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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN 1808-8716 Marchiori. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017;2(gt1):1-13 Como se Governa o Clima na Cidade de São Paulo? A construção de um problema sócio-técnico GT – 01 – Mudanças climáticas, ciência, tecnologia e Sociedade na América Latina Ricardo A. Marchiori Resumo: As mudanças climática usualmente são tratadas como um fenômeno global que exige uma resposta coordenada por parte da comunidade internacional, através de arenas e acordos multilaterais. Contudo, desde a ratificação do protocolo de Kyoto em 2005 vêm ganhando tração nos últimos anos a emergência de novos atores subnacionais e largas redes de cooperação internacional ligando cidades do Norte e do Sul global. Este trabalho visa observar como se dá a Política Municipal de Mudança do Clima do Município de São Paulo, de quais formas e por quais conexões uma problemática é traduzida num contexto local e como seus elementos são constituídos. Utilizando a teoria do ator-rede procura-se entender a cidade como uma complexidade socio-técnica e atentar para as maneiras que os atores humanos e não-humanos se constituem nesta política pública e como ocorre a disputa entre adaptação e mitigação. Este estudo se vale da etnometodologia (observação participante) de reuniões do Cômite Municipal para a Mudança do Clima e Ecoeconomia, suas atas, a legislação pertinente e outros materiais de entes estatais e organizações da sociedade civil, sobretudo o Inventário de Emissões de Gases do Efeito Estufa 2009-2011. Palavras Chave: Mudanças Climáticas, Política Municipal de Mudança do Clima, São Paulo, Estudos Sociais da Ciência.

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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN∕ 1808-8716 Marchiori. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017;2(gt1):1-13

Como se Governa o Clima na Cidade de São Paulo?

A construção de um problema sócio-técnico

GT – 01 – Mudanças climáticas, ciência, tecnologia e Sociedade naAmérica Latina

Ricardo A. Marchiori

Resumo: As mudanças climática usualmente são tratadas como um fenômenoglobal que exige uma resposta coordenada por parte da comunidade internacional,através de arenas e acordos multilaterais. Contudo, desde a ratificação doprotocolo de Kyoto em 2005 vêm ganhando tração nos últimos anos a emergênciade novos atores subnacionais e largas redes de cooperação internacional ligandocidades do Norte e do Sul global. Este trabalho visa observar como se dá a PolíticaMunicipal de Mudança do Clima do Município de São Paulo, de quais formas e porquais conexões uma problemática é traduzida num contexto local e como seuselementos são constituídos. Utilizando a teoria do ator-rede procura-se entender acidade como uma complexidade socio-técnica e atentar para as maneiras que osatores humanos e não-humanos se constituem nesta política pública e como ocorrea disputa entre adaptação e mitigação. Este estudo se vale da etnometodologia(observação participante) de reuniões do Cômite Municipal para a Mudança doClima e Ecoeconomia, suas atas, a legislação pertinente e outros materiais deentes estatais e organizações da sociedade civil, sobretudo o Inventário deEmissões de Gases do Efeito Estufa 2009-2011.

Palavras Chave: Mudanças Climáticas, Política Municipal de Mudança do Clima,São Paulo, Estudos Sociais da Ciência.

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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN 1808-8716∕ Marchiori. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017;2(gt1):1-13

Critical proximity, not critical distance, is what we should aim for.

Bruno Latour

Critical proximity, not critical distance, is what we should aim for.

Bruno Latour

Introdução: cidades e mudanças climáticas

Em aceleração contínua desde os anos 1970 (cf. p.ex. Relatório Brundtland,

MEADOWS, 1972) a preocupação com a estabilidade do sistema terrestre têm mobilizado

ativistas, políticos, cientistas, pesquisadores, movimentos sociais, artistas e agências

multilaterais construídas para regular a globalização.

