cultura.sul 81 - 12 jun 2015

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www.issuu.com/postaldoalgarve 8.166 EXEMPLARES Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO JUNHO 2015 n.º 81 D.R. As setes vidas de um programador cultural p. 5 Nossa Senhora das Ondas: Regresso ao esplendor p. 8 D.R. Eleanor Catton – Uma jovem autora confirmada p. 4 D.R. Espaço AGECAL: Territórios sustentáveis, paisagens culturais e o Algarve p. 2 Artes visuais: Qual o ‘lugar’ da Psicologia da Arte? D.R. p. 6 D.R. Letras e Leituras: A culpa é da Comunicação? p. 10 D.R. Espaço ao Património:

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• CONHEÇA O CULTURA.SUL DESTE MÊS • Sexta-feira (dia 12/06) nas bancas com o PÚBLICO e o POSTAL • Partilhe o seu caderno mensal de Cultura no Algarve • EM DESTAQUE: > MISSÃO CULTURA: Nossa Senhora das Ondas: Regresso ao esplendor, por DR Cultura do Algarve > Editorial: Pela igualdade, assinar! Assinar!, por Ricardo Claro > ESPAÇO AGECAL: Territórios sustentáveis, paisagens culturais e o Algarve, por Jorge Queiroz > PANORÂMICA: As setes vidas de um programador cultural, por Paulo Pires > LETRAS E LEITURAS: Eleanor Catton – Uma jovem autora confirmada, por Paulo Serra > ARTES VISUAIS: Qual o ‘lugar’ da Psicologia da Arte?, por Saul Neves de Jesus > ESPAÇO AO PATRIMÓNIO: A culpa é da Comunicação?, por Cidália Pacheco

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Page 1: CULTURA.SUL 81 - 12 JUN 2015

www.issuu.com/postaldoalgarve8.166 EXEMPLARES

Mensalmente com o POSTAL

em conjuntocom o PÚBLICO

JUNHO2015n.º 81

d.r

.

As setes vidas de um

programador cultural

p. 5

Nossa Senhora das Ondas:

Regresso ao esplendor

p. 8

d.r.

Eleanor Catton – Uma jovem autora confirmada

p. 4

d.r.

Espaço AGECAL:

Territórios sustentáveis, paisagens culturais e o Algarve p. 2

Artes visuais:

Qual o ‘lugar’ da Psicologia da Arte?

d.r.

p. 6

d.r.

Letras e Leituras:

A culpa é da Comunicação?

p. 10

d.r.

Espaço ao Património:

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12.06.2015 2 Cultura.Sul

AGENDAR

IV MOSTRA-TE

Olhão mostrou a sua vita-lidade e a dinâmica da sua juventude em mais uma edi-ção do MOSTRA-TE. Na sua

quarta edição, esta iniciativa é já um marco no concelho e a nível da região. Trata-se de uma iniciativa Ímpar, pe-los objetivos, pelas entida-des que envolve e pela sua duração.

31 dias sem parar

Durante 31 dias, Olhão não pára, com atividades diárias de âmbito cultural, social, artístico e desportivo,

organizadas pelo município em parceria com as entida-des vocacionadas para a ju-ventude de todo o concelho.

Esta tem sido uma oportu-nidade da juventude mostrar a sua dinâmica e da comu-nidade olhanense apoiar e orgulhar-se do trabalho apresentado pelas gerações mais novas.

O apoio do Município tem sido essencial e revela que, em termos de polÍticas de

juventude, Olhão é inova-dor e sabe responder às ne-cessidades e interesses dos jovens, disponibilizando re-cursos humanos e matérias para a concretização das vá-rias iniciativas.

Realizado no mês de ani-versário da Casa da Juven-tude, esta é também uma forma deste espaço munici-pal mostrar a sua dinâmica e apresentar o trabalho que desenvolve ao longo do ano.

Também o Auditório, um espaço de excelência da nossa terra, abriu as portas ao talento dos jovens olha-nenses, nas várias áreas. Um exemplo da utilização das estruturas e recursos em prol dos olhanenses.

Ao longo do mês, foram vários os espetáculos de grande qualidade realizados pelos nossos jovens e sempre com sala cheia.

Que venha a próxima edição!

Ricardo [email protected]

Editorial

Juventude, artes e ideias

Jady Batista Coordenação Jornal J

“PORTUGAL, PAÍS DAS MARAVILHAS”22 e 27 JUN | 21.00 | Centro Cultural de LagosO Boa Esperança, apesar da crise já há algum tempo instalada e de tantas outras contrariedades, promete não poupar nas gargalhadas na sua Revista à Por-tuguesa

“AS MARIAS…”12 JUN | 21h30 | Teatro das Figuras - FaroAntónio Raminhos leva o público numa viagem pe-los dramas e peripécias da infância, adolescência, casamento e paternidade, da forma muito própria a que já nos familiarizou...

Espaço AGECAL

A palavra sustentável tem ori-gem no termo latino “sustenta-re”, que significa segurar, apoiar, conservar.

O conceito de “sustentabilida-de” relaciona-se com actividades humanas correctas do ponto de vista ecológico, economicamente viáveis, socialmente justas e respei-tadoras da diversidade cultural.

Em 1987 a Comissão Mundial da ONU sobre o Meio Ambien-te e o Desenvolvimento definiu desenvolvimento sustentável como “o progresso ou desenvolvi-mento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer as capacidades das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades”.

A situação global não é ani-madora. A procura de recursos no planeta é hoje 50% superior ao que a natureza pode renovar, necessários seriam 1,5 planetas para os produzir.

As populações de peixes, aves,

mamíferos, anfíbios e répteis di-minuíram 52% desde 1970.

Os países ricos deixam uma “pegada ecológica” cinco vezes maior do que a dos países sub-desenvolvidos e as “doenças da civilização”, não transmissíveis e do comportamento, estão entre as primeiras cinco causas de mor-te no mundo.

O rosto do planeta alterou-se. Em Maio de 2007, a população urbana ultrapassou a rural pela primeira vez na História da Hu-manidade e grande parte da população já não sabe ou pode produzir os seus alimentos.

As 200 maiores bacias hidro-gráficas, das quais depende um terço da humanidade, têm escas-sez de água severa durante pelo menos um mês por ano.

O discurso produtivista domi-na, como se não se verificassem alterações no clima.

A protecção das paisagens cul-turais e alimentares é hoje uma das linhas de defesa da biodiver-sidade e da qualidade da vida humana.

Na Convenção da UNESCO para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural de 1972 define-se como paisagens culturais «bens culturais» que re-presentam «obras conjugadas do homem e da natureza» (art.º 1). As paisagens culturais «ilustram a evolução da sociedade e dos esta-

belecimentos humanos ao longo dos tempos, os condicionalismos mate-riais e/ou as vantagens oferecidas pelo ambiente natural, as influên-cias económicas e culturais, internas e externas».

A «identidade paisagística» e a «qualidade paisagística» re-sultam da identificação das populações com a protecção do seu património cultural e ambiental, sendo as formas de vida colectiva parte integrante, como elementos de afirmação, diferenciação e personalização.

Em Portugal foram classifi-cadas como Património da Hu-

manidade a paisagem cultural de Sintra (1995), o Alto Douro Vinhateiro (2001) e a Paisagem da Cultura da Vinha na Ilha do Pico (2004). Confirmaram-se ele-vados benefícios, a melhoria e re-qualificação da economia local, nomeadamente nas produções e no sector do turismo.

São necessárias medidas de or-denamento e gestão, com inclu-são das paisagens culturais nos PDMs. Impõe-se legislação de protecção à agricultura familiar e às produções endógenas.

Uma das questões que o Algar-ve enfrenta e de uma forma geral

todo o País, é como manter os ter-ritórios vivos, produtivos, atracti-vos e sobretudo sustentáveis.

Entre os problemas já conhe-cidos acresce nos últimos anos a emergência de uma agricultura intensiva de “produções de todo o ano”, com elevados consumos de água em solos com valor bio-lógico e maior fertilidade, que está a alterar a paisagem algar-via com proliferação de plásticos.

Este tipo de agricultura que poderia encontrar zonas e terre-nos mais apropriados, a crescer a este ritmo em breve comprome-terá o futuro ambiental e turísti-co da região.

Há alternativas de compatibi-lidade entre economia e preser-vação das paisagens culturais. Si-nergias e complementaridades entre sectores económicos, am-bientais e culturais, permitem in-verter processos de desertificação, criar novas funções em espaços rurais, a revitalização demográfi-ca e serviços de turismo sustentá-vel, agriculturas de proximidade associadas à protecção da biodi-versidade e à revalorização das paisagens culturais.

O futuro está nas economias de alto valor ambiental e econó-mico-cultural como a “dieta me-diterrânica”, a que o Algarve está associado por decisão da UNES-CO em 2013 com implicações ju-rídicas no plano da salvaguarda.

Territórios sustentáveis, paisagens culturais e o Algarve

Jorge QueirozSociólogo,Sócio da AGECAL

Paisagem do Alto Douro Vinhateiro

As menoridades, ainda que impostas por terceiros, vencem--se tendo delas consciência - e neste caso consciência da sua ori-gem - e trilhando um caminho em prol da sua superação e/ou do desbaste dos seus pretensos argumentos.

