revista cult (parcial) edição 133

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133 Marilena Chaui O feminismo no pensamento do século 20 DOSSIÊ A política cultural de Obama ARTIGO ENTREVISTA EXCLUSIVA A filósofa discute a crise, o governo Lula e a educação ANO 12 R$ 9,90 www.revistacult.com.br “É preciso dar um basta à tentativa de caracterizar o presidente como populista”

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Algumas páginas da edição 133 da revista CULT

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Page 1: Revista CULT (parcial) edição 133

133

Marilena Chaui

O feminismo no pensamento do século 20

O feminismo DOSSIÊ

A política cultural de Obama

A política ARTIGO

Marilena ChauiENTREVISTA EXCLUSIVA

A fi lósofa discute a crise, o governo Lula e a educação

ANO 12 r$ 9,90 www.revistacult.com.br

“É preciso dar um basta à tentativa de caracterizar o presidente como populista”

Page 2: Revista CULT (parcial) edição 133

iSSN 1414707-6 – Nº 133 – MArÇO/2009 – ANO 12

Diretora e editora responsável – Daysi M. BregantiniDiretor de redação – Marcos FonsecaEditor – Eduardo SochaEditor assistente – Wilker SousaRepórter – Daniel MarquesRevisor – Jorge CotrinImagem de capa – Marco Hovnanian

Departamento de arte:Editor de arte – Fábio GuerreiroColaborador – rL Markossa

Departamento fi nanceiro – Ana Lúcia P. Silvafi [email protected]

Departamento administrativo – Dejair Bregantino

Assinaturas – Tel.: (11) 3385 [email protected]

Relações públicas – Flávia [email protected]

Assessoria de imprensa – Andréa Simõ[email protected] Publicidade em São Paulo:Gilberto r. rala (executivo de negócios)[email protected]úlia Farina (executiva de negócios)[email protected].: (11) 3385-3385 Publicidade em brasília:Front Comunicação – Pedro Abelha [email protected] Tel.: (61) 3321-9100 Gráfi ca – ParmaDistribuição exclusiva no brasil (bancas) – Fernando Chinaglia CULt – REVIStA bRASILEIRA DE CULtURA é uma publicação mensal da Editora Bregantini Praça Santo Agostinho, 70 – 10º andar Paraíso – São Paulo – SP – CEP 01533-070Tel.: (11) 3385-3385 – Fax: (11) 3385 3386

CULt ON LINEwww.revistacult.com.br

Matérias e sugestões de pauta: [email protected]

Espaço Revista [email protected]

EDiTOriAL

MULHErES

O dossiê desta edição, organizado pela fi lósofa e colunista de CULT Marcia Tiburi, apresenta cinco textos que discutem as pers-pectivas e contribuições que o feminino trouxe para o pensamen-to do século 20. O dossiê não esgota o assunto, que é profun-do, mas abre a discussão. Para começar, o que é o feminismo?Filósofos como Platão e Kant, por exemplo, discursaram contra as mulheres e foram acompanhados por muitos outros e de vá-rias gerações. Para as mulheres, tudo é mais difícil naturalmente por uma questão de gênero ou as difi culdades foram produzi-das, impostas, ao longo dos séculos? “Os direitos das mulheres também são direitos humanos”, disse a sábia Clara Zetkin, le-vantando a sua bandeira.

Sim, existe preconceito, mas vejam o que foi conquistado.A mulher que está na capa desta edição é uma das mais admi-ráveis personalidades do país. A professora Marilena Chaui é a pensadora que ajudou a difundir a fi losofi a no Brasil e tem uma participação defi nitiva sobre os rumos da cultura e da política. Dedicou-se à pesquisa acadêmica voltada à fi losofi a de Espinosa e de Merleau-Ponty, conquistou o reconhecimento internacional como poucos intelectuais brasileiros. Criou dois fi lhos, Luciana, psicóloga, e José Guilherme, médico e pesquisador em fi siolo-gia. É vigorosa, divertida, exuberante.

Marilena nos recebeu em São Paulo, onde vive com o marido em uma casa confortável e bem organizada, inclusive nos deta-lhes, com coleções de caixas e muitas plantas e árvores, no dia 20 de janeiro. Assistimos juntos, ao vivo, pela TV, à cerimônia da posse de Barack Obama. Ela fez e serviu café. Delicadamente.

