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Acervo Antnio de Alcntara Machado/IEB-USP

Alcntara Machado diante da catedral de Notre Dame, em Paris (1925)

ALCNTARA MACHADO

Departamento Iconogrfico Municipal de So Paulo

BRUNO ZENI

A46 Cult - junho/2001

Ao reler hoje os contos de Brs, Bexiga e Barra Funda livro lanado em 1927 , o que mais chama a ateno, o que salta aos olhos, provavelmente aquilo que a obra tem de menos atual: os italianismos como ciao, andiamo, stai zitta, subito, repito unaltra vez, ia dimenticando de dizer, proferidos por seus personagens talo-brasileiros de So Paulo, de nomes como Beppino, Carmela, Nicolino, Lisetta, Rocco, Gennarinho, Salvatore Melli; sua dedicatria aos novos mamalucos, como Victor Brecheret, Anita Malfatti, Vicente Rao, o caricaturista Voltolino, o conde Francisco Matarazzo; seu Artigo de fundo de carter explicativo, entre manifesto e declarao de intenes, to tpico desse primeiro momento modernista que se pense no Prefcio interessantssimo da Paulicia desvairada, de Mrio de Andrade, e nos manifestos Pau-Brasil e Antropfago, de Oswald de Andrade. Nessa constatao no vai, obviamente, juzo de valor. Os aspectos menos atuais de um texto so to-somente aqueles que no desenrolar do tempo, devido s transformaes socioculturais, perderam ressonncia imediata.

ALCNTARA, inventor de So PauloJ aquilo que de forma despercebida absorvemos pelos sentidos da leitura e se apresenta aos nossos olhos como bela seqncia cinematogrfica , em verdade, o que os contos de Alcntara Machado tm de mais fresco e de melhor aquilo que s se descobre na leitura atenta e de intimidade com o livro. O que nos faz ler esses textos de mais de 70 anos de idade como se tivessem sido escritos ontem aquilo que se esconde no ilusionismo da narrativa: as frases curtas e diretas; a preferncia pela ao em contraponto descrio; a oralidade do texto do narrador (antes que a oralidade dos personagens); a dico jornalstica de ausncia de autor, de distanciamento e de iseno sentimental em relao ao objeto; os recortes de instantneos urbanos, os textos de finais inconclusos ou abertos caractersticas que fizeram Srgio Milliet definir o estilo de Alcntara como uma prosa gil, de nervos tensos, cortante como uma gilete (em texto de introduo edio conjunta de BBBF e Laranja da China, de 1944) e que Dcio Pignatari aproximou do cinema por sua expresso da

simultaneidade dos fatos e por seus procedimentos de construo da narrativa: Quando se espera uma soluo mais ou menos prevista (...), ele desincha o balo em anticlmax narrativo, antecipando o neorealismo italiano De Sica, em Ladres de bicicleta. Corta e atalha a frase como quem corta eventos e sentimentos. Short cuts. Quick cuts. Pratica o fotoflagrante icnicoverbal (Sabi sem palmeiras, em Brs, Bexiga e Barra Funda, editora Imago). o vigor e a longevidade do estilo criado por Alcntara Machado que surpreendem e interessam hoje, quando se comemora o centenrio de nascimento do escritor, em 25 de maio. Entre esse centenrio e o prximo, o de sua morte, vai pouco tempo. Alcntara Machado teve morte prematura em 1935, pouco antes de completar 34 anos, depois de uma cirurgia de apndice. Em sua curta trajetria de escritor temperada com as atividades de jornalista e de poltico , deixou obras fundamentais para a compreenso do modernismo brasileiro e da literatura paulistana: o livro de crnicas de viagens Path-Baby (1926), os contos de Brs, Bexiga e Barra Funda (1927) e de Laranja da China

Acima, Alcntara Machado em 1924. Na pgina oposta, a rua Quinze de Novembro, prxima Praa da S, em 1925.

O escritor, jornalista e poltico Antnio de Alcntara Machado nascido h cem anos, no dia 25 de maio autor de obras fundamentais para a compreenso do modernismo brasileiro e da literatura paulistana como Brs, Bexiga e Barra Funda, que, ao lado de Paulicia desvairada, de Mrio de Andrade, fundou a representao literria e simblica de So PauloA gnese simblica de SPO sentimento generalizado nas primeiras dcadas do sculo passado era de progresso, novidade, vertigem, velocidade. Durante a dcada de 20, seriam erguidos os primeiros arranha-cus de So Paulo, como o edifcio Martinelli, construdo entre 1922 e 1929. A malha de transportes sobre trilhos (trens, bondes) comea a conviver com o transporte sobre rodas (carros, nibus). A metrpole cresce e transformase em morada de diversos povos e etnias, especialmente de italianos, espanhis, rabes, turcos, israelitas e japoneses. No Rio de Janeiro, um dos maiores cronistas da era pr-modernista, o dndi Joo do Rio, registra, j na dcada de 10, que vivamos na era do automvel, como escreveu em uma crnica de seu livro Vida vertiginosa, de 1912. O cronista percebera, j em 1909, que soframos de uma doena dos tempos modernos: Evidentemente ns sofremos agora em todo o mundo de uma dolorosa molstia: a pressa de acabar. Os nossos avs nunca tinham pressa. Ao contrrio. Adiar, aumentarjunho/2001 - C u l t 47

Acervo Antnio de Alcntara Machado/IEB-USP

(1928) e o romance Mana Maria (edio pstuma de 1936). Cavaquinho e saxofone (edio pstuma de 1940) seleciona alguns de seus artigos publicados em jornal. Novelas paulistanas, a reunio dos textos ficcionais do autor os j citados, mais alguns contos esparsos e o fragmento de romance Capito Bernini , o primeiro volume de suas obras completas, que agora ganham edio pela Studio Nobel. Brs, Bexiga e Barra Funda continua sendo a mais importante e bem acabada obra de Alcntara Machado ainda que alguns crticos, como Srgio Milliet, tenham saudado o amadurecimento do autor em Laranja da China. Ao lado dos poemas de Paulicia desvairada, de Mrio de Andrade, os contos de BBBF so fundadores da representao literria e simblica de So Paulo. Da matriz de Alcntara Machado, bebem o cinema de O grande momento (1958), de Roberto Santos, e de So Paulo S/A (1966), de Luis Srgio Person, a msica de Adoniran Barbosa, as literaturas de Joo Antnio e, mais recentemente, de Fernando Bonassi e de Valncio Xavier.

Essa fundao simblica da cidade, que marcaria de diferentes formas toda a produo posterior, soa hoje quase como um vaticnio: So Paulo a cidade sociedade annima, sempre em transformao; a cidade do progresso como um valor em si mesmo, da marginalidade miservel e desprovida da aura do mito (ao contrrio da malandragem carioca), da populao estrangeira e diversificada, da produo e da convivncia agressiva de atividades diversas (a fbrica, o comrcio, a publicidade). A maior cidade do pas tambm lugar de prosa curta, violenta, seca, cinematogrfica: So Paulo no viu surgir em todo o sculo 20 uma obra literria de flego, um romance altura da complexidade sociocultural de sua histria ao longo dos ltimos cem anos a fico de Zulmira Ribeiro Tavares (O nome do bispo) e, antes dela, a de Paulo Emlio Salles Gomes (Trs mulheres de trs PPPs) devem ser lembradas, como anotou Roberto Schwarz, mas a relao dessas obras com a cidade espera estudo mais aprofundado.

era para eles a suprema delcia (...) O homem mesmo do momento atual num futuro infelizmente remoto (...) ser classificado, afirmo eu j com pressa, como o Homus cinematograficus (Joo do Rio, A pressa de acabar, em Cinematgrafo). Se em Joo do Rio esse flagrante de transformao social tem um tom nostlgico, de denncia, de inconformismo e de certo ceticismo no futuro, em Alcntara Machado a nova ordem urbana aparece completamente integrada realidade, matria de fico, motor de sua escrita. De molstia, a vida vertiginosa passa a condio inescapvel. Sua impresso: a rua que andava, no ele. Passou entre o verdureiro de grandes bigodes e a mulher de cabelo despenteado (...) Ia indo na manh. A professora pblica estranhou aquele ar to triste. As bananas na porta da QUITANDA TRIPOLI ITALIANA eram de ouro por causa do sol. O Ford derrapou, maxixou, continuou bamboleando. E as chamins das fbricas apitavam na Rua Brigadeiro Machado (Amor e Sangue, em BBBF). Os novos tempos pediam uma nova lngua. As possibilidades de inventividade e presentificao literrias, Alcntara Machado as encontraria na tentativa de mimetizao do cotidiano de So Paulo: A rua Baro de Itapetininga um depsito sarapintado de automveis gritadores. As casas de modas [AO CHIC PARISIENSE, SO PAULO-PARIS, PARIS ELEGANTE] despejam nas caladas as costureirinhas que riem, falam alto, balanam os quadris como gangorras (Carmela, em BBBF); Na sala de jantar Pepino bebia cerveja em companhia do Amrico Zamponi (SA48 Cult - junho/2001