Nos apoios plurianuais da Direcção-Geral das Artes (DG ARTES) às NUTS nacionais, assen-tes num quadro legislativo, que a pouco mais convida do que ao aproveitamento do seu talhe re-cheado de conceitos indetermi-nados, a margem de manobra da DG Artes tem brindado o Algarve com uma sucessiva e despudora-da menoridade.

Sim, somos apenas um quin-to da população nacional. Mas ainda que fosse a população o critério - inadmissível enquanto singela ponderante -, o Algarve não deveria contar com apoios de somente 250 mil euros para a totalidade das vertentes artísticas por oposição ao resto das regiões que - ainda que legitimamente - se amancebam com gloriosos 400 mil por cada área cultural.

Enfumada de cerrado nevoei-ro, a fórmula de ponderação da atribuição das dotações base da DG Artes, impõe a oposição do sonoro algarvio.

Não podemos ser coniventes com a indefinição conveniente ao desmando e às lateralidades e se por cá não temos o silvo do Bugio que leva a bom porto os dinheiros da Cultura, ainda te-mos o Farol de São Vicente, en-tre os mais potentes do Mundo.

Nem de propósito, Luís Vicen-te, director da ACTA, está entre os primeiros defensores de um abaixo assinado, disponível no Teatro Lethes para quem quei-ra assinar, que exige tratamen-to igualitário para o Algarve na distribuição das verbas da DG Artes. Já assinou?!

Pela igualdade, assinar! Assinar!

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12.06.2015  3Cultura.Sul

Grande ecrã

Cineclube de TaviraProgramação: www.cineclubetavira.com281 971 546 | [email protected]

SESSÕES REGULARES | CINE-TEATRO AN-TÓNIO PINHEIRO | 21.30 HORAS

11 JUN | LEIJONASYDAN – HEART OF A LION (CORAÇÃO DE LEÃO), Dome Ka-rukoski – Finlândia/Suécia 2013 (104’) M/16

18 JUN | GETT (O PROCESSO DE VIVIANE AMSALEM), Ronit e Shlomi Elkabetz – Is-rael/Al/F 2014 (115’) M/14

25 JUN | I LOVE KUDURO, Mário Patrocí-nio – Port/Angola 2014 (96’) M/12

Cinema no Museu de FaroCom a chegada do bom tempo,

os claustros do Museu Municipal de Faro voltam a transformar-se numa sala de cinema a céu aberto, acolhendo as sessões do Cineclu-be de Faro. A abrir as hostes destas noites cinéfilas, dia 16 de junho, às 21.30: - Silêncio! Que vamos ter “Fado Camané”, do realizador Bru-no de Almeida.

Esta é uma longa-metragem documental sobre uma das maio-res vozes da actualidade que vai explorar o processo de criação de uma das obras essenciais do fado, e centrar-se na relação de Camané com o compositor e produtor José Mário Branco e a poetisa Manuela de Freitas.

A 23 de junho, continuamos com produções nacionais e o des-taque vai para a derradeira longa--metragem de Paulo Rocha, “Se Eu Fosse Ladrão… Roubava”; uma evocação da infância e juventude do pai do realizador, em particu-lar, o sonho obsessivo deste de emigrar para o Brasil, para onde partiu efectivamente em 1909.

A fechar este mês, no dia 30 de

junho, propomos “Mr Turner”, de Mike Leigh, que nos oferece um impressionante retrato (ou será impressionista?) dos últimos anos de vida de um dos mais im-portantes e radicais artistas ingle-ses, o pintor inglês Joseph Mallord William Turner.

O cartaz de cinema do CCF para o Verão não fica no entanto por

aqui, a partir de Julho, as sessões de cinema ao ar livre mudam-se para o que pretende ser um espaço de cultura e lazer na cidade velha de Faro, que irá contar com a dinami-zação de várias associações culturais para trazer cinema, exposições, en-contros, c≠oncertos e muito mais à zona histórica da cidade.

Cineclube de Faro

fotos: d.r.

Cineclube de Faro Programação: cineclubefaro.blogspot.pt

MUSEU MUNICIPAL | 21.30 HORAS

16 JUN | FADO CAMANÉ, Bruno de Almei-da, Portugal, 2014, 72’, M/6

23 JUN | SE EU FOSSE LADRÃO... ROUBA-VA, Paulo Rocha, Portugal, 2012, 87’, M/14

30 JUN | MR. TURNER, Mike Leigh, Reino Unido, 2014, 150’, M/12

Claustros do Museu Municipal de Faro

Momento

Ponha aqui o seu PézinhoFoto de Ana Omelete

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12.06.2015 4 Cultura.Sul

Eleanor Catton – Uma jovem autora confirmada

Eleanor Catton é uma jovem autora, nascida em 1985 no Ca-nadá, que cresceu e vive na Nova Zelândia. Formada em escrita fic-cional publicou duas obras.

O seu romance de estreia, O Ensaio, publicado pela Gradiva, gira em torno de um escândalo sexual numa escola secundária mas o que dá impulso à obra não é a história do escândalo em si, enquanto assunto mais ou menos recorrente e sensa-cionalista de tablóides, mas sim o tratamento dado ao tema. O escandâlo está aliás consumado quando conhecemos as várias personagens que estão mais ou menos directamente ligadas ao mesmo. A força motriz do ro-mance é, afinal, a própria consci-ência que os estudantes ganham de si, da sua identidade e da sua

sexualidade, face ao sucedido, como se o tornar público de algo inominável e proibido despole-tasse toda a libertação de desejos e pulsões íntimas. Um grupo de raparigas adolescentes ganha assim consciência do poder que detêm, nomeadamente quando são chamadas a reunir com um psicólogo que de alguma for-ma procura remoer o assunto de modo a assegurar que do es-cândalo não resultam traumas e mazelas. Se, por um lado, parece haver um tratamento cuidado-so e púdico do tema, por outro lado, a publicidade repentina que a escola sofre vai ser apro-veitada como intriga central de uma peça de teatro que será in-teiramente concebida e interpre-tada por um grupo de actores no primeiro ano do Instituto, uma escola de artes dramáticas local de grande reputação. Todos os anos é pedido aos jovens actores que criem a sua própria peça, de modo a mostrar aos professores bem como a toda a comunidade o seu valor e o próprio tema da peça é sempre mantido em se-gredo mesmo junto dos profes-sores. Esta peça resolve converter o escândalo num espectáculo e,

tal como o próprio título indi-ca, ao longo da obra cada acto e cada gesto parecem resultar numa performance teatral. Os próprios diálogos parecem por vezes solilóquios dramáticos, e o livro acompanha afinal os en-saios desta peça que servirá de afirmação aos jovens actores, da mesma forma que este mo-mento da vida das jovens prota-gonistas (e de um único rapaz, Stanley), entre os 15 e os 18 anos, se pode definir como uma prova de acesso, retratando-se os dile-mas e os conflitos emocionais que definem estas idades. O fi-nal da adolescência surge assim como ensaio da própria idade adulta, em que é preciso expe-rimentar e arriscar de forma a descobrir. A comprovar que são os adolescentes que ganham protagonismo no livro temos o pormenor de que todos os jovens têm nomes enquanto que os adultos, isto é, os pro-fessores ou pais, são apenas designados pela sua profis-são: professor de Movimen-to, psicólogo, etc.

A conduzir a intriga te-mos a figura um pouco soturna e misteriosa da professora de Saxofone. Esta figura que se coloca sempre distante, enquan-to observadora, tem no entanto a capacidade de manipular as pesso-as que passam pelo seu estúdio: não somente as alunas inocentes e igno-rantes dos meandros da

complexidade e da mal-

dade humana, mas também as mães que desesperadamente parecem apelar à professora que tenha uma atenção especial para com as suas filhas. No final do li-vro temos um momento muito bem orquestrado em que já não sabemos, de tal forma se cruza o ensaio com a realidade, se foi a professora a manipular duas das suas alunas a unirem-se amoro-samente, numa espécie de com-pensação da história amorosa que ela nunca teve com a sua própria professora, que terá re-cusado os seus impulsos, ou se são as próprias alunas a vingar--se da professora por ter tentado manipular as suas vidas.

A única personagem central masculina, Stanley, é um jovem actor promissor, tão competen-te que veste completamente a personagem de Mr. Saladin, de-sempenhando o seu papel até às últimas instâncias, quando, no final do romance, se aper-cebe de que está a namorar a irmã da jovem vítima de assé-dio sexual e ele próprio tem 18 anos, enquanto ela ainda não atingiu a maioridade. Numa espécie de reviravolta própria das antigas tragédias gregas, a própria jovem só irá tomar consciência na noite de estreia da peça, à qual levou os pais para lhes poder mostrar o seu novo namorado. Temos ainda o pai de Stanley, psicólogo, que mantém um sórdido jogo psi-cológico com o filho, que con-siste em tentar chocar o outro com as mais ordinárias piadas relacionadas com pedofilia.

