cultura.sul 64 - 6 dez 2013

12
DEZEMBRO 2013 | n.º 64 www.issuu.com/postaldoalgarve 8.280 EXEMPLARES Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO RICARDO CLARO Grande ecrã: Natal recheado em Tavira p. 3 Espaço AGECAL: Cultura em meio rural p. 3 Na senda da cultura Orquestra Clássica do Sul: a música como palco da responsabilidade social Espaço ALFA: Cor e criatividade em mostra fotográfica p. 10 D.R. D.R. D.R. p. 7 D.R. Ondjaki: Prémio José Saramago à conversa com o Cultura.Sul p. 4 e 5

Upload: ricardo-claro

Post on 16-Mar-2016

218 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

• Veja o CULTURA.SUL DESTE MÊS• Sexta-feira (dia 6/12) nas bancas com o PÚBLICO e o POSTAL • Partilhe o seu caderno mensal de Cultura no Algarve • EM DESTAQUE: > EDITORIAL: Cai o pano sobre 2013, por Ricardo Claro > ESPAÇO CRIA: Novo quadro, novas oportunidades, por Hugo Barros > JUVENTUDE, ARTES E IDEIAS: Para o ano é que é, por Vanessa Caravela > GRANDE ECRÃ: Tavira com Natal recheado > ESPAÇO AGECAL: Cultura em meio rural, por Emanuel Sancho > PANORÂMICA: Ondjaki: mais do que o escritor, o homem e o pensador, por Ricardo Claro > ESPAÇO AO PATRIMÓNIO: Arqueologia no concxelho de Olhão, por Hugo Oliveira > Na SENDA DA CULTURA: Orquestra Clássica do Sul: A música como palco da responsabilidade social, por Ricardo Claro > ESPAÇO CULTURA: Espaços patrimonializados e acção educativa:um desafio estratégico

TRANSCRIPT

Page 1: CULTURA.SUL 64 - 6 DEZ 2013

DEZEMBRO 2013 | n.º 64

www.issuu.com/postaldoalgarve8.280 EXEMPLARES

Mensalmente com o POSTALem conjuntocom o PÚBLICO

ricardo claro

Grande ecrã:

Natal recheado em Tavira

p. 3

Espaço AGECAL:

Cultura em meio rural

p. 3

Na sendada cultura

Orquestra Clássica do Sul: a música como palco da responsabilidade social

Espaço ALFA:

Cor e criatividade em mostra fotográfica

p. 10

d.r.

d.r.

d.r.

p. 7

d.r.

Ondjaki:Prémio

José Saramago à conversa

com o

Cultura.Sul

p. 4 e 5

Page 2: CULTURA.SUL 64 - 6 DEZ 2013

06.12.2013 2 Cultura.Sul

Fechamos o ano de 2013 e prometemos regressar em 2014, com a mesma vontade de sempre de dar a conhecer aos algarvios o que por cá se faz em termos culturais, o mui-to e o muito bom que por cá se faz e, ainda, o muito que cada artista no seu campo, cada gestor cultural, cada musólo-go, cada actor da realidade cul-tural dá de si ao Algarve e aos algarvios em cada momento.

Somos neste momento em que cai o pano sobre o palco de 2013, apenas isso, um veí-culo que dá voz à cultura no Algarve. Somos isso mesmo e não queremos ser mais por-que sê-lo é já de si relevante o quanto baste.

Este que é o único caderno cultural em formato jornal na região, não quer o relevo das luzes da ribalta, quer ser an-tes o foco que dá luz a quem verdadeiramente a merece, os ‘fazedores’ de cultura.

Não somos nunca o palco que desajamos ser, somos, não obstante, sempre fervero-sos perseguidores do sermos melhores naquilo que faze-mos a cada edição e contamos com todos e muito em parti-cular com quem dá, mês após mês, a sua colaboração a estas páginas para atingirmos esse objectivo.

É para os colaboradores que fazem do Cultura.Sul uma re-alidade, é para as mulheres e homens da cultura e para os leitores que vão nesta última edição deste ano os nossos agradecimentos.

Fazemos o Cultura.Sul por cada leitor que percorre as nossas páginas e é por ele que o contiunaremos a fazer em 2014.

Neste virar de página im-porta apenas mais um dese-jo que estendemos a todos. Tenham um óptimo 2014 pessoal e cultural.

Em Janeiro regressamos para dar início a mais um ano de Cultura.Sul porque continuamos a creditar que vale a pena fazer cada uma destas páginas a pensar em si que nos lê.

Cai o pano sobre 2013

Ficha Técnica:

Direcção:GORDAAssociação Sócio-Cultural

Editor:Ricardo Claro

Paginação:Postal do Algarve

Responsáveis pelas secções:• Contos da Ria Formosa:

Pedro Jubilot• Espaço ALFA:

Raúl Grade Coelho• Espaço AGECAL:

Jorge Queiroz• Espaço CRIA:

Hugo Barros• Espaço Educação:

Direcção Regionalde Educação do Algarve

• Espaço Cultura:Direcção Regionalde Cultura do Algarve

• Grande ecrã:Cineclube de FaroCineclube de Tavira

• Juventude, artes e ideias: Jady Batista• Da minha biblioteca:

Adriana Nogueira• Momento:

Vítor Correia• Panorâmica:

Ricardo Claro• Património:

Isabel Soares• Sala de leitura:

Paulo Pires

Colaboradoresdesta edição:Emanuel SanchoHugo BarrosHugo OliveiraPaulo SerraVanessa Caravela

Parceiros:Direcção Regional de Cul-tura do Algarve, Direcção Regional de Educação do Algarve, Postal do Algarve

e-mail redacção:[email protected]

e-mail publicidade:[email protected]

on-line em: www.issuu.com/postaldoalgarve

Tiragem:8.280 exemplares

Novo quadro, novas oportunidades

O passo mais difícil é o primeiro!

Consumidos pelo fluxo de informação dos jornais, tele-visão, ou que incessantemente circula nas redes sociais, não podemos deixar de sentir um misto de euforia e desespero.

Muito embora os recentes sucessos da seleção nacional ou os anunciados sinais de re-cuperação económica, a reali-dade continua a refletir uma elevada taxa de desemprego, particularmente elevada entre os jovens, a diminuição do po-der de compra das famílias, e o desafio de inúmeras empresas em ultrapassarem a barreira nacional e assegurarem a sua competitividade no exterior.

Mas acredito que o copo está “meio cheio”. E acredito que apenas pode subir.

Impulsionadas pelos apoios financeiros disponibilizados pelo atual Quadro Comunitá-rio, as empresas têm vindo a concretizar esforços no senti-

do de uma maior competitivi-dade, apostando em inovação e conhecimento como forma de captação de novos merca-dos, de otimização de proces-sos, ou de desenvolvimento de novos produtos.

Estes apoios têm permiti-do capacitar um conjunto de novas empresas inovadoras, constituídas e geridas por re-

cursos humanos qualificados, e orientadas na sua génese para mercados internacio-nais. Igualmente relevante é a constatação das áreas de inci-dência destes novos projetos, não apenas atuando nas áreas da computação ou biotecno-

logia (entre outros), mas re-descobrindo o potencial dos setores tradicionais, como o Mar ou a Agricultura.

Estas empresas nascem ou reinventam-se a partir de um ambiente difícil, conscientes dos problemas e dos riscos, mas se-guros das suas competências e certos do seu caminho.

Consciente das dificuldades

de comunicação ainda existen-tes, e do contínuo trabalho de aproximação necessário, é im-perativo salientar neste proces-so de dinamização empresa-rial o papel das Universidades, não apenas enquanto entida-de de formação de quadros

Para o ano é que é!

Aprecio imenso o entusias-mo de algumas pessoas, nesta época do ano. Uma certa es-pécie de parvos alegres com esperança no novo ano que aí vem. Como se o simples facto do ano mudar, mudasse algu-ma coisa.

À falta de capacidade de re-solver os problemas, o melhor é esquecer. Arrumam tudo no passado e fazem promessas

para o futuro. Tomam deci-sões épicas! As mesmas do ano anterior. Esquecendo que os mesmos caminhos levam, inevitavelmente, aos mesmos sítios.

E a meio do ano já começam a pensar novamente no próxi-mo. Para o ano é que é!

É a esperança do recomeço de quem não consegue dar a volta ao que não tem volta a dar. De quem perante as ad-versidades desiste, volta a co-meçar de novo ou deixa andar.

Culpam o Cristo, o carpin-teiro que fez a cruz e o ferreiro pôs os pregos, lavam as mãos como Pilatos e não fazem nada.

Uns não pensam muito nis-

to, porque não têm tempo e outros acham que pensar é perda de tempo. E passam a vida entre uma bica e um café, sem fazer uma pausa para a vida.

E andam nisto! As coisas não mudam por decreto, só porque decidimos e pronto. Há que mudar a atitude e os

comportamentos. Ter coragem para enfrentar medos e orgu-lhos, romper com o conformis-mo e a preguiça e arriscar. Per-ceber o que realmente se quer e lutar por isso.

Ou continuar, eternamen-te, a colocar alpista no aquá-rio à espera que o douradi-nho cante!

d.r.

d.r.

