cultura.sul março31

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10 | MAR | 2011 • Nº 31 • Mensal • Este caderno faz parte integrante da edição nº1024 do POSTAL do ALGARVE e não pode ser vendido separadamente MARÇO • Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO 10.196 EXEMPLARES www.issuu.com/postaldoalgarve Aljezur: Arqueologia entre as apostas do município » p. 10 e 11 Viviane de novo a solo » p. 4 e 5 • Música

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2» Simplex Dictum: Sacudir a culpa »momento.S: Tango, Vítor Correia »blogosfera.S: Corpos Suados, Jady Batista - 3» Cineclubes de Faro e Tavira - 4/5»panorâmica.S: Viviane percorre "Pequenas Gavetas do Amor" - 6» Espaço AGECAL: "Associações Culturais", o parente pobre da gestão cultural?..., Paulo Cunha » Factor Desenvolvimento: Arte contemporânea: entre paixão e investimento, Cristian Valsecchi - 7»palco.S: Estreia da obra musical nas comemorações do Dia Mundial da Água - 8»museu.S: Museu do Mar e da terra da Carrapateira, Isabel Soares - 9»livro.S: Álvaro de Campos, o engenheiro de Tavira, Adriana Nogueira - 10/11»políticas: Entrevista com José Amarelinho - 13»baú.S: Beleza a quando obrigas! + Jornais de Tavira, Joaquim Parra -14/16» Espaços: ALFA promove o património cultural, Vítor Azevedo » Educação: A tecnologia ao serviço de um ensino melhor » Cultura: Algarve: que paisagens culturais? » António Pina Convida: José Martins Cabrita, O papel dos municípios do Algarv

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MARÇO • Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO 10.196 EXEMPLARESwww.issuu.com/postaldoalgarve

Aljezur: Arqueologiaentre as apostas do município » p. 10 e 11

Vivianede novoa solo

» p. 4 e 5

• Música

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Cultura.Sul10.03.2011 2

momento Vitor Correia

A viagem Caminhos... percorridos,por ali por aqui.Acompanhados,por palavras escritasentre caminhos sombriosde destinos abandonados.

Ergo-me perante a manhãde uma noite que me abandona,sinto a melodia de um novo diasem a certeza de um amanhã.

Abraço a incerteza,deste novo desafi o…Onde a novidade é sentençapara as palavras cansadas,abraçadas a um calor que antes era frio.

Percorro como cidadão do mundoas últimas palavras, em viagensque não duram mais que um segun-do.

Quero mais!!!

Quero a terra molhada nas minhas mãos

O espectáculo "Perfume de Tango" pelo grupo Mariel Martinez Tango Quintet

blogosfera

quero o ar quente a percorrer a minha peleo suor a escorrer...Quero viver sem morrerentre cansadas ilusões.

Vou partir... pelo mundo foraentregar e receber a históriade braços abertos... como as palavrasque antes guardava para mim.

Entrego-me ao mundo....Sem esperar nada em trocaApenas o mundo de volta.

http://corpos-suados.blogspot.com/

Um espaço que dá relevo a uma fonte de actividade literária que fervilha, muitas vezes, à margem dos circuitos convencionais.

Jady Batista

Simplex dictum

Ficha Técnica

Sacudir a culpa!

Já lhe ouvi chamar Geração Nem Nem, À Rasca e Desen-rasca. Agora dizem dela que é Parva.

Precede-a uma geração que alguém designou de Rasca, na qual me vi incluído sem que me tivesse inscrito ou alguma vez pago as quotas.

Parece que a culpa é da geração anterior que recebeu, de uma ge-ração oprimida, tudo de bandeja, salteado com liberdade e regado com esperança de futuro.

Ao que parece, com tudo o que tinha não foi capaz de ge-rar melhor do que uma Geração Rasca.

Os velhos culpam os novos e os novos culpam os velhos. Jun-tos culpam os políticos, que se culpam uns aos outros. Sacudida a culpa. Somos todos boas pes-soas, vítimas das inevitabilidades externas.

Não há nada a fazer, é a vida!

A geração anterior mostrou o rabo. Esta sente que lhe

viraram as costas.

A designação Rasca ofendeu os visados. Já os Parvos, autopro-clamados, cantam a uma só voz. Unidos.

«Agora sim, temos a força toda! Agora sim, há fé neste querer! Agora sim, só vejo gente boa! Vamos em frente e havemos de vencer!

Agora não, que me dói a bar-riga... Agora não, dizem que vai chover... Agora não, que joga o Benfica... e eu tenho mais que fazer...»

Ó Deolinda… estavas a can-tar tão bem e já desafi naste.

Se é para te queixares que és parva a malta até acorda e canta contigo. Agora, se vens refl ectir na culpa, a malta vira-se para o lado.

Direcção:GORDAAssociação Sócio-Cultural

Editor:João Evaristo

Paginação:Postal do Algarve

João EvaristoEditor Cultura.Sul

Colaboradores:António Pina, Cineclube de Faro, Ci-neclube de Olhão, Cineclube de Tavi-ra, AGECAL, Paulo Cunha, Cristian Valsecchi, ALFA, Vitor Azevedo, Ana Paula Ferreira Aço, Elisete Santos, Marta Dias, Joaquim Martins Cabrita, Adriana Alves.

Responsáveis pelas secções:» panorâmica.S: Ricardo Claro» blogosfera.S: Jady Batista» livro.S: Adriana Nogueira» palco.S: João Evaristo» momento.S: Vítor Correia» baú.S: Joaquim Parra» políticas.S: Henrique Dias Freire» museu.S: Isabel Soares

Parceiros:Direcção Regional de Cultura do Al-garve, Direcção Regional de Educação do Algarve, Postal do Algarve.

e-mail: [email protected]

on-line: www.issuu.com/postaldoalgarve

Tiragem:10.196 exemplares

Page 3: Cultura.Sul Março31

3Cultura.Sul10.03.2011

Um ciclo que ajuda a refl ectir sobre a mais pura das essências cinemato-gráfi cas: ser mentira. Mentira porque ilusão óptica, mentira porque falsa narrativa, mentira porque qualquer um, em frente da câmara, não é ele próprio mas quem ele representa – mesmo que se represente a si mesmo. E, contudo, da verdade de tudo isto. Porque mal a mentira se instala no ecrã, é a verdade, a sua verdade, que vemos desfi lar.

O caso mais extremo deste Ciclo é o fi lme que o inicia – amado e odiado, este falso documentário com Joaquin Phoenix ter-lhe-á dado o papel da sua vida mas, quem sabe, terá sido a sentença de morte da sua carreira de actor. Porque entre demonstrar que todos somos manipuláveis desde que haja credibilidade naquilo que vemos, até ao desgosto por o termos sido por motivos provavelmente gratuitos, vai a distância ínfi ma que cobre a admi-ração ao asco. Um fi lme estimulan-temente polémico. O Mágico, esse, sobre um ilusionista-sr-hulot, baseado num argumento original do próprio Jacques Tati que Chomet homena-geia de forma tão sensível e terna, é a aguardada estreia de um dos melhores realizadores de cinema de animação do mundo. E se as 56 curtas, secas, hilariantes e surreais histórias de Tu

que vives apontam para o limite da inverosimilhança, Dos Homens e dos Deuses dizem-nos que desejávamos que fosse mentira um caso real tão brutal como o relatado.

Quanto à Sede, estará viva, às 4f

à noite, para confrontarmos os três primeiros fi lmes de Iñarritu com o seu último Beautiful, que tanta bola preta mereceu dos críticos em lugar das várias estrelas que os anteriores arrecadaram…

CICLO A VERDADE DA MENTIRAIPJ ‒ 21H30

7 MAR | I m Still Here, Casey Affl eck, EUA, 2010, 107’, M/16

14 MAR | Tu Que Vives, Roy Andersson, Suécia/ Alemanha/ França/ Dinamar-ca/ Noruega/Japão, 2007, 95 , M/12

21 MAR | O Mágico, Sylvain Chomet, Reino Unido/ França, 2010, 80’, M/6

28 MAR | Dos Homens e dos Deuses, Xavier Beauvois, França, 2010, 120’, M/12

CICLO BEAUTIFUL IÑÁRRITUSEDE - 21H30 ‒ ENTRADA LIVRE

9 MAR | Amor Cão, Alejandro González Iñárritu, México, 2000, 147’, M/12

16 MAR | 21 Gramas, Alejandro Gonzá-lez Iñárritu EUA, 2003, 124’, M/16

23 MAR | Babel, Alejandro Gonzá-lez Iñárritu, EUA/ México, 2006, 142’, M/12

CICLO EH COMPANHEIROS, AQUI ESTAMOS!

55º aniversário 21H301 ABRIL l Os Dois da Nova Vaga, Em-manuel Laurent, França, 2010, 91? 4 ABRIL l Filme-Socialismo, Jean-Luc Godard, Suíça/França, 2010, 101?6 ABRIL l 55º aniversário - Festa na Sede com Leilão de Cartazes

Horário de Funcionamento:3ª, 4f e 6f - 10h30-12h30//14h30-17h30email: [email protected]: http://cineclubefaro.blogspot.com/ (aberto a todos)site: www.cineclubefaro.com (contém bases de dados de fi lmes exibidos e de livros e fi lmes propriedade do CCF)

NOVA MORADA:PRACETA FRANCISCO BRITO DO VALE, LOTE J, R/C, LOJA A8000-327 FAROtel: 289 827 627

A Verdade da Mentira

ÓSCARES

cinema

Como acontece com todos os pré-mios de Cinema, Literatura e outras Artes, também os Óscares da Aca-demia em Hollywood nem sempre são uma garantia de cinema de qua-lidade. Este ano é algo diferente: no passado domingo (27/02) a maioria dos Óscares parecem ter sido bem entregues. Apenas tenho alguma

dificuldade com pelo menos um deles: enquanto havia vários ou-tros candidatos merecedores (cuja maioria nem sequer foi nomeada), o prémio de Melhor Filme de Lín-gua Estrangeira foi para Hæven (In a Better World – Num Mundo Melhor) da dinamarquesa Susanne Bier. O fi lme já tinha sido premiado

nos Globos de Ouro... Apareceu também na secção competitiva do último Festival em Tallinn (Es-tónia), onde não ganhou nenhum prémio (...), desilude pela forma de-masiado americana de tratamento do tema e pela fraca qualidade de direcção de actores e dos diálogos. Enfi m, gostos e cores...Enquanto esperamos disponiblidade de cópias para exibição em Tavira de e Kings Speech, Another Year, Blue Valentine, A Winter’s Bone, Budapeste e muitos outros, tam-bém neste mês de Março teremos fi lmes a não perder no Cine-teatro tavirense! Um destaque especial para uma raridade no panorama da exibição nacional: um fi lme búlga-ro chamado O Mundo é Grande e a Salvação Espreita ao Virar da Esquina; A última realização do irianiano Abbas Kiarostami Copie Conforme (com uma impressio-nante Juliette Binoche!) e mais um fi lme argentino: El Ultimo Verano de la Boyita. Razões mais do que sufi cientes para largarem o portá-til e deslocarem-se ao Cine-teatro António Pinheiro. Até lá!