Em suma, temos um livro que toma como ideia central o facto de que todos nós usamos más-caras e desempenhamos cons-tantemente um papel, e mes-mo quando algo muito íntimo deflagra e se torna do domínio público, como o escândalo se-xual entre Victoria e o profes-sor, as fronteiras entre o real e a ficção continuam difíceis de esbater.

A segunda obra, Os Lumina-res, publicada pela Bertrand, confirmou, quatro anos depois, o talento ficcional da autora que arriscou com um livro denso de 888 páginas, cuja originalida-de foi reconhecida com o Man Booker Prize 2013, o que faz de Eleanor Catton a mais jovem au-tora de sempre a receber o pré-mio bem como com o romance mais extenso.

Numa noite de tempestade, para realçar desde logo o am-biente de mistério, um jovem de Edimburgo, Walter Moody, entra no primeiro hotel que lhe apare-ce assim que desembarca da sua viagem até à cidade de Hokitika, na Nova Zelândia. É curioso notar como ao tentar guiar-se pelas es-trelas, o jovem descobre que o céu agora lhe aparece invertido, com as constelações fora do seu lugar habitual, o que acentua todo o sentimento de estranheza em que se vê mergulhado bem como do que se seguirá. Apesar de abalado pelo incidente sobrenatural que presenciou no barco, aperceber--se-á que interrompeu uma reu-nião entre 12 homens que estão, eles próprios, a tentar deslindar o

seu próprio mistério, cujo segre-do cruza peças tão díspares como uma prostituta, um traficante de ópio, um jovem misteriosamen-te desaparecido, uma fortuna desaparecida e a, até então, des-conhecida viúva de um eremita, também vidente.

Os Luminares situa-se, ao jei-to pós-moderno, entre géneros, pois tem tanto de romance po-licial como de romance histó-rico, e arrisca a vários níveis: inovador pelo tema, com um mistério por resolver no sécu-lo XIX; pelo número extenso de personagens, pois em tor-no desse mistério agrupa-se o destino desses 12 personagens, desde europeus a chineses, pas-sando por uma personagem Maori, o que serve para definir a variedade intercultural des-se novo mundo; pela estrutura que lembra a dos romances vi-torianos, com pequenos resu-mos dos acontecimentos cen-trais de cada capítulo a abrir o mesmo; pela divisão do livro em várias secções, novamente em doze, bem como pelo tra-tamento sequencial da intriga, que no final, é contada de trás para a frente, em capítulos cada vez mais curtos, dado o conhe-cimento prévio que o leitor tem do que já leu e cujas peças co-meçam finalmente a fazer sen-tido; e pela novidade da intro-dução de cartas astrológicas a abrir cada secção do romance, onde há inclusivamente a refe-rência da posição dos planetas nas respectivas casas. Um desa-fio a não perder!

Paulo SerraInvestigador da UAlgassociado ao CLEPUL

Letras e Leituras

fotos: d.r.

Eleanor Catton é uma jovem escritora que já publicou ‘O Ensaio’ e ‘Os Luminares’

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12.06.2015  5Cultura.Sul

Panorâmica

As sete vidas do programador cultural

Cultura e escuta-inclusão-formação de públicos

d.r.

No imaginário colectivo associa-se a expressão “sete vidas” ao gato devido à eficiência do seu sistema imunológico e à sua agilidade/habilidade e resistência quando confrontado com situações de adversidade e risco. O número sete é mís-tico por excelência, indicando, segundo os antigos, o processo transformador de passagem do conhecido para o desco-nhecido. Não é difícil fazer o paralelismo com o perfil e função do programador cultural: imaginação, ousadia, (sobre)vivência e fôlego criativos, curiosidade (felina) e atenção sensível ao que o rodeia, resiliência, elasticidade (para saltar/fazer pontes), foco estratégico, capacidade de estimulação e envolvimento (do outro: político, público, agente, criador, intér-prete).

Sete vidas, que são, no fundo, sete de-safios (+1) para o programador enquan-to agente do circuito cultural:

1/ Há uma percepção (deseja-se que não acrítica nem passiva) de que o país vive actualmente, sobretudo em cidades pequenas/médias, numa fre-quência cultural (dominantemente) de concessão ao mainstream, dada uma maior secundarização da cultura em detrimento de necessidades mais ime-diatas e “básicas”. O consumo cultural imediato tem sido mais remetido para a esfera privada (casa) através do acesso aos livros, imprensa escrita, televisão e internet, e a fruição social da cultu-ra (acesso a espaços públicos) parece passar mais pela adesão às tendências e modas dominantes, com menor dis-ponibilidade psicossocial, dadas as restrições económicas, para formatos mais alternativos. Se esta realidade aca-ba condicionando as opções de progra-mação de não poucos equipamentos culturais no sentido de uma (tentado-ra, menos arriscada e mais “pacífica”) aposta em propostas mais populares e mediáticas, a mesma também acentua a inegável importância de, em nome da criação/formação de públicos e dos va-lores de diversidade e complementaridade que as estruturas culturais estatais, de serviço público, devem estimular e per-seguir, não prescindir, em paralelo, da apresentação de propostas mais out of the box que privilegiem áreas artís-ticas menos visíveis/conhecidas e suas diversas ramificações criativas, bem como linguagens mais contemporâ-neas e abordagens interdisciplinares centradas na fusão e experimentalis-

mo estéticos – explorando assim o in-comum, o imprevisível, o desconhecido e questionando/alargando os horizon-tes dos seus destinatários. Trata-se, no fundo, de conjugar, dosear/temperar, reiterar e alternar (com sensatez, re-alismo e arrojo) estas duas vertentes, em moldes que variam em função das estratégias de programação, dos públi-cos, dos equipamentos em si (e recur-sos adstritos) e dos contextos culturais e criativos envolventes.

2/ Se os equipamentos culturais vi-sam não só a formação de públicos,

mas também o estímulo e interacção com os agentes culturais e criativos da comunidade em que se inserem, a realização de uma programação par-tilhada e/ou comprometida, assente em projectos participativos, afigura--se fundamental para alcançar esses objectivos. Para além das potencialida-des inclusivas que esse caminho pode oferecer, a integração dos públicos e/ou comunidades próximas no proces-so de programação – assumindo estes um papel criador e/ou curador – pode constituir ainda uma estratégia eficaz de escuta dos receptores culturais re-lativamente às suas reais necessidades e expectativas.

3/ Nos grandes centros urbanos é possível definir, para cada estrutura, linhas de programação para áreas ar-tísticas específicas (segmentando mais determinado tipo de oferta e aprofun-dando toda a sua tentacularidade) dada a quantidade e heterogeneidade de equipamentos existentes, o arco geográfico que os mesmos cobrem e o considerável público-alvo a que se destinam. Nas cidades de menor peso demográfico, em que não abundam os espaços culturais, cada um destes procura, à partida, proporcionar um leque mais ecléctico de possibilidades e facetas, “tocando vários instrumentos”. Mas também nestes meios é essencial a articulação e complementaridade en-tre equipamentos de âmbito cultural inseridos no mesmo território de inter-venção e dotados de missões similares/

afins, isto ao nível das áreas artísticas a priorizar, de eventuais colaborações a encetar e da própria calendarização dos eventos, de modo a reforçar a coe-xistência institucional e a tornar mais eficaz o impacto das várias propostas dirigidas a uma mesma comunidade.

4/ Dadas as assimetrias patentes no Algarve em termos de capacitação cul-tural e de adesão de público, as limita-ções orçamentais com que muitas enti-dades se deparam e as ainda reduzidas práticas de cooperação existentes entre municípios ao nível das suas estrutu-

ras/equipamentos culturais (recorde-se, contudo, um bom exemplo, ocorrido em 2011-2012, com o projecto “Movi-menta-te”, financiado por fundos eu-ropeus e que juntou as autarquias de Faro, Loulé, Olhão, S. Brás de Alportel, Tavira e o Teatro Municipal de Faro na promoção das artes performativas), é fundamental o estabelecimento de parcerias ao nível local/regional e nacional, e de mecanismos intermu-nicipais de programação em rede (de maior ou menor espectro), de modo a captar financiamentos, agilizar recur-sos, reduzir/distribuir custos de pro-dução, estimular fluxos de público e potenciar dinâmicas e projectos, sendo que a Rede de Museus do Algarve (cria-da em 2007 como estrutura informal e já com uma dinâmica assinalável), o surgimento da Rede de Arquivos do Al-garve em 2011 e, mais recentemente, a concertação encetada entre os tea-tros/auditórios municipais da região visando uma articulação conjunta são indicadores esperançosos a este nível.

5/ No que toca sobretudo (mas não só) a propostas de programação mais alter-nativas, ligadas a certas linguagens per-formativas e a temáticas/conteúdos mais herméticos e complexos, há que adop-tar ferramentas que, em conexão com a programação, convoquem públicos diferenciados (os “nichos”), promovam o conhecimento de novas práticas cul-turais e fomentem a reflexão, partilha e conhecimento, apurando sensibilidades e sentidos críticos. A preocupação – mui-

tas vezes descurada pelos agentes cultu-rais – com a componente de mediação de públicos revela-se, a este nível, fulcral, afirmando-se como um meio imprescin-dível para uma efectiva inclusão e capta-ção de receptores para certos programas propostos que, pelas suas características, carecem de maior envolvimento ao nível da educação cultural e artística. Esta media-ção, ou construção/facilitação de pontes, concretiza-se quer nas chamadas activi-dades paralelas (workshops, encontros, conversas pré ou pós-espectáculo, visitas guiadas e serviços especiais), quer nos serviços educativos vocacionados para

grupos escolares e famílias, quer ainda nos projectos continuados, sendo que as residências artísticas também podem ter aqui um papel de relevo.