LO PALESTRA ITLIA Engraxase na perfeio a 200 ris) e o Tibrcio ( O Tibrcio... O mulato? Quem mais h de ser?). Quero s ver daqui a pouco a notcia do Fanfulla. Deve cascar o almofadinha. Xi, Pepino! Voc ainda muito criana. Tu ingnuo, rapaz. No conhece a podrido da nossa imprensa. Que o qu, meu nego. Filho de rico manda nesta terra que nem a Light. Pode matar sem medo. ou no , seu Zamponi? Seu Amrico Zamponi soltou um palavro, cuspiu, soltou outro palavro, bebeu, soltou mais outro palavro, cuspiu. isso mesmo, seu Zamponi, isso mesmo! (O monstro de rodas, em BBBF). Essa renovao do estilo narrativo direto, atual, oral estava ao alcance de suas mos no jornalismo, atividade que ele j exercia, como cronista do Jornal do Comrcio (onde apareceriam as crnicas de viagem reunidas em PathBaby). Alcntara buscou mesmo eliminar as fronteiras entre uma coisa e outra, literatura e jornalismo, procurando dar aos textos o frescor da novidade e o movimento das ruas. No Artigo de fundo, que faz as vezes de prefcio a BBBF, o autor define o livro como um jornal e seus contos como notcias. A atividade jornalstica se prestava s maravilhas a um movimento que, de incio, seria marcado por manifestos combativos, cartas de intenes, prefcios explicativos e propositivos. No por outro motivo, os modernistas fundaram diversas revistas literrias para dar vazo ao afluxo das novas idias e da produo potica e ficcional que pedia ressonncia imediata e retumbante. Alcntara dirigiu trs dessas revistas:

Terra Roxa... e Outras Terras, a Revista de Antropofagia e a Revista Nova.

O fenmeno talo-brasileiroO testemunho das transformaes sociais do comeo do sculo um dos vetores do texto de Alcntara Machado. Naquilo que os contos de BBBF tm hoje de menos atual, como se disse, reside a atualidade do texto poca e tambm sua importncia documental. Como uma fotografia da dcada de 20, o livro nos mostra uma classe social em ascenso: a dos talobrasileiros. A presena italiana, alm de marca social, tambm um fenmeno da lngua. Por isso tantas expresses italianadas, recurso que hoje pode nos confundir um pouco: estaria o escritor fazendo pouco caso dos intalianinhos?; teria essa profuso de italianismos uma funo anedtica ou satrica, como nas Cartas dAbaxo Pigues e na Divina increnca, de Ju Bananere?; resvalaria o esteretipo e a comicidade rasa?; revelaria preconceito ou distanciamento do autor em relao matria narrada?; o abandono do cotidiano talo-brasileiro nos livros seguintes (retomado depois no Capito Bernini) apontaria casusmo no tema de BBBF? Os talo-brasileiros seriam, afinal, o tema mesmo de BBBF? A lngua estrangeira como indicador mais aparente da transformao social como elemento de novidade, de notcia o que parece mais interessar ao autor nessa profuso de parole. O italiano misturado ao portugus (ia dimenticando de dizer) era o que se ouvia nas ruas, modificando o modo de dizer dos paulistanos. o que Alcntara registra no uso de palavras italianas abrasileiradas, como mquina (macchina) para designar carro, e no emprego ambguo do

Departamento Iconogrfico Municipal de So Paulo

Vista panormica de Santa Ceclia (bairro onde Alcntara Machado morou) no incio dos anos 1920. Na pgina oposta, capas de primeiras edies de suas obras.

verbo amassar (amazzare, assassinar), em Gaetaninho. Um dos contos de BBBF encena explicitamente essa nova realidade de pareamento entre brasileiros descendentes de portugueses e de italianos. O texto chama-se, tambm ambiguamente, A sociedade, e comea com a tenso anunciada entre as etnias: Filha minha no casa com filho de carcamano! O conto ope duas famlias, uma de origem portuguesa e outra de origem italiana, que se unem em sociedade: nos negcios e no matrimnio dos filhos, Adriano Melli e Teresa Rita Matos e Arruda. O Cavaliere Ufficiale Salvatore Melli prope um acordo ao Conselheiro Jos Bonifcio de Matos e Arruda: 1.200 teares. 36.000 fusos. Constituam uma sociedade. O conselheiro entrava com os terrenos. O Cav. Uff. com o capital (...) A outra proposta foi feita de fraque e veio seis meses depois. Segue o convite de casamento de T eresa e Adriano. A vida em sociedade d em negcios e em casamento. Em outras palavras, o capital o alicerce da nova sociedade paulistana e, mais forte que os preconceitos de raa, promove nova miscigenao. Como queria a tese das fornadas de mamalucos, os talo-brasileiros so os novos mestios nacionais e nacionalistas (Artigo de fundo, BBBF). Os registros de reorganizao social presentes no livro no se esgotam aqui. Poderamos citar os novos usos e costumes (como o namoro a bordo de Lancias e Buicks, como o dos jogos de futebol), o fascnio pelos automveis, a dupla face (utilitria e assassina) dos novos meios de transporte, a iconografia que mudava a paisagem, indicada nos vrios cartazes que o autor procura reproduzir com seu texto.

Entre eles est o Ao Barbeiro Submarino, o Armazm Progresso de So Paulo, o Salo Palestra Itlia e os letreiros das lojas da moda, de sotaque francs, j citadas. Resta dizer que o livro de contos de Alcntara Machado constri o primeiro mapeamento ficcional da cidade: do Brs, do Bexiga e da Barra Funda que chegam as primeiras notcias de So Paulo.

Caminhos depois de BBBFDa admirvel sntese sociocultural de Brs, Bexiga e Barra Funda, Alcntara Machado passa aos perfis de Laranja da China. Compem o livro 12 contos com o mesmo tipo de ttulo: nome de personagem definido por uma caracterstica de sua personalidade; a aluso a personagens histricos anulada na revelao de seus nomes completos: O revoltado Robespierre (senhor Natanael Robespierre dos Anjos), O filsofo Plato (senhor Plato Soares), O inteligente Ccero (menino Ccero Jos Melo de S Ramos) etc. Comentando a edio conjunta dos dois livros, de 1944, Srgio Milliet chega a falar em amadurecimento de estilo, o que parece, se no um equvoco, um exagero ou um vcio interpretativo (uma espcie de evolucionismo literrio que espera que o escritor progrida ao longo do tempo). Laranja da China, publicado um ano depois de BBBF, foi escrito concomitantemente a este, como indica Ceclia de Lara, em comentrios e notas edio fac-similar de 1982. Mas ao contrrio de BBBF, Laranja da China no era, j em sua concepo, projeto planejado no seu todo. Alguns contos do livro haviam sido publicados anteriormente em revistas literrias da poca, caso de O mrtir Jesus, que antes

do livro respondia pelo nome Conto de Carnaval. Este, alis, o melhor conto do livro, em que se narram os preparativos da famlia do funcionrio pblico Crispiniano B. de Jesus para pular o Carnaval paulista. Aqui est o mesmo Alcntara de Brs, Bexiga e Barra Funda, que agora registra o corso de Carnaval, que questiona o conservadorismo moral, que expe as tenses sociais e geracionais, que resume seus motes em equao literria sempre inovadora, como na conversa que segue: Famlias distintas. No tem nada demais. As filhas de Dona Ernestina iam. E eram filhas de vereador. A est. Acabava cedo. S se o Crispiniano for tambm. Por nada deste mundo. Ora essa muito boa. Pai malvado. No faltava mais nada. Falta de couro isso sim. Meninas sem juzo. Tempos de hoje. Meninas sapecas. O mundo no acaba amanh. Antigamente hein, Sinhara? antigamente no era assim (...). O tom geral do livro de farsa. So perfis de gente encrenqueira e eloqente, como Natanael Robespierre, passadista e tradicionalista, como o patriota Washington, de gente meio inepta (que apanha para o guarda-sol), cheia de manias e apartada de seu papel social, como o senhor Plato. possvel que com Laranja da China o escritor quisesse fazer a caricatura daqueles cujo tempo j passou, dar um testemunho pattico da sobrevivncia daqueles que no passado vivem (Plato, Jesus, Robespierre), mas que no presente esto fadados incongruncia e inadaptao. Como diz Ceclia de Lara, na introduo ao novo volume das Novelas paulistanas (editora Studio Nobel), parodiando os antigos compndios em que se alinhavam retratos de homens ilustres, o escritor, sejunho/2001 - C u l t 49

CENTENRIO

As comemoraes dos cem anos de nascimento de Antnio de Alcntara Machado sero marcadas pela reedio de seus livros e pela realizao de eventos. Ainda este ano, a editora Studio Nobel em co-edio com o IEB e a Imesp lana os trs primeiros de um total de sete volumes das Obras completas de Alcntara Machado, com organizao de Ceclia de Lara e Djalma Cavalcante (respectivamente, presidente de honra e coordenador da Comisso Organizadora do Centenrio do Nascimento de Antnio de Alcntara Machado). A mesma editora publicar tambm Antnio... paulistano e brasileiro, biografia escrita por Djalma Cavalcante. Outra importante iniciativa ser a reedio de Antnio de Alcntara Machado e o modernismo, de Luiz Toledo Machado, primeiro estudo sobre o autor, publicado originalmente em 1972 pela editora Jos Olympio. Alm disso, trs importantes eventos esto sendo preparados pela Comisso: a

