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| Melh res Práticas 32 Como a Colaborativa, metodologia de Melhoria Contínua do IHI, propõe consolidar resultados e melhorar o cuidado ao paciente Felipe César | CAPA |

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| Melh res Práticas32

Como a Colaborativa, metodologia de Melhoria Contínua do IHI, propõe consolidar resultados e melhorar o cuidado ao paciente

Felipe César

| CAPA |

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Mesmo após 16 anos do lançamento do l ivro To Err i s Human, publicado pelo Institute of Medicine dos EUA

(IOM) e que lançou luz à inefi-ciência do sistema em prevenir danos causados pelo cuidado, ainda há muito a evoluir no sentido de se criar uma cultura consistente de segurança do paciente nas instituições de saúde.

Entre as iniciativas mundiais nesse sentido, merecem destaque os chamados programas de melhoria contínua, abordagens sistemáticas que utilizam técnicas específicas para que se melhore cada uma das dimensões da qualidade na linha de cuidado.

Os programas de melhoria contínua se apoiam na mudança de comportamento dos profissio-nais e da organização de saúde para conseguir os resultados desejados no que se refere ao serviço prestado e a experiência do paciente1.

É o que está sendo executado, por exemplo, em 12 hospitais portugueses na redução de 50%

de infecções hospitalares e no Programa Parto Adequado, no qual 28 hospitais brasilei-ros trabalham para diminuir a quantidade de partos cesarianos. Ambos os casos, contados pela Melhores Práticas. (Leia “Alvo Comum”, edição 17 da Revista Melhores Práticas e “Parto Adequado”, nesta edição).

O que é ColaborativaHá uma série de modelos e métodos que podem ser aplicados em Programas de Melhoria contínua, de forma isolada ou combinada2. A metodologia de trabalho promo-vida pelo Institute of Healthcare Improvement (IHI), organização norte-americana sem fins lucrativos referência no assunto, consiste na aplicação de ciclos de aprendizado para a resolução de um problema definido.

Em termos práticos, identifica-se um problema, propõe-se uma série de mudanças para solucioná-lo e executa-se o plano de ação. Esse processo é chamado de Colaborativa3, proposta inovado-ra desenhada por Donald Berwick e Paul Batalden em 1994.

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Identificar um problema que afeta o cuidado. Nesse item, pode ser um problema macro que afeta todo o sistema de saúde de um país, como os exemplos citados anteriormente de Portugal e Brasil, ou pode ser um problema de um único hospital ou toda uma rede de hospitais.

Reunir as lideranças, checar se o problema é mesmo consenso entre todos, estabelecer as responsabilidades de cada um dentro do processo e definir os membros da equipe multidisciplinar. Essa equipe será responsável por executar o pacote de mudanças na ponta.

Formada a equipe multidisciplinar, é hora de propor mudanças dentro do processo na linha de cuidado. Anote todos os passos do processo assistencial, iden-tifique os “gargalos” e os “desperdícios” e faça uma proposta de mudanças, o chamado bundle (pacote). É extremamente importante que a equipe participe de encontros sobre o tema (problema) e aulas de atuali-zação para conseguir fazer o planejamento correto e implementar as mudanças que resultarão em melhorias.

Com a equipe capacitada*, é hora de executar a Colaborativa. Dentro do planejamento, há três momentos do cuidado em que as mudanças serão implementadas juntamente com um ciclo de aprendi-zado, que é chamado de SAP – Sessão de Aprendizado Presencial. É simples, a equipe participa da SAP, que é ministrada por especialistas do IHI ou da empresa contratada, faz o PDSA (o bundle está inserido dentro do PDSA) e o executa em um número reduzido de pacientes. Funcionou? Aumenta-se o número de pacientes a serem submetidos à nova linha de cuidado, e assim progressivamente.

Entre uma SAP e outra, a equipe tem todo o suporte do IHI (ou da empresa contrata-da) em reuniões agendadas por videoconferência ou e-mail.

Ao f inal da Colaborativa, é hora de mensurar todos os resultados. Confira as melhorias para os pacientes e profissionais e veja o impacto causado pela mudança em todos os aspectos do triple aim (melhor assistência com o menor custo e melhor saúde populacional). Você pode entender melhor o triple aim na edição 17 da Revista Melhores Práticas, na entre-vista com Donald Berwick.