Desde o início, o enquadramento dado ao problema se configurou como um problema

global de solução multilateral, garantindo-se a soberania dos Estados nacionais e a

centralidade da produção de conhecimento científico como orientador da ação política. Criada

multilateralmente dentro do Sistema ONU em 1988 a Plataforma Intergovernamental sobre

Mudanças Climáticas (IPCC) é o primeiro caso de um grupo de cientistas encarregados de

elaborar um conhecimento global e abrangente com a finalidade de subsidiar decisões

políticas no âmbito da Convenção-Quadro para as Mudanças Climáticas, com pretensões de

autoridade (HULME, 2012). Esta é uma organização científica que reúne cientistas de alto

nível ligados a organizações e governos e que produz relatórios de diagnóstico globais sobre o

sistema climático terrestre, os cenários futuros e as alternativas de adaptação e mitigação às

mudanças climáticas. O painel é majoritariamente composto de cientistas naturais e utiliza

modelagem computacional e possui como principal eixo de análise a influência do gás

carbônico no sistema terrestre, apontando para sua origem antropogênica1.

1 “Ao longo de seus 4,6 bilhões de anos, a Terra passou por diferentes ciclos naturais que alternavamaquecimento e resfriamento, o que levou alguns a pensarem que poderíamos estar passando somente por umdesses ciclos de calor. As mudanças observadas nos últimos 150 anos, entretanto, sugerem que esse padrão

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Por mudanças climáticas entende-se como emissões de gases do efeito estufa (GEE)

que alteram a composição atmosférica, por sua vez alterando as condições climáticas. O

principal desafio que esse cenário oferece está baseado na incerteza acerca das previsões

sobre as tendências do sistema climático (VENTURINI, 2009) e a natureza multi-escalar do

fenômeno, no qual GEE são emitidos localmente mas influenciam processos globais, que

reincidem sobre dinâmicas locais, gravemente erodindo a capacidade dos Estados de proteger

seus cidadãos e realizar um planejamento de longo prazo.

Assinado em 2015, o Acordo de Paris2 segue a lógica das conclusões do IPCC sobre a

necessidade de se reduzir as emissões dos GEE e a lógica multilateral de delegar a cada país

que apresentem metas nacionais de redução (national determined contributions - NDCs)

considerando as emissões nacionais como um todo. Contudo, vem ganhando tração nas

últimas duas décadas uma situação curiosa, o envolvimento de governos subnacionais

(estados, províncias, municípios e outras unidades administrativas) nas iniciativas de redução

de emissões de GEE (mitigação) e adaptação aos impactos locais das mudanças climáticas,

tais como aumento do nível do mar, tempestades mais fortes e secas, entre outros.

Políticas urbanas de mudança do clima mobilizaram comunidades de políticas e de

pesquisa a partir do meio dos anos 90, compondo um quadro diverso de estudos de caso,

sobretudo do Norte global. Mas é a partir de 2005, com a ratificação do protocolo de Kyoto,

que cresce a atenção dada às cidades e iniciativas do Sul global, aumentando também o

número de programas e projetos implementados nessas metrópoles (BULKELEY, 2010).

Apesar da fatia específica de emissões originadas nas cidades ser largamente

contestada, elas são indiscutivelmente os locais de concentração da maior parte da população

terrestre, grandes consumidoras de energia, recursos e em constante expansão através da

construção civil e ocupação irregular de terras, o que aponta também para a questão do

aumento das vulnerabilidades e exacerbação de desigualdades sociais que as alterações

ambientais trazem, o que será discutido adiante.

Este artigo busca analisar as características da emergência das cidades com espaço de

governança do clima, buscando explorar como as cidades são conceitualizadas dentro de um

está sendo perturbado por fatores externos – as atividades humanas” (OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2009).2 Não se entrará aqui na controvérsia recente da retórica do presidente norteamericano Donald Trump queafirma que os EUA sairão do Acordo, algo que se colocado em prático poderá levar até 4 anos.

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problema tido como simultaneamente global e local, especificamente observando o caso do

município de São Paulo e suas respostas às mudanças climáticas, sobretudo sua Política

Municipal de Mudança do Clima, sancionada em 2009.

São Paulo: mitigação

Caracterizado pela intensidade e dinamismo, o processo de desenvolvimento da cidade

de São Paulo teve ao longo do século XX uma das transições rural-urbano mais aceleradas do

mundo, com pouco mais de pouco mais de 31 mil habitantes em 1872, viu sua população se

multiplicar sete vezes até a virada do século e tornou-se a principal metrópole do país e da

América do Sul na segunda metade do século XX. Conta, atualmente, segundo o Censo

demográfico do IBGE, com mais de 11 milhões habitantes (SÃO PAULO, 2012).