T E R R E E D I O DA O B R A C O M P L E TA

exposio Novelas Paulistanas: Redescobrindo Antnio de Alcntara Machado (com a reconstituio de ambientes da So Paulo dos anos 20 e holografias tridimensionais em tamanho natural contando a vida do escritor, alm de documentos, fotos, objetos, manuscritos e primeiras edies de suas obras); um workshop, composto por quatro conferncias e uma mesa-redonda, que percorrer doze universidades estimulando o interesse do meio acadmico pela obra de Alcntara Machado; e, finalmente, o espetculo Cantando e Contando Antnio, que entre 8 de agosto e 26 de novembro visitar 500 escolas da grande So Paulo, em que contadores de histria fazem uma narrativa dramatizada de seus textos ao som de peas musicais da poca do escritor. Maiores informaes na Comisso Organizadora do Centenrio do Nascimento de Antnio de Alcntara Machado, sediada no IEB (Instituto de Estudos Brasileiros da USP), tel. 11/3818-3427.

por um lado ridiculariza a preocupao com uma linhagem que no existia, por outro mostra que alguns traos bsicos unem pessoas distanciadas pelo tempo e espao, irmanadas por virtudes e defeitos comuns (...). As diferenas entre cada conto, porm, so tamanhas e sua reunio um tanto arbitrria, como se disse que quase uma armadilha tentar ver unidade nesse balaio ficcional. O prprio Alcntara no parecia seguro da qualidade do seu segundo livro de contos, como aponta Marcos Antonio de Moraes (em Encontro de amizade, publicado na revista D.O. Leitura, ano 18, nmero 3). A dedicatria de Alcntara ao exemplar de Manuel Bandeira vem com a advertncia: No esprema que no sai sumo. O nome mesmo do livro, que ecoa versos do Paulicia desvairada, sugere troa (de patriotismo, de si mesmo e de seus personagens): Laranja da China, Laranja da China, Laranja da China! era como se cantarolavam os primeiros acordes do hino nacional. O romance Mana Maria, publicado postumamente, apresenta um estilo que caminha para uma tentativa de equao entre a prosa cortante dos primeiros livros e uma narrativa mais distendida, nuanada, e de maior profundidade psicolgica. Mana Maria a filha mais velha de Joaquim Pereira e de Dona Purezinha. Com o falecimento da me, ela assume o posto que j era ocupado pela esposa do marido submisso: a de chefe da casa. Passa a mandar no pai e na irm menor, Ana Teresa. fcil identificar a tentativa de Alcntara em dar a mana Maria a complexidade que nenhum de seus personagens anteriores jamais havia tido. Mana Maria imvel, o olhar parado, as mos paradas no colo, considerava aquele moreno meio careca, subitamente rubo50 Cult - junho/2001

rizado, que lastimava o engano de sua enfermeira, uma alem ainda no muito familiarizada com a lngua portuguesa. Estava mentindo. Era visvel. Que que o teria levado ali? Impassvel, mana Maria (Dr. Samuel agora se estendia sobre os criados em geral, sua negligncia, sua insolncia diante dos patres) se decidia diante do menor gesto do intruso a dar um grito que faria vir dos fundos da casa a copeira, a arrumadeira, a cozinheira. No. Ele no ousaria tanto. E se ousasse ela no apelaria para ningum. Sozinha, sem elevar a voz, talvez com um simples olhar, poria o atrevido imediatamente no olho da rua. Alguns temas caros ao autor cintilam aqui e ali, nas entrelinhas do romance: o conflito entre novos e antigos valores, traduzidos no choque de geraes (entre Joaquim Pereira e seu pai); a autoridade exercida de maneira psicologicamente violenta; a tradio familiar (o autor mesmo orgulhava-se de ser descendente de uma tradicional famlia paulista); a convivncia de etnias diversas no cotidiano paulista; as relaes entre patres e empregados, as tenses entre as classes sociais. Sabe-se ainda que Alcntara trabalhava tambm com certa insegurana na confeco de um outro romance: Capito Bernini. O fragmento existente, includo nas edies recentes de Novelas paulistanas, mostra uma volta aos temas talo-paulistanos de BBBF. O personagem principal o menino Adriano, apelidado Russinho, que vive em uma vila da regio da Barra Funda. Russinho morava no nmero 3. T e Alfredo no 7. Afonso no 10. E o Nicolau no 11. Os meninos vivem na rua, jogando bola, comendo fruta no p, vadiando. J fazia dez dias que Russinho cabulava as aulas (...) vagabundava pelas ruas, vendo ferrar cavalo na alameda Glette, conversava com um, conversava com outro (...), bulia com a louca

da rua Ana Cintra, por fim ia esperar os companheiros no terreno baldio da avenida So Joo para chegarem juntos em casa. Como no Gaetaninho, o universo leve e solto da infncia atropelado pelo mundo trgico dos adultos. A morte do pai de Russinho, Nello Bernini, rene toda a vizinhana em torno dos ritos fnebres e da dvida sobre o destino do menino. A promessa dessas poucas pginas escritas que se estenderiam at tomar o corpo de um romance no fosse a morte prematura de Alcntara Machado a de um painel social, com uma constelao de personagens e de histrias povoando uma pequena vila de gente simples de So Paulo. So muitas as questes ainda sem aprofundamento a respeito dessas obras menos lidas de Alcntara, s quais se juntam contos avulsos como o teatral e metalingstico O mistrio da rua General de Paiva, o poltico As cinco panelas de ouro e o cmico Aplogo brasileiro sem vu de alegoria. Mesmo as prolas de BBBF merecem olhar mais demorado e atento. At hoje, a pesquisa bibliogrfica e os trabalhos preciosos de Ceclia de Lara sobre as inovaes estticas e sobre a atuao de Alcntara como crtico teatral so a maior contribuio para a fortuna crtica do autor. A obra de Alcntara como um todo continua esperando estudo detido e corajoso, um trabalho que faa juz ao que sua fico projetou ao longo do sculo passado e que costure sua relao com a Paulicia desvairada do amigo Mrio e com a nossa Paulicia desvairada do sculo XXI.Bruno Zenijornalista, autor do livro indito O fluxo silencioso das mquinas Pequenas iluminaes asflticas, que ser lanado este ano pela Ateli Editorial

PROSA EM QUADRINHOSILUSTRAO DE

RODRIGUES

Um dos traos mais marcantes da obra de Antnio de Alcntara Machado a visualidade. Alm de dar ensejo a parcerias com diversos artistas plsticos modernistas como destacamos a seguir neste dossi , tal caracterstica gerou iniciativas de desenhistas contemporneos, que viram na obra do escritor novas possibilidades de um dilogo com a linguagem visual. Exemplo disso a adaptao para quadrinhos da pea O nortista (da qual reproduzimos ao lado a primeira pgina) feita pelo ilustrador, cartunista e caricaturista Rodrigues, que atualmente prepara a edio em quadrinhos das dez narrativas que compem Brs, Bexiga e Barra Funda.junho/2001 - C u l t 51

CECLIA

DE

LARA

M52 Cult - junho/2001

O RAPSODO DAMuitos conhecem o ficcionista Antnio de Alcntara Machado, autor de narrativas curtas, de presena obrigatria em antologias do conto brasileiro como Gaetaninho, Aplogo brasileiro sem vu de alegoria. Mas, bem mais ampla foi sua atuao como articulista e ensasta em jornais e revistas, desde a estria, em 1921, at sua morte, em 1935. Faceta conhecida apenas por algumas amostras e que atualmente ser recuperada em toda sua dimenso para a edio de suas Obras completas, pois para um volume que rene a fico, outros cinco se reservam para a crnica, a crtica e o ensaio sobre teatro, literatura modernista e outros temas, poltica e, em menor escala, as incurses pela histria e pela cultura popular. Outros planos tinha ainda o escritor, como preparar uma obra sobre teatro brasileiro e uma antologia de poesia e prosa da literatura brasileira. Isso sem falar do romance interrompido Capito Bernini e talvez da retomada do texto dramtico O nortista, que ficou em um s ato. Num curto perodo de vida ativa, Alcntara Machado abriu vrias frentes, quase sempre entrelaadas. Assim, o ficcionista e o cronista no se separam do jornalista. E no s porque boa parte de sua fico apareceu na imprensa antes de ser recolhida em livro, pois o jornal no foi s um veculo de divulgao. Ao conferir a suas criaes uma aparncia no livresca, no literria conforme carta a Carlos Drummond de Andrade que havia assinalado a tcnica cinematogrfica em Path-Baby e, em Brs, Bexiga e Barra Funda, uma tcnica jornalstica (carta citada pelo poeta na crnica Um caso srio, de abril de 1927) , Alcntara Machado de fato utilizou tcnicas de composio peculiares imprensa que se renovava visualmente com as manchetes em letras grandes, a variao de tipos. Assim, compe as pginas de seus livros como uma folha de jornal, com uma estrutura de mosaico, com amplo uso do negrito, caixa alta e variedade de tipos, bem como a pontuao muito especfica que assumem a condio de signos visuais, aliados aos conceitos das palavras. A apresentao de Brs, Bexiga e Barra Funda tem o ttulo Artigo de fundo e no por acaso assinada A Redao. Alm de procedimentos de corte e montagem, que remetem ao cinema, com mudanas espaciais e temporais, incorpora, ainda, dizeres dos letreiros, transcrio de cartas e convites, criando um forte apelo visual associado, tambm, a sugestes sonoras, como o uso de onomatopias, trechos de msica, de falas ocasionais que entrecortem o discurso, segundo o processo de colagem conforme j apontamos nos estudos anexos s edies fac-similares e em ensaio sobre a produo do escritor.

