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25 CONTRIBUIÇÕES DO SOFTWARE GEOGEBRA PARA A AQUISIÇÃO DE CONCEITOS GEOMÉTRICOS Larissa Elfísia Santana RESUMO Este trabalho objetivou investigar se o uso do software Geogebra pode auxiliar docentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental na compreensão de conceitos da geometria, uma vez que esse recurso representa um suporte à visualização dinâmica de figuras, permitindo a realização de sobreposições, redimensionamento e deslocamentos que podem favorecer à melhor compreensão de conceitos geométricos envolvidos. Neste sentido, requisitou-se a um grupo de professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental de uma escola pública da rede municipal de Fortaleza que resolvesse problemas envolvendo conceitos geométricos utilizando o software Geogebra como suporte. A abordagem metodológica adotada é de natureza qualitativa e foi composta por três momentos distintos: 1) Identificação dos conhecimentos prévios das professoras acerca do uso de softwares; 2) Realização da Oficina “Conhecendo o Geogebra”. 3) Resolução de problemas geométricos no ambiente gráfico do Geogebra. Os dados foram coletados por meio de observação, relatos das docentes e realização de atividades com o uso do Geogebra. Para fundamentar este estudo, utilizaram-se os construtos teóricos de Raymond Duval, cuja teoria sobre os registros de representação semiótica vem elucidar a construção de conceitos geométricos. Esse aporte teórico foi escolhido com a finalidade de evidenciar a importância da diversificação e conversão de representações na compreensão do objeto matemático. Após a análise dos resultados , constatou-se a dificuldade das professoras em manipular o computador, dificultando a execução das atividades mais complexas que poderiam, de fato, provocar avanço na concepção figural das docentes. Apesar dessa situação, percebeu-se que nas atividades finalizadas, o suporte intuitivo e dinâmico do software, possibilitou a melhora das percepções das professoras em relação à apreensão figural. Nesse sentido, recomenda-se a necessidade de mais formação para a apropriação de recursos digitais por parte desse grupo de docentes. Palavras chaves: Geometria. Geogebra. Registro Figural. Professoras. INTRODUÇÃO A geometria tem se configurado como um campo da Matemática que tem ocupado pouco espaço nas práticas de ensino dos professores da Educação Básica, principalmente aqueles que lecionam nos anos iniciais do Ensino Fundamental AIEF. Esse cenário já foi sobejamente denunciado por autores como Pavanello (1989), XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.006109 Silvana Holanda Da Silva Marcilia Chagas Barreto

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25

CONTRIBUIÇÕES DO SOFTWARE GEOGEBRA PARA A AQUISIÇÃO DE

CONCEITOS GEOMÉTRICOS

Larissa Elfísia Santana

RESUMO

Este trabalho objetivou investigar se o uso do software Geogebra pode auxiliar docentes

dos anos iniciais do Ensino Fundamental na compreensão de conceitos da geometria,

uma vez que esse recurso representa um suporte à visualização dinâmica de figuras,

permitindo a realização de sobreposições, redimensionamento e deslocamentos que

podem favorecer à melhor compreensão de conceitos geométricos envolvidos. Neste

sentido, requisitou-se a um grupo de professoras dos anos iniciais do Ensino

Fundamental de uma escola pública da rede municipal de Fortaleza que resolvesse

problemas envolvendo conceitos geométricos utilizando o software Geogebra como

suporte. A abordagem metodológica adotada é de natureza qualitativa e foi composta

por três momentos distintos: 1) Identificação dos conhecimentos prévios das professoras

acerca do uso de softwares; 2) Realização da Oficina “Conhecendo o Geogebra”. 3)

Resolução de problemas geométricos no ambiente gráfico do Geogebra. Os dados

foram coletados por meio de observação, relatos das docentes e realização de atividades

com o uso do Geogebra. Para fundamentar este estudo, utilizaram-se os construtos

teóricos de Raymond Duval, cuja teoria sobre os registros de representação semiótica

vem elucidar a construção de conceitos geométricos. Esse aporte teórico foi escolhido

com a finalidade de evidenciar a importância da diversificação e conversão de

representações na compreensão do objeto matemático. Após a análise dos resultados ,

constatou-se a dificuldade das professoras em manipular o computador, dificultando a

execução das atividades mais complexas que poderiam, de fato, provocar avanço na

concepção figural das docentes. Apesar dessa situação, percebeu-se que nas atividades

finalizadas, o suporte intuitivo e dinâmico do software, possibilitou a melhora das

percepções das professoras em relação à apreensão figural. Nesse sentido, recomenda-se

a necessidade de mais formação para a apropriação de recursos digitais por parte desse

grupo de docentes.

