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série trffl>as Controle de estímulos e comportamento operante Uma (nova) introdução . T. M. Sério P. S. Gioia ©dUC M. A. Andery N. Micheletto

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série trffl>as

Controle de estímulos e comportamento operante

Uma (nova) introdução. T. M. Sério P. S. Gioia

© d U C M. A. Andery N. Micheletto

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CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

Uma (nova) introdução

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ç T ereza Maria de A zevedo Pires Sério. Foi feito o depósito legal

Ficha catalogrâfica elaborada pela Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa kfouri/PUC-SP

Controle de estímulos e comportamento operante / Tereza Maria de Azevedo Pires Sério et al. - 3 ed. revisada, 1 reimpr. - São Paulo : EDUC, 2010.206 p.; 18 cm. - (Serie Trilhas)ISBN 978-85-283-0376-6

1. Comportamento operante. 2. Comportamento humano. 3. Discriminação. 4. Estimulação sensorial. 5. Comportamento verbal. 6. Linguagem. 7. Conhecimento - Teoria. I. Sério, Tereza Maria de Azevedo Pires.

CDD 121, 150, 152.1 153, 392,401

I a edição: 2002 2a edição: 2004; Ia reim pressão: 2003

3a edição revisada: 2008

EDUC - Editora da PUC-SP

Direção Miguel Wady Chaia Produção Editorial

Magali Oliveira Fernandes Preparação e Revisão

Sonia Rangel Editoração Eletrônica

de miolo e capa Waldir .Antonio Alves

Capa Marilá Dardot

Secretário Ronaldo Decicino

e d u eRua Monte Alegre, 971 - sala 38CA

05014-001 - São Paulo - SP Tel./Fax: (11) 3670-8085 e 3670-8558

E-mail: educ ãpucsp.br - Site: www.pucsp.br/educ

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SUMÁRIO

OS CONCEITOS DE DISCRIMINAÇÃO E GENERALIZAÇÃO............................................................ 7

DISCRIMINAÇÃO E GENERALIZAÇÃO:ALGUMAS EXTENSÕES..................................................... 27

Estudo experimental dos processos de discriminação e generalização:alguns exemplos....................................................31Discriminação e generalização:extensão e aplicação..............................................46

DISCRIMINAÇÃO E GENERALIZAÇÃO:COMPORTAMENTO HUMANO COMPLEXO.....................57

Percepção e atenção...............................................60Conhecimento, formação de conceitos e abstração.............................................................. 74

DISCRIMINAÇÃO CONDICIONAL................................... 871) Fase de teste..................................................... 1102) Fase de treino....................................................1143) Pós-teste............................................................ 115

COMPORTAMENTO VERBAL......................................... 127Por que comportamento verbal?........................130A definição de comportamento verbal...............135Operantes verbais.................................................143Comportamento verbal secundário................... 148A multideterminação do comportamento verbal..................................................................... 150

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÄO PAULO

Reitor. Dirceu dc Mello

EDUC - Editora da PUC-SP

Conselho Editorial Ana Maria Rapassi

Cibele Isaac Saad Rodrigues Dino Preti

Dirceu de Mello (Presidente) Marcelo Figueiredo

Maria do Carmo Guedes Maria Eliza Mazzilli Pereira Maura Pardini Bicudo Véras

Onésimo de Olh eira Cardoso Thiago Lopes Matsushita

Associação Brasileira das Editoras Universitárias

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TEREZA MARIA DE AZEVEDO PIRES SÉRIO MARIA AMALIA AN DER Y

PAULA SUZANA GIOIA NILZA MICHELETTO

CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

Uma (nova) introdução

3a edição - revisada

e d u eSão Paulo

2010

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COMPORTAMENTO VERBAL E O CONTROLE DO COMPORTAMENTO HUMANO.............................. 153

ROTEIROS DE LEITORA..................................................181Os conceitos de discriminaçãoe generalização..................................................... 181Discriminação e generalização:algumas extensões...............................................184Discriminação e generalização:comportamento humano complexo..................188Discriminação condicional.................................192Comportamento verbal.......................................197Comportamento verbal e o controle do comportamento humano..............................200

NOTA SOBRE AS AUTORAS.......................................... 205

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OS CONCEITOS DE DISCRIMINAÇÃO E GENERALIZAÇÃOTereza Maria de Azevedo Pires Sério Maria Amalia Andery Paula Suzana Gioia Nilza Micheletto

Em 1938, B. F. Skinner publicou seu pri­meiro livro: The Behavior o f Organisms: An Experimental Analysis. Desde 1930, Skinner vinha realizando experimentos de laboratório com sujeitos animais; quase todos os experi­mentos tinham como objetivo o estudo de rela­ções operantes. Em The Behavior o f Organisms: An Experimental Analysis, Skinner apresenta a sistematização desses resultados experimen­tais, organizados a partir de um conjunto de conceitos; essa apresentação pode ser consi­derada como uma “primeira versão” do sis­tema explicativo construído por ele e seus colaboradores.

Nessaprimeiraversão.estavamjápresentes conceitos que são, até hoje, básicos para análise do comportamento, como, por exemplo, com­portamento operante, reforçamento, extinção

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e conceitos relacionados com o que hoje é denominado controle de estímulos do compor­tamento operante.

O estudo do controle de estímulos cons­titui uma área de pesquisa muito importante dentro da análise experimental do comporta­mento. Essa área de pesquisa vem se desen­volvendo bastante e tem produzido resultados promissores no que se refere à compreensão de comportamentos humanos complexos, como é o caso dos comportamentos envolvidos no conhecimento do mundo e de si próprio. As pesquisas sobre controle de estímulos têm pro­duzido também resultados promissores com relação às possibilidades de atuação do analista do comportamento, por exemplo, na alfabetiza­ção de crianças e adultos, no desenvolvimento de programas de ensino e no desenvolvimen­to de estratégias para lidar com os mais diver­sos “tipos” de distúrbios de comportamento.

Para iniciar nosso estudo dos conceitos envolvidos no controle de estímulos do com­portamento operante, vamos recorrer ao livro The Behavior o f Organisms: An Experimental Analysis. Foi assim que Skinner apresentou a questão do controle de estímulos, em 1938:

Uma conexão entre um operante e um estímulo reforçador pode ser estabelecida independente­mente de qualquer estimulação específica que esteja agindo antes da resposta. (...) com aten-

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çào constante, é possível reforçar uma resposta (...) sob muitos conjuntos diferentes de forças estimuladoras e independentemente de qual­quer conjunto específico. Na natureza, entre­tanto, a contingência de reforçamento para uma dada resposta não é mágica; o operante deve operar sobre a natureza para produzir seu reforçamento. Embora a resposta seja livre para ocorrer em um número muito grande de situa­ções estimuladoras, ela será efetiva na produ­ção de reforçamento somente em uma pequena parte delas. Usualmente, a situação favorável é marcada de alguma maneira e o organismo faz uma discriminação (...). Ele passa a responder sempre que estiver presente o estímulo que estava presente na ocasião do reforçamento anterior e a não responder em outras situações. O estímulo anterior (...) meramente estabelece a ocasião na qual a resposta será reforçada.Em um mundo no qual o organismo é um ser isolado e errante, as necessidades mecânicas de reforçamento requerem, além da correlação da resposta e do reforçamento, essa correlação adicional com a estimulação anterior. Portanto, três termos devem ser considerados: um estí­mulo discriminativo anterior (SD), a resposta (R°) e o estímulo reforçador (S1). A relação entre eles pode ser afirmada como se segue: somente na presença de SD a R° é seguida por S'. Um exemplo conveniente é o comportamento ele­mentar de fazer contato com partes específicas do ambiente estimulador. Um certo movimento do meu braço (R°) é reforçado pela estimula­ção tátil do lápis sobre minha escrivaninha (S1). O movimento não é sempre reforçado porque o

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lápis não está sempre lá. Em virtude da estimu­lação visual do lápis (Su), faço o movimento exi­gido apenas quando ele for reforçado. (Skinner, 1966, pp. 177-178)

Vamos examinar detalhadamente esse tre­cho de Skinner, verificando tudo que podemos aprender com ele.

A descrição do comportamento operante envolve pelo menos duas relações: a relação entre a resposta e sua conseqüência e a rela­ção entre a resposta e os estímulos que a ante­cedem. Essas duas relações são características de todo comportamento operante. Skinner (ibid.) afirma essa dupla relação como carac­terística do comportamento operante quando menciona que “na natureza, a contingência de reforçamento não é mágica”, a resposta só opera no ambiente em determinadas situações, em determinadas ocasiões. Em outras palavras, uma resposta produzirá reforço apenas na presença de determinados estímulos, ela não será efetiva em outras situações. Para Skinner (ibid.), essa relação da resposta operante com a estimulação que a antecede é tão característica do comportamento operante que apenas em condições propositalmente arranjadas (“com atenção constante, c possível reforçar uma res­posta (...) sob muitos conjuntos diferentes de

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forças estimuladoras e independentemente de qualquer conjunto específico”) essa relação pode ser rompida, pode deixar de existir.

Dizer que essa dupla relação é caracterís­tica do comportamento operante é supor que a sensibilidade aos estímulos que antecedem a resposta é produto evolucionário. Isto é, a história de cada uma das diferentes espécies (como você deve lembrar, história de variação e seleção) selecionou organismos com condições de responder aos estímulos que antecedem a emissão de uma resposta em função das con­seqüências dessa resposta na presença desses estímulos. É isso que Skinner está dizendo quando afirma que “em um mundo no qual o organismo é um ser isolado e errante” a pro­dução do reforço por uma determinada res­posta exige a emissão da resposta (“correlação de resposta e reforçamento”), mas exige mais, exige também que a resposta seja emitida em determinada situação (“correlação com esti­mulação anterior”). F,m outros textos, Skinner enfatiza esse aspecto; por exemplo, em Science and Human Behavior' (1965), ele diz:

Se todos os comportamentos tivessem a mesmaprobabilidade de ocorrência em todas as oca­siões, o resultado seria caótico. A vantagem

I Traduzido para o português com o título Ciência e Comportamento Humano. São Paulo, Martins Fontes.

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de que uma resposta só ocorra quando tem certa probabilidade de ser reforçada é evidente, (p. 108)

O estabelecimento do controle dos estímu­los antecedentes sobre a emissão da resposta é, por sua vez, produto de uma história específica de reforçamento. Uma história na qual a res­posta foi seguida de reforço quando emitida na presença de determinados estímulos e não foi seguida de reforço quando emitida na presença de outros estímulos. Dito de outra forma, uma história de reforçamento diferencial (reforça­mento de algumas respostas e de outras não) tendo como critério os estímulos na presença dos quais a resposta é emitida (a produção de reforço para determinada resposta depende não simplesmente da emissão da resposta, mas também dos estímulos presentes quando a resposta é emitida). Como resultados dessa história: a) a resposta será emitida dependendo dos estímulos presentes e b) a apresentação de determinados estímulos alterará a probabili­dade de emissão da resposta.

Isso significa que, se a história de refor­çamento diferencial for conhecida, é possível prever quando a resposta ocorrerá e, mais, é possível aumentar a probabilidade de ocorrên­cia de uma determinada resposta apresentando os estímulos antecedentes que a controlam.

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Chamamos de discriminação o controle de estímulos assim estabelecido. O estímulo que aumenta a probabilidade de a resposta ocor­rer (portanto, o estímulo na presença do qual a resposta foi reforçada) é chamado de estímulo discriminativo (S1’ ou S'). Os estímulos que diminuem a probabilidade de a resposta ocor­rer (portanto, os estímulos na presença dos quais a resposta não foi seguida de reforço) são chamados de estímulos delta (S ou S'). Vamos utilizar, pelo menos nos textos introdutórios, a terminologia Sn e S\ embora alguns estudiosos da área ressaltem que outra terminologia seria mais adequada. Como afirma Matos (1981),

[...] como, na realidade, diferentes estímulos podem estar associados a diferentes probabili­dades de reforçamento, e não apenas a zero ou 100%, seria melhor dizer, simplesmente, “estí­mulo discriminativo St, S2, S3 etc”, para indi­car essas diferenças, (p. 1)

O processo de estabelecimento de uma discriminação envolve experiência com, pelo menos, uma classe de respostas e dois conjun­tos de estímulos: aqueles que deverão assumir uma função de SD para essa classe de respostas e aqueles que deverão assumir uma função de S“1 com relação a essa classe. No caso de estabe-

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lecimento de discriminações simples, há pelo menos dois procedimentos pelos quais os estí­mulos podem ser apresentados:

1. Os estímulos Sn e S' podem ser apresen­tados em sucessão, um após o outro. Na pre­sença do SD, o responder é seguido de reforço e, na presença do S\ o responder não é reforçado. Suponha, por exemplo, uma situação de labora- torio com sujeitos infra-humanos. Nesse caso, um pombo deve bicar um disco de plástico para produzir alimento. O disco pode ser ilumi­nado ou não. Se o pombo bicar o disco quando ele está iluminado, tem acesso a alimento, se bicar o disco quando este está apagado, nada acontece. No caso de um procedimento de dis­criminação sucessiva, o disco ficaria iluminado por um certo período e então seria desligado por um outro período. A exposição a interva­los sucessivos de apresentação desses estímu­los, com reforçamento diferencial da resposta de bicar, produz um responder discriminado: o pombo passa a bicar o disco quando este está iluminado e faz qualquer outra coisa quando este se apaga.

2. Os estímulos SD e SA podem, em um procedimento que é chamado de discrimina­ção simultânea, ser apresentados ao mesmo tempo. No caso do nosso pombo, haveria dois discos presentes simultaneamente, um ilumi­nado e um apagado, e o pombo teria acesso a

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alimento apenas quando bicasse o disco ilumi­nado. Também nesse caso, a experiência de ter o responder reforçado diante de um estímulo (disco iluminado) e não reforçado diante de outro (disco apagado) produz um responder discriminado.

É importante notar que, nos dois procedi­mentos descritos, outros aspectos do ambiente ocorrem junto (de maneira consistente) com o estímulo de nosso interesse: aqui, a luz ilu­minada/apagada. Esses aspectos podem ser aqueles que passam a controlar o responder e, portanto, em qualquer desses procedimentos, certos cuidados precisam ser tomados antes que se possa afirmar que o responder dife­rencial - do nosso pombo, por exemplo - está sob controle dos estímulos que foram delibe­radamente manipulados, neste exemplo, a luz iluminada/apagada. No caso da discriminação sucessiva, um aspecto crítico é o tempo de apresentação dos estímulos; no caso da discri­minação simultânea, é a posição dos estímulos que se torna uma dimensão crítica. Suponha que, no nosso exemplo de discriminação suces­siva, os períodos de luz acesa e luz apagada se alternem em períodos de 60 segundos. Nesse procedimento, o desempenho final do nosso pombo pode estar sob controle da passagem do tempo, ficando apenas aparentemente sob controle da luz iluminada/apagada. No caso de

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um procedimento de discriminação simultânea, se o disco iluminado estiver sempre na mesma posição (por exemplo, à esquerda do disco apa­gado), nosso pombo pode passar a responder sob controle da posição do estímulo. Por isso, no caso de uma discriminação sucessiva, a apresentação e/ou duração dos períodos de Su e S' deve variar e, no caso de uma discrimina­ção simultânea, a posição em que os estímulos aparecem deve ser randomizada.

Mesmo esse exemplo simples revela um aspecto importante. Chamamos de estímulo qualquer evento do mundo que afeta o compor­tamento. Um estímulo tem múltiplas dimensões (características, atributos, propriedades). A luz a que nos referimos, por exemplo, pode variar em relação a brilho, cor, intensidade, posição, tamanho, etc. Por isso, se há interesse em saber exatamente qual a propriedade do estímulo que exerce controle sobre uma resposta, preci­samos recorrer a procedimentos que permitam manipular cada uma dessas propriedades.

Afirmamos até aqui que, como resultado do procedimento de discriminação, simultânea ou sucessiva, o sujeito passa a responder dife­rencialmente a diferentes classes de estímulos: diante da classe de estímulos que chamamos SD, o responder ocorre; diante da classe de estímulos que chamamos SJ, o responder não ocorre. Entretanto, os resultados experimentais

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têm mostrado um aspecto bastante importante e curioso. Junto com o processo de discrimi­nação, ocorre sempre o processo que chama­mos de generalização. Em Science ami Human Behavior, Skinner (1965) afirma:

Uma vez que colocamos o comportamento sob o controle de um dado estímulo, freqüen­temente descobrimos que outros estímulos também são efetivos. Se um pombo foi condi­cionado a bicar um ponto vermelho na parede da câmara experimental, a resposta também será evocada, ainda que não com a mesma fre­qüência, por um ponto laranja ou mesmo ama­relo. A propriedade vermelho é importante, mas não de maneira exclusiva. Pontos de tama­nhos ou formas diferentes ou pontos colocados em fundos de cores diferentes também podem ser efetivos. Para avaliar a extensão total da mudança ocasionada pelo reforçamento pre­cisamos investigar os efeitos de um grande número de estímulos. A extensão do efeito a outros estímulos denomina-se generalização (...). O processo sugere que a noção de um estí­mulo discreto é tão arbitrária quanto a de um operante discreto. (...) Se reforçamos uma res­posta a um ponto vermelho redondo de um cen­tímetro quadrado de área, um ponto amarelo da mesma forma ou tamanho será efetivo em razão das propriedades comuns de tamanho e forma; um ponto quadrado vermelho com a mesma área será efetivo por causa de sua cor ou tamanho; e um ponto redondo vermelho de

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meio centímetro quadrado de área será efetivo por causa das propriedades comuns de cor e forma. (p. 132)

Assim, com base em um procedimento de discriminação, podemos identificar duas clas­ses de estímulos que aumentam a probabili­dade de ocorrência de uma resposta: a classe de estímulos na presença da qual ocorreu o reforçamento e a classe de estímulos que, a partir dessa experiência, efetivamente passa a controlar o responder. A extensão dessa última classe de estímulos não pode ser descoberta de antemão. Essa descoberta só será feita na prática, testando diante de que estímulos o res­ponder ocorre.

Recorrendo novamente a Science and Human Behavior (Skinner, ibid.):

Nós verificamos a importância de qualquer dimensão de um estímulo examinando o efeito de diferentes valores. Depois de construir uma forte tendência para responder a um ponto vermelho, examinamos a taxa de respostas, durante a extinção, a um ponto vermelho-ala- ranjado, laranja, amarelo-alaranjado, laranja- avermelhado e amarelo. Um experimento deste tipo produz um gradiente de generalização (...). (p. 133)

Um relato experimental auxiliará a com­preensão de como vêm sendo feitas, de uma

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maneira geral, as pesquisas sobre generaliza­ção. Em um trabalho considerado clássico na área, Jenkins e Harrison (1974) utilizaram oito pombos como sujeitos experimentais. Depois de modeladas, bicadas em um disco passaram a ser consequenciadas em intervalo variável, com 4 segundos de acesso a alimento. Então, os oito sujeitos experimentais foram dividi­dos em dois grupos. Para um grupo (Grupo 1 ), formado por três dos oito sujeitos, um tom de 1000 ciclos por segundos era apresentado 25 vezes por sessão e respostas de bicar o disco eram reforçadas em esquema de intervalo variá­vel. Decorridos 33 segundos de apresentação do tom, este era desligado e a caixa era escure­cida por 7 segundos, chamados pelos autores de intervalos de blackout, nessas condições, as respostas de bicar caracteristicamente não são emitidas. O outro grupo (Grupo 2), formado pelos cinco sujeitos restantes, foi submetido a um procedimento diferente: a cada sessão, tal como no grupo anterior, um tom de 1000 ciclos por segundo era apresentado 25 vezes por períodos de 33 segundos; respostas de bicar o disco na presença do tom eram reforça­das em esquema de reforçamento de intervalo variável (esses períodos se caracterizavam, portanto, como períodos de S”). Entretanto, diferentemente do grupo anterior, os perío­dos de tom eram intercalados com períodos de

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33 segundos, nos quais o tom estava ausente, mantendo-se a caixa iluminada; respostas de bicar nesses períodos não eram reforçadas. O número de períodos de ausência de tom variou, nas sessões, de 25 a 125 períodos (esses perío­dos se caracterizam, portanto, como períodos de S4). Os períodos de Sn e S4 se alternavam em uma seqüência aleatória. Para os dois grupos, concluída essa etapa do experimento, foi feito um teste de generalização. Nesse teste foram apresentados 8 períodos de 33 segundos com tons de 300, 450, 670, 1000, 1500, 2250 e 3500 ciclos/segundo, além de períodos sem nenhum som. A ordem de apresentação dos estímulos foi aleatória. Durante o teste, respostas de bicar foram registradas, mas não eram consequencia- das. Os resultados do teste são apresentados nas Figuras a seguir (Figura 1 e Figura 2), que mostram a porcentagem de respostas em cada um dos tons, para cada um dos sujeitos.

As figuras ilustram dois aspectos do que foi discutido até aqui.

Primeiro, que o reforçamento diferencial do responder, considerando a presença/ausên­cia de um estímulo, é fundamental para que se estabeleça um controle de estímulos sobre o responder. A Figura 1 apresenta a porcenta­gem de respostas emitidas pelos três sujeitos do Grupo 1 na presença dos diferentes tons

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apresentados, durante o teste de generaliza­ção; notem que diferenças no tom não afetam o responder.

301 I I I I------1-----1— II—r-o NO. 70

------------- 1------------- 1-------------- i-------------- !-------------- 1__________ I_____ |j_____ L -

300 450 670 1000 1500 2250 3500 NO

FREQÜÊNCIA EM CICLOS POR SEGUNDO TONO

Figura I - Gradiente de generalização realizado após refor­çamento de respostas na presença do tom 1000 ciclos por segundos. Os gradientes individuais se baseiam nas médias de vários testes de generalização Fonte: adaptado de Jenkins e Harrison ( 1974, p. 142).

Segundo, que o efeito do reforçamento se estende para além dos estímulos diante dos quais houve reforçamento. A Figura 2 apre­senta a porcentagem de respostas emitidas pelos trcs sujeitos do Grupo 2 na presença dos diferentes tons apresentados durante o teste de generalização; notem que o efeito do refor­çamento se estende para além dos estímulos diante dos quais houve reforçamento; a por­centagem de respostas é maior na presença do tom em que houve reforçamento (1000 ciclos por segundo), mas ocorre também na presença de outros tons, sendo com porcentagem maior

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nas faixas mais próximas da freqüência do tom que pode ser considerado como SD (1500 e 670 ciclos por segundo). A ausência de tom (que pode ser considerado como S') é, de maneira geral, a condição na qual um número menor de respostas foi emitido. A distribuição de respos­tas nos testes de generalização é chamada de gradiente de generalização.

Figura 2 - Gradiente de generalização realizado após pro­cedimento de discriminação com um tom 1000 ciclos por segundos como SD e com ausência de tom como SA. Os gra­dientes individuais se baseiam nas médias de vários testes de generalizaçãoFonte: adaptado de Jenkins e Harrison (1974, p. 142).

Para finalizar este texto, dois comentários são necessários. Para fazer o primeiro comen­tário, vamos voltar ao trecho de Skinner (1966) com o qual introduzimos os conceitos de dis­criminação e generalização.

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Um exemplo conveniente é o comportamento elementar de fazer contato com partes espe­cíficas do ambiente estimulador. Um certo movimento do meu braço (R°) é reforçado pela estimulação tátil do lápis sobre minha escriva­ninha (S'). O movimento não é sempre refor­çado porque o lápis não está sempre lá. Em virtude da estimulação visual do lápis (Su), faço o movimento exigido apenas quando ele for reforçado, (pp. 177-178)

O fato de que mesmo comportamentos elementares envolvem discriminação tem uma implicação importante: todo comportamento operante, do mais simples ao mais complexo, é produto de um processo que envolve expe­riências concretas dos indivíduos com o mundo. Isso faz com que mesmo o comportamento que julgamos mais elementar seja resultado de um longo e muitas vezes árduo processo de inte­rações. A história Ver e não ver, relatada por Oliver Sacks (1995), sobre o caso de um homem (chamado Virgil) praticamente cego desde a tenra infância e que aos 50 anos passa por uma cirurgia ocular, recuperando a possibilidade de ver, ilustra muito bem este fato:

Quando abrimos nossos olhos todas as manhãs, damos de cara com o mundo que pas­samos a vida aprendendo a ver. O mundo não nos é dado. Construímos nosso mundo através de experiência, classificação, memória e reco­nhecimento incessantes. Mas quando Virgil

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abriu os olhos (...) não havia mundo algum dc experiência e sentido esperando-o. (p. 129)

0 segundo comentário decorre deste. Se, com nossa experiência concreta no mundo, adquirimos comportamentos como, por exem­plo, o comportamento de ver, adquirimos tam­bém, por assim dizer, um mundo: o que vemos não é visto simplesmente porque está presente, mas por causa de nossa história de interação com o mundo. O ver, o que é visto e quando é visto são construídos na nossa história. Como afirma Matos (1992):

Antecedentes do comportamento podem ser os sinais de tráfego, o rosnar de um cachorro, a fisionomia espantada de alguém, mas, principal­mente, no caso humano, são instruções, regras, leis e normas, consistentemente aplicadas e con- seqüenciadas. Algumas classes de antecedentes são comuns a grandes segmentos de um grupo social, outros são idiossincráticos típicos de uma determinada pessoa ou animal. É fácil entender por que a gama de antecedentes varia tanto de indivíduo para indivíduo, e até mesmo para um mesmo indivíduo em diferentes estágios de seu desenvolvimento: exceto pelos antecedentes determinados pela sociedade (sinais de tráfego, lei, etc.), os demais raramente são planejados e, menos ainda, consistente e generalizadamente implementados. Assim, cada indivíduo acaba exposto, de modo diferente, a diferentes antece­dentes e conseqüentes, (p. 147)

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Referências bibliográficasJENKINS, H. M. e HARRISON, R. H. (1974).

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DISCRIMINAÇÃO E GENERALIZAÇÃO: ALGUMAS EXTENSÕESTereza Maria de Azevedo Pires Sério Maria Amalia Andery Nilza Micheletto Paula Suzana Gioia

Discriminação e generalização são dois dos processos básicos envolvidos no controle de estímulos do comportamento operante. A descrição do comportamento e, principalmente, do comportamento humano utilizando os con­ceitos de discriminação e generalização não foi (e não é) uma tarefa simples. Muito traba­lho experimental foi necessário para que uma compreensão inicial dos dois processos fosse possível; muito trabalho experimental conti­nua sendo realizado e muito ainda parece ser necessário para que possamos compreender todas as facetas, todas as sutilezas envolvidas nos processos de discriminação e generaliza­ção. Além disso, envolver-se no estudo desses processos e utilizá-los na descrição do compor­tamento parece acarretar mudanças em algu­mas crenças bastante difundidas e arraigadas sobre a relação organismo-ambiente.

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Dois exemplos podem ilustrar as mudan­ças exigidas; um envolve a noção de resposta e outro, a noção de ambiente.

