cultivando o bom nome dos orgânicos

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42 DEZEMBRO/2010 A Lavoura POR J ACIRA C OLLAÇO MÉDICA VETERINÁRIA Cultivando o bom nome dos orgânicos Em meio às tradicionais ladeiras do bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, misturam-se o samba, a vida noturna e... uma fábrica de alimentos orgânicos. Sua proprietária é Jucenei Batista, ela mesma com uma formação um tanto distante deste setor. Formada em Ciências Sociais e em Filosofia, há 20 anos entrou no mercado de produtos naturais com sua empresa Cultivar Brazil. Assim, caminhos diversos acabaram se encontrando: a busca do bem-estar humano aliada à alimentação saudável. A Cultivar Brazil tem áre- as produtivas próprias? A empresa é uma beneficia- dora com fornecedores de maté- rias-primas orgânicas. Na loja, comercializo produtos tanto da Cultivar como de outras empre- sas. Como está a disponibilida- de de fornecedores? Posso dizer que há cinco anos eram muito raros, mas observei uma melhora em número e di- versidade de mercadorias/ali- mentos. Quais são os principais produtos da empresa? Por enquanto, biscoitos, que Em sua opinião, os programas de apoio governamen- tal para a atividade produtiva em pequena e média esca- la são raros? Durante a história da Cultivar, tive sim que contar com cré- ditos, e os obtive. Mas acho que é preciso melhorar, e muito, tais incentivos. Qual o papel de feiras e eventos? Vejo-os como um local de aprendizagem e treinamento. Só tive uma verdadeira noção do mercado numa feira, por exem- plo, como a alemã Biofach. Lá, vi fornecedores, representan- tes de governos, técnicos e organizadores, entre outros colegas, ganhando o feedback do consumidor. No Brasil, isso não existe fora de uma feira, e também não existem pesquisas específi- cas para o setor orgânico. Qual é o meio de venda principal da Cultivar Brazil? O varejo, para lojas de produtos naturais. Tem projetos de expansão? A loja em Santa Teresa abriu em julho, é uma realização recente. Acho muito importante que a Cultivar agora tenha essa “cara” para o consumidor, além dos produtos em si. Tem projetos para novos produtos? Sim, quero “driblar” a concorrência e resgatar tradições cu- linárias, oferecendo uma diversidade alimentar ao consumidor. Por exemplo, o arroz a vácuo: ele aproveita uma condição físi- ca de conservação, que impede que as pragas sobrevivam à falta de ar dentro da embalagem, além de não precisar de conser- vantes. têm uma boa saída para as crianças. E isso é um de meus de- sejos, que elas possam dispor de alimentos saudáveis. Mas é claro que tenho uma meta de ampliar a linha para bolos, brownies e grãos em geral, todos exclusivamente orgânicos. Por que decidiu adotar esse processo de produção? No começo, trabalhava com produtos naturais, mas já com a ideia de produzir sem aditivos. Na época, há 20 anos, e cada vez mais, venho observando o fracasso do modelo alimentar con- vencional; acredito que ele seja responsável por gerar muitas reações alérgicas na população em geral. Diante dessa grave situação, decidi voltar-me à produção orgânica. Hoje tenho as certificações da Ecocert e da Abio, esta última me permitindo comercializar no estado do Rio de Janeiro e de São Paulo. Para a fábrica da Cultivar, qual foi o investimento de maior vulto? Adquirir o maquinário, mas ao longo do tempo ele tornou- se mais acessível. Qual o setor que mais consome recursos? A mão-de-obra, por respeitar as leis trabalhistas. Mas é ela que dá qualidade ao produto, que é artesanal, e também os pro- cessos de produção são afetados por ela. Como é feito o treinamento dos empregados? É local, na produção. Mas para que tudo corra bem, é ne- cessário também que a empresa tenha à disposição um profis- sional caro: o engenheiro de produção. É ele que pode raciona- lizar e aprimorar o fluxo de produção e a própria gestão. As em- presas pequenas sentem muita falta desses profissionais. CRISTINA BARAN Diversos produtos da Cultivar Brazil prontos para degustação !ALAV681-42-43-Organicsnet.pmd 29/11/2010, 13:38 42

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Em meio às tradicionais ladeiras do bairro de Santa Teresa, RJ misturam-se o samba, a vida noturna e uma fábrica de alimentos orgânicos. Produz biscoitos e bolos, sem lácteos ou glutem.