6/ A comunicação é outro oxigénio essencial à vida do programador, visto ser uma área técnica que, como coadjuvante do processo de implementação de um projecto cultural e artístico, requer, por parte dos responsáveis por esse sector, um conhecimento consistente do mes-mo e do seu target, e um domínio das ferramentas mais adequadas para a sua valorização e conhecimento públicos. Daí a importância de definir e difundir atem-padamente um plano de programação a médio-prazo (trimestral, semestral, anu-al), de adoptar os meios e estratégias de divulgação mais adequados ao mesmo (a nível de timings, locais, segmentos de público, suportes, parcerias, etc.), bem como de envolver efectivamente (e qua-lificar quando necessário) todos os inter-venientes que estão integrados nos vários contextos de interface com o público (as frentes de casa, a bilheteira, os gabinetes de comunicação), bem como as equipas técnicas, para os objectivos e conteúdos da programação apresentada.

7/ Acessibilidade cultural: muitos equipamentos, municipais e/ou ligados à administração central, debatem-se ac-tualmente com orçamentos muito dimi-nutos (ou menos, inexistentes), fruto de um gradual desinvestimento estatal na área cultural, já não falando em estrutu-ras profissionais privadas ligadas às artes

performativas, que sofreram cortes signi-ficativos (ou até integrais) em termos de subsidiação pública. A ausência ou défice, nos equipamentos culturais públicos, de recursos financeiros para programação acarreta um notório aumento de “aco-lhimentos” e de partilhas de bilheteira em moldes de co-produção, o qual, não obstante permitir que muitos teatros/au-ditórios continuem a funcionar (dado o exíguo esforço económico empreendi-do), apresenta, quando se torna dominante e muito regular, várias desvantagens em termos de acesso, nomeadamente: um claro encarecimento do valor dos ingres-sos (o que, ainda assim, não parece inibir a procura sempre que se trata de certos fenómenos mediáticos [veja-se os efeitos “Zambujo” ou “família Carreira”, entre outros], mas que provoca, por exemplo, um maior retraimento dos receptores pe-rante propostas de qualidade mas de teor mais alternativo); um significativo menor encaixe de receita de bilheteira para os equipamentos que acolhem as produ-ções; e um menor controlo do programa-dor sobre a qualidade, coerência, solidez, regularidade e impacto inerentes ao seu “plano”. Por outro lado, para as estrutu-ras dotadas de orçamento a adopção de valores fixos de referência (com décalages próximas) para determinadas tipologias/formatos de evento pode constituir uma mais-valia em termos de atractividade e adesão de público, criando um “chip” mental que permite consolidar rotinas de fruição relativamente à oferta cultu-ral apresentada. A adopção de cartões aderentes com condições especiais de acesso (a valores reduzidos) para even-tos programados, numa lógica de rede, por vários equipamentos é outra via que pode revelar-se frutífera.

Duas notas finais sobre uma tenta-ção: se o conceito de programação auto-ral constitui uma dimensão essencial do processo de produção cultural, conferin-do identidade, originalidade e diferen-ciação ao projecto apresentado (dado que este também é, de alguma forma, o reflexo do gosto pessoal e, assim, sub-jectivo de quem o giza), é importante, ao mesmo tempo, não descurar (por even-tuais motivações egocêntricas) criações e objectos de reconhecido interesse e qua-lidade artística que, não encaixando nas preferências do programador, podem, na óptica dos públicos, apontar valiosos cami-nhos de diversidade e democraticidade culturais que um serviço público deve trilhar. A um nível mais lato, e como en-fatiza Maria Vlachou na sua obra Musing on Culture: management, communications and our relationship with people (2013), é importante lutar contra um certo auto-centramento que ainda parece assaltar alguns programadores e gestores cultu-rais, levando-os a questionar as suas prá-ticas, a ler melhor o que os rodeia e a sair das suas zonas de conforto. Sim, porque os gatos podem até parecer narcisistas, mas nunca deixam de nos observar e de notar que existimos...

Paulo PiresProgramador culturalno Município de [email protected]

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12.06.2015 6 Cultura.Sul

Qual o ‘lugar’ da Psicologia da Arte?Artes visuais

Saul Neves de JesusProfessor catedrático da UAlg;Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora

No último artigo analisámos de que forma as descobertas na ciência podem ser fonte de ins-piração artística, verificando-se que diversos artistas têm procu-rado expressar nas suas obras descobertas ocorridas nas mais diversas ciências.

A Psicologia tem sido uma das ciências mais inspiradora para os artistas. Desde logo, as descobertas ocorridas no âm-bito da Psicologia da Forma (Gestalt), que se desenvolveu no início do século XX, tiveram in-fluência no trabalho de Escher, artista gráfico que procurava criar imagens com efeitos de ilusões de ótica, representando construções “impossíveis”. A es-treita relação entre o trabalho artístico de Escher e a Psicolo-gia foi revelada no artigo de Penrose e Penrose, em 1958, no British Journal of Psychology, em que apresentaram os desenhos de Escher “Escada acima e esca-da abaixo” e “Queda de água”.

Mas outros artistas foram in-fluenciados pela teoria da Ges-talt, pois segundo esta o que se vê depende do próprio observa-dor, tendo em conta que o obser-vador determina a própria reali-dade com a sua observação. Em particular, Salvador Dali realizou vários trabalhos em que são vá-rias as percepções possíveis por parte do observador. Vejam-se, por exemplo, os seus trabalhos “O enigma interminável” (1938), “Rosto deitado” (1935) ou “O rosto de Mae West” (1934-35).

Mas a influência da Psicologia na produção artística é apenas um dos vários aspetos que po-dem ser abordados quando se analisam as relações entre a Psi-cologia e as Artes Visuais.

A Psicologia da Arte é um dos domínios de fronteira entre a ci-ência, neste caso a Psicologia, e

a arte. Traduz o desenvolvimen-to que a Psicologia tem tido em muitos âmbitos de investiga-ção, sendo delimitados domí-nios cada vez mais específicos, constituindo áreas de fronteira entre a Psicologia e outras áre-as científicas. Temos domínios mais actuais, como seja a Psico-logia do Desporto, constituindo um domínio de fronteira entre a Psicologia e o Desporto, mas te-mos domínios de fronteira mais clássicos, como sejam a Psicolo-gia da Saúde e a Psicologia da Educação. Daí estes domínios específicos tanto se incluírem na Psicologia, como nas outras áreas científicas, nestes casos, respectivamente as Ciências do Desporto, as Ciências da Saúde e as Ciências da Educação. No caso das Artes, talvez tivesse sentido a utilização da expressão Ciências Artísticas para traduzir as fron-teiras que podem existir entre as Artes e certos domínios científi-cos próximos, podendo a Psico-logia da Arte ser perfeitamente aqui integrada.

Independentemente destes aspectos mais formais do en-quadramento epistemológico da Psicologia da Arte, importa delimitar o conteúdo que dá especificidade a este domínio. Para tal, parece-nos importante fazer uma retrospectiva de como

se foi constituindo a Psicologia da Arte.

Numa revisão da literatura so-bre Psicologia da Arte, verifica-se que o primeiro trabalho consis-tente neste domínio é realizado por Vigotsky (1925), sendo a sua tese de doutoramento intitulada “Psicologia da Arte”, em que ana-lisa os contributos das correntes do Behaviorismo, da Gestalt e da Psicanálise para o estudo da Arte. Curiosamente a formação de base de Vigotsky era em Di-reito, mas foi no domínio da Psicologia que mais se destacou.

No início do século XX, tam-bém merecem destaque os estu-dos realizados por Freud, entre 1907 e 1928, sobre aspectos da vida e da obra de pintores, poe-tas e músicos famosos, como fo-ram, respectivamente, Leonardo da Vinci, Goethe e Dostoievski. Estes trabalhos foram posterior-mente compilados no livro “Psi-canálise da Arte”.