Ao relatar o resultado dos processos de discriminação e generalização, é comum que se diga que alguém discrimina ou que alguém generaliza. Esse modo de dizer sugere, nos dois casos, que alguma atividade diferente está sendo realizada e que a palavra discrimina­ção ou a palavra generalização descrevem tal atividade. Entretanto, não é isso que acontece; discriminação e generalização não descrevem respostas de um tipo especial ou diferente. Skinner (1965) é bastante claro com relação a isso:

[...] generalização não é uma atividade do orga­nismo; é simplesmente um termo que descrev e o fato de que o controle adquirido por um estímulo é compartilhado por outros estímu­los com propriedades comuns ou, colocado de outro modo, que o controle é compartilhado por todas as propriedades do estímulo consi­deradas separadamente. (...) a discriminação (...) também não é uma forma de ação por parte do organismo, (p. 134)

Discriminação e generalização descrevem relações de controle. São termos que descre­vem o fato de que uma determinada classe de respostas está sob controle de uma classe de estímulos. A distinção é importante porque a

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primeira forma de entender (discriminação e generalização como tipos de atividade do orga­nismo) faz com que nosso olhar, no momento da descrição (e da atuação, da intervenção dirigida por tal descrição), esteja voltado ape­nas para mudanças no organismo; na segunda forma de entender (discriminação e generali­zação como relações de controle), nosso olhar estará dirigido, desde o imcio da descrição, para a relação do organismo com o ambiente. Continuando o trecho citado, Skinner (ibid.) exemplifica:

Aqueles que trabalham com pigmentos, tintu­ras e outros materiais coloridos são afetados por contingências nas quais pequenas diferen­ças na cor fazem grande diferença nas conse­qüências do comportamento. Dizemos que eles se tornam “altamente discriminativos” com relação à cor. Mas seu comportamento mostra apenas processos de condicionamento e extin­ção. (p. 134)

Talvez, uma implicação mais difícil de aceitar seja a que se relaciona com a noção de ambiente. É bastante difundida a noção de que o ambiente se impõe ao organismo e que as características do ambiente se refletem no organismo tal qual são; pode-se dizer que a relação organismo-ambiente é vasta como se o organismo fosse uma máquina fotográfica na qual os estímulos se imprimem. Os conceitos

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de discriminação e generalização sugerem uma outra concepção. Keller e Schoenfeld abor­dam essa mudança de concepção já no livro Principles o f Psychology (1950), o primeiro livro introdutório aos conceitos da análise experi­mental do comportamento publicado:

Os filósofos ingleses dos séculos XVII e XVIII entatizaram duas “leis” por meio das quais as "idéias" eram associadas: contiguidade e sem e­lhança. A influência destes filósofos ainda é clara em nossa fala cotidiana, como quando dizemos que uma idéia puxa a outra por causa de sua semelhança ou porque elas foram asso­ciadas no tempo ou lugar; mas uma psicologia objetiva moderna não considera o conceito de “associações de idéias” muito útil. Entretanto, consideramos que a contiguidade (...) de estí­mulo e resposta é essencial (...) para a discrimi­nação operante. Podemos dar um significado objetivo também para a “semelhança”?Se você refletir sobre a questão, verá que “semelhança” e generalização são a mesma coisa. No cotidiano, falamos como se estímu­los pudessem ser semelhantes em si mesmos, mas na realidade sua semelhança depende de nosso próprio comportamento; eles são seme­lhantes quando, e somente quando, responde­mos da mesma forma a eles. A semelhança não reside nos estímulos, assim como não reside nas “idéias”.É verdade que estímulos podem ter proprie­dades físicas comuns e, em um sentido físico, são, portanto, “semelhantes". Mas, quando as

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pessoas dizem que as coisas são semelhantes, elas querem dizer que tendem a reagir a elas da mesma maneira. Elas estão, na realidade, relatando esta tendência com as palaxras “elas são semelhantes". Isto é bastante diferente da semelhança física que freqüentemente, embora não necessariamente, está presente quando as respostas são similares, (pp. 123-124)

A despeito das dificuldades contidas nes­sas mudanças, ou talvez exatamente por causa delas, pelo desafio que representam, muitos pesquisadores se envolveram e estão envolvi­dos no estudo experimental dos processos de discriminação e generalização. A seguir, alguns experimentos importantes sobre esses proces­sos são apresentados de forma resumida.

Estudo experimental dos processos de discriminação e generalização: alguns exemplos

Um primeiro aspecto que pode ser des­tacado sobre a discriminação é que o controle de estímulos estabelecido não precisa ficar restrito a um responder diferencial caracteri­zado pela ocorrência/não ocorrência da res­posta, de acordo o estímulo presente. Podemos colocar a freqüência e o padrão de respostas sob controle de estímulos, de forma que uma

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mesma resposta ocorrerá com freqüência e dis­tribuição diferentes, dependendo do estímulo presente.

O experimento realizado por Guttman (1974) ilustra bem esse aspecto. Guttman tra­balhou com sete pombos como sujeitos expe­rimentais e com dois estímulos: uma luz de 550mn e uma luz de 570m|i. Na presença da luz de 550mj.i (que iluminava um disco), os pombos eram reforçados a bicar o disco em um esquema de reforçamento VI 1 minuto (inter­valo variável de 1 minuto, isto é, uma resposta era reforçada, em média, a cada 1 minuto); na presença da luz de 570mn, bicar o disco era reforçado em um esquema de reforçamento VI 5 minutos. Um período de apresentação de cada um dos estímulos tinha a duração de cinco minutos, sendo que a cada minuto a caixa experimental era escurecida por um período de 10 segundos. Cada sessão experimental era composta de quatro períodos de cinco minutos, com alternação dos dois estímulos; a ordem de apresentação variava de sessão para sessão. Foram realizadas 12 sessões de treino discri­minativo. Depois dessas sessões, foi feita uma sessão de teste de generalização. Nessa sessão, foram apresentados, em ordem randômica, dez estímulos diferentes (510, 520, 530, 540, 550, 555, 560, 570, 580, 590mp); cada estímulo foi apresentado 12 vezes; cada apresentação tinha

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a duração de 30 segundos e era separada da seguinte por um período de 10 segundos de escuro.

As figuras apresentadas a seguir foram reproduzidas de Guttman (ibid.). A Figura 1 apresenta os resultados do treino discrimina­tivo; encontramos nessa figura duas curvas, uma para as respostas emitidas nos períodos de luz de 570m^i, e outra para as respostas emi­tidas nos períodos de 550mn; nessa curva, duas informações são oferecidas: a média de respos­tas nas diferentes sessões e a porcentagem de respostas. Como pode ser visto na Figura 1, os estímulos controlaram diferentes freqüências de respostas: na presença do estímulo corre­lacionado com VI 1 minuto, a freqüência de respostas é maior e aumenta à medida que o treino prossegue; na presença do estímulo cor­relacionado com VI 5 minutos, a freqüência é menor e tende a ser mais estável. O que esperar do teste de generalização? A Figura 2 apresenta os resultados do teste de generalização; nessa figura encontramos também duas curvas, uma com os resultados do teste de generalização realizado no experimento de Guttman (ibid.) e a outra para o teste de generalização realizado em outro experimento (Hanson, 1959), no qualo teste de generalização foi realizado após um treino discriminativo em que, na presença de uma luz de 550mn, respostas eram reforçadas

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em intervalo variável 1 minuto e, na presença de uma luz de 570mn, diferentemente do que ocorreu no experimento de Guttman (1974), respostas não eram reforçadas. Como pode ser visto na Figura 2, o pico da curva de gene­ralização ocorre próximo à luz de 550m|.i e o número de respostas é baixo na presença da luz de 570mn; isso pode estar indicando que a generalização sofre influência das diferen­tes probabilidades de reforçamento relaciona­das com os diferentes estímulos, presentes na história de treino discriminativo dos sujeitos (uma resposta tem maior probabilidade de ser reforçada em um esquema de reforçamento VI1 minuto do que em um VI 5 minutos). A com­paração da curva de generalização com a curva obtida no outro experimento (Hanson, 1959), no qual, na presença da luz de 570m|i, esteve em vigor um procedimento de extinção, parece confirmar essa sugestão.

Outro aspecto que pode ser considerado para que os processos de discriminação e gene­ralização sejam compreendidos em toda sua complexidade refere-se às características dos estímulos envolvidos. Em geral, os estímu­los utilizados nos experimentos são eventos simples, discretos, com poucas propriedades relevantes envolvidas. Entretanto, isso não pre­cisa ser assim. O experimento realizado por Reynolds (1961) pode ilustrar esse aspecto.

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Figura I - Curvas de aquisição da resposta de bicar em disco na presença de dois estímulos correlacionados com diferen­tes esquemas de reforçamento Fonte: adaptado de Guttman ( 1974, p. 147).

Figura 2 - Gradiente de generalização de estímulos após esquema de discriminação [VI I minuto na presença de 550 m/v e VI 5 minutos na presença de 570m/j] e discriminação sucessiva [VI I minuto na presença de 550m/J e extinção na presença de 570m/j]Fonte: adaptado de Guttman (1974, p. 148).

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Reynolds (ibid.) trabalhou com quatro pombos como sujeitos experimentais; a res­posta, tal como no experimento anterior, foi a de bicar um disco iluminado e o estímulo refor­çador foi 3 segundos de acesso a alimento, em um esquema de reforçamento VI 90 s. É assim que Reynolds (ibid.) descreve os estímulos envolvidos no experimento:

O contínuo do estímulo foi a orientação espa­cial do ápice cie um triângulo. Um triângulo isosceles preto, de 1,37 cm de altura e 0,68 cm de base foi montado sobre um fundo branco de 1,37 cm, atrás do disco transparente. Esse triângulo e o fundo foram ligados a um motor que vagarosa mas continuamente girava no sentido do relógio a uma velocidade um pouco menor que 0,19 graus por segundo (mais ou menos duas vezes a velocidade do ponteiro do minuto de um relógio). A rotação do triângulo ocorria em um plano perpendicular à linha de visão do pombo e em torno de um eixo no centro geométrico do triângulo. (...) Cada 36 graus de rotação foi chamado de um decant e os decants foram numerados para referência. O primeiro decant do ápice, na rotação no sentido do relógio, apontando para cima, foi chamado de 1, e números sucessivos foram atribuídos às rotações sucessivas de 36 graus. (p. 289)

A Figura 3 é apresentada para ilustrar a descrição de Reynolds (ibid.) dos estímulos envohidos no experimento.

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Figura 3 - As 10 posições do triângulo quando ele se encon­trava no meio de cada um dos 10 decants; os números indi­cam a ordenação atribuída a cada decant Fonte: adaptado de Reynolds ( 1961, p. 289).

O mesmo equipamento que controlav a os estímulos também registrava as respostas e controlava a liberação do reforço. As sessões experimentais foram realizadas diariamente e sua duração dependeu da fase experimental em vigor. Podem ser destacadas as seguintes fases experimentais: a) instalação da resposta de bicar o disco e manutenção em VI 90 segun­dos, independentemente da posição do triân­gulo; b) treino discriminativo 1: por 42 sessões, as respostas foram reforçadas apenas quando emitidas diante de duas posições do triângulo (decants 1 e 10); essas sessões duravam o tempo

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necessário para que o triângulo completasse duas voltas inteiras e a cada sessão variava a posição inicial do triângulo; c) treino discri­minativo 2: por 14 sessões, o mesmo procedi­mento para reforçamento das respostas esteve em vigor; entretanto, nessas sessões, períodos de escuro foram introduzidos, de forma que, durante partes do percurso do triângulo (1, 2 ou 3 decants), o disco era escurecido; o total de períodos escuros equivalia a uma volta do triângulo, assim as sessões duravam o tempo necessário para que o triângulo completasse três voltas; d) treino discriminativo 3: durante 43 sessões, com o mesmo procedimento de apresentação dos estímulos, o critério de refor­çamento foi invertido: foram reforçadas, em VI 90 segundos, respostas diante de todos os decants exceto os decants 1 e 10; nestes, agora, estava em vigor o procedimento de extinção; e) reforçamento em todos os decants', durante 16 sessões, com o mesmo procedimento de apre­sentação dos estímulos, as respostas de bicar o disco iluminado foram reforçadas, em VI 90 segundos, em todas as posições do triângulo.

São apresentados, a seguir, os resultados que descrevem os desempenhos de dois dos sujeitos experimentais. As figuras foram adap­tadas e reproduzidas de Reynolds (ibid.).

A Figura 4 apresenta a mediana do número de respostas em cada decant, nas cinco

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ORIENTAÇÃO DO TRIÂNGULO

Figura 4 - Mediana do número de respostas, nas últimas 5 sessões como uma função dos decants de rotação para os pombos [88 e 33] em cada fase experimental (a figura original de Reynolds apresentava os mesmos dados para os quatro sujeitos)Fonte: adaptado de Reynolds (1961, p. 290).

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últimas sessões de cada fase experimental. Encontramos nessa figura os resultados para dois sujeitos (88 e 33). Para cada sujeito, no gráfico da esquerda, encontramos três curvas, cada uma delas representando os resultados das cinco últimas sessões das três primei­ras fases experimentais. No gráfico da direita, encontramos duas curvas, cada uma delas com os resultados das cinco últimas sessões das duas últimas fases experimentais. Como pode ser visto na Figura 4, o responder dos dois sujeitos indica controle dos estímulos quando há reforçamento diferencial, segundo a posição do estímulo; indica também que, na ausência de reforçamento diferencial segundo a posi­ção do estímulo, o número de respostas é mais ou menos o mesmo nos diferentes decants. O controle de estímulos fica evidenciado com o maior o número de respostas diante das posi­ções nas quais o bicar é reforçado: quando o bicar é reforçado nos decants 1 e 10, há mais respostas diante dessas posições; quando o critério de reforçamento é invertido, o número de respostas nesses decants diminui e aumenta o número de respostas nos demais, nos quais ocorre reforçamento.

A Figura 5 apresenta os resultados dos mesmos sujeitos experimentais. Esses resul­tados são apresentados na forma de regis­tros cumulativos e se referem à parte de uma

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Figura 5 - Amostra do registro cumulativo das respostas do pombo 88 em cada decant (número sobre o registro) em uma sessão do treino discriminativo I (A), e as respostas do pombo 33 em cada decant no treino discriminativo 3 em uma sessão (B)Fonte: adaptado de Reynolds ( 1961, p. 291 ).

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sessão experimental. Para o sujeito 88, parte da sessão experimental de treino discriminativo 1 (curva A). Para o sujeito 33, parte da sessão do treino discriminativo 3 (curva B).

Finalmente, mais um aspecto pode ser considerado para que se possam avaliar a extensão e a sutileza do controle de estímu­los. Pode-se dizer que esse aspecto se refere também às características dos estímulos envolvidos; porém, diferentemente do exem­plo anterior, não se refere à maior ou menor complexidade dos estímulos, refere-se a sua acessibilidade. Trata-se, aqui, de analisar o controle do comportamento operante por estímulos interoceptivos ou proprioceptivos (estímulos que envolvem mudanças no orga­nismo do sujeito que se comporta). Quando o controle do comportamento operante é exer­cido por tais estímulos, surge uma situação aparentemente paradoxal: “vemos” as respos­tas do sujeito, mas não “vemos” os estímulos que as controlam, pela simples razão de que nenhum observador externo tem acesso direto a tais estímulos.

O experimento realizado por Lubinski e Thompson (1987) é bastante esclarecedor. Esse experimento envolveu cinco pombos como sujeitos e várias fases experimentais; serão relatadas, aqui, apenas as fases diretamente relacionadas com o tópico em questão (con-

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trole discriminativo por estímulos interocep­tivos). Essas fases envolveram três dos cinco sujeitos. Algumas informações sobre o equi­pamento utilizado no experimento são impor­tantes. A caixa experimental tinha, em uma de suas paredes, cinco discos que podiam ser bicados pelos pombos. Dois desses discos esta­vam relacionados com reforçadores específicos (alimento e agua) e localizavam-se acima dos respectivos dispensadores. Cada um dos três discos restantes apresentava uma letra N, D ou S. A caixa experimental tinha duas luzes, uma luz branca no teto da caixa e uma acima dos três discos, a qual, quando ligada, era azul e piscava. Os sujeitos foram submetidos a um esquema de 28 horas de privação de alimento e quatro horas de privação de água, alternando- se com 28 horas de privação de água e quatro horas de privação de alimento. As sessões eram realizadas sete dias por semana. O controle de estímulo discriminativo por estímulos intero­ceptivos envolveu as seguintes fases:

a) treino inicial: os sujeitos foram treina­dos a bicar o disco de alimento ou o disco de água na presença de uma luz azul piscante; bicadas no disco de alimento eram consequen- ciadas com 4 segundos de acesso ao alimento, bicadas no disco de água eram consequencia- das com 4 segundos de acesso à água; tais con­seqüências eram produzidas apenas se a luz

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azul piscante estivesse acesa. Após seis sema­nas, a luz controlava consistentemente o res­ponder dos sujeitos.

b) treino discriminativa: vinte minutos antes do início da sessão experimental, os sujeitos recebiam uma injeção intramuscular que poderia ser de um depressivo (pentobar­bital) ou de um estimulante (cocaína) ou de um placebo (solução salina); os sujeitos eram submetidos a todas as três condições de uma forma quase randômica, nenhum dos tipos de substância poderia ser injetado mais do que duas vezes consecutivas. Após receberem a injeção, os sujeitos eram colocados na caixa experimental que estava escura; passados vinte minutos, a luz do teto era acesa e os cinco dis­cos iluminados. Bicadas no disco com a letra correspondente à droga que havia sido injetada produziam, em um esquema de reforçamento FR5, como conseqüência, a luz azul piscante; dessa forma, se a droga injetada tivesse sido pentobarbital, o disco correspondente era o que apresentava a letra D, se a droga tivesse sido cocaína, o disco correspondente era o que apresentava a letra S, e se, finalmente, tivesse sido injetada a solução salina, o disco corres­pondente era o que apresentava a letra N; na presença da luz azul piscante, bicadas no disco da água ou do alimento produziam água ou ali­mento, respectivamente. Se o sujeito bicasse

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cinco vezes qualquer dos outros dois discos, a caixa e os discos eram escurecidos por quatro segundos.

c) teste de generalização: trinta minutos antes de iniciar o teste, os sujeitos receberam uma injeção intramuscular, que poderia ser de um depressivo (clorodiazepóxido) ou de um estimulante (anfetamina) ou placebo (solução salina). Segundo os experimentadores, as dro­gas que foram alteradas, apesar de diferenças químicas, têm propriedades farmacológicas semelhantes às drogas que elas substituíram. Os sujeitos foram expostos seis vezes a cada uma das novas drogas (metade das vezes em privação de água, metade em privação de ali­mento) e doze vezes à solução salina (seis em privação de água, seis em privação de ali­mento). Em todas as ocasiões, esteve em vigor um procedimento de extinção.

Lubinski e Thompson (ibid.) encontraram resultados que indicam tanto controle discri­minativo por estímulos interoceptivos como extensão do controle desses estímulos para outros. Segundo eles, foram necessários sete meses de treinamento para que os resultados indicassem um controle preciso de estímulos; ao final desse período, todos os sujeitos res­pondiam nos discos correspondentes à droga injetada naquele dia com, pelo menos, 90% de acerto, independentemente da condição de

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privação em vigor (para avaliar a discrimina­ção, os experimentadores consideraram apenas a primeira tentativa de cada sessão experimen­tal). No teste de generalização, apenas um dos sujeitos, e em uma única ocasião, bicou um disco que não correspondia à droga injetada (no caso, anfetamina).

Os exemplos de estudos experimentais apresentados até aqui devem ter dado uma amostra de toda a complexidade envolvida quando se trata de controle de estímulos do comportamento operante. São exemplos que imediatamente sugerem a extensão explicativa da análise do comportamento (isto é, quais fenômenos essa abordagem consegue descre­ver e explicar). Mas devem ter feito mais do que isso; é possível que eles tenham levantado questões sobre a aplicação do conhecimento produzido pelos analistas do comportamento.

Discriminação e generalização: extensão e aplicação

Para iniciar a análise das possibilidades de aplicação abertas pelo estudo dos processos de discriminação e generalização, dois novos processos serão apresentados: encadeamento e fading.

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Encadeamento

Para compreender a noção de encadea­mento, é preciso reconhecer que um estímulo pode ter mais do que uma função. Um estímulo na presença do qual uma resposta foi reforçada torna-se, como vimos, um estímulo discrimi­nativo, isto é, um estímulo cuja apresentação aumenta a probabilidade de ocorrência das respostas que foram reforçadas em sua pre­sença. Ao adquirir a função de estímulo discri­minativo, esse estímulo torna-se, também, um estímulo reforçador condicionado, isto é, se apresentado como conseqüência de uma deter­minada resposta, aumentará a probabilidade de essa resposta voltar a ser emitida. Assim, a apresentação de um mesmo estímulo produzirá duas alterações: a) fortalece a resposta que o produziu e b) ocasiona as respostas que foram reforçadas em sua presença. No caso (a), o estí­mulo tem a função de reforçador para deter­minadas respostas; no caso (b), tem a função de estímulo discriminativo para outras respos­tas. No experimento de Lubinski e Thompson (ibid.), encontramos um bom exemplo da dupla função do estímulo: a luz azul piscante foi esta­belecida como estímulo discriminativo para a resposta de bicar o disco de alimento ou o de

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água, e, logo após, foi utilizada como estímulo reforçador condicionado para a resposta de bicar um dos três discos com letras.

O processo de condicionamento de estí­mulos reforçadores, dito em outras palavras, o processo que descreve a criação de novos reforçadores, torna, como ressalta Sidman (1986), ilimitados os aspectos, elementos ou características do ambiente que podem funcio­nar como conseqüências efetivas de respostas. Tais aspectos incluem desde aqueles com óbvia importância biológica até aqueles “sutilmente condicionados, como o tom da corda de um violino (...) ou o piscar de olhos de um ouvinte” (p. 221).

Além disso, a dupla função de um estí­mulo possibilita o que chamamos de encadea­mento de respostas ou de formação de cadeia de respostas.

Uma cadeia de comportamento operante é sucintamente descrita como uma seqüência de respostas operantes e estímulos discriminati­vos, tal que cada resposta produz o estímulo discriminativo para outra resposta. (Millenson, 1975, p. 245)

A noção básica do encadeamento é, então, que a emissão de uma resposta altera o ambiente, produzindo as condições que evo­cam outras respostas. Deve ser notado que

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essas mesmas alterações no ambiente são as que devem estar mantendo a resposta que as produziu.

Segundo Skinner (1965), uma cadeia de respostas

[...] pode ter pouca ou nenhuma organização. Quando saímos para um passeio, andando sem rumo pelo campo ou passeando ao acaso em um museu ou uma loja, um episódio em nosso comportamento gera as condições responsá­veis por um outro. (p. 224)

Uma cadeia de respostas pode, além disso, apresentar-se como uma unidade organizada:

Algumas cadeias têm uma unidade funcional, os elos ocorreram mais ou menos na mesma ordem e toda a cadeia foi afetada por uma única conseqüência, (p. 224)

Cadeias de respostas que apresentem tal unidade funcional merecem destaque especial. Sua unidade é tão marcante que fica difícil per­ceber que estamos diante de várias respostas, tendemos a lidar com tais cadeias como se fossem uma única resposta; é comum descon­siderar toda a seqüência de respostas e estí­mulos discriminativos envolvida em atividades comuns, cotidianas, e lidar com tais atividades como se fossem uma única resposta; como, por exemplo, amarrar um sapato. Quando descon-

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sideramos a existência de cadeias desse tipo, desconsideramos também a necessidade de modelar e de colocar sob controle de estímu­los adequados cada resposta componente da cadeia. Tal desconsideração acarreta problemas óbvios quando, por exemplo, estamos envolvi­dos no planejamento de desenvolvimento de repertórios. Para lidar adequadamente com o desenvolvimento de repertórios que envolvem cadeias de respostas, é preciso que se reco­nheçam todos os processos comportamentais envolvidos; com indica Millenson (1975), tais processos incluem: a) a modelagem (reforça­mento diferencial por aproximações sucessi­vas) de cada resposta componente da cadeia,b) o estabelecimento de controle discriminativo adequado para cada resposta componente da cadeia, c) a utilização da conseqüência de uma resposta como estímulo discriminativo para a resposta seguinte da cadeia.

A descrição conceituai de uma cadeia de respostas oferecida pela análise do compor­tamento coloca algumas questões curiosas. O caminho para construirmos um estímulo reforçador condicionado é, primeiro, estabe­lecê-lo como estímulo discriminativo. Se isso estiver correto, no desenvolvimento de cadeias de respostas, primeiro devemos colocar uma determinada resposta (digamos, a resposta A) sob controle adequado de estímulo discrimi-

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nativo; só então poderemos utilizar esse estí­mulo como estímulo reforçador para outra resposta da cadeia (digamos, a resposta B), que, assim, deverá ser uma resposta que antecede a resposta A na cadeia, já que os estímulos reforçadores da resposta B são os estímulos dis­criminativos para a resposta A. Isso sugere que a melhor maneira para desenvolvermos uma cadeia de respostas é utilizar um procedimento que tem sido chamado de “encadeamento de trás para frente”. Com esse procedimento, o ensino da cadeia é iniciado pela última res­posta da cadeia, pelo último elo (o que produz o estímulo reforçador que deve manter toda a cadeia), colocando essa resposta sob controle discriminativo adequado; a seguir, ensinamos a penúltima resposta, apresentando como conse­qüência para ela o estímulo discriminativo que controla a última resposta, e assim sucessiva­mente. Esse procedimento tem se mostrado de especial importância quando se trata de ensi­nar indivíduos com dificuldades para seguir instruções ou quando instruções nào são ins­trumento suficiente para a produção de novos desempenhos (por exemplo, o desenvolvimento de algumas habilidades motoras finas) (Pierce e Epling, 1999).

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Fading

Os estudos experimentais sobre controle de estímulos produziram resultados que leva­ram ao desenvolvimento de um procedimento que recebeu o nome de fading. O fading se caracteriza pela transformação gradual de um estímulo em outro ou pela mudança gradual de uma dimensão do estímulo. Os experimentos realizados por Terrace (1963a, 1963b) foram de especial importância para o desenvolvimento do procedimento de fading e são descritos como exemplos de discriminação “sem erro”.

O primeiro experimento relatado por Terrace (1963a) ilustra o procedimento de fading pela mudança gradual de dimensões do estímulo. Nesse experimento, entre outras manipulações, Terrace estudou o efeito, no estabelecimento do controle de estímulos, da introdução gradual do SA. A intensidade de luz do estímulo discriminativo (disco iluminado de cor vermelha) foi mantida constante e a dura­ção das apresentações desse estímulo sofreu apenas três mudanças (60, 90, 180 segun­dos), mantendo-se constante quando atingiu o último valor. O SA (disco iluminado com cor verde) foi introduzido gradualmente, manipu­lando-se duas dimensões do estímulo: a inten­sidade (de uma chave escura para uma chave

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iluminada com intensidade máxima) e a dura­ção da apresentação do estímulo (aumentando gradualmente de cinco para 180 segundos).

Os sujeitos experimentais, que passaram por esse procedimento de introdução gradual do estímulo (fading) desde o início do estabe­lecimento do controle de estímulos, pratica­mente não emitiram respostas diante do S-\ não passando, assim, por um procedimento de extinção.