O incio da carreira: na raiz da crnica, do conto e da crticaNo Jornal do Comrcio de So Paulo, Alcntara Machado publicou sua primeira colaborao conhecida: a crtica obra de A. Mota, Vultos e livros, mas houve artigos anteriores em O Norte, de Taubat. A atividade jornalstica comea de fato quando, a convite do diretor do Jornal do Comrcio, M. Guastini, ele se encarrega da seo Teatros e Msica, em 1923, comentando os espetculos da cidade de So Paulo. Colabora tambm com crnicas na pgina literria S aos domingos (1923-24) nicas amostras de um estilo no modernista, ainda preso sua formao tradicional. Tambm escreveu os sueltos (1924) pequenas notas para preencher vazios no jornal e que em suas mos adquirem condio de crnicas

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IMPRENSArpidas, muitas delas sobre aspectos da cidade de So Paulo. Mas Alcntara Machado firmou-se, sobretudo, com as colaboraes fixas, ao p da pgina sob o nome de Saxofone, substitudo por Cavaquinho, segundo ele, instrumento mais brasileiro (1926-27). Algumas dessas crnicas tratam de momentos da vida da cidade de So Paulo: Carnaval, Natal, Fim de Ano. Reelaboradas, passaram a constituir narrativas de Laranja da China, mantendo a tnue fronteira entre os gneros crnica/conto, conforme o intuito modernista de renovar a prosa literria. De temas variados, muitas crnicas servem causa modernista, investindo contra os passadistas, que resistiam s mudanas. Aspectos logo retomados nos Dirios Associados, quando trata do marasmo instalado na vida cultural do Brasil, da cristalizao dos movimentos anteriores, da mentalidade conservadora, presa aos modelos consagrados. Por outro lado, ressaltava a atitude crtica do grupo modernista gerao revoltada, com posio permanente de ruptura: o que torna Antnio de Alcntara Machado um dos mais veementes defensores do movimento de renovao.

A rua Quintino Bocaiva, onde ficavam as sedes de alguns dos principais jornais de So Paulo, em 1922

A atividade jornalstica est impregnada na obra ficcional de Alcntara Machado e permite redesenhar o perfil intelectual do escritor, que em sua atividade como crtico e cronista foi um renovador do teatro brasileiro, da esttica literria e da historiografia sobre So Paulo

Teatro: o crtico e o ensasta

Alcntara Machado no foi s um escritor que tambm se exercitou no jornalismo, como era e comum. O jornal foi determinante no seu estilo, pois a atividade cotidiana como crtico de teatro de 1923 a 1926 com interrupo quando viaja Europa e escreve as crnicas de Path-Baby representou uma verdadeira escola. Os comentrios sobre espetculos da So Paulo nos anos 1920, que ocupavam um espao mnimo, na seo T eatros e Msica, eram redigidos noite, para sair no jornal do dia seguinte. O esforo de sntese, a linguagem direta, sem ornamentos, acabam por se incorporar, tambm, ao estilo da matria literria ainda tradicional nas crnicas de S aos Domingos. A linha de comentrios de espetculos teatrais se desenvolve em ensaios de flego em Terra Roxa... e Outras Terras, Revista do Brasil, Novsssima e Movimento (todas de So Paulo), O Jornal (do Rio de Janeiro), quando seu iderio relativo ao teatro toma corpo. Mas s se completa com uma nova srie de artigos na seo Caixa, do Dirio Nacional, de So Paulo, cuja autoria o acaso nos levou a identificar, pois

utilizava o pseudnimo de J.J. de S. A ausncia de pesquisa no campo do teatro brasileiro levou muitos crticos a suposies equivocadas, acreditando que Alcntara Machado ignorava as inovaes do teatro no exterior. Nessa srie Caixa, todas as facetas do teatro moderno estrangeiro so abordadas, canalizando para o teatro brasileiro as propostas de renovao que pareciam faltar ao modernismo. Associando os ensaios crtica de jornal, foi possvel recompor a viso ampla do escritor sobre o teatro e, embora com atraso, o modernismo ganhou o terico que lhe faltava para consolidar a ao do movimento em todos os campos da arte. E ainda nos permitiu situar o crtico numa posio de vanguarda, com propostas que o teatro brasileiro s colocar em prtica nos anos 1940 e 1950: com o texto de Nelson Rodrigues encenado pelo polons Ziembinski, que canaliza sua experincia europia para os palcos brasileiros, e em So Paulo com as peas de Ablio Pereira de Almeida e Jorge de Andrade que tratam de temas da vida brasileira, tal qual Alcntara Machado props em seus ensaios e realizou nas narrativas de fico nos anos 1920.junho/2001 - C u l t 53

Departamento Iconogrfico Municipal de So Paulo

B I O G R A F I A

Comcio do Movimento Constitucionalista em 13 de julho de 1932, diante das obras de construo da catedral da S

Antnio de Alcntara Machado a sntese de quatro geraes de uma famlia que chegou ao Brasil em 1530. Esse paulistano, nascido em 25 de maio de 1901, deixou um legado ainda a ser explorado pela gente brasileira. Sua famlia nos deu quatro personagens de escol: o Brigadeiro Jos Joaquim, Brazlio Machado, Jos de Alcntara Machado e Antnio de Alcntara Machado. Esses homens participaram ativamente da vida pblica e cultural de nosso pas. Antnio de Alcntara Machado coroou de glria essa estirpe. Atuou na imprensa desde os tempos de acadmico do Largo de So Francisco. Estreou como crtico literrio no Jornal do Comrcio de So Paulo, em 1921, analisando Vultos e livros, de Artur Mota. Em 1923, passou a assinar a seo Teatro e Msica. Suas crticas teatrais e musicais serviram de base para posterior elaborao de ensaios fundamentais na concepo do moderno teatro brasileiro. Da leitura da revista Tico-Tico, de Angelo Agostini, das colunas de Menotti del Picchia, Oswald e Mrio de Andrade nos

S nos anos subseqentes morte do escritor que as condies tcnicas permitiram que se colocassem em p espetculos renovadores, sob a gide da moderna encenao. Do teatro europeu de sua poca, o maior impacto lhe veio de Pirandello, representado em So Paulo em 1923 e em 1925, como revelam suas palavras entusisticas sobre Seis personagens em busca de um autor. Para o teatro brasileiro, ele de incio indica como caminho o tratamento de temas nacionais com tcnicas modernas importadas do teatro estrangeiro. Com o tempo, radicaliza sua posio, passando a sugerir que se tomassem no s temas, mas tambm as formas teatrais do circo e da comdia para a criao de um teatro brasileiro e moderno, em correlao com as propostas das correntes Pau-Brasil e Antropofagia, que se aplicavam s demais manifestaes da arte e da literatura. Profundo conhecedor dos grandes nomes do moderno teatro europeu, russo, norte-americano, teve plena conscincia do momento que a arte dramtica atravessava. Em relao aos debates sobre a morte do teatro, que, segundo alguns, seria totalmente substitudo pelo cinema como ocorreu posteriormente com a vulgarizao da televiso , Alcntara Machado, ao contrrio, considerava a influncia do cinema como um fator de sobrevivncia do teatro, levando-o modernizao.54 Cult - junho/2001

Com a localizao do conjunto das crticas de Alcntara Machado, foi possvel elaborar o ensaio De Pirandello a Piolim, que nos permitiu trazer a pblico mais uma faceta do escritor, revelando-se, ainda, uma nova vertente do modernismo: a da contribuio do teatro para a formao do iderio renovador do movimento, ao lado de outros veios j conhecidos, como a pintura e a msica propostas que comeam a ser incorporadas aos estudos que traam a trajetria do moderno teatro brasileiro atualmente.

