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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ - UESC DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DCIE NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - NEAD CONTRIBUIÇÕES DA ESCOLA REGULAR E DO CENTRO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA DE DEFICIENTES VISUAIS 1 Antônia Camila Sampaio 2 Dilma Santos das Virgens² Maria Aparecida Souza² Renata da Silva de Jesus² Thaislane Lopes da Anunciação Macêdo² RESUMO O presente artigo foi construído no âmbito do Componente Curricular Educação Especial, ministrada pela professora Thereza Bastos, na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia no Centro de Formação de Professores. Com o intuito de refletir sobre como a Escola Regular e o Centro de Educação Especial CEAPE contribui e auxilia na construção da autonomia do aluno com deficiência visual a fim de que este possa se relacionar socialmente. Nessa perspectiva, é necessário também discutir a importância e o papel da família no processo da educação do estudante com deficiência. Para tanto realizamos uma entrevista semi-estruturada com um deficiente visual residente no município baiano de Itaberaba, que explanou sobre suas vivências. A construção autônoma do sujeito cego vai além dos muros da escola, a participação da família constitui parte importante desse processo. Palavras- Chave: Deficiência visual; Autonomia; Centro de Educação Especial. 1. INTRODUÇÃO A hierarquização das diferenças constroem as desigualdades. Os processos de inclusão de alunos cegos, surdos, paraplégicos ou com qualquer outro tipo de deficiência ocorrem de maneira excludente. A maioria das escolas públicas brasileiras 1 Artigo elaborado sob a orientação da Professora Doutora Thereza Bastos como parte das atividades avaliativas do Componente Curricular Educação Especial. 2 Graduandas do 6º semestre de Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia- UFRB no Centro de Formação de Professores- CFP.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ - UESC DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – DCIE NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - NEAD

CONTRIBUIÇÕES DA ESCOLA REGULAR E DO CENTRO DE EDUCAÇÃO

ESPECIAL NA CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA DE DEFICIENTES

VISUAIS1

Antônia Camila Sampaio2

Dilma Santos das Virgens²

Maria Aparecida Souza²

Renata da Silva de Jesus²

Thaislane Lopes da Anunciação Macêdo²

RESUMO

O presente artigo foi construído no âmbito do Componente Curricular Educação

Especial, ministrada pela professora Thereza Bastos, na Universidade Federal do

Recôncavo da Bahia no Centro de Formação de Professores. Com o intuito de refletir

sobre como a Escola Regular e o Centro de Educação Especial – CEAPE contribui e

auxilia na construção da autonomia do aluno com deficiência visual a fim de que este

possa se relacionar socialmente. Nessa perspectiva, é necessário também discutir a

importância e o papel da família no processo da educação do estudante com deficiência.

Para tanto realizamos uma entrevista semi-estruturada com um deficiente visual

residente no município baiano de Itaberaba, que explanou sobre suas vivências. A

construção autônoma do sujeito cego vai além dos muros da escola, a participação da

família constitui parte importante desse processo.

Palavras- Chave: Deficiência visual; Autonomia; Centro de Educação Especial.

1. INTRODUÇÃO

A hierarquização das diferenças constroem as desigualdades. Os processos de

inclusão de alunos cegos, surdos, paraplégicos ou com qualquer outro tipo de

deficiência ocorrem de maneira excludente. A maioria das escolas públicas brasileiras

1 Artigo elaborado sob a orientação da Professora Doutora Thereza Bastos como parte das atividades

avaliativas do Componente Curricular Educação Especial. 2 Graduandas do 6º semestre de Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal do Recôncavo da

Bahia- UFRB no Centro de Formação de Professores- CFP.

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não possuem estruturas físicas nem tão pouco profissionais capacitados para auxiliar

tais alunos em seu percurso educativo.

Procuramos refletir neste artigo como o aluno com deficiência visual constrói a

sua autonomia e de que forma a Escola Regular e o Centro de Educação Especial

contribui e auxilia nessa construção para que o mesmo possa se relacionar socialmente.