Respondendo por 13% do PIB nacional, não é difícil compreender como diversos

atores sociais disputam a necessidade do município de responder ao problema global e se

inserir em redes transnacionais de municipalidades. Antecedendo a Rio 92 redes de cidades se

formaram, financiadas por agências da ONU e fundações privadas e, desde os anos 2000, uma

segunda onda passou a incluir cidades mais diversas geográfica e economicamente. A maior

delas, com certa mil filiados, é a ICLEI (International Council for Local Enviromental

Iniatives, agora ICLEI - Local Governments for Sustainability), que procura fornecer planos

municipais e ferramentas para a redução de emissões de GEE. São Paulo se filiou em 1993.

A ICLEI, junto com outras organizações da sociedade civil organizada como a Rede

Nossa São Paulo e o Observatório do Clima influenciaram a elaboração e aprovação da Lei

Municipal 14.933 de 5 de Julho 2009. O texto da lei se coloca como um “conjunto de

instrumentos para incorporar a dimensão ambiental, social e climática no processo de

planejamento e implementação de políticas públicas”, promovendo a cooperação com todas as

esferas de governo, organizações multilaterais, organizações não-governamentais, empresas,

institutos de pesquisa e demais atores relevantes para a implementação desta política e o

estímulo à participação pública e privada nas discussões nacionais e internacionais de

relevância sobre o tema das mudanças climáticas, visando o objetivo exposto em seu Título II:

“Art. 4º. A Política Municipal de Mudança do Clima tem por objetivo

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assegurar a contribuição do Município de São Paulo no cumprimento dos

propósitos da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do

Clima, de alcançar a estabilização das concentrações de gases de efeito

estufa na atmosfera em um nível que impeça uma interferência antrópica

perigosa no sistema climático, em prazo suficiente a permitir aos

ecossistemas uma adaptação natural à mudança do clima e a assegurar que a

produção de alimentos não seja ameaçada e a permitir que o

desenvolvimento econômico prossiga de maneira sustentável.”

As maiores diretrizes da legislação dizem respeito à uma meta de redução de emissões

de 30% para o ano de 2012 (que não foi alcançada), focando nos setores de energia (sobretudo

transportes), resíduos sólidos, construção, uso do solo e saúde ambiental. A redução será

estipulada sobre um inventário de emissões elaborado a cada 5 anos e a política é

acompanhada pelo Comitê de Mudança do Clima e Ecoeconomia, que reúne diversas

secretarias municipais, do Estado de São Paulo, sindicatos e entidades patronais e ONGs da

sociedade civil.

O Cômite de Mudança do Clima

Reunindo-se mensalmente desde 2009, com um hiato em 2013, coordenado pela

Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente (SVMA) o Comitê é presidido pelo

Secretário(a) Municipal do Verde e Meio Ambiente e configura-se como uma arena consultiva

na qual diversos níveis da administração pública, da sociedade civil e do setor privado podem

coordenar esforços (e disputar) os rumos da política municipal, procurando efetivar o caráter

transversal previsto na legislação, indo além de uma regulamentação no âmbito da SVMA.

A análise das atas do comitê e a observação participante da composição atual deste

órgão colegiado (que tomou posse em 2017) permite observar a prevalência de algumas

temáticas, sobretudo discussões no setor de transportes3 e a necessidade da elaboração de um

novo inventário de emissões, conforme previsto na lei, uma vez que o último cobriu os anos

3 Nas palavras do Secretário do Verde e Meio Ambiente: "nós com o transporte é um casamento. Introduzimos isso na licitação dos ônibus, para discutir a matriz do combustível".

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de 2003 a 2009, publicado em 2013. Em uma fala de uma representante do governo do Estado

foi afirmado que "o inventário mostra o comprometimento do governo com aquela política"

A redução de emissões de gases do efeito estufa, grafada no inciso XIII do artigo 2º

considera como mitigação a “ação humana para reduzir as fontes ou ampliar os sumidouros de

gases de efeito estufa”. Os debates versam portanto sobre a mensuração, a publicização e o

subsídio desses cálculos para a tomada de decisões políticas, incluindo a alteração da meta de

redução prevista na lei (e já ultrapassada).