Ricardo [email protected]

Editorial Espaço CRIA

Hugo BarrosCoordenador do CRIA - Divisão de Empreendedorismo e Transferência de Tecnologiada Universidade do Algarve

Juventude, artes e ideias

Vanessa Caravela

qualificados, mas também (e essencialmente) como centro de geração e transferência de conhecimento.

Esta interação Universida-de-Empresa tem permitido consolidar a transferência de conhecimento científico en-tre as empresas e os centros de conhecimento, traduzin-do um conjunto de benefícios mútuos entre os agentes pú-blicos e privados envolvidos, necessários à competitivida-de das empresas, das regiões e do País. Dando continuida-de a esta realidade, a política de “Especialização Inteligente” proposta às regiões, e conso-lidada no programa de apoio financeiro denominado “Ho-rizonte 2020”, vem reforçar a necessidade de relacionamen-to entre as entidades deten-toras e geradoras de conheci-mento científico e os agentes económicos no mercado, fo-mentando a geração de mais--valias económicas através da diferenciação.

Reforço que não é tarefa fácil, para nenhum dos inter-venientes. No entanto, a re-signação não é opção, como têm demostrado as empresas, as Universidades e a própria comunidade civil, que comba-tem diariamente a adversida-de, adotam novas estratégias de crescimento e consolidam mercados internacionais.

Termino portanto como co-mecei… entre um misto de eu-foria e desespero… Consciente das dificuldades e dos desa-fios, mas seguro do potencial da região e das competências das instituições.

Page 3: CULTURA.SUL 64 - 6 DEZ 2013

06.12.2013  3Cultura.Sul

Espaço AGECAL

Para a população rural, o sen-timento permanente da sua con-dição marginal parece ter so-brevivido até aos nossos dias. Compreensivelmente, as cidades maiores sempre exerceram a sua natural hegemonia. Aí estavam os poderes político, religioso, as famílias economicamente pode-rosas, muitas vezes com acção me-cenática importante, e os estran-geiros residentes, às vezes cultos, mas sempre ligados aos negócios mais rentáveis. Aí se ergueram te-atros e mais tarde cinemas. Fun-daram-se clubes e associações, onde as elites culturais desempe-nharam um papel fundamental na dinamização cultural citadina: os saraus, os concursos literários, as palestras.

Também no meio rural, as pes-soas procuravam organizar-se. Contudo, o panorama era diverso:

construíam-se réplicas simplifica-das do que se via na cidade com os clubes e sociedades recreativas a organizarem bailes ao fim de se-mana e a instituírem bibliotecas populares que pouco mais eram

do que umas prateleiras de livros fechados à chave. Algumas famí-lias destacavam-se no gosto pela leitura, pela música tocada ao pia-no ou ouvida na grafonola. Para-lelamente havia (e há) a chamada

cultura popular: um conjunto de saberes nascidos quase sempre da luta diária pela sobrevivência que persiste na memória das pessoas. São disso exemplo a poesia, a mú-sica e um instrumental próprios que chegaram aos nossos dias.

Neste ponto da reflexão convém referir a clara dificuldade em se estabelecerem os limites entre o rural e o urbano, conscientes que, tanto na cidade como no campo, as duas realidades convivem lado a lado. Talvez a predominância seja o factor chave deste difuso jogo de relações. Por isso, a pro-vocação deliberada do uso que fazemos - quase indiferenciado - destes conceitos/contextos sociais.

Desde há muito que as elites culturais passaram a interessar--se pela cultura popular, promo-vendo incursões e “recolhas” que terminavam sempre nas reservas e arquivos dos museus e univer-sidades. Também, como acontece frequentemente com as manifes-tações culturais em geral, o poder político sempre procurou usar-se delas em seu favor, moldando--as aos seus interesses. Exemplo paradigmático desse fenómeno é o caso do movimento folclóri-co que chegou aos nossos dias.

Apesar das múltiplas abordagens exteriores, a identidade rural sem-pre teve a consciência da distância que a separava do poder, vendo nisso inconvenientes mas, por ve-zes, também algumas vantagens.

E nos nossos dias? Existirá ain-da uma identidade rural e um modo de vida próprio capaz de reflectir nas suas raízes e, a par-tir daí, produzir valores e cultura para o tempo presente? Sabemos que o esquema de relações entre a cidade e o campo alterou-se pro-fundamente. Entre a globalização e a massificação dos nossos dias, as economias rural e urbana apro-ximaram-se em muitos aspectos, mas isso não reduziu os contrastes que sempre existiram entre elas. A cultura citadina foi ao campo e de lá trouxe o que melhor lhe aprouve. Ao invés, sabemos que ainda hoje o rural vive fascinado pelo brilho da cidade.

Ouvimos hoje falar do “regresso à terra”, das “slow cities”, da die-ta mediterrânica, do património cultural imaterial e sentimos, os rurais, afinidades bastantes com estes movimentos culturais emer-gentes. Serão os sinais de um des-pertar assente nos valores de uma cultura própria?

Grande ecrã

Cineclube de TaviraProgramação: www.cineclubetavira.com281 971 546 | 965 209 198 | 934 485 [email protected]

SESSÕES REGULARESCine-Teatro António Pinheiro | 21.30 horas

07 DEZ | OPHIUSSA: UMA CIDADE DE FER-NANDO PESSOA - Fernando Carrilho - Por-tugal 2013 (70’) M/612 DEZ | DANS LA MAISON (DENTRO DE CASA) - François Ozon - França 2012 (105’) M/12

19 DEZ | NIGHT TRAIN TO LISBON (COM-BOIO NOTURNO PARA LISBOA) - Bille August - Alemanha/Suíça/Portugal 2013 (111’) M/1221 DEZ | “O DIA MAIS CURTO” - 10 CURTAS METRAGENS EUROPEIAS Vários - Europa 2000 - 2013 (89’) M/1226 DEZ | IO SONO LI (SHUN LI E O POETA) - Andrea Segre - Itália/França 2011 (98’) M/12

Um Natal recheado em Tavira

Em Dezembro iremos exibir seis filmes (atenção: duas ses-sões terão lugar num sábado), dos quais três nacionais ou pelo menos em co-produção com Portugal. Um destaque para a sessão de Curtas Metragens no âmbito do “Dia Mais Curto”, no

sábado, 21 de Dezembro. E para quem não conseguiu estar pre-sente na nossa sessão ao ar livre no passado mês de Julho, no dia 19 iremos trazer de volta Night Train to Lisbon (Comboio Notur-no para Lisboa), de Bille August. Os filmes falam por si próprios,

pouco resta para dizer ou para escrever. Contudo, os nossos mais sinceros votos de festas felizes! Desejamos a todos uma entrada pacífica em 2014, com grandes filmes para alimentar a nossa imaginação! Positive thinking!

Cena do filme Comboio Noturno para Lisboa

d.r.

Cestaria em cana, actividade exercida pela população rural

d.r.

Cineclube de Faro Programação: cineclubefaro.blogspot.pt

IPJ | 21.30 HORAS | ENTRADA PAGA

CICLO VARIAÇÕES EM MAL MAIOR10 DEZ | REINO ANIMAL, David Michôd, Austrália, 2010, 113’, M/16

SEDE | 21.30 HORAS | ENTRADA LIVRE

TRIBUTO A PATRICE CHÉREAU12 DEZ | O SEU IRMÃO, França, 2003, 92’19 DEZ | 18.30 HORAS | GABRIELLE, Fran-ça, 2005, 90’ (Leg. Ingl.)21.30 HORAS | PERSEGUIÇÃO, 2009, 98’ (Leg. Ingl.)

BIBLIOTECA MUNICIPAL | 21.30 HORAS | ENTRADA LIVRE

O FILME FRANCÊS DO MÊS20 DEZ | MIA ET LE MIGOU, Jacques-Rémy Girerd, França, 2008, 91’

FÁBRICA DOS SENTIDOS | 18.30 HORASE SOCIEDADE ARTÍSTICA FARENSE | 22.30 HORAS

21 DEZ | O DIA MAIS CURTO – exibição de seis curtas-metragens portuguesas numa sessão de 56’

Cultura em meio rural

Emanuel SanchoAGECAL

Page 4: CULTURA.SUL 64 - 6 DEZ 2013

06.12.2013 4 Cultura.Sul

Ondjaki:mais do que o escritor, o homem e o pensador

Panorâmica

O pseudónimo que usa para a arte da escrita é Ondjaky e é sob este nome - cujo significado, en-tre outros, é guerreiro - que as-sina vários livros premiados ao longo dos últimos anos até che-gar a 2013 e ser escolhido para ganhar o Prémio José Saramago, atribuído pela Fundação Círculo de Leitores.

Depois de em 2000 ter arre-batado a Menção Honrosa do Prémio António Jacinto pelo seu primeiro livro de poesia “Actu Sanguíneu”, soma-lhe com o livro de contos “E se amanhã o

medo”, em 2005, o Prémio António Paulouro, a

que acrescenta em 2007 o Gran-de Prémio APE fruto da obra “Os da minha rua”.

Três anos depois, em 2010, é a vez de o livro “AvóDezanove e o segredo do soviético” ser reco-nhecido com Prémio Jabuti na categoria juvenil. A escrita para os mais novos volta a garantir--lhe o reconhecimento com o Prémio Bissaya Barreto 2012, na sequência da obra “A bicicleta que tinha bigodes”, também distinguida, no Brasil, com o Prémio Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil.