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*EQUIPE CAPACITADA! A capacitação é importante porque, nas sessões de aprendizado, não são abordados assuntos relacionados à assistência e, sim, indicadores, como monitorá-los, interpretá--los e mostrá-los por meio de gráficos de série temporal ou de controle estatístico de processos. É importante os profissionais terem fundamento de indicadores (compreensão e fórmula) e saberem profundamente todos os aspectos do cuidado em discussão na Colaborativa.

ETAPAS PRINCIPAIS

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Caso práticoEm 2015, a Associação Congregação de Santa Catarina (ACSC) criou a Diretoria Corporativa de Saúde, Medicina e Segurança do Paciente, uma nova estru-tura dirigida por Camila Sardenberg, com o objetivo de padronizar o aten-dimento e propor melhorias dentro da linha de cuidado. A ACSC é formada por 33 casas de saúde espalhadas por 8 estados brasileiros.

Como estratégia inicial, Camila Sardenberg e a gerente médica corporativa de Saúde, Medicina e Segurança do Paciente da ACSC, Camila Lajolo, reuniram-se com cada um dos diretores executivos, irmãs da congregação e represen-tantes das unidades do grupo a fim de mapear qual a necessidade de melhoria, impacto e prioridade de cada instituição e definir como implantar uma ação na qual pudesse aglutinar toda a organização.

Após esse levantamento, foi deci-dido investir no modelo escocês de melhoria, no qual é aplicada a metodologia do IHI – Colaborativa. “A Escócia lançou um programva de segurança (política de governo) adotando o modelo de melhoria como ferramenta. O programa, inicialmente, tem o objetivo de diminuir em 15% a mortalidade padronizada nos hospitais e em 30% os eventos adversos naquele país”, conta Camila Lajolo. Na Congregação, o programa recebeu o nome de Salus Vitae, do latim “Preservação da Vida”.

“O Salus Vitae abraça todas as unidades que prestam cuidado de saúde e assistência social na ACSC em um objetivo comum, que é a redução do sofrimento para pacientes e familiares, e não apenas a redução do dano”, esclarece a diretora.

Mais sobre o PDSA e BUNDLE Desenvolvida pela Associates in Process Improvement4, o modelo de melhoria contínua é baseado em três questões fundamentais para verificar se o processo está surtindo o efeito pretendido e foi idealizado para me-lhorar o desempenho organizacional de qualquer empresa ou processo.

As propostas de mudança são testadas através de ciclos PDSA, que são utilizados para a construção de conhecimento e para refinar a discussão sobre o que é necessário fazer para se chegar ao objetivo. A sigla vem do inglês plan (planejar), do (fazer), study (estudar) e act (agir ou ação).

Cada PDSA deve responder as seguintes perguntas para ter efetividade dentro do processo:

OBJETIVOO que estamos tentando realizar? A equipe determina os resultados específicos que estão tentando mudar.

MENSURAÇÃOComo saberemos se uma mudança é uma melhoria? Os membros da equipe identificam os métodos de mensuração para avaliar os resultados.

MUDANÇAO que podemos fazer que resultará em melhoria? A equipe identifica as ações que colocarão em prática na linha de cuidado.

Já o bundle é um pacote de intervenções baseado em evidências para serem executadas de forma linear e conjunta (geralmente o pacote tem entre 3 e 5 intervenções). O objetivo do bundle é reduzir ou zerar a incidência de erros, sendo aplicado em um “determinado tipo de paciente e em um determinado ambiente de cuidado, que quando implantadas (intervenções) conjuntamente podem trazer resultados significativamente melhores do que quando implantadas individualmente” ².

Programa Salus Vitae:O objetivo é reduzir em 50% a infecção associada a dispositivos invasivos em UTI Adulto. O programa tem 18 meses de duração e está sendo executado em UTIs da ACSC, com término previsto para dezembro de 2016. Está estruturado em três pilares:

Capacitação (por meio da ciência da melhoria na prática), resultados (comunidade de aprendizado ou Colaborativa) e Liderança de Alto Impacto (ações de sensibilização e inserção do tema Segurança do Paciente como prioridade estratégica para diretores executivos, diretores técnicos e média gerência).