Um outro autor que se desta-cou na investigação em Psico-logia da Arte foi Arnheim, em particular através dos livros “Art and Visual Perception” (1954) e “Towards a Psycho-logy of Art. Entropy and Art” (1966). Embora na tradução do primeiro para a língua por-tuguesa, adquirida pela editora Thomson em 1980, o título seja

“Arte e Percepção Visual. Uma Psicologia da Visão Criadora”, tendo sido acrescentado este subtítulo que aponta para o estudo dos processos criativos, os conteúdos deste não inci-dem directamente sobre o es-tudo da criatividade na produ-ção artística. Assim, os tópicos

deste livro foram os seguintes: equilíbrio; configuração; for-ma; desenvolvimento; espaço; luz; cor; movimento; dinâmi-ca; e expressão. Estes tópicos remetem fundamentalmente para aspectos relacionados com os contributos dos estudos no âmbito da percepção visual. É na segunda obra, traduzi-da para a língua portuguesa em 1997, pela Dinalivro, com o título “Para uma Psicologia da Arte. Arte e Entropia”, que a criatividade surge como um dos tópicos abordados. De entre os tópicos analisados neste livro, contam-se a visão, a gestalt, a emoção, os símbolos artísticos e a criatividade. Verifica-se assim que a criatividade, que não ha-via sido abordada até aos anos 50, predominando o estudo da percepção e dos contributos da Teoria da Gestalt, já surge nesta obra dos anos 60 como um dos tópicos de estudo em Psicologia da Arte.

Embora estes livros tenham sido traduzidos para português, verifica-se que a primeira obra publicada em língua portugue-sa ocorre nos anos 70 por Juan Mosquera (1973), no Brasil. No seu livro sobre “Psicologia da

Arte”, apresenta estudos sobre alguns artistas, no plano da arte visual (Van Gogh) e no plano da arte escrita (Gabriel Garcia Már-quez), bem como sobre alguns temas como sejam a percepção, a estética, a educação artística e a criatividade.

Nos anos 80, salientamos os livros de Howard Gardner (1982), “Art, mind and brain. A cognitve approach to creativity”, e de Ellen Winner (1982), “In-vented worlds: The Psychology of the Arts”, este último publicado pela Harvard University Press e merecendo uma tradução em chinês no ano de 1997. Esta autora desenvolve ainda uma unidade curricular em Psico-logia da Arte e da Criatividade no Boston College – Harvard Gra-duate School of Education, tendo como principais conteúdos o estudo da personalidade do artista, o cérebro e as aptidões artísticas, a influência da socie-dade e do ambiente na criativi-dade e o pensamento criativo.

Em Portugal salienta-se o li-vro de Carla Gonçalves (2000), em que, dentro da Psicologia da Arte, procura analisar os temas da percepção visual e da gestalt, da psicanálise e da criatividade.

Embora os contributos iniciais da Psicologia para a Arte, no fi-nal do século XIX e início do sé-culo XX, se tivessem situado so-bretudo nos aspectos ligados à percepção, como resultado das investigações realizadas no âm-bito da Teoria da Gestalt (ou Te-oria da Forma), verifica-se que a criatividade vai ocupando um lu-gar de cada vez maior destaque na Psicologia da Arte, incidindo muitas das investigações atuais sobre este tópico.

Nota: Este artigo integra o livro

“Construção de um percurso multidis-

ciplinar, integrativo e de síntese nas

Artes Visuais”, de Saul Neves

de Jesus ([email protected]).

Todas as receitas obtidas com a

venda deste livro revertem a favor da

compra de uma mesa de gravura para

o curso de Artes Visuais da Universi-

dade do Algarve. Pode ser adquirido

na Fnac de Faro (Forum Algarve) ou

em Fnac online (http://www.fnac.pt/

Construcao-de-um-Percurso-nas-Artes-

-Visuais-Saul-Neves-de-Jesus/a869599).

Desenho “Queda de água”, de Escher

fotos: d.r.

AGENDAR

“AS MEMÓRIAS CIRCULAM NUM CANTO DO CÉREBRO”Até 30 JUN | Casa dos Condes - AlcoutimExposição de artes plásticas de Maria Antónia Santos que, na sua obra, busca “uma relação inteligente entre o visível e o imaginário, entre o consciente e o inconsciente”

“NOVOS MUNDOS”Até 19 de Julho | Museu de PortimãoTimo Dillner nasceu em Wismar na Alemanha em 1966, vive em Bensafrim, Lagos, há 16 anos. ´e um artista multifacetado que apresenta pinturas, poe-inturas, poe-mas, obras gráficas, esculturas e vídeo

Desenho “Escada acima e escada abaixo”, de Escher

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12.06.2015  7Cultura.Sul

Espaço ALFA

Atualmente, assiste-se a um crescente interesse pela fotografia. Quer se deva à proliferação e aces-so relativamente fácil a máquinas fotográficas ou a dispositivos ele-trónicos portadores de câmara fotográfica, nomeadamente tele-móveis ou tablets, quer se deva ao fascínio que a imagem fotográfica exerce sobre as pessoas, com uma visibilidade quase viral através de aplicações e redes sociais, o facto é que nunca se assistiu a um tão in-tenso gosto pela arte fotográfica.

A ALFA, Associação Livre Fo-tógrafos do Algarve, enquanto associação que visa a promoção da fotografia, de acordo com o objecto da sua actividade, tem vindo a desenvolver um Plano de

Atividade onde a formação, a par dos passeios fotográficos e expo-sições, tem assumido um forte papel social e cultural no campo fotográfico.

Contando com fotógrafos pro-fissionais como formadores, a ALFA tem dinamizado inúmeras formações de curta e média du-ração, onde os formandos podem optar por cursos de iniciação à fotografia, cursos de nível inter-médio para aprofundamento de determinadas matérias ou ainda, cursos temáticos. Em todas as suas formações, a ALFA procura ir ao encontro das necessidades dos formandos, quer pela estrutura-ção e rigor teórico dos assuntos abordados, quer pela disponibi-lização de uma forte componente prática, que confira aos mesmos a segurança na prática da arte fo-tográfica.

Novos horizontes na Fotografia

Paulo Côrte-RealMembro da ALFA

Workshop de Fotografia Noturna que foi ministrado na ALFA

pub

Feira de artesanato e etnografia regressa a Alcoutim

A envolvente da praia fluvial do Pego Fundo, em Alcoutim, vai receber, no próximo fim-de--semana, a 30ª edição da Feira de Artesanato e Etnografia, evento que atrai anualmente milhares de visitantes oriundos do Algarve e da vizinha Espanha.

O certame constitui uma ge-nuína viagem ao passado onde, a par do artesanato e da etnografia, também a gastronomia típica da

serra algarvia e a animação com música tradicional terão, como habitualmente, lugar de desta-que. No sábado, os grupos “Ai Xico Xica” e “Ùs Sai de Gatas” vão animar o evento durante a tarde, ficando a animação nocturna a cargo de “Os Diabo na Cruz” e do “Duo José e Vítor Guerreiro”, que terminarão a festa com um baile tradicional com início marcado para as 23.30. No domingo, a

animação de rua durante a tarde estará mais uma vez a cargo dos grupos “Ai Xico Xica” e “Ùs Sai de Gatas”, estando o baile com o “Duo José e Vítor Guerreiro” agendado para as 21 horas.

A Feira de Artesanato e Etno-grafia de Alcoutim é organizada pela Associação “A Moira”, em colaboração com o Município de Alcoutim, e decorre entre as 16 e as 24 horas.

Imouhar apresenta livro‘Sentires de uma Alma’ em Albufeira

O livro de poesia “Sentires de uma Alma”, da autoria de Imou-har, vai ser apresentado no pró-ximo sábado, pelas 17 horas, na Biblioteca Municipal Lídia Jorge, em Albufeira. O evento vai decor-rer num ambiente intimista de inspiração oriental.

Imouhar é o pseudónimo es-colhido por António Mourinho, um algarvio que desde muito cedo sentiu o apelo por viajar, conhecer o mundo e contactar com outras culturas. Um dia co-nheceu Marrocos e nasceu um amor que todos os anos o faz regressar a este país.

“Sou filho do vento que corre livre pelas areias do deserto … es-crevo longe das prisões grama-ticais. Escrevo todo o sentir que carrego na alma, e na alma vai a liberdade de uma alma perfu-mada de saudade”, é desta forma que o autor se define.

Imouhar é bastante ecléctico, não se prende a conceitos nem a definições, utilizando um estilo simples, onde prevalece uma cer-ta nostalgia associada à alegria de viver. A sua poesia é lírica, fala--nos directamente, despertando emoções, na exacta medida em que os versos surgem como estí-

mulos que provocam diferentes estados de alma.

O livro “Sentires de Uma alma” é uma edição da Arandis edito-ra, tem nota de apresentação de Vieira Calado e ilustrações de An-tónio Brigas, Beatriz Mourinho, Filomena Gonçalves e Maysi Vásquez Rubio.

A apresentação de “Sentires de uma Alma” traz à cidade de Albufeira uma nova perspec-tiva de liberdade, sob a forma como a poesia é escrita pela mão e pelas palavras nostálgi-cas de Imouhar.

A entrada é gratuita.

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12.06.2015 8 Cultura.Sul

Alexandre FerreiraLicenciado em PatrimónioCultural pela UAlg

António Rosa Mendes: uma figura maior

Um olhar sobre o património

António Rosa Mendes marcou para sempre o panorama cultural algarvio

d.r.

No início do presente mês passaram dois anos sobre o falecimento de uma figura maior do Algarve, cujo con-tributo para a divulgação da História e da Cultura da re-gião ainda está por alcançar. Ainda que no infortúnio do seu desaparecimento físico,

para quem teve o privilé-gio de com ele privar ficam os ensinamentos e a paixão pela Ciência, pela História, pela Cultura e pela V i d a ! P a r a a q u e -les que não tiveram oportunidade de o conhecer, ficam as suas publicações, os seus escritos e os projectos que ficaram por acabar, mas que na efemeridade da sua existência marcam significa-tivamente o panorama cultu-ral algarvio.

