunto ter uma estratégia para a cultu-ra, património e artes na região, que é responsabilidade de vá-rios organismos e diferentes níveis de administração.

Este foi um ano de grande intensidade de trabalho, em que o reconhecimento fora de portas também se fez sentir e em que as vozes da cultura e do património se têm começado a fazer ouvir. O reconhecimento do Promontório de Sagres como Marca Património Europeu pela Comissão Europeia resultou de uma candidatura da equipa da Direção Regional que demons-trou a sua importância para a construção do novo mundo moderno, tal como hoje o co-nhecemos.

Finalmente, reconheçamos que há necessidade de mais re-cursos para o desenvolvimento sustentado e equilibrado da cul-tura, no sentido amplo da pa-lavra, e para que cada um dos parceiros deste importante eixo de desenvolvimento estratégico cumpra a sua missão na região.

Como diria Ricardo Reis, “Cumpre-te hoje, não esperan-do.” Tem sido assim, nestes ca-minhos de cultura que percor-remos e vamos construindo. O ano que vem será certamente repleto de novos caminhos.

Alexandra Rodrigues GonçalvesDireção Regional

de Cultura do Algarve

Editorial Missão Cultura

Direção Regionalde Cultura do Algarve

“BÃO PRETO”15 DEZ | 10.30 e 14.00 | Auditório Municipal OlhãoJovens olhanenses têm oportunidade de assistir a uma peça de teatro levada à cena pelo Comuna - Te-atro de Pesquisa, interpretada por Miguel Sermão e Hugo Franco e encenada por João Mota

“CONCERTO DA ORQUESTRA CLÁSSICA DO SUL”11 DEZ | 21.30 | Grande Auditório do Campusde Gambelas - FaroUniversidade do Algarve assinala o seu 36º aniver-sário com um concerto aberto a toda a comunidade

drcalg

Imagem do Promontório de Sagres

A aposta e o investimento na Cultura, genericamente falan-do, depende em grande medi-da para os decisores políticos - mais do que o dever aparen-temente óbvio de salvaguarda da identidade cultural do 'seu' povo (que os elegeu e/ou para quem trabalham) - da possi-bilidade de com os mesmos ganharem votos e/ou obterem mais-valias para a economia.

Também na Cultura como em outras áreas, aparentemen-te mais afastadas da realidade dominada pela economia, a força do economês se impõe.

E para falar economês a re-cente atribuição ao Promon-tório de Sagres da Marca Pa-trimónio Europeu, a par da classificação da Dieta Medi-terrânica como Património Imaterial da Humanidade, são bons exemplos de como a Cultura pode ser um meio de alavancagem da economia, em particular do Turismo e da en-trada de divisas.

Reconhecimento é o que se deve, respectivamente a Ale-xandra Gonçalves (directora regional de Cultura) e a Jorge Botelho (presidente da Câma-ra de Tavira) naqueles dois ca-sos, e a tantos outros actores da Culrura na região, pelo es-forço que têm feito na criação de uma estrutura cultural coe-rente e coesa o suficiente para criar mais-valias potenciais para a região.

Conseguem assim que a pre-servação da identidade cultural do Algarve seja vista pelos 'dita-dores da economia' como um projecto aceitável e o qual im-porta reforçar o investimento.

Há várias formas de levar a água ao moinho e se para tanto se tem de falar economês, seja: a Cultura está a alavancar a economia algarvia.

A Cultura e o 'economês'

Ricardo [email protected]

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11.12.2015  3Cultura.Sul

Grande ecrã

Cineclube de TaviraProgramação: www.cineclubetavira.com281 971 546 | [email protected]

SESSÕES REGULARES | CINE-TEATRO AN-TÓNIO PINHEIRO | 21.30 HORAS

17 DEZ | GÜEROS (GUEROS), Alonso Ruiz Palacios – México 2014 (106’) M/14

23 DEZ | SAMSARA, Ron Fricke - Vários países, 2011 (102’) M/12 (sem diálogos)

30 DEZ | MANDARIINID (TANGERINAS), Zaza Urushadze – Georgia/Estonia 2013 (87’) M/12 (legendado em português + inglês)

Cineclube de Faro aposta nas curtas em Dezembro

O Cineclube de Faro apresen-ta neste Dezembro no quadro da sua programação principal, dois ciclos. Na sede dedicamo-nos a Budd Boetticher, um dos icónes do Western, de quem apresenta-mos três filmes, Têmpera de Herói, O Homem que Luta Só e Emboscada Fatal, nas primeiras 5ªs-feiras de Dezembro, em sessões gratuitas.

A programação regular das 3ªs-feiras, está de volta ao IPDJ e em cartaz constam trêsfilmes: Roy Andersson e os seus dois fil-mes da Triologia dos Vivos - Um Pombo Pousou num Ramo a Reflectir na Existência (2014) e Canções do Segundo Andar (2000) remetem para uma es-pécie de reflexão sobre a moral, a condição e acção humanas, re-correndo bastas vezes ao surreal, em quadros cómicos com forte pendor artístico e um humor que tem tanto de vivo e sagaz como de cortante e seco.

O mês encerra com a estreia

de João Salavisa nas longas-me-tragens, com Montanha, depois de uma carreira com óbvio destaque para as curtas Arena e Rafa. Sala-visa retoma o tema da tentativa de aproximação à “raiz mitoló-gica da adolescência”. Seguimos David, sempre do ponto de vista do seu olhar, deambulamos pela sua odisseia emocional e pessoal, pelo limbo em que o final da in-fância, as agruras da adolescência e a assombração das imperfeições

do mundo adulto se encontram inapeláveis num território em que saltam à vista os escombros urbanos e familiares.

“Em derradeira análise”, diz Daniel Sampaio, “Montanha é um filme sobre a verdadeira adversi-dade dos nossos dias, a crise das relações interpessoais e da cons-trução de um futuro melhor”.

O cartaz não fica no entanto por aqui, consultem-nos.

Cineclube de Faro

O realizador João Salaviza

fotos: d.r.

Cineclube de Faro Programação: cineclubefaro.blogspot.pt

CICLO 'A OLHAR PARA NÓS' | IPDJ |21.30 HORAS15 DEZ | MONTANHA, João Salaviza,Portugal/França, 2015, 92’, M/14

“O WESTERN DE BUDD BOETTICHER” | SEDE | 21.30 HORAS | ENTRADA LIVRE17 DEZ | EMBOSCADA FATAL, EUA,1960, 75’ O DIA MAIS CURTO – GRANDE FESTA DA CURTA METRAGEMSOCIEDADE RECREATIVA ARTÍSTICA FA-RENSE | 22 HORAS18 DEZ | Europa em CurtasATRIUM FARO | 14 HORAS21 DEZ | Contos à Sombra das Árvores

Entre 11 e 24 de Dezembro o Cinema volta à Baixa de Faro, com programação ainda a anunciar.

Espaço AGECAL

Há semanas a Universidade do Al-garve e a Direcção Regional de Cul-tura do Algarve promoveram em Faro, passados dez anos, um debate sobre “Faro 2005 - Capital Nacional da Cultura”.

Dos programadores de 2005, Lu-ísa Taveira (dança), Luís Madureira (musica), Anabela Moutinho (ci-nema) Miguel Abreu (teatro) Jorge Queiroz (artes visuais e exposições) e Pedro Ferré (literatura), apenas os três últimos estiveram presentes na sessão da FNAC. A ausência do Pro-fessor António Rosa Mendes, faleci-do inesperadamente há dois anos e Presidente da Estrutura de Missão, deixou a sessão menos enriquecida, ele que teve a coragem de ser rosto

de um projecto complexo e difícil. Faro 2005 - CNC tinha criadas à

partida todas as condições para cor-rer mal.

Em Outubro de 2004 o Professor António Lamas fora substituído como Presidente da Estrutura de Missão pelo historiador António Rosa Men-des, não tinha orçamento definido nem autonomia administrativa e financeira, com uma equipa de pro-gramação que não se conhecia e sem instalações. Estavam ainda agendadas para 2005 eleições legislativas e au-tárquicas, que desviariam a atenção do País para outras prioridades.

Contudo, Faro 2005 - CNC não fa-lhou e por três opções estratégicas que se provaram correctas.

Em primeiro lugar, o projecto estruturou-se em todo o território algarvio, cidades litorais e no inte-rior, valorizando lugares, criadores e populações, mobilizando inúmeros recursos.

