cuidado centrado no paciente -...

3
Melh res Práticas | 33 Por Felipe César e Gilmara Espino PACIENTES QUE CONHECEM SOBRE SEUS TRATAMENTOS SÃO MAIS ENGAJADOS E TÊM MELHORES RESULTADOS ASSISTENCIAIS. MAS POR QUE AINDA É TÃO DIFÍCIL ENVOLVÊ-LOS? INFORMAÇÃO QUE EMPODERA ESPECIAL CUIDADO CENTRADO NO PACIENTE | COMUNICAÇÃO COM O PACIENTE | T rês em cada cinco pessoas que acessam a internet buscam da- dos sobre saúde, e o Brasil é o quinto país que mais utiliza a rede para esse fim, segundo dados da pesquisa encomenda- da pelo convênio inglês BUPA ao London School of Economics em 2011 1 . Foram entrevistadas mais de 12 mil pessoas em 12 países. Uma das conclusões é a de que é cada vez mais frequente a figura do paciente que já chega ao consultório com uma série de notas sobre os próprios sintomas, possíveis diagnósticos e trata- mentos. O estudo também faz referência à qualidade do que é pesquisado e alerta: “Uma questão fundamental é a veracidade das informações on-line sobre saúde. Nem

Upload: hahanh

Post on 13-Feb-2019

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Melh res Práticas | 33

Por Felipe César e Gilmara Espino

PACIENTES QUE CONHECEM SOBRE SEUS TRATAMENTOS SÃO MAIS ENGAJADOS E TÊM MELHORES RESULTADOS ASSISTENCIAIS. MAS POR QUE AINDA É TÃO DIFÍCIL ENVOLVÊ-LOS?

INFORMAÇÃO QUE EMPODERA

ESPECIALCUIDADO

CENTRADO NO PACIENTE

| COMUNICAÇÃO COM O PACIENTE |

Três em cada cinco pessoas que acessam a internet buscam da-dos sobre saúde, e o Brasil é o quinto país que mais utiliza a rede para esse fim, segundo dados da pesquisa encomenda-

da pelo convênio inglês BUPA ao London School of Economics em 20111. Foram entrevistadas mais de 12 mil pessoas em

12 países. Uma das conclusões é a de que é cada vez mais frequente a figura do paciente que já chega ao consultório com uma série de notas sobre os próprios sintomas, possíveis diagnósticos e trata-mentos. O estudo também faz referência à qualidade do que é pesquisado e alerta: “Uma questão fundamental é a veracidade das informações on-line sobre saúde. Nem

| Melh res Práticas34

desempenhar papel satisfatório junto aos seus clientes podem, na realidade, estar falhando substancialmente nesse aspecto da comunicação com os pacientes”. Essa é uma das conclusões a que chega ou-tro estudo, este realizado no Brasil pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP – Ribeirão Preto)3 com o objetivo de traduzir e adaptar para uso no Brasil uma escala para medir a empatia dos médicos.

Marcelo Alvarenga, gerente médico do Escritório de Experiência do Paciente do Hospital Israelita Albert Einstein, também aposta no desenvolvimento da empatia para melhorar a comunicação. “Partimos de um modelo em que o médico falava tudo o que o paciente tinha que fazer para o modelo atual em que o médico é um parceiro desse paciente e o ajuda a tomar decisões”. Ele está à frente de um projeto que o hospital implantará no segundo se-mestre de 2015 para capacitar os médicos como comunicadores e educadores em saúde. “Vamos treinar o profissional sobre como se comunicar de forma verbal e não verbal”, explica Alvarenga.

LINGUAGEMEm um país onde o analfabetismo ab-

soluto atinge 8,3% da população acima de 15 anos, e em que uma parcela ainda maior sofre com o analfabetismo funcional (reconhecem-se letras, mas há incapaci-dade para compreender textos simples)4, o médico e demais profissionais da saúde precisam ter à mão técnicas e ferramentas que facilitem a compreensão da mensagem a ser passada.

Há dois anos, em cada leito do Hos-pital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, foi instalado um quadro com informações sobre o paciente internado, a equipe mé-dica responsável e o diferencial: a meta de tratamento do dia. “Tínhamos que levar próximo do paciente aquilo que estava es-crito no prontuário. A partir do momento que há uma meta traçada todos os dias, o paciente e seu familiar se sentem mais

A DIMINUIÇÃO DO RISCO JURÍDICO

VEM DO FORTALECIMENTO

DA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE-FAMÍLIA-EQUIPE

| COMUNICAÇÃO COM O PACIENTE |

todos os consumidores têm conhecimento suficiente para distinguir entre a informa-ção de alta e de baixa qualidade”.

Por isso, é na atenção que recebe di-retamente do profissional de saúde que o paciente encontra a orientação indi-vidualizada sobre seu caso. Entretanto, é justamente nesse ponto onde há mais ruídos e falta de informação.