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Page 1: Cultivando o bom nome dos orgânicos

42 DEZEMBRO/2010 A Lavoura

POR JACIRA COLLAÇO

M É D I C A V E T E R I N Á R I A

Cultivando o bom nome dos orgânicosEm meio às tradicionais ladeiras do bairro de Santa Teresa,

no Rio de Janeiro, misturam-se o samba, a vida noturna e...

uma fábrica de alimentos orgânicos. Sua proprietária é

Jucenei Batista, ela mesma com uma formação um tanto distante

deste setor. Formada em Ciências Sociais e em Filosofia, há 20 anos

entrou no mercado de produtos naturais com sua empresa

Cultivar Brazil. Assim, caminhos diversos acabaram se encontrando:

a busca do bem-estar humano aliada à alimentação saudável.

A Cultivar Brazil tem áre-

as produtivas próprias?

A empresa é uma beneficia-

dora com fornecedores de maté-

rias-primas orgânicas. Na loja,

comercializo produtos tanto da

Cultivar como de outras empre-

sas.

Como está a disponibilida-

de de fornecedores?

Posso dizer que há cinco anos

eram muito raros, mas observei

uma melhora em número e di-

versidade de mercadorias/ali-

mentos.

Quais são os principais

produtos da empresa?

Por enquanto, biscoitos, que

Em sua opinião, os programas de apoio governamen-

tal para a atividade produtiva em pequena e média esca-

la são raros?

Durante a história da Cultivar, tive sim que contar com cré-

ditos, e os obtive. Mas acho que é preciso melhorar, e muito,

tais incentivos.

Qual o papel de feiras e eventos?

Vejo-os como um local de aprendizagem e treinamento. Só

tive uma verdadeira noção do mercado numa feira, por exem-

plo, como a alemã Biofach. Lá, vi fornecedores, representan-

tes de governos, técnicos e organizadores, entre outros colegas,

ganhando o feedback do consumidor. No Brasil, isso não existe

fora de uma feira, e também não existem pesquisas específi-

cas para o setor orgânico.

Qual é o meio de venda principal da Cultivar Brazil?

O varejo, para lojas de produtos naturais.

Tem projetos de expansão?

A loja em Santa Teresa abriu em julho, é uma realização

recente. Acho muito importante que a Cultivar agora tenha

essa “cara” para o consumidor, além dos produtos em si.

Tem projetos para novos produtos?

Sim, quero “driblar” a concorrência e resgatar tradições cu-

linárias, oferecendo uma diversidade alimentar ao consumidor.

Por exemplo, o arroz a vácuo: ele aproveita uma condição físi-

ca de conservação, que impede que as pragas sobrevivam à falta

de ar dentro da embalagem, além de não precisar de conser-

vantes.

têm uma boa saída para as crianças. E isso é um de meus de-

sejos, que elas possam dispor de alimentos saudáveis. Mas é

claro que tenho uma meta de ampliar a linha para bolos,

brownies e grãos em geral, todos exclusivamente orgânicos.

Por que decidiu adotar esse processo de produção?

No começo, trabalhava com produtos naturais, mas já com

a ideia de produzir sem aditivos. Na época, há 20 anos, e cada

vez mais, venho observando o fracasso do modelo alimentar con-

vencional; acredito que ele seja responsável por gerar muitas

reações alérgicas na população em geral. Diante dessa grave

situação, decidi voltar-me à produção orgânica. Hoje tenho as

certificações da Ecocert e da Abio, esta última me permitindo

comercializar no estado do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Para a fábrica da Cultivar, qual foi o investimento de

maior vulto?

Adquirir o maquinário, mas ao longo do tempo ele tornou-

se mais acessível.

Qual o setor que mais consome recursos?