Sessões RegularesCine-Teatro António Pinheiro | 21.30

3 MAR | Complexo ‒ Universo Pa-ralelo (com LEGENDAS EM INGLÊS!) Mário Patrocínio, Portugal/Brasil 2010 (80’) M/12

6 MAR | - The Social Network (A Rede Social) David Fincher, E.U.A. 2010 (120‘) M/12

10 MAR | MammuthGustave de Kervern & Benoît Delépine, França 2010 (92’) M/16

13 MAR | The Last Station (A Última Estação)Michael Hoff man, Alemanha/Rússia/Reino Unido 2010 (112’) M/12

17 MAR | Svetat e Golyam I Spase-nie Debne Otvsyakade - O Mundo é Grande e a Salvação Espreita ao Vi-rar da Esquina Stephan Komandarev, Bulgária/Alemanha/Slovénia/Hungria 2010 (105’) M/12

20 MAR | You Will Meet a Dark Stran-ger (Vais conhecer o homem dos teus

sonhos)Woody Allen, E.U.A./Espanha 2010 (98’) M/12

24 MAR | Copie Conforme (Cópia Certifi cada)Abbas Kiarostami, França/Itália/Irão 2010 (106’) M/12

27 MAR | BiutifulAlejandro González Iñarritu, Espanha/México 2010 (147’) M/16

31 MAR | El Ultimo Verano de la Boyi-ta (O Último Verão da Boyita)Julia Solomonoff , Argentina/Espanha/França 2009 (93’) M/12

PROGRAMAÇÃOwww.cineclube-tavira.com

PROGRAMAÇÃOwww.cineclubefaro.com

Cineclube de Faro

Cineclube de Tavira

Juliette Binoche

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Identidade e genuinidade são ca-racterísticas que o público reconhece à voz algarvia mais representativa da actualidade, Viviane. E se o público lhe reconhece os adjectivos também a cantora os procura desde que iniciou a carreira a solo com o álbum “Amores Imperfeitos”.

“Para mim a verdade acima de tudo”, afi rmou Viviane na entrevista que deu ao Cultura.Sul depois da sua participação no concerto inaugural do programa Allgarve, que decorreu no Teatro Municipal de Faro, no passado sábado.

“Na carreira a solo procurei-me a mim própria”, diz a cantora que se afi rma numa fase de consolidação de uma sonoridade original e ver-dadeira, um processo que classifi ca de “difícil”, tendo em conta a co-lagem muito profunda à imagem dos “Entra Aspas”.

“Demora tempo até que as pessoas se habituem, depois de tantos anos, a que tenho uma carreira a solo”, confes-sa, mas reforça, “procurei e encontrei uma sonoridade minha e que está muito mais consolidada neste terceiro disco” (o segundo cd de Viviane foi editado em 2007 e teve o título homónimo).

“Este som criei-o muito próprio e original, já descolado de alguma as-sociação ao meu percurso anterior en-quanto cantora”, trata-se, diz, “de uma pedra em bruto que foi sendo esculpida e moldada pelo trabalho”.

Desde 2007 sem um trabalho novo, Viviane não esteve de todo parada, de-dicou parte deste tempo à participação noutros projectos, num trabalho, tam-bém ele, de descoberta das suas po-tencialidades e aptidões e numa busca incessante do seu ‘som conforto’.

Rua da Saudade recordouAry dos Santos

Na memória recente de to-dos está ainda a passagem pelo projecto Rua da Saudade, onde partilhou a herança extraordiná-

ria de Ary dos Santos com Susana Félix, Mafalda Arnaut e Luanda

Cozetti.“A Rua da Saudade foi um projec-

to de grande responsabilidade”, recor-da Viviane, que realça a importância de “agarrar em poemas de um poeta

genial [Ary dos Santos] e músicas de compositores excepcionais como aqueles com quem o Ary trabalhou e dar-lhes uma nova roupagem para as apresentar às novas gerações e também àquelas que já as tinham ouvido noutros tempos”.

Um projecto que deu à artista, como às restantes vozes envol-vidas, uma enorme visibilidade que Viviane não reputa mais expressiva do que aquela que obtém nos trabalhos a solo, “é apenas uma visibilidade diversa que resulta do peso que tem o poeta em causa, cantar Ary é sempre muito importante”.

Depois de percorrer as salas com Ary na voz e uma memorável interpretação de “Cavalo à Solta”, a cantora prepara-se agora para apre-sentar no Lethes e levar para a estrada o novo disco “As Pequenas Gavetas do Amor”, que surge com um primeiro single “Não Apa-gues o Amor” a prometer sucesso.

Um disco que inclui nomes maiores da poesia nacional como Fernando Pes-soa, Eugénio de Andrade, Rosa Alice Branco, entre outros.

“Tenho tendência para escolher cantar poemas que não seriam os ób-vios para serem cantados”, reconhece Viviane.

“Cantar o ‘Previsão Meteorológica’ da Rosa Alice Branco parece não caber em nenhuma métrica”, diz a cantora que trauteia a canção para demonstrar a mé-trica difícil das palavras da poetisa.

“Mas eu gosto do desafi o, leio os poemas e as palavras desafi am-me e deste processo nasce uma linguagem própria”, refere, “um caminho muito pessoal e único”, conclui.

Infl uências

Para Viviane “As Pequenas Gavetas do Amor” tem uma sonoridade que cruza as suas infl uências, que vive das suas gavetas do amor. “Nós somos cons-tituídos por muitas gavetas, entre elas as do amor e é disso que falo”, explica a cantora que diz cantar não o amor/ro-mance mas sim, o amor universal, “essa energia que dá sentido à vida”.

“Mas é também o amor das peque-nas coisas que fazem toda a diferença na nossa vida”, afi rma. “Num dos temas escrito por mim [a artista tem três po-emas seus no disco], falo de um vestido vermelho que muda a forma de estar,

o ânimo”, diz, o amor é também isto, a energia positiva está também aqui, nas pequenas coisas” e de acordo com Viviane, “deve estar em tudo o que fa-zemos e antes de mais no amor por nós próprios, fundamental para podermos amar os outros”.

“O disco tem o fado, a música fran-cesa, o tango… as minhas infl uências e o que guardo nas minhas gavetas”, diz a cantora, que vê nestes três uni-versos musicais um elo de ligação, “um sentimento e uma emoção mui-to fortes”, vivências que Viviane diz querer transmitir com o seu canto e com este terceiro albúm que na sua óptica é “a evolução natural do seu percurso a solo”.

O nome do álbum, conta a artis-ta, nasce do título de um poema que lhe pareceu apropriado, uma escolha menos partilhada do que a selecção do tema para o primeiro single. “Na escolha do primeiro single ouvi mais opiniões”, diz Viviane, confessando que depois de gravar o álbum, “es-tamos tão por dentro do disco que é difícil ter a distância sufi ciente para perceber qual o tema que deve ser es-colhido para primeiro single”.

MÚSICA

Viviane percorre“Pequenas Gavetas do Amor”

panorâmica panorâmica

Cultura.Sul10.03.2011

“Na carreira a solo procurei-me a mim própria”Viviane

Identidade e genuinidade são ca-racterísticas que o público reconhece à voz algarvia mais representativa da actualidade, Viviane. E se o público lhe reconhece os adjectivos também a cantora os procura desde que iniciou a carreira a solo com o álbum “Amores Imperfeitos”.

“Para mim a verdade acima de tudo”, afi rmou Viviane na entrevista que deu ao Cultura.Sul depois da sua participação no concerto inaugural do programa Allgarve, que decorreu no Teatro Municipal de Faro, no passado sábado.

“Na carreira a solo procurei-me a mim própria”, diz a cantora que se afi rma numa fase de consolidação de uma sonoridade original e ver-dadeira, um processo que classifi ca de “difícil”, tendo em conta a co-lagem muito profunda à imagem dos “Entra Aspas”.

“Demora tempo até que as pessoas se habituem, depois de tantos anos, a que tenho uma carreira a solo”, confes-sa, mas reforça, “procurei e encontrei uma sonoridade minha e que está muito mais consolidada neste terceiro disco” (o segundo cd de Viviane foi editado em 2007 e teve o título homónimo).

“Este som criei-o muito próprio e original, já descolado de alguma as-sociação ao meu percurso anterior en-quanto cantora”, trata-se, diz, “de uma pedra em bruto que foi sendo esculpida e moldada pelo trabalho”.

Desde 2007 sem um trabalho novo, Viviane não esteve de todo parada, de-dicou parte deste tempo à participação noutros projectos, num trabalho, tam-bém ele, de descoberta das suas po-tencialidades e aptidões e numa busca incessante do seu ‘som conforto’.

Rua da Saudade recordou

Na memória recente de to-dos está ainda a passagem pelo projecto Rua da Saudade, onde partilhou a herança extraordiná-

ria de Ary dos Santos com Susana Félix, Mafalda Arnaut e Luanda

Cozetti.“A Rua da Saudade foi um projec-

to de grande responsabilidade”, recor-da Viviane, que realça a importância de “agarrar em poemas de um poeta

genial [Ary dos Santos] e músicas de compositores excepcionais como aqueles com quem o Ary trabalhou e dar-lhes uma nova roupagem para as apresentar às novas gerações e também àquelas que já as tinham ouvido noutros tempos”.

Um projecto que deu à artista, como às restantes vozes envol-vidas, uma enorme visibilidade que Viviane não reputa mais expressiva do que aquela que obtém nos trabalhos a solo,

“Pequenas Gavetas do Amor”

“Na carreira a solo procurei-me a mim própria”

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5Cultura.Sul10.03.2011

Ricardo Claro

DR

Músicos convidados

O disco conta com as participações de Custódio Castelo, Luís Varatojo, dos Naifa, António Zambujo e Luís Ribei-ro, guitarrista de Amália, presenças que Viviane considera fundamentais, de artistas “também eles com identidades muito próprias e donos de sonoridades muito originais”.

Nos instrumentos que levam as melodias de “As Pequenas Gavetas do Amor” estão Jorge Caeiro, no acordeão, Marco Martins, no baixo, Sónia Cabri-ta, na precursão, Tó Viegas, na guitarra clássica, e Miguel Drago, na guitarra portuguesa, mestres que ajudam a voz única de Viviane a brilhar nos palcos.

Pouco antes do concerto inaugural do Allgarve 2011, que contou com a presença de muitos dos nomes por-tugueses que compõem o cartaz do programa ao longo do ano - como Rui Veloso, Mafalda Arnauth, An-tónio Zambujo, Joana Amendoeira, Viviane e Orquestra do Algarve – a Escola de Hotelaria do Algarve aco-lheu a apresentação do cartaz feita pelo principal responsável do programa, Augusto Miranda.

Numa época de contenção da des-pesa pública, o Allgarve não escapa aos cortes e conta este ano com me-nos dinheiros públicos num orça-mento que supera os três milhões de euros.

O Turismo de Portugal encolhe a atribuição de fundos em meio milhão de euros, avançando com um milhão para o programa de 2011, e as autar-quias algarvias entrarão certamente com menos verbas também, embora Augusto Miranda esteja a contar com o dinheiro das câmaras para compor as fontes de fi nanciamento.

É que em 2010, as autarquias e os privados fizeram crescer os 1,5 milhões de euros do Turismo de Por-tugal para 3,2 milhões no total.

O responsável pelo programa acre-dita que o sector privado pode ser uma mais-valia na composição do pa-cote fi nanceiro do programa e afi rma que está a fazer esforços no sentido de que empresas privadas possam vir a apoiar um artista, um evento, ou mesmo uma das áreas temáticas do programa.

A ideia dos programadores é, no novo formato do programa dedica-do em cada ano a um dos mercados emissores de turismo - em 2011 o Allgarve é dedicado ao Reino Unido -, não baixar a qualidade atingida nas edições anteriores.

Para celebrar o Allgarve 2011 em honra de terras de Sua Magestade,

sobe ao palco “Celebrando Andrew Lloyd Webber”, um espectáculo que revê as obras do génio britânico dos musicais. Nas vozes e a acompanhar a Orquestra do Algarve estarão Sofi a Escobar e John Addison.

Duke Ellington Orchestra, Peter King, Norma Winstone também vão brilhar na parada de grandes nomes que vão marcar a programação e que inclui ainda os portentosos Morcheeba e os Lamb.

Nos nomes portugueses, além dos apresentados no dia 5 em Faro, surgem Carminho e Áurea, agendada para o Pavilhão do Arade.

Nas artes performativas de rua o Allgarve contará com apresentações dos Pipototal, com “Déambulosco-pie”, Sarruga que mostram “Insects”, os Bash Street Company e Les Col-porteurs.