Para tanto, torna-se necessário contextualizar historicamente como essas pessoas com

deficiência, de forma geral, eram “vistas” e tratadas no meio social e escolar. Nesse

sentido, é válido ressaltar a segregação por qual esse grupo de indivíduos foram

vitimados ao longo do tempo, posto que, para além dos adjetivos de caráter pejorativo

que lhes eram atribuídos nas épocas iniciais, havia ainda as discriminações em relação

às “anormalidades” tanto na forma física (como marcas no corpo, paralisia nas pernas

ou braços, falta da visão, audição ou fala) e mental destes, que eram atribuídos como

castigo de Deus pelos pecados de seus pais e antepassados ou que essa pessoa era

possuída por algum espírito maligno e por esse motivo trazia no corpo este sinal.

As marcas e os estereótipos carregados pelos deficientes visuais ao longo dos

processos sócio-históricos refletem-se nas suas construções identitárias e autônomas.

Lugar de controle social o corpo sempre foi alvo das redes microfísicas de poder e em

qualquer sociedade sofri limitações, proibições e/ou obrigações por está dentro das

relações se saber (FOUCAULT, 2008). O estudante cego tem o seu corpo aprisionado

nos discursos legitimados pela escola que muitas vezes não o representa, fazendo com

que muitos discentes se sintam excluídos dentro de um suposto processo de inclusão.

Esta pesquisa justifica-se por todos os alunos com deficiência visual que não se sentem

pertencentes ao ambiente escolar. Para tanto, tem-se como base teórica os postulados de

Ochaíta e Espinosa (2007), Mantoan (2003) e Fernandes (2002).

2. DEFICIÊNCIAS X DIFERENÇAS

Ao se falar em Educação Especial é necessário que se esclareça a distinção entre

os conceitos de diferenças e deficiências. Vivemos em um país de grande diversidade,

seja cultural, social, política, econômica ou histórica, portanto as diferenças são parte

integrante dessa sociedade. Sobre o conceito de diferença Fernandes (2002) aborda que

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A existência de uma cultura da “normalidade”, da padronização, leva ao não

reconhecimento das diferenças e singularidades. As diferenças são peculiares

à espécie humana. A subjetividade dos sujeitos, ainda não totalmente

desvendada pelas ciências, se expressa singularmente, não seguindo a normas

nem a padrões. (p.18)

Em sua tese de doutoramento intitulada “A DIVERSIDADE DA CONDIÇÃO

HUMANA: deficiências/diferenças na perspectiva das relações sociais”, Fernandes

(2002) nos leva a compreender que ser diferente é uma característica “peculiar” da

espécie humana, nesse sentido se todos olhassem os deficientes levando em

consideração essa peculiaridade humana, talvez não houvesse exclusão e segregação

dessas pessoas.

Mas o que é deficiência? O autor Sadao Omote (1999), aborda que o

conceito de deficiência consiste em uma multiplicidade de significados, o que o

torna amplo. Conforme a Legislação Brasileira sobre pessoas portadoras de

deficiência:

É considerada, em síntese, portadora de deficiência a pessoa que apresenta, em caráter permanente, perda ou anormalidade de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gere incapacidade para o desempenho de atividades dentro do padrão considerado normal para o ser humano. (BRASIL, 2011, p. 5)

Ou seja, existem vários níveis de deficiência que podem ser definidas

como: intelectual- cujo funcionamento intelectual é inferior à média, geralmente

apresentam dificuldades em diversos níveis precisando de habilidades sociais,

acadêmicas, dentre outras; Física- os que possuem algum tipo de paralisia,

limitações, malformação no aparelho locomotor (prejudica a mobilidade como

também a coordenação motora; Auditiva- quando há a perda total ou parcial da

audição; Visual, quando há perda visual, parcial ou total, mesmo após correção

óptica ou cirúrgica, limitando o seu desempenho ‘normal’; Múltiplas- ocorre quando

há duas ou mais deficiências associadas.

Existem diversos tipos de deficiência, porém elegemos a deficiência visual como

temática a ser discutida e problematizada na pesquisa. A cegueira ou deficiência visual

segundo Ochaíta e Espinosa (2007)

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(...) é uma deficiência sensorial que se caracteriza pelo fato de que as pessoas

que dela padecem têm seu sistema visual de coleta de informações total ou

seriamente prejudicado. Portanto, quando se fala de cegos, se faz referência a

uma população muito heterogênea, que inclui não apenas as pessoas que

vivem na escuridão total, mas também aqueles que têm problemas visuais

suficientemente graves para serem consideradas legalmente cegas, embora

tenham resquícios visuais que possam ser aproveitados para o seu

desenvolvimento e sua aprendizagem. (p. 151).