Na entrevista, Marilena conta que “foi muito difícil e, talvez, mais difícil para meus fi lhos, que nasceram quando eu tinha 24 e 26 anos e estava iniciando minha vida acadêmica numa insti-tuição que praticamente desconhecia a presença de mulheres e impunha espontaneamente um padrão de atividade sem dupla jor-nada de trabalho”. As fotos que ilustram a entrevista fazem parte de seu álbum de família. Uma bela família. Uma vida exemplar.

Boa leitura,

Daysi [email protected]

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08 DO LEiTOr

10 CULTUrA EM MOViMENTOEstreia nos cinemas Palavra (en)cantada, novo documentário de Helena Solberg

16 ENTrEViSTAMarilena Chaui: a paciência do pensamento

24 LiTErATUrAEscrito ao longo de dez anos, Trabalhar cansa, de Cesare Pavese, simboliza a modernização da literatura italiana

26 CrÍTiCAColetânea de contos de Tony Monti revela projeto literário em formação

30 MÚSiCANorman Lebrecht: apesar da crise econômica atual, o governo dos Estados Unidos promete uma verdadeira revolução nas artes

32 LiVrOSO inédito Wagner em Bayreuth, de Friedrich Nietzsche, e a nova tradução de Minima moralia, de Theodor Adorno

36 FiLOSOFiAMarcia Tiburi questiona a sobrecarga de signifi cados que a palavra “arte” sofreu ao longo da história

38 COLUNAPara Francisco Bosco, reportagem sobre o caso robinho é cínica e repleta de deturpações morais

ENTrEViSTAMarilena Chaui

16

Marco Hovnanian

ÍNDiCE NO 133 MArÇO 2009

LiVrOSWagner em Bayreuth, de Friedrich Nietzsche

32 Reprodução

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Juvenal Savian Filho, professor do departamento de Filosofi a da Unifesp/EPM. É autor de Deus (Globo, 2008), entre outros

Norman Lebrecht, escritor e crítico musical britânico. Apresenta o programa lebrecht.live, na rádio BBC. É colunista da revista CULT e autor de Maestro, Obras-Primas & Loucura (record, 2008)

Marcia tiburi, fi lósofa e escritora. É colunista da revista CULT e autora de Mulher de costas (Bertrand Brasil, 2006) e Filosofi a em comum (record, 2008), entre outros

Francisco bosco, ensaísta e escritor. È colunista da revista CULT e autor de Banalogias (Objetiva, 2007), entre outros

Magda Guadalupe dos Santos, professora de Filosofi a da PUC-MG. É autora de Margens da alteridade feminina na obra de Simone de Beauvoir, do livro Psicologia e ciência na PUC-MG (Ed. PUC Minas, 2004)

66 OFiCiNA LiTErÁriA

40 CiNEMAA obra do diretor francês Laurent Cantet traz o diagnóstico agudo das crises do mundo contemporâneo

44 DOSSiÊ

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52

54

58

62

Feminismo e fi losofi a no século 20por Marcia Tiburi

teologia, feminismo e fi losofi apor Ivone Gebara

Psicanálise e feminismopor Márcia Arán

beauvoir e os paradoxos do femininopor Magda Guadalupe dos Santos

Chantal Mouffe e a fi losofi a políticapor Josadac Bezerra dos Santos

Magda Guadalupe dos Santos,de Margens da alteridade feminina na obra de Simone de Beauvoire ciência na PUC-MG DOSSiÊ

Feminismo e fi losofi a no século 20

44henry burnett, músico e professor de Filosofi a da Unifesp. É autor de Cinco prefácios para cinco livros escritos: uma autobiografi a fi losófi ca de Nietzsche (Tessitura Editora, 2008)

Bel Pedrosa

Josadac bezerra dos Santos, professor de Ciências Sociais da UFS. É autor da tese de doutorado Confl ito e novas identidades: Feminismo, aborto, homos-sexualidade e eutanásia (2006)

Arquivo pessoal

Márcia Arán, psicanalista, professora do instituto de Medicina Social da Uerj. É autora de O Avesso do Avesso: feminilidade e novas formas de subjetivação (Garamond, 2006)

Arqu

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Sérgio Rizzo, jornalista, crítico de cinema e profes-sor da Universidade Mackenzie e da Faap

Ivone Gebara, doutora em Ciências religiosas pela Universidade Católica de Louvain. É autora de O que é teologia feminista?, (Brasiliense, 2007), O que é teolo-gia? (Brasiliense, 2006), entre outros