O Allgarve volta a apostar na alta cozinha com “Show Cooking”, que

decorrerá no Mercado de Olhão, o Allgarve Gourmet em Portimão e o Cataplana Experience.

Na escultura, o programa conta com a mostra de gigantes peças es-cultóricas em Vilamoura, no Cerro da Vila

Uma programação que promete voltar a tornar o Algarve num destino convidativo em termos de oferta cul-tural, nesta que é a quinta edição do programa e que durará dez meses.

Allgarve apresenta programação

Augusto Miranda, o responsável pelo programa Allgarve

PUBLICIDADEPUBLICIDADE

CONVOCATÓRIAASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA

De harmonia com o Art.º 24º dos Estatutos desta Caixa, convoco, por este meio, a Assembleia Geral Ordinária da CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DO SOTAVENTO ALGARVIO, para reunir no Auditório deste Sede, na RUA BORDA D’ÁGUA DE AGUIAR, N.º 1 - 2º, em TAVIRA, pelas 15H30 do dia 21 de Março (Segunda-feira).

Não havendo à hora referida número legal de associados para a Assembleia poder deliberar regularmente, a mesma funcionará uma hora depois com qualquer número de presenças.

Ordem de Trabalhos

1. Informações gerais;

2. Discussão e votação do Relatório, Balanço e Contas do Exercício de 2010 bem como o respectivo Parecer do Conselho Fiscal;

3. Eventuais outros assuntos de interesse corrente.

Tavira, 01 de Março de 2011

O Presidente da Mesa da Assembleia Geral

José Macário Correia

(POSTAL do ALGARVE, nº 1024, de 10 de Março de 2011)

Viviane apresenta sexta-feira, dia 11, no Teatro Lethes, em Faro, o novo disco num concerto que marca o pon-tapé de saída do novo trabalho da artista para os palcos do país. Se-guem-se para já mais algumas datas para concertos:

11 | MAR Teatro LethesFaro

18 | MARCentro de Arte de OvarOvar

24 | ABR Palco na Avenida Vasco da GamaSines

28 | ABR |Teatro da luz - viva a música,Antena 1, Lisboa

AGENDA

Page 6: Cultura.Sul Março31

Cultura.Sul10.03.2011 6

“Associações Culturais”, o parente pobre da gestão cultural?...

Paulo CunhaSócio da AGECAL - Associaçãode Gestores Culturais do Algarve

É sabido que às Associações Cul-turais lhes está, indelevelmente, co-lado o epíteto “sem fi ns lucrativos”. Assim sendo, quer sejam Colectivi-dades de bairro, Associações pró-forma, Associações pró-familiares, Associações de fi liados/pagantes ou Associações profi ssionais/profi ssio-nalizantes, a todas será aconselha-da a não apresentação de relatórios anuais de contas com saldos (muito) positivos, sob pena de levantarem a suspeita de gestão lucrativa, logo danosa (?).

Assim sendo, a cabimentação prevista para os planos anuais de actividades das Associações acaba por estar sujeita à apresentação de relatórios impolutos de, hipotético, mercantilismo… Inevitavelmente, dependentes do apoio de terceiros, acabam por ver a sua gestão pers-crutada por quem tem o poder de sancionar ou indeferir a conces-são do referido fi nanciamento. E, mesmo assim, apesar da disponi-bilidade, voluntarismo e devoção dos dirigentes e associados destas colectividades, todo o seu futuro fi cará sempre enredado e depen-dente das vontades de circunstân-cia, disponibilidades casuísticas, fl utuações económico/fi nanceiras

e imprevisibilidades conjunturais. Habituados a, com pouco, muito fazer, os actuais dirigentes asso-ciativos não estranharão aquilo que os gestores culturais de formação e profi ssão actualmente estão a sentir. Sabendo-os dependentes de poderes vários, compreenderão que, num ápice, directores, chefes de divisão, programadores, produtores e outros gestores ver-se-ão constrangidos ao cumprimento minucioso das linhas orientadoras emanadas pelas enti-dades empregadoras e tutelares. De nada servirá projectar culturalmente o futuro com inebriantes lembran-ças do passado, pois a constante dinâmica dos mercados fi nanceiros obriga qualquer interventor cultural

a ter que descontinuar, reformular, recriar e até, reinventar. A dita “cri-se” assim o dita!…

É com base neste paradigma que auguro para o tecido cultural algarvio, uma profícua colaboração entre gestores culturais associati-vos e gestores ligados a organis-mos institucionais. Desta simbiose todos poderão vir a ganhar e, em última análise, ganhará toda uma faixa da população sedenta de sus-tentabilidade e continuidade nas políticas culturais em detrimento do efémero das animações sazo-nais. Atempadamente agendadas e devidamente protocoladas, estas trocas de sinergias poderão dar a garantia e condições necessárias às

Associações Culturais da merecida implementação do seu trabalho, bem como o aproveitamento por parte das Instituições Públicas e Privadas da capacidade empreen-dedora, agregadora e criativa das mesmas. São por demais evidentes os benefícios de trabalhar em rede, que o digam os algarvios que, dia-riamente, usufruem e agradecem o facto de, há já algum tempo, se o fazer a sul. A par da tão desejável permuta global de conhecimento, torna-se imperioso, de forma con-certada, programada e consequente, “apertar a rede” e, responsabilizar as Instituições e Associações pelo pulsar cultural desta região. Parcos em meios, ricos em criatividade!

Arte contemporânea: entre paixão e investimento

Cristian ValsecchiEconomista da cultura e GestorFactor Desenvolvimento [email protected]

O mercado da arte moderna e contemporânea cresceu signifi cati-vamente nos últimos trinta anos.

Ainda que as motivações que in-duzem a coleccionar sejam frequen-temente ligadas a interesses pessoais, paixões e gostos dissociados de lógicas especulativas, não restam dúvidas de que a aquisição de obras de arte se possa transformar num investimento rentável.

À diferença do que acontece no mercado das acções, caracterizado por ganhos e perdas a curto prazo, as obras de arte contemporânea tendem a valorizar-se de forma consistente ao longo de um período que varia entre os cinco e sete anos.

De acordo com um estudo elabo-rado pela Art Investiments, € 100 in-vestidos no mercado dos EUA conver-tiam-se em 2007 em €157 se aplicados

em arte, em €97 se investidos na bolsa e em €79 se investidos em títulos de bond decenais nos EUA.

Excluindo eventos excepcionais onde as obras de arte contemporânea se valorizam no espaço de uma déca-da na ordem dos 25.000/30.000%, uma diversifi cação adequada e quali-dade do portefólio artístico contribui para conter o risco do investimento e oferecer rendimentos médios anuais entre os 5 e 15%.

O universo da análise da arte mo-derna e contemporânea nos últimos dez anos apresenta ainda uma pecu-liaridade: é um sector que registou uma substancial resiliência inclusi-vamente perante crises económicas e fi nanceiras a nível internacional1.

Para além disso, o decréscimo deste sector cingiu-se a um espaço temporal limitado.

A confi rmar este dado o facto de, à excepção do período Julho 2008 e Ju-nho 2009, o mercado da arte ter vindo sempre a registar um crescimento progressivo dos volumes globais.

Quando os indicadores das bol-

sas mundiais caíam (-20% del Msci World nos 12 meses antecedentes a Setembro 2008), no 1º semestre de 2008 a AMR Art 100 Top 25% In-dex crescia 19,5%, graças também ao aumento dos adquirentes provenien-tes das economias emergentes BRICs. No mesmo período, o mercado da arte contemporânea crescia inadver-tidamente em 5%, evidenciando uma correlação inversa com o desempenho dos mercados fi nanceiros.

A MPS Art Market Value In-dex sugere-nos ainda claros sinais de retoma por parte do mercado da arte a partir de Março de 2009. Em particular, no período Março 2008 – Janeiro 2011, a MPS Global Pain-ting Art Index evidência um merca-do caracterizado por performances decididamente superiores (+29,9%) relativamente ao desempenho regis-tado pelos índices S&P 500 (+0,1%) e FTSE Mib (-41,5%) no mesmo período.

Mais ainda se observa que, se é verdade que no período da crise do mercado da arte (Julho 2008 – Junho

2009) se registou uma redução do volume de negócios, este dado é con-traposto pelo aumento do número de transacções totais, no seguimento de uma orientação certamente resultante de uma menor liquidez dos mercados e consequente desvio para obras de arte contemporânea de jovens artistas emergentes.

Efectivamente, como concluiu a ArtTactic, apesar da exposição a uma signifi cativa contracção dos lucros durante o período Julho 2009 – Ju-nho 2010 (-23% relativamente ao ano anterior e - 54% comparativamente a 2007-2008), o mercado das obras mais recentes demonstrou um dina-mismo notável. No período em aná-lise foram de facto vendidas obras de arte contemporânea em quantidades três vezes superiores às de seis anos atrás: mais de 30.300 lotes (o que sig-nifi ca mais 1.000 lotes relativamente ao período homólogo).

Ainda que as vendas tenham ge-rado apenas 443 milhões de euros (contra os 975,2 milhões de euros do mesmo período do ano transac-

to), o índice de preços registou um incremento de 5,4% e estima-se que 41% dos lotes tenham fi cado por ven-der nos leilões de arte contemporâ-nea em contraposição aos 44,7% de 2007/2008, anos em que se regista-vam os maiores volumes de venda da última década.

Isto esclarece quanto o factor pas-sional ligado à aquisição de obras de arte e a respectiva natureza de “bens refúgio” determinam a diluição dos efeitos da crise nos mercados fi nan-ceiros.

Espaço AGECALEspaço AGECAL

wFactor Desenvolvimento

1 Em 2008, no dia após a falência da Lehman Brothers Holding Inc., num leilão de Sotheby’s, em Londres, dedicada a obras de Damien Hirst, foram vendidos quase 100% dos lotes apresentados num total de 140 milhões de euros.

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7Cultura.Sul10.03.2011

palco palco

Estreia, no próximo dia 22 de Mar-ço, no Teatro das Figuras (em Faro), uma obra musical intitulada «Água – a Seiva da Terra». Composta para Orquestra de Sopros e Voz Soprano, esta obra do compositor algarvio Pe-dro Louzeiro foi encomendada pela empresa Águas do Algarve S.A., para assinalar o Dia Mundial da Água, que se comemora precisamente a 22 de Março.

Conversámos com o compositor da obra, Pedro Louzeiro, sobre esta

sua nova composição.

C.S – Como surgiu o convite para a realização desta obra musical?Pedro Louzeiro – O convite foi dirigido pela empresa Águas do Al-garve S.A. à Academia de Música de Lagos, que teve a amabilidade, na pessoa do seu presidente, José António Viegas Gonçalves, de su-gerir o meu nome para a realização de uma obra orquestral dedicada à àgua. Foi-me assim proposta a composição de uma obra que as-sinalasse o Dia Mundial da Água, a estrear nesse dia, e a ser inter-pretada pela Orquestra de Sopros do Algarve com a participação de uma voz solista. Para este papel foi escolhida a soprano Ana Margari-da Marreiros, que já foi aluna da Academia de Música de Lagos e que estuda actualmente canto na Escola Superior de Música.

C.S – O que o motivou a aceitar o convite para a realização desta obra dedicada à água?PL – Antes de mais, motivou-me o facto de ser uma excelente oportunidade de exercer a minha actividade preferida, que é, justamente, compor. Não é todos os dias que se recebem apoios desta natu-reza para a criação de uma obra musi-cal. Mas, para além disso, este convite veio aliar duas áreas que me interessam bastante, a música e o ambiente. Sou um ambientalista convicto, e esta pare-ceu-me uma excelente oportunidade de abordar, através da música, temas impor-tantíssimos, relacionados com a água e com a sustentabilidade ambiental.