Crnicas de viagem e crtica literria nos Dirios AssociadosNuma segunda etapa de atividade jornalstica nos Dirios Associados, que se inicia em 1927 com artigos que retomam o debate das idias de renovao, seguese uma nova srie de crnicas de viagem nos anos de 1929 e 1930, que derivam das andanas de Alcntara Machado por pases europeus ou de sua trajetria interior, com as peas de teatro s quais assistiu ou das leituras sobre autores e obras nesse perodo. De volta ao Brasil, com Reportagem Literria retoma a colaborao regular tratando de obras de autores estreantes e que viriam a ter importncia no panorama cultural brasileiro, como Caio Prado Junior, Jos Lins do Rego, Marques Rebelo, Otvio de Faria, aproveitando o ensejo para fazer reflexes sobre assuntos do momento

como as nascentes ideologias, socialismo, comunismo, fascismo e a postura da religio catlica que provocavam debates entre os intelectuais, alm de pontos fundamentais para a literatura, como a nova prosa que surgia aps o mpeto demolidor dos tempos iniciais do modernismo. Marcante em sua atividade jornalstica foi sua atuao junto aos peridicos do grupo modernista, dos quais foi colaborador e diretor, como Terra Roxa... e Outras Terras (1926-27), que dirigiu como A.C. Couto de Barros. Na fase modernista da Revista do Brasil (1927), publicou vrios ensaios sobre teatro, e em 1928-29 dirigiu com Raul Bopp a Revista de Antropofagia rgo da corrente primitivista brasileira, lanada por Oswald de Andrade na literatura e por Tarsila do Amaral na pintura. Importante srie de resenhas, nessa revista, ilustra a ampliao espacial e de idias do modernismo, por todo o pas, diversificando-se ao acolher a contribuio de cunho regionalista. Indispondo-se com o lder, Oswald de Andrade, deixa a revista, que passa a ocupar espao no Dirio de S. Paulo. Isolado dos antigos companheiros do movimento, Oswald de Andrade investe contra Alcntara Machado e mesmo Mrio de Andrade. Responsvel por uma coluna diria no Dirio da Noite, do Rio de Janeiro, em 1934, Alcntara Machado exerceu tambm a funo de diretor desse jornal na ltima fase de sua trajetria, pois veio a falecer em 1935. Com seu humor e ironia contundentes,

quotidianos paulistas, da admirao por ilustradores como Voltolino e Paim, da constante atualizao literria e, sobretudo, da viagem Europa em 1925, nasceu o Antnio modernista. No participou da Semana de 22, mas aderiu entusiasticamente vanguarda literria de So Paulo. Em 1926, fundou, com Couto de Barros e Srgio Milliet, a revista Terra Roxa... e Outras Terras, em que colaboraram os principais nomes da nova literatura paulista. No mesmo ano, publicou Path-Baby, crnicas de viagem, com prefcio de Oswald de Andrade e ilustraes de Paim. Obra modernista em todos os sentidos: linguagem, ilustraes e apresentao grfica. Em 1927, publicou Brs, Bexiga e Barra Funda, contos em que fotografa cinematograficamente os talo-brasileiros que caracterizavam a vida desses bairros paulistanos. Notveis so a fluidez sinttica da narrao e o aproveitamento do falar tpico dos filhos de imigrantes. Ju Bananere usou a linguagem do imigrante italiano, Antnio retratou a maneira de ser e de falar dos descendentes das personagens de Bananere. Em 1928, fundou a Revista de Antropofagia, que divulgou a esttica e obras modernistas e publicou o livro de contos Laranja da China, em que o incio da maturidade literria o faz abrandar os cacoetes lingsticos e formais da fase revolucionria do modernismo.

Um ano aps vencer o concurso de monografias histricas da Sociedade Capistrano de Abreu, Antnio publicou, em 1929, o estudo Anchieta na capitania de So Vicente, decisiva contribuio para a bibliografia anchietana. No mesmo ano, passou a colaborar os Dirios Associados. De setembro de 1929 a junho de 1930, realizou sua ltima viagem Europa, essa feita em companhia de Lolita, com quem viveu sua nica histria de amor conhecida. Em 1931, fundou, com Paulo Prado e Mrio de Andrade, a Revista Nova, peridico importante para a histria da cultura literria e artstica do Brasil. Na Revoluo Constitucionalista de 1932, pela primeira vez, o rdio foi usado no Brasil como veculo de proselitismo poltico. Diretor da Rdio Record, Antnio escrevia os textos e Csar Ladeira os locutava concitando a populao de So Paulo a aderir ao movimento. Dedicou os ltimos anos de sua vida poltica, ao jornalismo e a escrever o romance Mana Maria, publicado postumamente. Antnio morreu em 14 de abril de 1935. Era deputado federal eleito por So Paulo, mas no empossado, e diretor do Dirio da Noite, do Rio de Janeiro. Em 1940, foi publicado Cavaquinho e saxofone, que rene uma seleta de artigos escritos para os jornais em que colaborou. Djalma Cavalcante

tratava de temas ligados vida poltica, esboando retratos de figuras de seu tempo, como Getlio Vargas, J. Amrico de Almeida, Juarez Tvora e outros, maneira dos personagens de Laranja da China. No auge do domnio da expresso, atingindo uma linguagem equilibrada, o escritor no chegou a recolher os contos que escreveu em jornais aps as edies em livro de 1927 e 1928, e tambm no chegou a publicar Mana Maria, deixando ainda um romance apenas iniciado, Capito Bernini. No jornalismo, tal como na literatura, Antnio de Alcntara Machado se situa como um inovador, desde a forma de tratamento da matria at a valorizao dos novos meios de divulgao, como as agncias noticiosas do exterior. Na direo do Dirio da Noite, teve oportunidade de acompanhar, na prtica, a modernizao das tcnicas de impresso do jornal aplicadas nos EUA e s quais se refere em artigos sobre a imprensa. Sobre sua atuao nessa etapa, afirma Assis Chateaubriand em palavras de homenagem pstuma: Antnio dirigia de fato, no se limitando ao artigo: vivia nas oficinas acompanhando a paginao, orientando, imaginando reportagens. E isso todos os santos dias, tanto que graas a esse servio novo o popular vespertino carioca aumentara de muitos milhares de exemplares a sua tiragem. O jornalista comeava a afirmar-se, tambm, como se afirmara o homem de letras, como se afirmaria, sem dvida, o parlamentarista

(O comandante submarino, no livro Em memria de Antnio de Alcntara Machado, editora Pocai, 1936).

O estudioso da histria de So PauloPara completar o esboo das atividades do escritor fora do mbito da fico, resta falar de suas incurses na pesquisa historiogrfica e na cultura popular. Ao contrrio do que possa parecer, os modernistas valorizavam a tradio brasileira em busca das razes nacionais, opondose de forma radical ao passado prximo, que no abria espao para as inovaes. Paulo Prado e mais tarde Srgio Buarque de Holanda deram incio moderna historiografia brasileira, tambm nascida no mbito modernista. Com menor intensidade Alcntara Machado tambm comeou a se dedicar pesquisa histrica. Fiel terra natal que tanto amou, a cidade de So Paulo, elaborou estudos sobre Anchieta, sobre seu av Brazlio Machado Neto, notas para um livro sobre a Faculdade de Direito do Largo de So Francisco projeto que no chegou a realizar e ainda artigo sobre a figura de Mailasky importante na implantao da ferrovia no Brasil e sobre a histria da imprensa em So Paulo, que confirmam a vocao de pesquisador e comprovam a erudio, fruto de sua formao tradicional. Comprovando sua abertura ao campo da cultura, teve a ateno despertada pelas canes dos trovadores populares da cidade de So Paulo, aos quais se

refere em Trovadores do Tiet. Antecipou-se ao interesse pelas razes da msica popular no alentado estudo no qual traa um paralelo entre a cano popular carioca e paulista, escrito como introduo coletnea Lira paulistana que no chegou a publicar, inseguro de sua validade. Mas a ausncia de metodologia e meios adequados para recolher o material de cunho oral no invalidam o esforo, valendo como documentao das manifestaes das camadas populares em So Paulo. Obra que teve divulgao pstuma na Revista do Arquivo Municipal de So Paulo, (v. XVII, 1935), por iniciativa de Sergio Milliet, que na apresentao declara: Trata-se de excelente trabalho de etnografia citadina, valiosa contribuio para o conhecimento do nosso folclore que a Revista do Arquivo Municipal ora publica. Este apanhado geral, forosamente superficial pelas circunstncias, cumpre apenas o objetivo de romper os limites do campo de atuao mais conhecida do escritor, fazendo emergir outras faces do intelectual, que se redesenha com novos dados de pesquisa e estudos. Acentuando-se a atualidade de suas idias e realizaes, passado o tempo, firma-se o papel que desempenhou como precursor que ultrapassou em muito o momento em que viveu.Ceclia de Larapresidente de honra da Comisso Organizadora do Centenrio do Nascimento de Antnio de Alcntara Machado, professora da USP , pesquisadora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) e autora de livros como De Pirandello a Piolim, Klaxon e Terra Roxa... e Outras Terras

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I TINERRIOVeja nestas pginas o roteiro da viagem Europa que Antnio de Alcntara Machado realizou em 1925, com destaque para reprodues de alguns do cartes-postais que o escritor enviava a seu pai. Ao todo, Alcntara Machado realizou trs viagens Europa. Na primeira delas, em 1912-1913, permaneceu na Sua, onde foi aluno de um internato em Haute-Savoie. A segunda que destacamos nestas pginas foi a mais marcante, pois possibilitou um contato direto com os modernistas europeus. Na terceira, finalmente, Alcntara Machado percorreu cidades de Frana, Itlia, Sua, Hungria, Repblica Tcheca e Alemanha.