O segundo experimento de Terrace ( 1963b) ilustra o procedimento de transformação gra­dual de um estímulo em outro; nesse caso, a exposição de um sujeito a tais transformações graduais leva à transferência do controle de estímulos: dos estímulos que originalmente controlavam o responder, o controle passa a ser exercido pelos estímulos que foram pro­duzidos nesse processo de transformação. O experimento realizado por Terrace (ibid.) ilus­tra muito bem isso. Partindo de uma discrimi­nação já estabelecida entre verde e vermelho, com pombos como sujeitos experimentais, esse autor produziu uma nova discriminação entre linha vertical e uma linha horizontal. O pro­cedimento consistiu na apresentação do estí­mulo vermelho com uma linha vertical branca e verde com uma linha horizontal branca e na transformação gradual da cor dos estímulos de

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vermelho e verde para preto; tal procedimento colocou o responder dos pombos sob controle da posição das linhas.

O procedimento de fading tem sido uti­lizado com bastante sucesso no desenvolvi­mento de habilidades acadêmicas, por exemplo, na alfabetização (Inesta, 1980), principalmente com pessoas que apresentam dificuldades de aprendizagem.

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SKINNER, B. F. (1965). Science and human behavior. New York, The Free Press (Publicação original 1953).

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____ (1963b). Errorless transfer of adiscrimination across two continua. Journal o f Experimental Analysis o f Behavior, n. 6, pp. 223-232.

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DISCRIMINAÇAO E GENERALIZAÇAO: COMPORTAMENTO HUMANO COMPLEXOTereza Maria de Azevedo Pires Sério Maria Amalia Andery Nilza Micheletto Paula Suzana Gioia

O estudo experimental e o aprimoramento conceituai dos processos de discriminação e generalização deixam claro que, na descrição do comportamento operante, duas relações resposta-ambiente devem ser consideradas: a relação entre a resposta e suas conseqüências e a relação entre a resposta e a situação presente quando da emissão da resposta. Deixam claro, também, que essas relações estão, por assim dizer, interligadas: por um lado, as conseqüên­cias diferenciais produzidas pela resposta em diferentes situações é que estabelecerão o con­trole da situação antecedente sobre a resposta, por outro lado, a resposta só produzirá tais conseqüências se for emitida em determinada situação. Assim, quando se trata de descrever e compreender o comportamento, é impossí­vel falar de uma dessas relações isoladamente. Essa inter-relação é tão básica para o analista

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do comportamento que ela passa a constituir sua unidade de análise: para analisar (isto é, decompor, dividir) um episódio, o analista do comportamento procurará identificar as inter- relações entre situação antecedente-resposta- conseqüência que o compõem.

Uma pergunta bastante freqüente entre os estudantes de psicologia é se, com essa unidade de análise, podemos compreender o comporta­mento humano, em especial aqueles compor­tamentos considerados complexos e que pare­cem ser tipicamente humanos, como, por exemplo, os envolvidos nos fenômenos chama­dos cognitivos. O analista do comportamento, é claro, responde afirmativamente: e mais, para ele, é exatamente essa unidade de análise com três termos que permite tratar desses fenô­menos complexos. Sidman (1986) apresenta de forma muito clara o que a ampliação da unidade de análise de dois termos (resposta- conseqüência) para três termos (situação ante- cedente-resposta-conseqüência) possibilitou. Nada melhor, então, que recorrer ao próprio texto de Sidman (ibid.) para identificarmos as possibilidades dessa nova unidade de análise na compreensão do comportamento humano.

Como um bom analista do comporta­mento, Sidman (ibid.) reconhece as imensas possibilidades abertas já pela unidade de dois termos (resposta-conseqüência):

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ü reconhecimento da contingência de dois ter­mos como uma unidade de análise, por mais simples que ela pareça, deve ser considerada como um marco no desenvolvimento da análise comportamental. O comportamento que pare­cia controlado por eventos futuros, uma ano­malia científica problemática, poderia agora ser visto como tendo sido gerado por contingências passadas. Uma importante área da cognição, o “propósito", foi pela primeira vez colocada em um bom arranjo científico. Não era mais neces­sário invocar “expectativas”, “antecipações” ou “intenções” hipotéticas para trazer os determi­nantes do futuro para o passado ou o presente; poder-se-ia, ao invés disso, indicar as contin­gências reais que tinham já ocorrido, (p. 217)

Para Sidman (ibid.), a unidade de três ter­mos só veio confirmar e ampliar as possibili­dades abertas pelo desenvolvimento conceituai da análise do comportamento:

Ao adicionar um único termo a sua unidade menor, a análise do comportamento estende significativamente seu domínio. Por exemplo, a contingência de três termos abarca aque­les fenômenos que tradicionalmente têm sido incluídos no tema “percepção" (...) A contingên­cia de três termos também é a unidade analítica básica da cognição. O conhecimento é inferido de observações de controle de estímulos; diz-se que conhecemos um objeto de estudo apenas se nos comportarmos diferencialmente com relação aos materiais que definem esse objeto, (pp. 221-223)

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Esses fenômenos citados por Sidman (ibid.), percepção e conhecimento, ao lado de outros, tais como atenção, formação de con­ceitos, abstração e solução de problemas, têm sido vistos na psicologia como envolvendo ati­vidades especiais, mais complexas que outras atividades humanas. Do ponto de vista da aná­lise do comportamento, independentemente de sua maior ou menor complexidade, todos esses fenômenos envolvem a relação entre, pelo menos, uma classe de respostas e duas classes de estímulos; relação que vimos estudando com o nome de controle de estímulos e que é des­crita com base nos conceitos básicos de discri­minação e generalização. É objetivo deste texto apresentar, pelo menos introdutoriamente, como tais relações são compreendidas concei- tualmente e ilustrar o trabalho experimental que tem fundamentado essa compreensão.

Percepção e atenção

Falar em percepção significa falar de res­postas operantes controladas por estímulos antecedentes. Como outra relação operante, a relação envolvida no que chamamos de per­cepção sofre a influência da história vivida pelo indivíduo que se comporta e de circuns­tâncias presentes no momento em que o indi­

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víduo se comporta. Poling, Schlinger, Starin e Blakely (1990) resumem muito bem esse ponto de vista:

Entre as variáveis que controlam a percepção, no sentido de respostas controladas por um estímulo, estão: 1) as características físicas do estímulo, 2) a presença concomitante de outros estímulos, e 3) a história (experiência) do indi­víduo com relação ao estímulo, (p. 1U9)

A descrição da percepção como resposta operante sob controle de estímulos acarreta uma mudança em relação à concepção tradicio­nal: uma vez que se assuma que percepção é comportamento operante, assume-se que per­cepção como comportamento env olve ação em relação ao ambiente. Assim, do ponto de vista comportamental, o estudo da percepção não deve ser reduzido ao estudo das estruturas dos órgãos dos sentidos ou ao estudo da forma ou estrutura dos estímulos; nenhum desses aspec­tos abrange o fenômeno que chamamos tradi­cionalmente de percepção. Alguns trechos de Skinner, retirados do capítulo sobre percepção do livTO About Behaviorism (1976), represen­tam o ponto de vista comportamental.

Uma pessoa não é um espectador indiferente a absorv er o mundo como uma esponja. (...) Não estamos simplesmente “cientes" do mundo ao nosso redor; respondemos a ele de maneiras

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idiossincráticas por causa daquilo que aconte­ceu quando estivemos em contato com ele. (...) Tem sido salientado, com freqüência, que uma pessoa que percorreu um caminho quando passageiro não consegue encontrá-lo tão bem quanto uma que tenha dirigido por ele igual número de vezes. (...) Ambos foram expostos aos mesmos estímulos visuaíf, mas as contin­gências foram diferentes. Perguntar por que o passageiro (...) não “adquiriu conhecimento do caminho” é perder de vista a questão impor­tante. (...) As grandes diferenças naquilo que é visto em diferentes momentos em uma dada situação sugere que um estímulo não pode ser descrito em termos puramente físicos. Tem sido dito que o behaviorismo falhou por não reconhecer que o que é importante é “como a situação aparece para uma pessoa" ou “como uma pessoa interpreta uma situação” ou “que significado uma situação tem para uma pes­soa". Entretanto, para investigar como uma situação aparece para uma pessoa ou como ela a interpreta, ou que significado ela tem para a pessoa, devemos examinar o seu comporta­mento com relação a tal situação, incluindo suas descrições dessa situação, e esse exame só pode ser feito em termos de sua história gené­tica e ambiental. (...) pessoas vêem coisas dife­rentes quando foram expostas a contingências de reforçamento diferentes, (pp. 82-88)

Do ponto de vista da análise do comporta­mento, o que chamamos de atenção não difere do que chamamos de percepção; estamos, no

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caso da atenção, mais lima vez falando de controle de estímulos, portanto, de uma rela­ção entre condições antecedentes e respostas operantes. Vamos, mais uma vez, recorrer a Skinner (1965) para apresentar essa posição:

O controle exercido por um estímulo discrimi­nativo é tradicionalmente tratado sob o rótulo de atenção. Esse conceito inverte a direção da ação sugerindo, não que um estímulo controla o comportamento de um observador, mas que o observ ador atenta para o estímulo e, assim, o controla. (...) Atenção é uma relação de controle - a relação entre uma resposta e um estímulo discriminativ o. Quando alguém está prestando atenção está sob controle especial de um estí­mulo. Detectamos a relação mais prontamente quando os receptores estão claramente orien­tados, mas isso não é essencial. Um organismo está atentando para um detalhe de um estímulo se o seu comportamento estiver predominante­mente sob controle daquele detalhe, quer seus receptores estejam ou não orientados para pro­duzir uma recepção mais clara. (pp. 122-124)

Se o analista do comportamento, nos dois casos - da percepção e da atenção -, estuda e descreve os fenômenos de uma mesma maneira, isto é, como controle de estímulos sobre res­postas operantes, quase que inevitavelmente surge a pergunta se não está ocorrendo uma

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grande simplificação ou, em outras palavras, por que existem dois termos se o fenômeno é um só?

É possível que a dificuldade que temos em lidar com relações sujeito-ambiente, no lugar de lidar com eventos estanques, delimitados e com existência independente, seja a responsá­vel pela existência de dois termos que supõem e, ao mesmo tempo, sugerem a existência de dois fenômenos distintos. A dificuldade em lidar com relações sujeito-ambiente pode fazer com que lidemos isoladamente com os elemen­tos que compõem a relação: quer enfatizando o sujeito e supondo que ele é o iniciador autô­nomo de suas atividades, quer enfatizando o ambiente e supondo que ele se impõe sobre o sujeito, que é visto, então, como receptáculo das estimulações ambientais. O primeiro caso parece estar representado no recurso ao termo atenção; no segundo caso, no recurso ao ter­mo percepção.

Como em outros assuntos, as proposições feitas pelo analista do comportamento acabam sendo fonte de problemas de pesquisa para o próprio analista. Assim, um primeiro desafio, no caso da percepção e da atenção, é o de inves­tigar a natureza operante das respostas envol­vidas e a presença de controle de estímulos.

Uma pesquisa historicamente importante sobre o fenômeno da atenção é a Attention in

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the pigeon (Reynolds, 1961). Para exemplificar como esse fenômeno pode ser estudado expe­rimentalmente, será relatado, aqui, apenas o primeiro experimento realizado. Os sujeitos experimentais foram dois pombos privados de alimento. O equipamento utilizado foi uma caixa-padrão com um comedouro e um disco que podia ser iluminado com diferentes for­mas e cores. O estimulo reforçador utilizado foi 3 segundos de acesso ao alimento. O experi­mento foi iniciado com o disco iluminado com um triângulo branco em um fundo vermelho; respostas de bicar o disco foram reforçadas em CRF por duas sessões (cada sessão durava o tempo necessário para que 60 reforços fos­sem liberados) e em VI 3 min por três sessões, de 3 horas cada uma. O treino discriminativo foi realizado nas seis sessões seguintes. Esse treino foi realizado com um procedimento de discriminação sucessiva: durante 3 minutos, o disco era iluminado com o triângulo branco em fundo vermelho e o responder era reforçado em um VI 3 min; durante 3 minutos, o disco era iluminado com um círculo branco em um fundo verde e respostas de bicar o disco não eram reforçadas. As sessões duravam 3 horas, com 30 apresentações de cada estímulo; no final da sexta sessão, foi alterada a duração de apresentação dos estímulos para 1 minuto. Na sétima e na nona sessões, cada componente

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dos estímulos (círculo, triângulo, fundo verme­lho e fundo verde) foi apresentado separada­mente por um minuto, em ordem randômica, por várias vezes, completando um total de 52 minutos para cada estímulo para o sujeito 105 e 69 minutos para o sujeito 107. Foi realizada, entre as duas sessões (8a sessão), uma sessão na qual vigorava o procecMmento do treino dis criminativo. A Figura 1 apresenta alguns resul­tados obtidos.

Como pode ser visto na Figura 1, os sujei­tos responderam diferencialmente, dependendo do estímulo presente: é baixa a freqüência de respostas na presença do círculo sobre verde e alta na presença de triângulo sobre vermelho. Entretanto, ao separar os componentes dos estímulos, Reynolds (ibid.) verificou que o com­portamento de cada um dos sujeitos ficou sob controle de diferentes aspectos do S*: triângulo para um dos sujeitos e vermelho para o outro.

O estabelecimento da relação de con­trole de estímulos que descreve a relação que caracteriza os fenômenos que têm sido cha­mados tradicionalmente de atenção e percep­ção pode, à primeira vista, não revelar toda a complexidade nela envolvida. Ao comentar a possibilidade de estudar experimentalmente discriminação, Skinner (1966) afirma:

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Figura I - Taxa de respostas de cada pombo na presença de cada um dos discos de iluminação no treino discriminativo e no teste do Experimento I Fonte: adaptado de Reynolds (1961, p. 204).

Podemos estudar essa relação em um experi­mento simples. Planejamos reforçar um pombo quando ele bica uma chave, mas apenas quando uma pequena luz localizada acima da chave está piscando. O pombo forma uma discriminação

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na qual ele responde à chave quando a luz pisca e não responde quando ela não está pis­cando. Notamos também que o pombo começa a observar a luz. Podemos dizer que ele está atentando para ela ou que ela mantém sua atenção. O comportamento é facilmente expli­cado em termos de reforçamento condicionado. Olhar em direção à luz é ocasionalmente refor­çado por ver a luz piscar. O comportamento é comparável a procurar um objeto. (...)Uma orientação estável dos olhos não é o único resultado possível. O comportamento de pro­curar com os olhos no escuro ou numa neblina forte é um exemplo de olhar com orientação para o campo visual inteiro. O comportamento de esquadrinhar o campo - ou responder para cada parte dele em algum padrão exploratório - é comportamento que é mais frequentemente reforçado pela descoberta de objetos importan­tes, assim ele se torna forte. (pp. 122-123)

Como vemos, o estabelecimento do con­trole de estímulo discriminativo sobre o res­ponder envolve a emissão de um conjunto de respostas que nos colocam em contato com o estímulo discriminativo. Essas respostas são as respostas de observação. Vale a pena notar que, nesse trecho, podemos identificar mais um problema do termo atenção tal como ele é usado em nossa linguagem cotidiana. Ele parece referir-se indistintamente a duas rela­ções comportamentais diversas: as respostas que nos colocam em contato com os estímulos

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discriminativos e as respostas que estão sob controle desses estímulos, portanto, dependem desse contato.

Os resultados de experimentos realiza­dos por Holland (1966) e Schroeder e Holland (1968) ilustram de forma clara o caráter ope­rante das respostas de observação.

Holland (1966) chama de respostas de observação aquelas que possibilitam a detec­ção de um sinal e sugere que tais respostas são respostas operantes. O experimento foi reali­zado com sujeitos humanos. Esses participan­tes deveriam detectar e relatar o movimento de um ponteiro em um mostrador. Os participan­tes trabalhavam no escuro e podiam iluminar o mostrador por um breve período (0,07s) aper­tando um botão; para indicar que o movimento do ponteiro havia sido detectado, os participan­tes deviam apertar um segundo botão. O expe­rimentador planejou diferentes esquemas para o movimento do ponteiro, cada um dos esque­mas correspondia a um esquema diferente de reforçamento, por exemplo, intervalo fixo, razão fixa. Assim, quando o esquema em vigor era uma razão fixa (FR 36, por exemplo), o pon­teiro era movimentado depois que 36 respostas de apertar o botão que iluminava o mostrador tivessem sido emitidas. Os resultados indicam que o padrão de respostas de apertar o botão que iluminava o mostrador variou segundo os

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diferentes esquemas utilizados pelo experimen­tador (por exemplo, FR 36, FR 84, FI 1 min, FI 2 min , VI 15 s, VI 1 min). Com esses resultados, Holland (1966) pôde concluir que as respostas de apertar o botão que iluminava o mostrador (respostas de observação) estavam sob controle da detecção do sinal.

É possível que o fato ae esse experimento lidar com respostas motoras arbitrárias, tais como apertar o botão que ilumina o mostra­dor, dificulte considerá-las como respostas de observação, análogas às que emitimos cotidia- namente. Schroeder e Holland (1968) realiza­ram um experimento que envolvia respostas de observação que podem ser consideradas “natu­rais”: movimentos dos olhos. Os experimenta­dores utilizaram um equipamento que permitia medir a freqüência e a duração de fixação dos olhos em determinados pontos, o tempo que o participante levava para indicar a detecção do sinal e a “correção” da detecção. Os parti­cipantes (três estudantes universitários) senta­vam-se, confortavelmente, diante de um painel no qual os estímulos eram apresentados; esse painel tinha quatro mostradores com pontei­ros que podiam ser movimentados e quatro lâmpadas, todos em volta de uma foto de uma moça. A Figura 2 representa esquematicamente o equipamento de apresentação de estímulos.

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Mostrador 1 I Luz O Foto □Figura 2 - Esquema do painel de apresentação dos estímulos Fonte: adaptado de Schroeder e Holland ( 1968, p. 162).

Apenas um dos ponteiros era movimen­tado a cada vez; e cada um deles se movi­mentava um mesmo número de vezes em cada sessão; a seqüência na qual cada um deles era movimentado era randômica. Tal como no experimento anteriormente relatado, os parti­cipantes indicavam a detecção do movimento do ponteiro apertando um botão; entretanto, a resposta de observação medida foi o movi­mento dos olhos. Para lidar com essa res­posta, os autores estabeleceram áreas em volta de cada um dos mostradores e definiram um movimento do olho como

[...] a intrusão da reflexão da córnea em uma área quadrada de 4o x 4o em volta de cada mos­tradores. Na medida em que a reflexão perma­

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necia em uma área, ela era contada como uma resposta. Uma nova resposta de movimento do olho era contada apenas se o sujeito olhasse para íora desta área e de volta para ela ou para a área de um outro mostrador. Assim, o sujeito tinha que fazer quatro fixações para observar todo painel, ou o que poderia ser considerado, funcionalmente, uma resposta de observação, (p. 163)

Em linhas gerais, no procedimento pro­posto pelos experimentadores, respostas de movimento dos olhos produziam o movimento dos ponteiros, cuja detecção podia ser indi­cada pelos participantes do experimento, que, diante de tal movimento, pressionavam um botão. Nas sessões iniciais, o movimento dos olhos era seguido pelo movimento do ponteiro em esquemas de reforçamento simples (DRL 10 segundos,1 FR 45 e FI 2 minutos): o primeiro esquema em vigor foi o DRL 10 s (o movi­mento do olho só seria seguido do movimento do ponteiro se por 10 s nenhum olhar para os mostradores tivesse ocorrido). Quando a taxa de respostas nesse esquema de reforçamento se estabilizou, o esquema de reforçamento em vigor passou a ser o FR. Quando a taxa de res­

I DRL é a sigla para o esquema de reforçamento denominado differential reinforcement of low rate ; nesse esquema, são reforçadas apenas respostas que ocorram após algum tempo decorrido da res­posta anterior. Ao exigir um intervalo entre as respostas, esse esque­ma acaba por produzir baixas taxas de respostas.

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postas novamente se estabilizou, o esquema de reforçamento passou a ser FI. Concluídas as sessões iniciais, uma nova fase começou. Nessa nova fase, os três esquemas estavam em vigor, alternadamente, em uma mesma sessão: cada esquema ficava em vigor durante quatro minu­tos, período no qual permanecia acesa uma das quatro luzes, de forma que cada esquema de reforçamento estivesse sempre relacionado a uma mesma luz (por exemplo, a luz localizada acima da foto permanecia acesa quando um dos três esquemas estava em vigor, a da direita, quando outro estava operando e a da esquerda, quando um terceiro estava operando). Tal arranjo de esquemas (alternação sinalizada de diferentes esquemas) é denominado esquema múltiplo de reforçamento; nesse caso, um múl­tiplo DRL 10s, FR 45, FI 2 min.

Os resultados obtidos por Schroeder e Holland (ibid.) confirmam os resultados de Holland (1966). O padrão de respostas de movimentar os olhos se alterou de acordo com o esquema de reforçamento em vigor: era pro­duzida uma alteração na taxa e na distribui­ção das respostas quando mudava o esquema; por exemplo, de uma baixa taxa de respostas, quando estava em vigor o esquema DRL 10s, para uma taxa bem maior, quando o FR 45 estava em vigor. Os resultados indicam, tam­bém, que não houve relatos “incorretos” de

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detecção de sinais e pouquíssimos sinais deixa­ram de ser detectados, independentemente do esquema em vigor. Esses resultados mostram que as respostas comumente consideradas respostas “naturais” de observação são res­postas operantes, isto é, controladas por suas conseqüências.

Conhecimento, formação de conceitos e abstração

Vamos iniciar a análise desses fenôme­nos, novamente, recorrendo a Skinner; agora, ao capítulo sobre conhecimento, do livro About Behaviorism (1976).

Skinner (ibid.) inicia sua análise do que chamamos conhecimento abordando diferentes situações nas quais falamos em conhecimento:

Dizemos que um bebê recém-nascido sabe (conhece/know's] chorar, sugar e espirrar. Dizemos que uma criança sabe [conhece/ knows] como falar e andar de triciclo. A evidên­cia é simplesmente que o bebê e a criança exi­bem o comportamento especificado. Passando do verbo para o substantivo, dizemos que eles possuem conhecimento e a evidência é que eles possuem comportamento. É nesse sentido que dizemos que as pessoas anseiam por, buscam e adquirem conhecimento, (p. 151)

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Nesse trecho, Skinner (ibid.) afirma que sempre que falamos em conhecimento estamos falando em comportamento. Algumas vezes, falamos em conhecer (verbo) e, nessas oca­siões, partimos da ação do indivíduo, nosso vocabulário enfatiza o agir. Outras vezes, fala­mos em conhecimento (substantivo); essa trans­formação no vocabulário indica uma mudança mais extensa, transformamos a ação em uma “coisa” e, nessas ocasiões, então, supomos que o indivíduo possui um comportamento. Em qualquer um dos casos, os mais variados comportamentos (lembrando-se que compor­tamento é sempre uma relação) podem estar envolvidos, isto é, falamos em conhecimento a partir de diferentes comportamentos. Skinner (ibid.) fornece alguns exemplos para ilustrar essa diversidade:

Um sentido de “conhecer” é simplesmente estar em contato com, ser íntimo de (...) Dizemos que sabemos como [conhecemos/know' how] fazer algo - abrir uma janela (...) resolver um problema - se pudermos fazê-lo. Se pudermos ir daqui para lá, dizemos que conhecemos o caminho. Se pudermos recitar um poema ou tocar uma música sem lê-los, dizemos que os conhecemos “de cor” [by heart] (...) Dizemos que sabemos coisas [conhecemos sobre/know about]. Conhecemos álgebra, Paris, Shakespeare, ou latim (...) no sentido de possuir várias for­mas de comportamento em relação a eles. (...)

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afirmamos, também, ter um tipo especial de conhecimento se pudermos simplesmente for­mular instruções, orientações regras ou leis. (p. 152)

Com todos esses exemplos, Skinner (ibid.) está enfatizando, mais uma vez, que conhecer implica sempre a emissão de respostas, mesmo quando essa emissão não é reconhecida, quando fica, por assim dizer, escondida, quando é “coi- sificada” pelo emprego do substantivo “conhe­cimento”. Para não deixar nenhuma dúvida, Skinner (ibid.) afirma: “Não agimos colocando em uso o conhecimento; nosso conhecimento é ação ou, pelo menos, regras para a ação” (p. 154).

Partindo da afirmação de que conhecer é comportar-se, os analistas do comportamento tratam de formação de conceitos e de abstra­ção - comumente tidos como fenômenos que se referem ao conhecimento, à cognição - tam­bém como comportamento.

Já em um dos primeiros livros publica­dos para apresentar os princípios e conceitos básicos da análise do comportamento, Keller e Schoenfeld (1950) afirmam:

O que é um “conceito"? Este é outro termo da linguagem popular introduzido na psico­logia, que traz muitas conotações diferentes. Devemos ter cuidado ao usá-lo, lembrando que é apenas um nome para uma determinada espé­

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cie de comportamento. Rigorosamente falando, não temos um conceito, assim como não temos uma extinção - ao contrário, revela-se compor­tamento conceituai, atuando de certa maneira. A análise deveria na realidade começar por uma questão diferente: Qual o tipo de com­portamento que denominamos “conceituai”? E a resposta é que, quando um grupo de obje­tos obtém a mesma resposta, quando formam uma classe a cujos membros se reage de modo semelhante, falamos de um conceito. (...) “Mas”, poder-se-á dizer, “isto é generalização e discri­minação novamente” - c assim é. Generalização intra classe e discriminação inter classes - isto é a essência dos conceitos, (pp. 168-169)

Podemos aprender, com Keller e Schoenfeld (ibid.), que quando estamos falando de forma­ção de conceitos estamos falando de um tipo especial de controle de estímulos que surge quando os processos de discriminação e gene­ralização se relacionam de forma tal que é for­mada uma classe de estímulos que apresenta duas características básicas: a) não fica fora da classe nenhum estímulo que “deve” pertencer a essa classe (generalização intraclasse) e b) não é incluído na classe nenhum estímulo que “não pode" pertencer a ela (discriminação interclas­ses). Podemos, então, dizer que quando fala­mos em formar conceitos, na verdade, estamos falando em formar classes de estímulos. A expressão “comportamento conceituai”, utili-

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zada por Keller e Schoenfeld (ibid.), refere-se à relação de controle dessa classe de estímulos sobre uma determinada classe de respostas.