Palavras chaves: Geometria. Geogebra. Registro Figural. Professoras.

INTRODUÇÃO

A geometria tem se configurado como um campo da Matemática que tem

ocupado pouco espaço nas práticas de ensino dos professores da Educação Básica,

principalmente aqueles que lecionam nos anos iniciais do Ensino Fundamental – AIEF.

Esse cenário já foi sobejamente denunciado por autores como Pavanello (1989),

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Nacarato; Passos (2003) e Lorenzato (2006). Essa discussão é corroborada por Bittar e

Freitas (2005, p. 97), quando afirmam: “a Geometria está praticamente ausente das salas

de aula das escolas de Ensino Fundamental e Médio”. É provável que essa ausência

esteja relacionada às lacunas conceituais que os docentes trazem de sua formação inicial

(BARRETO, 2007).

No cenário atual da Educação Matemática, verifica-se que o uso do

computador como ferramenta para o ensino desta disciplina tem surgido como uma

forte tendência em estudos realizados. Essas tecnologias permitem perspectivar o ensino

da matemática de modo inovador, reforçando o papel da linguagem gráfica e de novas

formas de representação (PONTES, 2009). Abrir esta perspectiva implica em investir na

formação dos professores, inclusive os dos anos iniciais, que serão responsáveis por

despertar nos alunos a curiosidade pelo uso de softwares na exploração matemática.

No entanto, apesar de hoje, para o conjunto dos professores, a

informática ser considerada uma ferramenta fundamental para melhorar suas aulas, não

significa, entretanto, que eles a dominem ou dela façam uso em suas práticas docentes.

Segundo Pais (2002, p. 15): “É possível perceber no cotidiano pedagógico certa

expectativa, por parte dos professores, quanto à vontade de usar os novos recursos da

informática na educação”. Para proceder à utilização dos computadores e softwares faz-

se necessária a efetivação de ações que promovam a aproximação dos docentes com

essa tecnologia. Nesse sentido, Silva se posiciona:

Atualmente, um novo desafio se apresenta aos professores: a

utilização do computador no cotidiano escolar como ferramenta de

trabalho pedagógico. Para tanto, faz-se imperioso cuidar da formação

docente, posto que o uso do computador em qualquer área de ensino

requer a utilização do recurso tecnológico atrelada a uma

compreensão sobre a natureza e as possibilidades do trabalho

pedagógico. (SILVA, 2009. p. 57)

Considera-se que esta dificuldade pode estar relacionada ao fato de que

é possível encontrar professores com grande experiência na docência que tiveram sua

formação pautada em uma cultura em que o computador aparecia como uma figura

distante do seu cotidiano. Deste modo, com o surgimento de novas demandas quanto ao

uso do computador, esses professores vêem seus padrões usuais de ensino sendo

questionados. São mudanças nas suas concepções de ensino, aprendizagem e relações

pessoais. Esses docentes podem ser considerados imigrantes digitais. Essa expressão

vem sendo usada frequentemente para contrapor-se aos nativos digitais - “são pessoas

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que não nasceram digitais e que vivem uma vida digital de maneira substancial, mas não

estão encontrando seu caminho no mundo digital”. (PALFREY, GASSER, 2011, P. 47).

Nessa perspectiva, esta investigação objetivou analisar as contribuições

do software Geogebra para a elaboração de conceitos geométricos por professores

polivalentes. Trata-se de um software de geometria dinâmica, que pode ser usado como

suporte à visualização dinâmica de figuras, permitindo a realização de sobreposições,

redimensionamento e deslocamentos que podem favorecer melhor compreensão dos

conceitos ali envolvidos.

Para fundamentar este estudo, utilizaram-se os construtos teóricos de

Raymond Duval, cuja teoria dos registros de representação semiótica traz elementos que

podem colaborar na construção de conceitos geométricos. Esse aporte teórico foi

escolhido com a finalidade de evidenciar a importância da diversificação e conversão de

representações na compreensão do objeto matemático. No tópico seguinte serão

explicitados os conceitos elencados por Duval na referida teoria.