Arqu

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Ricardo Lísias, escritor e crítico literário. É autor de Duas praças (Globo, 2005) e Anna O e outras novelas (Globo, 2007)

Murat Eyuboglu

COLABOrADOrES

Page 6: Revista CULT (parcial) edição 133

8 n°133 março 2009

As cartas devem ser encaminhadas para o e-mail [email protected] ou para o endereço: Praça Santo Agostinho, 70 – 10º andar – Paraíso – São Paulo – SP – CEP 01533-070

EDIÇÃO 132 – DOSSIÊ

Achei interessante o artigo “Tolstói: a li-teratura que não é literatura”. A atitude do escritor em questionar os modelos ocidentais reflete o grande pensador que era.

Oliveira Simões, pelo site

Lamento não ter sido citada a obra-pri-ma de Tolstói – A morte de Ivan Ilitch – que me parece (e a muitos críticos lite-rários) a mais concisa e impactante obra do autor, especialmente no que tange o tão estigmatizado tema, a morte. Nessa obra, podemos notar seu distanciamen-to de Deus e sua impiedosa análise da miséria da condição humana.

Ivan Brasil, pelo site

O dossiê “Literatura russa no século 19” é excelente e os colaboradores foram escolhidos a dedo. Ensino literatura rus-sa e fiquei surpreso com a qualidade dos textos.

Pedro Zino, pelo site

Acompanho a revista desde que com-prei a edição com o dossiê sobre o pensamento Max Weber (CULT 125), e não parei mais de ler. Parabéns pelo dossiê “Literatura russa no século 19”. Os quatro principais ícones dessa es-cola estão muito bem apresentados. A entrevista com Bruno Latour também ficou excelente, ele é um pensador bas-tante original.

Lorenço Gonzaga Alves, por e-mail

DO LEiTOr

Por motivos de espaço, reservamo-nos o direito de publicar parcialmente ou resumir o conteúdo dos comentários e das cartas enviadas à redação

Gostei da coluna, contudo entendo que não há melhor data para livrar Linz do espectro de Hitler. As datas significati-vas são as mais adequadas para purgar o passado. Aliás, a (bela) cidade não tem culpa; sofre, porém, as consequ-ências do fato.

Leandro Rodrigues, pelo site

Escrevo para expressar meu desagra-do à última coluna de Norman Lebrecht. Pude notar um profundo ressentimento, e até ódio, que o autor tem pelo povo germânico, expressados com informa-ções errôneas e sarcasmos pueris. O autor, não conformado por outra cidade inglesa não ter sido a escolhida como capital cultural da Europa, busca dene-grir e passar uma imagem distorcida da cidade de Linz aos leitores brasileiros da revista, tentando vincular uma cidade e toda sua população a uma ideologia polí-tica da primeira metade do século 20.

Thiago Coelho Fontenele, por e-mail

A tarefa atual de Linz é justificar ao mundo o porquê de ter sido escolhida a capital da cultura de 2009. Só nos resta agora ter maturidade para apre-ciar as maravilhas que a cidade tem a oferecê-lo.

Caio Vianna, pelo site

COLUNA NORMAN LEbRECht COLUNA FRANCISCO bOSCO

Gostei muito da coluna “Ser provin-ciano é...”, de Francisco Bosco, por-que sempre considerei uma atitude de colonizado colocar nomes de lo-jas, restaurantes etc. em in glês. Usar o inglês para palavras que temos em português pode parecer chique para quem o faz, mas eu conside-ro isso um enorme provincianismo.

Rosely Gomes Costa, por e-mail

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DO LEiTOr

tEStE CULt – EDIÇÃO 132

Os seguintes participantes do teste da edição anterior receberão um exem-plar do livro A morte de Ivan Ilitch (Editora 34), de Liev Tolstói. Os ven-cedores têm até 30 dias para retirar o livro na sede da revista (Praça Santo Agostinho, 70, 10º andar, Paraíso, São Paulo/SP), de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h.

- Bruna Lasevicius Carreira- Erika Horigoshi- Erika Siqueira Gomes- Lucas Andrade- Lucius Provase- Luis Miguel Zanin- Paulo Victor Nascimento Berti- regina Brandão- Sabrina Jacques- Vinebaldo Aleixo de Souza Filho

EDIÇÃO ESPECIAL – ESCOLA DE FRANkFURt

Sorte minha e dos outros leitores. O di-fícil tema “Walter Benjamin e a tarefa da crítica”, presente na Edição Especial Escola de Frankfurt, foi trabalhado de forma concisa e intensa. Parabéns ao professor Márcio Seligmann-Silva.