DE

56 Cult - junho/2001

UM

MODERNISTA

LEIA ABAIXO O ROTEIRO DAS CIDADES PERCORRIDAS POR ALCNTARA MACHADO EM 1925: Partida de Santos em 24 de maro, com escalas em Recife e na Ilha de Las Palmas, na costa africana Portugal Lisboa Frana Cherbourg, Paris, Dives-sur-Mer Inglaterra Londres Itlia Milo, Veneza, Florena, Bolonha, Pisa, Lucca, Siena, Npoles, Perugia, Assis, Roma Hungria Budapeste Repblica Tcheca Praga Sua Berna Frana Paris Espanha Barcelona, Sevilha, Crdoba, Granada, Madri Frana Marselha Retorno ao Brasil via Recife e Santos, onde desembarca em 2 de novembrojunho/2001 - C u l t 57

R OTEIRO

DE

V IAGEM

DJALMA CAVALCANTE

ANTNIO ESCREVEU,Foi com certeza devorando o TicoTico que o pessoalzinho de minha idade tomou gosto pela leitura. Como aconteceu comigo. A gente todas as quartas-feiras apanhava dos irmos mais velhos e dava nos irmos mais moos s pela febre de ser o primeiro a saber das novas aventuras da famlia Z Macaco. Faustina, flor de caju, era nesse tempo a dama dos nossos pensamentos. Porque provocava a nossa alegria. Pela gurizada em Cavaquinho, no Jornal do Comrcio de So Paulo, 12/03/1927

L emos ns Vabolicionista e o movimento republicano. Em 1905 Agostini criou o Tico-Tico, revista infantil que iniciou, no Brasil, o gnero dos quadrinhos. Ele a dirigiu, escreveu e desenhou com a colaborao, principalmente, de J. Carlos. Agostini morreu em 1910, desenhando o TicoTico. A revista perdurou at 1955. Dentre as caractersticas bsicas do TicoTico, podemos apontar o uso de uma linguagem coloquial e simples, um humor sutil e irnico, a aluso aos personagens importantes da vida poltica, cultural e social da poca e o emprego de desenhos com poucos traos de forte impacto. Se eu iniciasse o pargrafo anterior da seguinte forma: Dentre as caractersticas bsicas de Antnio de Alcntara Machado... e enumerasse as mesmas caractersticas ali apontadas, estaria dizendo o que essencial, em termos estilsticos, acerca da obra de Antnio. E isso no por acaso. Desde o princpio e at o fim de sua carreira como escritor e jornalista, Antnio de Alcntara Machado manteve uma estreita ligao estilstica com os quadrinhos, mais precisamente com as imagens visuais em geral. A crtica literria praticamente unnime em salientar o carter cinematogrfico da sua forma de escrever. Essa caracterstica tem, nas suas origens, os quadrinhos, o cinema, a

O58 Cult - junho/2001

O depoimento de Antnio de Alcntara Machado inequvoco: o seu gosto pela leitura foi despertado ainda na infncia pelas histrias em quadrinhos do Tico-Tico, uma das muitas criaes do desenhista, caricaturista e escritor talobrasileiro Angelo Agostini. Nascido na Itlia, Agostini chegou ao Brasil quando tinha apenas 16 anos. Militou na imprensa, em que criou diversos jornais e revistas, todos de efmera durao (Diabo Coxo, O Cabrio, Revista Ilustrada e D. Quixote). Nesses veculos, escrevendo e desenhando especialmente caricaturas, exerceu sempre sua combatividade e seu esprito zombeteiro. Envolveu-se em lutas polticas, como a campanha

leitura de alguns modernistas franceses e norte-americanos, a sua veia literria essencialmente jornalstica e a estreita relao, profissional e pessoal, com alguns dos principais desenhistas e caricaturistas da sua poca. Como j vimos, seu primeiro contato com os quadrinhos foi com o Tico-Tico que, alm de ser um excelente trabalho, era o nico existente no mercado nacional. A partir de 1912, quando Antnio permaneceu por quase um ano numa escola-pensionato sua, ele teve acesso a diversas publicaes europias, principalmente francesas. Pelo resto da vida ele continuou a l-las, diversificando sempre, e cada vez mais, o nmero de ttulos e de idiomas atravs dos quais se mantinha atualizado com o gnero. A histria em quadrinhos tem uma linguagem prpria onde se estabelece um equilbrio entre o visual e o verbal, na maior parte dos casos com ligeira preponderncia, em termos de impacto perceptivo, das imagens sobre as palavras. Na sua literatura ficcional e no seu jornalismo, Antnio de Alcntara Machado buscou esse mesmo equilbrio apresentado pelas histrias em quadrinhos, s que concedendo a primazia s palavras, ao invs de s imagens. Fez isso muitas vezes, recorrendo sistematicamente arte de desenhistas e

Ao longo de sua carreira como escritor e jornalista, Antnio de Alcntara Machado manteve uma estreita ligao estilstica com os quadrinhos e com a linguagem visual, dialogando com artistas como Angelo Agostini, Voltolino e principalmente Paim, o co-autor de Path-Babycaricaturistas que ilustraram seus escritos. Vide, por exemplo, o brilhante trabalho de Paim para Path-Baby. Mas o principal recurso usado por Antnio para a obteno daquele equilbrio foi o estilo acentuadamente pessoal que desenvolveu nos seus escritos. Alm das frases curtas e pouco adjetivadas, caracterstica de praticamente todos os modernistas brasileiros, ele desenvolveu um grafismo e um ritmo narrativo que so s seus. O grafismo de Antnio se expressa no uso de caixa-alta, negritos, silabaes, repeties de vogais em exclamaes, espaos no usuais entre dois pargrafos, todos esses recursos abundantemente empregados na elaborao das histrias em quadrinhos. O ritmo narrativo de Antnio semelhante impresso gerada pelo pontilhismo na pintura. Os elementos essenciais so fornecidos pelo artista. Ao observador ou leitor cabe a ao gestltica de uni-los e formar, em sua mente, uma imagem globalizada do que lhe foi proposto. Dessa forma, o leitor que recria a obra e o faz no seu ritmo pessoal, dando-lhe contornos subjetivos. O autor o propositor das idias e imagens que sero processadas pelos destinatrios do seu trabalho. Em termos prticos, esse o conceito de obra aberta analisado por Umberto Eco em seu livro Obra aberta

(editora Perspectiva). Em funo de suas caractersticas estruturais, as histrias em quadrinhos usam exatamente essa linguagem aberta para narrar suas estrias. No h dvida de que esses elementos estilsticos to freqentes em Antnio de Alcntara Machado foram, pelo menos em parte, derivados de seus contatos com esse tipo de literatura. O cinema, especialmente o cinema mudo, tambm usa o ritmo da obra aberta e, sem dvida, lana mo do mesmo tipo de grafismo utilizado por Antnio. Alis, o autor era um freqentador assduo dos cinemas. Chaplin foi uma de suas grandes paixes. No difcil distinguir em Gaetaninho, um dos mais conhecidos contos de Antnio, uma estreita identidade com os personagens infantis que acompanham o imortal Carlitos em seus filmes. Em certa medida, a linguagem cinematogrfica, especialmente nos tempos do cinema mudo, quando a freqncia da projeo era de 16 fotogramas por segundo, uma retomada, com movimento, da linguagem das histrias em quadrinhos. Atravs do estreito contato com o cinema, Antnio acentuou, em sua maneira de escrever, a ligao entre

Acervo Plnio Doyle/Fundao Casa de Rui Barbosa

palavra e imagem que j absorvera nos quadrinhos impressos. Em termos literrios, essa tendncia de Antnio ganha contornos praticamente definitivos quando, em sua viagem de 1925 Europa, entrou em contato direto com a produo de alguns modernistas franceses. Apollinaire, de quem j havia lido algumas coisas, foi a leitura que o acompanhou durante boa parte da viagem e que o influenciaria pelo resto da vida. Dentre as obras do francs, duas em especial o marcaram: o poema Zone e os contos do L Hrsiarque et Cie. Em Zone, Apollinaire fala de uma Paris dos bairros populares e do cosmopolitismo da grande cidade, da mesma forma que, alguns anos depois, Antnio falaria sobre So Paulo em Brs, Bexiga e Barra Funda e em Laranja da China. Nos contos do L Hrsiarque et Cie., o francs narra histrias triviais do cotidiano, temperadas com fantasia, humor e ironia, de forma muito semelhante que Antnio viria empregar nos contos dos seus livros. A estilstica de frases curtas, perodos de uma s palavra, pouca adjetivao e reproduo da fala oral comum a Apollinaire e Antnio de Alcntara Machado. Lendo qualquer um dos dois, vemos o que lemos.junho/2001 - C u l t 59