Numa tentativa de indicar a extensão e abrangência dessa maneira de olhar para a “formação de conceitos”, de Rose (1993) recorre a um conto de Jorge Luis Borges cha­mado Fîmes, o Memorioso. Nesse conto, Borges descreve um personagem (Irineu Funes) que, entre outras características, percebe cada evento, cada objeto, cada faceta do evento ou objeto, em cada interação particular, como único. Por exemplo, um cachorro visto de lado não era considerado por Funes como o mesmo quando ele o via de frente ou o cachorro visto numa determinada hora não era considerado o mesmo quando visto minutos depois. Ao comentar essa característica de Funes, Borges (1989) diz que ele, talvez, não fosse capaz de pensar, já que “pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair” (p. 117). A partir desse exemplo, de Rose (1993) afirma:

O pensamento e a linguagem requerem, por­tanto, a capacidade de agrupar os estimulos em classes. Estas classes, formadas a partir de alguma relação entre os estímulos, constituem a base do que chamamos genericamente de conceitos. Compreender a natureza das cias-

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ses de estímulos e o processo de sua forma­ção é, portanto, fundamental para a Psicologia, (p. 284)

Algumas vezes, o processo de formação de classes de estímulos envolve o que tradi­cionalmente é chamado de abstração. Se exis­tem diferenças importantes entre os processos envolvidos em cada caso (formação de con­ceitos e abstração), elas estão nos detalhes do procedimento de discriminação exigidos para o estabelecimento de um controle de estímu­los com determinadas características e, como conseqüência, nas propriedades dos estímulos que controlam o responder. Segundo Skinner (1965),

Comportamento pode ser colocado sob con­trole de uma única propriedade ou de uma combinação especial de propriedades de um estímulo ao mesmo tempo que libertado do controle de todas as outras propriedades. O resultado é conhecido como abstração. A rela­ção com a discriminação pode ser mostrada por um exemplo. Reforçando respostas a um ponto vermelho na forma de círculo, enquanto extin­guimos respostas a círculos de todas as outras cores, podemos dar ao ponto vermelho con­trole exclusivo sobre o comportamento. Isso é discriminação. Uma vez que pontos de outras cores aparentemente não têm efeito, parece que as outras dimensões que eles possuem - por exemplo, tamanho, forma e localização -

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não são importantes. Mas, isso não é verdade (...). Colocamos (...) a resposta sob controle de pontos vermelhos na forma de círculo, mas não da “propriedade vermelho” apenas. Para atin­gir este último objetivo, devemos reforçar res­postas a muitos objetos, todos eles vermelhos, mas que diferem em suas outras propriedades. Finalmente, o organismo responde apenas à propriedade “vermelho”. (...) Abstração, tam­bém, não é uma forma de ação por parte do organismo. É simplesmente um estreitamento do controle exercido pelas propriedades dos estímulos. A propriedade controladora não pode ser demonstrada em uma única ocasião. (...) A relação de controle pode ser descoberta apenas por meio da investigação de um grande número de instâncias, (pp. 134-135)

Para introduzir a análise experimental do processo básico de formação de classes de estímulos, vamos, mais uma vez, recor­rer a um experimento realizado com sujeitos infra-humanos.

Um experimento tradicional, nessa área, foi o realizado por Kelleher (1958). O autor teve como sujeitos dois chimpanzés e utilizou o seguinte equipamento: uma chave de telefone que podia ser pressionada pelos sujeitos e um painel no qual os estímulos eram apresentados; esse painel continha nove pequenas janelas, distribuídas em três fileiras e três colunas que podiam ser iluminadas individualmente. Um determinado padrão de iluminação (quantidade

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exem plo de S utilizado na I a parte do experimento

□ □ □

exem plo de S utilizado na Ia parte do experimento

exemplo de SD utilizado na 2a parte do experimento

□ ■ □■ □ ■□ □ □

exemplo de SA utilizado na 2a parte do experimento

Figura 3 - Exemplos de distribuições de janelas iluminadas em cada um dos quatro padrões de estímulos utilizados como SD e como SA por Kelleher ( 1958).

e posição de janelas iluminadas) constituía o conjunto dos estímulos considerados como SD, outro padrão, o conjunto de estímulos consi­derados SA. Na primeira parte do experimento, foram consideradas como SD as distribuições que apresentassem como padrão as três jane­las inferiores iluminadas e como SA as distribui­ções que não tivessem as três janelas inferiores iluminadas. Na segunda parte do experimento, foram consideradas como SD quaisquer distri­buições de janelas iluminadas que tivessem como padrão três janelas quaisquer ilumina­das e como SA distribuições que tivessem como padrão duas ou quatro janelas iluminadas.

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A seguir, é apresentado um esquema que ilustra uma distribuição possível de janelas ilumina­das dentro de cada um dos padrões utilizados por Kelleher (ibid.).

Os sujeitos foram inicialmente treinados a pressionar a chave de telefone tendo como con­seqüência alimento. O treino discriminativo, nas duas partes do experimento, foi realizado com um procedimento de discriminação sucessiva: na presença dos estímulos Sn, as respostas de pressionar foram reforçadas em VR 100 (com a amplitude de 1 a 200). Cada apresentação do SD terminava quando se completava o número de respostas necessário para produzir reforço naquela oportunidade. Ou seja, havia períodos em que apenas uma resposta era necessária e períodos em que até 200 respostas eram neces­sárias, produzindo, assim, diferentes durações de apresentação do SD. Na presença dos estí­mulos SA, nenhuma resposta foi reforçada e a apresentação terminava decorrido 1 minuto sem respostas de pressionar a chave. Entre uma apresentação e outra, havia um período de 30 s de intervalo, quando todo o equipamento era desligado. As apresentações dos estímulos eram programadas em seqüências compos­tas por 26 estímulos: treze SD e treze SA; essa seqüência de 26 estímulos era programada de forma que se alternassem períodos de SD com períodos de SA e uma sessão tinha a duração

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necessária para que 50 reforços fossem libera­dos. Quando o desempenho dos sujeitos ficava estável, uma nova seqüência com os mesmos 26 estímulos era apresentada. Depois de esta­bilizado o desempenho com essa nova seqüên­cia de estímulos, seis do conjunto de treze Sn e seis do conjunto de treze SA eram trocados, compondo uma nova seqüência de 26 estímu­los, que era, então, apresentada aos sujeitos.

A seguir, reproduzimos a figura apresen­tada por Kelleher (ibid.) com os resultados de um dos sujeitos experimentais.

Figura 4 - Exemplos de SD e S ' utilizados e curvas de freqüên­cia acumulada de respostas de pressionar nas duas partes do experimento. Os blocos A e B correspondem à primeira parte do experimento e os blocos C e D, à segunda parte Fonte: adaptado de Kelleher (1958, p. 778).

A Figura 4 está dividida em quatro blo­cos; A e B apresentam exemplos de estímulos

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utilizados e curvas de freqüência acumulada da resposta de pressionar da 1" parte do expe­rimento (SD arranjos nos quais as três janelas inferiores estava acesas); C e D apresentam as mesmas informações relativas à 2a parte do experimento (SD arranjos com quaisquer três janelas iluminadas). Deve ser salientado que as partes B eD apresentam o desempenho inicial após a mudança dos conjuntos de estímulos utilizados, respectivamente, na I a e 2a partes do experimento. No bloco A são apresentadas as curvas obtidas após 100 horas de treino dis­criminativo com a primeira seqüência de 26 estímulos. Observa-se alta taxa de respostas na presença do SD e poucas respostas na presença do SA. O mesmo desempenho ocorreu quando houve a troca de seis de SD e de seis dos SA da seqüência anteriormente apresentada. No entanto, o mesmo não ocorreu na segunda parte do experimento. Embora os sujeitos tenham respondido com altas taxas de res­postas na presença dos estímulos discrimina­tivos, após 150 horas de treino discriminativo em uma seqüência de 26 estímulos (bloco C), ao alterar seis dos SD e seis dos S4, o desem­penho foi marcadamente rompido. Como pode ser visto nas curvas, pode-se dizer que o sujeito ficou sob controle do padrão de estímulos dis-

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criminativo, ou seja, formou o conceito “jane­las inferiores iluminadas”, mas não o conceito “três janelas iluminadas”.

Como foi dito, esse experimento apenas introduz a questão do estudo experimental da “formação de conceitos” ou, mais apropriada­mente, da formação de classes de estímulos. É possível que esses resultados sugiram per­guntas, como, por exemplo: é necessário que o sujeito que forma a classe de estímulos iden­tifique os critérios de formação dessa classe? Ou formar classe de estímulo implica nomear a classe? Ou, ainda, só há esse processo de for­mação de classes (discriminação entre classes e generalização intraclasses)? Perguntas como essas têm desafiado os analistas do comporta­mento e muito estudo experimental tem sido realizado para respondê-las. Alguns desses estudos serão objeto do próximo texto.

Referências bibliográficas

BORGES, J. L. (1989). Ficções. Rio de Janeiro, Globo.

DE ROSE, J. C. (1993). Classes de estímulo: implicações para uma análise comporta­mental da cognição. Psicologia: Teoria e Pesquisa, n. 9, pp. 283-303.

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86 CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

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------ (1976). About Behaviorism. New York,Vintage (Publicação original 1974).

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DISCRIM INAÇÃO CO ND IC IO NALTereza Maria de Azevedo Pires Sério Maria Amalia Andery Nilza Micheletto

Vamos iniciar o estudo da noção de dis­criminação condicional com uma pequena história.

No inverno de 1800, possivelmente em busca de calor, um menino, que de\ia ter entre 12 e 14 anos, apareceu na casa de um dos mora­dores de Saint Sernin, o que despertou imedia­tamente a curiosidade dos habitantes desse vilarejo. Há algum tempo, moradores e caçado­res que viviam na região de Aveyron (França) afirmavam ter visto, nos bosques ao redor do vilarejo, um menino que parecia viver sozinho na floresta e que fugia diante de qualquer ten­tativa de aproximação.

Além da curiosidade imediata que desper­tou na população local, ele passou a despertar também o interesse de estudiosos de diferentes áreas do conhecimento. O menino foi chamado de Selvagem de Aveyron e, posteriormente, recebeu o nome de Victor de Aveyron. Após ficar sob a guarda de algumas instituições, foi encaminhado ao Instituto de Surdos-Mudos,

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em Paris, onde uma comissão de especialistas foi designada para estudar o caso. Dentre os componentes dessa comissão estava o médico Philippe Pinei. 0 relatório de Pinei sobre o caso foi o que teve maior repercussão; nele era afir­mado que o menino teria sido abandonado por ser idiota e que não haveria, então, possibilida­des de educá-lo.

Jean Marc Gaspard Itard, um médico que havia sido aluno de Pinei e que participou de sessões nas quais o caso de Victor foi dis­cutido, interessou-se pelo menino. Defendendo que era, sim, possível educá-lo, Itard solicitou e conseguiu a responsabilidade pela educação de Victor. Itard trabalhou no caso durante muitos anos e suas atividades foram registradas em relatórios que foram enviados para sociedades de estudiosos e para autoridades responsáveis pelo encaminhamento de Victor (Banks-Leite e Galvão, 2000).

A rica narrativa apresentada nesses relató­rios é, ainda hoje, fonte de estudo e, em muitos aspectos, ela coloca problemas que a psicologia contemporânea investiga.

De especial interesse, aqui, são os trechos nos quais Itard (2000) relata suas tentativas de

(...) exercitar durante algum tempo, a partir de objetos de suas necessidades físicas, as mais simples operações da mente e determinar

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depois sua aplicação aos objetos de instrução, (p. 136)(...) desenhei numa prancha negra a figura linear de alguns objetos (...) tais como uma chave, uma tesoura e um martelo. Apliquei diversas vezes, e nos momentos em que via que eu era observado, cada um desses objetos sobre a sua respectiva figura e (...) quis fazê-lo trazer-me sucessivamente os objetos, designando com o dedo a figura daquele que eu pedia. Não obtive nada (...) Eu observara que ele tinha um gosto (...) pela arrumação (...) Pendurei (...) cada um dos objetos embaixo de seu desenho e os dei­xei lá algum tempo. Quando depois vim tirá-los e dá-los a Victor, foram imediatamente recolo­cados em sua ordem convencional (...) Mudei (...) a respectiva posição dos desenhos, e o vi então (...) seguir para a arrumação dos objetos a mesma ordem de antes. (pp. 166-167)

Itard (ibid.) interpretou esse fracasso como produto do recurso de Victor exclusiva­mente a sua memória. Tentou, então, resolver esse problema aumentando o número de dese­nhos e objetos correspondentes e alterando suas posições várias vezes. Com esse procedi­mento, obteve sucesso e é assim que o descreve e interpreta:

Então essa memória tornou-se um guia insu­ficiente para a arrumação metódica de todos aqueles corpos numerosos; então a mente teve de recorrer à comparação do desenho com a coisa (...). Fiquei certo disso quando vi nosso

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jovem Victor dirigir seus olhares, sucessiv a­mente, a cada um dos objetos, escolher um e procurar em seguida a figura à qual queria reportá-lo; e logo tive a prova material disso com a experiência da inversão das figuras, que foi seguida, de sua parte, da inversão metódica dos objetos, (p. 167)

Introduzindo algumas modificações nesse procedimento, já que acreditava que existiam dificuldades especiais nas compara­ções figuras-palavras (“Da figura de um objeto à sua representação alfabética, é imensa a distância”, p. 168), Itard procurou desen­volver um programa de leitura para ensinar Victor. Seu primeiro passo foi a construção de um equipamento que possibilitasse apre­sentar e trabalhar com todas as letras do alfa­beto: uma prancha com 24 compartimentos, letras impressas e letras moldadas em metal. Trabalhando com esse equipamento, Victor deveria colocar as letras de metal nos com­partimentos correspondentes, indicados pelas letras impressas; isso era feito alterando- se sistematicamente a ordem das letras. No transcorrer dessas atividades, Itard relata a realização de uma experiência:

Uma manhã que ele [Victor] esperava impacien­temente o leite (...) arrumei numa prancha estas quatro letras: L A I T. A senhora Guérin, que eu prevenira, aproxima-se, olha os caracteres e

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dá-me em seguida uma xícara cheia de leite (...). Um momento depois me aproximo de Victor dou-lhe as quatro letras (...) indico-lhe [uma prancha] com uma mão enquanto com a outra apresento-lhe a caneca cheia de Seite. As letras foram imediatamente recolocadas, mas numa ordem totalmente inversa, (pp. 173-174)

Após várias correções, nas quais Itard indi­cava as mudanças necessárias na ordem das letras e Victor as executava, recebendo, então, uma xícara de leite, surpreendentemente, alguns dias depois Victor demonstrou ter:

(...) idéia da relação que há (...) entre a palavra e a coisa. É pelo menos isso que se é fortemente autorizado a pensar, segundo o que lhe aconte­ceu oito dias depois (...) Viram-no, prestes para sair à tarde (...) munir-se, por conta própria, das quatro letras em questão; pô-las no bolso e, mal tendo chegado à casa (...) onde (...) vai todos os dias merendar leite, dispor esses caracteres sobre uma mesa, de maneira que se formasse a palavra lait. (p. 174)

O que essa história pode ensinar sobre discriminação condicional? Não poderíamos compreender as experiências relatadas e as aprendizagens de Victor recorrendo apenas aos conceitos de discriminação e generaüzação?

Parte do que Victor realizou, com certeza, envolveu a relação de controle de estímulos des­crita pelo conceito de discriminação; podemos

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identificar tal relação, por exemplo, nas ativi­dades que envolviam a distinção entre objetos diferentes ou entre letras diferentes. Mas, se analisarmos mais detalhadamente essas mes­mas atividades, veremos que há mais relações envolvidas além da relação de controle exer­cido por um estímulo sobre uma resposta. Por exemplo, diante do martelo, da tesoura e da chave (estímulos), pegar um deles (resposta), produziria conseqüências (correção ou não da resposta emitida), dependendo de qual dese­nho havia sido apontado por Itard. Assim, as conseqüências diferenciais para o responder diante de determinado estímulo dependiam da relação entre esse estímulo (no caso, um dos objetos) e um outro estímulo (no caso, o dese­nho apontado por Itard). O mesmo ocorria na atividade com as letras; as conseqüências da resposta de colocar uma letra de metal em um determinado compartimento dependiam da letra impressa presente nesse compartimento. Nos dois casos, o valor do estímulo antece­dente (os objetos ou as letras de metal) depen­dia de um outro estímulo (o desenho apontado ou as letras impressas); em outras palavras, cada objeto ou letra de metal tinha a função de estímulo discriminativo ou a função de estí­mulo delta, dependendo de um outro estímulo (nos exemplos citados, o desenho apontado ou a letra impressa). Dada essa característica das

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atividades planejadas por Itard - a função do estímulo antecedente de SD ou de depende da presença de um outro estímulo -, podemos dizer que elas envolviam uma discriminação condicional.

Catania (1998), ao abordar os processos descritos pelo conceito de discriminação condi­cional, afirma:

Como contingências, as discriminações podem ser efetivas sob algumas condições, mas não sob outras. (...) Tais discriminações, em que o papel de um estímulo depende de outros que forneçam o contexto para ele, são denomina­das discriminações condicionais, (p. 162)

Chamamos, então, de discriminação con­dicional a “discriminação em que o reforço do responder na presença de um estímulo depende de (é condicional a) outros estímulos” (p. 396).

Skinner (1950), em um artigo até hoje con­siderado importante por apresentar a posição do autor sobre aspectos polêmicos do processo de produção de conhecimento científico, distin­gue discriminações simples de discriminações condicionais. Nesse artigo, tal distinção ganha importância, já que Skinner aborda o processo de discriminação condicional ao se dispor a tra­tar de processos denominados por ele “aprendi­zagem complexa”. Nesse artigo, Skinner utiliza a expressão matching to sample (emparelha-

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mento com o modelo, cuja sigla, a partir do nome em inglês, é MTS) para se referir ao pro­cesso envolvido na discriminação condicional. Essa expressão é a que passou a ser utilizada, nos estudos sobre esses fenômenos, tanto para se referir ao processo estudado como para se referir ao procedimento em questão. Com isso, a literatura mais recente passou a nomear o estímulo condicional de estimulo-modelo ou amostra e os estímulos discriminativo e delta de estímulos-comparaçào ou escolha.

Para ilustrar o procedimento mais comum utilizado nos experimentos sobre matching to sample (MTS), recorreremos a um experimento que reconhecidamente marca a história do con­ceito de discriminação condicional - o expe­rimento de Cumming e Berryman (1961). Os sujeitos dos experimentos foram pombos pri­vados de alimento e o equipamento utilizado era composto por uma caixa triangular tendo em uma das paredes três discos translúcidos, colocados um ao lado do outro, aproximada­mente em uma altura correspondente à altura da cabeça do pombo, e, abaixo desses discos, um comedouro. Os discos podiam ser ilumi­nados com quatro diferentes cores: vermelho, verde, amarelo e azul. O experimento reali­zado pode ser dividido em cinco fases. Depois de passar pelas três fases iniciais (treino ao comedouro, instalação da resposta de bicar

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um disco branco e instalação da resposta de bicar o disco iluminado com qualquer uma de três cores - vermelho, verde e azul), iniciou-se a fase que envolveu o estabeieamento da dis­criminação condicional. Nessa fase, as sessões tinham 140 tentativas. Uma tentativa era ini­ciada com a iluminação do disco do meio com uma das três cores (vermelho, verde e azul). Uma resposta de bicar esse disco era seguida pela iluminação dos dois discos laterais: um deles com a mesma cor do disco do meio e o outro com qualquer uma das outras duas cores. Uma resposta ao disco lateral iluminado com a mesma cor do disco do meio produzia três segundos de acesso ao alimento; uma resposta ao disco lateral de cor diferente da do disco do meio produzia o escurecimento de toda a caixa por três segundos. Em qualquer uma das duas alternativas, após os três segundos, era ini­ciado um período de 25 segundos - chamado de intervalo entre tentativas (ITI) - durante o qual apenas uma lâmpada no teto da caixa ficava iluminada. Nenhuma resposta do sujeito experimental emitida durante esse período produziria quaisquer efeitos. Terminado o ITI, outra tentativa era iniciada. Depois de 22 ses­sões realizadas na fase quatro, foi iniciada a fase cinco: foram realizadas duas sessões nas

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quais a luz azul foi substituída pela luz ama­rela. Nos demais aspectos, essas duas sessões foram idênticas às anteriores.

A Figura 1 (adaptada de Cumming e Berryman, 1961) ilustra os principais aspectos das fases quatro e cinco do experimento.

Os resultados apresentados pelos pesqui­sadores indicam que, na fase quatro, após a rea­lização de algumas sessões (aproximadamente dez sessões), os três sujeitos passaram a res­ponder com mais de 90% de acerto. Entretanto, quando a cor azul foi substituída pela amarela (fase cinco), os sujeitos mantiveram o mesmo desempenho nas discriminações que tinham como estímulo condicional as cores vermelho ou verde, mas seu desempenho caiu ao nível do acaso (perto de 50% de acerto quando o estímulo condicional era a cor amarela, na 23a sessão. Esse desempenho, na 24a sessão, apre­senta uma leve melhora).

Essa diferença no desempenho dos sujei­tos da fase quatro para a fase cinco coloca uma importante questão sobre o que está mesmo sendo aprendido com o procedimento de dis­criminação condicional descrito - o procedi­mento de matching to sample.

Catania (1998) formula claramente a per­gunta: como podemos descrever o desempenho do pombo, de bicar no verde quando a luz cen­tral é verde, ou vermelho quando a luz central é

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Intervalo entre tentativas (luzes apagadas)

Apresentação estimulo- modelo (chave central luminada)

Apresentação estimulos- comparaçao (chaves laterais iluminadas)

Intervalo entre tentativas (luzes apagadas)

Figura I - Ilustração do procedimento utilizado por Cumming e Berryman (1961), nas fases quatro e cinco do experimento de discriminação condicional

vermelha, ou azul, quando a luz central é azul? Poderíamos dizer que o pombo bica o disco lateral que tem a mesma cor do disco central? Em outras palavras, que ele bica o “disco que é igual”? Afinal, o que o sujeito experimental aprendeu?

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Como poderíamos descrever esse desempe­nho? Ele aprendeu a bicar na esquerda dadas as configurações vermelho-vermelho-verde e verde-verde-vermelho, e à direita dadas as con­figurações verde-vermelho-vermelho e verme- lho-verde-verde? Ou ele aprendeu a emparelhar de modo geral, isto é, aprendeu a relação de identidade? Se agora apresentarmos a cor azul, ou a cor amarela e o pombo fizer o emparelha­mento com as novas cores modelo, teremos mais confiança em falar de emparelhamento mais generalizado (...) Mesmo se víssemos o emparelhamento com as novas cores, o que dizer se não obtivéssemos o emparelhamento com figuras geométricas? Poderíamos dizer apenas que o pombo aprendeu o emparelha­mento de cor, mas não o de forma (...) devemos reservar o termo [emparelhamento por identi­dade] para os casos em que o emparelhamento se generaliza para novos estímulos-modelo e comparação, como o emparelhamento de forma, depois do treino com cores. (p. 165)

O matching to sample é, então, um dos tipos de procedimento de discriminação condi­cional. Esse procedimento, quando produzir o desempenho de emparelhamento generalizado, pode ser chamado de matching por identidade.

Há dois outros procedimentos de discri­minação condicional que são também muito utilizados e que podem produzir resultados bastante interessantes: são os procedimen-

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tos de emparelhamento por singularidade (oddity) e o emparelhamento arbitrário (arbitrary matching) (ibid.).

Em termos gerais, o procedimento de emparelhamento por singularidade é seme­lhante ao emparelhamento com o modelo: o estímulo-modelo é apresentado e uma resposta a esse estímulo produz os estímulos-compara- ção. U que distingue esse procedimento, sua característica básica, é que a resposta ao estí- mulo-comparação diferente do estímulo-modelo produz o estímulo reforçador, e a resposta ao estímulo-comparação igual ao estímulo-modelo não. Em outras palavras, no procedimento de emparelhamento por singularidade, o reforço é contingente à resposta ao estímulo que é dife­rente do estímulo-modelo (o estímulo singular). Nesse caso, o resultado esperado é o aumento da freqüência de respostas ao estímulo-compa­ração distinto do estímulo-modelo. Para exem­plificar, suponhamos que no experimento de Cumming e Berryman ( 1961 ) fosse utilizado, no lugar do emparelhamento com o modelo, o procedimento de emparelhamento por singu­laridade. Teríamos, na fase quatro, a seguinte situação experimental: uma tentativa seria ini­ciada com a iluminação do disco do meio com uma das três cores (vermelho, verde e azul); uma resposta de bicar esse disco seria seguida pela iluminação dos dois discos laterais: um

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deles com a mesma cor do disco do meio e o outro com quaisquer das outras duas cores; uma resposta ao disco lateral iluminado com a cor diferente do disco do meio produziria três segundos de acesso ao alimento; uma resposta ao disco lateral da mesma cor da do disco do meio produziria o escurecimento de toda a caixa por três segundos. Em qualquer uma das duas alternativas, após os três segundos, seria iniciado um período de 25 segundos, durante o qual apenas uma lâmpada no teto da caixa ficaria iluminada.

Tanto no procedimento de emparelha­mento com o modelo como no procedimento de emparelhamento por singularidade, pelo menos dois cuidados devem ser tomados: o estímulo-modelo (ora verde, ora vermelho, ora azul, se considerarmos os exemplos dados) e a posição do estímulo-comparação correto (à direita ou esquerda do estímulo-modelo) devem variar durante as tentativas que com­põem o procedimento.

Finalmente, temos o procedimento de emparelhamento arbitrário. Nesse procedi mento, a relação entre os estímulos não pode ser descrita comparando-se os estímulos fisica­mente, como podemos fazer nos procedimentos de emparelhamento com o modelo e de empa­relhamento por singularidade. No emparelha­mento com o modelo, dizemos que os estímulos

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iguais foram emparelhados e no emparelha­mento por singularidade, que o estímulo dife­rente foi emparelhado. Podemos exemplificar o procedimento de emparelhamento arbitrário continuando a tomar como base o experimento de Cumming e Berryman (ibid.). Na quarta fase, poderíamos ter a seguinte situação experimen­tal: uma tentativa seria iniciada com a ilumina­ção do disco do meio com uma das trés cores (vermelho, verde e azul); uma resposta de bicar esse disco seria seguida pela iluminação dos dois discos laterais; entretanto, diferentemente dos dois procedimentos anteriores, todos os estímulos-comparação seriam diferentes do estímulo-modelo; poderíamos, inclusive, lidar com estímulos de dimensões totalmente dife­rentes. Por exemplo, um dos estímulos-com­paração poderia ser um triângulo, o outro, um quadrado e o último, um círculo - todos de cor branca. Se o estímulo-modelo fosse o de cor vermelha, uma resposta ao disco lateral iluminado com a forma de um quadrado pro­duziria três segundos de acesso ao alimento; uma resposta ao disco lateral iluminado com um triângulo ou com um círculo produziria o escurecimento de toda a caixa por três segun­dos. Se o estímulo-modelo fosse o de cor azul, uma resposta ao disco lateral iluminado com a forma de um círculo produziria três segundos de acesso ao alimento; uma resposta ao disco

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lateral iluminado com um triângulo ou com um quadrado produziria o escurecimento de toda a caixa por três segundos. Se, finalmente, o estímulo-modelo fosse o de cor verde, uma res­posta ao disco lateral iluminado com a forma de um triângulo produziria três segundos de acesso ao alimento; uma resposta ao disco late­ral iluminado com um quadrado ou com um círculo produziria o escurecimento de toda a caixa por três segundos. Em qualquer uma das duas alternativas, após os três segundos, seria iniciado um período de 25 segundos, durante o qual apenas uma lâmpada no teto da caixa ficaria iluminada.

A partir do procedimento de emparelha­mento arbitrário, duas interessantes questões podem ser formuladas. A primeira delas diz respeito ao que aconteceria se os estímulos de comparação e modelo fossem invertidos, isto é, se as formas aparecessem como estímulo- modelo e as cores como estímulos-compara- ção? Segundo Catania (1998),

Geralmente esperamos essa reversibilidade [que o sujeito responda acuradamente diante da inversão proposta] quando lidamos com palavras e objetos; por exemplo, quando uma criança que aprendeu a apontar para a figura de um carro ao ver a palavra carro, pode apon­tar para a palavra ao ver a figura. Esta reversi­bilidade, uma propriedade do comportamento

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simbólico não pode ser tida como certa. Por exemplo, uma criança pode mostrar tal rever­sibilidade sem treino explicito, mas um pombo não. (p. 166)

A segunda questão se refere ao conceito de classes de estímulos. O conceito de classe de estímulos, como até aqui apresentado, envol­veu discriminação e generalização. Os estímu­los que formavam uma classe tinham sempre propriedades em comum, mesmo que elas não pudessem ser verbalizadas pelo sujeito. Os procedimentos de discriminação condicional, especialmente o de emparelhamento arbitrário, dão, assim, origem a uma questão importante: os estímulos condicionalmente relacionados podem constituir uma classe de estímulos?