António Rosa Mendes era assim. Um apaixonado pelas tradições da sua região, pers-crutando as suas origens e de que forma, de tão impregna-das que estão na sociedade, se manifestam ainda hoje no

inconsciente colectivo. Ho-mem pouco dado a encómios, não os poupando contudo a quem realmente os merecia, certamente coraria ao ver o número crescente de home-nagens que são feitas em sua honra. Cada uma delas mais do que merecida, com certeza. É comovente constatar as ho-menagens que diversas en-tidades algarvias concedem em sua honra, seja através da atribuição do seu nome a Arquivos Históricos ou a Bibliotecas, seja através da atribuição de um Prémio Nacional de Ensaio Histórico do qual é patrono, atribuído pelo município de Vila Real

de Santo António. Entregue de dois anos em anos, os laureados da primeira edi-ção, cuja cerimónia ocorreu

no passado dia 21 de maio, data em que completaria 61 anos, Daniel Giebels e Mar-co de Sousa Santos, que por sinal foram seus alunos, sin-tetizaram nos seus discursos de agradecimento, um dos maiores legados que o pro-fessor António Rosa Mendes deixou aos seus alunos, e que em boa hora é concretizado com a atribuição deste pré-mio: mais do que os ensina-

mentos académicos, de todo relevantes e fundamentais, o estimular e o promover a criação das condições neces-sárias para que cada um dos “seus” se pudesse exprimir na sua máxima plenitude.

Também o autor destas linhas teve a boa fortuna de privar com este vulto maior da cultura do Algarve, cuja filosofia de vida humanista e com um profundo sentido de justiça, aliados aos seus princípios, sempre dosea-dos com uma boa dose de humor, fazem com que a sua ausência seja porventura de-masiado evidente.

Como vem sendo hábi-

to, permito-me desafiar o caro leitor a partir na sen-da das riquezas do Algarve, desta feita descobrindo “O

Património In-dustrial”, na 12ª edição do Curso Livre de Histó-ria do Algarve, ocasião esta que

servirá também para home-nagear o Professor António Rosa Mendes, por sinal um dos organizadores de grande parte das edições anteriores deste curso, numa organi-zação do Centro de Estudos em Património, Paisagem e Construção e pelo Departa-mento de Artes e Humanida-des da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Uni-versidade do Algarve.

De acordo com os registos his-tóricos, a Igreja de Nossa Senho-ra das Ondas em Tavira remonta presumivelmente ao reinado de Manuel I, O Venturoso (Séc. XVI).

Similarmente é denominada por Igreja de São Pedro Gonçal-ves Telmo ou Igreja do Corpo Santo, uma vez que foi erguida pela Confraria do Santo, com-posta por pescadores e marean-tes.1 Por essa razão, igualmente era também conhecida pela Igreja do Compromisso Maríti-mo (edifício contíguo à Igreja), uma vez que os pescadores e ma-reantes se agremiavam na Cor-poração do Corpo Santo.

Estilo renascentista, esta Igreja sofreu estragos com o terramo-to de 1755, tendo sido posterior-mente reconstruída parcialmen-te, e, desde 2012 é classificada como Património de Interesse Público 2.

Percurso histórico

Tendo sido herdada pela Se-gurança Social das antigas Casas dos Pescadores, esta, foi sua legí-tima proprietária durante largos anos até passar para “as mãos” do Município de Tavira através de um contrato de comodato.

Cidade junto ao mar, com tra-dições e cultura marítimas pre-sentes, sendo igualmente local de oração, foi-se assistindo aos malefícios provocados pelas in-tempéries e ausência de manu-tenção, vindo consideravelmente acentuar a sua degradação… tan-to no interior como no exterior.

Tomada de ação

Decorre no ano de 2008 uma primeira fase de estudos, procu-rando-se soluções e técnicas que permitam a sua reabilitação, es-tudos estes elaborados pela equi-pa técnica do Município. Numa primeira fase, a cobertura e tetos, paredes interiores e exteriores, instalações e património integra-do – conservação e restauro dos elementos que compõem todo o acervo religioso; numa segunda fase, o Coro Alto, o Arco Triunfal da Capela-mor e a estrutura de suporte do teto da nave da Igreja.

Desenvolvidos os trabalhos a que se propuseram, procurando ter sempre presente a história e a

evolução artísticas das peças do acervo, verifica-se presentemente que através das técnicas de res-tauro utilizadas, confirmaram-se a existência de várias camadas de tratamentos (repinte) em mui-tos dos elementos, proporcio-nando-se desta forma restituir a estes, a sua beleza original. Exem-

plo disso podemos observar no Mural do Coro Alto.

Houve todo um conjunto de técnicas utilizadas e sobretudo aos técnicos que as realizaram (Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva), que se tornou possí-vel proceder à remoção de arga-massas à base de gesso degrada-das e sem qualquer função bem como a colagem de elementos fraturados e destacados, reconsti-tuição de volumes em falta e col-matação de lacunas existentes.

O acervo

O modelo concebido para o tratamento de todo o acervo re-ligioso e patrimonial passou pela total desmontagem das peças existentes, sua catalogação por-menorizada e transporte para as oficinas da Fundação em Lisboa. A título de curiosidade, o Teto da Nave foi desmontado peça por peça, catalogado e igualmente transportado. Todos os suportes em madeira foram escovados e aspirados e muitos dos ele-mentos deteriorados ao nível de suporte foram repostos em madeira de casquinha; outros elementos tiveram que ser cola-dos por apresentarem fraturas e/ou fissuras através de técnicas específicas e no que se refere a elementos metálicos oxidados, estes, foram substituídos.

Quanto às imagens represen-tadas, podemos visualizar a be-leza de óleos sobre tela nos Retá-bulos de São Francisco de Paula, Nossa Srª da Conceição, Nossa

Srª da Fruta e Nossa Srª das On-das. Desde a consolidação de su-portes, fixação e limpeza da po-licromia e superfícies douradas, passando pela execução efetiva de elementos em falta, tratamen-tos e reintegração de camadas cromáticas, enfim… tarefas exe-cutadas até à finalização, foram

percorridas muitas semanas de minucioso e intenso trabalho.

Foi um privilégio esta Direção Regional poder acompanhar o desenvolvimento do trabalhos e igualmente observar através dos Relatórios todas as ações desen-volvidas de pormenor e do de-talhe. A equipa da Fundação Ri-cardo do Espírito Santo Silva foi verdadeiramente essencial em “devolver a vida” das imensas peças do espólio.

Decerto que também para a população mareante e pescado-ra, sentirá esta a grata satisfação ao usufruir de um espaço de oração renovado e pensado num seu todo e em simultâ-neo em particular, nas suas gentes do mar… nas presen-tes e vindouras mas sobretu-do nas que já passaram. Bem hajam todos os intervenientes que de uma forma ou de ou-tra contribuíram para devol-ver a todos nós a formosura ímpar de um local erguido pelos nossos antepassados.

1Mareantes – que mareia, homem do mar, marinheiro.

2 Um bem considera-se de interes-se público quando a respetiva pro-teção e valorização represente ainda um valor cultural de importância nacional, mas para o qual o regime de proteção inerente à classificação como de interesse nacional se mostre desproporcionado in ponto 5 da Lei

Nº107/2001, de 8 de setembro, que estabelece as bases da políticas e d o r e g i m e d e p r o t e ç ã o

e valorização do património cultural.

Tavira mostra a renovada Igreja de N.ª Sr.ª das Ondas

Missão Cultura

Imagem do altar de São Pedro Gonçalves Telmo

d.r.

António Rosa Mendes era assim. Um apaixonado pelas tradições

da sua região

Direção Regionalde Cultura do Algarve

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12.06.2015  9Cultura.Sul

Junho

Pedro [email protected]

O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N

Retratos Cinéticos

Para ver até 27 de agosto na FNAC do Al-garve Shopping na Guia, a exposição de fo-tografia de Jorge Jubilot baseada no álbum ‹Retratos Cinéticos› com a banda Orblua. Uma mostra da paisagem, da vida, da cultu-ra e das gentes do Algarve, focada na direção de uma perspetiva artística pessoal, global e integrada do mundo onde nos movemos.

Manhã É no glorioso desta manhã em que o céu não

se mexe e o mar se calou que o acordar é sinó-nimo de esperança, embora não se saiba já se a parte que se perdeu do seu significado ainda seja recuperável.

Sem MedosSem medos, meu amor, a caminho do solstí-

cio, surfando uma onda de gigante combustão psicadélica, seremos levados para fora das tre-vas em que nos afogamos nos dias em que nos vemos representados na tv a cores de um país a preto e cinzento.

