diversidade cultural e o currÍculo escolar: indisciplina e...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ - UESC DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DCIE NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - NEAD DIVERSIDADE CULTURAL E O CURRÍCULO ESCOLAR: INDISCIPLINA E ADOECIMENTO DO CORPO DOCENTE * Solange Gonçalves Santos de Oliveira UESC 1 Karina Pereira Pinto UESC 2 RESUMO O artigo trata da relação entre adoecimento docente e indisciplina escolar, buscando compreender como a cultura escolar pode se tornar um dispositivo produtor da insatisfação do aluno e do professor. A pesquisa tem embasamento teórico na genealogia de Michel Foucault e nas teorias intercríticas do currículo. Com este artigo esperamos levantar desafios aos profissionais da educação para desconstruir práticas escolares monoculturais e construir práticas pluriculturais capazes de entrelaçar o universo escolar, levando em consideração as novas identidades, as transformações que estão sendo definidas, as diversidades não só culturais, mas também de gênero e economia, de forma a possibilitar um ambiente que se preocupa não somente com o sujeito individual, mas também com o coletivo e o social. Palavras-chave: Cultura; Cultura escolar; Currículo; indisciplina; adoecimento do corpo docente. A CENTRALIDADE DA CULTURA A cultura adquire cada vez mais um papel significativo na vida da sociedade. A identidade social é construída pelas culturas, pois tudo que perpassa na vida do indivíduo é denominado como cultura. Não é possível * Neste artigo apresentamos os resultados obtidos na pesquisa de Iniciação Científica Voluntária desenvolvida pela aluna Solange Gonçalves Santos de Oliveira, na UESC, no período de dezembro de 2011 a dezembro de 2012, e na pesquisa para elaboração de Trabalho de Conclusão do Curso de Pedagogia, além dos resultados parciais do projeto Cultura escolar e saberes psicológicos: dispositivos de produção de subjetividades, coordenado pela professora Karina Pereira Pinto. 1 Discente do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Estadual de Santa Cruz. E- mail: [email protected] 2 Docente do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Santa Cruz. E-mail: [email protected]

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ - UESC DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – DCIE NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - NEAD

DIVERSIDADE CULTURAL E O CURRÍCULO ESCOLAR: INDISCIPLINA E

ADOECIMENTO DO CORPO DOCENTE*

Solange Gonçalves Santos de Oliveira – UESC1

Karina Pereira Pinto – UESC2

RESUMO O artigo trata da relação entre adoecimento docente e indisciplina escolar, buscando

compreender como a cultura escolar pode se tornar um dispositivo produtor da

insatisfação do aluno e do professor. A pesquisa tem embasamento teórico na

genealogia de Michel Foucault e nas teorias intercríticas do currículo. Com este artigo

esperamos levantar desafios aos profissionais da educação para desconstruir práticas

escolares monoculturais e construir práticas pluriculturais capazes de entrelaçar o

universo escolar, levando em consideração as novas identidades, as transformações

que estão sendo definidas, as diversidades não só culturais, mas também de gênero e

economia, de forma a possibilitar um ambiente que se preocupa não somente com o

sujeito individual, mas também com o coletivo e o social.

Palavras-chave: Cultura; Cultura escolar; Currículo; indisciplina; adoecimento do

corpo docente.

A CENTRALIDADE DA CULTURA

A cultura adquire cada vez mais um papel significativo na vida da

sociedade. A identidade social é construída pelas culturas, pois tudo que

perpassa na vida do indivíduo é denominado como cultura. Não é possível

* Neste artigo apresentamos os resultados obtidos na pesquisa de Iniciação Científica Voluntária desenvolvida pela aluna Solange Gonçalves Santos de Oliveira, na UESC, no período de dezembro de 2011 a dezembro de 2012, e na pesquisa para elaboração de Trabalho de Conclusão do Curso de Pedagogia, além dos resultados parciais do projeto Cultura escolar e saberes psicológicos: dispositivos de produção de subjetividades, coordenado pela professora Karina Pereira Pinto. 1 Discente do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Estadual de Santa Cruz. E-

mail: [email protected]

2 Docente do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de

Santa Cruz. E-mail: [email protected]

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separar a cultura das atividades características e das interações da vida

cotidiana, porque o que acontece na vida das pessoas e suas representações

perpassam pela cultura. Isso significa que toda a prática social tem uma

dimensão cultural, além da importância das ações e das experiências dos

indivíduos nas análises dos fenômenos sociais. Segundo Hall (2012) trata-se

de um reconhecimento sobre a centralidade da cultura em nossa sociedade.

Com este reconhecimento, houve o aumento significativo nos interesses pelas

questões culturais, pois, através da compreensão deste conceito pode-se

pensar o mundo.

Segundo Moreira e Candau (2003), a expressão “centralidade da

cultura” é utilizada por Stuart Hall para ressaltar a forma como a cultura penetra

em cada recanto da vida social contemporânea, tornando-se elemento-chave

no modo como o cotidiano é configurado e modificado, e também para realçar

o lugar central da cultura no processo de formação de identidades sociais.