Resultados parciais de 13 UTIs – 12 meses de projeto

Redução de 26% de infecção do trato urinário associada a sonda vesical de demora

Redução de 47% de infecção de corrente sanguínea associada a cateter venoso central

Redução de 24% de pneumonia associada a ventilação mecânica

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Formação das equipes e progresso da Colaborativa

As equipes de trabalho (uma por unidade) têm quatro profissionais que trabalham diretamente na assistência, e o segredo está na escolha dos integrantes. “Se você coloca um médico superconcei-tuado e um técnico ou auxiliar, este último vai “sumir” dentro da equipe. Todos devem estar alinhados com os processos, ter conhecimento e saber do que estão falando”, explica a diretora.

Sendo assim, a equipe de cada unidade foi composta por dois médicos e dois enfermeiros (um médico intensivista e outro da SCIH – Serviço de Controle de Infecção Hospitalar; a mesma coisa para os enfermeiros. Em alguns casos, a equipe tinha cinco membros, com fisioterapeuta ou enfermeiro da Qualidade). “O mais importante é que a equipe precisa estar alinhada ao problema colocado. Se o problema for importante somente para uma pessoa da equipe, então o processo não funcionará. O problema precisa ser da equipe e não de uma só pessoa”, ressalta a gerente.

A grande aposta desse projeto é que cada unidade aprenda a me-todologia da Ciência da Melhoria, para que no futuro cada hospital tenha a autonomia de resolver seus próprios problemas.

“Deixamos bem claro qual era o objetivo desse investimento: você não compra a ideia do Salus Vitae para reduzir a infecção no hospital, e sim porque reduzirá o

sofrimento das pessoas, esse é o impacto que queremos que cada colaborador enxergue”, afirma Camila Sardenberg.

Para chegar a esse objetivo, é necessária a mudança de compor-tamento da equipe e dos líderes, e então a tão desejada mudança de cultura vem automaticamente, uma vez que os profissionais já estão com a ideia da melhoria contínua fixa na mente.

“O primeiro pilar é trabalhar a mudança de comportamento das lideranças de alta performance. Os diretores técnicos, em sua maioria, são médicos que tra-balharam durante boa parte da vida com outras metodologias e possuem outra formação. São eles que devem ser convencidos a ter outro olhar para o cuidado e o processo, explica Lajolo.

“Para implantar a melhoria em larga escala, não é seguindo uma “receita” que se vai conseguir chegar a um resultado aceitável. Você tem de respeitar e conhecer como as pessoas trabalham, entender que serão elas que irão resolver o problema daquele hospital, por isso é fundamental ouvir os profissionais da ponta e inseri-los no planejamento do problema e solução”, completa Sardenberg.

Para 2017, a ideia é formar 15 especialistas em Ciência da Melhoria dentro da ACSC, para então aplicar novas Colaborativas para atacar outros problemas. A intenção é que cada unidade tenha o seu coaching para ajudar a desenvolver novas Colaborativas.

A p ó s o t é r m i n o d e s s a Colaborativa, a diretoria pretende formular um novo trabalho para combater a Sepse nas unidades do grupo, com o envolvimento dos prontos-socorros, alas de internação e UTIs.

DesafiosNa fase de identificação dos problemas, um dos desafios enfrentados foi conhecer o índice de eventos adversos de cada casa de saúde da organização. “A postura das equipes era defensiva, uma cultura que não é exclusividade da ACSC e, sim, de toda área da saúde no país. Até hoje temos essa dificuldade, em menos escala, mas temos. A partir do momento em que estabelecemos um vínculo de confiança e mostramos que a intenção não é punir, conseguimos avançar”, conta a diretora Camila Sardenberg.

Além do acesso aos dados de cada unidade, outra dificuldade foi adaptar a proposta do IHI para as características dos profis-sionais brasileiros, já que o programa modelo foi desenhado com os conceitos e fundamentos de um país desenvolvido.

“A capacitação profissional foi uma barreira porque muitos profissionais apre-sentaram deficiência em alguns procedimentos técnicos de UTI e di-f iculdade em aplicar as melhores práticas”, conta Sardenberg. Esse obstáculo foi solucionado com um treinamento específico em terapia intensiva, realizado em junho.