Não espanta, pois, de todo, que Ondjaki tenha ganho, com a obra “Os transparentes”, o Pré-mio José Saramago, afinal, está traduzido em mais de uma de-zena de idiomas e há muito que o reconhecimento o coloca en-tre os nomes mais sonantes da escrita angolana da actualidade.

Depois de uma visita que o Cultura.Sul acompanhou às escolas olhanenses do Agrupa-mento Professor Paula Noguei-ra, onde Ondjaki arrebatou os alunos com uma impressionan-te veia de contador de histórias e uma rara capacidade de co-municação, conversámos com o escritor, mas ouvimos também o homem, Ndalu de Almeida, e o pensador sobre a realidade africana e mundial.

“Os Transparentes”, uma incursão para fora da

ficção pura

Escrever é também um acto político e se até agora, como o próprio reconhece, Ondjaki, se

detinha na “ficção pura”, com “Os Transparentes” o

escritor traz-nos uma his-tória literária, cheia de fac-

tologia sobre a Luanda dos dias de hoje e em larga medi-

da sobre Angola e o mundo da actualidade.

“Há [em “Os transparentes”] um manancial de informação sobre Luanda que eu tenho e usei para contar uma história que é literária, mas que permi-te abrir caminhos para o debate e que apresenta premissas para a discussão sobre aquilo que eu chamo de abandono do outro, seja o abandono crescente que temos uns face aos outros en-quanto cidadãos, seja o aban-dono dos políticos em relação

ao povo”, refere Ondjaki.“Há este abandono a que te-

mos que dar atenção e que não podemos de todo ignorar”, re-fere, defendendo que não po-demos ser transparentes, na medida em que não podemos ser ignorados, nem ignorar quem está ao nosso lado. “Não é um abandono que seja exclu-sivo de Angola, isto é um facto, é uma realidade generalizada, muito embora no livro o que se aborde seja Angola”, sublinha.

Democracia a cada quatro anos

“Esta coisa a que chamamos democracia, tornou-se uma re-alidade em que se convocam as pessoas de quatro em quatro anos para cumprir uma agenda eleitoral e depois não queremos saber, só voltamos novamente a querer saber delas daqui a qua-tro anos”, remata.

Há, entende o escritor, um alheamento de parte a parte que não é positivo e que condiciona o presente, mas também o fu-turo e dá o exemplo: “basta ver-mos o que acontece nas princi-pais cidades dos países africanos que neste momento não estão em guerra e que beneficiam de uma conjuntura de crescimen-to favorável. Em Lagos, Cidade do Cabo, Pretória, Joanesbur-go e Luanda, por exemplo, há dinheiro e paz e isso fez surgir uma febre de construção civil que na sua ânsia voraz descura o planeamento e ao fazê-lo põe em causa o presente e o futuro daquelas cidades”.

“O que importa é construir e negligencia-se o planeamento urbano e daqui a 20 anos não teremos argumentos para ter-mos cidades atractivas e com-petitivas por exemplo na área do turismo”, diz o escritor, que antecipa que, “daqui a 20 ou 30 anos todos já foram a Lon-dres, Madrid ou Nova Iorque e vão querer descobrir as capitais africanas como Luanda que tem uma arquitectura colonial que importava preservar, quer do ponto de vista histórico, quer do ponto de vista turístico. Se não planificarmos o urbanismo e salvaguardarmos o patrimó-nio, nessa altura nada teremos para mostrar, o que nos fará ser pouco apetecíveis como destino turístico”, conclui.

Page 5: CULTURA.SUL 64 - 6 DEZ 2013

06.12.2013  5Cultura.Sul

Ondjaki conquistou os estudantes olhanenses

fotos: ricardo claro

“ESPECTÁCULO DE NATAL”6 e 7 DEZ |19.30 | Centro Cultural de LagosApresentação de diversas coreografias interpretadas pelos alunos e professores da Escola de Dança de La-gos, das seguintes modalidades: ballet clássico, inicia-ção à dança, dança contemporânea, dança moderna, dança do Egipto, flamenco, hip hop, entre outras

“COMMON GROUND”7 DEZ | 21.30 | Cine-Teatro LouletanoMazgani, escritor de canções, cantor e guitarrista, re-gressa a Loulé com um espectáculo intimista integrado numa digressão que está a percorrer o país, celebrando a sua música de geografias muito personalizadasAg

endar

Panorâmica

“Temos que pensar em que termos devemos definir o pre-sente e em que medida é que as decisões que tomamos defini-rão também o futuro”, entende o escritor, que vê a participação cívica como a forma por exce-lência de encontrar as melho-res soluções, daí a importância de evitar que os povos se tornem transparentes.

Há cada vez mais transparentes no mundo

“Os transparentes são os transparentes para os poderes políticos e económicos instituí-dos e são uma vaga crescente em Angola como o são na Colômbia ou no Brasil, onde vivo há qua-tro anos”.

Para Ondjaki, “há uma ideia crescente no mundo, liderada pelos Estados Unidos da Amé-rica, de que a democracia, tal como a conhecemos hoje, in-dependentemente de estarmos perante um regime parlamen-tar, presidencialista ou semi-pre-sidencialista ou qualquer outro, é um sistema ideal”.

“Não acho que seja, acho que é mais interessante do que cer-tas ditaduras, porque há uma certa representatividade, mas não creio que seja um regime perfeito e fechado sobre a sua perfeição”, defende o escritor, que aposta noutro rumo, “acre-dito cada vez mais nos poderes locais e na proximidade destes com os cidadãos e com as suas necessidades básicas, que só po-dem ser satisfeitas através de um sistema que as conheça, algo a que a actual democracia não res-ponde, porque existe uma enor-me distância entre os cidadãos e os círculos da decisão política”.

“Temos que chegar ao poder local ao nível do nosso bairro, da nossa rua, e temos de ter in-terlocutores válidos na base do sistema político. É importante a eficiência do poder local e é fundamental a sensação de que quem manda somos nós, os ci-dadãos”, preconiza.

“Por outro lado, a democracia, tal como a conhecemos e a des-peito das regras de limitação de mandatos, continua a ser terre-no fértil para a criação e perpe-tuação de poderes”, diz o novo Prémio José Saramago. “É claro

que depois de eleito bastam dois ou três anos para construir uma rede que permita que estando ou não no poder mantenha uma situação de favorecimento pessoal ou do meu partido ou grupo”, refere Ondjaki.

Democracia 1.0

“O que defendo é que nos devemos manter alerta, seja do ponto de vista político, seja filosófico, quanto a todas estas questões e quanto às suas im-plicações e para isso é funda-mental preservar e fomentar a ideia de que a democracia também ela tem de sofrer up-grades”, sublinha.

“Estamos na democracia 1.0 e não podemos acreditar que che-gámos a uma solução suficiente, há lugar para uma democracia 2.0 e 3.0 e por aí em diante. Há sempre lugar para melhorias”, remata.

“No mundo global a demo-cracia é vendida sob medida de acordo com a vontade de alguns imposta a milhões, a democra-cia é exigida ao Iraque de forma diferente daquela que é exigida à China ou à Coreia do Norte. Os Estados Unidos da América lideram este discurso e a Euro-pa embarca volta e meia no mes-mo barco pouco sério”, lembra Ondjaki, defendendo que “nós somos o elo de ligação entre o animal e o homem social e po-lítico, não somos o fim da evolu-ção, somos apenas um dos seus momentos. Com a democracia é o mesmo, não é o fim é um ca-minho e não podemos dar-nos por satisfeitos”, conclui.

“A realidade que se vive em Angola não é neste capítulo muito diferente daquela que se vive em Portugal, na Itália, no Brasil ou nos Estados Unidos da América”, refere o escritor.

“Por isso é que digo que há corrupção em Angola como há em qualquer outra parte do mundo e defendo que não se deve criticar a corrupção em An-gola com se fosse um exclusivo nosso, somos apenas mais um país com a sua corrupção típica.

Em Angola é mais gritante? Talvez seja, mas na China tam-bém o é e sobre a China nin-guém ao nível das esferas do poder fala”, diz Ondjaki.

Em “Os Transparentes”, se-gundo o autor, a personagem Odonato “é a personificação da transparência, é um personagem ingénuo que acha que é possível fazer coisas em Luanda sem di-nheiro, quando até uma crian-ça sabe que para fazer coisas em Luanda é preciso dinheiro e que é necessária uma conversa para-lela à conversa principal e ao sis-tema para se conseguir alguma

coisa”, lembra.

A Luanda de hoje vivida por Odonato

“Este é o nosso modus vivendi

actual, que espero seja provisó-rio e que é fruto de toda uma soma de factores onde se in-cluem 500 anos de ocupação, quase 40 anos de várias guer-ras civis, contra os portugueses, contra a ocupação sul-africana, marcado pelos efeitos das dis-putas associadas à guerra fria. Angola é um país que de facto só está em paz há 12 anos”, re-corda o escritor.

“Estamos no começo das coi-sas e é um começo interessan-te, começamos com dinheiro, com um sistema político que não sei se é uma democracia mas é pluripartidário”, refere Ondjaki, questionando reto-ricamente sobre “onde é que existe democracia, nos Estados

Unidos da América há casos de pessoas que quiseram ser verda-deiramente de esquerda e que vão perdendo tudo e vendo as portas fecharem-se sucessiva-mente, mesmo quando Barak Obama está no poder e se diz ser um presidente de esquerda”.