Ressaltam ainda que posicionar-se a favor da centralidade da cultura não

significa “considerar que nada exista a não ser a cultura”, e sim, “admitir que

toda prática social tem uma dimensão cultural, já que toda prática social

depende de significados e com eles está estreitamente associada” (p. 159).

Para compreendermos a vida e a organização da sociedade é

indispensável o estudo cultural. A cultura é o elemento chave para a vida do

sujeito, portanto, deve ser vista como fundamental, constitutiva, capaz de

determinar a forma, o caráter e a vida do indivíduo, bem como a formação de

sua identidade social.

Os seres humanos são seres interpretativos, instituidores de

sentido. A ação social é significativa tanto para aqueles que a

praticam quanto para os que a observam: não em si mesma,

mas em razão dos muitos e variados sistemas de significado

que os seres humanos utilizam para definir o que significam as

coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta uns em

relação aos outros. Estes sistemas ou códigos de significado

dão sentido às nossas ações. Eles nos permitem interpretar

significativamente as ações alheias. Tomados em seu conjunto,

eles constituem nossas culturas. Contribuem para assegurar

que toda ação social é cultural, que todas as práticas sociais

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expressam ou comunicam um significado e, neste sentido, são

práticas de significação (HALL, 2012, p. 15).

Diante desta afirmação, Moreira e Candau (2003) acrescentam que a

identidade social está relacionada com a cultura, o que nos leva a crer que a

cultura tem uma estreita relação com as práticas escolares. A cultura e a

educação estão interligadas, não há educação que não esteja imersa na

cultura da humanidade. Consequentemente, não haverá práticas pedagógicas

desculturalizadas. Compreende-se, pois, que a escola e a cultura estão

entrelaçadas, não podendo ser tratadas como dois polos independentes, pois a

escola é uma instituição cultural.

Há uma grande preocupação relacionada à educação escolar e à

cultura:

A escola é uma instituição construída historicamente no

contexto da modernidade, considerada como mediação

privilegiada para desenvolver uma função social fundamental:

transmitir cultura, oferecer às novas gerações o que de mais

significativo culturalmente produziu a humanidade. Essa

afirmação suscita várias questões: Que entendemos por

produções culturais significativas? Quem define os aspectos da

cultura, das diferentes culturas que devem fazer parte dos

conteúdos escolares? Como se têm dado as mudanças e

transformações nessas seleções? Quais os aspectos que têm

exercido maior influência nesses processos? Como se

configuram em cada contexto concreto? (MOREIRA; CANDAU,

2003, p. 160).

O pensamento de transmitir o que de mais significativo produziu a

humanidade, faz com que encontremos presente na escola uma concepção

reducionista da cultura, que privilegia apenas algumas dimensões artísticas e

intelectuais, ou seja, as escolas ainda prestigiam uma cultura elitista,

engessada, clássica que por muito tempo foi considerada como única e

universal e utilizada como modelo para configuração da cultura escolar. Esta

cultura de visão elitista promove preconceito, discriminação e exclusão, por ser

pouco permeável aos universos culturais das crianças e jovens que ali estão

inseridos (CANDAU, 2000).

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A cultura é estruturante do cotidiano de todo o grupo social e é expressa

no modo de agir, se relacionar, interpretar, interagir, celebrar e atribuir sentidos.

Esta é uma consciência de que a dimensão cultural é configuradora do humano

em nível pessoal e coletivo (CANDAU, 2000). Nilda Alves (2003) contribui

afirmando que somos o acúmulo de ações e acontecimentos culturais

cotidianos que nos levam a compreender nossa necessidade de diferentes

modos de viver, conviver e criar. “Os conhecimentos são adquiridos através

dos acontecimentos culturais, de acordo com os diferentes e diversos usos que

se faz no cotidiano” (ALVES, 2003, p. 63).

De acordo com Nilda Alves (2003), a concepção hegemônica sobre

cultura é insuficiente e equivocada para apreender o cotidiano escolar. É

preciso reajustar o currículo ao cotidiano escolar através da observação do que

se passa no dia a dia da escola, e, para isso, a participação ativa de todos os

professores é fundamental, pois, desta forma, entende-se que há uma maior

dimensão e incorporação da ideia de multiplicidade. Assim, são levantados

questionamentos, inquietações, dúvidas, anseios que são importantes para

ajustar o cotidiano escolar de acordo com as necessidades e realidades dos

alunos.

Diante das diversidades culturais, exige-se dos profissionais da

educação capacitação para integrar o convívio cultural. Para isso, é

fundamental que a escola tenha um currículo pluricultural, autônomo, de forma

a propiciar a valorização e o respeito a todas as culturas.

