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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN 1808-8716 Fukushima. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 3(gt13):1-13 Violência e cotidiano: a produção de cartazes como denúncia e resistência GT 13 - Tecnologia e mediações Kando Fukushima

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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN∕ 1808-8716 Fukushima. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 3(gt13):1-13

Violência e cotidiano: a produção de cartazescomo denúncia e resistência

GT 13 - Tecnologia e mediaçõesKando Fukushima

VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN∕ 1808-8716 Fukushima. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 3(gt13):1-13

Introdução

O presente artigo apresenta e discute alguns cartazes que foram fotografados em Curitiba-PR e

São Paulo-SP, durante os meses de março e outubro de 2016. Fazem parte de uma coleção de

imagens registradas para uma pesquisa de doutorado em andamento, que aborda a produção

desse tipo de material gráfico, enfocando especialmente aqueles cujas temáticas estão ligadas

com problemas sociais e políticos.

Os cartazes a seguir possuem em comum o fato de que circulam em espaços irregulares, tais

como telefones públicos e postes, e abordam alguns aspectos dos fenômenos da violência. Os

exemplos representam denúncias de eventos específicos, assim como sugerem o problema em

situações que envolvem o Estado.

O viés teórico é fundamentado principalmente pelo conceito de "produção do espaço" e do "direito

à cidade" de Henri Lefebvre, que estão relacionados com o uso, acesso e ocupação do espaço

urbano, e considerando as "mediações" como processos culturais e comunicativos que constituem

o campo social, que incluem a experiência e a interação, como discutido por Jesús Martín-

Barbero.

Disputando nossa atenção junto com a publicidade tradicional e a propaganda de Estado, os sons

e odores da cidade, o tráfego de carros e pessoas, pretende-se evidenciar alguns desses

materiais gráficos que denunciam ou instigam a reflexão acerca desse tema central do cotidiano.

Ao nos remetermos à ideia de uso do "espaço irregular" para a colocação de comunicação visual,

é preciso estipular a noção de "espaço regular": aqueles que são organizados e administrados

através de projetos urbanísticos, envolvem a participação e interesses de grandes empresas e em

última instância são de fato normatizados por leis municipais, que, por exemplo, proíbem a

colocação de cartazes em postes ou estipulam as regras de comercialização de suportes de

publicidade. Dentre outros motivos, existe a demanda por propostas que regularizem a utilização

da paisagem urbana e que abordem o problema da poluição visual.

Os usos dos espaços irregulares evidenciam outras demandas relacionadas às questões da

comunicação na paisagem urbana, de forma mais democrática e participativa. Essa produção

comumente aborda temas sociais, ligados com problemas do cotidiano, além de abranger uma

grande quantidade de peças gráficas de publicidade de pequenos comércios e serviços.

Ainda que um olhar atento possa questionar a pertinência do anúncio de um serviço de astrologia

em um telefone público (figura 01), é também difícil de argumentar que as leis que regulam a

paisagem urbana estejam interessadas em soluções que priorizem o interesse público ou que

evitem a poluição urbana quando, por exemplo, interrompem uma calçada arborizada com uma

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estrutura cuja única função é de suporte para publicidade (figura 02), neste caso exigindo

um alto custo para seu anunciante1, proibitivo para a maior parte dos empreendimentos

locais.

Figura 01 – Cartaz “Astróloga”. Fonte: Foto do autor, 2016.

1 Segundo a tabela da empresa Clear Channel Brasil, que comercializa a utilização desse tipo desuporte em Curitiba, em 2016 o custo da mídia por uma semana em 200 faces (quantidade mínima),era de R$ 162.500,00, sem incluir o custo de produção/impressão (CLEARCHANNEL, 2016).

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Figura 02 – Suporte de publicidade em rua arborizada. Fonte: Foto do autor, 2017.