C.S – Como é que esses temas am-bientais se integram na estrutura desta obra?PL – A obra consiste num poema sinfónico. O poema sinfónico é uma forma musical que foi muito utilizada no fi m do período Romântico e que tem como característica a descrição de uma história ou situação através da música. Neste caso, esta obra está estruturada em 10 quadros que repre-sentam 10 cenários aquáticos distintos (Glaciar, Degelo, Corrente, Géiser, Oceano, Maré Negra, Vapor, Aque-duto, Seca e Monção), procurando enaltecer a importância vital da água para a sustentabilidade do planeta, por oposição à degradação e desperdício a que o ser humano paradoxalmente a submete.

C.S – Como é que estes cenários são representados na sua obra?PL – São representados pelo carácter ora descritivo ora simbólico dos dife-rentes quadros. O carácter descritivo é perceptível por exemplo no quadro relativo ao Degelo, onde se descreve musicalmente a imagem de um glaciar a quebrar-se, libertando uma enorme quantidade de energia sonora ao mer-gulhar no oceano. Já o simbolismo é visível, por exemplo, através de certos intervalos melódicos que evocam a pu-reza da água em quadros como Glaciar ou Vapor. Há também duas melodias tristes que surgem em determinados quadros da obra, como Maré Negra, simbolizando o pesar pela perda de água pura.

C.S – Pensa que um dos papéis da música contemporânea poderá ser o de passar mensagens como esta, que apelam à refl exão sobre certos valores?PL – Sim, e não só a música, como a arte em geral podem ser utilizados para esse fi m, para além de outros ob-jectivos puramente estéticos. O poder interventivo da arte é algo que, na mi-nha opinião, nunca deve ser descurado pelos seus actores.

C. S – Para as comemorações do Dia Mundial da Água, está igualmente a ser preparado um CD, que inclui a «Água – a Seiva da Terra», bem como uma outra obra sua, «Procla-mação», um concerto para trompete e orquestra de sopros estreado a 5 de Outubro de 2010, e dedicado ao centenário da Implantação da Re-pública em Portugal. Que pontos comuns podemos encontrar entre estas suas duas obras recentes, se é que existem?PL – Existem, de facto. Ambas parti-lham o carácter descritivo e simbólico de que falei anteriormente, ainda que com diferenças de linguagem substan-ciais, pois na «Proclamação» utilizei dois sistemas musicais distintos para representar o confl ito entre os dois sistemas políticos em confronto na época. Para além disso, foram ambas compostas para serem interpretadas pela OSA – Orquestra de Sopros do Algarve, que conheço bem.

C.S – Pensa que é importante a cria-ção de obras originais para agrupa-mentos compostos por alunos de música e por músicos profi ssionais, como é o caso da Orquestra de So-pros do Algarve?PL – Claro que sim, na medida em que incentiva a aprendizagem musical dos alunos, e estimula a descoberta de novas músicas. A montagem de uma obra nunca antes tocada é um projecto bastante ambicioso e nessa medida muito estimulante para uma orquestra com estas características. Para além disso, e de forma geral, parece-me importante o incentivo à criação de obras originais e a sua divulgação através de concertos, como o que irá ter lugar dia 22.

C.S – Para além de compositor, é também professor, e nos últimos anos tem leccionado em vários con-servatórios e academias de música, bem como no Instituto Superior Dom Afonso III, em Loulé. Com base na sua experiência, qual é a sua opinião do ensino da música no Algarve?PL – O ensino da música nesta região tem vindo a crescer imenso, o que é muito positivo, na minha opinião. Esse crescimento tem sido tanto em quantidade como em qualidade, nas diversas escolas que hoje existem. Tem-se igualmente apostado na for-mação de professores. Exemplo disso foi a criação, há três anos, no Instituto Superior Dom Afonso III, de um curso superior em Formação Musical, que vai dar frutos já este ano, com a primeira vaga de professores com habilitação própria para leccionar Formação Musical. No que diz respeito aos estudantes de música, escolas como a Academia de Música de Lagos (AML) têm vindo a fazer um trabalho espantoso, ca-tivando crianças e jovens algarvios para o estudo da música. Com mais de 900 alunos no conjunto das suas três escolas (a AML, o Conservatório de Música de Lagoa, e o Conservató-rio de Música Joly Braga Santos em Portimão), a associação da Academia de Música de Lagos reúne um corpo docente de quase 100 professores e realiza frequentemente concertos com alunos e músicos profi ssionais por todo o Algarve. Para além desses concertos, que contribuem positiva-mente para a formação dos alunos, a AML oferece também «aulas abertas» no período das férias escolares, para

dar a conhecer os diferentes instru-mentos musicais a crianças de todas as idades. Este tipo de actividades parecem-me excelentes ferramentas para estimular o desejo de aprender, nos músicos de amanhã.

C.S – «Água – a Seiva da Terra» estreia já dia 22. Com que emoções gostaria que os espectadores saís-sem do Teatro das Figuras nessa noite?PL – Gostaria obviamente que saís-sem satisfeitos com a interpretação da Orquestra de Sopros do Algarve e da soprano Margarida Marreiros, sob a batuta do maestro Carlos Ramalho. E é claro que, como para qualquer autor, seria um prazer se a minha obra proporcionasse ao público uma boa fruição estética, despertando simulta-neamente emoções relacionadas com a importância da água para a vida. Na minha opinião, seria desejável que to-dos nos tornássemos mais auto-cons-cientes das nossas responsabilidades individuais em matérias ambientais, e nomeadamente no que toca a este bem essencial que é a água.

Estreia de obra musical nas comemoraçõesdo Dia Mundial da Água

O compositor Pedro Louzeiro

DR

TEATRO DAS FIGURAS22 de Março às 21h30

Orquestra de Sopros do AlgarveDirecção: Carlos RamalhoSoprano: Margarida Marreiros Estreia absoluta de «Àgua – a Sei-va da Terra» do compositor Pedro LouzeiroMais informações em: www.teatromunicipaldefaro.pt

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Cultura.Sul10.03.2011 8

Partimos, desta vez, com o pro-pósito de visitar uma das aldeias mais genuínas da Costa Vicentina, a aldeia da Carrapateira. O passeio presenteou-nos com sumptuosas paisagens natu-rais. Nas primeiras paragens fomos ao encontro do património natural e desfrutámos de algumas das mais belas praias, arribas e areais: Amo-reira, Monte Clérigo, Arrifana, Vale Figueira, Amado e Bordeira. Porém, a nossa paragem prolongou-se na al-deia da Carrapateira, lugar que nos brindou com um completo sossego e uma envolvente e extraordinária beleza. Por entre as casas humildes, implantadas ao longo dos cerros, que dão ao aglomerado a forma de um anfiteatro, descobrimos a fortaleza do século XVII que envolve a igreja da terra, dedicada à Nossa Senhora da Conceição.

Na Praça do Comércio, lugar de convívio dos forasteiros e das gentes locais, procurámos saber onde fi cava o Museu do Mar e da Terra da Car-rapateira.

Assim, contornámos a aldeia e depois subimos a rua dos Pescadores até ao topo da colina e chegámos ao pretendido museu. Não se trata de um palacete, convento ou qualquer outro tipo de monumento patrimonialmente valorizado e adaptado. O edifício foi construído de raiz, num local privi-legiado e não nasceu onde nasceu por casualidade. Enraizou-se, no topo da aldeia, enquanto “guardião” do seu património cultural e natural.

Neste lugar, o nosso olhar espraiou-se por um cenário único, composto pela grandeza dos ambientes que for-

mam o território: as casas, os campos e o mar. Na verdade, sentimos que o primeiro momento da visita começou aqui, no confronto com esta imagem viva, poderosa e dominante, que des-cortinámos naquele, diria mesmo, lu-gar único.

A exposição permanente “O oce-ano, a nossa terra” debruça-se sobre a vida da comunidade da Carrapateira. O percurso entre os objectos, imagens, cenografi as, apresentações audiovi-suais e textos remete para a vida dos habitantes da aldeia.

No interior do museu descobrimos a lida daqueles que “amanharam e cultivaram a terra”, e a daqueles que “se fi zeram ao mar”. Do mesmo modo, fomos confrontados com aspectos da fauna e flora marítima e com a di-versidade e riqueza da vegetação da Costa Vicentina.

As fotografi as formam mosaicos vivos de paisagens rurais e marinhas, de representações de gentes, em cada momento, com diferentes rostos e ges-tos. Ainda caracterizam maneiras e modos de fazer, nos contextos mais populares de trabalho (faina da pesca costeira ou de alto mar, marisqueiro, artes artesanais e o trabalho rural) e de sociabilização (festas, costumes e tradições). Também, neste espaço de diálogo permanente entre a sensibili-dade e o entendimento, deciframos o “invisível”, as agruras da vida daqueles que não tinham horários e que, com ritmos de vida exigentes, trabalharam ao sabor das marés, quando o mar deixava ou o tempo permitia.

As cenografi as, por sua vez, são for-madas por painéis de imagens, textos e conjuntos de objectos oferecidos pelos populares, que nos contam os afazeres

da terra e as azáfamas do mar. Os tex-tos complementam a exposição e enri-quecem os visitantes com informação clara e detalhada. Em todos os espaços sentimos a presença das pessoas e, ao mesmo tempo, das suas memórias. As gentes da terra contam-nos, na pri-meira pessoa, as suas histórias, os seus saberes e os testemunhos de memórias colectivas. Estes são saberes essen-

ciais, porque não são um complemento ou um acrescento. Estes fazem parte da missão do museu “Um museu feito por todos e para todos”.

Relatou-nos Isabel Conceição, uma das habitantes da vila, o mani-festo desejo de colaborar, e o prazer de aprender com o museu. Esta se-nhora contou-nos como tem vindo a colaborar nas iniciativas do museu, dizendo o seguinte: “É das poucas coisas que temos, já ofereci muita coisa ao museu e o meu marido também. E ainda quero dar mais coisas. Já disse à minha fi lha que não estrague, quando eu morrer se não quiseres dá ao museu. É uma recordação que fi ca aqui para sempre. Também vou ajudar sempre quando pedem. Já fi z uma bandeira e, não há muito tempo, estive na ex-posição do rir”.

Sentimos, ainda, que este espaço não desejou contar a história de um passado distante, acabado e comple-to, da Carrapateira. Reconhecemos que aqui se salvaguarda a memória e identidade da aldeia. Curiosamente, é também um lugar de encontro entre o passado e o futuro, advertindo que este último depende de nós e está “nas nossas mãos”.

Com efeito, este museu tem um papel importante no local, por um lado representa o seu próprio percurso, por outro fomenta o desenvolvimento da região.

Esta estrutura museológica desen-volve, também, actividades com a co-

munidade através de um programa

de intervenção comunitária, do qual destacamos as acções que fazem parte da “Clínica da memória”, designada-mente a exposição temporária partici-pativa, ainda patente, com o riso como tema: “Conhecer-se e Reconhecer-se a Rir”. Esta exposição foi criada pela população e o riso surge como um comportamento cultural e social, re-velador da comunidade.

Terminámos a visita num espaço reservado, para refl ectir e até mesmo sonhar. Trata-se de uma sala com bancos voltados para uma enorme janela de onde é possível avistar a deslumbrante paisagem do campo e do mar. Deixámos projectar, natu-ralmente, o olhar e contemplámos a grandeza do mar, hoje, semeado de surfi stas. Realidade que nos leva a pensar nas mudanças apressadas de comportamentos e estilos de vida. Por tal, colocamos a seguinte ques-tão: O que será hoje o “verdadeiro” sentido de respeito e reverência pelo mar?

Antes de sairmos desta “varanda”, de olhos bem abertos, imaginámos, entre os recortes das vagas, a vossa baleia “Jonas” e tentámos decifrar o enigma que nos lançou. E digo-vos, francamente, que não vamos esque-cer os pescadores, os camponeses e os valores desta aldeia, nem tão pouco a baleia que nos contou a vossa his-tória.