A segunda orientação estratégica foi assumir que o Algarve era e é uma região com uma cultura sedimentada pelos séculos, possuidora de uma va-liosa herança histórico-cultural, que participou na construção de Portugal

enquanto entidade política soberana e no processo da expansão, que pos-sui importantes expressões da mo-dernidade e da contemporaneidade.

Por último, e não menos decisivo, foi a credibilidade institucional e o empenho pessoal, o rigor da presta-ção de contas e no uso dos dinheiros públicos. A 30 de Março de 2006 os relatórios de gestão e de programa-ção estavam entregues no Ministério da Cultura, encerradas as contas não havia qualquer dívida a fornecedores.

A dimensão e exigência do tra-balho foi grande. Na área à minha responsabilidade, artes visuais e ex-posições, com escassos meses de pre-paração realizámos 43 exposições (18 em Faro) em 11 Municípios, sendo 32 estreias, em todas as disciplinas, para públicos e interesses diferenciados: para crianças (“As criaturas”, de Nuno Maya e Carol Purnell), invisuais (“Luz Táctil”, de Paulo Abrantes”), novas ge-rações (“Prémios EDP - Novos Valores comissariada, por João Pinharanda, ou “Tractor” na Fábrica da Cerveja), colecções nacionais ( “Do Olhar In-quieto”, Colecção Nacional de Foto-grafia dirigida por Teresa Siza), de pa-trimónio (“Os Caminhos do Algarve

Romano”, com direcção de José de Encarnação ou a “Invenção do Mun-do” - arte sacra no Sul de Portugal”, com curadoria de José António Fal-cão), históricas sobre o Algarve (“La-gos Anos 60 - Bravo, Cutileiro, Lapa e Palolo”, comissariada por João Pinha-randa, ou “O século XX passou por

aqui”, com direcção de Mirian Tava-res), arquitectura (maquetas de Siza Vieira), artistas residentes no Algarve (“O sol e a lua” de René Bertholo, ou as exposições de obras de Xana, Bar-tolomeu dos Santos, Costa Pinheiro, Vítor Pomar, …).

A colaboração com instituições nacionais (Fundação Arpad Szenes /Vieira da Silva, Culturgest, Centro Português de Fotografia, EDP, …) potenciou a programação da área e triplicou o orçamento disponível sem acréscimo de custos para o Estado.

Da experiência positiva podemos afirmar que as Capitais Nacionais de Cultura, suspensas em 2006, po-deriam regressar e ser, desde que se permita candidaturas das cidades portuguesas suportadas por objecti-vos e orçamentos claros e partilhados, instrumentos úteis para o desenvolvi-mento e a descentralização cultural, para a renovação de equipamentos e programas.

Dez anos passados a herança de Faro 2005 - CNC lembra-nos que as políticas culturais do País necessitam de estímulos, instrumentos regulares de afirmação dos valores nacionais e regionais.

Faro 2005 - Memória de uma Capital Nacional da Cultura

Jorge QueirozProgramador de Faro 2005- Capital Nacional da Cultura;Sócio da AGECAL

d.r.

Rosa Mendes, um dos nomes por detrás da Faro 2005

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11.12.2015 4 Cultura.Sul

Letras e Leituras

A Balada de Adam Henry - Amor e Morte

Ian McEwan é um dos gran-des autores ingleses da actuali-dade. De entre a sua obra po-demos destacar livros como A Criança no Tempo (Whitbread Award 1987) ou Amesterdão (Booker Prize 1998). É ainda autor de um libreto de ópera e de vários argumentos para cinema (como o do recente filme O Jogo da Imitação). As obras O Inocente, Estranha Sedução, O Fardo do Amor e Expiação foram adaptadas ao cinema.

A Balada de Adam Henry, o seu último livro, revela uma linguagem cinematográfica, numa espécie de zoom contí-nuo sobre o espaço e a perso-nagem em cena que o observa: «Londres. O último período do ano judicial começou há uma semana. Junho com um tempo implacável. Fiona Maye, juíza do Supremo Tribunal, em casa num fim de tarde de domin-go, deitada de costas numa chaise longue, a olhar o ex-tremo da sala para além dos seus pés revestidos

de collants, a contemplar uma perspectiva parcial da estante embutida junto da lareira e, de um lado, junto de uma janela alta, uma minúscula litografia de Renoir representando uma banhista, que ela comprara por cinquenta libras há três anos. Provavelmente uma fal-sificação. Por baixo dessa ima-gem, no centro de uma mesa redonda, de nogueira, uma jarra azul. Não se recorda de como lhe foi parar às mãos. Nem de quando lhe pôs flores pela última vez. A lareira não é acesa há um ano.» (pág. 9). A descrição continua num ritmo fluído que entretece o banal e o íntimo, onde se desenha um quadro realista mas a partir do qual serão lançadas pinceladas que permitem entrar na men-te da personagem.

Fiona Maye é essa persona-gem central, a partir da qual entramos nessa sala, uma juíza do Supremo Tribunal que jul-ga casos do Tribunal de Família. Se nos primeiros momentos em que a personagem se começa a desvelar esta pode parecer-nos fria, Fiona é acima de tudo um ser humano que mesmo lidan-do com os mais variados casos consegue manter a sua natureza humana. Pode-se perceber que ainda existe bondade e genero-sidade em si quando nos é dado a ler que Fiona tem entre a sua lista de afazeres escrever uma

carta de recomendação para o filho autista da sua empregada de limpeza ser admitido numa escola. Mas esse cenário de cal-ma aparente é manchado pelas recordações de Fiona enquanto passa mentalmente em revista a discussão recente com o mari-do. Tal como Fiona parece viver e envolver-se de forma apaixo-nada no seu trabalho, o que lhe pode ter retirado a capacidade de se ligar emocionalmente da mesma forma a alguém, o mari-do é, de modo diametralmente simétrico, bastante frio e prático na forma como lhe apresenta os seus motivos para querer o di-vórcio de modo a poder tentar uma segunda vida com a sua amante bastante mais nova:

«- Preciso disto. Tenho cin-quenta e nove anos. Esta é a minha última oportunidade. Ainda tem de haver quem me convença de que há vida de-pois da morte.

Uma observação pretensio-sa para a qual não encontrara resposta. Limitou-se a fitá-lo, talvez com a boca aberta. Só agora, deitada na chaise lon-gue, lhe ocorria uma resposta. «Cinquenta e nove, Jack? Mas tu tens sessenta! É patético, é banal».

Mas o que de facto disse, sem convicção, foi:

- Isto é demasiado ridículo.- Fiona, quando fizemos

amor pela última vez?Quando teria sido? Ele

já lhe tinha feito aque-la pergunta antes, com estados de espírito que iam do lamuriento ao rezingão. Mas o passado recente sobrecarregado pode ser difícil de recor-dar.» (pág. 10-11).

«A Divisão da Famí-lia pululava de estranhos

diferendos, alegações espe-ciais, meias-verdades íntimas e acusações exóticas.» (pág. 11). Sem nunca sabermos se é o narrador que tece consi-derações se é a própria Fio-na, numa corrente de cons-ciência em que o leitor se vê mergulhado, não se afigura simples lidar com casos ver-dadeiramente complexos que surgem entre outros mais ro-tineiros: «discórdias de rotina relativas a residência de filhos, casas, pensões, rendimentos, heranças» (pág. 11). Numa das passagens podemos mes-mo ler como Fiona parece até apreciar essas situações límite que, afinal, são o quotidiano de certas profissões de gran-de responsabilidade social: «Toda essa mágoa, com temas comuns e uma uniformidade humana, continuava a fasci-ná-la. Ela estava convencida de que introduzia razoabili-dade em situações desespera-

das.» (pág. 11).É particularmente interes-

sante a forma como no ro-mance parecem surgir certas máximas ou pensamentos as-sertivos que procuram definir o contexto social e cultural de uma sociedade em ebulição, pois da mesma forma que Fiona dita sentenças no seu tribunal, encontramos ainda noções ou constatações críti-cas como: «Na maior parte dos casos, a riqueza não conseguia proporcionar felicidade. Os pais depressa aprendiam o novo vocabulário e os pacien-tes procedimentos em matéria de legislação, e ficavam atur-didos ao verem-se envolvidos num combate perverso com aquele a quem outrora ama-vam.» (pág. 11).