O olhar do escritor é uma mirada analítica sobre a sua Angola, mas sobre este que é o seu mundo e sobre o cami-

nho que trilhamos e como há tudo ainda por descobrir e por aprender a fazer melhor, de for-ma mais justa e participativa. É esse o desafio que Ondjaki deseja que “Os Transparentes” lance aos angolanos, como aos portugue-ses, como a qualquer cidadão de qualquer país.

Para isso conta já com o peso e a voz que ganha quem é um Prémio José Saramago e o escri-tor tem disso consciência.

“Este prémio é de Angola porque eu ainda estou numa fase em que preciso de dividir os prémios com o meu país”, diz Ondjaki. “Eu formei-me em Angola enquanto indivíduo, estudei sempre em Angola em escolas públicas. Eu tenho essa proximidade com esse univer-so pessoal que é o meu e inclui Angola e neste caso, que é um prémio muito importante, era impossível não o dividir com o meu país, é tão grande e tão sig-

nificativo que não aguento com ele sozinho e dividi-o com Ango-la” sublinha.

“Por outro lado, o prémio é de Angola na exacta medida de que este é um livro também so-bre Angola em que o que tento também é chamar a atenção dos Angolanos convidando-os a ler o livro e a tentarem descobrir se ali encontram razões para conver-sarmos todos sobre o país”, diz.

“Quando me falam sobre An-gola e a política em Angola e a realidade angolana, o que sem-pre digo é que temos que rei-vindicar o direito ao debate, ao espaço de discussão das ideias”, reforça o escritor.

“Esse deve ser o nosso prin-cipal propósito no panorama actual, debater. Em Angola já se pode falar, até se pode falar, só que ninguém ouve. O pro-blema é que os interlocutores que deveriam ser os primeiros a ouvir a a responder porque têm especiais obrigações sobre cada tema discutido, ignoram a discussão e passam ao lado do debate como se nada tivesse a ver com eles”, conclui.

A lusofonia

Para Ondjaki não existe uma lusofonia plena. “Mantenho esta opinião porque ainda não vi uma realidade que me fizesse

ter uma opinião diferente”, refe-re o escritor.

“Existe sim um espaço afecti-vo da língua portuguesa, para o bom e para o mau. Quanto a uma lusofonia que permita antever um espaço económico comum não há no médio ou longo prazo nada que indique essa possibilidade, para além de alguns pequenos privilégios absolutamente incidentais, nem existe ou se pode antever um verdadeiro espaço político e de cidadania comuns” diz.

“Se perguntarmos a qualquer escritor, já não digo a outros quaisquer profissionais, o que é a CPLP?, a resposta é a de que se trata de um grupo de políticos que se reúne em bons hotéis para assinarem qualquer coisa de pouco relevo em termos do que poderia ser feito em prol dos povos lusófonos”, refere o autor.

Mesmo a expressão lusofonia é, diz Ondjaki, “em regra aplica-da para definir pessoas de países africanos e apenas isso, Timor fica tão longe que mal se ouve falar a respeito, Portugal é Eu-ropa, o Brasil é Brasil porque é um poderio emergente e lusó-fonos somos nós, os africanos”, sublinha.

Por isso, diz, “para muitos africanos lusofonia é vista com desconfiança, como a tentativa de recuperar um espaço onde o gigante económico é o Bra-sil, que pouco se importa com lusofonia, o epicentro é o anão Portugal, que tenta recuperar espaço político de manobra no sentido de ganhar alguma influ-ência, Angola é o segundo país em termos de relevo económi-co, mas que tem uma atitude de indiferença face à lusofonia, e o resto é o resto.

“Se queremos brincar aos primos vamos brincar a sé-rio”, diz o escritor e remata com um exemplo que é vivi-do na própria pele: “é inad-missível o que os cidadãos lu-sófonos ainda têm que fazer para circularem e se estabe-lecerem livremente em qual-quer dos países lusófonos. Só isto basta para sabermos que estamos longe de ser uma comunidade na verdadeira acepção do termo”.

Ricardo Claro

Page 6: CULTURA.SUL 64 - 6 DEZ 2013

06.12.2013 6 Cultura.Sul

“LAGOS, OS ESPELHOS DA MEMÓRIA”Até 31 DEZ | Centro Cultural de LagosProcurando dar realce ao acervo da Fototeca Munici-pal de Lagos a câmara local apresenta um conjunto de fotografias e postais ilustrados incidindo sobre a primeira metade do séc. XX. São imagens que retra-tam a cidade e os arrabaldes

“UM NATAL MAIS ECOLÓGICO”Até 31 DEZ | Galeria de Arte Pintor Samora Barros - AlbufeiraExposição de trabalhos executados pelos estabeleci-mentos de ensino, lares e centros de dia do concelho que a partir da utilização de materiais reciclados acei-taram o repto para produzir diversas peças originaisAg

endar

O fantástico mundo encantado de Juliet Marillier

Juliet Marillier, nascida em 1948, na Nova Zelândia, é uma daquelas escrito-ras que, na senda de damas como Ma-rion Zimmer Bradley, está a tornar-se uma autora de culto do género fantás-tico. É claro que escritores que lançam um livro por ano podem ser discutíveis, tal como se podia aqui discutir se todo o tipo de obras do género fantástico cabe efetivamente nesse magnânimo e sempre estranho campo do que é a literariedade. Mas a verdade é que to-dos nós temos os nossos próprios pra-zeres culposos (soa muito melhor em inglês: «guilty pleasures», mas estava a tentar evitar estrangeirismos). Por isso é tão irritante quando certas pessoas andam em transportes públicos com livros forrados de um horrível papel celofane, como quem embrulha uma sandes. Talvez por terem vergonha de revelarem o que estão realmente a ler? Bem, assumo a minha quota parte de culpa. Tenho autores para todos os gostos, mas também sou um adepto desta senhora que, a cada novo livro, consegue surpreender-nos, ainda que ligeiramente, com uma fórmula previa-mente estereotipada. Que é como dizer, por exemplo, que quando se ouve um álbum de Enya ela consegue sempre a proeza de se igualar a si mesma. To-davia, há sempre autores (e pessoas), iguais a si próprios, e que valem por isso mesmo, alimentando certos pra-zeres de pura fruição estética, em que podemos regressar a um mundo que se vai revelando cada vez mais familiar, como quem chega a casa e se encosta num sofá com uma manta e uma chá-vena de chá. Ainda mais agora, quase em pleno Inverno, é reconfortante po-dermos contar com o último romance desta autora neozelandesa, cujas pai-sagens desse ambiente inóspito e pri-mitivista parecem ressaltar nas suas páginas e talvez igualar-se ao mundo céltico dos seus livros, transportando--nos a um sentimento de princípio dos tempos, em que os homens já se orga-nizam em sociedades tribais e clãs, mas são ainda as mulheres quem tece os fios do destino, interligando assuntos

deste mundo e do outro. A ascendên-cia de Juliet Marillier é escocesa e irlan-desa, tendo enveredado pela música, ensinando, interpretando, e trabalhan-do depois, durante cerca de 13 anos, em agências governamentais como a Commonwealth. Até que em 1999 a sua vida muda com Filha da Floresta, livro em que é mais claramente notó-ria a inspiração que a autora bebe em lendas célticas com a fantástica histó-ria de uma jovem que tem de salvar os seus sete irmãos transformados em cisnes por meio das artes maléficas de uma terrível feiticeira. Sendo bem recebida por leitores e críticos entre o público leitor anglófono, seguiram-se outros dois volumes da saga em me-nos de dois anos. Em 2003 dedicou-se completamente à escrita, e enveredou ainda mais longe no folclore das ilhas gaélicas e terras nórdicas, presentean-do-nos com Filho de Thor e Máscara de Raposa.

Consegue ainda ter tempo para acarinhar quatro filhos e seis netos, e ter transformado a sua casa de cam-po centenária, na Austrália, num asilo para cães abandonados. É também membro da ordem druídica, sendo claramente notório um espiritualis-mo associado ao tom elegíaco das suas histórias de jovens donzelas que, sem se aperceberem bem disso, são postas à prova, e vencem as ad-versidades com a natureza singela de um espírito indomável. Nestes livros, que não são livros mas sim trilogias, o tom é quase o mesmo, mas estas jovens têm sempre características marcantes e personalidades vinca-das, que ajudam a demarcá-las de entre um bando de irmãs e primas, pois acabam muitas vezes por se te-cer relações entre a complexa rede de famílias e romances.

Os seus romances combinam fic-ção histórica, fantasia e folclore, len-da e romance, porque, felizmente, estas jovens encontram sempre um amado improvável no decurso das suas viagens e aventuras. Mesmo em A Vidente de Sevenwaters, único livro em que se defende que a castidade é fundamental para manter o dom intacto da jovem rapariga, a jovem psíquica acaba por conseguir conci-liar o seu dom com o seu amor.