CULTURA ESCOLAR, CURRÍCULO E IMPORTÂNCIA DA DIVERSIDADE

CULTURAL

Segundo Veiga-Neto (2003), ao longo dos últimos dois ou três séculos,

as discussões sobre cultura compreendiam apenas o conjunto de tudo aquilo

que se considerava que a humanidade havia produzido de melhor em

materiais, artísticos, filosóficos, científicos, literários, como se cultura fosse uma

coisa única e universal. A cultura de olhar restrito ocupava um status elevado e

foi tomada como modelo a ser atingido pela sociedade. Este pensamento

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intensificou o preconceito e a discriminação, pois aquele que era reconhecido

como culto era considerado como uma pessoa de alta cultura e aquele que não

a alcançava era tratado como uma pessoa de baixa cultura, sem prestígio,

considerado como uma pessoa “sem cultura”. Este conceito era um elemento

de diferenciação, precursor da dominação e exploração (VEIGA-NETO, 2003).

Os autores Moreira e Candau (2003) acrescentam que:

Estamos imersos em uma cultura da discriminação, na qual a

demarcação entre “nós” e “os outros” é uma prática social

permanente que se manifesta pelo não reconhecimento dos

que consideramos não somente diferentes, mas, em muitos

casos “inferiores”, por diferentes características identitárias e

comportamentos (p, 163).

Segundo Veiga-Neto (2003), o momento que estamos vivendo torna

cada vez mais visíveis as diferenças culturais. As pessoas estão mais

individualistas por conta da competitividade desencadeada pelo capitalismo

que reina fortemente neste século. É visto com clareza a opressão de alguns

sobre os outros na busca da exploração econômica e material, provocando a

discriminação e o preconceito. A escola é o palco destas manifestações de

preconceitos e discriminações de diversos tipos, porém a cultura escolar, na

maioria das vezes, não as reconhece porque a cultura privilegiada pela escola

está impregnada por uma representação padronizadora de igualdade marcada

por uma visão monocultural.

Antonio Viñao Frago (1998) define a cultura escolar como:

un conjunto de teorías, principios o criterios, normas y praticas

sedimentadas a lo largo del tiempo en lo seno de las

instituiciones educativas. Se trata de modos de pensar y actuar

que proporcionan estrategias y pautas para organizar y llevar la

clase, interactuar con los compañeros y con otros miembros de

la comunidad educativa e integrarse en la vida cotidiana del

centro docente (VIÑAO FRAGO, 1998, p. 168-169).

Esta cultura escolar está impregnada por uma visão monocultural que

normatiza os discursos, as linguagens e as práticas dos atores que adentram

nesta instituição. Uma série de dispositivos compõe e faz funcionar a cultura

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escolar: as disciplinas escolares, com seus conteúdos e livros didáticos, além

de inúmeros exercícios e exames; o espaço escolar, que pode ser

compreendido tanto como “lugar”, que tende a se fragmentar em uma

variedade de usos e funções, quanto como território, relacionando-se com o

que está à sua volta, com outros espaços e lugares; e o tempo escolar, que é

um tempo pessoal, institucional e organizativo, sendo a escola

uno de los instrumentos más poderosos para generalizar y

presentar como natural y única, en nuestras sociedades, una

concepción y vivencia del tiempo como algo mensurable,

fragmentado, secuenciado, lineal y objetivo que lleva implícita

las ideas de meta y futuro. Es dicir, que proporciona – al menos

como posibilidad – una visión del aprendizaje y de la historia no

como procesos de selección y opciones, de ganancias y

pérdidas, sino de avance y progreso (VIÑAO FRAGO, 1998, p.

176-177).

Neste contexto, práticas são desenvolvidas de forma rotineira,

constituindo modos de atuar que, sedimentados ao longo do tempo, são

adaptados e interiorizados de modo automático e não reflexivo por toda

comunidade escolar (VIÑAO FRAGO, 1998). Desta forma, criam-se códigos de

significação que dão sentido às ações dos atores envolvidos no contexto

escolar e que possibilitam a interpretação das ações uns dos outros de forma

significativa. A este conjunto de códigos, significados e sentidos, dá-se o nome

de cultura escolar.

Estes códigos precisam ser problematizados, desvelados e modificados,

evitando que a escola esteja a serviço da reprodução de padrões de conduta

reforçadores dos processos discriminadores presentes na sociedade. Diante

destas questões, nota-se a necessidade de trabalhar nas escolas com a

diversidade cultural e as diferenças, buscando sempre conscientizar os

educadores e os educandos da diversidade presente na sociedade e a

importância desta para a constituição dos sujeitos. Mas, para intervir na cultura

escolar é necessário desconstruir as representações historicamente

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construídas. É preciso desnaturalizar3 certas concepções, libertando-se de

práticas de caráter monocultural e construir novas práticas multiculturais e não

discriminatórias, de forma a possibilitar um trabalho de multiplicidade de

culturas existentes no mundo e nas próprias regiões em que a escola está

inserida (VEIGA-NETO, 2003).