A produção do espaço e o direito à cidade

Henri Lefebvre propõe uma reflexão sobre o cotidiano que vai influir diretamente em

sua investigação sobre o espaço. Para o autor, essa dimensão imediata e específica

do cotidiano, na maioria das vezes, mantém uma relação dialética com outras

categorias mais amplas, dos processos sociais gerais e ligadas ao Estado, que

incorpora as instituições e as ideologias. Em sua proposta, o foco é a tomada de

decisão de forma democrática radical, não apenas para alguns momentos

relacionados com a organização estatal hegemônica. Dessa maneira, no cotidiano

podemos observar na vida do citadino “os ritmos, suas ocupações, organização

espaço-temporal, sua cultura clandestina, sua vida subterrânea” (LEFEBVRE, 1969,

p.60).

Sua reflexão sobre o direito à cidade, não é restrita aos aspectos legais do cidadão,

embora os inclua. Ele se refere a um direito que é inerente aos habitantes, aos

envolvidos diretamente com a produção do espaço, dos que circulam, produzem,

vivem na cidade. O direito à cidade é também um direito à produção do espaço

(DUARTE, 2015). Não se trata da aplicação de uma "ciência do espaço", como no

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planejamento urbano, mas como conhecimento de uma produção, da atividade

produtora das coisas, das relações sociais. Trata-se de aproximar-se do espaço

"vivido", vinculado à prática social. Recusa a ideia de abordar o "espaço" como algo

puro, neutro, mas o entende como processo, político, social e econômico. Nesse

contexto, as necessidades da sociedade urbana não estão prescritas, mas se

revelam em sua emergência. Em outras palavras, pensar nas mudanças e

organização do espaço urbano possui centralidade em suas reflexões sobre a

sociedade, suas contradições e desafios.

Os projetos urbanos, como os mencionados anteriormente em relação aos suportes

de publicidade, podem ser analisados pela crítica Lefebvriana. Para o autor, esses

projetos não são pautados pela decisão técnica, mas utiliza este argumento como

artifício, o “mito da tecnocracia”:

Por esta razón acuso a los tecnócratas, no por ser tecnócratas, sino por sertodo lo contrario, por imponer, bajo el mito de la tecnocracia, el mínimo detécnica. (…) Pues se nos ofrece estrictamente lo mínimo y, en contrapartida,se nos somete a un poderoso sistema de opresiones y de normas,elaboradas no por razones técnicas, sino financieras, y por especialistasque obedecen los imperativos del mínimo coste de producción: esto es loque el público debe aceptar bajo el tinte de la tecnocracia, bajo la coberturadel mito de la tecnocracia. (LEFEBVRE, 1978, p.208)

Segundo Mark Purcell (2002), o “direito à cidade” de Lefebvre envolve fundamentalmente

dois aspectos para os habitantes da cidade, ambos importantes para a reflexão da presente

pesquisa. Primeiramente, o direito à apropriação, relacionado com o uso, acesso e

ocupação do espaço. O outro aspecto fundamental é o direito à participação, de forma que

os habitantes devem ter papel central na tomada de decisão no espaço urbano. Ambos as

questões estão relacionadas: envolvem a tomada de decisão, o uso dos espaços de forma a

atender os interesses dos habitantes. Podemos afirmar por esse viés que a produção do

espaço deve atender a possibilidade de seu uso de forma democrática ampla.

A ideia de "produção do espaço" não se limita aos aspectos que cercam "as coisas no

espaço" (LEFEBVRE, 1991, p.37), pois o espaço é sempre presente, uma totalidade. A

“produção” e “produto” desse espaço são dimensões inseparáveis na análise crítica das

mediações.

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Um conceito de mediações

Henri Lefebvre nos textos mencionados apontam para a relação entre o espaço e o social,

indissociáveis. A complexidade desse tipo de relação também é apontada e discutida na

obra de Martín-Barbero (2001, 2004), embora com uma outra perspectiva. As mediações na

abordagem deste autor trata das relações dialéticas e assimétricas entre as aspectos

históricos, sociais e tecnológicos, enfatizando, nos exemplos mais recentes discutidos em

sua obra, as questões ligadas principalmente à comunicação popular e de massa e seus

meios (televisão, cinema, rádio, literatura, etc.) na América Latina.