Com Shadowfell, um dos poucos tí-tulos não traduzidos para português, foi iniciada outra nova trilogia (ainda que tal não tenha ficado claro nem no início - e provavelmente nem no fim -, mas agora a culpa é das editoras

que andam a publicar ao desbarato, saltando a ordem de certos volumes e sem esclarecer que pertencem a um conjunto maior), agora retoma-da com O Voo do Corvo. Ainda que a autora tenha protelado esse hábi-to, retoma na continuação da saga a mesma protagonista. A jovem Neryn prossegue a sua jornada, com a mis-são e o fardo de ser uma das poucas Vozes que ainda restam, capaz de ver os chamados Boa Gente, que povoam o Outro Mundo, como donzelas das florestas e criaturas feitas de galhos

e rochas, com longos toucados onde se enredam ninhos e aves. Pode assim tornar-se uma estratega ou diploma-ta essencial num mundo em guerra, pois como quase sempre o ambiente fantástico remete-nos para um mun-do medievalizante. Temos, inclusive, como forma de espreitar o mundo da desordem e disputa masculina, o apaixonado de Neryn, Flint, que vive na corda bamba enquanto espião du-

plo, e conduz-nos ao seio do grupo de Rebeldes que se constituiu à margem da corte. Apesar de Neryn e Flint não estarem tão próximos fisicamente como no volume anterior, em que a proximidade e convivência eram eiva-das da desconfiança dela em relação a ele, julgando-o um inimigo, desta feita, agora que se distanciam fisicamente, o amor entretanto desabrochado com um beijo roubado nas últimas páginas,

tornou-se tanto mais forte quanto a distância aberta entre os dois. A força do sentimento que os une não deixa, no entanto, margens para dúvidas, até porque se comunicam em sonhos...

São reveladores e inovadores os epi-sódios protagonizados por Flint, que nos permitem entrar na corte e co-nhecer melhor o rei Keldec. Pode até tornar-se desconcertante observar a duplicidade deste agente infiltrado, empenhado em ganhar a confiança do monarca, mesmo quando se pressen-te que afinal não são os políticos que dão a cara os verdadeiros culpados, mas sim outras “Vozes” conselheiras.

O estilo da autora é escorreito e detém-se nos meandros da natureza humana, dos receios e esperanças, mas sem nunca cair, mesmo sendo as personagens jovens quase-mulheres, em tom lamechas. Transporta-nos para os contos tradicionais da nossa infância (isto fica bem de dizer mas a verdade é que muitos de nós não tivemos esse prazer na nossa primei-ra fase de vida), dentro de um estilo muito característico da autora, que, como dizia no início, nos permite sentir o embalo e um marulhar rit-mado que nos permite evadir por momentos da realidade mais crua para mergulharmos nos recessos do nosso coração. Afinal, homens ou mulheres, não somos todos jovens donzelas em perigo, muitas vezes divididos pela angústia das nossas próprias escolhas e desejos?

Paulo SerraInvestigador da UAlgassociado ao CLEPUL

Letras e Leituras

d.r.

Juliet Marillier é autora de várias obras de literatura fantástica

Page 7: CULTURA.SUL 64 - 6 DEZ 2013

06.12.2013  7Cultura.Sul

Momento

“Adeus”

Foto de Vítor Correia

Cor e criativiade de mãos dadas em mostra fotográfica

A ALFA – Associação Livre Fotógra-fos do Algarve vai dinamizar no pri-meiro semestre de 2014, uma mostra fotográfica onde a criatividade e as cores primárias são as musas inspi-radoras e os participantes podem demonstrar todo o seu talento.

Podem participar nesta iniciativa fotógrafos amadores, sócios e não sócios que são convidados a enviar uma foto por mês independente-mente do tema, tendo sempre pre-sente as cores primárias: branco, ver-melho, verde, azul, amarelo, preto, que vão mudando mês após mês.

E agora? Pois é bastante simples. Para Janeiro a cor eleita é o branco e devem enviar as fotografias durante o mês de Dezembro. Branco é foto-grafar as férias de Natal da família numa estância de esqui, fotografar a neve na Serra da Estrela, é aquela foto da noiva, é a magia das amen-doeiras em flor, é fotografar as cego-nhas, o papa Francisco, é a paz. Tudo é possível.

Mais ainda, em fotografia, balanço de cores refere-se aos ajustes que são efectuados pelo fotógrafo ou pela câmara fotográfica para se obter

imagens com fidelidade de cores próximas àquelas que os objectos apresentam sob iluminação ideal.

O júri escolherá a imagem vence-dora do mês. A foto será publicada no início da página de internet www.alfa.pt, identificada com o nome do autor e a cor correspondente. Além disso, será divulgada como foto pre-miada no facebook, na newsletter e restantes canais da associação.

As restantes fotos serão também colocadas na internet com link a uma página correspondente à mos-tra fotográfica.

A mostra é de acesso gratuito a todos. A intenção é demonstrar os novos talentos fotográficos. Para participar basta enviar a fotografia para o endereço [email protected] com o teu nome completo e o número de sócio, caso aplicável.

No final será realizada uma expo-sição na Galeria ARCO em Faro com as fotografias vencedoras de acesso ao público em geral.

Direcção da [email protected]

d.r.

Espaço ALFA

Page 8: CULTURA.SUL 64 - 6 DEZ 2013

06.12.2013 8 Cultura.Sul

“CONCERTO DE NATAL”21 DEZ | 21.30 | Cine-Teatro LouletanoO cantor Nuno Guerreiro, emblemático vocalista da Ala dos Namorados, volta a pisar o palco da sala de espectáculos da cidade que o viu nascer e irá entoar algumas canções de Natal, bem como os grandes êxitos do grupo Ag

endar “SENTINELAS DE OLHÃO”

Até 31 MAI 2014 | Museu Municipal de OlhãoExposição composta por oito painéis e duas réplicas de torres, cuja temática é centrada num conjunto de estruturas militares de carácter defensivo

Dezembro

Pedro [email protected]

O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N

fotos: d.r.

A Visita

São quase três da tarde e há muito barulho no antigo café do centro da cidade onde es-pero o Jaime. Entretenho-me a ler uma revista do jornal de domingo enquanto ele não vem. Pouco depois chega. Toma uma bica, acende um cigarro lights e diz simplesmente: Vamos?!

Vamos visitar os pais como quase todas as quartas à tarde. Também costumo ir sozinho quando me apetece. Acho que ele faz o mesmo. Deixamos os carros estacionados no centro, junto às ruas das lojas e dos cafés. Fazemos o caminho a pé. Porque é perto e porque gosta-mos de ir assim um ao lado do outro, vagaro-samente, conversando.

Amanhã deve vir muita gente, comenta o Jaime.

Pois. É feriado. É natural. As pessoas aprovei-tam, vou murmurando.

Então e que tal de semana? Não trabalhas hoje, pois não!? Ontem pensei que não me ias ligar, que tivesses ido para Lisboa, Sevilha ou…

Não! Não!Continuas sem ser aumentado… precisas que

te empreste algum?Não!, respondo de novo. Que tens hoje? Estás aborrecido?Apenas sonolência de meio de tarde neste clima

esquisito.Foste sair ontem à noite, é o que é, diz sorrindo.Sim. E depois fiquei a ler até quase de manhã,

confirmo-lhe.Chegamos ao portão. Há bancas a vender

flores e lamparinas e outras coisas que não sei

o que são.Quase nunca trazemos flores. Queres levar

flores?Não! Mas dá qualquer coisa àquele homem ali.

Aponto-o com um gesto de cabeça.O homem disse obrigado ao Jaime, e mais

qualquer coisa que não entendi, e continua-mos o trajecto até à campa onde estão enter-rados juntos. Sentamo-nos numa pedra ali ao lado e cada um de nós deixa-se ficar a falar com eles em silêncio. Às vezes também falamos os dois em voz alta, mas hoje está muita gente em volta. E apenas nos despedimos:

Adeus pai! Adeus mãe! Até depois. Que o meu irmão repete. E vamos embora.

Lá fora confesso-lhe:Tive muitas saudades dos dois esta semana,

mais do que nunca.O Jaime não responde e passado um bocado

pergunta-me se já não ando com aquela rapa-riga que conheceu há uns meses.

Não! Foi trabalhar para Lisboa, informo-o.Queres ir lá jantar hoje?Recuso o convite. Vou jantar fora com o Mário

e o Filipe…Então aparece lá amanhã.Está bem. Depois telefono-te.Ele entra no carro, baixa o vidro automático

e dá-me um cd. Eu agradeço enquanto ele liga o motor. Depois diz:

Ah! É verdade… a Carla foi hoje ao médico. Vou agora buscá-la. Acha que está grávida.

Não temos primos, tios, nem avós. Isso acon-tece. Não estou a divagar, nem a inventar. É de facto assim. Ele tem a mulher com quem vive. São uma família. Eu tenho-o a ele. Mesmo só duas pessoas podem ser uma família.

Paco de Lucia

De seu verdadeiro nome Francisco Sanchez Gomez (21.12.1947), teve pelo lado paterno o espanhol Don António Sanchez, homem de muitos ofícios, entre eles o de guitarrista. Pelo lado materno, estava Luzia Gomes, portuguesa, natural da vila de Castro Marim, ali junto ao Guadiana, onde o grande rio do sul separa o Algarve da Andaluzia. Paco de Lucia nasceu em Algeciras. Ali mesmo onde o mar estreita, para

deixar ver de um lado o Mar Mediterrâneo e do outro o Oceano Atlântico; para avistar a sul o começo da terra de África, e do outro encontrar a velha Europa.