Assim acontece neste local. Con-tinua-se a história, por isso, sim, é possível Jonas…

MUSEUS – A VEZ E A VOZ DO VISITANTE

Museu do Mar e da Terra da Carrapateira

A exposição permanente “O oceano, a nossa terra” debruça-se sobre a vida da comunidade da Carrapateira

museu museu

Isabel SoaresMuseóloga/Arqueóloga

“Um museu feito por todos e para todos”.

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9Cultura.Sul10.03.2011

No próximo sábado, dia 12 de Março de 2011, será lançado o livro das actas do I Encontro Internacio-nal Álvaro de Campos, que decorreu nos dias 15 e 16 de Outubro 2010. A apresentação será feita por Teresa Rita Lopes.

Tive acesso a uma primeira versão do livro (antes das revisões fi nais) Ál-varo de Campos, o engenheiro de Tavira, que recomendo, pela sua diversidade e qualidade.

Para quem não estiver muito fa-miliarizado com este heterónimo de Fernando Pessoa, o livro dar-lhe-á uma ampla imagem do engenheiro naval, pois todos os textos citam e con-tam sempre algo da vida e obra que Fernando Pessoa lhe atribuiu.

Se não souber que edição escolher, já que o mercado oferece várias, Ana Raquel Baião Roque, em «Campos Revisited», descreve as edições existen-tes (Ática, INCM e Assírio & Alvim), explicando os pontos fortes e fracos de cada uma.

O texto de Manuela Parreira da Silva, especialista em Fernando Pes-soa (editora da correspondência do poeta publicada na Assírio & Alvim), traz uma nota de humor, ao revelar as baralhadas que Álvaro de Campos arranjava a Fernando Pessoa.

Verá, neste volume, que Campos é o heterónimo pessoano mais traduzido em línguas estrangeiras, nomeada-mente em francês (Albertina Ruivo, «L’hétéronyme qui a su séduire»), como Paul Celan o elegeu entre as versões que fez de vários poetas para alemão (Maria do Sameiro Barroso, «Álvaro de Campos: Tabacaria/ Paul Celan: Tabakladen), e como ser engenheiro se adequava ao Modernismo, permitindo um uso poético de vocabulário técnico, analisado no texto do arquitecto espa-nhol Juan José Vázquez Avellaneda, «Lisboa y los ingenieros. A propósito de Álvaro de Campos».

Se gosta de arte, o artigo de Maria João Serrado, «Pessoa Ficcionado por Artistas Plásticos: Costa Pinheiro e Rinoceronte», convida-o a percorrer a vertente pessoana nas obras destes dois artistas.

Se gosta de poesia, confi rmará as fi liações de Álvaro de Campos com outros poetas, como Cesário Verde (Madalena Dine, «Cesário, Mestre de Campos»), ou de outros poetas com Álvaro de Campos (Ricardo Marques, «Dois fi lhos de Álvaro de Campos: Ao volante do Chevrolet com Nuno Júdi-ce e Ruy Belo»; Miguel Magalhães, «Natália Correia e Álvaro de Campos: em torno de um dialogismo»).

Alguns textos são da autoria de poetas e escritores na sua dimensão ensaística, a quem a arte não foge. É o caso de Luísa Monteiro, «Álvaro

de Campos – encenador e actor de si próprio», Manuel Moya, «Álvaro, compañero de viaje» e Fernando Ca-brita, que, em «Uma nota à margem do Congresso», defende o conheci-mento que Pessoa teria da poesia de João Lúcio.

Outros textos são da autoria de poetas e escritores na sua dimensão ficcional, como sucede com Carlos Felipe Moisés, «Fernando Pessoa & Cia em São Paulo». Destaco, neste registo, Sílvia Laureano Costa, em «Regresso ao lar: Notas de Álvaro de Campos sobre a casa de Tavira», que conversa com o poeta, depois da morte de Fernando Pessoa. Apesar do tema dos heterónimos sobreviven-tes ser frequente na fi cção (veja-se o belíssimo O Ano da Morte de Ricardo

Reis, de José Saramago), este pequeno conto está bem construído, imaginan-do as situações que teriam inspirado os versos do poeta, intercalando estes com a narração:

«Anunciaram Tavira para a próxi-ma estação. O Álvaro não fi cou indi-ferente: Ó minha vila natal em Portugal tão longe! Porque não morri em criança quando só te conhecia a ti?

(…) Sob o eco de um apito, nas nossas costas, o comboio sumiu-se. Nesse instante, uma mulher lançou um grito: – O meu lenço de seda fi cou lá dentro! (…)

Fixou os olhos no relógio da esta-ção. Quem me dará outra vez a minha infância perdida? Quem ma encontra-rá no meio da estrada de Deus? Perdi-da defi nitivamente, como um lenço no

comboio».No fi nal, também a narradora se

revela em citação (deixo-vos o prazer que tive com a descoberta).

Por todo o livro é visível a tutela de Teresa Rita Lopes, uma das mais reputadas especialistas de Fernando Pessoa, cuja obra tem divulgado de várias formas e em várias línguas, trabalhando sobre o espólio ainda inédito do poeta. São muitos os tex-tos que a citam e é dela o primeiro: «O engenheiro judeu, de Tavira, ci-dadão do mundo, afi lhado de Mário Sá-Carneiro, protagonista do ro-mance-drama». Nesta intervenção, Teresa Rita Lopes chama a atenção para as semelhanças que Campos e Pessoa têm e o aproveitamento que o poeta fez disso, ora identifi cado-se

como Fernando, ora como Álvaro (a autora conta-nos que, uma dia, Mário de Sá-Carneiro escreveu para «Fernando Álvaro Pessoa de Cam-pos»), quer nas relações sociais, quer nas pessoais, com todas as confusões que isso implicaria.

Por esta iniciativa e pela inaugu-ração da sua sede, está de parabéns a direcção da Associação Casa Álvaro de Campos, na pessoa de Carlos Lo-pes, seu presidente, que convida todos os leitores a comparecerem na Rua D. Marcelino Franco 20, em Tavira (Corredoura), neste próximo sábado, dia 12 de Março, pelas 17 horas.

Álvaro de Campos, o engenheiro de Tavira

Cartaz do I Encontro Internacional Álvaro de Campos de 15 e 16 de Outubro de 2010

livro livro

Adriana NogueiraProfessora Universitáriade Estudos Clá[email protected] DA MINHA BIBLIOTECA

O ano da morte de Ricardo ReisJosé SaramagoEditorial Caminho, 1984

Escrevi aqui em Julho, na mi-nha primeira crónica, que marcava a morte de Saramago, que este era um dos meus livros preferidos, daqueles que, quando os estamos a ler e nos aproximamos do fi m, criam em nós a nostalgia da separação que as últimas páginas comportam. Lembro-me de ter arrastado a leitura pelo maior número de dias, para não deixar de conviver com aquelas personagens, naqueles lugares, Marcenda, Lídia, Fernando Pessoa, Ricardo Reis, o Hotel Bragança, o Adamastor…

O médico Ricardo Reis, que vi-via no Brasil, volta a Lisboa quan-do Fernando Pessoa morre. Pode um heterónimo sobreviver ao seu criador? Os mortos vão esquecendo até se conseguirem separar comple-tamente do mundo e esse processo demora nove meses. É esse o tempo da narrativa, na qual encontramos referências tanto à poesia de Pessoa como à Lisboa de 1936 e à política portuguesa daquela época.

Numa das visitas que o fantasma de Fernando Pessoa faz ao seu hete-rónimo, têm uma conversa sobre a solidão. Sublinhei no meu exemplar (a lápis, pouco visível pelos anos): «Assustei-me um pouco quando ouvi bater, não me lembrei que pudesse ser você, mas não estava com medo, era apenas a solidão, Ora, a solidão, ainda vai ter de aprender muito para saber o que isso é, Sempre vivi só, Também eu, mas a solidão não é viver só, a solidão é não sermos capazes de fazer companhia a alguém ou a alguma coisa que está dentro de nós, a solidão não é uma árvore no meio de uma planície onde só ela esteja, é a distância entre a seiva profunda e a casca, entre a folha e a raiz».

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Cultura.Sul10.03.2011 10

política política Henrique Dias Freire

Produzir cultura pode ser um desafi o gigantesco num concelho com 5.300 habitantes, “apertado” entre o mar e o interior, e tantas vezes “esquecido” no Orçamento de Estado. Mas, em Aljezur, associações locais e autarquia respondem às difi culdades juntando-se para produzirem eventos que vão tornando o concelho conhecido fora de portas.Em entrevista, o presidente da autar-quia apresenta o que já se fez e o que está na forja para manter o concelho, no que considera “na linha da frente do panorama cultural do Algarve”.

CULTURA.SUL – Quais são as principais linhas mestras da acção cultural no concelho de Aljezur?José Amarelinho – Apesar da nossa pequena dimensão à escala regional, podemos comparar-nos a municípios como Monchique, Vila do Bispo, Al-coutim e Castro Marim, mas, apesar de eu ser suspeito ao dizer isto, face à nossa dimensão e aos recursos que dispomos, não tenho dúvidas em dizer que temos uma produção cultural um pouco acima da média.

C.S – Em que áreas é que isso é mais visível?JA – Na arqueologia, temos vários protocolos com a Associação de Defesa do Património Histórico e Cultural de Aljezur, que são fundamentais. Temos a questão do Ribat da Arrifana, que vai ser objecto de uma acção no âmbito do Programa Polis. E já este ano vai haver uma nova escavação, com o objectivo de musealizar aquele espaço.No ano passado, desenvolvemos uma escavação arqueológica no Sítio da Barrada, na Igreja Nova, onde en-contrámos estruturas que constituem o núcleo islâmico mais próximo do

núcleo urbano de Aljezur. O local tem a vantagem de estar muito perto do núcleo urbano e a ideia é musealizar o espaço e torná-lo visitável.Temos ainda o povoado muçulmano da Ponta do Castelo, na Carrapateira, onde também vai haver uma acção Polis que visa criar o Centro de Inter-pretação do Pontal da Carrapateira.

C.S – O que é que esse espaço vai incluir?JA – Queremos que este Centro tenha um motor narrativo de toda aquela área, com o povoado muçulmano da Ponta do Castelo, com algum do es-pólio que vai ser restaurado. Vai ser um Centro onde queremos fazer uma narrativa lúdico-pedagógica de toda a envolvente do Pontal da Carrapateira. Queremos um Centro que possa viver no médio e longo prazo. Os museus são sempre locais muito estáticos mas queremos que aí exista uma dinâmica maior do que a convencional. Deve ter uma forte expressão pedagógica, que interprete toda aquela zona, que seja lúdico, que tenha a ver com a geolo-gia e toda a dinâmica do Pontal da Carrapateira.

Museu do Mar já foi galardoado

C.S – Que outros espaços museoló-gicos existem no concelho?JA – O Museu do Mar e da Terra, que já foi galardoado em 2008, na cate-goria de Novo Espaço Público, pelo Turismo de Portugal. É um espaço muito visitado, graças a um protocolo que assinámos com lugares de turismo em espaço rural que permite que as pessoas que aí fi cam alojadas tenham desconto de 50% na entrada naquele equipamento. A parceria vem do ano

passado e este ano foi alargada às Ca-sas Brancas e à Associação Turismo de Qualidade do Litoral Alentejano e Costa Vicentina. É uma forma de levar visitantes à Carrapateira. Temos também o Espaço Mais, onde, pelas suas características e polivalência, têm vindo a ser apresentadas exposi-ções, recitais de música, palestras e ou-tros eventos de carácter essencialmente culturais ou sócio culturais.

Arte Dentro é o grande momento cultural

C.S – Quais são os principais even-tos que lá ocorrem?JA – Todos os anos, recebe a iniciativa Arte Dentro. Uma mostra de todos os artistas locais. Damos temas de referência para essa exposição, que ocorre no mês de Abril. Este ano o tema é livre e no ano

passado foi sobre o 25 de Abril, que contou com cerca de 80 artistas par-ticipantes.Estamos a propiciar que se conheça a arte de pessoas que, de outra forma, nunca se mostrariam a ninguém. E aqui estão a mostrar-se à sua gente. É um dos mais altos momentos culturais que temos no concelho. Todos acaba-mos por ter um hobby em casa, somos bons em determinadas coisas mas isso

ENTREVISTA COM JOSÉ AMARELINHO, PRESIDENTE DA CÂMARA DE ALJEZUR

É possível fazer cultura com poucos meios

José Amarelinho defende o Espaço Mais como o equipamento de excelência de Aljezur

D.R.