Há 12 anos, o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS) realiza pe-riodicamente uma ampla pesquisa sobre a qualidade percebida por seus pacien-tes. Segundo a edição2 de 2014, 20% dos respondentes alegaram não terem sido suficientemente informados sobre sua con-dição de saúde e tratamento em curso. 14% dos pacientes cirúrgicos afirmaram não saber o que poderia acontecer du-rante a recuperação pós-operatória, e 1 a cada 10 disse não ter compreendido a informação que lhe foi passada. Outro dado preocupante: 32% dos entrevistados receberam alta sem nenhuma orientação impressa sobre o que deveriam ou não fazer para a continuidade do tratamento em casa, e 35% dos pacientes não sabe-riam reconhecer sinais de alerta sobre a própria recuperação.

“Muitos médicos que hoje acreditam

Melh res Práticas | 35

envolvidos”, conta Vania Rohsig, superin-tendente assistencial do hospital.

O enfermeiro e o técnico de enfer-magem da unidade são responsáveis por atualizar as informações do quadro diariamente, de acordo com o que foi previamente discutido pela equipe mul-tiprofissional.

De acordo com o hospital, mais de 90% dos pacientes internados têm uma ação de educação registrada no prontuário, e alguns acompanhantes também recebem orientação específica. “Na Pediatria, os pais são treinados em atendimento básico de suporte à vida para as crianças com risco de mau súbito e parada cardíaca. Aos pacientes que têm alta com sonda nasogástrica, com dieta por essa via, e aos seus familiares, é oferecido um treinamen-to em sala de aula e em grupo para trocar dúvidas e experiências”, completa Vania.

Outro exemplo vem das equipes de Estratégia da Saúde da Família (ESF) que utilizam técnicas como a de desenhar na prescrição a lua para representar os me-dicamentos que devem ser utilizados à noite, e o sol para o dia. O uso de cartões ilustrados também pode ajudar as orien-tações de alta, trazendo, por exemplo, desenhos sobre o cuidado com feridas.

Outra prática bem conhecida é pedir para que o ouvinte repita o que lhe está sendo explicado. A técnica é conhecida como read back e tem especial valor em comunicações feitas por telefone, onde quem escuta anota e repete a leitura em voz alta para que o outro confirme ou não a informação.

MITOCom mais informação sobre seu trata-

mento, inclusive a contida no seu prontu-ário, o paciente teria mais recursos para mover ações judiciais contra instituições de saúde?

Segundo Alexandre Bonfim, médico epidemiologista e avaliador do Institu-to Brasileiro para Excelência em Saúde

1 MCDAID, David; PARK, A-la. Online health: untagling the web, 2010. Disponível em: <www.bupa.com/media/44806/online_20health_20-_20untangling_20the_20web.pdf>. 2 CARE QUALITY COMMISSION. National results from the NHS inpatient survey 2014. 2014. Disponível em: <www.cqc.org.uk/sites/default/files/201500519%20NHS%20Inpatient%20Survey%202014%20National%20summary%20and%20re-sults%20tables%20FINAL.pdf>.3 Scarpellini, G. R.; Capellato, G.; Rizzatti, F. G.; Silva, G. A.; Baddini-Martinez, J. A. Escala CARE de empatia: tradução para o Português falado no Brasil e resultados iniciais de validação. Revista FMRP-USP. 2014. Disponível em: <http://revista.fmrp.usp.br/2014/vol47n1/AO_Escala%20CARE%20de%20empatia.pdf>4 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), publicada em 2014 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.

REFERÊNCIAS

ESPECIALCUIDADO

CENTRADO NO PACIENTE(IBES), a resposta é não. Em sua opinião,

mesmo na ocorrência de eventos adver-sos, os pacientes esperam a comunicação oportuna e completa do evento, em que haja reconhecimento de responsabilidade, compreensão do que aconteceu, expres-sões de simpatia e uma discussão sobre o que está sendo feito para prevenir a reinci-dência. Bonfim defende que a diminuição do risco jurídico vem do fortalecimento da relação médico-paciente-família-equipe.

Com o IBES, Bonfim participou da elaboração da segunda Prática Padrão Ouro (PPO 002), que traz diretrizes sobre como deve ser a comunicação em caso de erro. Na elaboração do documento, foram consultadas diferentes fontes. “Um dos programas mais antigos que defendem a comunicação de eventos adversos é o Veterans Affairs Medical Center. A Univer-sidade de Michigan Health System relatou uma redução de 50% em ações judiciais desde a implementação da política, em 2001, que incentivava a comunicação e o pedido de desculpas”, conta Aléxia Man-dolesi Costa, diretora de Ensino e Capa-citação do IBES.

32% DOS ENTREVISTADOS

RECEBERAM ALTA SEM NENHUMA

ORIENTAÇÃO IMPRESSA SOBRE O QUE DEVERIAM OU NÃO FAZER PARA A CONTINUIDADE DO

TRATAMENTO