Fica evidente como o debate municipal emula as discussões em fóruns internacionais,

como a Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (UNFCCC),

trazendo para o município a mesma concepção linear de elaboração de políticas públicas na

qual o conhecimento científico antecede e subsidia a tomada de decisão4. Discutiu-se muito a

metodologia a ser adotada no inventário de 2017, uma vez que a padronização da metodologia

inicial foi construída pelo IPCC para casos nacionais que não era adequado para municípios e

outras unidades subnacionais, sendo realizadas adaptações e, consequentemente, se tornando

incomparável entre diversas metrópoles. Tendo em vista a adesão de diversos municípios ao

redor do mundo foi feito um esforço a partir da ICLEI e outras redes, para se estabelecer uma

metodologia para municípios, o Global Protocol for Community-Scale Greenhouse Gas

Emission Inventories (GPC). Ademais, muito se discutiu o papel da SVMA no processo,

visando criar capacidade nesta burocracia estatal para que ela possa dar continuidade ao

processo, atualizar e analisar seus resultados.

A controvérsia ao redor da mensuração e padronização é, claramente, uma

controvérsia sociotécnica que suscita as questões: como uma problemática considerada como

global é reconstruída num âmbito, a primeira vista, local e quais atores agem sobre esse

processo? Pensa-se aqui não somente nos atores sociais e políticos que compõem o comitê

mas a entidade que possui papel central na política municipal: o CO2.

Regionalizar os cálculos de emissão de carbono a nível municipal permite compreender

melhor como os processos de intervenção em sistemas sócio-técnicos são constituídos no

nível urbano (BULKELEY, BROTO e EDWARDS, 2015) bem como atentar para mudanças

4 Na fala da representante do ICLEI no Comitê “ Inventário fornece uma meta que permite a construção de umplano de mitigação”

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na formação da autoridade de atores governamentais e privados.“Socio-technical regimes are

regarded as stable configurations of social and technical components, which rely on a set of

formal rules and informal conventions to align the interests of different actors and existing

technological possibilities” (Elzen et al. 2004 pOLHAR). A principal contribuição deste

enfoque analitico é refletir a falta de comando centralizado e de objetivos previamente

especificados em sistemas que agregam instituições e sistemas técnicos, como infra-estrutura.

Tal agregado pode ser interpretado como um organismo ciborgue (Gandy, 2005)

É possível também acompanhar como as narrativas sobre as mudanças climáticas

viajam do global para o local sem estabelecer uma hierarquia entre estes níveis, realizando

estudos de caso rejeitando a noção de que intervenções e políticas são situadas “localmente”,

tolhidas por um contexto maior, global.

Bruno Latour em sua obra Reassembling the Social (2005) propõe uma “sociologia das

associações” que evita tomar como ponto de partida ou princípio explicativo noções como

Estrutura, Contexto e Quadro Conceitual (framework). Colocar o município como um

“contexto local” que está “dentro” de um estrutura, seja a estrutura administrativa do Estado

federativo e das relações internacionais nos obriga a realizar um salto sem realizar os custos

de transação envolvidos na ação, isso é, fugir de responder a questão de por quais conduítes e

veículos o local está emaranhado no global, e como ele se constrói?

Ao invés de organizar os distintos fenômenos e objetos em uma hierarquia pré-

disposta, Latour propõe partir de uma topografia plana na qual todos os atores podem se

conectar e influenciar uns aos outros, mas pagando os custos de tal movimento. “Agência”,

“translação” e “fluido” são conceitos de sua Teoria do Ator-Rede (ANT) que permite não

designar o que se está mapeando, mas como é possível mapear e conectar tal território:

“Macro no longer describes a wider or a larger site in which the micro

would be embedded like some Russian Matryoshka doll, but another equally

local, equally micro place, which is connected to many others through some

medium transporting specific types of trace. No place can be said to be

bigger than any other place, but some can be said to benefit from far safer

connections with many more places other” (LATOUR, 2005, pp.176)

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O que se tem são “veículos”, carregando tipos de documentos, inscrições e materiais,

trafegando por algum tipo de conduíte. Nesse enfoque, a sociedade é algo que não pode existir

sem ser produzida, agregada, coletada e mantida. Esta sociologia das associações procura o

que está no horizonte, a sociedade como uma tarefa a ser realizada e não algo que está atrás,

estável, a ser definida de antemão e definitivamente.