Em alguns momentos aden-sa-se ainda mais esta aparen-te intenção crítica ou busca de minudenciar a realidade de outras formas de viver que,

todavia, têm de ser julgadas pela mesma lei, mesmo que se tratem de outros povos ou etnias a viver em solo in-glês. Note-se quando Fiona tem de julgar um caso cujas partes envolvidas são ambas provenientes da comunida-de haredi, ultra-ortodoxa, do norte de Londres: «Os homens também não tinham grande instrução. A partir do meio da adolescência, deviam dedicar a maior parte do seu tempo ao estudo da Tora. De um modo geral, não iam para a universi-dade. Em parte devido a essa razão, muitos haredi eram gente modesta. (...)/ Os rapa-zes e as raparigas haredi eram educados em separado a fim de preservar a sua pureza. Roupas na moda, televisão e Internet eram proibidas, tal como o convívio com crian-ças a quem fossem permiti-das tais distracções. As famí-lias que não observavam as estritas normas kosher eram marginalizadas.» (pág. 16-17). É nestas digressões que o livro fica mais enriquecido, prepa-rando o leitor de forma gra-dual para um caso ainda mais complicado e urgente, em suma, fatal. O caso de Adam Henry, aquele que dá nome ao romance, implica um jo-vem que tal como os pais é Testemunha de Jeová e que apoiados na sua fé recusam o tratamento que o hospital quer aplicar ao rapaz: uma transfusão de sangue.

Mas Adam Henry mais do que um jovem é um belo ra-paz de 17 anos, a pairar entre a vida e a morte e no limiar da vida adulta, quase a atin-gir a maioridade que o torna legalmente responsável por si próprio, sem interferência de pais, e parece ainda repre-sentar para Fiona o filho que nunca teve, bem como um estranho flirt amoroso que pode vir compensar a ruptura recente que o marido procu-rou impor ao seu casamento de trinta anos.

A Balada de Adam Henry é o mais recente romance de Ian McEwan, publicado entre nós, bem como as restantes obras pela Gradiva, cuja cole-ção abrange até ao momento 17 títulos. É um livro peque-no, tal como outros deste au-tor, mas que não desilude de prosa fluída, em que se deli-neam personagens intensas, abordando temas complexos e adensando mistérios da na-tureza humana.

Paulo SerraInvestigador da UAlgassociado ao CLEPUL

fotos: d.r.

A Balada de Adam Henry é o mais recente romance de Ian McEwan

O escritor Ian McEwan

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11.12.2015  5Cultura.Sul

Panorâmica

Arco da Vila dá-se a conhecer em Faro

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Câmara Municipal de Tavira

Aviso3º ADITAMENTO DO ALVARÁ DE LOTEAMENTO N.º 6/2003

Nos termos do n.º 2 do artigo 78º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de Setembro, torna-se público que a Câmara Municipal de Tavira, emitiu a 03 de Setembro de 2015, o 3º Aditamento do alvará de loteamento n.º 6/2003, cuja alteração foi requerida por Vítor Rodrigues Teixeira, contribuinte fiscal número 200 432 206, com domicílio na Rua Sérgio Mestre, n.º 9, em Tavira.

É licenciada através deste aditamento a especificação ao alvará de loteamento que incide sobre o lote 23 da Urbanização “Casas da Ria”, na União das freguesias de Santa Maria e Santiago, neste Município, no seguinte ponto:

a) Permissão de construção de piscina no lote 23.

A alteração do Alvará foi aprovada por despacho do Sr. Vereador do Urbanismo, Inovação e Empreendedorismo de 20/08/2015 e enquadra-se no estabelecido no nº 8 do artigo 27º do Decreto-Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 136/2014 de 09 de Setembro.

Paços do Concelho, 27 de Outubro de 2015

O Vereador do Urbanismo, Inovação e Empreendedorismo,

João Pedro Rodrigues

(POSTAL do ALGARVE, nº 1153, de 11 de Dezembro de 2015)

Câmara Municipal de Tavira

Aviso4º ADITAMENTO DO ALVARÁ DE LOTEAMENTO N.º 4/2003

Nos termos do n.º 2 do artigo 78º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de Setembro, torna-se público que a Câmara Municipal de Tavira, emitiu a 30 de Junho de 2015, o 4.º aditamento do alvará de loteamento n.º 4/2003, cuja alteração foi requerida por Construções Carlos Reis, Lda., pessoa colectiva número 501 871 560, com sede em Azenha, freguesia de Abiul, no concelho de Pombal, distrito de Leiria.

É licenciada através deste aditamento a especificação ao alvará de loteamento que incide sobre o lote 5 da urbanização no sítio da Foz, união das freguesias de Santa Maria e Santiago, neste Município, no seguinte ponto:

a) Alteração do número de fogos no lote 5, diminuindo de 12 para 10 fogos.

A alteração do Alvará foi aprovada por despacho do Sr. Vereador do Urbanismo, Inovação e Empreendedorismo de 12/06/2015 e enquadra-se no estabelecido no nº 8 do artigo 27º do Decreto-Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 136/2014 de 09 de Setembro.

Paços do Concelho, 27 de Outubro de 2015

O Vereador do Urbanismo, Inovação e Empreendedorismo,

João Pedro Rodrigues

(POSTAL do ALGARVE, nº 1153, de 11 de Dezembro de 2015)

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O ex-líbris da cidade de Faro, por excelência, sempre foi o Arco da Vila, um monumento que cons-titui uma das obras arquitectónicas mais marcantes da herança históri-ca da cidade e com o qual os faren-ses sempre tiveram uma relação de pertença.

Mas este sentimento de ‘proprie-dade’ dos farenses relativamente ao Arco da Vila sempre teve algo de es-tranho, de incongruente, tornando o monumento numa espécie de ob-jecto de admiração desconhecido.

A verdade é que poucos são os fa-rense que alguma vez tinham tido a oportunidade de admirar o Arco da Vila mais do que quem o mira des-de baixo para cima e apenas con-segue vislumbrar a forma exterior.

Havia nesta relação de deslumbre pelo belo a falta inultrapassável de se conhecer o âmago do objecto de ad-miração, o seu interior, o seu esque-leto, a sua alma e os seus segredos.

Tudo isto é hoje, graças à inter-venção da câmara liderada por Ro-gério Bacalhau, ultrapassável com uma simples visita ao Centro Inter-pretativo do Arco da Vila, acabado

de inaugurar numa intervenção que recuperou o monumento e que re-qualificou o Posto de Turismo de Faro, porta de entrada para o novo centro interpretativo.

O que pode ver no novo Centro interpretativo

Em dois pisos de área expositiva os painéis asseguram ao visitante um discurso que permite o percor-rer da história deste monumento nacional classificado desde 1910, ao mesmo tempo que pequenos apontamentos expositivos mostram algumas peças de cariz religioso e arqueológico que vêem a luz do dia depois de recuperadas das reservas

do Museu Municipal de Faro.Marco Lopes, director do museu

que agora tutela também o centro interpretativo, realça em declara-ções ao Cultura.Sul, que “a expo-sição destas peças que se encontra-vam nas reservas do museu e que se adequam ao discurso interpretativo que criámos para este espaço, per-mite que as pessoas possam ver pe-ças até agora afastadas do olhar do público, ao mesmo tempo que con-seguiu que se fizesse o seu restauro pelos técnicos do museu”.

Além da área expositiva os vi-sitantes têm agora franqueado o acesso à zona do alçado nascente e do interior do monumento inau-gurado em 1812. Ali podem visitar

a sala que acolheu a antiga Ermida de Nossa Senhora do Ó, bem como, a fachada do antigo templo e per-correr os corredores e açoteias que enquadram a fachada do Arco da Vila virada para a Vila Adentro.

Aos visitantes é ainda dado acesso ao espaço ocupado pelo mecanismo que garante o funcionamento do relógio do alçado frontal do arco e à vista do Jardim Manuel Bívar e da doca a partir de uma das janelas do monumento.

Muito embora ainda não seja dado acesso à zona da torre sinei-ra do Arco da Vila, por questões de segurança do acesso à mesma, a visita ao monumento farense vale mesmo a pena para descobrir um espaço há muito escondido de

quem vive ou visita Faro.Mas a oferta do centro interpre-

tativo não se fica por aqui. Aos que querem saber mais sobre a histó-ria do monumento e da cidade, o museu de Faro apresenta naquele espaço dois filmes e para os mais pequenos, afirma orgulhoso o di-rector do Museu Municipal, há serviços educativos que tornam a descoberta do Arco da Vila uma ex-periência à medida dos mais novos.