Todas estas dicotomias criaram a sua vincada personalidade humana e artística contagiada pelo ritmo nervoso e histérico do flamenco, mas que é no entanto uma expressão ao mesmo tempo triste, representando como que o grito dos obstinados. É que, quando ouvimos flamen-co, esta música ao contrário do que possa pare-cer, não é só fiesta, mas é também introspecção, é melancolia e fado, só que apresentada doutro modo. Há guitarra, e há canto com origens ára-bes. É também (para além de bem) mal de vida.

Paco (Francisco, filho) de Lucia, tinha pela sua progenitora um amor inabalável. Dedi-cou-lhe dois dos seus trabalhos: «Castro Marin» (1987,philips) e «Luzia» (polygram 1998), to-cados através das recordações dos olhos e das palavras da mãe, que há muito deixara a villa vieja da infância.

Estofo de Maré

fecharam já todas as livrarias da cidadeestão simplesmente de portas e montras cerra-das, ao pó das horasou outros comércios tomaram as suas prateleiras

encerraram as salas dos cinemas da cidade ficam agora os assentos das cadeiras muito tem-po colocados na verticalou esperam por acontecimentos efémeros

vagueio junto ao molhe da doca da cidadeo único lugar ainda dedicado à poesia das ima-gens e das palavrasresta essa biblioteca litoral que respira do mar

… as águas

Depositam ali mesmo no hall de entrada, o pequeno pinheiro, as pinhas resinosas e o aze-vinho que carregavam nos braços, mas com o cuidado necessário para não sujarem os sacos azul claro e castanho ali já prontos para quando muito em breve o momento chegar. Ao serão o pai coloca uma rodela de vinil no prato do gira--discos. Poisa-lhe a agulha nas estrias exteriores. Recosta-se feliz a escutar enquanto os miúdos decoram a árvore. Penduram-lhe enfeites colo-ridos e depois fazem uma coroa de azevinho colocando-a sobre a porta da sala. A brincadeira resulta em cheio. Quando a mãe se assoma à porta, para dizer que vai para o quarto descan-sar, pára sob o arranjo. Logo o pai se levanta e dá-lhe um beijo na boca. Como numa tradição estrangeira que aprenderam num filme. Mas eles também querem a sua parte de mimo antes

de irem para a cama. No dia seguinte Sílvia, David e José prepa-

ram fatias douradas para a mesa do pequeno--almoço quando ouvem os passos arrastados de Maria.

Bom dia mãe! Estávamos à tua espera. Vem ver as prendas.

Bom dia! responde estremunhada. Pergunta: que dia é hoje?

Hoje é dia de…Esperem lá meninos… acho que me reben-

taram as águas.

Litão

Ali em Olhão, no dia da noite de natal (ou quando o filho de Olhão quiser) já o litão (pei-xe seco, a que os autóctones também chamam peixe de couro) foi demolhado e está pronto para ir para o tacho, como prato principal típico da ceia nesta terra de pescadores. Um pouco de azeite, cebola, dentes de alho picados, tomates sem peles nem sementes, salsa, um pouco de filha de louro; batatas cortadas às rodelas; litão. Tempera-se com sal e pimenta, acrescenta-se muito pouca água, tapa-se o tacho e deixa-se cozer. Ele há quem não goste… Mais sobra! E de um dia para o outro ainda está mais apu-rado. À nossa!

Praia de Alvor

No fim do ano as pessoas procuram as pequenas localidades costeiras a sul. Dizem que por aqui os dias são maiores, mais cla-ros, mais brilhantes… mas sobretudo mais quentes. E isso permite-lhes pensar melhor sobre o tempo dos dias que se foram e do que farão no tempo dos que virão. Sei que quando chega esta altura do ano páras de trabalhar, mas não páras de pensar. Até pá-ras só para pensar e não trabalhar. E esco-lhes o destino que te atulha a alma de uma irremediável saudade de estio. Da costa que te serve de ancoragem. O aqui, onde sabes que sempre estou.

Page 9: CULTURA.SUL 64 - 6 DEZ 2013

06.12.2013  9Cultura.Sul

Bem mais saudáveis do que a fast--food, os micro e-books estão aí para ficar. Basta deambular pela Internet para perceber que a short reading, inspirada nos singles musicais, está ganhando nos últimos tempos um crescente impacto junto dos aman-tes da leitura e das novas tecnologias.

Numa era em que abundam os conteúdos curtos, fragmentados, precisos – é pertinente a analogia com um postulado da Física: maior brevidade = maior intensidade –, os “singles de ler” (como são apelidados no Brasil) ou mini e-books (nos EUA) revelam bem como os hábitos de lei-tura de muitos indivíduos têm vindo a incorporar a chamada snack culture,

em que predomina o formato M&M’s. Se civilizacionalmente, depois da

oralidade dos primórdios, a escri-ta permitiu conteúdos mais longos e precisos, não tão dependentes da memória, agora chegou o tempo das mensagens curtas, ainda mais preci-sas, como apontava há tempos um criativo brasileiro.

No caso dos singles para leitura, trata-se, geralmente, de textos maio-res do que um post/notícia e menores do que uma novela ou conto conven-cionais, empacotados em formato digital para consumo portátil e de fácil/cómodo acesso, e que podem ser lidos no WC, na cama, nos trans-portes públicos ou na sala de espera do médico.

Basta atentar, por exemplo, na organização TED, a qual fomentou algumas das primeiras publicações deste tipo, replicando assim a abor-dagem sintética dos seus mediáticos talks. Os chamados TED BOOKS são produzidos a partir das conhecidas conferências e apostam na origina-lidade, provocação e criatividade, es-tando vocacionados para a difusão de ideias inovadoras e cativantes. Apre-sentam uma média de 20 mil pala-vras por e-book, tamanho suficiente para, na opinião dos promotores, produzir uma narrativa poderosa e atractiva e, ao mesmo tempo, passível de ser lida de uma assentada.

No site da Amazon os KINDLE SIN-GLES estão também a ganhar cres-centes adeptos. A um preço unitário muito barato, pode aceder-se na sto-re da KINDLE a publicações em áreas como Arte & Entretenimento, Ensaios e Ideias, Ficção (categoria com maior número de oferta), História, Humor, Sociedade, Ciências, entre outras. Este formato pretende divulgar ideias e temas realmente persuasivos, crite-riosamente pesquisados, bem arqui-tectados e com uma ilustração de qualidade.

Além dos mini e-books que já

nascem, à partida, em formato textualmente reduzido, há ainda editoras que, a nível de estratégia de marketing, têm vindo a apostar gradualmente no lançamento de livros-miniatura (uma espécie de redução inicial ou amostra [tea-ser] de uma obra mais vasta) para abrir o apetite do público-alvo para o surgimento posterior do “prato principal”. Estas versões curtas ou pequenos trechos são mais baratos e mais rápidos de ler, dando visi-bilidade antecipada aos autores e criando um inquietante horizonte de expectativa entre os leitores. Isto porque o menos pode, de facto, ser mais…

A Arqueologia no concelho de Olhão

Localizado sensivelmente a meio da Ria Formosa, o concelho de Olhão, tem vindo a ganhar o seu espaço como des-tino turístico no Algarve. Este aumento no fluxo de turistas, deve-se sobretudo à beleza natural proporcionada pela Ria Formosa, à sua gastronomia composta por uma variedade de sabores, à singu-laridade da arquitectura de expressão cubista, mas também, à diversão pro-porcionada pelos grandes eventos, que animam as noites quentes de Verão. Para muitos, a realidade cultural do concelho de Olhão é apenas esta; a face mais visível, o lado mais mediático.

Quem vive ou trabalha em Olhão, lerá esta afirmação com alguma desconfian-ça, pois reconhece uma outra realidade inegável.

Foi feito um claro investimento em infra-estruturas culturais: o Auditório, a Biblioteca, ou o Museu Municipais, ser-viram de rampa para o surgimento, de um certo sentimento de “necessidade cultural ”. Estes equipamentos deram a conhecer outras realidades, e formaram novos públicos cujo gosto não se cinge só ao binómio sol/praia – este público aprecia teatro; vai a exposições e assiste às apresentações de livros de uma forma bastante regular.

Os primeiros passos

A arqueologia, por seu lado, está muito longe destas realidades. De uma forma geral, os primeiros trabalhos de cariz arqueológico têm início no séc. XIX e XX, com Estácio da Veiga e Santos Ro-cha. Estes dois arqueólogos iniciaram um levantamento exaustivo do poten-cial arqueológico no actual espaço do concelho, com especial incidência no período compreendido entre o séc. I e IV d.C.. Desta época, localizaram estrutu-ras e vias de comunicação e recolheram vestígios materiais da presença humana por todo o espaço concelhio.

No entanto, o destaque foi para o es-tudo daquele que é um dos sítios mais emblemáticos e menos conhecidos do Algarve em contexto da presença latina, desde o séc. I. d.C.: a Quinta de Marim.

A realidade arqueológica e científica actual

Em meados da década de noventa, do século XX, o então Instituto Português do Património Arquitectónico e Arque-ológico (IPPA), realizou um levantamen-to dirigido por Teresa Marques e Ana

Cristina Araújo: a carta arqueológica de Portugal. Este importante trabalho não esqueceu o território olhanense. Na verdade, deu-lhe uma nova perspectiva cronológica, localizando não só sítios de cronologia romana, presentes em maior número em levantamentos an-teriores, mas acaba por situar outros cro-nologicamente mais antigos, como é o caso da gruta da Ladroeira Grande, até então desconhecidos da comunidade científica. Outro exemplo, são as referên-cias às épocas medieval islâmica e cristã, através da identificação de um conjunto de estruturas de carácter defensivo – as

torres de Atalaia – cuja utilização efec-tiva padece ainda de caracterização.