Silvio Medeiros, pelo site

Cumprimento a revista pela excelente Edição Especial – Escola de Frankfurt, especialmente o ótimo artigo “Quando a música pensa”, de Eduardo Socha, tratando do projeto estético-musical de Theodor W. Adorno. Todavia, gosta-ria de fazer dois reparos. Como douto-randa, preparando tese sobre a Escola de Frankfurt, senti a ausência de qua-tro autores nacionais, com trabalhos relevantes: Francisco Antônio Dória, Sérgio Paulo rouanet, João da Penha e Vamireh Chacon. O segundo reparo diz respeito à falta de um artigo sobre o papel pioneiro do falecido pensador José Guilherme Merquior, divulgando o ideário dos frankfurtianos entre nós há exatamente 40 anos.

Mariana Capparelli de A. Passos, por e-mail

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16 n°133 março 2009

A fi lósofa mais importante do país discute a crise fi nanceira, a popularidade do governo Lula, e afi rma a centralidade do ensino da história da fi losofi a nas escolas

A paciência do pensamento

Refrear, neste caso, uma declaração talvez mais entusiasmada seria um gesto insensato: Marilena Chaui é, sob vários aspectos, uma das personalidades mais admiráveis do país.

Pois não basta dizer que sua trajetória como educadora se confunde com a própria difusão da fi losofi a universitária no Brasil. Essa constatação, evidente quando se observa a formação de nossos departamentos de fi losofi a, deriva de apenas uma das linhas de atuação da pensadora. Sua ativa participação nas discussões sobre os rumos da edu-cação brasileira atestam a continuidade do engajamento, que vai além dos muros universitários da FFLCH-USP, onde leciona há 40 anos. Comprovando que também é possível romper com a elitização do ensino de fi losofi a sem abandonar o rigor que caracteriza a verdadeira ati-tude fi losófi ca, seu livro Convite à fi losofi a tornou-se uma introdução surpreendente ao fi losofar e referência prati-camente obrigatória para o ensino médio.

Em razão de sua militância no campo político-parti-dário – outra linha de atuação –, seu nome hoje integra o panteão dos intelectuais que forneceram as coordenadas te-óricas para a consolidação da democracia em nossa história política recente. Membro fundador do PT, teve experiên-cia no Poder Executivo como secretária de Cultura de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina; experiência esta que, segundo a própria fi lósofa, requisitava um jogo de cintura incompatível com o princípio de autonomia da atividade intelectual, esta sim sua vocação declarada. Distante do Executivo, não deixou porém de atuar como conselheira e porta-voz dos ideais emancipatórios e democráticos dos diversos movimentos de esquerda.

Como se não bastasse, sua pesquisa acadêmica, vol-tada à fi losofi a de Espinosa e de Merleau-Ponty, marcada pela interpretação austera dos textos, pelo respeito fi lo-lógico ao “espírito de letra” dos pensadores, conquistou o reconhecimento nacional e internacional. Distinções como a Ordre des Palmes Académiques, conferida pela

Presidência da República francesa (1992), e os dois títu-los de doutorado honoris causa, um pela Universidade de Paris 8 (2003), outro pela Universidade de Córdoba (2004), são exemplos que por si testemunham o alcance notável de sua produção.

Sim, claro, existem os críticos de seu trabalho. Mas, in-felizmente, poucos merecem ser ouvidos ou lidos. Dizemos infelizmente, porque o primitivismo e a esterilidade de grande parte dessa crítica confi rmam a precariedade in-telectual de nossos debates, de nosso atual estado de coi-sas. A tais críticas, que tão logo expoem suas fi ssuras de raciocínio, caberia apenas o riso da indulgência não fosse o espaço midiático que ocupam, não fosse a agressivida-de de suas manifestações, o preconceito, o ressentimento e o desvirtuamento rasteiro; as atitudes lamentáveis que afi nal determinam o modus operandi de uma parcela da direita brasileira.