"Já estiveram cá duas turmas de escolas do concelho e abrimos há apenas dias", refere Marco Lopes, que destaca ser esta "uma aposta do centro interpretativo e do museu para ambos os espaços: que os mais novos tenham uma experiência de visita pensada à sua medida".

Porta aberta à satisfação da curiosidade sobre a obra arquitec-tónica de Francisco Xavier de Fa-bri patrocinada por D. Francisco Gomes do Avelar, antigo bispo do Algarve.

A partir de agora aquele que é o mais conhecido postal foto-gráfico da cidade deixará de ser simplesmente o Arco da Vila, um monumento de traça neoclássica de grande importância no quadro patrimonial farense.

O Arco da Vila passa agora a po-der ser entendido, visitado e ex-plicado por todos de forma muito mais profunda e conhecedora, de-volvido que está à visita profunda daqueles que sempre o tiveram como objecto de admiração limita-do pela ausência de conhecimento do mesmo.

Ricardo ClaroJornalista / [email protected]

Marco Lopes, director do Museu de Faro, junto a imagens do Arco da Vila

ricardo claro

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11.12.2015 6 Cultura.Sul

Artes visuais

Saul Neves de JesusProfessor catedrático da UAlg;Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora

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“A MAGIA DO NATAL”18 DEZ | 21.30 | Centro Cultural de LagosO maestro Rui Pinheiro dirige a orquestra numa se-lecção de músicas que evocam o imaginário desta época festiva com obras de Leopold Mozart e Elgar, passando por melodias clássicas como “White Christ-mas” ou “Noite Feliz”

“THE BEST OF…”Até 2 JAN | CECAL – Centro de Experimentaçãoe Criação Artística de LouléExposição conjunta, de fotografia de Marques Va-lentim e pintura de São Passos, em que os trabalhos apresentados fazem parte da obra que cada artista realizou ao longo da vida

Qual o sentido das Artes Visuais?

Animais pintados na Gruta de Lascaux (15.000 a.C)

d.r.

Considera-se que desde a an-tiguidade o homem sentiu ne-cessidade de comunicar com as futuras gerações, deixando registos através de gravuras e pinturas feitas em superfícies rochosas, que são consideradas expressões de arte rupestre.

No entanto, só a partir do sé-culo XIV, com o Renascimento, a arte se “desprendeu” da sua dependência religiosa e se deu a codificação dos sistemas artísti-cos visuais, distinguindo-se entre o desenho, a pintura, a gravura, a escultura e a arquitetura.

Têm sido inúmeros os “mo-vimentos” surgidos na arte ao longo dos tempos, desde a Arte Renascentista, com os paradig-mas da Antiguidade Clássica, até à Arte Contemporânea, após a 2ª Guerra Mundial, passando pela Arte Moderna, nos finais do sé-culo XIX e início do século XX, numa sequência de tendências ou de “ismos”, alguns deles de curta durabilidade temporal, mas com importantes contribu-tos para uma desestruturação es-truturante no desenvolvimento das artes visuais.

A revolução industrial tradu-ziu-se na passagem do “mundo antigo” para o “mundo mo-derno”, do romantismo para o cubismo e para o futurismo, no início do século XX, passando pelos movimentos de transição, sobretudo o impressionismo, no final do século XIX. E foi a partir da segunda metade do século XIX, sobretudo em consequên-cia do surgimento da fotografia, que a diversidade e o ritmo das mudanças se fez notar de forma mais intensa, com o desenvolvi-mento das vanguardas que, para além de terem transformado as práticas de realização artísti-ca, vieram também colocar em

causa o próprio estatuto da arte, sendo logo no início do século XX antecipadas várias das carac-terísticas da arte contemporânea, nomeadamente a ênfase na ori-ginalidade.

As grandes guerras mundiais tiveram uma enorme influência no desenvolvimento da arte do século XX. Após, no final do sé-culo XIX, o impressionismo ter evidenciado a cor, face à forma, e a revolução cubista, no início do século XX, ter substituído a “arte de imitação” pela “arte de imaginação”, ocorreu a Primei-ra Grande Guerra, entre 1914 e 1918, levando ao surgimento do Dadaísmo, movimento iniciado em Zurique, no Cabaret Voltaire, em 1915, por um grupo de escri-tores, poetas e artistas plásticos. O nome foi escolhido ao acaso, para simbolizar o caráter anti--racional do movimento, contra a guerra, bem como contra a cultura e os padrões de arte es-tabelecidos na época, opondo-se a qualquer tipo de equilíbrio e de beleza, “porque a beleza está morta” (Tzara, 1918). Foram vá-rios os manifestos propostos por Dadaistas, em particular o que foi proposto por Tristan Tzara, em 1918, e o que Francis Pica-bia apresentou, em 1920, mas todos eles revelavam um eleva-do ceticismo e um pessimismo irónico, procurando enfatizar o ilógico, a desordem e o absur-do. Este movimento precedeu o surrealismo, bem como a arte concetual, conforme afirma Go-dfrey (1998): “Dada can be seen as a first wave of Conceptual Art”. Entre as suas principais formas de expressão encontra-se o po-ema aleatório e o readymade. De salientar que, embora na atuali-dade estes “movimentos” sejam muito valorizados, permitindo compreender os encadeamen-tos ocorridos na história de arte, surgiram de forma “quase espontânea” em cafés ou casas particulares, por desconhecidos da sociedade na altura, embora procurassem intrometer-se nos centros de decisão ou de poder, apresentando por vezes “mani-festos” aos quais muitos aderiam como “militantes”, embora por tempo reduzido, traduzindo a amplitude de possibilidades

que começavam a existir e tal-vez também a dimensão expe-riencial e temperamental usual-mente atribuída aos artistas, que circulavam por entre os diversos estilos, procurando experienciá--los na sua produção artística. Assim, podemos encontrar no percurso de vários artistas “fases” em que, por exemplo, estavam no cubismo, depois no dadaís-mo e mais tarde no surrealismo.

Por seu turno, a Segunda Grande Guerra, entre 1939 e 1945, marca a transição da Arte Moderna para a Arte Contempo-rânea ou Pós-Moderna, e traduz--se nos conteúdos de descrença, angústia e dor expressos em muitas das obras produzidas no pós-guerra, como podemos ob-servar em particular nos traba-lhos de Francis Bacon ou de Lu-cian Freud. No entanto, um dos principais aspetos a destacar foi a mudança do “centro” da arte internacional, que se deslocou de Paris para Nova Iorque, pas-sando a vanguarda a incorporar a necessidade de ligação entre a arte e o consumo, sendo o movi-mento Pop Art, aquele que mais se veio a destacar neste contexto, procurando expressar com suas obras a massificação da cultura popular capitalista. Este movi-mento havia sido precedido pelo expressionismo abstrato, dos anos 40, que parecia conciliar o expressionismo e o surrealismo.

Nos anos 50, influenciado pelo expressionismo abstrato,

surgiu o action painting como pintura considerada automática, intuitiva ou sem esquemas pré-vios, cujo tema é o próprio ato de pintar, através dum conjunto de gestos que o artista exprime sobre a tela em função das suas pulsões emotivas. Embora pare-çam caóticas, essas telas parecem conseguir comunicar uma exci-tação e uma pulsação interior. Desta forma, “o informalismo gestual substitui a representa-ção pela expressão, confiando ao gesto de pintar a missão de comunicar as mais diversas emo-ções” (Ferrari, 2001), expressan-do-se estas através da rapidez de execução, sendo a pintura tanto menos controlada e mais incerta quanto maior a velocidade dos movimentos realizados. A esta ênfase na dimensão emotiva e materialista na produção artís-tica veio opor-se uma perspetiva concetual, a partir dos anos 60, segundo a qual a arte seriam so-bretudo ideias, sendo hiperva-lorizada a dimensão intelectual e secundarizada a dimensão de execução ou a valência material na arte.

Parece que o pós-guerra abriu caminho para uma irrupção de tendências artísticas que co-meçaram a variar livremente, sem permitir qualquer tipo de agrupamento. O espectro das produções artísticas foi-se am-pliando numa variedade de estilos, formas e práticas para culminar numa grande diversi-

dade e hibridismo. Assim, a arte pós-moderna caracteriza-se pelo pluralismo, sendo aceite a diver-sidade, a incerteza, a fluidez e a imprevisão (Kellerman, 2006).