Os professores, no entanto, encontram dificuldades em tornar a cultura

eixo central do currículo escolar, bem como de desenvolver práticas

pedagógicas multiculturais (MOREIRA; CANDAU, 2003). A maioria dos

profissionais da educação não sabe trabalhar com a diversidade cultural e,

quando se deparam com esta realidade em sala de aula, começa a indagar:

Como lidar com essa criança tão “estranha”, que apresenta

tantos problemas, que tem hábitos e costumes tão “diferentes”

dos da criança “bem educada”? Como “adaptá-la” às normas,

condutas e valores vigentes? Como ensinar a estas crianças os

conteúdos dos livros didáticos? (MOREIRA; CANDAU, 2003, p.

156).

Estas indagações demonstram o preconceito existente nas salas de

aula, pois os educadores, mediante esta forma de pensar, dificultam o ensino e

aprendizagem das crianças que têm hábitos diferentes dos convencionais, ou

seja, hábitos diferentes dos costumes da sociedade elitista. De acordo com

Moreira e Candau (2003), os professores encontram dificuldades em tudo,

como se a cultura definisse o nível de inteligência e capacidade dos sujeitos.

Dentro das escolas tudo ganha rótulos, pois estes ambientes procuram

hierarquizar, rotular como capazes ou menos capazes, com problemas ou não

de aprendizagem, inteligente e acelerado ou lento e desacelerado, normais ou

deficientes. Com essa visão e hierarquização, os profissionais da educação

acabam construindo um currículo para poucos e essa mesma construção serve

de justificativa para classificações excludentes. Essa visão precisa ser

3 “Desnaturalização é um método de desconstrução de ideias que acreditamos serem naturais.

Este método é utilizado por autores como Foucault, Guattari e Deleuze, e possui como objetivo entender os processos pelos quais algumas categorias são criadas pelo pensamento humano. Estas categorias, que são criadas sócio-historicamente, ganham autonomia e passam a ser vistas, equivocadamente, como „verdades naturais‟” (PINTO, 2011, p. 117).

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repensada, pois toda a mente humana tem a capacidade de aprender

(ARROYO, 2008).

É fundamental a desconstrução dessa visão mercantilizada dos

profissionais da educação e dos currículos. Entretanto, existe outra imagem

presente e determinante da docência e da administração escolar que deve ser

desconstruída. É a forma como veem os alunos: as escolas não conseguem

vê-los como iguais perante aos saberes e as capacidades de aprender. Essa

visão marcada pela desigualdade dos alunos diante do conhecimento é uma

marca da cultura escolar (ARROYO, 2008).

Percebe-se que há na escola um grande desafio antes ausente no

espaço escolar. Hoje reconhecemos a existência de grupos sociais e culturais

diferenciados, tornando o universo escolar multicultural. Moreira e Candau

(2003) declaram que as escolas não se deram conta das demandas

provocadas pelos processos de globalização econômica e cultural que

intensificaram a multiculturalidade da sociedade contemporânea. Estas

mudanças que ocorrem no cotidiano colocam para a educação escolar novos

desafios. Contudo, estes desafios ainda não foram devidamente explorados,

aprofundados e equacionados. Há uma necessidade de desconstrução de uma

série de elementos da cultura escolar para uma reconstrução de um ambiente

escolar que se preocupa com o sujeito na sua totalidade e diversidade.

É preciso que os profissionais da educação construam e desenvolvam

currículos autônomos, coletivos e criativos, de forma a possibilitar um ambiente

escolar sem rotina, sem repetição, tornando-o um espaço de reflexão,

criatividade, heterogeneidade, defendendo os interesses dos menos

favorecidos, favorecendo a multiplicidade de forma de vida e, ao mesmo

tempo, levando a todos uma escolarização em comum. Outrossim, é preciso

desenvolver estratégias pedagógicas que abordem a diversidade e a

pluralidade cultural no currículo escolar, pois um currículo monocultural provoca

distinção e rotulação dos indivíduos, contribuindo para uma ambiente de

tensões e conflitos. Por isso a importância de uma pedagogia com base na

justiça curricular, pois produz menos desigualdade nas relações sociais

interligadas ao sistema educacional (MOREIRA; CANDAU, 2003).

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De acordo com Connell (apud MOREIRA; CANDAU, 2003. p. 157), “se

os currículos continuarem a produzir e a preservar divisões e diferenças,

reforçando a situação de opressão de alguns indivíduos e grupos, todos,

mesmo os membros dos grupos privilegiados, acabarão por sofrer”. É preciso a

construção de um currículo sem preconceito, discriminação e opressão.

A teoria pós-crítica de currículo multiculturalista reconhece a existência

de uma multiplicidade de culturas em nossas sociedades. Ao analisarmos as

conexões entre currículo e multiculturalismo, no entanto, precisamos estar

atentos às várias matizes que o multiculturalismo apresenta, dentre elas o

multiculturalismo liberal e o multiculturalismo crítico. Segundo Silva (2009), o

multiculturalismo liberal enfatiza um currículo “baseado nas ideias de

tolerância, respeito e convivência harmoniosa entre as culturas” (p. 88). Para o

multiculturalismo crítico, no entanto, estas noções de tolerância e convivência

são insuficientes, pois deixam intactas as relações de poder que estão na base

da produção das desigualdades sociais. De acordo com Silva (2009), “apesar

de seu impulso aparentemente generoso, a ideia de tolerância, por exemplo,

implica certa superioridade por parte de quem mostra tolerância” (p. 88). Sendo

assim, do ponto de vista do multiculturalismo crítico, a tolerância não faria as

desigualdades e injustiças sociais serem desconstruídas e modificadas,

estariam, sim, sendo “sendo constantemente produzidas e reproduzidas

através de relações de poder. As diferenças não devem ser, simplesmente,

toleradas” (p. 88). E acrescenta ainda:

Um currículo inspirado nessa concepção [do multiculturalismo

crítico] não se limitaria, pois, a ensinar tolerância e o respeito,

por mais desejável que isso possa parecer, mas insistiria, em

vez disso, numa análise dos processos pelos quais as

diferenças são produzidas através de relações de assimetria e

desigualdade. Num currículo multiculturalista crítico, a

diferença, mais do que tolerada ou respeitada, é colocada

permanentemente em questão (SILVA, 2009, p. 88-89).

Esta nova construção curricular requer dos profissionais da educação

uma postura diferenciada, com novos saberes, novos objetivos, conteúdos,

estratégias e novas formas de avaliação. Logo, será necessário que o

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professorado esteja disposto a capacitar-se para reformular o currículo e a

prática docente baseados nas perspectivas, necessidades e identidades de

classes e grupos subalternizados. (MOREIRA; CANDAU, 2003).

Para desconstruir e reconstruir um novo currículo escolar deve-se levar

em conta as novas identidades, os processos que estão sendo definidos, as

diversidades não só culturais, mas também de gênero e economia. Desta

forma espera-se que este novo currículo não permita a exclusão, classificação,

a discriminação e o preconceito entre as culturas.

Segundo Moreira e Candau (2003) a escola é o lugar onde se

concentram os diferentes, portanto, tem uma função séria, inescapável, por ser

um espaço privilegiado de encontros com a diversidade cultural. No entanto, a

cultura escolar põe em funcionamento dispositivos que tratam todos da mesma

forma, normatizando. Segundo Rocha (2001), a escola objetiva normatizar o

indivíduo mediante a subjetividade burguesa. Essa normatização ainda está

muito presente no cotidiano escolar na atualidade e é um dos fatores que

promove a indisciplina entre os alunos.

Podemos afirmar que, para o cumprimento da prática normativa, a

cultura escolar e o currículo são formados a partir de práticas disciplinares,

tendo como aliada a vigilância, ainda que disfarçada. Desta forma, há um

determinado controle sob os alunos, pois estes estão sempre sobre vigilância.

Conforme Tragtenberg (1986), as escolas são fundadas na vigilância, o que

significa que os discentes são mantidos sob um olhar direcionado que limita,

registra, contabiliza todas as observações a respeito do aluno.

As normas pedagógicas têm o poder de marcar, salientar os

desvios, reforçando a imagem de alunos tidos como

„problemáticos‟, estigmatizados como „negrão‟, „o índio‟, o

„maloqueiro‟ ou morador da „favela‟. A escola, ao dividir os

alunos e o saber em séries, graus, salienta as diferenças,

recompensando os que se sujeitam aos movimentos regulares

impostos pelo sistema escolar. Os que não aceitam a

passagem hierárquica de uma série a outra são punidos com a

„retenção‟ ou a „exclusão‟ (TRAGTENBERG, 1986, p. 1).

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De acordo com Guirado (1996), o poder exercido sobre o outro, é como

uma força maior, capaz de construir ou destruir, mas que, na maioria das

vezes, oprime, cria obstáculo, restrições e paralisa. No entanto, há outras

práticas existentes nas escolas que reforçam a vigilância e a punição: são as

observações e registros em boletins individualizados, os portfólios dos alunos,

a avaliação. Estes mecanismos geram estereótipos, classificação e, por vezes,

a punição em forma de repetência. As escolas, segundo Tragtenberg (1986),

são centros de discriminações, pois reforçam tendências que existem no outro

lado do muro da escola, “o mundo de fora”. O modelo pedagógico objetiva, na

sua construção, efetuar a vigilância constante, sendo que estas vigilâncias e

punições não têm intuito de trabalhar o aluno ou „recuperar‟, mas demarcá-los,

expô-los, ridicularizá-los, diferenciando-os dos chamados “normais”. Desta

forma, a escola expõem os que não se adéquam às normas escolares,

estereotipando de desordeiro ou pré-disposto à loucura e à criminalidade.

O modelo pedagógico de nossas escolas está bastante permeado pelo

poder disciplinar, tal qual o conceituou Foucault (1999a). Trata-se de um poder

que não está subordinado a instâncias econômicas, não é uma coisa, nem é

natural, não se encontra localizado no Estado nem em lugar nenhum, não

possui um titular e não se sabe ao certo quem o detém. O poder é uma prática

social historicamente construída, e “só existe em ação” (FOUCAULT, 1999b, p.