Na entrega do honoris causa pela Universidade de Paris, disseram: “Para alguns, a fi losofi a é uma carreira universitária. Para outros, mais raros, ela é um combate. Era, certamente, o caso de Espinosa. E é também, sem dú-vida, o de Marilena Chaui”. Talvez isso explique a resistên-cia e a polivalência da pensadora em um país com tantas adversidades. Talvez isso justifi que também o espírito enér-gico pelo qual manifesta suas convicções na educação, na política, em sua pesquisa acadêmica. Mas o segredo maior parece ser o apreço pelo tempo necessário à refl exão. Na mesma cerimônia, Claude Lefort lembrou que a eloqu-ência e a rapidez de sua inteligência não ocultam para-doxalmente o traço que melhor caracteriza a fi lósofa: a paciência do pensamento.

Marilena prepara atualmente o segundo volume de A nervura do real, continuação de sua obra sobre política em Espinosa. Nesta entrevista, concedida à CULT, a fi ló-sofa fala sobre a atual crise fi nanceira, a popularidade do governo Lula, a inclusão da fi losofi a no ensino médio e também sobre sua trajetória de vida.

JUVENAL SAVIAN FILHO E EDUARDO SOCHA

ENTrEViSTA MAriLENA CHAUi

16 n°133 março 2009

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n°133 março 2009 17

ENTrEViSTA MAriLENA CHAUiM

arco Hovnanian

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26 n°133 março 2009

Contos de Tony Monti revelam um projeto literário vigoroso em formação

A coletânea de contos eXato acidente mostra que Tony Monti está atingindo a maturidade lite-rária. São 16 histórias de tamanhos e estilos variados, com elementos recorrentes notáveis,

o que indica a presença de um projeto literário refletido e consequente. A arquitetura cuidadosa, o trabalho me-dido e bem pesado e as questões sempre envoltas pela tensão que caracteriza nossa época, nervosa e violenta, demonstram que estamos de fato diante de uma literatura vigorosa em formação.

Quase todos os contos tratam da classe média preten-samente ilustrada, e muitos deles se passam em um dos cenários urbanos privilegiados desse estrato: a capital pau-lista. Mesmo que na maior parte das vezes apareça apenas aludida, é na cidade de São Paulo que se concentram, por exemplo, os pseudointelectuais atrás de um filme de arte, uma das figuras mais bem retratadas pelo livro. O autor demonstra que por trás da postura esclarecida, levemente superior e autoconfiante, estão muita solidão, certa difi-culdade para entender os próprios hormônios e uma carga bastante elevada de frivolidade.

A melancolia percorre o livro e às vezes se manifesta em um erotismo desavisado e deslocado, como no impro-vável estudante que, enquanto observa a namorada nua e sonolenta, redige uma crítica a um filme alternativo e vai se sentindo, aos poucos, como se estivesse testemunhan-do a própria nouvelle vague - em Paris, é claro. Diverte muito ver os paulistanos ilustrados na rua Augusta, des-coladíssimos, na fila do novo filme elegante, achando-se propriamente na capital francesa. Parte das personagens de Tony Monti pode ser encontrada nesse ambiente. É di-fícil saber, aliás, por que o público do circuito alternativo de cinema de São Paulo, representativo da superficialidade de nosso tempo, nunca apareceu na literatura. É provável que a resposta deva conter um argumento meio constran-gedor: é esse mesmo público que não apenas consome a literatura contemporânea como, mesmo que adore falar de bandidos e marginais, também a produz.

O absurdo como detalhedoméstico

RicaRdo Lísias

LITERATURA CRÍTICA

Reposição do absurdoO absurdo percorre também muitos dos contos, mas des-ta vez aparece reatualizado. A propósito, parece-me que um dos maiores ganhos de eXato acidente, em termos literários, é justamente a reposição desse conceito, obser-vado como um elemento básico da paisagem. O absurdo de Tony Monti é parte de um cotidiano espantosamente natural. Uma das melhores mostras disso está no mui-to bem feito “O atentado ”. O conto se estrutura por meio da divertida acumulação de siglas. A realidade é totalmente distinta da nossa, muito próxima dos textos de ficção científica, mas as siglas vão se aproximando das do cotidiano, até que o absurdo deixa de ser um elemento de espanto, e aparece como trivial. A APEC, a LimP, a UnE e um inspiradíssimo PdF torna tudo muito íntimo e, se não mesquinho, banal.