Esta diversidade de expressões artísticas desenvolvidas no pós--guerra levou a que os conceitos de belas-artes ou de artes plásticas não fossem suficientes para as en-quadrar, começando então a ser utilizado conceito de artes visuais.

As belas-artes haviam sido ins-tituídas no século XVII, no âmbi-to das Academias, em particular na Academia Real de Paris que, em 1648, instituiu o termo “Be-aux-Arts” (Belas-Artes), dizendo respeito a um conjunto de su-portes e manifestações artísticas que se pressupunham “superio-res”, englobando a pintura, a es-cultura e o desenho, subordina-das à arquitetura. Por seu turno, as artes plásticas seriam mais abrangentes, pois diriam res-peito às expressões artísticas que utilizavam técnicas de produção que manipulam materiais para construir formas e imagens, con-siderando-se que surgiram na pré-história, através da pintura rupestre nas cavernas. O conceito de artes visuais, dizendo respeito a todas as artes que lidam com a visão como o seu principal meio de apreciação, veio permitir de uma vez por todas colocar a fo-tografia e o cinema ao mesmo nível que as restantes formas artísticas, para além de permitir considerar no domínio das artes

toda a multiplicidade de expres-sões que surgiram no âmbito da arte contemporânea, em particu-lar as instalações.

Na atualidade, são múltiplas as artes visuais utilizadas, haven-do cada vez mais locais e inicia-tivas culturais e artísticas abertas ao público em geral, permitindo o acesso de todos, desde os me-lhor informados e conhecedo-res, até aqueles que apenas vão “olhar” talvez porque está na moda. No entanto, são cada vez mais diversificados os produtos artísticos que podem ser encon-trados em exposições, levando a que muitas das pessoas que fa-zem parte do público da arte fi-quem com dúvidas sobre aquilo que pode ser considerado arte.

Conforme refere Santaella (2009), não têm faltado críticas ao “everything goes” (vale tudo) do pós-moderno, sendo cada vez mais difícil ter certezas quanto ao que pode ser definido como arte. Assim, as questões que mui-tas vezes são colocadas perante estes trabalhos são as seguintes: “Mas isto é arte?”; “Como é que isto pode valer tanto?”; “Mas o que é afinal a arte?”; ou “Quais os limites da arte?”.

No entanto, estas questões não são novas, tendo havido ao longo da história da arte vários momentos em que as mesmas surgiram, demonstrando algu-ma resistência a novas aborda-gens, a chamada resistência à mudança, que acontece também no mundo da arte.

Já agora, em relação à questão colocada, “qual o sentido das ar-tes visuais?”, sobretudo quando se pensa na arte contemporânea, é óbvio que não há apenas uma possível resposta, sendo múlti-plos os caminhos possíveis para entender e sentir a produção ar-tística visual. No entanto, pare-ce-nos que as raízes de qualquer resposta, devem ser procuradas na história deste mundo com-plexo, mas também fascinante, que são as artes visuais.

Nota: Este artigo integra o livro “Construção de um percurso

multidisciplinar, integrativo e de síntese nas Artes Visuais”,

de Saul Neves de Jesus ([email protected])

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Momento

"Janis Golden Eye"

Foto de Ana Omelete

Espaço ALFA

Chegámos àquela altura do ano em que a fotografia ganha especial relevância. Assim como em outras épocas do ano, o Natal é o momen-to de fotografar o amor, se bem que nesta época esse tipo de ima-gem tem uma conotação especial. É o momento em que a mãe tira fotos ao filho bebé para mandar à avó que está longe e que não pode estar presente na consoada da famí-lia, em que se faz aquela brincadeira de vestir os animais de estimação de acordo com a época, em que se reú-ne o grupo de amigos num jantar e se faz um troca de presentes.

Nesta altura do ano, a fotografia está muito associada a recordações destes momentos especiais, a recor-dações de família.

No meu caso, e penso que acon-tecerá o mesmo com mais pessoas mas por outros motivos, é aquela

altura do ano em que fico mais nos-tálgica. Dou por mim a revisitar os álbuns fotográficos que tenho em casa, a ver fotos de quando era

criança e a recordar os natais. Pas-sava os natais com a minha mãe, que infelizmente já cá não está co-migo. São estas fotografias e outras

que me permitem recordá-la nesta altura especial

Para mim, o Natal é amor, e foto-grafia de Natal reflete e está asso-

ciada a este sentimento e oportu-nidade de registar esse sentimento único e o seu significado para cada um de nós.

Natal Fotográfico

Tânia Guerreiro Membro da ALFA

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11.12.2015 8 Cultura.Sul

Angelo Musco (ou "as coisas não são o que aparentam ser")

d.r

.

Esta reflexão pressupõe três convicções: um entendimento pessoal (e profissional, enquan-to programador) do conceito de “cultura” enquanto conjunto alargado, transversal, heterogé-neo e mutável de códigos, valo-res, representações e práticas que engloba os universos da arte e do entretenimento; a importância de clarificar a distinção entre estes dois campos, que têm caracte-rísticas específicas, sendo que o próprio público também a faz, mais ou menos conscientemen-te, por modos diversos, a nível da recepção e fruição culturais; e a ideia de que o “entretenimen-to” também constitui uma das expressões/dimensões incontor-náveis daquilo a que chamamos hoje “cultura”, por muito pouco que se goste da ideia e por mais polémica que possa soar esta afirmação. Escusado será dizer que não se trata aqui de fazer a apologia do entretenimento ou a desvalorização do papel das artes, até porque ser humano e sociedade sempre beberam, on-tem e hoje, em doses e moldes variados, no prazer provindo da esfera do lúdico/comum/imedia-to e na inquietação experimenta-da no campo criativo/original/transformador.

Contudo, não nos parece ra-zoável colocar a cultura de um lado e o entretenimento do outro como territórios longín-quos, diametralmente opostos e díspares. É notório que, para o bem e para o mal (as questões da proporção, pertinência/adequa-ção e “qualidade” dos conteúdos ligados ao lazer cultural são uma outra discussão que também pode e deve fazer-se), as práticas de entretenimento ocupam um lugar relevante no nosso pano-rama cultural e na contempora-neidade em geral. Se há imensas propostas actuais em que é facil-mente perceptível a filiação das mesmas nos domínios da arte ou do entretenimento, noutros casos (que não são propriamente poucos) é mais difícil perceber

onde é que acaba a componen-te hedonista, de distracção e di-vertimento (o “matar o tempo” dominantemente associado ao lazer), e começa a vertente ar-tística, a vocação estética – ou então vice-versa –, isto devido à existência, nessas obras/criações em particular, de denominado-res comuns e de zonas de inter-secção, mais ou menos evidentes, entre os dois hemisférios cultu-rais. Ambas as dimensões estão por vezes muito imbricadas, a que não será alheio, do nosso ponto de vista, o facto de até o melhor entretenimento só ser possível graças às artes. Esta pro-blemática complexifica-se ainda mais quando se verifica (e há va-riados exemplos) que aquilo que é produzido com fins de entre-tenimento pode, com o passar do tempo, obter um dado valor artístico, devido à sua qualidade e/ou importância histórica. Por outro lado, uma criação artística pode volver-se em puro entrete-nimento (mais ou menos bana-lizado, conforme os casos), pelo seu grau de crescente exposição, mediatização e massificação.

Porém, a visão binária, mais rígida e estanque – ligada tam-bém inevitavelmente à questão do gosto pessoal e revestida, não poucas vezes, de preconceitos e estereótipos em relação quer ao entretenimento quer às próprias artes (e não descurando ainda que o paradigma “preto/branco” está muito enraizado, inclusive, noutros quadrantes da nossa vida) –, manifesta-se frequente-mente na tentadora necessidade

de rotular algo como “produção artística” ou, alternativamente, como “puro entretenimento”. E talvez este aspecto seja uma das pedras-de-toque essenciais, conduzindo-nos a um outro ter-reno com tanto de fértil como de pantanoso, que tem a ver com a própria definição de “arte”. Não entrando em aturadas análises filosóficas e estéticas, parece rela-tivamente consensual a ideia de que a arte consiste na expressão de valores estéticos por meio de criações que visam a construção de um dado ideal (num registo “canónico” ou de desconstrução) de beleza e harmonia. Definir “beleza” ou “harmonia” é outro grande desafio, mas equacionar a possibilidade (que é real e de que há exemplos ilustrativos) de algo entreter e ser belo ao mesmo tempo ainda o é mais, sendo que não podemos fugir dela.