Os estudantes com deficiência visual ou cegueira historicamente sempre foram

colocados à margem do processo educativo apesar da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Brasileira- LDB afirmar que todos devem ter acesso a educação pública

gratuita e de qualidade (BRASIL, 1996). O currículo tradicional, engessado, linear

baseado na perspectiva eurocidental não permite que a escola seja um espaço para a

alteridade, um espaço múltiplo que respeite as diferenças.

3. METODOLOGIA

Essa pesquisa tem uma abordagem qualitativa, pois, como afirma Teixeira

(2011) esta valoriza as experiências pessoais do pesquisador, sendo uma ferramenta de

fundamental importância diante das análises e interpretações dos fenômenos estudados.

Trata-se de uma pesquisa riquíssima, pois busca compreender o contexto da situação,

levando em consideração o social e a vida cotidiana como os elementos da abordagem

qualitativa.

Além disso, utilizamos como fonte de pesquisa uma entrevista semi-estruturada,

com um deficiente visual3 estudante de uma escola regular do município de

Itaberaba/BA que frequenta no turno oposto o Centro de Apoio Pedagógico em

Educação Especial- CEAPE4, e foi feito um levantamento bibliográfico com algumas

obras sobre o tema para embasamento teórico.

Optamos pela entrevista, por ser o instrumento que melhor se adéqua a sujeitos

com esse tipo de deficiência, além de possibilitar a interação face a face, permitindo que

3 Esse deficiente visual descobriu que tinha glaucoma na infância, e ficou cego aos 14 anos. A partir desse

período levou 17 anos sem ir à escola. Retornou em 2012 aos 32 anos. 4 O CEAPE é um Centro de Apoio Pedagógico em Educação Especial especializado, que se caracteriza

por trabalhar na perspectiva de prestar um apoio educacional direcionado a pessoas com necessidades

especiais. Atendendo a alunos com déficit intelectual, cegueira, baixa visão, surdocegueira, transtornos

globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.

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se observem as expressões do entrevistado, o comportamento, a entonação de voz e a

mudança de ritmo da mesma.

Acerca da entrevista semi-estruturada Moreira e Caleffe (2006) nos ajuda a

compreender que

Geralmente se parte de um protocolo que inclui os temas a serem

discutidos na entrevista, mas eles não são introduzidos da mesma

maneira, na mesma ordem, nem se espera que os entrevistados sejam

limitados nas suas respostas e nem que respondam a tudo da mesma

maneira. O entrevistador é livre para deixar os entrevistados

desenvolverem as questões da maneira que eles quiserem. (p.169).

A partir do pensamento dos autores supracitados é possível afirmar que a

entrevista desenvolvida com L foi semi-estruturada, pois, à medida que ele respondia as

perguntas, íamos introduzindo novas e esclarecendo as dúvidas que iam surgindo.

4. PROCESSO DE INSERÇÃO NAS ESCOLAS

A heterogeneidade das deficiências visuais demonstram que os diferentes níveis

de cegueira podem ser adquiridos ao longo do tempo e isso afeta diretamente no

desenvolvimento e na aprendizagem do aluno cego. O entrevistado L perdeu a sua visão

aos 14 (quatorze) anos e relata que isto se deu em decorrência de um glaucoma que

acabou se desenvolvendo durante sua infância e adolescência, culminando na perda da

visão, enquanto ainda estava na rede regular de ensino.

Ao ser perguntado quais as dificuldades enfrentadas na escola regular o aluno L

aborda a questão da seguinte maneira: Eu não tive muita dificuldade de aprender o

Braile, pois eu já sabia ler quando eu enxergava aí tem mais facilidade de aprender o

Braile (Entrevistado L, 2013; Comunicação Oral). Nessa perspectiva, torna-se válido

ressaltar que o processo de aprendizagem de um indivíduo que em algum momento da

vida esteve na condição de vidente, ocorre de modo diferenciado daquele indivíduo que

nunca enxergou, como na situação do nosso entrevistado que, por já estar familiarizado

com o nosso sistema de escrita, necessitou de uma adaptação para que pudesse se

expressar, utilizando-se do Braile, com base em seus conhecimentos prévios. Como

argumentam Ochaíta e Espinosa (2007),

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[...] considerando o momento de aquisição dos problemas visuais, o

desenvolvimento e a aprendizagem de uma criança que nasça cega ou que

perca a visão pouco depois de nascer serão muito diferentes daquela que

perdeu a visão em etapas posteriores de sua vida. [...] as características do

desenvolvimento de uma determinada criança cega- e o planejamento das

intervenções educacionais concretas- dependerão das transações complexas

entre as características da criança e dos contextos distintos em que se produz

seu desenvolvimento e sua aprendizagem (p.152).