A TEORIA DOS REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA E A

GEOMETRIA

Para Duval (1995), a atividade cognitiva solicitada em geometria

envolve dois tipos de registros: o figural e o discursivo. O primeiro serve para desenhar

figuras ressaltando suas propriedades; o segundo para anunciar as definições, os

teoremas e as hipóteses. Embora o tratamento possa ser efetuado em apenas um desses

registros, essa ação não garante o êxito da ação, sendo necessário que esses dois

registros sejam trabalhados simultaneamente e de forma interativa, para que seja

possível facilitar a compreensão do objeto geométrico.

As informações presentes em um desenho geométrico conduzem ao

papel heurístico das figuras, isto é, identificar as propriedades figurais que podem levar

à conduta de abdução e guiar à dedução. Nesse caso, abdução seria a capacidade de

perceber as figuras em partes separadas, o que é um dos elementos fundamentais na

compreensão de uma situação geométrica. Para Duval, o problema é saber que

tratamentos repousam sobre essa conduta de abdução. O autor assevera que:

Esses tratamentos devem ser específicos ao registro das figuras e não

podem ser assimilados puramente ou simplesmente a tratamentos

matemáticos. Esses tratamentos levarão a considerar que a conduta de

abdução depende essencialmente dos conhecimentos matemáticos e

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que as figuras seriam em realidade heuristicamente acessórios

(DUVAL,1995, p. 180).

No entanto, nem sempre é fácil perceber na figura todas as propriedades

dadas. Por vezes ela impõe dificuldades que não são assimiladas pelos tratamentos

figurais e matemáticos. Para compreender como as figuras podem permitir a conduta de

abdução, Duval (1995) distingue dois níveis de apreensão das figuras geométricas, a

saber:

Primeiro nível – onde se opera o reconhecimento das diferentes unidades

figurais que são distintas dentro de uma figura dada;

Segundo nível – onde se efetuam as modificações mereológicas, óticas ou

posicionais, possíveis das unidades figurais reconhecidas e da figura dada.

O primeiro nível corresponde àquele descrito classicamente como a

percepção. Esse nível é composto por três formas de apreensão, assim distintas:

Apreensão sequencial: reprodução de uma figura geométrica que depende das

propriedades figurais ou do instrumento utilizado;

Apreensão perceptiva: interpretação das formas de uma figura geométrica numa

situação representada;

Apreensão discursiva: corresponde à explicitação de outras propriedades

matemáticas da figura, articulando desenho e os elementos discursivos.

O segundo nível corresponde a uma apreensão operatória das figuras,

onde ocorrem as modificações e/ou transformações possíveis da figura de sua

configuração inicial pela reorganização perceptiva que essas modificações sugerem. As

modificações possíveis de se realizar em uma figura são classificadas de três diferentes

formas, quais sejam: mereológicas (separação da figura em partes); ótica (transformação

de uma figura em outra) e posicional (deslocamento em relação a um referencial).

Essas modificações dizem respeito à transformação de uma figura em

outra num processo denominado de reconfiguração. Este é um tratamento que consiste

na partilha de uma figura em subfiguras, em comparação a sua eventual remontagem em

uma figura de um contorno diferente global.

Duval (1995) verificou que muitos estudantes, mesmo os que já se

encontram no Ensino Médio, não conseguem resolver atividades de geometria, por não

conseguirem chegar ao segundo nível de apreensão das figuras. Essa dificuldade reside

principalmente na impossibilidade de realizar a reconfiguração.

Destaque-se que, nesta teoria, a conceitualização de um objeto

matemático implica numa coordenação entre registros de representação. Para realizar

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esta coordenação faz-se necessária a realização de conversões e tratamentos. A

conversão se constitui em uma mudança do objeto matemático de um registro de

representação para outro. O tratamento consiste na transformação de uma representação

ficando no interior de um mesmo registro.

Um aspecto essencial no fenômeno de conversão é a congruência entre

uma representação a ser convertida e sua representação correspondente em um registro

escolhido. Sousa (2009, p.40) explica que “os níveis de congruência entre dois registros

de representação diferentes dizem respeito à proximidade ou distanciamento entre o

registro de partida e o de chegada”. Temos como exemplo uma situação em que o

enunciado de uma questão traz diversos elementos que não são úteis para a resolução da

questão. Neste caso, pode-se afirmar que a questão apresenta baixa congruência, pois

nem todos os elementos presentes no enunciado serão aproveitados para a sua

resolução. Já uma situação de alta congruência seria o caso oposto em que todos os

elementos do enunciado seriam facilmente utilizados para a resolução.