Entramos então na questão dos limites instáveis de certos conceitos associados ao vasto melting pot cultural. Ao obser-var em malha fina o panorama cultural mais recente, em vários casos parece-nos mais pertinen-te e operativo falar em obras que têm uma maior componente/atributo artísticos e estéticos, re-lativamente a outras em que essa presença é mais ou menos resi-dual (ou não dominante de uma forma clara) e em que o elemen-to de entretenimento é visivel-mente preponderante. Isto por-que a visão tradicional (arte vs. não arte), se bem que possa ser o primeiro crivo em termos de enquadramento/tipificação cul-

turais, pode, numa análise mais aprofundada, revelar-se reduto-ra para um número crescente de propostas contemporâneas, como já sublinhámos anterior-mente. Por trás de uma roupa-gem – a nível de linguagem, formato, estilo e/ou até de pro-moção – aparentemente “leve”, mais comum e despretensiosa de certas actividades encaixáveis no domínio do entretenimen-to, podem esconder-se, nas suas entrelinhas, intencionalidades estético-ideológicas e mensa-gens criativas e pertinentes que visam, por outra(s) via(s), exercer um efeito transformador no seu target. Numa outra óptica, deter-minadas obras artísticas recor-rem, por vezes, a conceitos e técnicas intimamente ligados ao mundo do entretenimento para alcançar um impacto mais efectivo e alargado junto de cer-tas franjas de público.

Ainda assim, esta leitura (não bipolar) da cultura é sempre condicionada/filtrada por facto-res ideológicos, estéticos e sub-jectivos que variam em termos individuais, fruto também da crescente diversificação e plu-ralização de gostos e compor-tamentos (até num mesmo gru-po social) a que hoje assistimos. Isto porque a cultura, como de-fende Gilles Lipovetsky, já não é um privilégio das elites, sendo agora um mundo de todos – aquilo a que o reputado filósofo francês chama a “cultura-mun-do”, em que, mais importante do que o objecto ou a sua uti-lidade, é valorizado sobretudo

um estilo/modo de vida/marca (também estes uma “cultura”) que se pretende vender/veicular, isto numa realidade em que im-pera a mercantilização extrema da cultura e, simultaneamente, uma culturalização do consumo e da mercadoria.

Apesar desta “instabilidade” territorial da cultura – e voltan-do ao início deste texto –, é ine-gável que a lógica consumista e massificada de uma parte signi-ficativa do entretenimento que nos é apresentado (baseada so-bretudo na ideia de um gosto o mais comum possível – o qual é, obviamente, legítimo) diverge, e muito, daquilo que é propor-cionado pelas experiências de arte ou de cultura científica ou artística: algo que permanece no imaginário do público, que amplia os seus horizontes sim-bólicos, que alarga e reinventa a sua visão do mundo e de si mesmo. Vários ensaístas têm in-sistido também na ideia de que a principal diferença entre arte e entretenimento reside, em última análise, no fim, no objectivo que dada obra/proposta pretende atingir (no caso dos formatos de lazer: uma adesão numerica-mente expressiva de adeptos, a lógica do lucro imediato e avul-tado, a maior agressividade a nível de marketing comercial, a integração nas modas vigentes/mainstream, a não preocupação da mensagem veiculada em re-sistir ao tempo, etc.).

Atente-se nas palavras da ac-triz e encenadora Beatriz Batar-da, que insiste na responsabili-

dade cívica, social e moral do seu ofício, que “não pode ter como pilar o entretenimento”: “Eu quando vou ao teatro e ao cine-ma quero ir para casa diferente, quero que aconteça ali qualquer coisa, nem que seja por um se-gundo, que me mude a mim, uma magia, um som, uma ima-gem… para eu ir para casa mais rica. Não quero ir ao teatro e ao cinema para estar distraída e bem-disposta e ir para casa sem ter pensado em nada.”

O escritor e filósofo Alain de Botton, numa obra publicada em 2013 (Art as Therapy), vai ainda mais longe, afirmando que a arte tem a finalidade de atenuar as fragilidades de sete funções psicológicas humanas: é um mecanismo que nos im-pede de esquecer as coisas mais preciosas, que nos foram apre-sentadas da melhor forma pos-sível, mantendo-as acessíveis ao público; serve a manutenção da esperança porque parece saber que desesperamos com relati-va facilidade; relembra-nos do lugar legítimo da tristeza numa boa vida, de maneira a que não entremos em pânico com as dificuldades com que nos de-frontamos; é um agente que nos confere balanço nos processos de tomada de decisão; funcio-na como guia para conhecer-mos aquilo que é central sobre a nossa própria existência; em simultâneo, é uma acumulação imensa das experiências dos ou-tros, mostrando-se como ferra-menta utilíssima para nos colo-carmos em perspectiva perante o mundo; e, finalmente, tende a sensibilizar-nos na nossa hu-manidade, eliminando as nos-sas tendências para descartar tudo o que nos é estranho no dia-a-dia.

Cabe especialmente a gesto-res e programadores culturais, e outros agentes do circuito cultural que têm responsabili-dades na formação de públicos, estarem atentos a esta múltipla (e desigual) realidade actual e contribuírem para uma sensa-ta, corajosa e sempre urgente diversificação da oferta apresen-tada, doseando, em função das suas estratégias, recursos, realida-des e destinatários específicos, for-matos de cultura artística, even-tuais propostas mais ligadas ao entretenimento e abordagens “híbridas” que conjuguem, com consistência e coerência, essas duas dimensões.

Cultura e fronteiras instáveis: arte e entretenimento

Sala de leitura

Paulo PiresProgramador culturalno Município de Louléhttp://escrytos.blogspot.pt

d.r.

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11.12.2015  9Cultura.Sul

O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N

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“PRESÉPIO DE NATAL ANIMADO”Até 7 JAN | Rua 5 de Outubro, n.º 18 - LagosJosé Cortes esculpe esferovite, madeira e pedra, transformando-os em figuras natalícias. São horas de trabalho, paciência e criatividade que trazem à luz do dia um presépio animado em que nada ficou esquecido

“COCHES DOS SÉCULOS XVI A XVIII”Até 26 FEV | Museu Municipal de OlhãoA exposição nasce das mãos do mestre José Cardoso Brito, artista autodidacta que reproduz fielmente alguns dos originais expostos no Museu Nacional dos Coches

Dezembro

Pedro [email protected]

Dias de Paz

Vive-se um tempo em que se acumulam as datas dos dias marcados por tantos tipos de violência perpetrada em nome de coisas tão antigas e que ainda assim continuam incom-preensíveis. E acendem-se as velas cuja luz não chega para alumiar na escuridão devastadora que perpassa. Sem querermos cair num dis-curso apocalíptico já demasiado explorado, é certo que cada vez mais a paz precisa de uma oportunidade.

Dias de Estrada

Nestas tardes que se escurecem por volta das 17h30, quando conduzimos na estrada nacio-nal nº125, podemos ver um longo e contínuo rastro de luzes vermelhas e brancas que se pro-

jecta ao longo da via automobilística do litoral algarvio. Será que em breve se vai poder divi-dir esta luminosidade pela via mais a norte a que chamaram do infante e que anda vazia de descobridores?

Dias chuvosos

Hoje seria o dia ideal para acender a lareira (que não tenho)amalhar o felino ao colo (que me deixaria cheio de alergia) abrir um florilégio luxuoso da poesia neerlandesa do século dezanove (que nunca tiro da estante mas tenho - em edição de bolso) e volver a vida passada com colheres de chá (Earl(y) Grey)

Hoje seria o dia ideal para fazer o que nunca faço - seria mesmo (mas não faço)

~ poema de Marco Mackaaij incluído na colectânea «Tõmbolo», que assinala a passa-gem dos dois primeiros anos da «CanalSono-ra, a editora independente a sul que marcou já espaço indelével no cenário literário português.(…) Os livros onde ela se expressa, são por igual peças de arte, de formato e concepção de ex-tremo bom gosto.», como escreveu Fernando Cabrita no seu mais recente livro «O Que Di-zem Os Poetas Algarvios e Andaluzes de Agora» (Viprensa,out.2015).