Paulo Serra

Diz sobre o seu trabalho: «dá rosto às pala-vras do meu sangue. É autodecifração. Não é tanto o gosto, mas a necessidade dele. O meu desenho sou eu enquanto somos. É este ser que me interessa e persigo. Anima-me. O desenhar enquanto actividade subjectiva e inconsciente, deixa de o ser quando o desenho está acabado. São desejos que decifro, são vontades. A arte cria assim uma paralela à linha que a vida risca. Estas duas linhas confundem-se e são. Quem não vê não sabe e a ignorância não deixa ver a beleza que deslinda o mistério do ar do artista».

Ver sobre o seu trabalho: em Faro na Igreja da Sé – pintura: «Faro de StªMaria» e na Rapo-seira na Ermida Nª Srª de Guadalupe – desenho: colectiva «Sim».

Mercado de VerãoCacela Velha prepara-se para receber, no

próximo dia 21 de Junho (Domingo), mais um Mercadinho de Verão. Velharias e antiguidades; trocas & baldrocas, espaço onde se vendem arti-gos em segunda mão (discos, cd’s, livros, roupa, brinquedos, quadros, …); artesanato tradicional (empreita, cestaria, latoaria, cerâmica, trapolo-gia…) e novas criações; produtos alimentares da região como o mel, pão, bolos, compotas, licores; flores; cremes e sabonetes naturais; brinquedos de madeira; livros e música mar-

cam mais este Mercadinho.

Peixe-Futuro~ da lua desviando as águas circundantes ~

fio-de-contas à vida estagnada nas margens ~ resoluções sem bóia presa à âncora fundeada ~ no mar de um futuro-peixe enrolado na onda breve ~

Biocos

É por muitos considerado um trajo mítico e verdadeiramente popular no Algarve. Asso-ciam-no muitas vezes a Olhão por ter sido dos últimos lugares onde foi usado até aos anos 30 do séc. XX, mesmo depois da proibição do seu

uso. Tratava-se de uma capa que cobria inteiramen-te quem a usava. A cabeça era oculta pelo próprio cabeção ou por um rebuço feito por qualquer xaile, lenço ou mantilha.

Um século depois Joana Bandeira, jovem artis-ta natural de Olhão, “agarra” no bioco Algarvio, despe-o do seu tradicional preto e reveste-o com novas cores, tecidos, padrões e acessórios, numa espécie de ode (e homenagem cromática) a todas as mulheres que outrora a usaram.

A exposição estará patente em Santa Rita no CIIPC, Centro de Investigação e Informação do Pa-trimónio de Cacela/CMVRSA (Antiga Escola Primá-ria de Santa Rita) até 12 de Julho de 2015 e pode ser visitada de segunda a sexta-feira das 9h às 13h e das 14h às 17h (Junho) e das 9h às 15h (Julho)

Concertos ao entardecer

Regressaram em Maio à vista ria os ‘Concertos ao Entardecer’ com a banda First Breath After Coma e depois o músico brasileiro Momo. Na sede da associação ArQuente, na rua António Maria Labóia, nº 1. Imperdíveis. Cada novo con-certo uma surpresa ou uma estreia. Os próximos concertos, desta 5ª edição, sempre às 19h30, terão lugar a 20 de Junho com Éme e a 4 de Julho com Sequin.

EssênciaA essência do amor é algo que está para lá

da poesia, desfaz-se perante a aproximação do verso certo, da estrofe perfeita, das sílabas con-tadas como favas, nada está seguro, pelo cinto preso no banco da vida do amo-te para sempre, de quem não sabe que um texto nunca está aca-bado, como nunca está perto do fim, e que assim também se pode perder por qualquer uma razão desconhecida, surgida mesmo na eternidade eté-rea do pc para onde transcreves essa volatilidade de sentidos.

fotos: d.r.

AGENDAR

“PINTURAS DE ROMAN MARKOV”Até 6 de JUL | Espaço de atendimento da EMARPAs inspirações e principal tema das obras de Roman Markov são as paisagens e as gentes, pelas quais se enamora, ao longo das suas viagens

“UMA CADEIRA NA MONTANHA”13 JUN | 21.30 | Teatro das Figuras - FaroLeitura encenada com crianças com idades compre-endidas entre os 8 e os 12 anos e que resulta numa apresentação final aberta à comunidade

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12.06.2015 10 Cultura.Sul

A culpa é da Comunicação?Espaço ao Património

Apesar de habituada a usar a escrita no meu dia--a-dia, confesso que não sei por onde iniciar. Assim sen-do, penso ser justo começar por agradecer à colega e ami-ga Isabel Soares, atual Chefe de Divisão do Museu de Por-timão, o gentil convite que me endereçou para escrever este artigo.

Sendo o ato de comunicar algo de essencial nos diversos planos que envolvem uma so-ciedade, neste caso em parti-cular e tendo em conta a mi-nha experiência profissional na comunicação de equipa-mentos e eventos, irei par-tilhar com os leitores desta rubrica algumas ideias acer-ca da comunicação enquan-to processo que promove ou condiciona o sucesso de uma ideia.

Penso que todos os Técni-cos que trabalham nesta área, nalgum momento da sua vida profissional, já ouviram a frase “Foi a comunicação que falhou!”. Sim, quando algo corre menos bem e não se atingem os resultados es-perados, por norma, ainda numa fase de pouca análise e reflexão, o primeiro ímpeto é assumir que a comunicação não funcionou.

Sem dúvida pode aconte-cer,  mas julgo que o insu-cesso ou sucesso de algo, na maioria das vezes, pois exis-tem com certeza  exceções, está sobretudo relacionado com a experiência de quali-dade que é ou não percecio-nada, com a afinidade que é gerada perante determinada ideia, no fundo, com a neces-sidade que é ou não sentida de se fazer parte de algo.

A última ideia exposta pen-so que é essencial na área dos equipamentos culturais, cada vez mais há uma necessida-de premente de envolver, não queremos públicos passivos, precisamos de parceiros que são essenciais para a cons-trução de uma história com futuro. O sucesso reside nas emoções, no sentimento de

pertença. Este envolvimento não resulta de um “amor à primeira vista”.  Uma marca bem posicionada, com uma identidade forte e definida, que é corretamente percecio-nada no seu mercado, não é o resultado de meia dúzia de ações de comunicação, é o produto de um longo cami-nho, que todos os dias é per-corrido com empenho.

Em outubro de 2008, en-tre outros projetos, fiquei com a responsabilidade de trabalhar a comunicação do Museu de Portimão, uma an-tiga fábrica de conservas, que tinha aberto as suas portas no ano anterior e eu ainda não tinha tido a oportuni-dade de visitar. Não demo-rou muito até me enamorar

e desde então que me con-fesso apaixonada por aque-le espaço que, hoje com sete anos de existência, guarda na sua bagagem várias men-ções honrosas e algumas dis-tinções internacionais, entre elas, o prémio “Museu Con-selho da Europa”.

“O meu Museu”, o “nos-so Museu”, na larga maioria das vezes quando penso e escrevo sobre aquele espaço, é de forma natural que abu-so de pronomes possessivos, e é precisamente com esta orientação que o trabalho é desenvolvido. É desta for-ma que queremos que este espaço cultural seja sentido no seio da sua comunidade, e este objetivo só é possível, porque é transversal a toda a

equipa, a qual tenho o maior orgulho de integrar, que tem feito um trabalho de proxi-midade, junto de diferentes gerações, absolutamente ex-cecional. 

Assumidamente, no que diz respeito ao acesso à in-formação, entrámos  numa nova era, em que o mundo digital alcançou um papel preponderante no universo da comunicação, em que é só querer e todos estamos conectados uns aos outros, bastando para isso ter aces-so à internet. Comunicar tor-nou-se algo banal, qualquer pessoa tem uma enorme faci-lidade em disponibilizar con-teúdos on line.  Contudo, esta  nova era  que se apresenta fantástica na infinidade de

possibilidades e soluções que oferece aos comunicadores para serem bem-sucedidos no seu trabalho, particular-mente num período em que a primeira variável a conside-rar num plano de comunica-ção é precisamente o orça-mento, também traz consigo enormes desafios.

O sentimento de quem pri-vilegia a internet como canal informativo, deverá ser mais ou menos o mesmo senti-mento de alguém que vai ao supermercado e entra num corredor com prateleiras re-pletas de um mesmo produto de marcas diferentes – o que escolher? O  acesso a redes sociais como o Facebook é de tal forma massivo, que o verdadeiro desafio perante a panóplia de oferta, é precisa-mente promover a diferen-ciação, a mensagem tem que gerar algum tipo de emo-ção, promover empatia,  fi-delizar o utilizador. Através destes canais comunicamos, cada vez mais, para pessoas experientes, conhecedoras e com pouco tempo disponí-vel, que com alguma facili-dade estabelecem compara-tivos de avaliação, fazem as suas escolhas e com a mesma rapidez com que fizeram um “gosto” deixam de seguir essa mesma página.

No caso do nosso Mu-seu de Portimão, apanha-mos  naturalmente  boleia da era digital que nos per-mite globalizar as ideias e o trabalho desenvolvido na escala local, mas o segredo reside sempre nas pesso-as. Elas são a pedra basilar, a primazia do processo de comunicação, em primeira instância, acontece junto da comunidade que fez parte da história daquela fábrica, são as suas estórias que dão vida aos objetos, foram os seus relatos que permitiram dar corpo a um percurso.