O global nesta topografia plana não possui existência concreta exceto quando trazido

por pequenos conduítes a seus diversos palcos e arenas e a escala não depende de um tamanho

absoluto mas no número e na qualidade das conexões e das articulações entre actantes, sejam

eles atores humanos ou não-humanos, pois o que deve ser reagregado aqui são os tradicionais

elementos de natureza e sociedade que, através dos mediadores, dos objetos que circulam em

redes e dos actantes, não se assemelham nem com fatos científicos nem com atores sociais

(op. cit; pp.255).

Esses insights permitem perceber a mobilização de agentes que o poder público

municipal e outros participantes fazem através do Comitê, que procura, através de uma central

de cálculo5, mensurar e trazer para dentro de seu espaço de discussão noções como emissão de

CO2 de maneira a conectar esses atores numa narrativa estável, a de que o aquecimento

global se define pela emissão antropogênica de GEE e cuja resolução depende da mitigação

destas emissões. E isto trará consequências na noção de qual sociedade se está construindo.

Adaptação

A Lei 14.933 define adaptação como o primeiro conceito na lista de definições de seu

Art. 2º: “conjunto de iniciativas e estratégias que permitem a adaptação, nos sistemas naturais

ou criados pelos homens, a um novo ambiente, em resposta à mudança do clima atual ou

esperada”. Esta seção discutirá brevemente a controvérsia entre adaptação e mitigação que se

5 Cf. LATOUR, 1998. Pp 335.

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desenrola tanto no Comitê quanto em diversas arenas e locais permeadas pela controvérsia das

mudanças climáticas.

Segundo Nobre (2011), geralmente, o modo como as áreas urbanas se desenvolvem

geram significativas transformações no clima local, através de intervenções desconexas com

intensa verticalização, compactação e impermeabilização do solo, supressão de vegetação e

cursos d'água. Por sua vez as, alterações climáticas e eventos extremos cada vez mais

frequentes exigem que os modelos computacionais desenvolvidos pelo IPCC e outros

institutos de pesquisas se localizem, levando em consideração dinâmicas em escalas menores

que a global e nacional e que mostrem em detalhes suas vulnerabilidades às mudanças

climáticas, além de estudos observacionais que relacionem eventos que estão ocorrendo aqui

como sendo de fato consequências do aquecimento global (OBSERVATÓRIO DO CLIMA,

2009).

Um relatório publicado em 2015, Adaptação às Mudanças Climáticas: cenários e

alternativas, supre essa lacuna ao apresentar tendências em diversos setores da economia

nacional como energia e produção agrícola, bem como nosso interesse aqui, o da infra-

estrutura urbana, tendo como horizonte o ano de 2040.

Vale a pena seguir, ainda que sucintamente, o rastro do relatório, que merece uma

pesquisa própria mas resume-se que ele foi encomendado, com apoio do Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da

Presidência que comissionou e agiu como ponto focal de uma ampla rede de instituições de

pesquisa e governo, sobretudo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE.

Infelizmente, o documento não gerou impacto pois foi publicado na mesma época em que a

Secretaria foi extinta, na primeira reforma ministerial do segundo mandato de Dilma (porém,

recriada em 2017). O relatório, contudo, continua disponível na página da Secretaria, que

segue no ar.