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11Cultura.Sul10.03.2011

costuma fi car dentro de cada um de nós. Ora, o que aqui é feito é incentivar as pessoas a mostrar aquilo de que são capazes e temos fi cado deslumbrados com o que tem surgido.O trabalho fica patente ao público durante um mês no Espaço Mais e noutros espaços do concelho. Isto faz bem à auto-estima das pessoas e possibilita apresentar trabalhos de extrema diversidade. Trabalhos com caroço de cereja, pintura, trabalhos em cana, vime, trapo, coisas fantás-ticas que nunca pensámos encontrar. As pessoas que nos visitam dão-nos os maiores parabéns e os artistas que temos no concelho mostram toda a sua genuidade e potencialidade.

C.S – Que outro tipo de eventos de-correm no Espaço Mais?JA – Este é um espaço de excelência que apresenta várias exposições ao longo dos anos. Já lá tivemos Paula Rego, Chichorro, Rick Sequeira, Má-rio Rocha, mas é também um espaço que alberga “Conversas”, onde tivemos oportunidade de pôr pessoas a falar e ouvir pessoas como Moita Flores, Marinho Pinto, José Miguel Júdice e Frei Bento Domingues. É um es-paço onde também aparece outro tipo de arte, como a dança, workshops, música. Consegue funcionar como um pequeno auditório, onde já se têm levado peças de teatro.

Concelho precisa de nova biblioteca

C.S – O concelho tem falta de mais espaços culturais?JA – A ideia que temos é a criação de uma biblioteca, acoplada a uma sala de espectáculos, e um centro documental ou arquivo histórico. É uma infra-estrutura que falta e que-remos ver se a tornamos realidade neste mandato. As coisas não estão fáceis, pois o ciclo das grandes obras quase que terminou para o Algarve, agora que a UE passou a classificar a região de “rica”. Já só podemos fazer obras no âmbito do Quadro de Referên-cia Estratégico Nacional (QREN) e mesmo assim os empréstimos têm de ser excepcionais.Infelizmente, o Algarve é, acima de tudo, uma região de assimetrias que tentamos corrigir do ponto de vista cultural.

C.S – Isso passa por uma dinâmica de maior proximidade?JA – Sim, procuramos dar valor ao que nós temos e que passa pelas escavações arqueológicas, com uma cumplicidade muito forte com a associação com que trabalhamos, pelo Museu do Mar, a Carrapateira e o Espaço Mais. Passa por darmos apoio aos autores locais, como no caso do ano passado com a publicação do livro de Isabel Moi-ta “Mar de Flores e de Esperança”. Apoiando os autores locais, mostramos aquilo de que a nossa gente é capaz, particularmente ao nível da poesia.Na consagração do bicentenário da Igreja Matriz de Aljezur, também cus-teámos a totalidade da edição “Me-mória D’Alva”, que conta a história da Igreja e vai ser usada nas obras de requalifi cação que a igreja precisa.No fi nal do ano passado assinámos ou-

tro protocolo com a Associação de De-fesa do Património Histórico e Cultural de Aljezur em que passámos a ter uma pessoa a trabalhar no arquivo histórico e a produzir documentação que irá ser o acervo do centro de documentação da futura biblioteca.

C.S – Que outras iniciativas cultu-rais estão na calha?JA – A edição da revista Cultural do Município, a Al-Riana, que no ano passado não se editou mas este ano vai ser novamente editada e é uma imagem de marca da agenda cultural anual do município.Temos uma feira do livro, todos os anos no Verão, em parceria com a as-sociação sociocultural “A Tertúlia”, que organiza o evento com o supor-te fi nanceiro da Câmara. Coincide com as festas populares e os arraiais de Verão.Vamos também retomar, não este ano por questões fi nanceiras, os Simpósios de Escultura. Dos dois que já foram feitos, saíram imensas peças que estão colocadas em todo o concelho. Daí estarmos a produzir um desdobrável para divulgar aquilo que se fez e onde estão muitas dessas peças.

Circuito cultural e ambiental divulga concelho

C.S – Como se vai desenvolver o Circuito Cultural e Ambiental de Aljezur?JA – É a nossa mais recente “me-nina dos nossos olhos”. Há uma candidatura aprovada no âmbito do PRODER, que vamos começar a implementar de imediato. Tivemos parcerias com a Direcção Regional de Agricultura do Algarve, a Associação de Defesa do Património de Aljezur, o ICNB e o Parque Natural do Su-doeste Alentejano e Costa Vicentina. Pretendemos que seja melhorado todo o circuito pedonal, e que passe por todo o Núcleo Histórico da Vila de Aljezur com a requalifi cação de va-lências ligadas à presença islâmica e à interpretação do meio natural. Isto passa pela criação de um Núcleo Is-lâmico na parte velha da vila e pela criação de condições para uma visi-ta auto-guiada, ao longo de quatro quilómetros de percurso, através da colocação de sinalética informativa, no que pretendemos que seja a pri-meira rota registada e homologada do concelho.

C.S – A acção vai limitar-se à sede do concelho?JA – Também se vai estender às fre-guesias. A preparação deste circui-to esteve na incubadora em 2010 e correu muito bem. A candidatura foi aprovada em 2011 e vamos começar a executá-la de imediato. Esperamos inaugurar o circuito no nosso feriado municipal, a 29 de Agosto.

C.S – Como é que sente a vida as-sociativa do concelho?JA – Apesar de sermos um concelho marcadamente litoral, temos todas as contingências da interioridade. Temos apenas 5.300 pessoas e a situação não é fácil do ponto de vista associativo. Os bombeiros voluntários já convocaram duas assembleias gerais, pois a actual Direcção quer sair, e não se está a con-

seguir formar uma nova lista.Mas, estamos muito bem ao nível da Associação de Defesa do Patrimó-nio, da associação “A Tertúlia”, da recém-criada Associação de Jovens e Movimento de Aljezur (AJMAL), que vai apresentar diversas iniciativas este ano. Queremos criar muita cum-plicidade com eles, porque são jovens e gente dinâmica que está com vontade de fazer muita coisa a nível artístico, cultural e de lazer.Estamos muito bem a nível do mais emblemático clube desportivo da sede do concelho, o Juventude Clube Alje-zurense, o Rancho Folclórico Amador do Rogil, o Rogilense. Estamos com problemas em Odeceixe: o Odeceixense está num impasse, tem a sede fechada e não tem Direcção. Estamos com problemas ao nível da Banda Filarmónica dos Bombeiros Voluntários de Aljezur, que está a pas-sar por algumas difi culdades e não está activa mas estou convencido que com

uma próxima Direcção dos bombeiros a situação vai ser resolvida. A banda é muito acarinhada pelas gentes de Aljezur e tanto os bombeiros como a banda são grandes embaixadores do município. E nós tudo faremos para viabilizar soluções.

Câmara não se pode substituir às associações

C.S – Reconhece algumas difi cul-dades mas está confi ante…?JA – Podíamos estar melhor, mas aten-dendo ao número de habitantes que temos, à crise associativa um pouco por todo o país, não se pode dizer que estejamos mal. A nível de Câmara, tudo faremos para apoiar e incentivar o associativismo. E as associações sabem disso. Mas não nos podemos substituir às associações e às colectividades. Isso seria contribuir para matar as colecti-vidades, o que já aconteceu em muitos municípios, onde houve associações

que acabaram quando determinada gestão municipal saiu.

C.S – Ao longo da entrevista mos-trou-se muito confiante na asso-ciação de jovens. É uma aposta na juventude?JA – A associação de jovens é um caso paradigmático de uma vontade expres-sa que surgiu do seio da comunidade. Foram dinâmicos em 2010 e este ano têm marcada a Festa dos Povos, que vai marcar o ano cultural em Aljezur.Mas também a Santa Casa da Mi-sericórdia é um importante parceiro e dinamizador de cultura que conta com a nossa disponibilidade para co-laborarmos. Tem um provedor muito sensível à questão da arte e da cultura, e exerce muito bem a sua componente de acção social.A educação e acção social são campos que não descuramos, particularmen-te em tempos complicados como os actuais em que vivemos.

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13Cultura.Sul10.03.2011

Continuando a divulgação de bibliografia de referência sobre a imprensa periódica algarvia, aqui fi ca mais uma indicação, desta vez, relacionada com o concelho de Mon-chique. Cem Anos de Imprensa Pe-riódica no Concelho de Monchique (1890 - 1990), José Rosa Sampaio, 1990, s/local e s/edição.

Ao contrário dos concelhos an-teriores, Tavira teve, ao longo da sua história, um apreciável número de periódicos, mais de três dezenas de títulos, alguns deles de inegável qualidade (razão que já justifi cava a apresentação de um trabalho mo-nográfico que aprofundasse a sua história e lhes prestasse a mereci-da homenagem). O primeiro título genuinamente de Tavira parece ter sido o Jornal de Anúncios, embora outros títulos anteriores se possam referir (Almanach Tavirense ou o Almanak Ecclesiasticum). Surgiu em 1883 e era seu director e pro-prietário João Daniel Gil Pessoa. De distribuição gratuita, era essen-cialmente publicitário. Comprado por José Maria dos Santos, muda qualitativamente tornando-se mais literário e noticioso. Terminou em 1900. O Heraldo (1901) é outro exemplo dos excelentes periódicos que Tavira deu à luz. Foi, de certo modo, a continuação do Jornal de Anúncios, mas com uma qualidade muito superior que o transformaram numa importantíssima fonte docu-mental para a história de Tavira, do Algarve e mesmo do país. Con-tou com colaborações assinaláveis: Lyster Franco, Júlio Dantas, Olavo Bilac, João Lúcio, Marcos Algarve, Manuel Teixeira Gomes, Raul Pro-ença e muitos outros. Terminou em 1912. São muitos os títulos e pouco o espaço. De salientar o facto de, na

imprensa tavirense, podermos ainda incluir dois títulos em inglês: Why not Algarve e e Best of Algarve. Para terminar, não podia deixar de referir o LestAlgarve, que foi um jornal de referência na imprensa algarvia.

Desta grande variedade de peri-ódicos decidi destacar três.

A Sentinela – Semanário Militar Independente (1892)

Semanário noticioso e informativo, propriedade e direcção de João António Bernardo Júnior, com redacção em Tavi-ra. No entanto, com o número 17 (1894), muda-se para Lisboa, virando costas ao Algarve. Custava, inicialmente 20 Réis. Apresentava várias secções, como por exemplo: Folhetim, Factos e Notícias, Secção Charadística, Epigrafi a, Notí-cias Militares, Secção Útil e Recreativa, Estrangeiro, Anúncios etc.. Tratava-se de um jornal essencialmente militar, com vários colaboradores e uma certa preocupação literária, patente nos vários folhetins, poesias e contos que publicou. Dizia no seu editorial: (…)O jornal que hoje apresentamos tem a preensão de ad-vogar a causa do exército da metrópole e do ultramar, da guarda fi scal e da armada real, e de pugnar pelos interesses da nossa querida Tavira que nos foi berço(…).