Tony Monti: consciência dos problemas da técnica literária

Patrícia Batilani

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n°133 março 2009 27

Outros elementos recorrentes são o jogo de xadrez – sua ordenação na verdade alucinada – e sobretudo os animais. Tigres e outros felinos servem para denunciar uma evidente filiação literária de Tony Monti, mas vão além: de novo, trata-se de um recurso para mostrar que o absurdo é só um detalhe doméstico.

Todos os textos são muito bem-acabados, mas há uma pequena novela extraordinária: “Errabundos, um roteiro em ficha corrida”. Trata-se, sem dúvida, de uma das me-lhores ficcionalizações da violência urbana brasileira. Dado que quase todos os escritores contemporâneos tentaram o mesmo, habitualmente naufragando em clichês inacreditá-veis, o ganho de Tony Monti é dobrado. O texto se refere aos atentados que há poucos anos pararam por um dia a cidade de São Paulo. São fragmentos descolados, pouco precisos e muito tensos, em que se unem a corrupção po-licial, o crime organizado e fatores da psicologia humana. Tudo construído com muito acerto na escolha vocabular e em uma arquitetura formal rara. De fato, essa novela é uma pequena jóia em meio não apenas à literatura, mas aos rios de palavras que tentaram compreender os atentados da facção criminosa PCC.

LITERATURA CRÍTICA

eXato acidenteTony MontiHedra94 págs.R$ 20

eXato acidente parece ser mais um argumento para com-provar que a literatura brasileira está finalmente saindo do fundo do poço onde se enfiou nos últimos anos. Já é possí-vel perceber, aqui e ali, com certa timidez e poucos textos, um conjunto mais coeso de obras bem-acabadas quanto à técnica, conscientes dos problemas relacionados tanto ao próprio trabalho literário quanto à sociedade contempo-rânea. Ou, para ser preciso: conscientes da noção de que ambos não se diferenciam. O começo está sendo melhor que o esperado.

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42 n°133 março 2009

ArTiGo cinemA

Cena do fi lme Entre os muros da escola

tam os alunos, todos usando seus nomes verdadeiros, faz o espectador acreditar que havia câmeras ocultas dentro da sala de aula e em outros ambientes da escola.

Entre os muros da escola já se confi gura – tanto pelos métodos de realização semidocumentais quanto pelo diagnóstico da escola como instituição em crise profunda – como um dos grandes fi lmes em torno da re-lação ensino-aprendizagem e da responsabilidade social que se atribui ao trabalho dos educadores. Duas per-guntas-chave ocupam o pano de fundo o tempo todo, embora ninguém as verbalize: por que estudar e por que ensinar em uma sociedade dividida entre poucos “vencedores” (aqueles para os quais haverá fartura ma-terial) e muitos “perdedores” (aqueles compelidos a bus-car apenas táticas imediatistas de sobrevivência)? Qual o sentido de transmitir valores libertários, produzir con-hecimento e desenvolver a cidadania, expressões-chave do processo educacional, em um meio social que oferece mensagens contraditórias sobre a importância de val-

ores libertários, conhecimento e cidadania? A rigor, há uma personagem, ao fi nal, que verbali-

za, sim, o sentimento jovem de não enxergar o signifi -cado do que ocorre cotidianamente “entre os muros da escola”, sobretudo para os fi lhos de imigrantes que ocupam as carteiras da sala de aula recriada por Cantet e Bégaudeau. É um momento duro para o professor, que ouve no último dia de aula uma declaração expressa de seu fracasso e da escola como instituição; é também um momento difícil para a aluna, que supera o constrangi-mento de se expor diante do mestre (e, por tabela, da instituição) ao admitir um “pecado”; e, por fi m, é um diálogo devastador para o público, ao menos para a par-cela que identifi ca, na escola do fi lme, a incapacidade de as gerações mais velhas proporcionarem às mais jov-ens perspectivas razoáveis de futuro. A particularidade dessa instituição em crise está em ser ao mesmo tempo vítima e artífi ce do estado de coisas.