Sidman tem investigado sistematicamente essa questão (1986, 1994). Seu trabalho expe­rimental deu origem àquilo que chamamos de formação de classes de estímulos equivalentes. Apresentamos a seguir um trecho de um dos inúmeros estudos de Sidman (1994) sobre essa questão:

Dados dois estímulos discriminativos, BI e B2, um sujeito seleciona BI se um estímulo con­dicional, A l, está presente e seleciona B2 se o estímulo condicional é A2. (...) Em sua forma mais simples as relações condicionais são: se A l, então BI; se A2 então B2. (...) Assume-se freqüentemente que uma discriminação condi-

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CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

cional bem estabelecida demonstra não apenas relações condicionais entre os estímulos, mas também relações de equivalência. (...) Diferentemente de condicionalidade, equiva­lência não é definível apenas por referência às interações do sujeito enquanto o procedimento estabelecedor está em efeito. Para determinar se o desempenho envolve algo mais que as relações condicionais entre estímulos-modelo e comparação, são necessários testes adicionais. (...) testes adequados podem ser derivados das três propriedades que textos da matemática moderna elementar especificam como defini­ção da relação de equivalência: reflexividade, simetria e transitividade.Para determinar que a relação, R, é reflexiva, deve-se demonstrar que cada estímulo man­tém relação com ele mesmo; aR« (se a, então a) e bRb (se b, então b) devem ser verdadeiras. Portanto, a reflexividade pode ser testada por um procedimento de emparelhamento por identidade (com o modelo) que exige que o sujeito emparelhe a com ele mesmo e b com ele mesmo.Não será suficiente ensinar as relações con­dicionais aRíJ e bRb. (...) Somente se o sujeito emparelhar cada novo estímulo a ele mesmo, sem reforçamento diferencial ou outra instru­ção pode se ter certeza de que a identidade é a base para o desempenho. Dado um sujeito que está familiarizado com os estímulos e procedi­mentos, a prova da reflexividade é o empare­lhamento de identidade generalizado.Para demonstrar que a relação, R, é simétrica, deve-se mostrar que ambos, aRb e bRa, são ver-

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DISCRIMINAÇAO CONDICIONAL 105

dadeiros. Um sujeito que emparelha o modelo a com o comparação b deve, então, sem mais treino, emparelhar o modelo b com o com­paração ci, revertendo se a, então b para se b, então a. (...)Para determinar se R é transitiva, um terceiro estímulo, c, é necessário. Uma vez que se a, então b e se b, então c tenham sido estabele­cidos, a transitividade exige que .ve a, então c emerja sem reforçamento diferencial ou outras instruções. Dado um sujeito que tenha apren­dido duas relações condicionais, aRb e bRc, com o [estímulo] comparação na primeira [rela­ção] servindo como modelo na segunda, a prova da transitividade c a emergência de uma ter­ceira relação condicional ííRc, na qual o sujeito emparelha o modelo da primeira relação com o comparação da segunda, (pp. 191-193)

Usualmente, um quarto teste, chamado de teste de equivalência, também é realizado: a relação emergente cRcí é testada. Resumindo, o estabelecimento de duas discriminações con­dicionais relacionadas, envolvendo três gru­pos de estímulos, poderá gerar uma classe de estímulos equivalente se, entre os estímulos, demostrar-se a existência de relações emergen­tes de reflexividade, simetria, transitividade e equivalência.

A produção de relações emergentes, que são necessárias para atestar a formação de classes de estímulos equivalentes, tem sido

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estudada com diferentes delineamentos experi­mentais. Destacamos, a seguir, algumas caracte­rísticas do experimento-padrão mais simples:

a) três grupos de estímulos estão envolvi­dos: os estímulos chamados A, BeC;

b) cada um desses grupos, por sua vez, é formado por três estímulos: Al, A2, A3, Bl, B2, B3, Cl, C2, e C3;

c) são treinadas seis relações condicionais utilizando o procedimento esquematizado a seguir:

estímulo-modelo _____ estímulo-comparaçãoA l Bl B2 B3A2 Bl B2 B3A3 Bl B2 B3

Bl Cl C2 C3B2 Cl C2 C3B3 Cl C2 C3

(respostas ao estímulo-comparação em negrito são reforçadas)

d) usualmente, o treino prossegue até que o sujeito obtenha 100% de acerto nas seis rela­ções treinadas;

e) testes das relações emergentes são, então, realizados sem que qualquer resposta seja reforçada (chama-se essa condição de teste em extinção):

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e.l.) teste de reflexividade

DISCRIMINAÇÃO CONDICIONAL 107

estímulo-modelo estímulo-comparaçãoAl Al A2 A3A2 Al A2 A3A3 Al A 2 A3BI BI B2 B3

(...)(respostas ao estímulo-comparação em negrito indicamreflex« idade)

e.2.) teste de simetria

estímulo-modelo estímulo-comparaçãoBI A l A2 A3B2 Al A2 A3B3 Al A 2 A3Cl BI B2 B3

(...)(respostas ao estímulo-comparação em negrito indicamsimetria)

e.3.) teste de transitividade

estímulo-modelo estímulo-comparaçãoAl Cl C2 C3A2 Cl C2 C3A3 Cl C2 C3

(respostas ao estímulo-comparação em negrito indicamtransitividade)

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e.4.) teste de equivalência

estímulo-modelo estímulo-comparação

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Cl Al A2 A3C2 Al A2 A3C3 Al A 2 A3

(respostas ao estímulo-comparação em negrito indicam equivalência)

f) se todos esses testes forem positivos, diz-se que os estímulos Al, Bl e Cl formam uma classe de estímulos equivalentes. Os estí­mulos A2, B2 e C2 formam uma segunda classe e os estímulos A3, B3 e C3 formam uma ter­ceira classe de estímulos equivalentes.

O experimento que é visto hoje como marco no estudo da emergência de classes de estímulos equivalentes foi realizado por Sidman, em 1971. Sidman republica esse expe­rimento no livro Equivalence relations and behavior: A research story (1994), no qual orga­niza e avalia uma série de estudos relativos à investigação de relações de equivalência.

Quando Sidman realizou esse experi­mento, seu maior interesse era o estudo com­portamental da linguagem; Sidman trabalhava na época com pacientes que apresentavam afa­sia ou falhas na linguagem - não falavam ou escreviam de forma inteligível. Ao formular o experimento, Sidman foi influenciado por noções externas às da análise do comporta­

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mento,1 nesse momento não tinha elaborado ainda o conceito de equivalência e não imagi­nava que o experimento que realizava iria gerar tantas implicações.

A partir do procedimento de matching to sample, Sidman investigou leitura com compre­ensão de seus pacientes.

Considerando amplamente, lei pode her um tipo de relação estímulo-resposta na qual os estímulos-controle são palavras visuais - em letra manuscritas ou de fôrma. 'Ibid., p. 23)

Essas relações são “pré-requisitos para a emergência de compreensão de leitura, mesmo sem se ensinar explicitamente compreensão de leitura” (p. 25). Em sua pesquisa de 1971, Sidman trabalhou com um rapaz de 17 anos com microcefalia, severamente retardado e institucionalizado. O rapaz tinha recebido um extenso treino com emparelhamento arbitrário (arbitrary matching to sample), como resul­tado, emparelhava corretamente figura e pala­vra, ou seja, era capaz de apontar uma figura quando lhe era apresentada a palavra falada

I Segundo Sidman, o delineamento do experimento sofreu influên­cia de métodos tradicionais de ensino de habilidade de leitura e de compreensão de leitura, que envolviam o pareamento de uma pa­lavra com um objeto ou de uma palavra com uma figura e de um neurologista que afirmava que a "habilidade de uma pessoa para emparelhar uma palavra escrita com um objeto indicava se a pessoa compreendeu aquela palavra escrita" (Sidman, 1994, p. 21 ).

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I 10 CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

que a nomeava. 0 rapaz também nomeava as figuras que lhe eram apresentadas. Entretanto, ele não conseguia emparelhar corretamente as figuras com as palavras escritas que nomeavam as figuras e também não conseguia nomear as palavras escritas.

O procedimento experimental consistiu de três fases: uma fase inicial de teste, uma segunda fase de treino ou ensino de relações entre estímulos e uma terceira fases de teste (pós-teste) após o ensino de relações entre estímulos.

No experimento feito por Sidman, estavam envolvidos 20 conjuntos de figuras, palavras impressas e palavras faladas. O participante sentava-se diante um painel de nove janelas transparentes (dispostas em três fileiras de três janelas).

I ) Fase de teste

Na primeira fase de teste, foram testados os desempenhos dos participantes em duas tarefas: de matching e de nomeação. Cada resposta correta nos teste era seguida de um som, de um doce e uma moeda. Nenhuma con­seqüência seguia as respostas incorretas. Cada tentativa era separada por um intervalo de 1,5 segundo.

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DISCRIMINAÇÃO CONDICIONAL

modelo resposta TESTES(auditivo (nomeação ou DE LINHAou visual) emparelhamento DE BASE

com o modelo)

TREINO TESTESPOS-TREINO

(falado para o sujeito)

(falado para o sujeito)

cal

cal

Su

&

ca, ear boy

dog cat

ÍXJt tied

"cat" (falado pelo

sujeito)

s ä ? ' Sr-9>4tV cat S y

w» , boy

dog Sa cat

hul bed cow

“cat (falado pelo

sujeito)

9 *st Sa

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100­80- B

■ 160- Æ40-20­0­

100­80

■ ■ H? ? 1 j ?

60- ■40-20­0- ■ 1

j= 100- Ü5 ■i 60- 13 40-Û. 20- 18 t»O 80- ■ä 60‘5 40-6 20­S 0- 1 1

100- ■80- ■60- 1 ■40-20-0- ■ ■

100-80- L ■60-L40-120- ■o-ÄP5 « ? ? ?

4 2 1 ei 2

Figura 2 - Nas duas colunas da esquerda estáo exemplos de estímulos-modelo e respostas que compõem cada tipo de teste. Os estímulos-comparação e as posições da janela correta no teste de matching variaram em cada tentativa. As três colunas de barras representam resultados em cada teste descrito durante as três fases do experimento. A ausência de uma barra significa a não ocorrência de teste na data indi­cada. As letras identificam os seis conjuntos de matching de palavras auditivo-visual (fileira superior)Fonte: adaptado de Sidman ( 1994, p. 27).

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I 12 CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

a) Testes de nomeação

Nessa tarefa, apresentava-se, em cada ten­tativa na janela central da matriz, o estímulo- modelo que era uma das 20 figuras ou palavras impressas testadas. Diante desse estímulo, o participante devia dizer ou nomear a palavra ou a figura.

b) Teste de matching

Nas tentativas de matching, apresentava- se como estímulo-modelo uma palavra falada (um estímulo-auditivo) ou uma palavra escrita, ou uma figura (estímulos visuais). Quando o estímulo-modelo era uma palavra escrita ou uma figura, ele era apresentado na janela cen­tral da matriz; no caso de ser uma palavra falada, esta era repetida a cada 02 segundos em um pequeno alto-falante. Quando o parti­cipante apertava a janela central iluminada, apareciam nas janelas à sua volta oito palavras escritas ou oito figuras - os estímulos-compa- ração -, e o participante deveria tocar na janela com o estímulo correspondente ao modelo. Só um dos oito estímulos-comparação correspon­dia ao estímulo-modelo.

A Figura 2, adaptada de Sidman (1994), apresenta nas duas colunas da esquerda um dia­grama de como eram apresentados os estímu­

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DISCRIMINAÇÃO CONDICIONAL

los-modelo (coluna 1 ) c comparação (coluna 2). Na terceira coluna são apresentados os resulta­dos dos testes iniciais e nas demais colunas se apresentam os resultados do treino (coluna 4) e dos testes pós-treino. Os resultados são apre­sentados em barras que indicam a porcentagem de acerto. Para entender os resultados, a figura deve ser lida pelas linhas, começando pela esquerda: das relações testadas e treinadas ao desempenho do participante. A primeira rela­ção entre estímulos representada na figura é a relação entre palavra falada e palavra escrita, e o participante acertou 20% das tentativas no teste inicial. A segunda relação apresentada é entre uma palavra escrita e a resposta de nomeação (palavra falada pelo participante). Representam-se nas linhas seguintes as rela­ções entre pala\Ta escrita-figura, figura-palavra escrita, figura-palavra falada pelo participante (nomeação) e palaxxa falada-figura. Apenas nos testes iniciais dessas duas últimas relações o participante teve bom desempenho, como está indicado pela altura das barras na terceira coluna (os números sob as colunas referem-se às datas das sessões).

Como Sidman destaca, o rapaz já chegou ao experimento conhecendo algumas relações entre estímulos: diante de uma palavra falada,

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o participante identificava a figura corres­pondente e diante de uma figura, nomeava a figura.

2) Fase de treino

Na fase de treino, o participante foi ensi­nado a escolher um estímulo impresso ípalavra escrita) entre vários estímulos-comparação (oito outras palavras apresentadas nas janelas à volta da janela central), quando lhe era apresentado um estímulo auditivo como modelo (palavra falada a cada 2 segundos). Ou seja, foi treinada a relação entre palavra falada (estímulo-modelo apresentado a cada 2 segundos) e palavra escrita (estímulos-comparação). Em cada tenta­tiva se apresentava o estímulo-modelo. Quando o participante tocava na janela central, eram apresentados os estímulos-comparação (pala­vra escrita). Se o participante tocava o estímulo correspondente, seguiam-se como conseqüên­cia o som de sinos, um doce e uma moeda. Se o participante tocava em uma janela com o estímulo não correspondente, a tela permane­cia a mesma. Quando o participante tocava a janela correta depois de um erro, tocava o sino e seguia-se um intervalo de 1,5 segundos. O treino foi iniciado apresentando-se nas suces­sivas tentativas um de dois estímulos-modelo e os respectivos estímulos-comparação. Quando

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DISCRIMINAÇÃO CONDICIONAL

o desempenho do participante ficou perfeito, um terceiro estímulo-modelo foi acrescentado ao conjunto de estímulos-modelo treinados. Esse procedimento continuou até que 20 estí­mulos-modelo eram apresentados em uma seqüência de tentativas. A partir daí, mudou- se a seqüência de apresentação dos estímulos- modelo. O desempenho final do participante no treino é apresentado na coluna 4 da Figura 2. As letras sobre as barras indicam as diferen­tes seqüências do conjunto de 20 estímulos modelo.

3) Pós-teste

Completado esse treino, Sidman testou novamente o desempenho do participante nas relações anteriormente testadas. Os tes­tes foram realizados para avaliar os efeitos do ensino da relação entre palavra falada e pala­vra escrita sobre a leitura com compreensão e nomeação de palavras.

Foram apresentadas, então (como no teste inicial), tentativas em que o estímulo- modelo era uma pala\Ta escrita e os estímulos- comparação eram figura; tentativas ein que o estímulo-modelo era uma figura e os estímu- los-comparação eram palavras escritas, e, final­mente, tentativas em que o estímulo-modelo

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era uma palavra falada pelo próprio partici­pante e os estímulos-comparação eram pala­vras escritas.

Os resultados, indicados na última coluna da Figura 2, mostram que o participante teve desempenho perfeito em todas as rela­ções testadas: aquelas em que já tinha bom desempenho (figura-palavra falada e palavra falada-figura), na relação diretamente treinada (palavra falada-palavra escrita) e nas relações em que tinha havido muitos erros no teste inicial. Ou seja, os resultados do estudo de Sidman mostraram a emergência de desempe­nhos que envolviam responder sob controle de relações entre estímulos que não foram direta­mente treinados.

Na conclusão desse estudo, Sidman (1994), afirmou:

Tendo aprendido a emparelhar palavras faladas apresentadas como estímulo-modelo a pala­vras impressas apresentadas como estímulo de comparação, [o participante] foi então capaz, sem ensino adicional, de emparelhar figuras apresentadas como estímulo-modelo a palavras impressas apresentadas como comparação e de emparelhar palavras impressas [apresentadas como estímulo] modelo a figuras [apresentadas como estímulo] comparação e de nomear pala­vras impressas. Dada a habilidade inicial do sujeito de emparelhar palavras faladas a figu­ras e de nomear as figuras, ensiná-lo a segunda

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equivalência auditivo-visual, palavras faladas a palavras impressas, foi suficiente para a emer­gência de compreensão de leitura puramente visual e de leitura oral. (pp. 30-31)

Foi a partir desse estudo e de alguns estu­dos que se seguiram que Sidman (ibid.) propôs o paradigma da equivalência que, como ele mesmo destaca

(...] fornece um método para definir “compre­ensão": quando se pode mostrar que a relação entre palavras (escritas ou faladas) e coisas é uma relação de equivalência, então podemos dizer que as palavras são compreendidas, (p. 14)

As pesquisas realizadas por Sidman e outros pesquisadores têm gerado um conjunto grande de informações e materiais instrucio- nais para o ensino da leitura e escrita (Sidman 1994; de Rose, Souza e Hanna, 1996; Matos, Hübner e Peres, 1997).

A utilização da noção de classes de estí­mulos equivalentes no comportamento humano não se esgota aqui. Nos três capítulos anterio­res, analisamos os processos de discriminação e generalização em várias situações, chegando até ao controle de estímulos interoceptivos. Com a noção de equivalência de estímulos (ou de classes de estímulos equivalentes), pode­mos ampliar nossa compreensão do comporta-

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mento humano, já que temos, com tal noção, elementos para responder à questão de se é possível que estímulos interoceptivos e exte- roceptivos participem de uma mesma classe de estímulos. Essa possibilidade é de especial importância para a compreensão das possíveis condições relacionadas a alguns problemas comportamentais que se apresentam hoje com assustadora freqüência, como, por exemplo, o uso de drogas. Um experimento realizado por DeGrandpre, Bickel e Higgins (1992) é bastante ilustrativo dessa possibilidade. São relatadas aqui, resumidamente, sete das oito fases rea­lizadas, destacando os aspectos relacionados à formação de classes de estímulos:

(1) o estudo, realizado com quatro parti­cipantes, era iniciado com um procedimento de discriminação condicional com estímulos visuais, usando como reforçadores dinheiro e a informação de que a resposta estava correta. Esse procedimento foi realizado uma semana antes da próxima fase;

(2) durante a segunda fase, os partici­pantes ingeriam uma droga do tipo benzo- diazepínico (AI) ou placebo (A2) e não eram informados de qual era a substância injetada. Em três momentos após essa ingestão (60, 75 e 90 minutos), eram apresentados aos partici­pantes conjuntos de três estímulos visuais (BI, B2 e X ou Y; Cl, C2 e W ou Z). Em cada um

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DISCRIMINAÇÃO CONDICIONAL

dos momentos, três apresentações dos estímu­los eram feitas, compondo nove apresentações a cada dia. Era solicitado que ele escolhesse o estímulo (desenhos ou símbolos gráficos) rela­cionado à droga, apontando e verbalizando a posição do estímulo: direita, esquerda ou cen­tro. Quando a droga injetada era Al, eram con­sideradas escolhas corretas Bl ou Cl; quando a droga era A2, eram consideradas escolhas cor­retas B2 ou C2. Essas respostas foram seguidas das mesmas conseqüências da fase inicial. A segunda fase teve a duração de oito dias;

(3) na terceira fase, as relações A-B e A-C foram testadas. Nessa fase de teste, nenhuma conseqüência era planejada para a resposta. Esses testes foram realizados em dois dias: em um dia, as relações Al-Bl e Al-Cl e, no outro, A2-B2 e A2-C2;

(4) na quarta fase, na ausência da adminis­tração da droga ou de placebo, as relações B-C e C-B foram testadas. Tal como na fase ante­rior, nenhuma conseqüência era planejada;

(5) na quinta fase, na ausência da adminis­tração de drogas, uma nova relação entre estí­mulos visuais foi ensinada. Diante da presença de um novo estímulo (Dl ou D2), eram apresen­tados aos participantes conjuntos de três estí­mulos visuais (Cl, D2 e K ou C2, Dl e L). Essas apresentações eram feitas em três momentos (60 após chegar ao laboratório e as seguintes

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em intervalos de 10 minutos), compondo nove apresentações a cada dia. Quando o estímulo apresentado era Dl, era considerada escolha correta Cl; quando o estímulo apresentado era D2, era considerada escolha correta C2. Essas respostas foram seguidas das mesmas conse­qüências da fase inicial;

(6) na sexta fase, na ausência da adminis­tração da droga ou de placebo, as relações C-D, D-B e B-D foram testadas. Tal como nas demais situações de teste, nenhuma conseqüência era planejada para as respostas.

Essas três últimas fases foram realizadas em um mesmo dia.

(7) na sétima fase, a relação A-D foi tes­tada. Para tanto, os participantes ingeriam uma droga do tipo benzodiazepínico (Al) ou pla­cebo (A2) e, em três momentos após essa inges­tão (60, 75 e 90 minutos), era apresentado um conjunto de três estímulos visuais (Dl, D2 e um terceiro estímulo que variava entre K, L, X, Y, W e Z). Como nos testes anteriores, nenhuma conseqüência era planejada para a resposta.

Nos dias em que a droga benzodiazepínico ou o placebo eram administrados, antes dessa administração, medidas comportamentais e fisiológicas eram realizadas.

A Figura 3 apresenta as relações entre estímulos envolvidos nas diferentes fases do procedimento experimental. As setas contínuas

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DISCRIMINAÇÃO CONDICIONAL 121

BI, B2

Al (triazolam), A2 (placebo)

Figura 3 - Relações entre estímulos ensinadas e testadas no procedimento experimentalFonte: adaptado de DeGrandpre, Bickel e Higgins (1992, p. 13).

indicam relações ensinadas e as setas pontilha­das, relações que poderiam emergir a partir das relações ensinadas.

Os resultados indicam a formação de clas­ses de estímulos equivalentes entre estímulos exteroceptivos e estímulos interoceptivos: os experimentadores relatam que apenas uma resposta de um dos participantes não indicou existência de relações emergentes, nesse caso, o participante apresentou 98,8% das respostas consistentes com a presença de relações emer­gentes; para os outros três participantes, todas

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122 CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

as respostas evidenciavam emergência de rela­ções, indicando a formação de classes de estí­mulos equivalentes,

Dois dos autores desse experimento, DeGrandpre e Bickel (1993), em artigo no qual mostram a importância do conhecimento pro­duzido sobre controle de estímulos para des­crição e compreensão do proccsso que gera e mantêm dependência por droga, destacam a importância do experimento que acabamos de relatar. Segundo DeGrandpre e Bickel (ibid.), esses resultados podem ser utilizados para explicar a etiologia da dependência de dro­gas, já que o uso de drogas, que pode se ini­ciar sob controle de alguns poucos estímulos, pode se estender não apenas para estímulos diretamente relacionados com esses primeiros estímulos controladores, como também para outros estímulos não diretamente relaciona­dos com os primeiros (o que pode ser ilustrado pela relação A-D).

Segundo DeGrandpre e Bickel (ibid.), a descrição do processo de produção e manuten­ção da dependência de droga possibilitará deli­near intervenções. Entre os fatores que devem ser considerados para esse delineamento (o estabelecimento do valor reforçador de dro­gas, o estabelecimento de discriminações tendo o consumo de drogas como reforço, a extensão

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DISCRIMINAÇÃO CONDICIONAL 123

do ambiente e a possibilidade de novos estímu­los discriminativos para o uso de drogas), os autores ressaltam:

(...) a transferência de controle de estímulos próximos que ocasionam o uso de drogas para estímulos distantes produz novas relações dis­criminativas que podem aumentar o controle discriminativo de uso de drogas, ao mesmo tempo que enfraquece o controle discrimina­tivo sobre atividades não relacionadas à droga, (p. 662)

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COMPORTAMENTO VERBALTereza Maria de Azevedo Pires Sério Maria Amalia Andery

Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e são, por sua ve/., modificados

pelas conseqüências de sua a<,ãu.(Skinner, 1957/1992, p. 1)

Essa afirmação talvez seja uma das frases mais citadas de Skinner. F. com ela que Skinner inicia seu livro Verbal Behavior, publicado pela primeira vez em 1957. O Verbal Behavior tal­vez seja um dos livros de Skinner que tenha sido objeto de mais análise: muitas críticas e respostas às críticas.

A frase destacada é importante porque expressa de forma contundente a noção de comportamento operante, noção esta que sus­tenta todo o sistema conceituai da análise do comportamento. Colocada logo no início de um livro sobre comportamento verbal, ela passa a ter uma dupla importância: além de expressar muito bem a noção de comportamento ope­rante, a afirmação já indica o âmbito no qual o comportamento verbal será tratado; Skinner inicia seu livro afirmando que comportamento verbal é comportamento operante.

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128 CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

Tal proposta quer dizer que os conceitos já elaborados no estudo do comportamento operante podem ser utilizados na análise do comportamento verbal. Todos os processos que podem ocorrer com relações operantes (por exemplo, reforçamento, extinção, discri­minação) podem ocorrer quando esse compor­tamento operante for verbal. Nenhum conceito básico novo - no âmbito do comportamento operante - será necessário para descrição e explicação do comportamento verbal.

Diante de tal proposta, é bem possível que surja de imediato a pergunta: por que, então, destacar o comportamento verbal como objeto de estudo?

A resposta para essa pergunta é encon­trada também nos primeiros parágrafos do livro Verbal Behavior. Logo após a frase desta­cada, Skinner (1992) afirma:

Determinados processos que o organismo humano partilha com outras espécies alteram o comportamento de forma que ele realize intercâmbios mais seguros e mais úteis com um ambiente particular. (...) O comportamento altera o ambiente por meio de ação mecânica e suas propriedades ou dimensões freqüen­temente estão relacionadas de uma maneira simples aos efeitos produzidos. Quando um homem anda na direção de um objeto, ele usualmente fica mais perto desse objeto; se ele procura alcançá-lo, é provável que con-

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COMPORTAMENTO VERBAL 129

tato físico seja a conseqüência (...). Tudo isso deriva de princípios mecânicos e geométricos simples.Entretanto, a maior parte do tempo um homem age indiretamente sobre o ambiente a partir do qual emergem as conseqüências últimas de seu comportamento. Seu primeiro efeito é sobre outro homem. Ao invés de ir até um bebedouro, um homem sedento pode simplesmente “pedir um copo de água” - isto é, ele pode engajar-se em comportamento que produz um determi­nado tipo de padrão sonoro que, por sua vez, induz alguém a trazer-lhe um copo de água. (p. 1)

Skinner, nesse trecho, está propondo uma distinção entre as relações operantes: a) há comportamentos operantes que se carac­terizam por manter com o ambiente uma rela­ção direta e mecânica; esses comportamentos envolvem processos que são comuns à espécie humana e às demais espécies animais; b) há comportamentos operantes que se caracteri­zam por manter com o ambiente uma relação indireta e não-mecânica, comportamentos que alteram, em primeiro lugar, um outro homem; esses comportamentos parecem envolver pro­cessos típicos da espécie humana. Esse segundo tipo de comportamento operante é que Skinner chama de comportamento verbal. E, apesar de poder ser descrito com os mesmos con­ceitos básicos que descrevem qualquer outro

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130 CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

comportamento operante, o comportamento verbal apresenta peculiaridades derivadas da relação não-mecânica que mantem com o ambiente:

O comportamento que é efetivo apenas por meio da mediação de outras pessoas tem tantas propriedades topográficas e dinâmicas peculia­res que um tratamento especial é justificado e, realmente, exigido. Os problemas originados por esse modo especial de ação são usualmente atribuídos ao campo da fala ou linguagem. (Ibid., p. 2)

Podemos, então, concluir que o compor­tamento verbal é um tipo especial de com­portamento operante. O estudo desse tipo de comportamento operante deverá envolver tanto a identificação e descrição dos processos bási­cos comuns a todo comportamento operante como a identificação e descrição dos processos que lhe são próprios, e as características desse estudo começam a ser explicitadas na escolha de uma nova terminologia.