“Tão importante quanto ensinar a Ciência da Melhoria é garantir que todos partam do mesmo ponto de conhecimento específico daquele tema”, complementa Lajolo.

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IHI OPEN SCHOOLpossui aulas em português e é gratuito. Acesse ihi.org clique em Education, Courses e depois em Português, que aparecerá no lado esquerdo da tela.

TREINAMENTO SÊNIOR DO IHI PARA LIDERANÇAS fellowships at IHI – informações em ihi.org/engage/fellowships/

KO AWATEA www.koawatea.co.nz

THE HEALTH FOUNDATION www.health.org.uk

ISQUA www.isqua.org

IMPROVEMENT SCIENCE CONSULTING www.improvement-science.com

HOSPITAL SANTA CATARINA

HOSPITAL DE CLÍNICAS NOSSA SENHORA DA

CONCEIÇÃO

ORGANIZAÇÃO SOCIAL SANTA CATARINA

– FARMÁCIA O B J E T I V O :

Garantir bundle do uso racional baseado em evi-dência de anti-microbianos para > 90% dos pacien-tes da oncologia clínica, unidade 4A, até março de 2016.

Reduzir o tempo de espera na internação do paciente cirúrgico elet ivo (convênio e particular) em 25%, ou seja, de 64 minutos para 48 minutos, no período de agosto/2015 a março/2016.

Reduzir 70% das falhas nas dispensações de medica-mentos (de 8,7% para 2,6%) e zerar o índice de falhas nas dispensações de medi-camentos do tipo “troca de princípios ativos e dosagens” (de 1,9% para 0%) na farmá-cia da UBSI Miriam II, até março de 2016.

R E S U L T A D O :

Redução da média do tempo entre prescri-ção e administração de antibiótico de 151 para 34 minutos (in-dicador de processo).

Redução da mediana do tempo de espera para internação de 60 minutos para 10 minutos.

Redução da média de re-ceitas com falha, de 8,48% para 0,34%, e da média de dispensações com troca de medicamento, de 2,18% para 0,22%.

REFERÊNCIAS 1. ØVRETVEIT, J. Does improving quality save money?: A review of evidence of which improvements to quality reduce costs to health service providers. Stockholm: The Health Foundation, 2009. Disponível em: <http://goo.gl/JheKaH>. Acesso em: 21 jul. 2016.2. FOUNDATION, The Health

(Ed.). Simplificando a melhoria da qualidade: O que todos devem saber sobre melhoria da qualidade do cuidado de saúde. Brasil: Proqualis, 2013. Disponível em: <http://goo.gl/34ESyT>. Acesso em: 21 jul. 2016. IMPROVEMENT, Institute For Healthcare (Org.). The Breakthrough Series: IHI’s

Collaborative Model for Achieving Breakthrough Improvement. Cambridge: Institute For Healthcare Improvement, 2003. Disponível em: <http://goo.gl/85C2zQ>. Acesso em: 21 jul. 2016.\3.IMPROVEMENT, Institute For Healthcare (Org.). The Breakthrough Series: IHI’s Collaborative Model for

Achieving Breakthrough Improvement. Cambrid-ge: Institute For Healthcare Improvement, 2003. Disponível em: http://bit.ly/2blY9n4 4.LANGLEY, Gerald J. et al. The Improvement Guide. 2. ed. San Francisco: Jossey-bass, 2009. 479 p. Disponível em: http://bit.ly/2aZURou

ONDE APRENDER A CIÊNCIA DA MELHORIA

Ciência da Melhoria na PráticaParalelamente à Colaborativa, todas as unidades da ACSC tiveram de identificar um problema que, na visão de cada uma, afetasse a assistên-cia prestada e representasse potencial dano ao paciente.

Foram selecionadas 22 equipes para participar do curso de Ciência da Melhoria na Prática (Improvement Science in Action - ISIA). As equipes, em sua maioria assistenciais, desenvolveram ao longo de nove meses pro-jetos com foco na melhoria de algum aspecto do cuidado, capacitando-se assim em aspectos básicos da ciência da melhoria.