A década de noventa do séc. XX, re-gista também, um acréscimo, no que respeita aos trabalhos arqueológicos realizados no concelho. No ano de 1998, são levadas a cabo novas esca-vações na já referida Quinta de Marim, que reposicionam um conjunto de es-truturas relacionadas com a produção de garum e outras de carácter religio-so. Nos anos seguintes, este local foi alvo de mais três intervenções com re-sultados muito positivos e conclusivos.

O conhecimento do potencial ar-queológico do concelho passa tam-bém pelo acompanhamento de obras, que se encontrem a decorrer em zonas sensíveis ou de interesse arqueológi-co. Estes trabalhos, necessariamente

menos aprofundados, têm no entanto, ajudado a completar o mosaico arque-ológico do concelho, sendo uma parte importante do trabalho científico.

O quadro geral de trabalhos de inves-tigação arqueológica do concelho que tentamos traçar, não se cinge, contudo, ao meio terrestre. Em 2006, inicia-se o estudo da Fortaleza de São Lourenço. Um sítio arqueológico, construído em meados do século XVII, e que se encon-tra situado em plena Ria Formosa, jun-to à actual barra velha. A especificidade da localização deste sítio levou à inter-venção de uma equipa especializada

em arqueologia em meio aquático. Este trabalho inédito no concelho, só foi possível, através da formação de uma parceria, entre universidades nacionais e estrangeiras e a Câmara de Olhão.

Esta síntese, não reflecte na totali-dade o trabalho desenvolvido pelos técnicos de Arqueologia e de Patrimó-nio – na elaboração de uma carta ar-queológica do concelho ou no levan-tamento do património imaterial, só para citar dois exemplos.

O longo caminho que ainda falta percorrer, será feito ao lado da comu-nidade. O diálogo resultante desta união, será certamente bastante po-sitivo, e contribuirá para um conhe-cimento ainda maior da história de Olhão.

Espaço ao Património Sala de leitura

foto: h.o.

Hugo OliveiraTécnico superior na áreade Arqueologia,na Câmara de Olhão

Paulo PiresProgramador Culturalno DepartamentoSociocultural do Municípiode [email protected]

Atalaia Quinhentista de Bias

Fast-books

foto: d.r.

Os Ted Books apostam na originalidade

Page 10: CULTURA.SUL 64 - 6 DEZ 2013

06.12.2013 10 Cultura.Sul

Na senda da Cultura

A cultura é em si mesma um va-lor inestimável e a música enquanto expressão cultural também, natu-ralmente, o é. Nesta perspectiva e por si só a actividade da Orquestra Clássica do Sul é um trabalho de meritório relevo, mas tudo ganha um novo ângulo quando se junta à criação cultural a responsabilidade social e se faz do muito que a or-questra faz em prol dos seus públi-cos ainda mais.

Há um agigantar da herdeira da Orquestra do Algarve que passa por ser, agora, a orquestra de to-das as gentes a sul do Tejo e esta majoração do âmbito da orquestra encerra em si um enorme desafio a que os responsáveis da instituição se não fizeram rogados. Sob a di-recção artística do maestro titular, Cesário Costa, a orquestra supera as expectativas e procura dar uma resposta à sua nova realidade, ul-trapassando aquilo que à primeira vista seriam as responsabilidades de índole social.

Prova deste novo estar é a demons-tração de uma crescente responsabi-lidade social da instituição para com aqueles que são no fim de contas o seu público natural e nota disso é o ciclo de concertos Música em Comu-nidade que a orquestra levou a cabo entre 20 e 22 de Novembro.

Pela mão dos músicos da Orques-tra Clássica do Sul a música clássica abriu as portas de unidades hospi-talares a sul do Tejo e na Andaluzia e deu asas ao encanto e aos sorri-sos de quem enfrenta dificuldades de saúde ao som de notas musicais solidárias.

Almada, Faro, Beja e Huelva fo-ram os palcos escolhidos pela or-questra para dar início a esta nova forma de abordagem do conceito de proximidade e de aproximação aos públicos.

O Hospital de Faro e o Garcia de Horta em Almada receberam um quarteto de cordas que interpretou obras de Mozart, Pachelbel, Schu-bert e Scott Joplin, com os músicos Laurentiu Simões e Emil Chitakov, violinos, Ivetta Naztkaya, em viola, e Vasile Stanescu, no violoncelo, a serem os protagonistas de momen-tos únicos.

Já o Hospital José Joaquim Fer-

nandes de Beja e o Hospital Juan Ra-mon Jimenez de Huelva, acolheram um quinteto de sopros, composto pelos músicos Stefania Bernardi, flauta, Eun-Hee Sohn, no oboé, Pe-dro Nuno, no clarinete, Joaquim Moita, no fagote e Thomas Gomes, na trompa, que deram som a obras de Haydn, Farkas Ferenc e Daniel Léo Simpson.

De acordo com a Orquestra Clás-sica do Sul, este projecto é o primei-ro de um conjunto de intervenções no plano social que a formação pretende desenvolver em conjunto com os mais diversos parceiros. Nes-te caso específico “aproveita-se o pa-pel terapêutico que a música pode ter junto dos diferentes grupos etá-rios abrangidos: crianças, pessoas em cuidados continuados, doentes em geral, bem como profissionais da área médica”.

Neste caminho de responsabili-dade social para com todos aque-les que são ouvintes potenciais da orquestra, numa busca pela não discriminação no acesso à cultura, a Orquestra Clássica do Sul ‘inva-diu’ as enfermarias e fez a música clássica chegar mais longe, a pa-cientes oncológicos, crianças e jo-

vens em tratamento nas unidades pediátricas.

Concerto solidário Apatris

Entretanto e porque a responsabi-lidade social e a solidariedade não podem ser incidentais, a Orquestra Clássica do Sul agendou já para esta sexta-feira, 6 de Dezembro, um con-certo beneficente a favor da APA-TRIS - Associação de Portadores de Trissomia 21 do Algarve.

O maestro António Saiote dirige a Orquestra Clássica do Sul no pal-co do Teatro das Figuras em Faro, pelas 21.30 horas, onde marcará presença o solista Rui Baeta, barí-tono, e onde o programa promete obras de Mozart (Abertura de Don Giovanni, “Deh, vieni, alla finestra”, de Don Giovanni, e “Hai Gia Vinta La Causa”, de As Bodas de Fígaro), Bizet (“Votre toast, je peaux vous le rendre”, de Carmen e Jeux d’enfants, Op. 22, Petite Suite), bem como de Edward Elgar (Nimrod, Variações Enigma, Salut d’Amour, Op. 12 e Elegia, Op. 58), Alain Oulman (Ma-drugada de Alfama e Gaivota), Fre-derico Valério (Boa Nova) e Brahms (Danças Húngaras nº 1, 5 e 6).

Imperdível a proposta da Orques-tra Clássica do Sul para esta sexta--feira e indispensável a ajuda que pode dar à APATRIS com a presença no concerto.

Até ao início de 2014 a orquestra apresenta-se ainda em concertos de Natal em Setúbal, no dia 13, no Fó-rum Municipal Luisa Todi, em Aya-monte (Espanha), no dia seguinte no Teatro Cardenio, em Quarteira, no dia 15, na Igreja de São Pedro do Mar, ainda, em Lagos, no Centro Cultural local, no dia 20, seguindo--se, no dia 21, em Tavira, o concerto de Natal a realizar na Igreja do Car-mo e finalmente o de Faro, que terá lugar dia 22, no Teatro das Figuras.

Para o Ano Novo estão agenda-dos os concertos de Loulé, dia 1, no Cineteatro Louletano, e de Beja, no teatro Pax Julia, no dia 2.

A 5 de Janeiro a Orquestra Clássica do Sul regressa a Faro

e ao Teatro das Figuras para o tradicional Concerto de

Reis, que terá lugar pelas 18 horas.

Ricardo Claro

Orquestra Clássica do Sul: a música como palco da responsabilidade social

fotos: d.r.

zzz

“RECORDANDO ALBUFEIRA”Até 31 JAN 2014 | Edifício dos Paços do Concelho de AlbufeiraMostra de fotografias antigas que fazem parte da co-lecção de Henrique Ferreira. As temáticas são muito variadas com prevalência para aspectos panorâmi-cos, arquitectónicos e urbanísticosAg

endar

“CONVERSA… INFORMAÇÃO… COMUNICAÇÃO”Até 21 DEZ | Centro de Experimentação e Criação Artística de LouléExposição reúne os artistas António Dias e Charlie Holt que começaram a trabalhar em colagens há dois anos. Estas colagens formaram um diálogo entre os dois artistas que levou à presente instalação

Cesário Costa, director artístico da Orquestra Clássica do Sul

Page 11: CULTURA.SUL 64 - 6 DEZ 2013

06.12.2013  11Cultura.Sul

Ondjaki – Os TransparentesDa minha biblioteca

Adriana NogueiraClassicistaProfessora da Univ. do [email protected]

“LENITA VISITA OLHÃO”Até JUN 2014 | Casa João Lúcio – OlhãoAtravés de uma pequena história em banda dese-nhada, são dados a conhecer os locais mais emble-máticos de Olhão, quer pelo seu valor histórico, pa-trimonial e cultural, quer pela sua importância no desenvolvimento económico-social da cidadeAg

endar

“CONCERTO DE DINO D’SANTIAGO”13 DEZ | 21.30 | Cine-Teatro LouletanoNo dia em que celebra o seu 31º aniversário, o can-tor fará ecoar os sons de “Eva” no concelho que o viu nascer, naquele que será o primeiro espectáculo em Portugal após o lançamento do seu novo disco

Há cerca de um mês, a 5 de novembro, Os transparentes, romance do escritor angolano Ondjaki, foi anunciado como o vencedor do prémio literário «José Saramago 2013», galar-dão que distingue escritores de língua portuguesa com menos de 35 anos. E há pouco mais de uma semana Ondjaki esteve no Algarve. Quem teve o privilégio de o ver e ouvir pôde apreciar o grande conta-dor de histórias que ele é. Ape-sar da sua idade, imaginamo--nos como crianças a escutar um mais-velho, com toda a sua sabedoria de uma longa vida, a falar de um povo que luta para não ser transparente.