Por que comportamento verbal?

A compreensão da proposta skinneriana para o estudo do comportamento verbal começa com a compreensão da escolha do nome dado para esse tipo de comportamento operante. Por

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COMPORTAMENTO VERBAL 131

que recorrer a uma expressão nova? Por que, por exemplo, não chamar tal comportamento “linguagem” ou “lingüístico”?

Como reconhece Skinner (1945, 1992), quando ele apresentou sua proposta para o estudo do comportamento verbal, os fenôme­nos que ele pretendia abranger com o rótulo de comportamento verbal já estavam sendo estu­dados há muito tempo. Assim, já existia uma variada terminologia referente a tais fenôme­nos e, mais do que isso, estavam já difundidos diferentes modos de estudá-los e estavam dis­poníveis diferentes explicações para tais fenô­menos. Entretanto, ao estender o conceito de comportamento operante a tais fenômenos, Skinner apresentou uma proposta peculiar que diferia muito das propostas mais em voga e que exigiria uma reformulação total dos con­ceitos que fundamentavam tais propostas.

Para evitar quaisquer vínculos com con­ceitos comprometidos com outras propostas e para indicar a diferença de perspectiva que estava propondo, Skinner deu um “nome” novo para o conjunto de fenômenos que pretendia abranger. Como ele próprio indica, esse tipo diferente de relação operante, que só ocorre “por meio da mediação de outros”, tem cons­tituído o “campo da fala e da linguagem”, mas “fala” e “linguagem” tinham já conotações que não combinavam com a perspectiva nova que

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estava sendo proposta. Segundo Skinner (1992), o termo “fala” estava muito comprometido com linguagem vocal apenas e a relação não mecâ­nica, característica do comportamento verbal, não ocorre apenas quando as respostas são vocais. O termo “linguagem”, por sua vez, não tem a limitação do termo “fala”, mas tem sido usado para descrever “as práticas da comu­nidade linguística e não o comportamento de qualquer um de seus membros” (p. 2). Além de evitar esses problemas,

O termo “comportamento verbal” tem muitas recomendações. (...) ele enfatiza o falante indi­vidual e (...) especifica o comportamento que é modelado e mantido por conseqüências media­das. Ele tem também a vantagem de ser relati­vamente não familiar nos modos de explicação tradicionais. (Ibid., p. 2)

A escolha pelo termo comportamento ver­bal indica, assim, algumas marcas da proposta de Skinner: (a) pretende-se compreender (des­crever e explicar) o comportamento operante que é criado e mantido por conseqüências mediadas; (b) isso deve ser feito tendo em vista o comportamento de indivíduos, isto é, como o repertório comportamental com as carac­terísticas indicadas foi/está sendo modelado e mantido em indivíduos particulares e (c) as descrições e explicações assim produzidas não

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COMPORTAMENTO VERBAL 133

deverão estar comprometidas com as explica­ções tradicionalmente propostas para tal tipo de comportamento.

A que explicações Skinner está se refe­rindo aqui? Como acontece com outros con­ceitos que constituem o sistema explicativo da análise do comportamento, com o conceito de comportamento verbal pretende-se romper com qualquer explicação do comportamento que atribua o comportamento a fatos que ocorrem no interior do indivíduo. No caso do comportamento verbal, tais fatos têm recebido diferentes nomes: idéias, imagens, significados, informação.

Em todos esses casos, o modelo da expli­cação é o mesmo. A caracterização que Skinner (ibid.) faz desse modelo é bem ilustrada no exemplo do recurso a “idéias” como “causa"/ explicação do comportamento verbal:

Dizia-se que uma asserção estaria explicada explicitando as idéias que ela expressava. Se o falante tivesse tido uma idéia diferente, ele teria dito palavras diferentes ou um arranjo de palavras diferente. Se sua asserção fosse incomum seria por causa da novidade ou ori­ginalidade de suas idéias. Se a asserção pare­cesse vazia, era porque deveriam faltar idéias ao falante ou ele teria sido incapaz de colocá- las em palavras. Se ele não pudesse ficar em silêncio, era por causa da força de suas idéias. Se ele falasse de maneira hesitante era porque

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suas idéias vinham lentamente ou estavam mal organizadas. E assim por diante. Todas as pro­priedades do comportamento verbal parecem, assim, ser explicadas, (pp. 5-6)

Há, para Skinner (ibid.), um conjunto de problemas nesse modelo de explicação, quer o evento que explica o comportamento verbal seja uma “idéia", quer seja uma “imagem”, um “significado” ou “informação”:

(a) nesse tipo de explicação, as caracterís­ticas atribuídas ao evento causador são iden­tificadas a partir do comportamento verbal observado, de modo que as características de ambos serão sempre coincidentes.

Obviamente, não há uma verdadeira explica­ção. Quando dizemos que um comentário é confuso porque a idéia não é clara, parecemos estar falando sobre dois níveis de observação, embora, de fato, haja apenas um. (p. 6)

(b) nesse modelo explicativo, atribuindo- se o papel de agentes causadores do compor­tamento verbal às idéias, aos significados, às imagens ou à informação, passa-se a considerá- los como eventos ou entidades com existência independente;

(c) com esse tipo de explicação, considera- se a palavra como tendo existência separada do comportamento do falante.

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COMPORTAMENTO VERBAL 135

Palavras são consideradas como ferramentas ou instrumentos, análogas a sinais, marcas e bandeiras de sinalização algumas vezes empre­gadas com propósitos verbais, (p. 7)

Esses dois últimos aspectos acabam por levar à decomposição do comportamento ver­bal em três instâncias separadas e independen­tes: as palavras, os supostos agentes causais (idéias, significados, imagens ou informação) e as respostas emitidas (o ato da fala). Essa separação é especialmente problemática para a perspectiva da análise do comportamento, pois com ela as relações que constroem o comporta­mento operante são ignoradas ou, até mesmo, destruídas.

Tendo apresentado as razões para a esco­lha de um novo nome - comportamento ver­bal - para um conjunto de fenômenos que já vinha sendo estudado pela psicologia e por outras áreas do conhecimento, devemos voltar para a definição de comportamento verbal de forma a torná-la clara e a identificar algumas implicações que ela acarreta no estudo desses fenômenos.

A definição de comportamento verbalIniciamos o texto distinguindo dois tipos

de comportamento operante e apresentando as bases dessa distinção; na distinção desses

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dois tipos está já a apresentação de um dos elementos da definição de comportamento ver­bal. Comportamento verbal foi definido como “o comportamento reforçado por meio da mediação de outras pessoas” (ibid., p. 2).

Como já foi enfatizado, essa é a caracte­rística básica desse tipo de comportamento operante; é essa característica que o torna um tipo especial. Skinner (1976), ao comparar a proposta por ele apresentada com outras, já difundidas, afirma:

Uma visão muito mais produtiva é que compor­tamento verbal é comportamento. Ele tem um caráter especial apenas porque é reforçado por seus efeitos sobre as pessoas - no inicio outras pessoas, mas finalmente o próprio falante. Como resultado, ele é livre de relações espa­ciais, temporais e mecânicas que prevalecem entre o comportamento operante e conseqüên­cias não sociais, (pp. 88-89)

Essa é, efetivamente, a característica básica do comportamento verbal, entretanto, como o próprio Skinner afirma, a definição de comportamento verbal precisa ser completada. A expressão “mediado pelo comportamento de outro" deve ser esclarecida: nem todo compor­tamento mediado é considerado, na análise do comportamento, como comportamento verbal. São excluídas da definição de comportamento verbal as seguintes situações que envolvem

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COMPORTAMENTO VERBAL 137

mediação: (a) quando a participação da pessoa que conseqüencia o comportamento equivale à de um objeto físico ou quando se recorre à força física, por exemplo, quando alguém serve de apoio para outro ou quando empurra outro;(b) quando a resposta do outro produz um estí­mulo eliciador incondicionado, como quando se assopra o olho de alguém; (c) quando as propriedades do comportamento do outro, que controlam o comportamento de alguém, são produto de relações acidentais. Com a exclusão desses casos de mediação, resta como carac­terística da mediação que é típica do compor­tamento verbal aquela que foi especialmente produzida para afetar o comportamento de outro. A esse respeito Skinner (1992) afirma:

O condicionamento especial do ouvinte é o X do problema. Comportamento verbal é mode­lado e sustentado por um ambiente verbal - por pessoas que respondem ao comportamento de determinadas maneiras por causa das práticas do grupo de que são membros. Essas práticas e a interação de falante e ouvinte resultante produzem os fenômenos que são considerados aqui sob a rubrica de comportamento v erbal, (p. 226)

Nesse trecho, Skinner apresenta a segunda característica do comportamento verbal: a pre­paração sistemática do mediador. Podemos, então, apresentar uma definição mais completa

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de comportamento verbal: comportamento ver­bal é comportamento operante que é reforçado pela mediação de outras pessoas que foram especialmente preparadas para reagir como mediadores.

Skinner, a partir dessa data, em vários outros momentos, enfatizou essa segunda característica do comportamento verbal. Por exemplo, em 1987, em artigo sobre a evolu­ção do comportamento verbal, Skinner destaca a importância desse aspecto ao se perguntar quando uma resposta operante tornar-se-ia verbal. Para responder à pergunta, Skinner apresenta três alternativas: (a) quando a res­posta operante tiver sido fortalecida pela reação de outra pessoa; (b) quando a mesma resposta puder ser emitida em outras situações com outras conseqüências; (c) quando a res­posta tiver sido produzida e mantida por “um ambiente verbal, transmitido de uma geração a outra (quando ela se tornou parte de uma lin­guagem)” (p. 89). Apesar de essas três alternati­vas, possivelmente, descreverem momentos do processo que originou e desenvolveu o reper­tório verbal na espécie humana, para Skinner (1987), é o terceiro momento que é definidor do comportamento verbal:

Comportamento verbal é comportamento que éreforçado por meio da mediação de outra pes­soa, mas apenas quando a outra pessoa está se

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comportando de maneiras que foram modela­das e mantidas por um ambiente verbal que ev oluiu ou linguagem, (p. 90)

Definir comportamento verbal dessa forma traz de imediato duas conseqüências: a pri­meira delas é a de tornar comportamento ver­bal um objeto da psicologia. É interessante notar que Skinner (1992) é bastante claro e enfático a esse respeito:

A responsabilidade final [do estudo do com­portamento verbal] deve ficar com as ciências comportamentais e particularmente com a psi­cologia. O que acontece quando um homem fala ou responde à fala é claramente uma questão a respeito do comportamento humano e, assim, uma questão a ser respondida com os concei­tos e técnicas da psicologia como uma ciência experimental do comportamento, (p. 5)

A segunda conseqüência diz respeito à unidade de análise do comportamento verbal.

Ao definir comportamento verbal como com­portamento reforçado por meio da mediação de outras pessoas, nós não especificamos, e não podemos especificar, qualquer forma, modo ou meio. Qualquer movimento capaz de afetar um outro organismo pode ser verbal. Nós provavel­mente destacamos o comportamento vocal, não apenas porque ele é mais comum, mas porque

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ele tem pouco efeito sobre o ambiente físico e, assim, é quase necessariamente verbal. (Ibid., p. 14)

Diferentes formas de resposta, tais como gestos, manipulação de objetos físicos ou a pró­pria produção de sons poderão ou não ser defi­nidas como comportamento verbal dependendo de sua relação com o ambiente: nada há na forma da resposta que a identifique como ver­bal. Entretanto, como salienta Skinner, a forma vocal tem sido tomada como representativa do comportamento verbal em geral e, por isso, nos referimos a quem emite a resposta verbal como falante e a quem conseqüencia o responder do falante como ouvinte (mesmo quando a forma da resposta não é vocal). Intimamente relacio­nada a essa ausência da forma como caracte­rística distintiva do comportamento verbal, também não se caracteriza uma resposta ver­bal por sua dimensão, mas sim pela relação resposta-conseqüência; considerando como exemplo o comportamento vocal, um som, uma palavra, uma frase ou mesmo um texto inteiro podem ser, em diferentes situações, tomados como uma resposta verbal.

Finalmente, a caracterização do compor­tamento verbal como comportamento operante leva a uma concepção especial com relação à noção de significado. Como para qualquer

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COMPORTAMENTO VERBAL 141

outro comportamento, o significado de uma resposta verbal deve ser buscado nas variáveis de controle dessa resposta.

(...) o significado não é uma propriedade do com­portamento como tal, mas das condições sob as quais o comportamento ocorre. Tecnicamente, significados devem ser encontrados entre as variáveis independentes em uma descrição funcional e não nas propriedades da variável dependente. Quando alguém diz que pode ver o significado de uma resposta, ele quer dizer que pode inferir algumas das variáveis das quais a resposta é usualmente uma função. A ques­tão é particularmente importante no campo do comportamento verbal no qual o conceito de significado desfruta de um prestígio incomum. (Ibid., pp. 13-14)

Dessa forma, a única unidade de análise possível no estudo do comportamento é a trí­plice contingência, isto é, as inter-relações entre a situação na qual a resposta é emitida, a resposta e as conseqüências produzidas pela resposta (Skinner, 1969). No caso do comporta­mento verbal, diferentes situações e condições poderão se constituir em situação antecedente; como já foi dito, a resposta poderá ter dife­rentes formas e dimensões, e uma caracterís­tica que se mantém constante é que o primeiro efeito dessa resposta é sobre o ouvinte.

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Uma outra característica comum a essas diferentes contingências se refere às condições antecedentes controladoras da resposta verbal. Além das condições peculiares de uma dada contingência, há, em geral, como parte des­sas condições, a presença de uma audiência. Segundo Skinner (ibid.):

Comportamento verbal usualmente ocorre apenas na presença de um ouvinte. Quando o falante está falando para si mesmo, natu­ralmente, um ouvinte está quase sempre pre­sente. (...) O ouvinte, como uma parte essencial da situação na qual o comportamento verbal é observado, é (...) um estímulo discrimina­tivo. Ele é parte da ocasião na qual o compor­tamento verbal é reforçado e, portanto, ele se torna parte da ocasião que controla a força do comportamento. Essa função deve ser diferen­ciada da ação do ouvinte no reforçamento do comportamento. Quando o ouvinte estimula o falante antes da emissão do comportamento verbal, podemos falar dele como a audiência. Uma audiência, então, é um estímulo discrimi­nativo na presença do qual o comportamento verbal é caracteristicamente reforçado e na presença do qual, portanto, ele é caracteristica­mente forte. (p. 172)

Além da identificação das característi­cas comuns às contingências que descrevem o comportamento verbal (a presença de uma audiência entre as condições que antecedem a

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COMPORTAMENTO VERBAL 143

resposta e alteração do comportamento de um ouvinte especialmente preparado como con­seqüência), Skinner (ibid.) também destacou algumas diferenças entre essas contingências. Assim, um esforço para compreender o com­portamento verbal pode ser visto na tentativa de identificar semelhanças e diferenças nas contingências que descrevem o comportamento verbal. Isso produziu uma classificação dessas contingências que foram chamadas por Skinner (ibid.) de operantes verbais.

Operantes verbais

Skinner identificou seis operantes verbais primários: mando, tato, ecóico, textual, trans­crição e intraverbal.

Mando

Um operante verbal é chamado de um mando quando a resposta verbal é emitida sob controle de condições motivacionais específicas (por exemplo, privação ou a presença de estimu­lação aversiva). Freqüentemente, são exemplos de mando respostas verbais tradicionalmente chamadas de ordens, pedidos e avisos. Nesse tipo de operante, a resposta verbal especifica o reforçador (“por favor, um copo de água”) ou o comportamento do ouvinte (“por favor, feche

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a janela”). Diferentemente de outros operantes verbais, a resposta não tem uma relação espe­cífica com um estímulo antecedente, mas sim com uma condição motivacional específica do falante. Skinner sintetiza essas características salientando que o repertório verbal de mandos, em geral, opera em benefício do falante, uma vez que produz como conseqüência um refor­çador específico (mais detalhadamente, produz um reforçador positivo ou elimina um determi­nado reforçador negativo).

Tato

Um operante verbal é chamado de tato quando a resposta verbal é emitida sob controle de um estímulo antecedente específico não verbal (um objeto, um evento ou propriedade de um objeto ou evento) e produz como con­seqüência reforço condicionado generalizado ou um conjunto de estímulos reforçadores dis­tintos (não específicos). O estabelecimento do repertório de tatos supõe o enfraquecimento da relação de controle dos estados de privação específicos ou de estimulação aversiva sobre a resposta, de tal forma que se estabelece uma relação especial de controle com a estimulação antecedente (por exemplo, sob controle da pre­sença de chuva, alguém diz “está chovendo”).

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COMPORTAMENTO VERBAL 145

A estimulação antecedente que exerce caracte­risticamente controle sobre as respostas ver­bais no tato

(...) nada mais é que todo o ambiente físico - o mundo das coisas e eventos de que se diz o falante fala a respeito. O comportamento v erbal sob controle desses estímulos é tão importante que, freqüentemente, é com ele que se trabalha exclusivamente no estudo da linguagem e nas teorias do significado. (Ibid., p. 81)

Essa caracterização de Skinner ressalta a importância do estabelecimento de controle de estímulos e do desenvolvimento de um repertó­rio de tatos. Skinner sintetiza essas caracterís­ticas enfatizando que um repertório de tatos, em geral, opera em benefício do ouvinte, uma vez que permitiria ao ouvinte “acesso” a infor­mações sobre o mundo (os eventos que contro­lam o comportamento do falante) ou mesmo a informações sobre o próprio falante.

Possivelmente sintetizando características desses dois operantes verbais - tato e mando - no último capítulo do livro Verbal Behavior, Skinner (ibid.) afirma:

Comportamento v erbal estende os poderes sen- soriais do ouvinte, que pode agora responder ao comportamento de outros em vez de direta-

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mente a coisas e eventos, e o poder de ação do falante, que pode agora falar cm v ez de fazer. (p. 432)

Operantes verbais sob controle de estímulos antecedentes verbais

Quatro dos operantes verbais - ecóico, textual, transcrição e intraverbal - descrevem relações específicas entre estímulos anteceden­tes verbais e respostas verbais. Nesses casos, assim como no caso do tato, em geral, o estí­mulo reforçador que mantém o responder é um estímulo condicionado generalizado.

No caso do operante verbal ecóico, o estí­mulo antecedente é um estímulo verbal vocal (sonoro) e a resposta verbal, também vocal, reproduz o estímulo, sem o que não há refor­çamento (por exemplo, diante do som “au-au”, repetir “au-au”).

No caso do operante verbal textual, o estímulo antecedente é um estímulo verbal impresso ou escrito e a resposta é uma res­posta vocal. Há entre o estímulo e a resposta uma correspondência formal, arbitrariamente estabelecida (por exemplo, diante da pala­vra impressa “operante”, dizer “operante”). É importante ressaltar, aqui, que a relação de

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controle que caracteriza o comportamento textual é diferente da relação de controle que caracteriza leitura com compreensão.

Transcrição é um operante verbal no qual o estímulo antecedente é vocal ou escrito e a res­posta verbal é sempre escrita. Em qualquer dos casos, assim como no caso do comportamento textual, a correspondência entre o estímulo e a resposta é uma correspondência formal, arbi­trariamente estabelecida. Um exemplo bastante comum do operante verbal transcrição são as atividades de cópia e ditado realizadas pelas crianças na escola.

Finalmente, o operante verbal intraverbal é caracterizado por uma relação na qual uma resposta verbal - vocal ou escrita - fica sob controle de estímulo antecedente - vocal ou escrito. Nesse caso, a relação entre estímulo e resposta, no entanto, não obedece a uma cor­respondência formal. Skinner (ibid.) exemplifica os vários tipos de respostas verbais que podem ser incluídas no operante verbal intraverbal:

Quando um longo poema é recitado, freqüen­temente podemos explicar a maior parte do recitar apenas supondo que uma parte con­trola uma outra de uma maneira intraverbal. Se interrompermos o falante, o controle pode ser perdido; mas voltar ao início o restabelece, recriando o estímulo verbal adequado. O alfa­beto é adquirido como uma série de respostas

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intraverbais, assim como contar, adicionar, multiplicar e reproduzir tabelas matemáticas em geral. A maior parte dos “fatos” da histó­ria são adquiridos e retidos como respostas intraverbais. Da mesma forma que ocorre com muitos dos fatos da ciência, embora freqüen­temente haja aqui também respostas sob um outro tipo de controle [o controle envolvido no tato|. (p. 72)

Parte importante de nosso conhecimento formal - da história, das ciências, etc. - é com­posto de operantes verbais que são intraver­bais: respondemos sob controle de estímulos verbais que servem como estímulos discrimi­nativos para a emissão de respostas verbais.

Comportamento verbal secundário

Além dos operantes verbais primários já apresentados, Skinner (ibid.) identifica mais um tipo de comportamento verbal, o chamado autoclítico.

As propriedades importantes do comporta­mento verbal que ainda devem ser estudadas dizem respeito aos arranjos especiais de res­postas. Parte do comportamento de um orga­nismo torna-se, por sua vez, uma das variáveis controladoras de uma outra parte. Há pelo menos dois sistemas de respostas, um baseado no outro. O nível superior pode ser entendido apenas em termos de suas relações com o infe-

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COMPORTAMENTO VERBAL 149

rior. (...) O sistema controlador é ele mesmo comportamento também. O falante pode “saber (‘know’) o que está dizendo” no sentido de que ele conhece (“knows”) qualquer parte ou aspecto do ambiente. Parte do seu comporta­mento (a “conhecida”) serve como uma variá­vel no controle de outras partes (“conhecer”). “Atitudes proposicionais” tais como asserção, negação e quantificação, o plano produzido por meio da revisão e rejeição ou emissão de res­postas, a geração de quantidades de compor­tamento verbal e as manipulações altamente complexas de pensamento verbal podem todas (...) ser analisadas em termos do comporta­mento que é evocado por ou age sobre outro comportamento do falante. (Ibid., p. 313)

0 que Skinner chama de sistema de res­postas de nível inferior são os operantes ver­bais primários e o que chama de sistema de respostas de ordem superior são os comporta­mentos verbais secundários ou autoclíticos.

Os autoclíticos são respostas verbais que não podem ser emitidas isoladamente, mas ape­nas em conjunção com algum outro operante verbal. São respostas controladas por algum aspecto do comportamento verbal do falante e que alteram o efeito do comportamento verbal do falante sobre o comportamento do ouvinte. Tipicamente, respostas como “por favor”, respostas que indicam a fonte dos tatos como “eu vejo que está chovendo”, “acho que está

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chovendo”, ou respostas que descrevem condi­ções do falante como “sinto-me feliz em dizer que” são autoclíticos que especificam ou desta­cam características do comportamento verbal primário que está sendo emitido pelo falante. Além disso, são respostas tipicamente auto- clíticas as respostas verbais que dependem de outras respostas verbais e estabelecem rela­ções entre elas. Essas respostas incluem desde termos que relacionam eventos como “o livro de João”, até partículas como as que indicam tempo em que ocorreu a ação como “choveu” ou que indicam gênero, como “menino” ou “menina”, ou que indicam número como, por exemplo, “meninos”.

A multideterminação do comportamento verbal

Os tipos de contingências que descrevem comportamento verbal são apenas instrumento de análise. Seria um erro supor que qualquer um desses tipos de comportamento verbal pode ser encontrado em sua forma pura em uma ins­tância qualquer de comportamento verbal.

Como qualquer outro comportamento, o comportamento verbal é multideterminado, em outras palavras, uma resposta verbal pode estar sob controle de muitas variáveis, assim, por exemplo, além da audiência, do estímulo ante­

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cedente não verbal - variável de controle típica de um tato -, podem exercer controle sobre a resposta verbal “água”, por exemplo, o estado de privação do sujeito ou, até mesmo, algum estímulo verbal, como o sinal de um bebedouro próximo. Segundo Skinner (ibid.):

Dois fatos emergem a partir de nossa investi­gação das relações funcionais básicas no com­portamento verbal: (1) a força de uma única resposta pode ser, e usualmente é, função de mais de uma variável, e (2) uma única variável usualmente afeta mais do que uma resposta, (p. 227)

Referências bibliográficasSKINNER, B. F. (1945). The operational analysis

of psychological terms. The Psychological Review, n. 52, pp. 270-277, 291-294.

____ (1969). Contingences of Reinforcement.New York, Appleton-Century-Crofts.

____ (1976). About Behaviorism. New York,Vintage (Publicação original 1974).

____ (1987). Upon further reflection. EnglewoodCliffs, Prentice-Hall.

____ (1992). Verbal Behavior. Acton, CopleyPublishing Group (Publicação original 1957).

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COMPORTAMENTO VERBAL E O CONTROLE DO COMPORTAMENTO HUMANOTereza Maria de Azevedo Pires Sério

O foco central do interesse do estudioso da psicologia é o comportamento humano e foi com esse interesse que conduzimos nosso estudo dos conceitos de comportamento ope­rante e de comportamento respondente. Ao realizarmos este estudo, toda nossa atenção esteve voltada para as relações entre o orga­nismo que se comporta e seu ambiente; para analisar essas relações, recorremos a situações especialmente criadas para revelar a relação que, naquele momento, era o foco da aná­lise, o que quase sempre significou uma situa­ção experimental com sujeitos animais não humanos.

Partindo de tais análises e, no caso do com­portamento operante, das relações envolvidas (a) entre as respostas e suas conseqüências (que podem ser resumidas com o conceito de refor­çamento) e (b) entre as respostas e a situação na qual elas produziram conseqüências (que podem ser resumidas com os conceitos de

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discriminação e generalização), chegamos a abordar uma relação considerada como tipica­mente humana: o comportamento verbal.

Esse trajeto, que parte da análise de rela­ções pelo menos aparentemente simples e que chega à análise do comportamento ver­bal, não deixa dúvidas sobre o compromisso da análise do comportamento com o compor­tamento humano como objeto de estudo. E, efetivamente, os analistas do comportamento vêm estudando há algum tempo as possibili­dades de novas relações entre o homem e seu ambiente abertas pelo comportamento verbal; em outras palavras, vêm estudando algumas relações comportamentais que dependem do comportamento verbal para que possam ocor­rer, tais relações têm sido consideradas como tipicamente humanas.