É de fundamental importância discutir a questão da inclusão das pessoas com

deficiência, visto que essas ficaram marginalizadas na sociedade por muito tempo, posto

que as mesmas até outrora encontravam-se isoladas em suas residências, por serem

consideradas pessoas incapazes de se relacionar socialmente. Hoje, gradativamente, se

discute os direitos das pessoas com deficiência a fim de que se alcance o ingresso de

todas em escolas regulares, porém se faz necessário uma reflexão sobre como estas

pessoas estão sendo inseridas nas instituições de ensino, ao passo que inúmeras

indagações referentes a essa problemática ainda permanecem em aberto. Mas afinal, de

que forma a escola pode contribuir na reeducação desses sujeitos para a conquista de

sua autonomia? Partindo dessas inquietações, é pertinente enfatizarmos que estes

sujeitos, por terem uma determinada limitação, sentem dificuldades para exercer a

cidadania plenamente, bem como o seu o direito de ir e vir, ao passo que a sociedade se

organizou para atender um determinado padrão.

Além disso, a escola, que é também uma instituição social, enfrenta novos

desafios frente ao processo de inclusão, uma vez que, o ambiente educacional tem seus

paradigmas já definidos. Dentre esses paradigmas, existem o da integração e o da

inclusão, o primeiro diz respeito a inserção e adaptação dos alunos com necessidades

especiais ao ambiente escolar, tendo que se enquadrar ao modelo padrão estabelecido.

Já na inclusão a escola é que se adapta ao aluno. Ademais, tudo que é novo gera

desconforto e insegurança, e não tem sido diferente no que diz respeito à adesão da

inclusão das pessoas com deficiência na escola. Desta forma, fez-se necessário que a

escola se democratizasse ao longo do tempo, trazendo diferentes sujeitos nos mais

diversos níveis. Pois a escola não foi pensada para atender a diversidade de sujeitos

existentes na sociedade, mas sim para padronizar, de forma a alcançar os objetivos

daqueles que são considerados normais. (Ibernón, 2000).

Além disso, para Mantoan (2000) a escola inclusiva é meio para o entender e

reconhecer o outro, como também é a oportunidade de compartilhar com as diferenças.

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Visto que a sociedade precisa aprender a lidar com as diferenças e é através da escola

que podemos romper o paradigma excludente, que busca o aluno ideal e segrega o real.

A inclusão não é simplesmente, fazer a matrícula do aluno com deficiência e

integrar este na sala de aula, mas é um processo desafiante que requer a inserção de

todos no processo de aprendizagem e pelo direito a uma educação de qualidade e,

sobretudo, na quebra do paradigma que privilegia a homogeneidade, ou seja, os ditos

“normais” e segrega, o diferente. Ademais, é necessário a capacitação de profissionais

qualificados para atender essa demanda.

É notório que as práticas da escola estão arraigados ao modelo tradicional, em

que não seu currículo não atende a diversidade, ou seja, as instituições de ensino regular

têm integrado os estudantes com deficiência por uma questão de lei como a que é

garantida pelo documento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da

Educação Inclusiva (2008) a qual garante a inclusão de alunos com necessidades

especiais na escola. De modo que tenham acesso ao Ensino Regular; ao Atendimento

Educacional Especializado; a acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos

mobiliários, nas comunicações e informações dentre outras. Além disso, o Atendimento

Educacional Especializado deve integrar e dá suporte a proposta pedagógica da escola

envolvendo nesse processo a também participação da família a fim de garantir o

acesso e a participação do discente no âmbito educacional.

Nessa perspectiva, percebe-se que muitas coisas são garantidas por lei, no

entanto não são concretizadas, desse modo, acaba resultando na exclusão do aluno da

sala de aula.

É importante ressaltar que para a escola preparar para a cidadania, sobretudo, as

pessoas com deficiências é necessário também que esta instituição vá além da

transposição dos conteúdos, aborde os saberes inseridos no cotidiano dos alunos, a fim

de que estes adquiram sua independência ou autonomia. Pois, a pessoa com deficiência

precisa adquirir sua autonomia para viver em sociedade. Como afirma Mantoan (2003)

[...] a escola para muitos alunos, é o único espaço de acesso ao conhecimento.

