coesão e coerência

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Coesão e Coerência Na maioria das vezes, sentimo-nos despreparados quando estamos diante de uma folha de papel em branco no propósito de fazer uma redação, não é mesmo? As ideias não fluem, o tempo passa muito rapidamente, e quando percebemos... se foi o tempo e não atingimos o objetivo almejado. Então, é possível se familiarizar mais com a escrita lembrando-se da palavra texto. Ela, assim como muitas outras, origina-se do latim “textum”, que significa tecer, entrelaçar ideias, opiniões e pensamentos. Mas existe uma fórmula mágica para se construir um bom texto? A resposta é simples. Basta lembrarmos que toda escrita requer praticidade, conhecimento prévio do assunto abordado, e, sobretudo, técnicas , que constituem a performance de todo texto bem elaborado. Para que um texto fique claro, objetivo e interessante, ele precisa realçar beleza, para que sua estética seja vista de maneira plausível. Fazendo parte dessa estética estão os elementos que participam da construção textual; entre eles, a coesão e a coerência. A coesão nada mais é que a ligação harmoniosa entre os parágrafos, fazendo com que fiquem ajustados entre si, mantendo uma relação de significância. Para melhor entender como isso se processa, imagine um texto sobrecarregado de palavras que se repetem do início ao fim. Então, para evitar que isso aconteça, existem termos que substituem a ideia apresentada, evitando, assim, a repetição. Falamos das conjunções, dos pronomes, dos advérbios e outros. Como exemplo, verifique: A magia das palavras é enorme, pois elas expressam a força do pensamento. As mesmas têm o poder de transformar e de conscientizar. Podemos perceber que as expressões: elas e as mesmas referem-se ao termo - “palavras”. Quando falamos sobre coerência, nos referimos à lógica interna de um texto, isto é, o assunto abordado tem que se manter intacto, sem que haja distorções, facilitando, assim, o entendimento da mensagem. Estes são apenas alguns dos requisitos para a elaboração de um texto, e estas técnicas vão sendo apreendidas à medida que nos tornamos escritores assíduos. Por Vânia Maria Do Nascimento Duarte Textos Escolhidos DO LEITOR Ler um livro é desinteressar-se a gente deste mundo comum e objetivo para viver noutro mundo. A janela iluminada noite adentro isola o

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Coesão e Coerência

Na maioria das vezes, sentimo-nos despreparados quando estamos diante de uma folha de papel em branco no propósito de fazer uma redação, não é mesmo?

As ideias não fluem, o tempo passa muito rapidamente, e quando percebemos... Lá se foi o tempo e não atingimos o objetivo almejado.Então, é possível se familiarizar mais com a escrita lembrando-se da palavra texto. Ela, assim como muitas outras, origina-se do latim “textum”, que significa tecer, entrelaçar ideias, opiniões e pensamentos.

Mas existe uma fórmula mágica para se construir um bom texto?A resposta é simples. Basta lembrarmos que toda escrita requer praticidade, conhecimento prévio do assunto abordado, e, sobretudo, técnicas, que constituem a performance de todo texto bem elaborado.

Para que um texto fique claro, objetivo e interessante, ele precisa realçar beleza, para que sua estética seja vista de maneira plausível.Fazendo parte dessa estética estão os elementos que participam da construção textual; entre eles, a coesão e a coerência.

A coesão nada mais é que a ligação harmoniosa entre os parágrafos, fazendo com que fiquem ajustados entre si, mantendo uma relação de significância.

Para melhor entender como isso se processa, imagine um texto sobrecarregado de palavras que se repetem do início ao fim. Então, para evitar que isso aconteça, existem termos que substituem a ideia apresentada, evitando, assim, a repetição. Falamos das conjunções, dos pronomes, dos advérbios e outros. Como exemplo, verifique:

A magia das palavras é enorme, pois elas expressam a força do pensamento. As mesmas têm o poder de transformar e de conscientizar. 

Podemos perceber que as expressões: elas e as mesmas referem-se ao termo - “palavras”.

Quando falamos sobre coerência, nos referimos à lógica interna de um texto, isto é, o assunto abordado tem que se manter intacto, sem que haja distorções, facilitando, assim, o entendimento da mensagem.Estes são apenas alguns dos requisitos para a elaboração de um texto, e estas técnicas vão sendo apreendidas à medida que nos tornamos escritores assíduos.

Por Vânia Maria Do Nascimento Duarte

Textos Escolhidos

DO LEITOR

Ler um livro é desinteressar-se a gente deste mundo comum e objetivo para viver noutro mundo. A janela

iluminada noite adentro isola o leitor da realidade da rua, que é o sumidouro da vida subjetiva. Árvores

ramalham. De vez em quando passam passos. Lá no alto estrelas teimosas namoram inutilmente a janela

iluminada. O homem, prisioneiro do círculo claro da lâmpada, apenas ligado a este mundo pela fatalidade

vegetativa do seu corpo, está suspenso no ponto ideal de uma outra dimensão, além do tempo e do espaço.

No tapete voador só há lugar para dois passageiros: Leitor e autor.

Os rumores do momento não conseguem despertar o sonâmbulo encantado, a caminhar sem vacilações

sobre o fio invisível da fantasia. Descobriu, pela mão do autor, outro mundo, sublimado e depurado, e

dentro dele alguém gritou: terra! terra! Volveu a si mesmo.1

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O leitor ingênuo é simplesmente ator. Quero dizer que, num folhetim ou num romance policial, procura o

reflexo dos seus sentimentos imediatos, identificando-se logo com o protagonista ou herói do romance.