Uma dessas possibilidades abertas pelo comportamento verbal foi abordada por Skinner em alguns de seus textos, como, por exemplo, quando ele discute o processo de solução de problemas (1969) e quando discute os processos comportamentais chamados de pensamento (1974). Nesse último texto, Skinner afirma:

A chamada vida intelectual da mente sofreu importante mudança com o advento do com­portamento verbal. As pessoas começam a falar sobre o que elas estavam fazendo e sobre

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o porquê estavam fazendo o que faziam. Elas descreviam seu comportamento, a situação na qual ele ocorria e as conseqüências. Em outras palavras, além de serem afetadas pelas contin­gências de reforço, elas começam a analisá-las. (p. 119)

Skinner (ibid.) está, então, afirmando que quando os homens passaram a ter com o ambiente uma nova relação que chamamos de comportamento verbal, abriu-se para eles uma possibilidade até então inédita: eles podiam, agora, além de se relacionar com o ambiente e ser alterados por tais relações, descrever o que estava ocorrendo com eles; além de viver as contingências, eles podiam, agora, analisar essas contingências.

Qual a importância dessa nova aquisi­ção comportamental? Que impacto ela produz na vida dos homens? Qual sua extensão? Um possível caminho para respondermos a essas questões seria analisar o porquê de os homens passarem a descrever contingências; em outras palavras, identificar as conseqüências respon­sáveis pela instalação e manutenção das res­postas de descrever contingências.

Uma primeira constatação é que nos­sas respostas de descrever contingências podem exercer controle sobre outras pessoas. Entretanto, essa constatação parece insuficiente para entendermos a instalação e manutenção

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dessas respostas específicas, pois qualquer outra resposta nossa poderia exercer controle sobre outros homens; mais do que isso, nossa simples presença poderia exercer tal controle. Precisamos, então, verificar se há alguma carac­terística especial no controle exercido pelas res­postas de descrever contingências que indique as razões da seleção e manutenção dessas res­postas específicas. Ao realizarmos tal verifica­ção, concluiremos que sim, parece que há uma característica especial no controle exercido pela descrição de contingências. Como destaca Skinner nos dois textos indicados (1969, 1974), ao descrever uma contingência para outra pes­soa, podemos gerar respostas que essa outra pessoa ainda não tinha emitido antes. Falando de maneira mais direta: as respostas de descre­ver contingências produzem uma conseqüência especial, que é a produção de novas respostas no repertório de uma outra pessoa.

É bem possível que você se lembre que a questão de como gerar respostas operantes já foi abordada e que a resposta que demos para ela foi a modelagem: por meio de reforçamento diferencial de respostas levemente diferentes da resposta que já está sendo emitida e refor­çada, respostas estas que surgem por variação, podem ser geradas respostas totalmente novas no repertório de um sujeito. Pois bem, esta­mos agora diante de uma nova possibilidade de

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gerar novas respostas no repertório de alguém sem que tenhamos que recorrer à modelagem de tais respostas. E essa é a conseqüência espe­cial produzida pelas respostas de descrever contingências: gerar respostas novas sem que seja preciso modelá-las.

Se olharmos mais detalhadamente, pode­remos ver que a não dependência da modela­gem para gerar novas respostas contém outras conseqüências que, quando reconhecidas, reve­lam a real importância de tal independência. Esses aspectos contidos na, por assim dizer, conseqüência maior de independer da mode­lagem foram explorados em vários dos textos escritos por Skinner, em especial nos dois já indicados (1969, 1974). São esses aspectos que destacamos a seguir.

Em primeiro lugar, o fato de não precisar­mos modelar uma resposta significa que não precisamos esperar pelo aparecimento de varia­ções da resposta já emitida, que seriam gradual­mente reforçadas até que a resposta a ser finalmente gerada aparecesse e pudesse, então, ser reforçada. Ao referir-se a esse aspecto, Skinner (1974) exemplifica-o recorrendo ao que supostamente acontece quando estamos apren­dendo a dirigir um automóvel:

Uma pessoa aprendendo a dirigir um carro responde ao comportamento verbal da pessoa sentada a seu lado; ela liga o carro, breca, muda

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a marcha, faz sinais, etc., quando é dito para ela que faça essas coisas. (...) Aprender a dirigir simplesmente por meio de exposição às con­tingências [por modelagem] levaria um tempo muito longo. O futuro motorista teria de desco­brir o que acontece quando ele move o câmbio, vira a direção, pressiona o acelerador, pisa no breque, etc. e tudo isso com grande perigo para si mesmo. Ao seguir instruções, ele evita expor- se a muitas dessas contingências e, finalmente, comporta-se como o próprio instrutor se com­porta. (...) O instrutor |ao descrever as con­tingências] tornou possível ao aprendiz ficar sob controle delas rapidamente e sem dano. (pp. 120, 121)

Com esse exemplo, ao lado do aspecto de economia de tempo na geração de novas respostas, Skinner (ibid.) ressalta um outro aspecto derivado do fato de essas respostas terem sido geradas com base na descrição de contingências (deve-se notar que, no exemplo dado, essa descrição aparece nas instruções dadas pelo instrutor): evitar danos que pode­riam ocorrer caso a geração de novas respostas ocorresse por modelagem.

Além desses dois aspectos já indicados, a descrição de contingências possibilita a gera­ção de respostas novas em situações nas quais as conseqüências das respostas a serem gera­das são tão atrasadas que fica difícil recorrer a elas para gerar e fortalecer tais respostas.

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Como indica Skinner (1969), nesses casos, a descrição da contingência da qual essas res­postas fazem parte pode ser útil para gerar essas respostas, já que, entre outras coisas, ela pode deixar clara a relação entre a res­posta e a conseqüência atrasada que ela pro­duz. Skinner (ibid.) ressalta, ainda, que tais descrições ganham especial utilidade quando as conseqüências imediatas das respostas são opostas a conseqüências atrasadas que deve­riam ganhar controle sobre elas; ele ilustra isso citando exemplos tais como fumar e consumir algo (para citar um caso conhecido, o consumo de energia ou de água) gerando privação no futuro; nos dois casos, como ressalta o autor, as descrições das contingências envolvidas ela­boradas com base na consideração de muitos episódios “podem capacitar as conseqüências a longo prazo a superar as imediatas” (p. 298).

Segundo Skinner (1969, 1974), as respos­tas de descrever contingências, além de per­mitirem a geração de novas respostas sem o recurso da modelagem (com tudo que isso traz “embutido”), podem auxiliar no controle de respostas que foram instaladas por meio da modelagem. Para ilustrar essa possibilidade, o autor recorre a possíveis relações presentes no trabalho de um ferreiro:

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Na forja de um ferreiro medieval, um grande fole produz a corrente de ar necessária para manter o fogo. O fole era mais eficiente se fosse aberto completamente antes de ser fechado e se fosse aberto rapidamente e fechado len­tamente. O ferreiro aprendeu a operar o fole dessa maneira por causa dos resultados refor­çadores da manutenção do fogo. Ele poderia ter aprendido a manipular o fole dessa maneira sem descrever seu comportamento, mas a des­crição pode ter sido útil para operar correta­mente o fole ou, passado algum tempo, para lembrar como fazer para operar o fole. Um pequeno verso cumpria essa função:

Para cima,Para baixo,Para cima, rápido,Para baixo, devagar,Esta é a maneira de soprar.

(Skinner, 1974, p. 123)

Como mostra esse exemplo, as respostas de manipular o fole foram instaladas por meio de modelagem e estão sendo mantidas pela conseqüência imediata que produzem (a per­manência do fogo acesso de forma adequada), a descrição da contingência na forma do verso não foi necessária para instalá-las, mas pode complementar as contingências responsáveis por tal instalação, auxiliando a emissão cor­reta das respostas (por exemplo, aumentando a chance de elas serem emitidas no ritmo apro­

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priado) e, mais, pode auxiliar o ferreiro a, tendo interrompido o trabalho, voltar a ele, já desde o início, com todas as características apropria­das. Como Skinner (ibid.) ressalta, é claro que o ferreiro também poderia recorrer a essa des­crição para gerar as respostas necessárias para operar o fole em um aprendiz de ferreiro.

A partir desse mesmo exemplo, Skinner (ibid.) analisa a difusão e a especialização das respostas de descrever contingências (as res­postas de descrever contingências passam a fazer parte do repertório da maioria das pes­soas e as descrições começam a apresentar determinadas características especiais); tal difusão e uma das especializações possíveis (aquela que passou a caracterizar as descri­ções de contingências feitas por cientistas) acabam por dar relevo especial a esse último aspecto destacado. Segundo Skinner (ibid.), as descrições de contingências produzidas por cientistas (as leis dos vários ramos da ciência) surgiram das descrições que eram feitas por trabalhadores técnicos, como, por exemplo, os artesãos e, segundo ele,

As primeiras leis científicas complementaram as contingências naturais do mundo físico. Um agricultor cavando o solo ou um pedreiro erguendo uma pedra com uma estaca estavam controlados pelas contingências que envolviam alavancas: o solo ou a pedra eram movidos

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mais rapidamente se a força fosse aplicada tão longe quanto possível do ponto de apoio da ala­vanca. Por essa razão, fizeram-se pás e estacas compridas e algum conhecimento, semelhante à regra do ferreiro, pode ter sido usado para ensinar novos trabalhadores a como escolher e onde segurar pás e estacas. Uma afirmação mais formal da lei da alavanca permitiu que o princípio fosse usado em situações nas quais o comportamento modelado por contingências fosse improvável ou impossível.

(...)

Ao aprender as leis da ciência, uma pessoa é capaz de comportar-se efetivamente sob as con­tingências de um mundo extraordinariamente complexo. A ciência a leva além da experiência pessoal e além da amostragem incompleta da natureza, inevitável no espaço de uma única vida. A ciência também a coloca sob controle de condições que não poderiam tomar parte na modelagem e manutenção de seu comporta­mento. (p. 124)

Tal como fizemos com as leis da ciência, podemos considerar as normas sociais, as nor­mas religiosas e governamentais como especia­lizações de descrições de contingências, já que cada um desses conjuntos de descrições atende a determinadas exigências e apresenta peculia­ridades próprias. E, também nesses casos, as descrições produzem como conseqüência um controle especial sobre o comportamento de outras pessoas. Skinner (ibid.) destaca o papel

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que a descrição de contingências pode ter no controle que o grupo social pode ter sobre o indivíduo; segundo ele, tais descrições podem, por exemplo, fortalecer contingências que controlam comportamentos que seriam preju­diciais ao grupo ao qual o indivíduo pertence (contingências mantidas por ambientes sociais) e podem ser especialmente importantes quando há alterações bruscas em relações que vinham mudando lentamente;

Quando contingências sociais características de uma comunidade pequena que muda len­tamente são perturbadas, orientações formais, que antes eram desnecessárias, precisam ser invocadas, (p. 122)

A análise apresentada até aqui das possí­veis conseqüências produzidas pelas respos­tas de descrever contingências indicou que a imensa maioria delas envolve alterações no comportamento de outra pessoa e alterações que dificilmente ocorreriam de outra forma. Não é de surpreender, então, que as respostas de descrever contingências tenham se mantido, e mais, tenham se difundido e tenham assu­mido formas e características variadas; não é de surpreender que tantas pessoas apresentem com muita freqüência respostas de descrever

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contingências e que gastem tempo e esforço ensinando outras pessoas a descrever contingências.

É possível que o reconhecimento da pre­sença quase que constante de tais respostas em nosso repertório comportamental seja facili­tado se notarmos que as respostas de descrever contingências têm sido nomeadas de diferentes formas. Segundo Skinner (1969, 1974), quando falamos em ordens, conselhos, avisos, orien­tações, instruções, máximas, provérbios, leis governamentais, leis religiosas e leis científi­cas, por exemplo, estamos, nada mais nada menos, falando em descrições de contingên­cias, ou seja, estamos descrevendo uma relação entre um sujeito e seu ambiente ou, em alguns casos, entre eventos ambientais. Isso quer dizer que em algum momento, remoto ou não, alguém observou uma relação entre eventos ambientais ou participou de uma determinada relação com o ambiente, ou mesmo observou alguém se relacionando com o ambiente e des­creveu a contingência presente em cada caso.1 Independentemente da forma que tais descri­ções apresentam hoje, em todos esses casos, estamos, na realidade, diante do produto de

I Existe, como indica Skinner (1969, 1974), uma quarta possibili­dade, que é a descrição de uma contingência a partir da análise de descrições já formuladas. Apenas para facilitar a leitura do texto, esta possibilidade não está sendo considerada em seu corpo.

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respostas de descrever contingências. Pode ser que, pensando em alguns exemplos de ordens, de conselhos, de leis, você não os identifique como uma descrição de contingências porque, pelo menos no caso de relações operantes entre o sujeito e seu ambiente, uma contingên­cia envolve sempre uma inter-relação entre a situação na qual a resposta foi emitida, a pró­pria resposta e as conseqüências produzidas por essa resposta nessa situação e você pode ter muitos exemplos de conselhos, avisos, ins­truções, etc. que não fazem referência a esses três elementos. É claro que nem sempre uma ordem, por exemplo, apresenta os três elemen­tos característicos da contingência operante; uma ordem pode falar apenas da resposta (por exemplo, “faça tal coisa”) ou pode falar da res­posta e da conseqüência (“faça tal coisa, se não...”), ou pode falar dos três elementos da contingência (“em tal situação, faça tal coisa, se não...). Isto é, nem sempre descrevemos todos os elementos constitutivos de uma contingên­cia, podemos ter descrições de contingências que não são descrições completas, que são descrições parciais de contingências (descreve­mos apenas a resposta ou apenas a resposta e a situação na qual deve ser emitida, ou apenas a resposta e sua conseqüência) e, talvez, esse tipo de descrição seja o que encontramos mais freqüentemente. Mais do que reconhecer as

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diferentes possibilidades de apresentação de uma descrição de contingências, seria impor­tante nos perguntarmos sobre o impacto da completude ou incompletude da descrição na geração de respostas; afinal, parece ser essa a conseqüência que nos mantém emitindo as res­postas de descrever contingências.

Bem, é possível que a esta altura você esteja se perguntando por que será que, se, em todos esses casos, estamos falando de descri­ções de contingências, recorremos a diferen­tes nomes para falar dessas descrições? Ainda segundo Skinner (1969, 1974), os nomes dife­rentes, na verdade, indicam as chances que a descrição tem de alterar o comportamento do outro e a que recorre aquele que descreve para produzir tal alteração. Assim, o que distingue uma descrição de outra a ponto de elas rece­berem nomes diferentes são as condições que elas têm de alterar o comportamento de outro e o que mais, além da própria descrição, é pre­ciso para produzir essa alteração. Por exemplo, se chamamos uma descrição de contingências de uma ordem é porque há poucas chances de essa descrição não alterar o comportamento de quem a está ouvindo; isso, possivelmente, porque uma descrição que chamamos de ordem parece sempre envolver, por parte daquele que descreve, algum tipo de controle adicional (isto é, além da apresentação da descrição) sobre a

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alteração no comportamento do outro, ou seja, o controle de quem descreve se estende às con­seqüências da referida alteração. Resumindo, quando chamamos uma descrição de ordem, estamos dizendo que quem descreve tem, além do poder de apresentar a descrição, o poder de prover conseqüências para as alterações que a descrição deveria gerar. Além disso, se chama­mos uma descrição de um conselho, parece que as pessoas que ouvem o conselho podem ou não ser alteradas por ele (elas podem ou não seguir o conselho dado), possivelmente porque uma descrição de contingências que chamamos de conselho não envolve nenhum outro tipo de controle por parte daquele que descreve, além de apresentar a descrição. Mais uma vez, mais do que reconhecermos a presença de uma descrição em cada um desses diferentes nomes, seria interessante identificarmos quais os aspectos envolvidos na relação da descrição com a alteração no comportamento de outras pessoas são responsáveis por nomearmos descrições de contingências com diferentes nomes.

De qualquer forma, podemos dizer que respostas de descrever contingências são, hoje, um traço característico dos diferentes grupos humanos. A presença de tais respostas é tão marcante que é muito comum acreditarmos que as descrições de contingências são um

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elemento necessário para que nos comporte­mos ou, pelo menos, que as descrições estão sempre presentes quando nos comportamos. Essa crença tão difundida entre nós pode, con­traditoriamente, dificultar nossa compreensão do papel das descrições de contingências na construção do comportamento humano, che­gando até a obscurecer sua importância. É por essa razão que Skinner (1974) enfaticamente afirma:

Não precisamos descrever as contingências de reforço para sermos afetados por elas. Os orga­nismos inferiores presumivelmente não des­crevem contingências, nem a espécie humana fazia isso antes de ter adquirido comporta­mento verbal, (p. 127)

Nossas relações com o ambiente nos afe­tam, produzem mudanças em nós, mesmo que tais relações não tenham ainda sido descritas por nós mesmos ou por qualquer outra pessoa. Skinner (ibid.) oferece duas razões para essa conclusão: a) organismos não humanos são afetados por suas relações com o ambiente e b) os seres humanos foram afetados por suas relações com o ambiente antes de poderem descrever tais relações, antes do aparecimento do comportamento verbal (deve ser destacado, aqui, que o próprio comportamento verbal é produto dessas relações com o ambiente, que

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não podiam ser descritas). Talvez deva ser notado que, com tal argumento, junto com a afirmação da não necessidade da descrição de uma contingência para que tal contingên­cia nos afete, há duas afirmações importantes: a) o comportamento de descrever contingên­cias deve ser um comportamento tipicamente humano e b) um comportamento com história recente na espécie humana só pode ter ocorrido depois do surgimento do comportamento ver­bal (cerca de 100 a 50 mil anos atrás, para uma espécie que deve ter alguns milhões de anos).

Você deve ter notado que toda a análise apresentada até aqui envolveu sempre o com­portamento de duas pessoas: a que apresenta a descrição da contingência e a que é afetada por essa apresentação. Até aqui falamos do comportamento de descrever contingências, isto é, nosso foco de análise esteve no compor­tamento da pessoa que, tendo um determinado repertório verbal estabelecido, pode emitir a resposta de descrever contingências. Porém, na tentativa de completar a análise apresentada, podemos mudar nosso foco e colocá-lo no com­portamento de quem é afetado pela descrição, isto é, podemos passar a analisar não mais o comportamento de descrever contingências e sim os comportamentos que estão sendo gera­dos por tais descrições.

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I 70 CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

Quando o foco de nossa análise é o com­portamento de descrever contingências, temos pelo menos duas pessoas se comportando: aquela cujo comportamento é o foco de nossa análise, ou seja, a que descreve a contingência (vamos chamá-la aqui de A), e a pessoa que e alterada pela descrição apresentada, ou seja, aquela cujo comportamento é conseqüência para as respostas da primeira pessoa (vamos chamá-la aqui de B); nesse caso, a seguinte con­tingência estaria sendo analisada:

estímulosantecedentes resposta conseqüências

relação observada entre um sujeito (que pode ou não ser o próprio A) e

o ambiente2

descrever a contingência (pessoa A)

gerar comportamentos

em outro (no caso, em B)

Ao fazermos a mudança de foco, conti­nuamos tendo duas pessoas envolvidas, entre­tanto, nosso foco agora está nas respostas da pessoa B, respostas que, genericamente, pode­riam ser chamadas de “seguir a descrição". Neste caso, nosso foco estará nas ações da pessoa que poderá ser afetada pela descrição apresentada; algumas respostas da pessoa A

2 Como foi indicado anteriormente, poderiam aparecer também como estímulos antecedentes da resposta de descrever contingên­cias relações observada entre eventos ambientais ou contingências já descritas.

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passam a ocupar o lugar de estímulos antece­dentes para as respostas geradas na pessoa B (a descrição de contingências passa a ser a con­dição que antecede a emissão de respostas de B) e outras respostas de A podem também ter o papel de conseqüências para as respostas de B; podemos dizer, então, que a seguinte contin­gência está sendo analisada:

estímulosantecedentes resposta conseqüências

descrição de uma contingência

(apresentada por A)

resposta especificada na descrição apresentada

(respostas de B)

alterações ambientais produzidas

diretamente pela resposta especificada

na descrição e/ou

alterações ambientais produzidas por

seguir a descrição (possivelmente reações de A às respostas de B)

Podemos também, quando o comporta­mento de B é o foco da análise, ter uma outra possibilidade para a contingência que descreve o comportamento de B. Para compreender essa outra possibilidade, precisaremos recorrer ao conceito de estímulo condicional (o estímulo que altera a função de Sn ou SA dos estímulos antecedentes de uma contingência tríplice) pois, nessa outra possibilidade, a descrição poderia ser vista exatamente com um estímulo

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172 CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

condicional, isto é, a descrição da contingência geraria respostas em B alterando a função de determinados estímulos que passariam, então, a ter função de SD.

Nesse caso, teríamos a seguinte contin­gência sendo analisada:

estímulos antecedentes resposta conseqüênciasdescrição da contingência

estímulos que evocam a

^ resposta especificada

pela descrição

resposta especificada

pela descrição

alterações ambientais produzidas

diretamente pela resposta

especificada na descrição

e/ou alterações ambientais

produzidas por seguir a descrição (possivelmente reações de A às respostas de B)

Contingências que têm descrições de con­tingências como estímulos antecedentes foram inicialmente descritas por Skinner (1963, 1969), que se referia aos comportamentos descritos por essas contingências como “com­portamento governado por regras”. Mais recen­temente, Catania (1999) preferiu chamar tais comportamentos de “comportamento gover­nado verbalmente”:

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Algumas vezes, o que as pessoas fazem depende daquilo que elas foram instruídas a fazer; as pessoas freqüentemente seguem ins­truções. O comportamento determinado princi­palmente por antecedentes verbais é chamado de comportamento governado verbalmente (algumas vezes também chamado de gover­nado por regras); suas propriedades diferem das do comportamento governado por contin­gências ou modelado por contingências, que é o comportamento que foi modelado pelas suas conseqüências, (p. 275)

Catania (ibid.) é, também, um dos autores que reconhece as duas possibilidades das des­crições como estímulos antecedentes:

É importante observar que esses antecedentes verbais [as descriçõesl nâo são, necessaria­mente, estímulos discriminativos. (...) Muitas instruções alteram as funções de outros estí­mulos, em vez de funcionarem como estímulos discriminativos, (p. 275)

Como podemos notar, nas duas possibi­lidades indicadas, para analisar o comporta­mento de “seguir descrições”, a descrição da contingência é parte, ela mesma, de uma outra contingência, ela participa como estímulo ante­cedente (estímulo discriminativo ou estímulo condicional) dessa outra contingência e, para que isso aconteça, é necessário que ocorra reforçamento diferencial tendo como critério a

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presença da descrição. Ou seja, nos dois casos, estamos diante de uma contingência que des­creve controle de estímulos antecedentes (no primeiro caso, uma discriminação simples, no segundo, uma discriminação condicional) e sempre que falamos em discriminação falamos em uma história de reforçamento diferencial tendo como critério os estímulos na presença dos quais a resposta é emitida. Isso quer dizer que uma descrição de contingências só vai gerar respostas se descrições tiverem sido esta­belecidas como estímulos discriminativos, o que exigirá uma longa história de reforçamento diferencial, na qual, na presença de descrições, respostas de segui-las tiverem sido reforçadas. Esse é um aspecto importante, pois nos obriga a reconhecer que, como no caso de qualquer estímulo, não é a simples presença de uma descrição que produzirá alterações em nós, a descrição só produzirá alterações se tiver adquirido função de estímulo discriminativo ou de estímulo condicional por meio de reforça­mento diferencial. Como afirma Skinner (1969), na ausência de uma história de reforçamento diferencial com as características acima indica­das, uma descrição seria apenas “um objeto no ambiente”, a descrição “é efetiva como parte de um conjunto de contingências de reforçamento, como um estímulo discriminativo” (p. 148).

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Como você pode notar, o reconhecimento das descrições como estímulos anteceden­tes com funções determinadas em uma con­tingência nos obriga a rever algumas crenças razoavelmente arraigadas que temos sobre o comportamento humano. A simples presença de uma ordem, uma instrução, um conselho, uma lei, etc. não é condição suficiente para que elas produzam qualquer alteração em nós; se não tivermos passado por uma história de reforçamento diferencial na presença desses “objetos do ambiente”, eles não exerceriam nenhuma influência, nenhum controle sobre nós. De certa forma, essa necessidade de refor­çamento diferencial tem sido reconhecida em nossa vida cotidiana; dois aspectos bastante presentes podem ser vistos como indicação desse reconhecimento: a) o extenso, organi­zado e difundido aprendizado pelo qual passa­mos para seguir regras, conselhos, instruções e b) mesmo com tal aprendizado, dificilmente encontraremos uma regra que já não traga junto, explícita ou implicitamente, as conse­qüências de segui-la.

Assim, a compreensão do comportamento de descrever contingências e do impacto que ele pode ter para o próprio comportamento humano depende, como sugerem Andery e Sério (2002), pelo menos o estudo de três momentos distintos. Um primeiro momento refere-se às

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interações com o ambiente vividas ou obser­vadas por uma pessoa, as autoras chamam esse momento de “contingência primária”. Ao viver tais interações, a pessoa e o ambiente são transformados, entretanto, nada garante que essa interação seja descrita pela própria pessoa ou por outra, a descrição não ocorre automati­camente. Ao reconhecer a descrição como um comportamento, precisamos identificar a con­tingência que o descreve; este seria o segundo momento a ser estudado. Como acabamos de ver, o fato de existir uma descrição não indica nada sobre os efeitos dessa descrição sobre os comportamentos de quem elaborou a descrição ou de outras pessoas; precisamos, então, des­crever a contingência que tem a descrição como estímulo antecedente com função discrimina­tiva ou de estímulo condicional: esse é o ter­ceiro momento que deveríamos estudar. Como indicam as autoras, ao estudarmos esses três momentos, estaremos, na realidade, estudando a construção de estímulos discriminativos, pois estaremos respondendo, basicamente, a duas perguntas: a) quais as condições envolvidas na transformação de um determinado comporta­mento nosso em estímulo discriminativo para respostas de observar e descrever? b) quais as condições envolvidas na transformação dessas descrições em estímulos discriminativos para respostas que elas especificam?

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CONTROLE DO COMPORTAMENTO HUMANO 177

Mais uma vez, como você pode notar, ao adotarmos essa perspectiva, estam os nos defrontando pelo menos com duas crenças difundidas: a crença de que nosso contato com nossos comportamentos é imediato e autom á­tico e a crença de que a existência de uma des­crição é condição suficiente para que ela nos afete.

Segundo Skinner (1969, 1974), essamaneira de analisar a produção de descrições e, mais especificamente, as possibilidades de essas descrições alterarem nosso com por­tamento acaba também superando (ou pelo menos tratando de outra maneira) algumas dicotomias que são bastante comuns. Dentre as dezesseis dicotomias analisadas por Skinner (1974), podemos citar como exemplos algumas oposições que são oferecidas para caracteri­zar ou mesmo explicar episódios do cotidiano: razão versus paixão, intelecto versus emoção, deliberação versus impulso, argumento lógico \rersus intuição; tal como são formuladas essas dicotomias, parecem supor uma oposição entre diferentes dimensões, traços ou característi­cas humanas que, em determinados mom en­tos, podem se manifestar ou determ inar certas maneiras de agir. Entretanto, se analisarmos a produção de descrições de interações homem- ambiente e a relação dessas descrições com a geração de comportamentos no homem da

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forma aqui proposta, essas diferenças até aqui tratadas como características ou traços opos­tos podem ser entendidas como diferenças entre comportamentos gerados por descrições e comportamentos gerados por modelagem.