É o lugar que vai proporcionar-lhes condições de se desenvolverem e de

tornarem cidadãos, alguém com a identidade sociocultural que lhes conferirá

oportunidades de ser e viver dignamente. Incluir é necessário,

primordialmente para melhorar as condições da escola, de modo que nela se

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possam formar gerações mais preparadas para viver a vida na sua plenitude,

livremente, sem preconceito, sem barreiras (p.53).

No diálogo com nosso entrevistado, é perceptível à importância do CEAPE em

sua vida, visto que, ao ingressar na rede regular, L sentiu a necessidade de passar por

esse centro, pois além de dar todo o suporte pedagógico, este espaço contribui de

maneira significativa na construção da autonomia desse sujeito, como o próprio nos

relata, que tarefas básicas como, varrer casa, cozinhar, lavar roupas, costurar, etc., são

situações trabalhadas paulatinamente, no intuito de que estes sujeitos construam sua

autonomia, que difere da escola regular, que prioriza os conteúdos inerentes ao

currículo.

Tendo em vista essas questões é afirmável que o CEAPE é um Centro que se

caracteriza pelo Atendimento Educacional Especializado- AEE, o qual não substitui o

Ensino Regular, mas, o complementa no turno oposto, contribuindo para a formação

autônoma e independente desses estudantes.

A questão da independência é tão forte no CEAPE que uma das disciplinas

trabalhadas é a Mobilidade, na qual é ensinado aos alunos cegos a se locomoverem

apenas com o auxilio de uma bengala, sob a mediação de um profissional capacitado

que os orienta nessa (re) adaptação, utilizando-se de situações corriqueiras, como andar

pelas ruas, identificar e desviar de obstáculos, tomando como referência a linha guia,

elucidada pelo nosso entrevistado, como sendo algum ponto norteador, a exemplo de

uma parede, para que o sujeito consiga se localizar e locomover no espaço.

Desse modo, é importante ressaltar que os Centros são diferentes das escolas

regulares, contudo é necessário que haja dinamismo na atuação pedagógica dos

professores das escolas regulares, de forma que altere “a situação de exclusão,

enfatizando a importância de ambientes heterogêneos que promovam a aprendizagem de

todos os alunos.” Plano Nacional (2008)

Na pesquisa que realizamos ficou perceptível que o CEAPE tenta trabalhar de

forma articulada com a escola regular. Na entrevista, L nos afirma que todo o suporte

pedagógico é dado pelos professores do Centro. Esses suportes dizem respeito às

avaliações, textos e atividades que são transcritas para o Braille.

Acerca dessa parceria Escola Regular com os Centros, o documento da Política

Nacional (2008) aborda que “A educação especial atua de forma articulada com o

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ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais especiais

desses alunos.”

Faz-se necessário atentar para a importância do apoio e incentivo familiar no

processo de (re) conquista da autonomia desse sujeito que transitou pela experiência

visual e agora não visual. Posto que nosso entrevistado alerta sobre a relevância que sua

mãe e irmãos tiveram nessa retomada de atividades e convívio social. Pois, essas

incentivaram este a voltar para a estudar bem como, sua irmã que fez especialização na

area de deficiência visual a fim de entender os desafios que as pessoas com deficiência

visual apresentam no tocante, a aprendizagem e mobilidade ,sobretudo, no sentido de

poder ajudar o irmão no processo de retorno aos estudos.

Diante do exposto, não há como negar o papel indispensável da família,

enquanto base, pois quando alguém nasce ou adquire alguma deficiência, além de

ocorrer uma adaptação por parte da pessoa deficiente, há também uma adaptação da

família. Porém, é importante abordar que o cuidado excessivo da família pode

prejudicar o desenvolvimento da pessoa com deficiência, assim como, a possibilidade

dessa pessoa em fazer novas descobertas e tomar suas próprias decisões.