Na investigação sobre a comunicação de massa, sem dispensar a noção de hegemonia,

defende que é necessário realizá-la estabelecendo relações com o cotidiano, pois "havia

grandes mediações que vinham de formatos históricos, de matrizes culturais (MARTÍN-

BARBERO apud MOURA, 2009, p.13)" e não apenas pelo seu viés econômico ou em

termos de ideologia.

A "inversão de sentidos" como processo que aponta uma a passagem dos dispositivos de

submissão para os de consenso dentro da lógica de dominação hegemônica está

relacionada diretamente com a discussão da paisagem urbana: do que é desejável e como é

percebido, a maneira como o discurso hegemônico está presente para "encobrir diferenças

e reconciliar gostos" (MARTÍN-BARBERO, 2001, p.181), legitimando ou recriminando os

usos do espaço público. Assim, a produção cultural popular, em suas diversas

possibilidades, não estão necessariamente ligadas a um espaço de “resistência”, como em

uma abordagem reducionista e idealizada, e nem tampouco de “inferioridade”.

Para o autor, as mediações estão colocadas em um contexto entrelaçado de submissões e

resistências, impugnações e cumplicidades diante das relações de poder, como uma trama

(MARTÍN-BARBERO, 2001,p.278).

Em relação às "novas tecnologias", por exemplo, escreve:

dizer sim ou não às tecnologias é dizer sim ou não ao desenvolvimento,porque as questões deslocam o problema das tecnologias em si mesmaspara o modelo de produção que implicam, seus modos de acesso, aquisiçãoe emprego; deslocamento de sua incidência em abstrato sobre osprocessos de imposição, deformação e dependência que trazem consigoou, numa palavra, de dominação, mas também de resistência,refuncionalização e redefinição (idem, grifo do autor, p.265).

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A partir desse viés, entende-se as mediações entre os sujeitos e seu espaço como

processos dinâmicos, abordando as configurações materiais como parte da dimensão

simbólica e social do cotidiano. Entende-se que os cartazes a serem apresentados abordam

as questões que permeiam o dia-a-dia, particularmente o problema da violência, sob a

perspectiva da tensão entre o discurso hegemônico e ações de contestação. A comunicação

visual registrada nas ruas possuem o potencial de resistência, mencionado por Martín-

Barbero, são práticas de comunicação e apropriação, articuladas com as relações de poder

da cidade.

Cartazes sobre a Violência

Dentre os diversos temas que fazem parte de nosso cotidiano, a violência pode ser

considerada uma das mais constantes. Uma das consequências sociais dessa situação é a

naturalização desse problema, apesar de possuir implicações na saúde pública, no

desenvolvimento econômico e na própria dinâmica geográfica.

No Brasil, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2017), para os jovens

entre 15 e 29 anos, o homicídio é a causa da morte para quase metade dos casos (47,8%) e

a cada 100 mortes por homicídio, em 71 as vítimas são negras, evidenciando o aspecto de

discriminação racial presente no tema, uma vez que a incidência é sempre maior em

qualquer região ou classe social.

Embora o documento do IPEA (2017) esteja focado em vítimas fatais, sobre a violência

contra as mulheres, o relatório destaca que em inúmeros casos, antes da vítima chegar ao

desfecho fatal, as mesmas são vítimas de violência psicológica, patrimonial, física ou sexual.

Nas duas cidades onde foram feitos os registros fotográficos, a taxa de Mortes Violentas por

Causa Indeterminada (MVCI) e taxa de homicídios por 100 mil habitantes são altos, apesar

de estarem nas regiões menos violentas do país (Sul e Sudeste): em Curitiba - PR, 32 (27,6

homicídios e 4,4 MVCI) e em São Paulo - SP, 17,3 (13,2 homicídios e 4 MVCI).

Diante desse contexto, problematizar a violência na produção gráfica de contestação é algo

recorrente, dando destaque a aspectos alarmantes sobre o assunto.

Violência policial e a questão racial

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O cartaz da figura 03 apresenta dados sobre o tema da violência e sua relação com as

forças de segurança do Estado e também questões raciais. O registro foi realizado em

outubro de 2016, na Rua Dr. Faivre em Curitiba.