Como vimos, as contingências que têm como estímulos antecedentes “descrições da contingência” incluem entre as conseqüências que as constituem “alterações ambientais pro­duzidas por seguir a descrição”, o que quer dizer conseqüências sociais e, mais especifica­mente, conseqüências planejadas e liberadas por outra pessoa (ou seja, o que chamamos de conseqüências extrínsecas). São essas carac­terísticas das contingências que nos levam a qualificar os comportamentos envolvidos nesses casos como “racionais”, “deliberados”, “lógicos” ou guiados pelo “intelecto”; nes­ses casos, dificilmente nos sentiríamos como “fazendo aquilo que queremos” ou como “ape­nas seguindo nossa vontade”, dificilmente, por­tanto, descreveríamos nossos comportamentos como impulsivos, intuitivos ou emocionais. Tais qualificações seriam possíveis se nossos comportamentos fossem produto de modela­gem e se nossas respostas estivessem sob con­trole de conseqüências intrínsecas.

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CONTROLE DO COMPORTAMENTO HUMANO 179

Referências bibliográficasANDERY, M. A. P. e SÉRIÜ, T. M. de A. P, (2002). A

Análise Experimental do Comportamento na Análise do Comportamento Humano. Curso ministrado no XI ENCONTRO BRASILEIRO DE PSICOTERAPIA E MEDICINA COMPORTAMENTAL, Londrina.

CATANIA, A. C. (1999). Aprendizagem: compor­tamento, linguagem e cognição. 4 ed. Porto Alegre, Artes Médicas.

SKINNER, B. F. (1969). Contingencies of Reinforcement: a Theoretical Analysis. New York, Appleton-Century-Crofts.

____ (1974). About behaviorism. New York,Alfred Knopf.

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ROTEIROS DE LEITURA

Os conceitos de discriminação e generalização

1. O estudo do controle de estímulos consti­tui uma área de pesquisa muito importante e tem produzido resultados promissores. Quais comportamentos humanos com­plexos podem ser compreendidos e quais possibilidades de atuação do analista do comportamento têm se desenvolvido a par­tir dos resultados dessa área de pesquisa?

2. A descrição do comportamento ope­rante envolve pelo menos duas relações: quais são elas e por que é importante considerá-las?

3. Uma característica do comportamento operante é que a resposta só opera no ambiente em determinadas situações. O que isso significa?

4. A sensibilidade aos estímulos que antece­dem uma resposta é produto evolucioná­rio, produto de uma história filogenética. Como se pode explicar essa sensibilidade através da história de uma espécie?

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182 CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

5. Que história é necessária para que seja estabelecido controle de estímulos sobre uma resposta? Quais os resultados dessa história?

6. Duas possibilidades são geradas pelo conhecimento da história de reforçamento diferencial. Quais são elas?

7. O que é SD (ou S') e SJ (ou S )?8. O que envolve o processo de estabeleci­

mento de uma discriminação?9. Como são apresentados os estímulos SD e

SA em um procedimento de discriminação sucessiva?

10. Como são apresentados os estímulos SD e Sâ em um procedimento de discriminação simultânea?

11. Em um procedimento de discriminação simultânea, que cuidado deve ser tomado para que possamos dizer que o responder está sob controle dos estímulos do treino e não da posição na qual esses estímulos são apresentados?

12. Em um procedimento de discriminação sucessiva, que cuidado deve ser tomado para que possamos dizer que o responder está sob controle dos estímulos do treino e não da passagem do tempo?

13. Como podemos definir um estímulo? O que significa dizer que “um estímulo tem múltiplas dimensões”?

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ROTEIROS DE LEITURA 183

14. 0 que ocorre com a resposta como resul­tado de um procedimento de discrimina­ção? Que outro processo ocorre junto com a discriminação?

15. Após um procedimento de discrimina­ção, quais são as classes de estímulos que aumentam a probabilidade do responder?

16. Não é possível identificar, sem investiga­ção, a extensão do efeito do reforçamento (da resposta na presença de um estímulo) a outros estímulos. Que tipo de procedi­mento é exemplificado por Skinner para essa avaliação? O que esse tipo de experi­mento pode produzir como resultado?

17. No experimento de Jenkins e Harrison (1974):a. Quais foram os sujeitos desse experi­

mento? Quais respostas foram reforça­das? Qual era o reforço? Como o reforço era liberado?

b. No procedimento para os três primei­ros sujeitos do experimento, após um período de reforçamento da resposta na presença do SD, não foi apresentado um período de extinção da resposta na presença do SA. O que foi feito pelos experimentadores? Como pode ser deno­minado esse treino?

c. Qual a diferença entre os procedimentos de treino dos dois grupos de sujeitos?

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184 CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

d. Como foi feito o teste de generalização para ambos os grupos? Que resultados foram obtidos pelos sujeitos do pri­meiro grupo no teste de generalização? (descreva as curvas da Figura 1). Que resultados foram obtidos pelos sujeitos do segundo grupo no testes de generali­zação (descreva as curvas da Figura 2).

e. O que os resultados desse experimento indicam quanto ao efeito do reforça­mento diferencial para o estabeleci­mento de controle de estímulos sobre uma resposta? E a respeito da generali­zação de estímulos?

18. Quais as implicações de entendermos que todo comportamento operante envolve discriminação?

Discriminação e generalização: algumas extensões1. Envolver-se no estudo dos processos de

discriminação e generalização parece acarretar mudanças em algumas crenças bastante difundidas e arraigadas sobre a relação organismo-ambiente.a. Como essas crenças poderiam ser alte­

radas quanto à noção de resposta e aos processos de discriminação e generalização?

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ROTEIROS DE LEITURA 185

b. Como essas crenças poderiam ser alte­radas qnanto à noção de ambiente e aos processos de discriminação e generalização?

2. No experimento de Guttman (1974):a. Que aspecto do controle de estímulos é

ilustrado?b. Quais são os sujeitos, qual a res­

posta mensurada e quais os estímulos utilizados?

c. Como foi o procedimento utilizado e qual o objetivo do autor com esse procedimento? (Como ocorria o refor­çamento na presença dos estímulos? Qual a duração e a ordem de apresen­tação dos estímulos? Quando e por quanto tempo a caixa experimental era escurecida? Quanto durava cada sessão experimental? Quais sessões foram rea­lizadas? Como foi realizado o teste de generalização?)

d. Quais os resultados apresentados nas Figuras 1 e 2?

e. O que os resultados indicam?3. No experimento de Reynolds (1961);

a. O que o experimento pode ilustrar a respeito da complexidade dos estí­mulos que podem controlar nosso comportamento?

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186 CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

b. Descreva os sujeitos utilizados, a res­posta medida, o estímulo reforçador e o esquema em que foi apresentado.

c. Como o autor descreve os estímulos envolvidos no experimento?

d. Quais foram as fases experimentais?e. O que os resultados indicaram?

4. O que são estímulos interoceptivos e proprioceptivos?

5. Por que dizemos que quando o controle do comportamento operante é exercido por esses estímulos surge uma situação apa­rentemente paradoxal?

6. Nas fases experimentais relatadas do expe­rimento de Lubinski e Thompson (1987):a. Quais foram os sujeitos? Como foi reali­

zada a privação dos sujeitos? Como era o equipamento utilizado no estudo?

b. Descreva como foi feito o treino inicial que estabeleceu o controle sobre a res­posta da luz azul piscante (quando e como eram reforçadas as respostas dos sujeitos no treino discriminativo inicial? Quanto tempo durou essa fase?)

c. Descreva o procedimento do treino dis­criminativo para estabelecimento do controle sobre as respostas dos estímu­los interoceptivos (droga e placebo).

d. Como foi realizado o teste de gene­ralização?

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ROTEIROS DE LEITURA 187

e. Quais resultados foram encontrados pelos autores?

7. Dado que um estímulo que adquiriu fun­ção de estímulo discriminativo pode adquirir função de estímulo reforçador condicionado, o que se pode esperar como efeito desse estímulo quando apresentado como conseqüência de uma determinada resposta?

8. Quais as duas alterações possíveis que um estímulo pode produzir?

9. Identifique no experimento de Lubinski e Thompson (1987) a dupla função do estí­mulo e as respostas relacionadas a essas diferentes funções.

10. Como a dupla função de um estímulo pos­sibilita o encadeamento ou a formação de cadeia de respostas? Qual é, então, a noção básica de encadeamento? Quais exemplos de encadeamento são citados por Skinner (1965)?

11. Que característica de uma cadeia de res­posta nos leva a considerá-la como uma única resposta? Quais problemas podem decorrer para o ensino quando fazemos isso? Quais processos comportamentais estão envolvidos no dcsenvohimento de repertórios que envolvem cadeias de respostas?

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188 CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

12. Por que dizemos que a melhor maneira de desenvolvermos uma cadeia de respostas é o procedimento de “encadeamento de trás para frente”? Como seria o ensino da cadeia de trás para frente?

13. Como Terrace (1963b) introduziu o estí­mulo delta no seu experimento? Como se denomina a discriminação assim estabelecida?

14. Como podemos caracterizar o proce­dimento de fading? Que efeito sobre a resposta deveríamos obter com tal proce­dimento? Como o experimento realizado por Terrace (1963b) ilustra o procedimento de fading?

15. Em quais situações o procedimento de fading tem sido aplicado com sucesso?

Discriminação e generalização: comportamento humano complexo1. Por que podemos dizer que a relação entre

respostas e conseqüências e a relação en­tre respostas e a situação presente quando da emissão da resposta são interligadas?

2. Como o analista do comportamento procede para analisar um episódio comportamental?

3. Quais fenômenos podem ser abarcados quando utilizamos uma unidade de análise

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ROTEIROS DE LEITURA 189

de dois termos, ou seja, quais fenômenos podem ser colocados em um “bom arranjo científico” a partir do uso de uma contin­gência de dois termos?

4. Quais fenômenos podem ser abarcados pelo analista do comportamento quando utilizamos uma unidade de análise de três termos?

5. Que mudança é acarretada, em relação à concepção tradicional, quando descreve­mos a percepção como uma resposta sob controle de estímulos?

6. O que significa dizer que “uma pessoa não é um espectador indiferente a absorver o mundo como uma esponja” (Skinner, 1976, p. 82)? Que exemplo é utilizado pelo autor para justificar que um estímulo não pode ser descrito em termos puramente físicos? Por que, para o autor, as pessoas vêem coi­sas diferentes?

7. Os conceitos de atenção e percepção não são diferentes. Por quê?

8. Skinner faz uma crítica ao uso tradicional do termo “atenção”. Qual é ela? Como deve­ria ser entendida a atenção para o autor?

9. Por que há dois termos diferentes - aten­ção e percepção - se o fenômeno é um só?

10. No Experimento de Reynolds (1961):

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190 CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

a. Quais foram os sujeitos? Como era o equipamento? Que estímulo reforça­dor (e esquema de reforçamento) foi utilizado?

b. Como foi o procedimento das sessões iniciais? Como foi o procedimento seguinte de treino discriminativo nas sessões de 1 a 6 e a oitava? Qual o pro­cedimento utilizado na setima e na nona sessões?

c. Observe a Figura 1 : que resultados foram obtidos na fase de treino discriminativo? E na fase de teste?

11. O que Holland (1966) chama de “respostade observação”? No seu experimento:a. Qual a resposta de observação? Como

era o “relato dessa resposta”? Qual o reforço e esquema de reforçamento planejado?

b. O que indicam os resultados? O que con­cluiu a partir desses resultados? Por que pode ser difícil considerar tais respostas como de observação?

12. No experimento de Schoeder e Holland(1965):a. Qual era a resposta de observação? No

que difere da resposta do experimento anterior? Como era o equipamento?

b. Como foi o “relato” da detecção do movimento do ponteiro? Qual foi a

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ROTEIROS DE LEITURA 191

resposta de observação medida? Qual o reforço e esquema de reforçamento planejados? Como foi feita a alternação sinalizada dos diferentes esquemas de reforçamento?

c. Que resultados forma obtidos? O que esses resultados mostram?

13. Identifique, na citação de Skinner (1976), algumas das situações nas quais é utili­zado o termo “conhecimento”? Qual a dife­rença de tratarmos o “conhecimento” como verbo (conhecer) ou como substantivo (conhecimento). Quais exemplos de conhe­cer são apresentados na citação de Skinner (1976)? O que está sendo enfatizado nes­ses exemplos? Como Skinner caracteriza “conhecimento”?

14. Como os processos de discriminação e generalização se relacionam para explicar e definir a formação de conceitos?

15. Qual a diferença entre “formação de con ceito” e “abstração”? Como podemos colocar o comportamento de alguém sob controle unicamente da propriedade “ver­melho”? Por que “abstração” não deve ser considerada uma atividade do organismo?

16. No experimento de kelleher (1974):a. Quais os sujeitos utilizados? Como era o

equipamento?

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192 CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

b. Qual o critério para passar do estímulo discriminativo para o estímulo delta? Quantos conjuntos de estímulos havia? De que forma foram apresentados?

c. Quais estímulos foram planejados como estímulos discriminativos e estímulos delta na primeira parte do experimento? Observe os blocos A e B da Figura 4: em que momento foi medido o desempenho apresentado em cada bloco? O que esses resultados indicam quanto à forma­ção do conceito “três janelas inferiores iluminadas”?

d. Quais estímulos foram considerados estímulos discriminativos e estímulos delta na segunda parte do experimento? Observe os blocos C e D da Figura 4: em que momento foi medido o desempe­nho apresentado em cada bloco? O que acontece com o desempenho dos sujei­tos assim que um novo conjunto de estí­mulos é apresentado (parte D)? O que os resultados indicam quanto à formação do conceito “três janelas iluminadas”?

Discriminação condicional

1. Descreva o que Itard fez na tentativa de que Victor relacionasse desenho e objeto (o que e onde desenhou? Como indicava

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ROTEIROS DE LEITURA 193

para Victor o objeto que deveria trazer? O que, de fato, Victor fez? Qual a pri­meira alteração feita por Itard nesse pro­cedimento? O que fez Victor quando Itard alterou a posição dos desenhos? Que estí­mulo parecia estar controlando a resposta de Victor? Quais outras alterações foram necessárias para que a resposta de Victor pendurar o objeto sobre o desenho ficasse sob controle do desenho do objeto?).

2. Descreva o equipamento utilizado no pro­grama de leitura desenvolvido por Itard. O quer Victor deveria fazer? Por que Itard alterava sistematicamente a ordem das letras?

3. O que Victor fez no processo de aprendi­zagem que pode ser descrito pelo conceito de discriminação?

4. Do que dependiam as conseqüências dife­renciais para o responder diante de deter­minado estímulo na relação dos objetos com os desenhos e na atividade com as letras?

5. O que são discriminações condicionais?6. Que processo/procedimento está envol­

vido na discriminação condicional?7. Como são chamados o estímulo condicio­

nal e os estímulos discriminativo e delta no procedimento de emparelhamento com o modelo (matching to sample)?

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194 CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

8. No experimento de Cumming e Berryman (1961) sobre matching to sample (MTS) que, reconhecidamente, marca a história do conceito de discriminação condicional:a. Quais foram os sujeitos? Como era o

equipamento?b. Quais as três fases iniciais do procedi­

mento? Como foi o procedimento da fase 4 de discriminação condicional? Como foi o procedimento da fase 5?

c. Quais resultados foram obtidos nas fases 4 e 5 do experimento?

d. Qual questão que a diferença no desem­penho dos sujeitos da fase 4 para a fase 5 sugere?

e. Segundo Catania (1998), em que caso o termo “emparelhamento por identidade” deveria ser empregado?

9. Quais são os outros dois procedimentos de discriminação condicional que são também muito utilizados?

10. O que distingue o procedimento de empa­relhamento por singularidade do pro­cedimento de emparelhamento com o modelo? Qual o resultado esperado nesse procedimento?

11. Descreva como seria a fase quatro no expe­rimento de Cumming e Berryman (1961),

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ROTEIROS DE LEITURA 195

caso fosse utilizado, no lugar do empare­lhamento com o modelo, o procedimento de emparelhamento por singularidade.

12. Quais cuidados devem ser tomados tanto no procedimento de emparelhamento com o modelo como no procedimento de empa­relhamento por singularidade?

13. Em que procedimento a relação entre os estímulos não pode ser descrita compa­rando-se os estímulos fisicamente?

14. Descreva como seria a fase 4 no experi­mento de Cumming e Berryman (1961), caso fosse utilizado, no lugar do empare­lhamento com o modelo, o procedimento de emparelhamento arbitrário.

15. Qual a primeira questão que pode ser formulada a partir do procedimento de emparelhamento arbitrário? Segundo Catania (1998), o que se espera que acon­teça quando os estímulos (modelo e com­paração) são invertidos e quais diferenças ocorrem quanto à reversibilidade entre diferentes espécies?

16. Qual a segunda questão que o procedi­mento de emparelhamento arbitrário levanta?

17. O que é diferente na definição de discrimi­nação condicional e na definição de classes de estímulos equivalentes ?

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196 CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

18. 0 que é necessário fazer para determinar se o desempenho envolve algo mais que as relações condicionais entre estímulos- modelo e comparação?

19. Quais são as três propriedades que textos da matemática moderna elementar especi­ficam como definição da relação de equiva­lência, propostas por Sidman para avaliar a emergências de classes de estímulos equivalentes?

20. O que se deve demonstrar para determinar que a relação R é reflexiva?

21. O que é necessário mostrar para determi­nar se a relação R é simétrica?

22. O que é necessário mostrar para determi­nar se a relação R é transitiva?

23. Qual é, usualmente, o quarto teste a ser realizado?

24. Quando o estabelecimento de duas discri­minações condicionais relacionadas poderá gerar uma classe de estímulos equivalente?

25. No procedimento-padrão:a. Quantos grupos de estímulos estão

envolvidos?b. Quantos estímulos cada grupo possui?c. Quais relações condicionais são trei­

nadas?d. Quais testes são realizados?e. O que se pode afirmar se todos os testes

forem positivos?

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ROTEIROS DE LEITURA 197

26. Qual a relação que Sidman propõe entre o paradigma da equivalência e a definição de “compreensão”?

27. É possível que estímulos interoceptivos e exteroceptivos participem de uma mesma classe de estímulos?a. Descreva o procedimento do experi­

mento de DeGrandpre e Bickel (1992).b. O que os resultados do experimento

de DeGrandpre e Bickel (1992) indicam sobre a formação de classes de estímu­los equivalentes entre estímulos extero­ceptivos e estímulos interoceptivos?

Comportamento verbal

1. Se todos os conceitos já elaborados para o estudo do comportamento operante podem ser utilizados na análise do com­portamento verbal, por que, então, desta­car o comportamento verbal como objeto de estudo?

2. Ao destacar o comportamento verbal como objeto de estudo, Skinner propõe uma dis­tinção entre as relações operantes. Qual é a distinção?

3. Ao concluir que o comportamento verbal é um tipo especial de comportamento ope­rante, o texto aponta que o estudo desse

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198 CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

comportamento deverá, então, envolver a identificação e descrição de dois proces­sos. A que se referem esses processos?

4. Por que Skinner escolheu um nome novo para o comportamento “verbal” e não chamou esse comportamento de com­portamento "lingüístico”, “linguagem” ou “fala”?

5. A escolha do termo comportamento ver­bal indica marcas da proposta de Skinner. Quais são elas?

6. No caso do comportamento verbal, ele tem sido atribuído tradicionalmente a fatos que ocorrem no interior do indivíduo. Quais nomes têm recebido tais fatos?

7. O modelo de explicação que utiliza tais causas para o comportamento verbal apre­senta problemas. Quais são eles?

8. Skinner (1954/1992) apresentou um dos elementos da definição de comportamento verbal: ser reforçado “por mediação de outras pessoas”. Como, nesse segundo momento, o autor complementa essa definição?

9. Qual é, então, a segunda característica do comportamento verbal?

10. Conseqüentemente, qual a definição consi­derada, até o momento, de comportamento verbal?

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ROTEIROS DE LEITURA 199

11. Em vários momentos, Skinner enfatizou a importância da preparação do mediador. Por exemplo, em 1987, destacou a impor­tância desse aspecto ao perguntar quando uma resposta operante tornar-se-ia verbal. Para responder à pergunta, Skinner apre­sentou três alternativas. Quais foram elas?

12. Qual a definição final de comportamento verbal apresentada, em 1987, por Skinner?

13. Quais as duas conseqüências dessa forma de definição?

14. Diferentes formas de respostas, tais como gestos, manipulação de objetos físicos ou mesmo produção de sons podem ser defi­nidos como comportamento verbal? Por quê?

15. Como Skinner discute o significado de uma resposta verbal?

16. Conseqüentemente, qual a única unidade de análise possível no estudo do compor­tamento verbal?

17. Qual a importância da audiência para a ocorrência da resposta verbal?

18. Qual a função da audiência para o compor­tamento verbal?

19. Ao identificar semelhanças e diferenças das contingências que descrevem o com­portamento verbal, Skinner produziu uma classificação dessas contingências, que foram chamadas de operantes verbais.

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200 CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

O autor apontou seis operantes verbais pri­mários. Aponte cada um dos operantes ver­bais primários. Estímulo(s) antecedente(s), característica(s) da(s) resposta(s), tipo(s) de conseqüência(s). (Se quiser, faça um qua­dro como o esquematizado abaixo).

Operante verbal primário

Estímulo(s)antecedente(s)

Característica(s) da(s) resposta(s)

Tipo(s) de conseqüência(s)

20. Caracterize o comportamento autoclítico.21. Segundo Skinner, quais fatos emergem da

investigação das relações funcionais do comportamento verbal ?

Comportamento verbal e o controle do comportamento humano

1. Dentre as relações estudadas pela psicolo­gia, o texto aponta uma como tipicamente humana.a. Que relação é essa?

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ROTEIROS DE LEITURA 201

b. Qual é a possibilidade inédita aberta por essa relação?

2. A resposta de descrever contingências pro­duz uma conseqüência especial.a. Qual é essa conseqüência?

b. No exemplo em que Skinner analisa como uma pessoa aprende a dirigir um carro, são abordados dois aspectos deri­vados dessa “conseqüência especial”. Quais aspectos são esses?

c. Além dos dois aspectos que são analisa­dos no exemplo de Skinner, um terceiro aspecto ainda pode ser derivado dessa mesma “conseqüência especial”. Qual?

3. Que possibilidade aberta pelo fato de o homem poder descrever contingências Skinner ilustra com o exemplo do ferreiro?

4. Leis científicas, normas sociais, religiosas e governamentais ilustram descrições de certas contingências. Quais efeitos essas descrições podem ter sobre o indivíduo de um determinado grupo?

5. Uma descrição de uma contingência envolve a descrição de inter-relações entre sujeito e ambiente. Quais elementos des­sas inter-relações podem estar contidos na descrição de uma contingência?

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202 CONTROLE DE ESTÍMULOS E COMPORTAMENTO OPERANTE

6. O que distingue uma descrição de uma contingência de outra, a ponto de nos refe­rirmos a elas por nomes diferentes (por exemplo, ordem, conselho, etc.)?

7. No exemplo em que é analisado quando alguém dá uma ordem a outra pessoa, o que quer dizer “controle adicional sobre o comportamento do outro”?

8. Segundo o texto, quais são os dois argu­mentos que Skinner utiliza para justificar a afirmação “não precisamos descrever as contingências de reforço para sermos afe­tados por elas”?

9. Descrições podem ser feitas com foco no comportamento da pessoa que descreve a contingência. Nesse caso, que contin­gência descreve o comportamento dessas pessoas?

10. Podemos também focar o comportamento de quem é afetado pela descrição da contingência.a. Neste segundo caso, podemos ter duas

possibilidades para descrever o compor­tamento da pessoa afetada pela descri­ção da contingência, uma dela envolve a contingência de três termos e a outra envolve a contingência de quatro termos (discriminação condicional). Descreva as duas contingências.

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ROTEIROS DE LEITURA 203

b. Quando analisamos qualquer uma das duas contingências que podem descre­ver o comportamento de quem é afetado pela contingência, podemos observar dois conjuntos de conseqüências que podem estar atuando. Quais são eles?

11. O que é necessário para que a descrição de uma contingência passe a exercer controle sobre a resposta de alguém?

12. Por que Skinner afirma que uma descri­ção de uma contingência é efetiva apenas “como parte de um conjunto de contingên­cias de reforçamento, como um estímulo discriminativo”?

13. Quais os três momentos que devem ser discutidos para análise do impacto do com­portamento de descrever contingências?

14. Segundo o texto, ao adotarmos as perspec­tivas da análise do comportamento para o estudo de como somos afetados por descrições de contingências, estamos nos defrontando com duas crenças difundidas entre as pessoas. Quais são elas?

15. Segundo Skinner, a análise dos efeitos de descrições de contingências acaba supe­rando algumas dicotomias freqüentemente utilizadas para caracterizar ou explicar o comportamento humano. Cite essas dicotomias.

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NOTA SOBRE AS AUTORAS

As autoras são formadas em Psicologia e concluíram o doutorado na Pontifícia Univer­sidade Católica de São Paulo, nos programas de Pós-Graduação em Psicologia Social e em Psicologia da Educação. São professoras do Departamento de Métodos e Técnicas, vinculado ao curso de Psicologia da mesma instituição, na qual ministram aulas há mais de vinte anos.

A experiência docente das autoras nas dis­ciplinas de Psicologia Comportamental gerou o interesse na produção de textos com finalidade didática e este livro é fruto dessa preocupação. Além do presente livro, têm outros trabalhos publicados em análise do comportamento.

As autoras também fazem parte do grupo de professores vinculados ao Laboratório de Psicologia Experimental da PUC-SP que, além do ensino, tem como objetivo o fomento e orienta­ção de pesquisas na área.

Além disso, Maria Amalia Andery, Nilza Micheletto e Tereza Maria de Azevedo Pires Sério participaram da criação, na PUC-SP, do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psico­logia Experimental: Análise do Comportamento.

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Este livro foi composto com as fontes: Humanst52l BT (tamanhos 8 e 14) e Lucida Bright (tamanhos 8,5 e 9,5)

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Os textos contidos neste livro traduzem o domínio teórico e a familiaridade das autoras em relação aos con­ceitos básicos de Análise do Comportamento. Mas, espe­cialmente, chama a atenção a larga experiência com o ensino de tais conceitos. Assim é que todo o rigor da metodologia experimental na produção de conheci­mento é apresentado em uma seqüência e linguagem que são, ao mesmo tempo, precisas e simples, como con­vém ao aprendiz iniciante na abordagem. Preciosa tam­bém é a ênfase dada a cada conceito enquanto compor­tamento produzido na rela­ção organismo-ambiente em contrapartida à visão tradi­cional, na psicologia e na cultura, de determinantes internos para explicar o com­portamento. Em cada capí­tulo, referências bibliográfi­cas para aprofundamento e, ao final, roteiros de leitura auxiliam o estudante no domínio dos aspectos essen-

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ciais dos conceitos. Não há dúvida de que são textos didáticos de excelente quali­dade, que devem facilitar muito a vida do professor e do aluno de Análise do Comportamento.

Maria Luisa Guedes

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eJtcISBN ^7fl-ÔS-2ê3-[]37b-b

9 7 8 8 5 2 8 3 0 3 7 6 6