Dias sem tempo

Quer queiramos quer não na dicotomia dia/noite pesa o lado solar devido à maioria do movimento diurno de pessoas e coisas, e à lógica da necessidade de trabalho e des-canso sob a qual a sociedade se organizou. Mas havia um tempo em que não me re-colhia sem o dia nascer totalmente,  para me saber de volta à realidade que fica misteriosamente escondida na noite, para sa-ber que existiria mais um dia e no seu decorrer levaria de novo ao mistério. Não havia o tempo nesse tempo.

Dias de Natal

Regressou a casa a pé, só porque o carro ficou avariado ao fim da tarde. Comprou castanhas assadas, que gosta de comer quando o frio ataca a estação, o que não é o caso neste fim de outo-

no. Decide cruzar a rua do comércio talvez em busca de ideias para as prendas. Em vão. Chega a casa, prepara um whisky, acende as luzes da árvore de natal e senta-se no sofá. Está cansa-do. Pudera! O tempo é sorvido nesta voragem desenfreada que nos consome a vida, em que já ninguém tem necessidade de questionar o absurdo das coisas.

Ainda bem que entre não ter tido tempo e se ter esquecido e outros afazeres inadiáveis não desmontou a árvore de Natal. A do Natal pas-sado. Calha bem até que o inverno já entra de novo amanhã.

Dias ao Sul Em breve o ano quererá fechar o seu derradei-

ro mês no calendário deste ano. E antes que a folha se vire as pessoas procurarão as pequenas localidades costeiras ao sul porque dizem que aí os dias são maiores, mais claros, mais bri-lhantes… mas sobretudo mais quentes. E isso permite-lhes pensar melhor sobre o tempo dos dias que se foram e do que farão no tempo dos que virão. Escolhem o destino de saudade do estio. A costa sul.

Dias de Festa

E do fazer uma festa, um novo ano surgirá por entre foguetes deitados ao céu, onde as suas co-res tão depressa iluminam as promessas como a seguir as vemos cair por terra, leves como canas queimadas. Mais vale apanhá-las, fazer apitos e levar os dias a soprar no ar deste tempo com-posto de mudança.

fotos: d.r.

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11.12.2015 10 Cultura.Sul

Ficha Técnica:

Direcção:GORDAAssociação Sócio-Cultural

Editor:Ricardo Claro

Paginaçãoe gestão de conteúdos:Postal do Algarve

Responsáveis pelas secções:

• Artes visuais:Saul de Jesus

• Espaço AGECAL:Jorge Queiroz

• Espaço ALFA:Raúl Grade Coelho

• Espaço ao Património:Isabel Soares• Da minha biblioteca:

Adriana Nogueira• Grande ecrã:

Cineclube de FaroCineclube de Tavira

• Juventude, artes e ideias: Jady Batista

• Letras e literatura: Paulo Serra• Missão Cultura:

Direcção Regionalde Cultura do Algarve

• Momento:Ana Omelete

• O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N: Pedro Jubilot• Panorâmica:

Ricardo Claro• Sala de leitura:

Paulo Pires• Um olhar sobre o património:

Alexandre Ferreira

Colaboradoresdesta edição:Cristina Veiga-PiresTânia Guerreiro

Parceiros:Direcção Regional de Cultu-ra do Algarve, FNAC Forum Algarve

e-mail redacção:[email protected]

e-mail publicidade:[email protected]

on-line em: www.postal.pt

e-paper em:www.issuu.com/postaldoalgarve

facebook: Cultura.Sul

Tiragem:7.586 exemplares

Espaço ao Património

Da Luz às Estrelas ou a história invulgar de um edifício patrimonial

Situado entre a Ria Formo-sa e a Cidade Velha de Faro, poucos são os algarvios que sabem que o Centro Ciência Viva do Algarve está sedia-do num edifício construí-do em 1910 para receber a primeira central elétrica de Faro e permitir assim a ilu-minação da cidade de Faro. Localizada próximo do anti-go apeadeiro das Portas do Mar, uma das entradas para o atual centro histórico da Vila-a-Dentro, a fábrica foi edificada com um espaço de planta retangular com pé-direito elevado para po-der alojar duas máquinas de vapor com cerca de 75 cava-los que alimentavam quatro geradores elétricos. Junto da fábrica, foi construída uma casa de habitação, designada de Casa do Espanhol.

Inaugurado em Abril de 1911 pelos notáveis da ci-dade, este conjunto arqui-tetónico ficou ligado à his-tória da luz na cidade de Faro, permitindo a abertura da iluminação pública ge-ral, e da iluminação dos ar-cos voltaicos da Avenida da República.

A título de curiosidade veja--se a introdução feita ao con-trato provisório cuja escritura foi publicada no jornal “O Algarve” de 28 de Janeiro de 1912:

«Escriptura de contracto provisório para o forneci-mento de luz eléctrica da cidade de Faro, a que se re-fere o decreto de 31 de Mar-ço de 1910

Saibam quantos esta es-criptura de contracto provi-sório virem, que no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1910, aos 14 dias do mez de março do dito anno, n’esta cidade de Faro, Paços do Concelho e Sala das Sessões da Camara

Municipal, compareceram de uma parte como primeiro outorgante o Ex.mo e Rev.mo Sr. Padre João Ignacio Tava-res, na qualidade de vereador mais velho, representando a Camara Municipal d’esta ci-dade, e por ella devidamente auctorisado, em sessão de 14 d’este mez, a outorgar n’este contracto, e de outra parte o Ex.mo Sr. Francisco de Sousa Magalhães, com domicilio na rua de Pedrouços, n.º 16, da cidade de Lisboa.

E logo pelo primeiro outor-gante foi dito que a Camara Municipal que representa, em sessão extraordinária d’esta data, deliberou adju-dicar, em hasta publica, cujo concurso aberto por espaço de trinta dias, devidamen-te annunciado no Diario do Governo e n’outros jornaes do paiz, terminou no dia 12 d’este mez, a arrematação do fornecimento da luz electrica para a iluminação publica e particular d’esta cidade de Faro ao segundo outorgante Ex.mo Sr. Francisco de Sousa Magalhães, sob as seguintes condições: (...) »

Ao longo dos anos que se seguiram, a central elétrica foi resistindo à municipa-lização do serviço de ilu-minação elétrica de Faro, a repetidas avarias e alguns acidentes, como a explosão de uma das caldeiras em se-tembro de 1916, para final-mente deixar de produzir eletricidade nos finais dos

anos 40 com a chegada de uma linha de alta tensão e fechar as suas portas em 1957.

Cinco anos mais tarde, em 1962, o edifício foi converti-do no quartel dos bombeiros municipais, que ocuparam o espaço durante mais de trin-ta anos, até transferirem a sua sede, em 1993, para um edifício situado a cerca de 100 metros de distância da antiga fábrica.

O edifício manteve-se aban-donado até ser recuperado em 1997 para concretizar uma ideia peregrina do então Ministro da Ciência Mariano

Gago, ao qual se juntaram vários professores da Univer-sidade do Algarve, que pre-tendia dar luz à divulgação e comunicação da ciência e tecnologia em Portugal.

Foi pois no dia 3 de Agos-to de 1997 que o Presidente da República Jorge Sampoio e o Professor Mariano Gago, na origem deste projeto, inauguraram este primeiro Centro Ciência Viva do país, transformando uma antiga central elétrica num museu interativo com uma sala de exposição principal dedi-cada ao Sol e à sua energia. Ao longo do tempo, juntou-

-se a este projeto um grupo de curiosos e apaixonados pela astronomia, dedicando grande parte do seu tempo na partilha desta paixão pe-las estrelas e astros, aprovei-tando a açoteia do edifício para realizar observações astronómicas.

Mais recentemente, em 2005, o Edifício sofreu umas novas alterações, principal-mente interiores e no espaço envolvente, de modo a aco-modar uma nova exposição permanente dedicada desta vez ao Mar, e a criar o jar-dim da Cigarra com módu-los ilustrativos das energias renováveis.

É desta forma, que se pode considerar que ao fim de tantos anos, este conjun-to arquitetónico conseguiu construir uma história pa-trimonial invulgar sendo ora centro de criação da luz elé-trica, ora centro de divulga-ção da luz solar, ora centro de transmissão da ciência, luz do conhecimento.