Veja o trailer no site http:// www.revistacult.com.br

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Page 13: Revista CULT (parcial) edição 133

n°133 março 2009 43

Page 14: Revista CULT (parcial) edição 133

Índice do dossiê

do século 20

[DOSSIÊ]

no PensAmenToFeminismo

M arço é considerado ofi cialmente pela ONU – não custa lembrar – o mês das mulheres e da luta pela igualdade dos direitos. No dossiê desta edição, organizado pela fi lósofa e professora Marcia Tiburi, apresentamos cinco textos que, longe de esgotar o assunto, discutem

algumas das perspectivas e contribuições que o feminismo trouxe para o pensamen-to no século 20. No texto introdutório, Marcia Tiburi explica as origens iluministas do feminismo e a dispersão de suas diversas correntes na fi losofi a contemporânea. Ivone Gerbara mostra as bases da teologia feminista, movimento crítico à face mas-culinizada que perpassa a história da divinização e, ao mesmo tempo, movimento propositivo em favor da dignidade feminina. Márcia Arán parte de duas passagens da história da psicanálise para ilustrar o debate sobre o recalcamento do feminino na teoria psicanalítica. Magda Guadalupe dos Santos escreve sobre os paradoxos da concepção do feminino, historicamente visto como o Outro por oposição ao Ab-soluto, de acordo com a visão de uma das mais notórias feministas do pensamento moderno: Simone de Beauvoir. Por fi m, Josadac Bezerra expõe os traços essenciais da teoria política de Chantal Mouffe, fi lósofa contemporânea que reconfi gura o con-ceito tradicional de identidade e dá força teórica não apenas ao movimento feminis-ta, mas à articulação conjunta das diversas manifestações de emancipação política.

FEMINISMO E FILOSOFIA NOSÉCULO 20

TEOLOGIA, FEMINISMO E FILOSOFIA46 52

As bases de um problema atual

Marcia Tiburi

A teologia feminista é parte de uma revolução cultural que ainda está em seus primeiros passos

Ivone Gebara

Page 15: Revista CULT (parcial) edição 133

PSICANÁLISE E FEMINISMO

CHANTAL MOUFFE EA FILOSOFIA POLÍTICA

BEAUVOIR E OS PARADOXOS DO FEMININO

54 58 62o feminino como potência crítica às estruturas hegemônicas

Márcia Arán

os conceitos de identidade, política, democracia radical para uma interpretação do feminismo

Josadac Bezerra dos Santos

A ruptura com a neutralidade da tradição metafísica

Magda Guadalupe dos Santos

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Esposas e mães emocionadas na volta dos pracinhas da FEB ao Brasil, em 1945

Page 16: Revista CULT (parcial) edição 133

dossiê Feminismo no século 20

46 n°133 março 2009

As bases de um problema atualMarCIa tIburI

O feminismo em fase de autojustifi caçãoAssim como é preciso ponderar a condição da fi losofi a pós-psicanálise e pós-Ausch-witz, a fi losofi a após a queda do muro no século em que a civilização encontrou de vez a barbárie, é preciso, do mesmo modo, per-guntar sobre a existência de uma fi losofi a pós-feminismo. Não é possível entender as

Feminismo e filosofia no século 20

transformações da fi losofi a no século pas-sado, cujos efeitos ressoam sobre o nasci-mento do século 21, sem levar em conta o que nele fl oresceu como feminismo afetando até hoje a construção do pensamento, da história cultural e do cotidiano de homens e mulheres. Não é possível deixar de per-guntar se o feminismo afetou a fi losofi a ou se o feminismo é um efeito da fi losofi a. Que haja um feminismo fi losófi co a ser analisado como material para uma história da fi loso-fi a não é mais importante do que entender o que ainda pode ser tratado como fi losofi a após a crise da razão para o qual o feminis-mo contribui em grande medida ainda hoje.

Como qualquer movimento revolu-cionário tanto da teoria quanto da prática, o feminismo causa incômodo. Compreendê-lo é uma tarefa do nosso tempo, quando seu alcance prático ainda gera efeitos também teóricos. Hoje não podemos mais falar de um feminismo, mas de diversas correntes, posições e autores que ajudaram a levar adi-ante a causa feminista, inclusive pondo-a em xeque e defi nindo um rumo ainda mais crítico para o pensamento dos nossos dias.

Filosofi a, feminismo e modernidadeDiz-se feminismo para todas as correntes de pensamento que se ocuparam dos direi-tos das mulheres e que surgiram, sobretudo,

Frontispício do documento de reivindicação dos direitos da mulher, escrito por Mary Wollstonecraft, 1792

Reprodução

Page 17: Revista CULT (parcial) edição 133

dossiê Feminismo no século 20

n°133 março 2009 47

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A líder feminista Bertha Lutz, candidata a deputada no Rio de Janeiro, em 1934

Page 18: Revista CULT (parcial) edição 133

66 n°133 março 2009

Trecho de carta enviada à CULT por Luis Antonio Lisboa Marcondes

OfiCina literária

O sistema não reeduca ninguém, isso eu provo. Pelo contrario, só alimenta o ódio todos os dias; estive a ponto de enlouquecer, mas a minha loucura se transformou em alívio para a minha alma e, por isso, sobrevivi. teve dias em que a morte estava tão perto da minha carne, que sentia o seu hálito me assoprar a face...