175), pois é uma relação de forças, uma prática, é algo que se exerce, que

funciona. Ele não age diretamente sobre as pessoas, mas sobre as ações que

as mesmas exercem (FOUCAULT, 1989). Esse poder está situado no corpo

social, penetra na vida cotidiana das pessoas e possui procedimentos técnicos

em um nível de micropoderes “que realizam um controle detalhado, minucioso

do corpo – gestos, atitudes, comportamentos, hábitos, discursos” (MACHADO,

1999, p. XII). Funciona como uma espécie de rede de dispositivos ou

mecanismos dos quais ninguém escapa, pois não há exterior possível a ele –

está disseminado por toda estrutura social, se exercendo como uma

multiplicidade de relações de forças.

Para Foucault (1999a) o poder não está em lugar nenhum, e sim na

relação entre as pessoas, e ele se exerce através das práticas. O poder deve

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ser considerado também por sua positividade, por sua capacidade de gerir a

vida das pessoas de forma a controlá-las, aperfeiçoando, gradual e

continuamente, suas potencialidades, extraindo das pessoas, ao mesmo

tempo, uma rentabilidade econômica máxima, através do aumento da

capacidade para o trabalho, e uma força política mínima, diminuindo a

capacidade de revolta.

Foucault (1999a) fala de uma relação específica de poder sobre os homens

que incide sobre seus corpos de forma minuciosa, através de uma tecnologia própria

de controle: a disciplina ou o poder disciplinar.

Pouco a pouco – mas principalmente depois de 1762 – o

espaço escolar se desdobra; a classe torna-se homogênea, ela

agora só se compõe de elementos individuais que vêm se

colocar uns ao lado dos outros sob olhares do mestre. A

ordenação por fileiras, no século XVIII, começa a definir a

grande forma de repartição dos indivíduos na ordem escolar:

filas de alunos na sala, nos corredores, nos pátios; colocação

atribuída a cada um em relação a cada tarefa e cada prova;

colocação que ele obtém de semana em semana, de mês em

mês, de ano em ano; alinhamento das classes de idade umas

depois das outras; sucessão de assuntos ensinados, das

questões tratadas segundo uma ordem de dificuldade

crescente. E nesse conjunto de alinhamentos obrigatórios,

cada aluno segundo sua idade, seus desempenhos, seu

comportamento, ocupa ora uma fila, ora outra; ele se desloca o

tempo todo numa série de casas; umas ideais, que marcam

uma hierarquia do saber ou das capacidades, outras devendo

traduzir materialmente no espaço da classe ou do colégio essa

repartição de valores ou dos méritos. [...]. Organizou uma nova

economia do tempo de aprendizagem. Fez funcionar o espaço

escolar como uma máquina de ensinar, mas também de vigiar,

de hierarquizar, de recompensar (FOUCAULT, 1999a, p. 126).

Pode-se dizer que o poder disciplinar, ao mesmo tempo em que fabrica

indivíduos, impondo-lhes uma visibilidade que os transforma em instrumentos de seu

exercício, se exerce através de sua invisibilidade produzindo subjetividades. A

disciplina comporta uma série de instrumentos, de técnicas, de procedimentos e de

níveis de aplicação, exercendo-se como uma modalidade de poder que não se

identifica com uma instituição ou um aparelho específico, e sim com:

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[...] o conjunto das minúsculas invenções técnicas que

permitiram fazer crescer a extensão útil das multiplicidades

fazendo diminuir os inconvenientes do poder que, justamente

para torná-las úteis, deve regê-las (FOUCAULT, 1999a, p.

181).

O poder disciplinar distribui os indivíduos no espaço, criando espaços

complexos que são simultaneamente arquiteturais, funcionais e hierárquicos, já que

eles fixam e fazem circular, segmentam e fazem ligações, marcam lugares e indicam

valores (FOUCAULT, 1999a). Esses espaços transformam multidões confusas em

multiplicidades organizadas, constituindo-se tanto como uma técnica de poder, ao

gerar uma organização, quanto um processo de saber, ao possibilitar a produção de

instrumentos para melhor percorrê-lo.

A disciplina pune através de micropenalidades perpétuas do tempo, da

atividade, do comportamento, dos discursos, do corpo, da sexualidade; torna

penalizáveis as frações mais ínfimas da conduta, através de penas que são da

ordem do exercício, corretivas, que têm que ser muitas vezes repetidas, tendo

também um caráter de gratificação-sanção. Essas micropenalidades perpétuas

operam uma diferenciação dos indivíduos, avaliando-os através de uma

suposta verdade:

A penalidade perpétua que atravessa todos os pontos e

controla todos os instantes das instituições disciplinares

compara, diferencia, hierarquiza, homogeneiza, exclui. Em uma

palavra, ela normaliza (FOUCAULT, 1999a, p. 153 - grifo no

original).

Para que o poder disciplinar se exerça, no entanto, dois elementos lhe

são indispensáveis: que aquele sobre o qual as relações de força se exercem

seja não apenas reconhecido, mas também mantido como sujeito agente; e

que haja uma abertura às relações de poder em termos de possibilidade de

respostas, ações e reações.