Levando em consideração essas questões Gema Paniagua (2004) nos esclarece

que

Muitas famílias cuidam especialmente da atenção aos outros irmãos,

evitando que toda família gire em torno da deficiência. É preciso

lembrar que o ambiente familiar mais adequado para uma criança com

necessidades educativas especiais é aquele em que se procura um

equilíbrio entre as necessidades de todos e de cada um de seus

membros. (p.336)

Diante do exposto, é importante que se tenha claro que uma pessoa com

deficiência não precisa ser o centro de atenção da família ou ser tratado como

“coitadinho”, pois dessa forma ele nunca vai alcançar sua autonomia e saber viver no

meio social sem recorrer frequentemente à ajuda de outras pessoas.

Para que a família contribua nesse processo educacional é necessário que se

tenha claro essas questões e que incentive aos deficientes a buscarem formas de

superação de suas dificuldades, além da construção de sua autonomia.

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Além disso, foram feitas outras perguntas relacionadas à perda da visão e sua

interferência no seu cotidiano na escola regular. Nesse aspecto, o entrevistado nos

responde que uma das maiores barreiras que enfrentou foi a sua própria desmotivação,

que acabou por afastá-lo de seu convívio social, onde o mesmo relembra que sua maior

vontade era ficar em casa. Referente a este momento, L relata: “[...] Quando você

enxerga tudo no mundo e depois passa a viver na escuridão é complicado para se

adaptar... Tive medo de fazer as coisas que fazia antes [...]”. (Entrevistado L, 2013;

Comunicação Oral).

Quando perguntamos se sentiu ou sente alguma dificuldade, L nos fala que:

“Tive dificuldade pra voltar... Tudo de novo, porque antigamente você escrevia com

caneta e agora com Braile e com pulsão agora é diferente” (Entrevistado L, 2013;

Comunicação Oral). Refletindo sobre essa questão Gil (2000) aborda que:

O impacto da deficiência visual (congênita ou adquirida) sobre o

desenvolvimento individual e psicológico varia muito entre os indivíduos.

Depende da idade em que ocorre do grau da deficiência, da dinâmica geral da

família, das intervenções que forem tentadas, da personalidade da pessoa –

enfim, de uma infinidade de fatores. Além da perda do sentido da visão, a

cegueira adquirida acarreta também outras perdas: emocionais; das

habilidades básicas (mobilidade, execução das atividades diárias); da

atividade profissional; da comunicação; e da personalidade como um todo.

(p.9).

Percebe-se que além da perda da visão, a pessoa com deficiência visual enfrenta

novos desafios no processo de (re) educação, no que tange a mobilidade, escrita com

punção, utilização do Braille, etc., com o intuito de conquistar sua autonomia, para não

depender em grande parte do tempo da ajuda de outros. Bem como, na busca de

trabalhar sua autoestima, uma vez afetada, devida as mudanças bruscas no seu

cotidiano. Por estas e demais razões, todos os envolvidos no processo adaptativo, sejam

eles, professores, familiares, profissionais da área e demais, precisam compreender que,

para a inclusão ocorra, faz-se necessário a escola e outros membros, possam ir além das

disposições do deficiente, incorporando atividades diárias e comuns a este, como

também, cooperar no processo de orientação e mobilidade do mesmo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Diante do exposto é possível afirmar que o Centro de Educação Especial

trabalha na perspectiva de formar o aluno para a vida e para a construção de sua

autonomia, possibilitando que o mesmo se insira na vida social.

É notório que, ainda há muito a ser melhorado com relação ao atendimento

educacional oferecido aos alunos com deficiência, visto que, a escola regular ainda não

está preparada para incluir estes, além disso, a maioria dos professores não possui a

formação apropriada para lidar com as dificuldades e os entraves que possam surgir no

percurso educativo.

6. REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB Lei nº 9394/96.

BRASIL. Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência.

Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999.

BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação

Inclusiva. Brasília - Janeiro de 2008

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http://www.acegosjf.com.br/?pagina=detalhes&tipo=3&cat=29 >acesso 17/03/2013<

(Fonte utilizada pelo site: Revista Instituto Benjamin Constant, Ano 11, número 30,

abril/2005, pgs. 3 a 9).

http://www.ibc.gov.br/?catid=13&blogid=1&itemid=89 >acesso 17/03/2013<

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ - UESC DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – DCIE NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - NEAD

Programa de Capacitação de Recursos Humanos do Ensino Fundamental: deficiência

visual vol. 1fascículos I – II – III / Marilda Moraes Garcia Bruno, Maria Glória Batista

da Mota, colaboração: Instituto Benjamin Constant. _______Brasília: Ministério da

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