Povo Algarvio Semanário regionalista (1934)

Segundo com este nome em Tavira, foi, provavelmente, um dos melhores, senão mesmo, o melhor jornal publicado nesta localidade. Propriedade de Jaime Bento da Silva (também seu director), que mais tarde cederia a posse a Manuel Virgínio Pires, que viria a ser também director. Contava com um leque de cola-boradores de “peso”, como por exemplo: Justino de Bívar Weinholtz, Eduardo Mansinho, Antero Nobre, José Fernan-des Mascarenhas, Alberto Iria, Joaquim Magalhães, Mário Lyster Franco, Dr. José Neves Júnior, José António Pinheiro e Rosa, Dr. Francisco Fernandes Lopes, entre tantos outros. As secções regulares eram variadas e, sendo todas de interes-se, seria fastidioso estar aqui a enume-rá-las. Podemos, no entanto, e a título de curiosidade ( e apenas das iniciais), destacar: Banda Musical de Tavira; Sec-ção de Propaganda do Estado Novo; Rendimento das Armações de Atum; Câmara Municipal, etc... Quanto aos artigos de interesse, sucede o mesmo. Ao longo de 42 anos foram muitos os artigos publicados, pelo que, não têm aqui cabimento. Trata-se sem dúvida de uma importante fonte documental para a história de Tavira e do Algarve. Fechou portas defi nitivamente em 1978.

O Tavira – Quinzenário do Ginásio Clube de Tavira

(1973)

No seu editorial dizia (…) Chamou-lhe «O Tavira» por duas razões funda-mentais: primeiro, porque assim é co-nhecido, por todo o país, o nosso clube, quer em cidades e vilas, ou nos pequenos lugarejos, onde os nossos ciclistas con-quistam simpatias e recolhem aplausos de incitamento e carinho; segundo, porque Tavira sempre foi um fascinante nome que electriza a sensibilidade dos taviren-ses.(…). No entanto este jornal, pensado por Sebastião Leiria, Luís Horta e Ofi r Renato das Chagas (que seria o seu di-rector), foi muito além destes objectivos, tornando-se num dos melhores jornais publicados em Tavira e no Algarve. Pro-priedade do Ginásio Clube de Tavira, contou com numerosos colaboradores, nomeadamente José Macário Correia, Manuel Domingos Terramoto, Neto Gomes, Geleate Canau, José António Pinheiro e Rosa, Tito Olívio, Adérito Vaz, Joaquim Magalhães, entre muitos. Muito ilustrado, as suas secções regulares e artigos de interesse são inúmeros e im-possíveis de enumerar no contexto deste artigo. Pela qualidade dos seus artigos e colaboradores, é um título indispensável para a história de Tavira e do Algarve. Custava 2$50. Terminou a sua publicação com o número 203, em 1981.

Postal do Algarve Jornal Regional (1987)

À data da sua fundação não existia nenhum periódico em publicação nesta cidade. Poucos lhe augurariam grande longevidade, tendo em conta a sua apresentação gráfi ca, raiando o amadorismo. No entanto, já lá vão 24 anos e hoje é um dos grandes títulos regionais, projectando-se mesmo, além Algarve. Logo no seu segun-do número, já apresentava uma nova imagem, que foi evoluindo, sempre atenta às novas tendências e que dava a entender que este não seria um pro-jecto para esmorecer. Foi (e é) seu fundador e director Henrique Dias. Inicialmente era de periodicidade mensal, sendo actualmente sema-nário. Foram muitas as vicissitudes, polémicas e críticas em que se viu envolvido, mas soube, granjear o res-peito e reconhecimento dos tavirenses e dos algarvios. Contou, entre os seus colaboradores com o Dr. Beja Santos, o professor Humberto Fernandes, Eng. Amândio Lopes, Dr. Agostinho da Silva, Isabel Zilhão, Vítor Pomar, entre tantos outros. Actualmente pu-blica, mensalmente, este suplemento cultural, autêntica pedrada no charco cultural algarvio. Custava 30$00.

DA IMPRENSA LOCAL

Jornais de Tavira•

Joaquim ParraProfessor de Históriae Coleccionador

Há dias ao remexer no Baú à procu-ra de inspiração para mais um artigo, deparei com uns estranhos objectos que mais pareciam instrumentos de tortura, saídos das caves da Santa In-quisição. Pergunta daqui, pergunta dali, vim a saber que se tratavam, afinal, de instrumentos de “embelezamento feminino”, mais concretamente, ferros para pentear (?).

Numa época em que os secadores de cabelo portáteis ainda não existiam ou eram caríssimos, existiam estes artefactos que permitiam às senhoras moldar os seus cabelos na recreação

dos penteados da moda: o ondulado, o frisado, o caracol (na testa) etc..

A sua utilização requeria uma gran-de prática. Os ferros eram aquecidos nas brasas do fogareiro ou na chama do fogão e a prática requerida tinha a ver exactamente com a temperatura, o momento ideal, para a sua aplicação no cabelo: demasiado quente, queimava e cortava, demasiado frio, não produzia qualquer efeito. O ferro era retirado do calor e, depois de limpo da fuli-gem, utilizado. Uma vez cumprida a sua função, cabia ao pente ou escova completar o processo.

Basicamente, estes ferros eram uma espécie de alicates, diferindo uns dos outros nas extremidades consoante o efeito pretendido.

Legenda:

1 e 2. Ferro usado para ondular.

3. Ferro para o famoso “caracol”.

4. Ferro articulado, para dar o efeito ondulado, tipo Marisa: primeiro prendia-se o cabelo e depois pu-xava-se a anilha, que por sua vez puxava o cabelo através de uma peça a que estava presa.

5. Ferro mais simples que se desti-nava a virar o cabelo, para dentro ou para fora. (deste modelo também existia uma miniatura, usada pelos homens para voltar as pontas dos bigodes).

Beleza a quanto obrigas!

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Cultura.Sul10.03.2011 14

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“Cooking Sessions”- Cozinha e Fotografi apromovem Património

SEMINÁRIO DE S. JOSÉ ACOLHE PROJECTO DE FOTOGRAFIA GASTRONÓMICA

ALFA promove o património cultural •Espaço ALFA

Vítor AzevedoALFA - Associação LivreFotógrafos do Algarvewww.alfa.pt

Aprender a cozinhar, fotografar os pratos elaborados e de seguida degustá-los em locais carismáticos e históricos, são as vertentes dos workshops “Cooking Sessions” que a Associação Livre Fotógrafos do Algarve – A.L.F.A., com o apoio da Escola de Hotelaria e Turismo do Algarve realiza em 2011, um pouco por todo o Algarve.

A sessão inaugural decorreu no Seminário de S. José em Faro, no passado sábado 5 de Março. Tive-mos uma ementa baseada na Cozinha Tradicional Portuguesa: entrada de

canja de amêijoas, a que se seguiu um bacalhau à Conde da Guarda e por fi m a sobremesa com a laranja e mel.

O Bacalhau à Conde da Guarda é uma receita concebida pelo saudoso Mestre João Ribeiro, considerado por muitos o melhor cozinheiro clássico português e que deixou o seu nome ligado ao Hotel Aviz.

Mestre João Ribeiro nasceu em 23 de Junho de 1905 em S. Pedro do Sul, partiu para Lisboa aos 13 anos para trabalhar. Em 1921 entra para o Hotel Suíço Atlântico onde o Chefe da equipa francesa que lá trabalhava o iniciou na arte de cozinhar e no conhecimento da língua francesa, depois rumou ao Tavares Rico e tra-balhou com o Chefe Francês Clement Paurceau, intervalou e fez-se mari-nheiro nas linhas de África.

Tendo a sua época áurea nos anos 40-50 o Hotel Aviz, por ele passaram muitos famosos, como por exemplo: Amália Rodrigues, Marcello Mas-troiani, Frank Sinatra, Eva Peron, Maria Callas, Eizenhoewr, Monte-gomery, Isabel II e a sua irmã Mar-garida… e muitos espiões.

Mas quem mais marcou a sua pre-sença no Aviz Hotel foi o milioná-rio, magnata do petróleo e refi nado gastrónomo Calouste Gulbenkian. Quando foi convidado para viver em Portugal, exigiu ter um grande advo-gado; um grande médico e um grande cozinheiro. O cozinheiro escolhido foi o Mestre João Ribeiro.

O Bacalhau à Conde da Guarda é um dos melhores pratos de bacalhau segundo muitos gastrónomos e na minha própria opinião. Na sua con-fecção são utilizados poucos ingre-dientes, tem uma confecção simples e de baixo custo e um resultado fi nal excepcional.

Por fi m, Laranja com mel e canela. Desta vez misturamos a fruta rainha do Algarve, a nossa laranja com um golpe de mel de Monchique e com o toque exótico e oriental do aroma e sabor da canela, para um fi nal feliz.

Convém recordar que o objectivo das “Cooking Sessions” é promover a Criatividade, o nosso Património, a nossa Cultura e dar visibilidade a Jovens Talentos na área da Cozinha e da Fotografi a.

Para se associar na ALFA basta ter uma câmara convencional, compacta ou SLR digital e dispor de algum

tempo livre ao fi m-de-semana.

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15Cultura.Sul10.03.2011

A tecnologia ao serviço de um ensino melhor

Espaço Educação

DR

Computador Magalhães (Iniciativa eEscolinhas)

O Plano Tecnológico da Educação (PTE) é um dos mais ambiciosos pla-nos estratégicos alguma vez traçados em matéria de tecnologias na educação e, porque preconiza um nivelamento tecnológico das escolas, é verdadeira-mente sinónimo de igualdade de opor-tunidades e liberalização do acesso à informação.

O PTE é coordenado a nível na-cional pelo Gabinete de Estatística e Planeamento da Educação (GEPE) do Ministério da Educação e acom-panhado localmente pela Direcção Regional de Educação do Algarve, representando um investimento directo nas escolas do Algarve na ordem dos 14 milhões de euros.

Este plano estratégico assenta em três eixos de actuação: tecnologia, con-teúdos e formação, além de programas transversais como o eEscolinha e eEs-cola, que do 1.º ao 12.º ano, permitem aos alunos a aquisição de computadores pessoais.

Estes eixos de acção englobam vá-rios projectos no âmbito dos quais:

- todos os acessos à Internet foram renovados com ligações banda larga (PTE Internet);

- as infra-estruturas de rede infor-mática foram reformuladas de acordo com os mais modernos padrões de velo-cidade, segurança e cobertura total sem fi os (PTE Redes de Área Local);

- todas as salas de aula foram equi-padas com pelo menos um computador, um videoprojector e um terço das salas com quadros interactivos (PTE Kit Tecnológico).

A sala de aula passou a ser um espaço interactivo e conectado ao mundo por auto-estradas de comunicação, poten-ciando o ensino e a aprendizagem.

Paralelamente, está em curso a instalação de sistemas de alarme e de videovigilância ligados a um centro na-

cional de monitorização de alarmes da educação, com ligação às forças de segurança (PTE Escol@segura).

Na vertente de conteúdos o PTE lançou o Portal das Escolas em www.portaldasescolas.pt onde estão dispo-níveis ao público mais de um milhar de recursos educativos digitais (RED’s) com ligação a vários repositórios inter-nacionais pesquisáveis.

Na vertente da formação o PTE aposta na certifi cação em Competên-cias TIC de todo o corpo docente por áreas de formação, de forma a pro-mover a utilização das TIC nos pro-cessos de ensino e aprendizagem.

Na vertente de formação para os alunos reforçou o programa de estágios dos cursos profi ssionais (PTE Estágios TIC) e apostou nas Academias TIC. Um bom exemplo é a Escola Secun-

dária Pinheiro e Rosa, em Faro, sede da 1ª Academia TIC do Algarve associada à Cisco, empresa mundialmente reputa-da na área das redes informáticas. Este projecto permite aos alunos desta escola obter, para além da certifi cação escolar e profi ssional, a certifi cação reconhecida pelo mercado de trabalho.

Em 5 de Outubro passado, no âm-bito do programa “100 escolas 100 anos da República” foram inauguradas 100 escolas a nível nacional e o Algarve viu o seu parque escolar crescer com a abertura da Escola Básica e Secundária da Bemposta, em Portimão e da Es-cola Básica de Tecnopólis, em Lagos. Ambas obedecem aos rigorosos padrões de qualidade e inovação das demais Escolas PTE tendo sido totalmen-te equipadas com as mais avançadas tecnologias.