O relatório de infra-estrutura urbana se baseia em estudos hidrológicos para simular

cenários futuros e apontar grandes lacunas de conhecimento que, por sua vez, argumenta-se

que impede de subsidiar a tomada de decisão por parte do Poder Público, apresentando que

“são necessários equipamentos meteorológicos, elaboração de modelos hidrológicos,

realização de medições contínuas para obtenção de séries históricas, entre outras ações, uma

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vez que as escalas dos modelos climáticos não são compatíveis com as escalas urbanas e as

aproximações ainda não possibilitam precisar o número de eventos futuros.” (SEA,

PRODUTO 4, p.21)

Este breve exemplo de um relatório de alta complexidade que reuniu poderosas

ferramentas de cálculo difere um pouco do objetivo da Política Municipal de Mudança do

Clima, de mensurar e mitigar carbono, apontando para os riscos e incertezas que as mudanças

climáticas trazem:

“O crescimento acelerado da população urbana brasileira nas últimas décadas

gerou um quadro de expansão urbana desordenada com infraestrutura

precária e degradação ambiental, sobretudo na periferia das grandes cidades

[...] isto acontece em razão de dificuldades socioeconômicas, desencadeando

uma expansão irregular da periferia, com pouca ou nenhuma obediência à

regulamentação urbana, presente em normas específicas de ocupação do

solo, incluindo frequentemente a ocupação de áreas públicas por populações

de baixa renda.” (SEA, PRODUTO 4, pp22)

Este relatório aponta portanto para a vulnerabilidade de vastos contingentes

populacionais que ficam em segundo plano na controvérsia da mensuração das emissões e isto

é recorrente: as autoras Vanessa Bróto e Harriet Bulkeley construíram um banco de dados

com 100 cidades distribuídas no Norte e Sul global que mapeia que apenas 12% dos

programas voltados às mudanças climáticas tratam de adaptação, ecoando a idéia de

“sociedade de risco” de Ulrich Beck (2010), na qual o aumento da incerteza caminha ao lado

do aumento do abandono dos segmentos mais vulneráveis da população.

Conclusão

Além do aquecimento global e seus efeitos correlatos, emergiu nas duas últimas

décadas um entendimento de que as mudanças ecológicas em curso possuem uma escala que

vai além do clima, alterando nossa percepção da relação com o meio-ambiente, constituindo-

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se numa nova era geológica que as ciências terrestres batizaram de Antropoceno, na qual as

atividades humanas (sobretudo econômicas e de extração) representam a maior força

geológica de impacto no sistema Terrestre (Steffen et al, 2011).

Grandes desafios políticos, epistemológicos e ontológicos estão aqui reunidos num

momento histórico crucial e cuja ação é imperativa, contudo, a separação entre ciência e

sociedade e a concepção linear que ela acarreta, de geração de conhecimento científico para

subsídio de decisões políticas pode estar apontando para uma agenda global que usa a

produção de conhecimento científico para acomodar, neutralizar e procrastinar a tomada de

decisões importantes (ARSEL e BUSCHEL, 2014).

De todo modo, a pulverização e fragmentação da autoridade política insta diversos

atores governamentais, não-governamentais e privados a disputar os sentidos dessa narrativa e

criar novas formas de autoridade, financiamento e posicionamentos morais (BULKELEY,

BROTO e EDWARDS, 2010), fazendo emergir diversos experimentos e propostas políticas

para lidar com as mudanças ambientais. Por um lado, seus desdobramentos regionais podem

auxiliar nos esforços de mitigação e adaptação às mudanças ambientais através de ganhos

pequenos e incrementais (HULME, 2015, p. 11 ) mas o que se percebeu na breve discussão

sobre a cidade de São Paulo é que o discurso técnico sobrepõe as demais dimensões da

mudança em curso e define de antemão quais os atores sociais aptos a sentar na mesa de

negociação - as populações indígenas residentes em terras demarcadas no município, por

exemplo, sequer são consideradas como parte da controvérsia.

O debate passa, assim, ao largo de discussões sobre modos de vida e nossa relação

com o planeta, focando no papel da cidade apenas como locus de emissão de gases do efeito

estufa, sem levar em consideração a dimensão da adaptação e da resiliência, em suma, da

justiça climática:

“O aumento da resiliência pode ser alcançado através de medidas mais gerais

relativas à melhoria da qualidade de vida, aumento do acesso a recursos e seguro

de vida; mas também inclui medidas mais especificas que permitam que a

população se recupere das perdas ou, ainda, se previna delas. Em geral, esforços

para melhorar a capacidade de recuperação da população (em relação às perdas)

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são mais frequentemente adotados através de políticas públicas com intervenções

que envolvem a esfera nacional” (NOBRE, 2011).

BIBLIOGRAFIA

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