OBRAS PUBLICADAS EM VIDA

BIBLIOGRAFIA DE ANTNIO DE ALCNTARA MACHADOL ARANJA DA C HINA Antologia de contos publicada pela Empresa Grfica Editora Monteiro Lobato Limitada, de So Paulo, em 1928. Segunda edio (pstuma), juntamente com a de Brs, Bexiga e Barra Funda, em 1944, pela Livraria Martins Editora, de So Paulo, e terceira edio, em 1961, no volume Novelas paulistanas, publicado pela Livraria Jos Olympio Editora, do Rio de Janeiro. Atualmente no h edio disponvel desta obra. C OMEMORAO DE B RAZLIO M ACHADO Discurso pronunciado na Faculdade de Direito do Largo So Francisco, em 1928, e publicado na revista acadmica O Onze de Agosto de maro de 1929. Este documento no foi republicado. A NCHIETA NA CAPITANIA DE S O V ICENTE Estudo histrico, vencedor do primeiro Prmio da Sociedade Capistrano de Abreu, em 1928, publicado na Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro de outubro de 1929 (Sociedade Capistrano de Abreu, separata do tomo 105, volume 159). No teve reedio. C ARTAS , INFORMAES , FRAGMENTOS HISTRICOS E SERMES DE A NCHIETA Estudo introdutrio e notas sobre a vida de Anchieta,

P ATH -B ABY Reunio de impresses de viagem e de crnicas, com prefcio de Oswald de Andrade e ilustraes de Antonio Paim, publicada em 1926, pela Editorial Hlios Limitada, de So Paulo. Segunda edio, em 1983, pela Editora Civilizao Brasileira, no volume II das Obras de Antnio de Alcntara Machado intitulado Path-Baby; Prosa Turstica: O viajante europeu e platino, com organizao de Ceclia de Lara e direo de Francisco de Assis Barbosa. Atualmente no existe edio disponvel desta obra. BRS , B EXIGA E B ARRA F UNDA NOTCIAS DE SO PAULO Antologia de contos publicada pela Editorial Hlios Limitada, de So Paulo, em 1927. Segunda edio (pstuma), com introduo de Srgio Milliet e capa de Clvis Graciano, em 1944, pela Livraria Martins Editora, de So Paulo, e terceira edio, com capa e ilustraes de Poty e introduo de Francisco de Assis Barbosa, em 1961, no volume Novelas paulistanas, que rene a obra ficcional do autor, publicado pela Livraria Jos Olympio Editora. Nos ltimos anos foram publicadas edies pelas editoras Imago e Nova Alexandria.

publicado em 1933, pela Editora Civilizao Brasileira (Rio de Janeiro), e pela Academia Brasileira de Letras. Segunda edio, ainda disponvel no mercado, realizada pela Editora Itatiaia, de Belo Horizonte, em 1988. PUBLICAES PSTUMAS L IRA PAULISTANA Estudo introdutrio ao cancioneiro popular urbano de So Paulo, com antologia de peas, publicado na Revista do Arquivo Municipal (So Paulo) de outubro de 1935. Segunda edio, em 1983, pela Editora Civilizao Brasileira, no volume I das Obras de Antnio de Alcntara Machado intitulado Prosa preparatria & Cavaquinho e saxofone, com organizao de Ceclia de Lara e direo de Francisco de Assis Barbosa. Obra indisponvel no presente momento. R APSODOS DO T IET Estudo crtico e antologia do cancioneiro popular paulista, publicado na Revista do Arquivo Municipal (So Paulo) de novembro de 1935. Segunda edio em 1983, pela editora Civilizao Brasileira, do Rio de Janeiro, no volume Prosa preparatria & Cavaquinho e saxofone. Obra indisponvel no presente momento.

Ambos tambm foram jornalistas e se impregnaram da linguagem jornalstica, direta, sinttica, objetiva e que induz o leitor a visualizar os fatos narrados. Mais que isso, o escrever para a imprensa peridica lhes facilitou o desenvolvimento de uma excepcional acuidade na observao dos fatos cotidianos. Essa realidade somada natural fantasia de suas mentes e sensibilidades permitiulhes ser os ficcionistas que foram. Ainda na Europa, em 1925, Antnio comeou a alargar seus conhecimentos sobre a literatura em lngua inglesa. Particular ateno foi dedicada produo norte-americana, em especial aos autores jovens como John Dos Passos, do qual a obra Manhattan transfer, publicada nesse mesmo ano, lhe caiu nas mos ainda em terras europias. Esse livro de Dos Passos causou um grande impacto em Antnio. O que mais impressionou o brasileiro foi a capacidade do norte-americano em romper com os seculares cnones literrios europeus. Em Manhattan transfer, segundo Antnio, o autor virou o romance tradicional e bem acabado de cabea para baixo. O fato que nessa obra, numa primeira leitura, o que sobra a impresso de que, em termos formais, estamos diante do caos: Dos Passos nos prope uma sucesso de figuras apenas insinuadas, como se os personagens fossem um conjunto de almas procurando um significado para a prpria60 Cult - junho/2001

existncia e, nessa busca, so primeiro sugados para dentro de si mesmos e depois lanados na ferica realidade exterior de Manhattan, a megalpolis que representa o futuro e o sucesso. A viso do animal humano, antes como um ser social que como indivduo, antes como um elo entre o passado e o futuro que uma realidade presente capaz de dirigir o prprio destino, tpica da literatura de John Dos Passos, desencadeou muitas e profundas reflexes em Antnio de Alcntara Machado. A elaborao desses pensamentos contribuiu para que Antnio construsse suas estrias de forma que a maioria dos personagens, mesmo alguns tendo aspiraes de liberdade e progresso, permanecesse onde estivesse, impotente diante da fora da realidade social e da magnitude da cidade de So Paulo onde vive. Um exemplo perfeito dessa postura de Antnio encontramos no personagem Mana Maria, do romance homnimo e de publicao pstuma (1936). John Dos Passos outro literato que lemos vendo e tambm ele trabalhou longo tempo na imprensa peridica. Trabalhar na imprensa peridica teve uma importncia decisiva nas obras de Apollinaire, Dos Passos e Antnio de Alcntara Machado. E no poderia ser diferente: para pessoas responsveis e dedicadas, como o caso dos trs autores, ser jornalista mais do que exercer uma profisso, condenar a si mesmo a viver

e ser de uma determinada maneira. Um jornalista deve ser um curioso e atento observador de tudo e de todos, deve procurar sempre ter uma viso panormica dos acontecimentos, sem jamais ter tempo de aprofundarse em qualquer coisa que seja, por mais que lhe interesse. Para o homem de imprensa, o ritmo da vida muito importante, o momento presente sempre fugaz, em um instante ele j passado e, como tal, j no mais notcia. Esses homens esto permanentemente procurando antecipar o futuro e cada vez que conseguem dormem felizes, pois conseguiram dar um furo jornalstico. Antnio de Alcntara Machado viveu exatamente dessa maneira. Mais do que isso, escreveu seus trabalhos para os peridicos e sua obra de fico dessa mesma maneira: com eficincia, objetividade e velocidade na transmisso do que queria dizer, o que no significa que deixasse de ser um arteso da palavra. Ele era cuidadoso, rigoroso e meticuloso quando escrevia, mas empregava essas qualidades para que o leitor pudesse realizar uma apreenso veloz e tivesse uma visualizao instantnea do que lesse. Buscando esse resultado e consciente dos limites da palavra escrita, Antnio, com grande freqncia, recorria aos desenhistas e caricaturistas para que estes ilustrassem os seus

MANA M ARIA E VRIOS CONTOS Volume publicado pela Livraria Jos Olympio Editora, do Rio de Janeiro, em 1936, que rene o romance Mana Maria e os contos, inditos em livro, As cinco panelas de ouro, Miss Corisco e Aplogo brasileiro sem vu de alegoria. Segunda edio em 1961, tambm pela Livraria Jos Olympio Editora, no volume Novelas paulistanas. Atualmente, indisponvel no mercado. C AVAQUINHO E SAXOFONE S OLOS (1926-1935) Coletnea de crnicas e artigos de jornal, com seleo de Srgio Milliet e Cndido Mota Filho e prefcio de Jos de Alcntara Machado (pai do autor), publicada pela Livraria Jos Olympio Editora, do Rio de Janeiro, em 1940. Obra jamais reeditada, embora partes dela tenham sido inseridas no Prosa preparatria & Cavaquinho e saxofone (Editora Civilizao Brasileira), de 1983. N OVELAS PAULISTANAS Reunio da quase totalidade da prosa de fico de Alcntara Machado (Brs, Bexiga e Barra Funda, Laranja da China e Mana Maria e contos avulsos), organizada por Francisco de Assis Barbosa e publicada