O exercício do poder é um conjunto de ações sobre ações

possíveis; ele opera sobre o campo de possibilidade onde vai

se inscrever o comportamento dos sujeitos agentes: ele incita,

induz, seduz, facilita ou dificulta, amplia ou restringe, torna

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mais ou menos provável; no limite ele vai coagir ou impedir

totalmente; mas vai ser, como sempre, um modo de agir sobre

um ou mais sujeitos agentes, se eles agirem ou forem levados

a agir. Uma ação sobre ações (FOUCAULT, 1989, p. 14).

Foucault (1989) ressalta, como uma forma de investigar as relações de

poder, colocar em evidência as resistências que, de certo modo, agem como

catalisadores, possibilitando “ver onde elas [relações de poder] se inscrevem,

descobrir seus pontos de incidência e os métodos que utiliza” (FOUCAULT,

1989, p. 04), analisá-las a partir de seus afrontamentos e não de sua

racionalidade interna.

A condição permanente para a existência das relações de poder está,

justamente, na possibilidade de resistência, na insubmissão, implicando

estratégias de luta, sendo sempre possível modificar uma dominação do poder

(FOUCAULT, 1989).

Com base em Foucault, Guirado (2005), afirma que “o poder em sua

forma modelarmente disciplinar, gera indisciplina” (p. 68). Isto quer dizer que

tudo que se depreende do conceito, a rede de relações disciplinares faculta a

indisciplina. Portanto, a indisciplina na educação é constituída no processo de

disciplinarização (GUIRADO, 1996). O olhar hierarquizado do poder, bem como

suas normas e pressupostos precisam ser desconstruídos.

Nota-se que a indisciplina não é descontextualizada, e este

comportamento é uma forma de manifestação, resistência à normatização.

Consequentemente esta distinção causa exclusão, que gera a indisciplina,

mecanismo que, para muitos docentes, é uma transgressão às normas, um

comportamento em desacordo com as regras presentes na escola, mas que,

na realidade, pode ser compreendida como uma forma de resistência e

manifesto por parte dos alunos.

A cultura engessada, predominante nas escolas, é pouco permeável ao

contexto dos universos culturais das crianças e jovens que nela estão

inseridos. É de um padrão cultural único, elitizado, machista e com forte

conotação judaico-cristã, além de eurocêntrico (VEIGA-NETO, 2003). A escola

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não garante a democracia, nem condições de igualdade de acesso e

permanência no ambiente escolar. Consequentemente, essa distinção causa

exclusão, que gera a indisciplina. Rocha (2001) enfatiza que tanto a indisciplina

quando a violência são desestabilizadoras, sendo consideradas nos tempos

atuais como os principais obstáculos que dificultam o processo de ensino e

aprendizagem na escola. Além disso, são os problemas contemporâneos que

mais estressam os professores, por encontrarem dificuldades em lidar com a

indisciplina.

A dificuldade encontrada pelos docentes em lidar com os alunos em sala

de aula os faz adoecer (ROCHA, 2001). Esta questão vem se destacando na

literatura educacional, em diversos países, como um dos temas que mais

inquietam os educadores, além de ser o fator principal que afeta o ambiente de

ensino-aprendizagem (GARCIA, 2009).

As indisciplinas são caracterizadas pelo grau de mau comportamento,

desrespeito às figuras de autoridade, bagunça, tumulto, falta de limites, aluno

fora da sala de aula ou sem atenção, e até mesmo pela violência, que é vista

por Marisa Rocha (2001) como uma extrapolação da indisciplina causando

dano físico ou moral. Essas desorganizações em sala de aula deixam o

professor com sensação de impotência, causando-lhe adoecimento físico,

psicológico, o que causa desestímulo ao profissional da educação (ROCHA,

2001).

De acordo com Machado (2005), a escola desconsidera o processo de

produção do fenômeno analisado, naturalizando o que é produzido

historicamente e individualizando o que é da ordem do coletivo. Isso faz com

que os educadores não tenham espaço para discutir os casos presentes em

sala de aula nas reuniões dos professores, deixando com que os docentes

sintam-se sozinhos em uma situação delicada, sem apoio de colegas com que

possam compartilhar suas dificuldades. Esta falta de parceria aumenta a

angústia do professor.

Diante dos diversos problemas encontrados pelos educadores nas

escolas, tais como salas de aula cheias, crianças irrequietas e barulhentas,

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falta de material didático, ausência de estimulo salarial, falta de preparo para

agir em situações inesperadas, além da falta de apoio da escola, os mesmos

acabam por adoecer. Pode-se perceber quando um professor começa a

adoecer através do seu desestímulo em sala de aula, estresse, apatia,

dificultando a relação professor- aluno, provocando nos discentes alterações de

comportamentos como agressividade, agitação, dificuldade de aprendizado,

dentre outros.