«era um prédio,talvez um mundo»

O romance, de 427 pági-nas, tem 9 divisões de folhas negras com letras brancas, como se fossem nega-

tivos de fotografias, onde se vê a realidade de outra maneira. É assim que o livro começa e acaba. A preto e branco, con-trastando com o que vamos lendo, a branco e preto. O tex-to dessas páginas vai fazendo sentido ao longo do livro. São sensações de personagens, saber do povo, anotações do autor, textos que nunca nin-guém leu. Como o primeiro, que contém apenas 3 linhas «do bilhete amarrotado de Odonato», que nos dá acesso a um conteúdo lido apenas por nós, ali, pois o papel foi ingeri-do, «letra por letra, palavra por palavra» (p.422), por um galo.

«era um prédio, talvez um mundo

para haver um mundo bas-ta haver pessoas e emoções, as emoções, chovendo interna-mente no corpo das pessoas, desaguam em sonhos» (p.75)

Com estas palavras, o nar-rador consegue descrever as pessoas boas desta história: os habitantes de um prédio e aqueles que o visitam, um pré-dio que escolhe quem acolhe, que tem água a escorrer em permanência pelos degraus e paredes, que refresca os cor-pos cansados dos seus mora-dores. Um prédio onde ainda se oferece um copo de água fresca ou um prato de comi-

da a quem os pede, sem nada em troca.

Mas, ao contrá-rio destas páginas, o mundo não é todo a preto e branco ou bran-co e preto.

Há outras personagens (sempre, de alguma maneira, ligadas a este prédio) que es-tão em níveis diferentes: por exemplos, os gémeos Des-taVez e DaOutra, fiscais de ministérios (nunca se sabe qual ou quais), sobrinhos de SantosPrancha, Assessor do Ministro, apresentados num registo quase cómico, sempre a tentar explorar o povo e a in-ventar esquemas para ganhar dinheiro à custa dos outros. O próprio SantosPrancha (até pelo nome, a remeter para Sancho Pança) é uma sátira, um boneco de todos os asses-sores que, infelizmente, não existem só em Angola.

Como não é só em Angola que existem personagem tene-brosas como as do senhor Cris-talino, homem discreto, que não quer protagonismo, mais culto e educado que a maio-

ria, que consegue do governo a concessão da distribuição de um bem vital: a água. Quando todos se distraem com a pros-peção de petróleo no subsolo de Luanda, esburacando a ci-dade e abalando as suas fun-dações, Cristalino aproveita os canais abertos para instalar uma rede, privada, de abaste-cimento de água. E, como na vida real, nada acontece a este homem sinistro.

Fora do prédio há gatunos que matam por um telemóvel e ladrões azarentos que sem-pre se deixam capturar e que são espancados e, alguns deles, mortos. Há um bar, o BarcaDo-Noé, de um senhor chamado Noé que tinha uma arca frigo-rífica que nunca se desligava, mesmo quando a luz faltava. Nesse bar paira uma persona-gem, o Esquerdista, que tem um discurso, entre as pp. 252-

255, que vale a pena ler e do qual destaco apenas uma frase, que lembra o poema de José Gomes Ferreira, musicado e orquestrado por Lopes Graça: «acordem, homens…»

E quando percebe que não o querem ouvir, diz, «com ar iró-nico, e triste, e desapontado, e sério (…) – durmam, enquanto vos anestesiam com doses de suposta modernidade!»

Mas, afinal, quem são os transparentes?

Nesta história há apenas uma personagem, Odonato, que está a tornar-se, literal-mente, transparente. No en-tanto, apesar de ele ser o único para quem todos olham com surpresa, os verdadeiramente transparentes são muito mais. Odonato tornou-se uma metá-fora viva (pp.281-4):

«Odonato arregaçou as mangas e a jornalista teve de disfarçar o susto, os seus bra-ços estavam ainda mais trans-parentes do que o seu rosto, eram visíveis, perfeitamente visíveis os movimentos dos ossos e o fluxo do sangue que corria de um canto do corpo para o outro, os tendões obe-decendo aos movimentos dos nervos, ou talvez o inverso (…)

– como é que começou?– (…) começou com a fome.

tinha fome e não tinha o que comer

– aqui em Luanda, neste prédio? há sempre uma mão amiga

– mas é que eu estava farto de comer de mão amiga. que-ria comer da mão do meu go-verno, mas não comer como os governantes comem, queria comer com o fruto do meu tra-balho, da minha profissão (…)

– fui comendo cada vez me-nos para que os meus filhos pudessem comer o pouco que eu não comia. e foi assim (…)

– a transparência é um sím-bolo. (…) um homem pode ser um povo, a sua imagem pode ser a do povo…

– e o povo é transparente?– o povo é belo, dançante,

arrogante, fantasioso, louco, bêbado… Luanda é uma cida-de de gente que se fantasia de outra coisa qualquer

– não é o povo que é trans-parente… – tentou a jornalista

– não, não é todo o povo. há alguns que são transparentes. acho que a cidade fala pelo meu corpo»

Apesar de o final parecer apocalíptico, este livro revela uma profunda crença no ser humano e na capacidade de salvação:

«nós somos a continuidade do que nos cabe ser. a espécie avança, mata, progride, de-sencanta, permanece. A hu-manidade está feia – de aspe-to sofrido e cheiro fétido, mas permanece

porque tem bom fundo»

Ondjaki (2012). Os transparentes.

Lisboa: Caminho.-

fotos: d.r.

O escritor angolano Ondjaki venceu o prémio literário José Saramago 2013

Page 12: CULTURA.SUL 64 - 6 DEZ 2013

06.12.2013 12 Cultura.Sul

O ambiente de contingên-cia financeira que vivemos faz esquecer que os desafios das políticas culturais não são propriamente orçamen-tais mas sobretudo estratégi-cos. Os criadores não podem continuar a produzir cultura como se o fizessem somente para si próprios e de costas voltadas para o público, como se a este fosse exigido situar--se num patamar cultural mí-nimo para poder, só então, ter acesso à produção cultural «de qualidade».

Sendo essencial promover a formação de públicos, é necessário investir em edu-cação para a cultura de uma forma coordenada entre as respetivas tutelas, e não ape-nas investir em equipamentos escolares, por um lado, e, por outro, em equipamentos cul-turais sem promover projetos concertados geradores de há-bitos culturais.

Também os espaços patri-monializados e os equipamen-tos que lhes estão associados (infraestruturas museográficas nos monumentos, centros de interpretação, museus de sí-tio) podem desempenhar um papel importante na progra-mação de atividades educati-vas: na mediação de saberes, na conceção e curadoria de exposições, na mobilização de recursos, mormente vo-luntariado, e na angariação de financiamentos.

Mais do que serviços edu-cativos que estendam para os equipamentos culturais os curricula e a pedagogia dos equipamentos de aprendiza-gem formais, necessita-se, em espaços de aprendizagem in-formal, de projetos educativos que estimulem a criatividade,

formem o gosto e incentivem as práticas e os hábitos de con-sumo culturais.

Neste âmbito, a Direção Re-

gional de Cultura do Algarve tem procurado promover al-guns projetos educativos diri-gidos ao público em idade es-colar, quer em colaboração com alguns dos museus da região (de que é exemplo o projeto

educativo para os Monumentos Megalíticos de Alcalar, desenvol-vido em parceria com o Museu de Portimão), quer em parceria

com organismos não governa-mentais (de que é exemplo o projeto «Lugares Mágicos», de-senvolvido em parceria com o Ateliê Educativo).

Direção Regionalde Cultura do Algarve

Espaços patrimonializados e ação educativa: um desafio estratégico

d.r.

No Algarve, é frequente que se reivindique a requalificação de equipamentos escolares e a criação de novos equipamentos culturais. Contudo, subestima-se o uso dos lugares pa-trimonializados como espaços informais de atividades geradoras de hábitos culturais. E menospreza-se a necessidade de promover ações concertadas entre a comunidade esco-lar e os criadores, que são geradoras de hábitos culturais

PUB

Real MarinaHotel & Spa

Criamosmomentos

únicospara si

Real Marina Hotel & Spa - OlhãoInfo e reservas Spa:

289 091 310 - spa @realmarina.com

d.r.

d.r.