Ante a sistematização teórica apresentada, destaca-se que serão esses os

elementos que fundamentarão a análise das soluções dos problemas resolvidas pelas

professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental quanto à apreensão conceitual de

geometria.

A seguir será apresentada a metodologia adotada para a realização deste

estudo.

METODOLOGIA

O estudo foi desenvolvido em uma escola pública municipal de Fortaleza

e teve como sujeitos seis professoras polivalentes do Ensino Fundamental, as quais

estão aqui denominadas P1, P2, P3, P4, P5 e P6.

O espaço utilizado foi o Laboratório de Informática Educativa (LIE) da

escola. Nesse ambiente, utilizou-se o software GeoGebra, tendo em vista trabalhar a

compreensão de conceitos geométricos por parte das professoras investigadas,

utilizando um ambiente gráfico e dinâmico.

A abordagem metodológica adotada é de natureza qualitativa e foi

composta por três momentos distintos: 1) Identificação dos conhecimentos prévios das

professoras acerca do uso de softwares; 2) Realização da Oficina “Conhecendo o

Geogebra”. 3) Resolução de problemas geométricos no ambiente gráfico do Geogebra.

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Convém salientar que a oficina foi realiza na própria escola e teve duração de 6h/a, na

qual foi apresentado o Geogebra e os recursos nele disponíveis.

Os dados foram coletados por meio de observação, relatos das docentes e

realização de atividades com o uso do Geogebra. A análise dos dados desse estudo far-

se-á no tópico seguinte.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Inicialmente, no que diz respeito ao primeiro contato das professoras

com o software, foi possível perceber resistência das docentes quanto ao uso do

computador. Das seis professoras presentes, quatro disseram que usavam o computador

apenas para troca de e-mails e fazer alguma pesquisa na internet (P1, P3, P4 e P6) e

duas (P2 e P5) revelaram que nunca usaram o computador e não possuíam

conhecimentos informáticos. Por essa razão, mostraram-se resistentes, chegando a pedir

para não participar da sondagem. Quanto à familiaridade com softwares de

Matemática, todas as professoras afirmaram nunca ter utilizado nenhum software do

tipo e desconheciam, portanto, o software Geogebra.

Apesar da relutância inicial em utilizar o computador, durante a

realização da sondagem, as docentes aceitaram utilizá-lo. A falta de habilidades básicas

dessas profissionais com esse instrumento fez com que a pesquisadora e auxiliares

ajudassem-nas a manipular o mouse e o teclado em suas funções elementares. Em

virtude dessas dificuldades, optou-se por usar parte do tempo destinado à realização das

atividades, para a apropriação das ferramentas de manuseio do computador. Nesse

sentido, o software foi apresentado, juntamente com suas funções e recursos

disponíveis.

Embora evidenciada a não-apropriação das professoras com o

computador, estas afirmaram considerar a informática útil para facilitar o ensino de

alguns conteúdos. As docentes também demonstraram a necessidade de apropriar-se de

mais elementos de informática para que fosse possível fazer uso do computador com

seus alunos.

Após essa primeira etapa de apresentação e apropriação do software, foram

propostas atividades de utilização do GeoGebra. Este trabalho traz a análise da

resolução da professoras de duas das atividades propostas. A primeira objetivou avaliar

a apreensão perceptiva, verificando se as docentes realizavam a interpretação das

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formas de uma figura geométrica, permitindo identificar ou reconhecer de forma direta

o objeto, e a segunda discutiu a conversão do registro discursivo para o registro figural,

em um problema relativo ao cálculo de áreas.

Dessa maneira, na atividade 1 (fig. 01), utilizando o ambiente do software,

as professoras visualizaram várias figuras geométricas e foram solicitadas para

organizar em grupos três grupos distintos de acordo com a semelhanças das formas

encontradas. Em seguida, deveriam nomeá-los com as formas geométricas identificada.

Na análise dessa atividade, constatou-se que todas as professoras

conseguiram agrupar as figuras, identificando-as por semelhança. A dificuldade inicial

em controlar os movimentos do mouse não foi impedimento para a conclusão do

exercício pelas professoras P1, P3, P4 e P6. Por outro lado, P2 e P5 não conseguiram

realizar, sozinhas, o movimento de arrastar as figuras com o mouse e organizá-las,

sendo necessária a ajuda da formadora. Essa dificuldade pode estar associada ao que

Prensky (2001) denomina de “imigrantes digitais”, conceito anteriormente tratado.