Esta história está agora de uma certa forma igualmen-te representada no percurso expositivo do próprio cen-tro, intitulado “Das Estrelas às Estrelas”, onde o visitante começa a sua viagem com a observação de algumas Es-trelas que formam uma constelação para terminar com a experiência táctil de acariciar umas Estrelas da Ria Formosa.

Cristina Veiga-Pires Diretora Executiva do Centro Ciência Viva do Algarve;Professora Auxiliar da UAlg;Investigadora do Centro de In-vestigação Marinha e Ambiental

Inauguração do Centro Ciência Viva do Algarve pelo ministro da Ciência Maria-no Gago e pelo Presidente da República Jorge Sampaio a 3 de agosto de 1997

fotos: CCVAlg

Fachada do CCVAlg depois da sua remodelação para conter a sua segunda exposição permanente sobre o tema do Mar em 2005

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11.12.2015  11Cultura.Sul

Da minha biblioteca

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“GENTE DE FÉ”Até 26 NOV | Biblioteca José Mariano Gago – OlhãoExposição revela todo o envolvimento que o povo do arquipélago tem pelas suas tradições religiosas na perspectiva do igualmente açorense Marcelo Borges

Adriana NogueiraClassicistaProfessora da Univ. do [email protected]

Não, não é uma gracinha minha nem é engano. É ape-nas o título bem-disposto do último livro de Paulo Moreira. Publicado pela Lua de Marfim no passado mês de outubro, foi escrito há quase 30 anos, tendo sido distinguido, em 1987, na 1ª Mostra Portuguesa de Artes e Ideias. O júri de en-tão, constituído por relevantes nomes da literatura portugue-sa (Agustina Bessa-Luís, Dinis Machado, Maria Ondina Bra-ga, Fernando Dacosta e José do Carmo Francisco), recomen-dou a sua publicação. A vida deu muitas voltas e só agora essa publicação – em boa hora – aconteceu.

Literatura, Teatro,Música e Ciência

Estas são as áreas pelas quais Paulo Moreira «reparte os seus interesses intelectuais», como nos diz na badana, na nota de apresentação. E este livro é uma boa mostra destes interesses, pois, de alguma maneira, revela como cada um deles faz parte da sua vida (e desde cedo, dado que esta é uma obra de juventude).

A Literatura está explicada por si mesma, pela própria existência da obra. Aqui se fa-zem experiências a vários ní-veis (principalmente surrealis-tas, mas não só), aqui se testa a capacidade de recriar estilos, de misturar géneros. No pri-meiro conto (por uma questão de prática, vou chamar-lhe as-sim), há uma espécie de expli-citação de intenção: «Escrever é um mito – como me rio de ten-tar recusar o que a mente me obriga! – decidi-me escrever. Decidi-me inventar as palavras que foram inventadas, resolu-to nesta guerra de fazer novas frases, neologismos pegajosos

(nem sei porquê), amontoados de sílabas ligadas desligadas de outros trens de letrinhas, como barco que busca o seu porto. Transformar as palavras em mar e afogar-me em deleites de sons e seus ritmos embarcando em aventuras imateriais, já voan-do em círculos infernais, rindo louco de inventar novas regras, sofregar nas entranhas da tinta, sucumbir (quem o sabe) sob as cinzas de folhas, já não ser no momento seguinte, mas voltar quando o tempo acabar».

A Música: o poeta,o compositor e o cantor

Paulo Moreira não se apresen-ta, normalmente, como poeta. Muito menos como compositor ou cantor. Alguns conhecem a sua faceta de declamador (como homem do teatro, a sua voz bem colocada tem merecido os maio-res elogios de quem o ouve), mas poucos saberão que escreve, compõe e também canta. E que tem um sucesso que é tocado por vários coros: «Se eu fosse um barco de Aveiro» (ou ape-nas «Barco de Aveiro» como é conhecido pelas tunas univer-sitárias). Procure na Internet e vai poder apreciar diversas versões (algumas já dos anos 90 do século passado). Poderá até encontrar alguma daque-las em que o próprio Paulo

está a cantar.

Este livro tem música na poesia. É com um poema que começa:

Os sonolentos caminhos de pedra rasgados por mãos de-sejosasSuavíssimas visões de infernos repletos de luzCavalares rimanços de dados debruçados em cantos de mimTudo isto retalhos de prosaCasarios de gente paradaSão adagas que voltam no tempoSão imagens que foram criançaEstão cravadas em mentes assim

E com um outro termina:

Surdo motor posto em passos de aranhaImagem tão nítida de triste percalçoDisforme balido da nossa ino-cênciaInútil recado sentido na peleAmor balançado em imagens de luzO sono desperta e voltamos aqui

Pelo meio, a poesia acontece. No conto «Loucura», que está di-vidido em três partes, duas delas são de poesia. A epígrafe de Eras-mo de Roterdão dá-lhe o tom: À medida que se afasta da loucura, o Homem vai deixando de viver.

A poesia pontifica igualmen-te na abertura da segunda parte do livro (a primeira é a que se chama, precisamente «Curt’os Contos»), intitulada «Extratexto»:

Espuma que cai sobre esferas de açoImagem de nesga envolta em abraçoDisforme pedaçoEscrita profunda de louco en-xameTecido de conchas suspenso em arameQuem há que me ame?

Teatro

A sua faceta ais conhecida é a de ator, encenador e autor de te-atro. A sua capacidade para criar ambientes, desenhar espaços, apresentar personagens e criar diálogos está aqui bem demons-trada. São fragmentos que, quem sabe?, um dia poderão fazer par-te de um todo. Fica o exemplo do conto «Três Modos de Falar»:

O seu tom de voz era imperio-so. O subalterno já não se atrevia a contestar o superior, de modo que começou a arrumar os seus papéis e a guardá-los na pasta, aguardando unicamente as or-dens que iria cumprir.

– Está compreendido?– Sim, chefe.– Fá-lo.Apoiou os cotovelos na secre-

tária e juntou as mãos como se

estivesse a rezar. Observou bem os olhos do outro e leu neles tantos sentimentos de ódio, dor e desespero que quase não con-seguiu evitar sentir pena daquele desgraçado.

Então, quase em surdina disse:– Falas?– Falo.A professora caminhou ao

longo da sala de ponteiro na mão, e observou atentamente os rostos embaraçados dos seus alunos. Subiu os degraus do es-trado e depois de esperar que to-dos os olhares estivessem sobre si, perguntou:

– Então, já ninguém se lembra de qual é a outra designação que se pode usar?

– Eu sei...– Diz lá.– Falo.

A Ciência

A formação académica inicial de Paulo Moreira é em Ciências Físico-Químicas. Estando ainda a estudar na faculdade na épo-ca em que escreveu esta obra, compreende-se a fonte de ins-piração do conto «Física da Matéria Condensada». Muito onírico, a roçar o pesadelo (o desespero de se querer chegar a um lugar e não se conseguir, os sítios do costume estarem desertos e parecerem irreais…), a história brinca com o nome desta área específica da Física, de modo a conseguir um final inesperado: «Entrei então para o outro e dispus-me a não dei-xar escapar a única pessoa que até agora encontrara. Chegado ao quinto andar, o outro eleva-dor estava vazio. Pus-me então a gritar: “Está aí alguém?” Silên-cio. “Está aí alguém?” Foi aí que se assomou à porta duma sala, que até então estivera fechada, o porteiro. “O que é que quer?”, perguntou com um ar conster-nado. Dirigi-me para ele e foi então que percebi tudo. No chão da sala jaziam amontoados os meus colegas e o professor. Mortos com uma overdose de Matéria. Condensada».

São contos curtos que se leem com prazer e divertimento.

Curta estes contos.

Paulo Moreira reparte os seus interesses intelectuais pela Literatura, Teatro Música e Ciência

fotos: d.r.

“OLHARES LACOBRIGENSES”Até 30 DEZ | 21.30 | Fototeca Municipal de LagosO paradigma fotográfico vai mudando por força da evolução tecnológica e das abordagens diferentes que ela permite, a par das novas intuições sobre co-municação por imagem

“CONCERTO DE NATAL”11 DEZ | 21.00 | Igreja Matriz de OlhãoO Coral Luísa Todi traz à cidade cubista alguns dos temas tradicionais desta quadra, como Natal de Évo-ra, Natal de Elvas (Mário Sampaio Ribeiro), O Tan-nenbaum (Ernst Anscthutz) e Belle nuit de Judée (Johannes Brahms), entre outros

Curt’os Contos de Paulo Moreira

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