Não temos dúvidas que a era digital veio para ficar e continuará a evoluir à velo-cidade da luz, mas  parale-lamente  com os  novos ca-nais,  deveremos  continuar a privilegiar os velhos méto-dos que promovem uma pro-ximidade mais real e menos virtual, continuarmos a valo-rizar a troca de experiências é a nossa vantagem competi-tiva, porque não existem pro-cessos técnicos que dignifi-quem um projeto, ideia ou evento que não tem essência.

Cidália Pacheco Técnica Superior de Marketing na Divisão de Comunicação da Câmara Municipal de Portimão

Imagem do interior do museu de Portimão

fotos: d.r.

Uma noite à luz das conservas!

Ficha Técnica:

Direcção:GORDAAssociação Sócio-Cultural

Editor: Ricardo Claro

Paginaçãoe gestão de conteúdos:Postal do Algarve

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• Espaço AGECAL:Jorge Queiroz

• Espaço ALFA:Raúl Grade Coelho

• Espaço Cultura:Direcção Regionalde Cultura do Algarve• Da minha biblioteca:

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Colaboradoresdesta edição:

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Tiragem:8.166 exemplares

Page 11: CULTURA.SUL 81 - 12 JUN 2015

12.06.2015  11Cultura.Sul

Da minha biblioteca

Adriana NogueiraClassicistaProfessora da Univ. do [email protected]

Não é frequente serem edita-dos livros de divulgação cultural, escritos originalmente em portu-guês, sobre a antiguidade clássi-ca. Só isso já seria razão para me congratular com a recentíssima publicação deste As mulheres que fizeram Roma, da autoria de Carla Hilário Quevedo. Nestes dias em que saiu a notícia que os estabe-lecimentos de ensino podem ter, no Básico, como Oferta de Escola, disciplinas na área da Introdução à Cultura e Línguas Clássicas, a publicação deste livro só vem re-forçar a importância desta com-ponente na educação (relembro que o Latim e o Grego nunca saíram do Ensino Secundário, apesar de parecer que sim. Por exemplo, em Portimão, na Escola Secundária Manuel Teixeira Go-mes, tem havido Grego no 12º ano, com muito sucesso).

Mas a minha satisfação é maior, porque o livro é mesmo de leitura muito agradável. Não se deixem assustar com o subtí-tulo, 14 Histórias de poder e violên-cia, pois também há histórias de amor, dedicação e honra. É ver-dade que tudo gira à volta do poder, mas a história tem destas coisas: não fala dos fracos.

Carla Hilário Quevedo é cro-nista no jornal i e no semanário Sol, mas conheci a sua escrita no tempo em que publicava no Ex-presso, tendo depois passado a segui-la no blogue Bomba Inteli-gente. Já nessa época, Carla Que-vedo manifestava o seu interesse pela antiguidade: conhecedora do grego moderno e licenciada em Línguas e Literaturas Moder-nas (Inglês/Alemão), fez mestra-do em Estudos Clássicos, tendo aprendido grego antigo e latim.

Pareceu-me importante esta contextualização para melhor enquadrar este livro, pois é sem-pre bom sabermos quem são os autores que lemos, principal-mente quando não se trata de ficção.

Facto e ficção

Escrever sobre mulheres do mundo romano implica co-nhecer factos e reconhecer que muito do que foi escrito como verdade é, na realidade, ficção. A primeira história deste livro é a de Reia Sílvia, uma vestal (sacer-dotisa da deusa Vesta, que tinha de ser virgem, sob pena de ser enterrada viva) que surge grávi-da, explicando o fenómeno por ter sido violada pelo deus Marte. Como contrapartida, os seus fi-lhos (estava à espera de gémeos) seriam um marco na história da humanidade, visto que «um de-les seria o fundador da grande cidade de um povo não menos grandioso» (p.24): Rómulo fun-daria Roma.

Para os romanos, Reia Sílvia fazia parte da sua história, tal como outras mulheres que sabe-mos que existiram. E sobre essas, o que se sabe é facto ou ficção?

Carla Quevedo questiona mui-tas vezes as fontes que demoni-zavam algumas destas mulheres, não se coibindo de desmontar as acusações, quantas vezes ab-surdas, e emitir a sua opinião. Por exemplo, a propósito do desaparecimento de Tibério e do facto de Lívia, sua mãe, que tanto lutou para que o filho chegasse a imperador, ter sido uma das pessoas suspeitas de estarem envolvidas na sua mor-te, pois, «por causa do filho tinha perdido honras concedidas por Augusto», a autora afirma: «Esta hipótese que consideramos tres-loucada é avançada por Tácito» (p. 112).

Não quero com isto dizer que procure branquear os aconteci-mentos, mas sim que não aceita sem questionar as fontes que, muitas vezes, servem interesses políticos (contra os homens de

poder), nos retratos que fazem das mulheres. Sobre Messalina, diz-nos, no final do capítulo: «Messalina pode não ter sido a meretriz entediada que chegou até nós, mas havia muito no seu comportamento que não se ade-quava ao que era esperado de uma mulher da sua posição. Por isso não nos deverá surpreender que tenha sido usada quando se tratou de denegrir Cláudio e a sua dinastia. É verdade que pode não ter sido bem assim. Porém, temos a certeza de que não seria a candidata ideal para honrar a deusa Vesta. Ou como diríamos hoje, Messalina não era santa ne-nhuma» (p.122).

O que se aprende

Aprende-se muito com este livro. Não só sobre história de Roma, mas sobre relações huma-nas, familiares e de poder. Mas mais do que isso: concentra-se aqui, explicado de uma forma clara e simples, elementos de

legislação romana (tão próxima de nós, ou não fosse o direito ro-mano o nosso antepassado), de tradições, de cultura.

A situação das mulheres no casamento é a questão que mais aparece, por serem elas as protagonistas e por só existirem e serem faladas pelo seu relacio-namento com homens (normal-mente maridos e filhos).

No cap. II, ao referir o rapto das jovens sabinas (por parte dos romanos que queriam constituir família, tal era a escassez de mu-lheres), conta que apenas uma mulher casada foi raptada e, mesmo assim, por engano. A lei permitiria «matar um adúltero, i.e., um homem que adulterava a mulher casada, apanhado em flagrante, mas um homem que violasse uma mulher que não era casada tinha apenas que pagar uma multa» (p.33). Por coincidência, esse adúltero era o próprio Rómulo e foi Hersília, a sabina, que convenceu o mari-

do a não entrar em guerra com os romanos.

Vamos vendo, assim, como as leis mudam ao sabor dos quereres dos imperadores, in-fluenciados ou não por mulhe-res. Augusto, preocupado com a natalidade, «decretou multas para homens e mulheres sem fi-lhos e estabeleceu recompensas monetárias para os plebeus que provassem ter filhos», penalizan-do ainda «os homens que casas-sem com prostitutas ou actrizes e regulamentou o divórcio. Ins-tituiu o dever de casar para ho-mens e mulheres viúvos que não tivessem no mínimo três filhos. Em 18 a.C. criou a lex Iulia de adulteriis, que penalizava o adul-tério» (p.102). Mais: «o marido de mulher adúltera que não se divorciasse imediatamente dela era considerado seu proxeneta. Estava proibido de a matar, mas podia decidir sobre o seu exílio» (p.118).

Quando Agripina viu uma

possibilidade de «colocar [o fi-lho] Nero na linha de sucessão do trono», sabia também que «teria primeiro de casar com o tio, que seduziu com compe-tência. Fazendo uso do direito que tinha de lhe tocar, por ser sua sobrinha, Agripina depres-sa encantou Cláudio. Os casa-mentos entre familiares eram considerados incesto e por isso eram expressamente proibidos por lei. (…) Um ou outro su-borno pode ter ajudado a per-suadir senadores indecisos» (p.129) e a verdade é que a lei foi alterada.

Catorze são as histórias de vida de mulheres sobreviventes, ao longo de mil anos (de 510 a.C. a 450 d.C.).

Carla Quevedo rodeou-se de uma bibliografia (que apre-senta no final) que poderá ser também muito útil para quem quiser ler mais sobre o assunto. Cada capítulo tem notas no fim do livro e não no pé da página, fazendo com que a leitura flua escorreita.

Carla Hilário Quevedo lançou recentemente o seu primeiro livro

d.r.

AGENDAR

“A ÚLTIMA SEMANA DO FASCISMO?”Até 30 JUN | Biblioteca Municipal de LagosExposição de pintura de Manuela Caneco constituída por 14 obras originais, estruturadas em cinco séries: “Corrosão do Sistema”; “Repressão em Lisboa”, “Tor-o em Lisboa”, “Tor-tura”, “Luta” e “Emigração forçada e clandestina”

“SEA CHANGE”Até 12 JUN | Biblioteca Municipal de OlhãoExposição de Rachel Ramirez, que recorre a uma técnica de impressão japonesa, o “goytaku”, trans-formando espécimes marinhos naturais e objectos artificiais em obras de arte

As mulheres que fizeram Roma, de Carla Hilário Quevedo

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