As professoras demonstraram não ter problemas de apreensão perceptiva,

distinguindo com rapidez triângulos, quadrados e retângulos de diferentes tamanhos. Os

elementos discursivos presentes na questão fizeram com que houvesse forte

congruência com a organização das figuras. Além disto, o fato das figuras serem

apresentadas separadamente não impôs dificuldade para a percepção, conforme afirma

Duval (1995). A dificuldade surgida foi em relação à posição das figuras. Nesse sentido,

as professoras P2 e P5 tiveram dúvidas em agrupar figuras de mesma forma, mas

dispostas em posições deferentes. Nesse caso, a identificação das figuras iguais exigia

É provável que pudesse surgir outras dificuldades a partir da integração em

uma configuração de formas mais complexa.

Na atividade 2, utilizando uma malha quadriculada presente no software, foi

pedido que as professoras respondessem as seguintes questões: Sabendo que cada

quadradinho mede 1cm de lado, faça o que se pede: a) Construa um retângulo com 12

quadradinhos. Qual a área desse retângulo? b). (Divida esse retângulo em duas partes

iguais (de dois modos diferentes); c). Qual a área de cada figura dividida?

Nessa situação, todas as professoras conseguiram representar um retângulo

com 12 quadradinhos de área, embora P2 e P5 tenham demonstrado dificuldades em

distinguir um quadrado de um retângulo. P1, P3, P4 e P6 compreenderam que a

quantidade de quadradinhos era a medida de sua área. P2 e P5 voltaram a recorrer à

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fórmula do cálculo da área do retângulo para descobrir, a partir de quais medidas dos

lados elas obteriam a área 12.

As representações gráficas realizadas apresentaram diferentes composições

que resultaram em distintas visualizações do retângulo com as dimensões: 6x2 (P1 e

P3); 4x3 (P2 e P4); 12 x1 (P5 e P6). Nessa situação, o objeto matemático representado

(retângulo de área 12cm²) sofre uma conversão do registro discursivo para o registro

geométrico. Duval (1995, p. 189) afirma que:

Em geometria não existe desenho que represente por ele mesmo, isto

é, não existe desenho sem legenda. É necessária uma indicação verbal

para ancorar a figura como representação de tal ou qual objeto

matemático. Isso quer dizer que a entrada de uma figura geométrica é

necessariamente discursiva (tradução livre).

É possível conjecturar que o recurso da malha quadriculada presente no

software constituiu-se como elemento de auxílio na representação do desenho,

exercendo uma forte congruência do recurso gráfico com o discurso presente no

enunciado da questão. Esse mesmo pensamento auxiliou na continuidade da resolução

dessa atividade quando foi solicitado que as professoras dividissem o retângulo em

partes iguais, mas de duas maneiras diferentes. Exceto P2, as demais professoras

tiveram êxito na atividade.

Constatou-se nas resoluções das professoras, que para deduzir a medida da

área representada no retângulo, as docentes apoiaram-se no uso da fórmula do cálculo

de área do retângulo. Nenhuma das participantes usou apenas as informações presentes

no desenho. Essa ação reflete o uso habitual dos cálculos aritméticos para encontrar as

soluções de problemas de geometria. O suporte intuitivo da figura não foi suficiente

para que as docentes encontrassem a solução. Nesse caso, o apoio no registro numérico

foi mais recorrente. Necessário observar que as professoras não expressaram a unidade

em que estava sendo medida a área. P4 quando tentou expressá-la, mas o fez em cm e

não em quadradinhos, medida na qual havia sido proposta a área.

Na resolução de P5 (fig. 2), embora tenha feita a representação do desenho

correta, ela não consegue perceber que os quadradinhos são as unidades de medida do

primeiro retângulo desenhado por ela, e afirma que a área é 24. Nessa situação, P5

confunde a orientação de representar duas figuras com áreas iguais a 12 quadradinhos,

multiplicando por 2 para obter a área . As informações contidas no registro de chegada,

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no caso a língua materna, embora convertidos para a representação figural corretamente,

confunde-a na hora de executar o tratamento numérico.