pela Livraria Jos Olympio Editora, do Rio de Janeiro, em 1961. A Jos Olympio realizou seis edies desta obra. Posteriormente, em 1988, a Editora Itatiaia, de Belo Horizonte, passou a edit-la com o acrscimo, realizado por Ceclia de Lara, de alguns inditos em livro do escritor: os contos O mistrio da Rua General de Paiva e um sem ttulo, a crnica Trs milagres de Anchieta, o primeiro ato da pea teatral inacabada O nortista e o fragmento do romance Capito Bernini. A RENDIO DE S O P AULO Documento jornalstico indito e inacabado, publicado em 1970, no Apndice de Antnio de Alcntara Machado e o Modernismo obra de Lus Toledo Machado, volume 146 da coleo Documentos Brasileiros, da Livraria Jos Olympio Editora, do Rio de Janeiro.Caricatura do ilustrador Voltolino feita pelo desenhista Belmonte

escritos. Fazendo isso, ele tentava chegar o mais perto possvel das histrias em quadrinhos que, ainda na infncia, o haviam estimulado a querer ler cada vez mais. Se possvel, ler vendo. Um ilustrador que exerceu significativa influncia sobre Antnio de Alcntara Machado foi Voltolino (nome artstico de Lemmo Lemmi, paulistano, filho de imigrantes italianos, nascido em 1884 e falecido em 1926). Tal influncia era reconhecida conscientemente por Antnio, ao ponto de a dedicatria do Brs, Bexiga e Barra Funda ter sido dirigida memria do desenhista e de o primeiro artigo da coluna Saxofone, no Jornal do Comrcio de So Paulo de 4 de setembro de 1926 ter tido Voltolino como tema. Vejamos trechos desse artigo: Para mim o que h de melhor na obra deixada por Voltolino a fixao do talopaulista. Fixao humorstica. Triste tambm. Voltolino inspirava-se no ambiente. Da o seu mrito. Foi o caricaturista deste momento inaprecivel que a gente vive. Lpis desgracioso, o seu. Deselegante como ele s. Por isso mesmo caricaturava melhor os humildes. ... Com dois traos apanhava o tipo em flagrante. O desenho era apressado mas seguro. ... Sua obra nasceu toda de momento. Suas caricaturas eram sempre provo cadas. O assunto surgia sem ser buscado. Assim muito naturalmente: na rua, no

noticirio dos jornais, nos acontecimentos do dia. O desenho tinha relao com o instante em que aparecia. Datava sempre um fato. Marcava um tipo ocasional. Comentava. Sublinhava. ... Sob certo aspecto continuou Angelo Agostini. Ele em So Paulo e J. Carlos no Rio ficaro sendo os ilustradores de sua poca. ... Os caricaturistas brasileiros imitando os seus patrcios pintores tm se dedicado quase que exclusivamente interpretao do negro e do caboclo. ... Voltolino enriqueceu a galeria com mais um tipo: o talo-paulista. Criou o Ju Bananere. Ou melhor: a famlia de Ju Bananere. ... Eu o via passar todas as noites quase madrugada sozinho, o olhar meio injetado, o passo meio incerto. Hora suja das varredeiras da Limpeza Pblica. Hora mida da garoa. Hora dos automveis farristas. Hora do guarda noturno de capoto e porrete. (Horas que Voltolino amava e eu amava nos desenhos dele) Seu vulto comprido agigantava-se na bruma. Depois era um borro. Depois nada. Voltolino influenciou Antnio por dois caminhos: pela maneira como desenhava e atravs de sua mxima criao, ou seja, Ju Bananere, o personagem pelo qual Alexandre Marcondes Machado parodiava a colnia italiana de So Paulo. O desenho simples e sinttico de Voltolino tinha a espontaneidade de

uma piada e essa caracterstica foi o principal ponto de contato entre a sua linguagem grfica e a linguagem literria de Antnio. Lendo a obra jornalstica ou ficcional de Antnio de Alcntara Machado, percebemos que, em certa medida, ao falar de Voltolino, est falando de si mesmo. As caractersticas e as qualidades que ele aponta para o ilustrador so idnticas s suas. Antnio em So Paulo e Joo do Rio no Rio de Janeiro foram os cronistas de sua poca da mesma forma que Voltolino e J. Carlos o foram na caricatura. Voltolino nunca desenhou para os escritos de Antnio, mas inspirou-os. O mesmo foco de ateno (os bairros humildes, os tipos corriqueiros e, principalmente, os talo-paulistas) e o mesmo trao sinttico e preciso caracterizam a obra de ambos. Voltolino desenhando propunha todo um discurso verbal. Antnio escrevendo nos propunha um filme subliminar. Muitos outros ilustradores (por exemplo: Paim, Di Cavalcanti, Ferrignac, Nomia, Poty) influenciaram e interagiram com a obra de Antnio de Alcntara Machado. Mas isso uma outra histria. Fica para uma prxima vez.Djalma Cavalcanteantroplogo, foi professor na Universidade de Roma La Sapienza, autor de livros de antropologia e coordenador da Comisso Organizadora do Centenrio do Nascimento de Antnio de Alcntara Machado

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CINEMA ESCRITO

VALNCIO XAVIER

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Path-Baby, obra precursora da literatura visual no Brasil ao lado de O Ateneu, de Raul Pompia, traz textos de Alcntara Machado sobre cidades da Europa visitadas pelo escritor em 1925 com ilustraes do artista plstico modernista Antonio Paim Vieirareferente cidade filmada, como neste trecho sobre a cidade de Lucca: Sol. Ningum. Em Lucca, Giuseppe Garibaldi e Vittorio Emanuelle II descansam de seu giro monumental pela Itlia em cavalos de bronze e rabos compridos. Enfrentam a posteridade (uma bobagem) de p. Silncio e pernilongos. S. Nos textos sobre as cidades entram sons, trechos de poesias, letras de msicas e de rias de peras, falas e discusses, a escritura de cartazes etc. Nos desenhos de Paim, os msicos vo abandonando a orquestra. Primeiro o violinista, depois a pianista que j deixara de tocar e ficara encostada no piano e o flautista, s restando o contrabaixista at o fim. Assim, a narrativa dupla de PathBaby corre em duas pistas: o filme escrito de Alcntara Machado e o filme desenhado por Paim. At poderamos dizer que uma narrativa tripla, pois nas pginas com desenhos de Paim temos duas narrativas: a das cidades e a da orquestra. Um momento nico na literatura universal, at aquela poca, me parece, no muito bem compreendido pela crtica. O prprio Oswald de Andrade que faz o prefcio ouverture, na linguagem do livro no entendeu muito bem o que era Path-

Path Baby era o nome de uma mquina de filmar para amadores, com bitola do filme de 9,5mm e perfurao no meio, lanada pela Path Frres nos anos 1920 para fazer frente s filmadoras 16mm lanadas nos Estados Unidos. Path-Baby, de Antnio de Alcntara Machado, publicado em 1926, foi o grande momento da literatura visual no Brasil, cujo pontap inicial fora dado em 1888 por Raul Pompia com O Ateneu. Neste seu primeiro livro publicado, a idia de Alcntara Machado foi mostrar num arremedo de cinema sua viagem por 23 cidades da Europa, em 1925, como se fosse um filme mudo (na poca no existia cinema sonoro). O esquema uma pgina mpar com o nome da cidade visitada e o nmero de ordem na viagem; a pgina par em branco e a mpar seguinte com os desenhos do excepcional Antonio Paim Vieira (1895-1988), trazendo, na parte de cima, como se projetada numa tela, a imagem humorstica da cidade. Na parte de baixo, a caricatura dos quatro msicos a pianista, o contrabaixista, o flautista e o violinista, que acompanham o filme mostrado na tela acima, como era comum nos cinemas do tempo do filme mudo. Nas pginas seguintes vem o delirante texto de Alcntara Machado

Baby. Diz ele: Por todo seu livro concordancia amavel realmente Europa gostosa ridicula... Path Baby reportagem. Como mudam tempos diria Marquez Maric pensando Joo do Rio. De fato da tolice amavel esse seu mallogrado amigo segurana de seu estylo seu modo de acertar vo diversos sculos. Brasil paiz milagres accrescentaria Marquez ignorando grande litteratura nossa epoca reportagem. Como se v, Oswald de Andrade no percebeu que a inventiva narrativa visual de Path-Baby nada tinha que ver com reportagem. Assim como no percebeu que o Perfeito cozinheiro das almas do outro mundo, livro de registro de sua garonnire, onde visitantes deixavam escritos, desenhos, fotos, e colagens, merecia ser impresso, pois era uma narrativa de colagem visual. Somente nos anos 80, os irmos Campos ajudaram na organizao de uma edio fac-similar, impressa pela Secretaria de Cultura do Estado de So Paulo. PathBaby tambm teve edio fac-similar pela Secretaria de Cultura de So Paulo, em 1982. Quem tem no vende, no empresta e no d. Aproveitando, o centenrio de Alcntara Machado uma boa oportunidade para se fazer nova reedio.Valncio Xavierescritor, autor de Minha me morrendo e O menino mentido (Companhia das Letras)

Tamancos passeando nas ruas de Lisboa.

A orquestra firme na java, dana da moda em Paris.

Do alto da Torre de Pisa proibido cuspir?

A orquestra soobrou, s sobrou o contrabaixista.junho/2001 - C u l t 63