A mão-de-obra, por respeitar as leis trabalhistas. Mas é ela

que dá qualidade ao produto, que é artesanal, e também os pro-

cessos de produção são afetados por ela.

Como é feito o treinamento dos empregados?

É local, na produção. Mas para que tudo corra bem, é ne-

cessário também que a empresa tenha à disposição um profis-

sional caro: o engenheiro de produção. É ele que pode raciona-

lizar e aprimorar o fluxo de produção e a própria gestão. As em-

presas pequenas sentem muita falta desses profissionais.

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Diversos produtos da Cultivar Brazil prontos para degustação

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A Lavoura DEZEMBRO/2010 43

Quais os obstáculos que vê aos orgânicos no Brasil?

São os preços ainda altos. Além disso, penso que é preci-

so mudar a postura do consumidor justamente sobre o tem-

po de prateleira. Apesar da durabilidade alta dos produtos

convencionais ser uma aparente vantagem, um produto or-

gânico, que normalmente tem menor tempo de conservação,

ganha pelo frescor. Outra vantagem é que os nutrientes so-

frem menor degradação, algo que acontece em alta escala nos

produtos processados.

Como você analisa sua concorrência?

Sempre existe, mas tenho tranquilidade por trabalhar em

um mercado próprio. O que acontece de negativo é que algu-

mas empresas se utilizam de “outros” meios para vender seus

produtos. Alguns têm uma aparência natural e são mais ba-

ratos, mas só conseguem alta durabilidade por usarem con-

servantes.

Por outro lado, tenho a posição que a produção orgânica per-

maneça com pequenas empresas. Este mercado vem chaman-

do a atenção no Brasil; se as grandes entrarem em peso – mes-

mo que sejam elogiadas por tal atitude – usarão seu lobby para

vender para o mundo, e isso tem íntima relação com a durabi-

lidade do produto. Para atingir mercados distantes, provavel-

mente usarão componentes incompatíveis com a proposta or-

gânica, mas também sua força

para flexibilizar regras e legisla-

ções. É um processo que já acon-

teceu com pequenos produtores

nos EUA, que questionaram a va-

lidade disso.

Vê a exportação como atra-

ente?

Até certo ponto, por exemplo:

tenho contato com uma compa-

nhia canadense que ficou muito in-

teressada em meus biscoitos. O

problema recaiu na validade, que

seria considerada curta para a ex-

portação. Mesmo assim, eles estão

estudando a logística para a

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paçoca da Cultivar. Posso dizer, contudo, que meu grande inte-

resse é alimentar as crianças brasileiras; a exportação não é meu

grande foco no momento.

Como superar problemas de logística?

Pela empresa estar bem no centro da cidade do Rio, não en-

contro grande dificuldade na entrega de produtos ou na loco-

moção.

Como faz a divulgação da Cultivar Brazil?

Infelizmente, ainda não tenho site, então me apoio no boca

a boca. Quando necessário, faço panfletos artesanais, mas em

pequena escala, já que não posso arcar com os custos de gran-

des quantidades. Investimentos em outros tipos de propagan-

da têm o mesmo problema, mas pelo menos acho que meus pro-

dutos até se vendem sozinhos.

Acha que falta divulgação do produto orgânico para

o público?

Sim, e a pouca informação disponível atinge a todas as clas-

ses. Acredito que, se as emissoras de televisão ou outros meios

de comunicação se envolvessem mais, causariam um grande

impacto no mercado.

2010 já está acabando. Pode fazer alguma avaliação

desse ano?

O que mais me afetou neste ano foram as chuvas e as féri-

as. Com as viagens mais baratas, as pessoas de maior poder

aquisitivo consumiram menos produtos no país.

Gostaria de comentar algum desafio?

Tenho várias idéias para 2011, mas o mais importante é que

as companhias de alimentos tenham um maior compromisso

ético com a alimentação.

SYLVIA

WA

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Brownies em sua embalagem comercial Dois sabores dos biscoitos Cultivar

Sabor inovador: feijão

A proprietária e consumidores na feira Bio Brasil

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