No entanto, no item seguinte, contrapondo-se ao item a, P5 forma dois

retângulos menores, informando que a área dessa figura corresponde à divisão de 12 por

2, ou seja, utiliza a representação numérica correta da área da figura maior. No entanto,

apesar da modificação mereológica e tratamento aritmético corretos, não consegue

compreender que os seis quadradinhos podem ser agrupados numa configuração nova

para formar outra figura com a mesma área representada.

Na análise da resposta de P2, verificou-se que ela informa corretamente a

área dos retângulos, tanto a inicial quanto o que se origina depois da divisão. As áreas

são sempre calculadas a partir da fórmula. Neste trabalho, ela confunde os termos da

expressão aritmética usada para calcular o valor da área (“4 elevado a 3 é 12”). Quando

realiza a divisão do retângulo em dois triângulos, P2 demonstra não utilizar a apreensão

gestaltista e também desconhecer a propriedade da diagonal, pois afirma que esta área

não é mais a metade da original, mas agora mede 8. Talvez por não contar com o apoio

da fórmula do cálculo da área do triângulo, a professora não tenha conseguido avançar.

Embora muitos dos tratamentos tenham sido realizados corretamente,

percebe-se o apoio do registro numérico para a resolução do problema. Tal situação

demonstra que o registro figural não é considerado suficiente para as professoras

chegarem às respostas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a análise das atividades propostas às docentes, foi possível realizar

algumas constatações. Verificou-se que a representação figural dinâmica, propiciada

pelo software não foi totalmente explorada devido à dificuldade das professoras em

utilizar o computador. Essa dificuldade limitou as possibilidades de exploração das

ferramentas dinâmicas previstas para serem realizadas. A pouca familiaridade com os

recursos informáticos pelas docentes revelou a fragilidade na formação continuada das

professoras, na qual a preparação para incorporar essa ferramenta em sua prática

pedagógica, não acompanhou o mesmo ritmo de evolução das tecnologias presente

atualmente nas escolas da rede municipal de Fortaleza.

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Embora as professoras tenham admitido que a informática atraia a

atenção dos alunos, a apropriação desse recurso ainda está distante da rotina pedagógica

dessas docentes, sendo necessária uma intervenção que contemple a formação dessas

docentes para o uso do computador como recurso pedagógico auxiliar em suas práticas

pedagógicas.

Esperava-se que esse ambiente figural dinâmico favorecesse a

visualização de propriedades da figura, antes não apreendidas no desenho estático ou

ainda nas representações com material concreto. O recurso da malha quadriculada foi a

ferramenta mais utilizada pelas docentes durante a orientação para a construção de

figuras geométricas. Não foi possível explorar com mais afinco as funções de “mover” e

“deslocar figuras”. Essas funções permitiriam realizar a sobreposição de uma figura

sobre outra possibilitando que as docentes visualizassem situações geométricas de

forma mais ampla do que a posta no desenho representado no papel. As participantes

puderam realizar atividades utilizando diferentes representações para uma mesma

situação-problema. Essa ação permitiu que elas pudessem ter novas percepções para o

trato com o desenho geométrico, para além da identificação de formas e contagem de

figuras, constituindo o início de uma reflexão da prática docente relacionada ao ensino

da Geometria nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Esse estudo, embora tenha utilizado uma pequena amostra diante do

universo de docentes que atuam nos anos iniciais do EF na rede municipal de ensino de

Fortaleza, considerou que as professoras necessitam vivenciar mais situações, em seus

processos de formação, que lhes possibilite apreender os conteúdos geométricos com o

uso de diferentes representações, possibilitando, dessa maneira, um amadurecimento da

apreensão perceptiva para a apreensão operatória. Reafirma-se a necessidade de ampliar

o acesso à formação das docentes para a incorporação das novas tecnologias, tanto

como ferramenta de ensino como no apoio à sua aprendizagem. Espera-se, dessa

maneira, que este estudo tenha contribuído para repensar os processos de formação das

docentes dos anos iniciais do EF, concernente à área de Geometria, campo da

Matemática frequentemente negligenciado nas práticas de ensino desse nível de

escolaridade.

REFERÊNCIAS

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ANEXOS

Figura 1 - Atividade 1 proposta às professoras

Fonte: elaboração da autora

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Figura 2: Resposta de P5 à atividade 2 – área é representada pela divisão em duas partes iguais

Figura 3 - Ausência de percepção gestaltista (P2, atividade 2)

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