A imagem central, com traços simplificados, ilustra rapidamente o tema a ser tratado: um

braço branco aponta uma arma na cabeça de um negro. Na arma lemos as letras "PM"

referindo-se à policia militar. Acima, o título do cartaz: "Contra a conduta racista e genocida

das forças policiais".

Figura 03 – Cartaz "Contra a conduta racista e genocida das forças policiais", Curitiba-PR.Fonte: Foto do autor, 2016.

O cartaz exige uma apreciação mais lenta para observar suas informações, que em alguma

medida explicam e justificam o conteúdo da imagem. Próximo de um ponto de ônibus, o

leitor do encontrará um texto alarmante que apontam dados, especialmente sobre os

desdobramentos violentos de uma sociedade profundamente racista. Nele lemos:

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Segundo o Mapa da Violência realizado pelo Centro Brasileiro de EstudosLatino-americanos, os negros correspondem a mais de 70% das vítimas dehomicídio do país; 55% da população admite que a morte de um jovemnegro choca menos que a de um jovem branco e 65% dos policiaisadmitem que dão prioridade em abordagens para os pretos e pardos.Infelizmente, este tipo de conduta não ocorre de forma isolada, ela faz parteda rotina policial. Segundo o relatório realizado pela Anistia Internacional, asforças policiais brasileiras são as que mais matam no mundo, sendoresponsável por mais de 55 mil mortes em 2014.

O cartaz é assinado pelo grupo "A Outra Campanha" (AOC), que indica a página virtual do

grupo na rede social digital "Facebook" (facebook/aocparana). Os assuntos abordados pelo

grupo estão alinhados com uma perspectiva crítica de temas diversos de nosso cotidiano,

voltados à mobilização política, como os relacionados com a questão da moradia, violência

contra a mulher, entre outros que “não cabem nas urnas”.

A cartilha do grupo deixa explícita esse posicionamento:

Uma política feita desde baixo, por todos e todas que sentem diariamente asdores de se viver numa realidade de injustiça, dominação, miséria ediscriminação, mas também de esperança e força de vontade para mudardesde agora as condições que nos cercam e as relações que nos tocam(AOC, 2016, p.3).

A "campanha" nos remete aos momentos de campanha política das eleições, mas é

primeiramente uma referência ao “La Outra Campaña”, organização política criada em 2005

e ligada aos movimentos zapatistas no México, ressaltando a origem latino-americana de

ambos os grupos.

Punks e Skinheads em Curitiba

Os cartazes encontrados nos suportes irregulares, são geralmente claros em seus

conteúdos, anunciando um evento, conclamando a mobilização social, denunciando uma

injustiça. O exemplo da Figura 04, por outro lado, possui uma abordagem mais restritiva,

cujo significado exige o conhecimento de um fato específico e é tema sensível a grupo

específico.

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Figura 04 - Cartaz "Lagarto vive!", Curitiba-PR. Fonte: Foto do autor, 2016.

O cartaz foi colado em uma caixa de força no centro de Curitiba, na Rua XV de Novembro.

Nele lemos "Lagarto vive!", junto com uma figura em alto contraste de um jovem com um

lenço no rosto e símbolos pouco conhecidos desenhados no canto superior esquerdo. Trata-

se de uma referência a um jovem assassinado em 17 de março de 2013, Cezar Roberto da

Silva Filho, o "Lagarto". Segundo notícias veiculadas na época2, o rapaz era um punk que foi

abordado por 10 skinheads, evidenciando o aspecto mais violento do embate entre os dois

grupos. Embora o registro do cartaz tenha sido feito em março de 2016, ele rememora o

crime, especificamente, e os conflitos violentos entre jovens da capital paranaense de

maneira geral.

Um aviso na Avenida Paulista

Em meio aos grandes bancos, consulados, museus e lojas da Avenida Paulista, com

milhares de transeuntes apressados circulando, um poste é estampado por um pequeno

cartaz, sem nenhuma ilustração, e uma mensagem escrita com uma tipografia que imita o

estêncil, que nos remete aos textos encontrados em veículos militares e materiais gráficos

do exército.