Quando todos pensavam que eu estava louco, era aí que eu estava mais lúcido do que nunca. Consegui enganar os inimigos dessa maneira, me fingindo de louco. a minha loucura foi a minha salvação. a loucura, aos olhos dos homens de pouco entendimento, foi a minha libertação dentro do cárcere.

Quando todos achavam que eu estava maluco, foi nesse exato momento que eu me achei e sobrevivi dentro desse inferno. estava lúcido e mais acordado do que nunca.

andei sobre cadáveres, pisei sobre sombras, dividi espaço junto aos fantasmas, me ali-mentei na mesma vasilha dos insetos. foi eu quem carregou loucos nos braços e falou com os espíritos imundos; fui a muleta de aleijados; ouvidos de surdos e olhos de alguns cegos, fui pai e fui filho. derrubei lágrimas, mas também tive o meu momento de sorriso.

fui professor e fui aluno, chorei muito. guardei dentro do meu peito um grito durante anos, grito esse que hoje posso dar sem medo de ser sufocado por uma mão imunda. Quero poder encher meus pulmões de ar e explodir num só cântico e cantar bem alto:

Obrigado deus; estou livre...

Luis Antonio Lisboa Marcondes, 39 anos, é casado e pai de quatro filhos. atualmente é dono de uma lanchonete

em tamarana, Paraná. Começou a consumir drogas aos 13 anos de idade. Cometeu crimes, cumpriu pena e agora

deseja reconstruir sua vida.

“Mais uma vez estou eu aqui lhes escrevendo, mas dessa vez de uma forma diferente. Não sei se vão se lem-brar de mim. Nos anos de 2006 e 2007 eu escrevi muito a essa revista. Eu estava cumprindo pena em uma penitenciária de segurança máxima, em Sorocaba, e lá dentro comecei a escrever alguns poemas e textos, que editei em livro, ainda não publicado. Também em 2007, fui o único presidiário a participar de uma coletânea internacional ‘’Roda Mundo’’. Uma pessoa da revista CUlT respondia minhas cartas e até me mandava alguns exemplares, numa gentileza sem igual em se tratando de um presidiário. Foi uma grande surpresa para mim ser tratado daquela maneira. Estou em liberdade há pouco mais de um ano. Estou enviando um texto e, quem sabe, vocês possam publicá-lo. Agradeço a vocês pelos dias em que recebi os exemplares da revista dentro da penitenciária. Eles me foram de grande valia naquele lugar; me ajudaram a me sentir gente novamente.”

O trecho abaixo pertence ao romance Brasil: O país da pena de morte, que luis antonio pretende publicar:

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COM A PARTICIPAÇÃO DOS PRINCIPAIS NOMES DO JORNALISMO CULTURAL E DAS CIÊNCIAS HUMANAS

4 a 8 de maio de 2009 das 10h às 17h

Local: TUCATeatro da Universidade Católica de São Paulo

Rua Monte Alegre, 1024 - São Paulo - SP

realização:

espaço cultrevista

apoio institucional:

apoio cultural:

UFRJ

Sindicato dos Jornalistas Profissionaisno Estadode São Paulo

AssociaçãoBrasileira deImprensa

Confira a programação completa e faça sua inscrição no site:www.espacorevistacult.com.br/congresso

TEMAS:

O QUE É A CULTURA E COMO ELA PODE NOS SALVAR DA BARBÁRIE

A PAUTA DAS CIÊNCIAS HUMANAS NA UNIVERSIDADE E NA MÍDIA

O JORNALISMO CULTURAL A CULTURA NA FORMAÇÃO DO HOMEM

LITERATURACINEMA REPORTAGEM E EDIÇÃO

TELEVISÃO MÚSICA AULA-SHOWTEATRO FÓRUM

CULTURA, IMPERIALISMO E GLOBALIZAÇÃO: OS MECANISMOS DE DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA

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