Segundo Machado (2005) o que também tem chamado atenção

frequentemente na instituição escolar e que pode interferir no bom

desenvolvimento emocional do discente, é a inclusão que acaba por vezes

excluindo. Há professores que defendem ações democráticas, inclusivas, mas

que, na prática cotidiana, revelam um abismo perigoso entre os discursos e as

ações, promovendo, na verdade, uma inclusão excludente. Desta forma há

uma separação que intensifica processo de subjetivação nos quais passamos a

naturalizar a segregação (MACHADO, 2005).

Segundo Moreira e Candau (2003), “a escola sempre teve dificuldade

em lidar com a pluralidade. Tende a silenciá-la e neutralizá-la. Sente-se mais

confortável com a homogeneização e a padronização” (p.161). Esta instituição

está convocada a enfrentar o grande desafio de abrir espaços à diversidade, à

diferença e ao cruzamento de culturas. Logo, os professores precisam ser

preparados para enfrentar o desafio provocado pelo multiculturalismo presente

na escola e na sociedade de forma a superar o daltonismo cultural (MOREIRA;

CANDAU, 2003).

CONCLUSÃO

Para Arroyo (2008) uma forma de repensar e reestruturar o currículo é o

trabalho e o planejamento coletivo, importantes para a construção de

parâmetros de ação profissional. Há necessidade de desconstruir o currículo

engessado, pois os discentes não são apenas uma produção da escola, tão

pouco do currículo, da docência ou da administração. São pessoas que

chegam à escola com identidades de classe, raça, etnia, gênero, território, por

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isso, o ordenamento curricular não deve ser neutro, e sim constituído por essa

pluralidade de imagens sociais como um conjunto de construção e seleção de

conhecimentos e práticas produzidas em contextos concretos e em dinâmicas

sociais, políticas e culturais, assim como intelectuais e pedagógicas.

Juntamente com o desafio para a desconstrução de práticas escolares

naturalizadas, vem a necessidade do trabalho coletivo, e da união de forças,

pois não se consegue mudar nada caminhando sozinho. A construção de

práticas multiculturais críticas e não discriminatórias só é possível na

coletividade, na ação conjunta. Desta forma, espera-se um currículo claro,

flexível, que garanta a democracia, o direito e os deveres de cada um. Espera-

se também, a formação de educadores atuantes como agentes sociais e

culturais capazes de formar cidadãos críticos e democráticos (MOREIRA;

CANDAU, 2003).

Para que haja uma mudança curricular positiva, é preciso que os

educadores superem o daltonismo cultural presente na instituição escolar, de

forma que possam aprender a trabalhar com o arco-íris de culturas, valorizando

e levando em conta a riqueza existente nas diferentes culturas presentes no

espaço escolar (MOREIRA; CANDAU, 2003). Para poder desenvolver um

trabalho respeitando o multiculturalismo crítico, é fundamental reconhecer a

existência das diversas culturas, respeitando-as e valorizando-as sem

distinção. Desta forma, acredita-se que os professores serão levados a

desenvolver estratégias pedagógicas pluriculturais.

Em concordância com Moreira e Candau (2003) salientamos que não

basta apenas formular currículo multicultural, é necessário desenvolver um

olhar sensível e humano. É fundamental que os educadores façam uma

releitura da própria visão de educação. Reconstruir um currículo é buscar

práticas mais consistentes com a garantia do direito à educação, à formação e

ao desenvolvimento humano.

Nos currículos atuais há as múltiplas aprendizagens dadas nas escolas,

entretanto há também o não aprendizado, por serem ignoradas, não

valorizadas ou até mesmo negadas pela cultura escolar as práticas

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multiculturais. É necessário flexionar o currículo formal – que determina a

prática pedagógica concreta e de caráter limitado – ao currículo real, em que

constam todas as aprendizagens que os discentes fazem no contexto escolar,

ultrapassando o currículo escrito e mostrando a necessidade de ampliar o

significado da cultura escolar (CANDAU, 2000). Desta forma nas instituições

escolares não haverá espaço só para o racional, para a produção intelectual.

Haverá espaço também para a interação, o dinamismo e para o brincar,

diminuindo a necessidade dos discentes em transcender as normas para saciar

as suas necessidades, pois o currículo contemplará uma pedagogia integrada

na ludicidade, no respeito as diversidade culturais.

Estes objetivos não podem estar dissociadas do currículo. Precisam

estar profundamente articulados com as propostas curriculares. Segundo

Moreira e Candau (2003), o trabalho educacional deve ser maior do que apagar

incêndios: tem de ser um trabalho de construção.

É fundamental desnaturalizar práticas de caráter monocultural e

construir uma sociedade e uma educação democráticas, construídas na

articulação entre igualdade e diferença, na perspectiva do multiculturalismo

emancipatório (MOREIRA; CANDAU, 2003), no intuito de tornar a educação

escolar cada vez melhor valorizando e reconhecendo o próximo como sujeito

de direito em sua singularidade e identidade. Esse objetivo só será alcançado

se a escola for um ambiente acolhedor, de qualidade, de aconchego, de

diversidade, capaz de reconhecer igualmente o direito de cada um, de forma a

valorizar as diferenças, afastando deste ambiente a desigualdade e garantindo

a todos o direito de aprender.

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