2 Um exemplo de notícia pode ser encontrado em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/punk-e-assassinado-por-grupo-de-skinheads-no-centro-de-curitiba-b0sayrvm0px aotkdyrwxp0h1q>. Acesso em 26 de agosto de 2017.

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Figura 05 - Cartaz "A cada 11 minutos uma pessoa é estuprada no Brasil!", São Paulo - SP. Fonte: Foto do autor, 2016.

Este é o único cartaz dessa pequena seleção que não se refere às vítimas fatais da

violência no Brasil. A mensagem no entanto é igualmente preocupante: “a cada 11 minutos

uma pessoa é estuprada no Brasil! A preocupação é majoritária entre as mulheres”. Uma

caminhada em sua pequena extensão, de menos de 3 km, exige um tempo maior do que o

indicado pelo dado divulgado.

A peça gráfica não é assinada por nenhuma entidade, mas em sua base encontra-se a fonte

da informação, o “9o Anuário Brasileiro de Segurança Pública”. Diferentemente do cartaz

sobre a violência policial (figura 03), onde aponta-se apenas as entidades que realizaram

pesquisas sobre o tema, este indica uma publicação específica. O anuário é produzido pelo

Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2015) e seu sítio eletrônico disponibiliza o

documento mencionado. Esse dado só considera os casos onde houve o registro policial,

sendo que o relatório (FBSP, 2015, p.116) aponta para números muito piores, algo próximo

de um caso por minuto.

Esse exemplo também destaca a característica de gênero presente no problema, ao apontar

a predominância de mulheres como vítimas desse tipo de crime. O mesmo relatório aponta

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que 90% das mulheres que vivem em grandes cidades temem ser vítimas de violência

sexual, evidenciando ainda mais a urgência da ampliação de debates e ações políticas

sobre o tema.

Considerações

Entende-se que as apropriações desses espaços, a produção desses materiais, sua

circulação e consumo nas cidades podem ser discutidos pelo viés das mediações culturais.

Nesse sentido, tanto Lefebvre quanto Martín-Barbero trazem contribuições importantes à

reflexão, ainda que com categorias, ênfases e interpretações diferentes. Ambos, porém,

discutem as tensões do discurso hegemônico e da tecnologia no cotidiano, da importância

das práticas de resistência e das materialidades ao abordarem o contexto social.

Os exemplos de cartazes colocados em suportes irregulares demonstram a demanda por

um uso mais democrático do espaço público e dão visibilidade para temas importantes, tais

como a violência. Apresentam comumente perspectivas contestatórias que ampliam o

horizonte de interpretações sobre os conflitos sociais e pode contribuir nas reflexões acerca

das formas de uso e apropriação da paisagem urbana e fomentar o debate sobre esses

temas.

Assim, entende-se que essa produção de cartazes, sua circulação e recepção, faz parte da

trama de discursos, de resistências e cumplicidades, uma das expressões das ações

políticas em nosso cotidiano.

Referências

AOC, 2016. Cartilha da “A outra Campanha”. Disponível em<https://organizacaopopular.wordpress.com/outra-campanha/>Acesso em 20 de agosto de2017.

DUARTE, Marise Costa de Souza. O direito à cidade e o direito às cidades sustentáveis noBrasil: o direito à produção e fruição do espaço e o enfrentamento do déficit deimplementação. Revista de Filosofia do direito, do espado e da sociedade, FIDES, Natal,v.6 , n. 1, jan./jun. 2015. Natal: 2015.

FBSP, 2015. 9o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Disponível em <http://www.forumseguranca.org.br/publicacoes/9o-anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/>. Acesso em 20 de agosto de 2017.

IPEA, 2017. Atlas da Violência 2017. Disponível em <http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/>Acesso em 26 de agosto de 2017.

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MOURA, Mariluce. As formas mestiças da mídia. Entrevista com Jésus Martín-Barbero.Revista da FAPESP. no 163, setembro de 2009. São Paulo: Fapesp, 2009. p.10-15.

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Acesso em 09 de outubro de 2016.

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