Recentemente comemorámos a Se-mana da Segurança na Internet e ao longo do mês de Fevereiro promovemos mais de vinte sessões de esclarecimento sobre o tema, em várias escolas abran-gendo mais de um milhar de alunos, professores, pais e encarregados de educação.

O PTE desenvolve assim a nível nacional e na região do Algarve um programa global que permite do-tar as Escolas de modernos sistemas de tecnologias da informação e co-municação. Este é um processo que pela sua dimensão e impacto está em construção e gradualmente atingirá os objectivos a que se propõe.

Acreditamos que a tecnologia é um meio para um ensino melhor, colocado ao serviço dos professores, dos alunos e das suas famílias.

As potencialidades deste novo mundo abrem as portas à efectiva colaboração educativa, vencendo a info-exclusão e o isolamento tecno-lógico a que algumas escolas estavam votadas, pela sua dimensão, locali-zação ou contexto socio-educativo e consequentemente os seus alunos e famílias.

Não pretendendo que os nossos alunos vivam isolados deste “novo mundo” permeado por tecnologias, temos o dever e a obrigação de os preparar para o enfrentar de forma crítica e responsável.

E contamos com uma vantagem - os alunos estão intrinsecamente motivados para trabalhar com tec-nologias!

Para mais informações consultar www.pte.gov.pt

DR

Formação de Professores, EB de Algoz, Abril de 2009 Kit Tecnológico

Ana Paula Ferreira AçoCoordenadora PTE AlgarveChefe de Equipa de Desenvolvimento Tecnológico EducativoDirecção Regional de Educação do Algarve

DR

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Cultura.Sul10.03. 2011 16

Num útil livrinho que, então em forma policopiada, correu entre os estudantes de Geografia da Facul-dade de Letras desde os inícios da década de 1960a, diz o sábio geógrafo Orlando Ribeiro que «a paisagem é uma entidade real e não uma criação do espírito, qualquer coisa que se des-creve e que é lícito tentar interpretar no conjunto dos elementos que combi-na». Pois que «o trabalho dos homens acrescenta aos aspectos da natureza uma expressão original e nova», a com-preensão «dos grupos humanos não pode desligar-se do pedaço de terra em que vivem». Nesse sentido, «há paisagens que, com ou sem o homem, seriam idênticas, já porque ele não as ocupa ou o seu número reduzido e as suas técnicas rudimentares em pouco as transformam; outras a que ele se ajustou harmoniosamente, inscrevendo novos e originais traços da sua acção; outras ainda onde a acumulação de gente e de trabalho quase subverte e oculta os elementos naturais». Na maioria dos casos, a paisagem não era pois, para Orlando Ribeiro, «apenas um produto natural, mas o resultado de uma combinação, num quadro físico, de obras e acções humanas». Por isso, constitui uma componente essencial do ambiente humano, uma expressão da diversidade do seu pa-trimónio cultural e natural e base da sua identidade.

Trinta anos depois da primeira difusão daquele livrinho, o Comité do Património Mundial da UNESCO adoptava, na sua 16.ª sessão, em 1992, critérios que permitiam acrescentar às categorias do Património Mundial a paisagem culturalb, definindo esta como uma nova categoria de bem cultural representando as «obras con-jugadas do homem e da natureza» a que se refere o artigo 1.º da Conven-ção do Património Mundialc. Para a

UNESCO, «as Paisagens Culturais ilustram a evolução da sociedade e dos estabelecimentos humanos ao longo dos tempos, sob a influência dos condicionamentos materiais e/ou das vantagens oferecidas pelo seu ambiente natural e das sucessivas for-ças sociais, económicas e culturais, internas e externas».

Uma paisagem cultural nunca é estática. Testemunho do carácter humano, sempre dinâmico, mas per-mitindo também que os elementos naturais sigam os seus ritmos bioló-gicos próprios, ela está sempre sujeita às mudanças, o que a torna difícil de preservar.

Feita em 2000, em Florença, no âmbito do Conselho da Europa, a Convenção Europeia da Paisagemd designa esta como «uma parte do território, tal como é apreendida pe-las populações, cujo carácter resulta da acção e da interacção de factores naturais e ou humanos». Ao ratificar esta Convenção em 15 de Dezem-bro de 2004, o governo português, pelo Decreto n.º 4/2005, de 14 de Fevereiro, comprometeu-se nome-adamente a:

• Identificar as paisagens no con-junto do seu território;

• Analisar as suas características bem como as dinâmicas e as pressões que as modificam;

• Acompanhar as suas transfor-mações.

Quais as implicações para o Al-garve? O Plano Regional do Orde-namento do Território (PROT-Al-garve), procurando ultrapassar uma clássica divisão tripartida em Lito-ral/Barrocal/Serra proposta em 1850 por Charles Bonnete, oferece uma repartição das unidades da paisa-gem algarvia em quatrof: Litoral Sul e Barrocal, Serra, Baixo Guadiana, e Costa Vicentina.

Esta repartição inclui, evidente-mente, subunidades territoriais, es-tas, porém, definidas de um modo quiçá menos consensual. Por exem-plo, poderemos contrapor-lhe que, no Barlavento Vicentino, a Serra de Espinhaço de Cão aparta do res-tante Algarve o território do Cabo, delimitando o lado terrestre de um triângulo balizado pelo Pontal da Carrapateira e pela Ponta da Piedade e cujo vértice sudoeste se bifurca em vários cabos, entre eles o Cabo de São Vicente e as Pontas de Sagres e da Atalaia. Historicamente, des-de os textos da Antiguidade Clás-sica, estas paragens foram descritas como uma finisterra, mergulhada no mistério das incertezas oceânicas. Tradicionalmente, os naturais destas paragens não se consideravam a si próprios como algarvios, nem como tal os tinham as populações vizinhas, e o seu estilo de vida foi marcado, ao longo dos séculos, pelo ambiente

natural e pelos factores de civilização. O território do Cabo apresenta, além disso, uma apreciável diversidade de subunidades paisagísticas, onde a pre-sença do homem não se apercebe do mesmo modog: o ambiente marinho, as arribas, as praias, as charnecas do planalto vicentino, as áreas agrícolas e os bosques de pinheiros.

A diversidade das paisagens cul-turais algarvias deve ser encarada como um recurso potenciador do desenvolvimento regional. E como tal é considerada no âmbito do Plano Estratégico de Cultura para o Al-garve (PECALG). Nesta medida, será caracterizada a situação actual, identificando as diversas paisagens culturais no conjunto do território algarvioh, avaliando a contribuição dos municípios e dos outros agentes de ordenamento e gestão territorial para a salvaguarda, conhecimento e valorização das paisagens enquanto bens culturais (incluindo os seus va-

lores naturais, arquitectónicos, arque-ológicos, etnográficos e imateriais). E, após avaliação dos pontos fortes e debilidades, das oportunidades e desafios, incentivar-se-á uma ampla participação dos intervenientes no processo de ordenamento e gestão territorial para - com um horizon-te temporal de dez anos - poderem definir-se e avaliar-se criticamente as condições de concretização dos objectivos operacionais previstos no PECALG para o Património Cul-tural e Natural.

Por isso, no prosseguimento das mesas temáticas «A Cultura em Con-ferência», vai a Direcção Regional de Cultura do Algarve, em colabora-ção com a Universidade do Algarve, promover a discussão em torno das paisagens culturais algarvias, no mês de Maio, com a participação de reco-nhecidos especialistas nesta área.

Direcção Regional de Cultura do Algarve

(Endnotes)a - Introdução ao estudo da Geografia Re-gional, 1.ª edição impressa: 1987. Lisboa: Edições João Sá da Costa.b - Ver http://whc.unesco.org/en/culturallan-dscape#1 c - Ver http://whc.unesco.org/archive/con-vention-pt.pdf d - Ver http://www.gddc.pt/siii/docs/dec4-2005.pdfe - Bonnet, C., Algarve (Portugal): Description géographique et géologique de cette province. Lisboa: Academia das Ciências, 1850 (veja-se a excelente tradução anotada dada à estampa pela então Delegação Regional do Sul da Secretaria de Estado da Cultura em 1990).f - Mapa em http://www.territorioalgarve.pt/Storage/pdfs/MAPA_01.pdfg - Veja-se a caracterização esboçada por R. Neves e R. Rufino em Sagres do Mar e do Tempo. Faro: Direcção Regional de Cultura do Algarve, 2009.

Algarve: que paisagens culturais?

O papel dos Municípios do Algarve na CulturaAcredito que não se anda longe da

verdade quando se diz que no nosso país o desenvolvimento cultural tem estado dependente das Autarquias locais, sobretudo dos Municípios.

E isto é verdade, quer se assuma a cultura no sentido da preservação dos carateres da identidade de uma comu-nidade, quer, no sentido mais erudito, de fomento de projetos criativos exor-tadores do espírito humano.

Desde logo, porque não há cultura sem espaços físicos, fica-se a dever às Autarquias a preservação dos espaços herdados, quer de âmbito patrimo-nial, quer naturais, que têm permi-tido a sua readaptação a espaços de cultura, seja de uso direto, seja para instalação de associações.

Ainda neste âmbito, é indiscutível

o papel das Autarquias na criação da nova rede de bibliotecas, auditórios, teatros e demais espaços que, verda-deiramente, permitiram o alargamen-to do espectro de destinatários dos produtos culturais. Democratizou-se, assim, a cultura e deu-se-lhe uma verdadeira dimensão nacional.

Porque a verdade se deve dizer, é certo que muitos destes programas se ficaram a dever, na conceção e algum financiamento, aos governos e aos fundos europeus, mas o entusiasmo na sua dinamização, esse é patrimó-nio das Autarquias.

E que dizer dos financiamentos aos grupos locais, às Associações, aos criadores e artistas? Fora dos grandes centros urbanos, onde a procura esti-mula a criação e justifica muitos dos

investimentos, as pequenas cidades, as vilas e aldeias do nosso país não teriam visto teatro de qualidade, não teriam ouvido os grandes artistas, não teriam evoluído no gosto e na exigência, se as autarquias não tivessem apostado em encurtar distâncias.

A realidade seria outra se os Autar-cas não tivessem decidido que já era tempo de não existir um país de pri-meira e um país de segunda e que es-petáculo que é bom para a capital, tem que chegar com a mesma qualidade e ser alvo do mesmo critério de exigên-cia na nossa terra, fique ela a quantos quilómetros ficar de Lisboa.

É que a cultura é o traço caracte-rizador da raça humana, mas muitas vezes não se percebe, ou não se quer perceber, que apostar na preservação

dos vestígios da identidade cultural, incentivar a criação e ousar trazer projetos e programas que mostrem novos horizontes de cultura, é abrir janelas para o mundo, é formar a nossa gente, é fazer para amanhã, homens melhores.

E no Algarve, se como hoje se re-conhece, temos ao longo do ano, uma programação que pede meças à dos grandes centros, se das infraestrutu-ras à dinâmica da atividade cultural, temos uma obra de projetos feita, aos Municípios tal se deve.

O Allgarve veio e germinou por-que o chão estava fértil e, mesmo assim, só vestiu a pele do sucesso quando os Municípios a ele se as-sociaram e o viabilizaram, quer em termos de comparticipação financeira,

quer pondo ao seu serviço o know-how da proximidade e do intenso conhecimento do terreno.

É, pois, justo o tributo (que valha a verdade, dos agentes ao povo, creio que se sente) prestado aos Municípios como principais vetores da dinâmica cultural Portuguesa. Acredito que é porque os Municípios têm percebi-do o seu papel e têm assumido essas obrigações que nos podemos dar ao luxo de vir mantendo Ministérios da Cultura de quase faz de conta.

Joaquim Martins CabritaEx-vereador da Cultura

da Câmara Municipal de Lagoa

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.

Barrocal a norte de Alvor, uma «paisagem cultural» com uma forte intervenção humana

Espaço Cultura

António Pina Convida

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