Isto, aliás, se dá mais ou menos com qualquer leitor, diante de qualquer livro; de modo geral, nós nos

lemos através dos livros.

Mas no leitor ingênuo, essa lei dos reflexos toma a forma de um desinteresse pelo livro como obra de arte.

Pouco importa a impressão literária, o sabor do estilo, a voz do autor. Quer divertir-se, esquecer as

pequenas misérias da vida, vivendo outras vidas desencadeadas pelo bovarismo da leitura. E tem razão.

Há dentro dele uma floração de virtualidades recalcadas que, não encontrando desimpedido o caminho

estreito da ação, tentam fugir pela estrada larga do sonho. No fundo, o João mais resignado pensa como

os seus demônios: ou César, ou nada!

A leitura, nesse caso, será um anestésico dos complexos de humilhação e parece dizer, como o nosso

poeta.:

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz.2

No leitor ingênuo, é mais acentuada a dissociação entre realidade e fantasia. O mundo presente, complexo

de sensações importunas, mal consegue romper o círculo da sua concentração. A posição incômoda na

cadeira, o peso do livro, todos os tropeços que estorvam a abstração da leitura, não sacodem o distraído

nem despertam o dorminhoco. Está roncando o seu lindo sonho

O tipo representativo do leitor ingênuo é o devorador de romances que salta capítulos inteiros para chegar

ao fim e saber de uma vez qual foi o prêmio do herói, se o moço casou com a moça e o dedo de Deus

castigou o mau. De tal modo se identificou com o herói, passando a viver da sua existência sublime, que

deseja saber o seu destino como quem quer desvendar o próprio futuro. Ele, simples João, é o conde de

Monte-Cristo. Agigantado, corre nas suas veias outro sangue, mais generoso. Enquadra na grande

aventura as suas desventuras. Os olhos ávidos, arrastados linha a linha, página a página, pelo galope da

fantasia, estão dizendo: esta é a verdadeira vida, a outra não passa de um pesadelo. Inconscientemente,

repete o gesto simbólico de Rubião em Quincas Borba - com uma coroa de brisa, ele próprio se coroa rei.

A imaginação, velha dueña experiente que protege os amores da vida e do sonho, não é aquela "folle du

logis" proverbial. Bem sabe que tudo depende do contrato entre o cinismo e a esperança. Vende ilusões.

Cobra caro, às vezes, mas quem poderá pagar uma ilusão? Quando Alonso Quijano deixou de ler os livros

de cavalaria andante, amargou saudades de si mesmo.

E aí está o exemplo clássico da identificação do leitor com a personagem fictícia. Alonso Quijano

enganchou-se à garupa dos cavaleiros andantes e tentou viver as suas leituras. Aos quinze anos, quem já

não foi mosqueteiro de Dumas, perdendo, porém, o penacho aos primeiros desmentidos da realidade?

Relendo, por volta dos quarenta, os romances devorados na adolescência, quando o mundo é enorme e

parece inesgotável a disponibilidade da fantasia, compreendemos a importância da educação sentimental

contida nos livros de ficção.

O que predominava no leitor monstruoso que já fomos um dia, era a delícia de criar, acima da realidade,

um ambiente de refúgio, onde tudo palpitava de uma vida mais intensa. A larva dos desejos, dos incertos

e impuros desejos, vestia as asas do sonho, e abrir o livro era liquidar os cuidados importunos, cortando

qualquer nó de um só golpe, ao simples virar das folhas.

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Tudo isso repetido vezes sem conta e criado o hábito da fuga, é claro que volvíamos a este mundo estreito

com uma vaga saudade do outro, onde não havia sabatinas complicadas nem deveres urgentes para com a

família.

É quase sempre no ginásio, aliás, que a sedução dos primeiros romances começa a exercer seu império

sobre o adolescente. A monotonia mesmo da rotina escolar serve nesse caso de contraste oportuno; de

súbito, no meio da análise lógica, a "Prece" do Guarani, ou qualquer página de grande escritor, destinada

a agitar a imaginação entorpecida, cai sobre o incauto como um doce raio de luz, provoca a fermentação

dos devaneios, e o livro cartonado e sujo, que parecia a bíblia do tédio, abre-se em perspectivas de

mistério e delícia. Começa uma vida nova para o leitor que desabrochou agora mesmo no estudante

bisonho.

Gula das leituras intermináveis, noite adentro, acompanhando a sorte dos heróis com verdadeira angústia,

enquanto os aborrecimentos rondavam a concentração do visionário, sem licença de entrar. Era uma

ebrieza como a outra e deixava, ao passar, um gosto melancólico de cabo de guarda-chuva - a nostalgia de

um paraíso perdido.

Ainda hoje as edições Garnier de capa vermelha me perturbam como velhas fraquezas mal recalcadas.

Não dizer a ninguém, rumino comigo, quanto sonho está enterrado naquelas relíquias, nem o mal que me

fizeram aos quinze anos.

É em vão, por exemplo, que Alencar se reveste de outra roupagem e ressurge sob a cor da folha morta

nesta edição Melhoramentos por sinal bastante melhorada, como feitura gráfica e revisão do texto.

Quando abro o volume, tenho a impressão de retomar o mesmo volume antigo, e apesar da brochura e da

cor, parece que é a mesma capa encarnada que estou sentindo entre as mãos.

Mas o leitor mudou. Apalpa desconfiado o miolo do livro, talvez com medo de não encontrar mais a

ilusão de outros tempos, quando passava horas no ópio literário e vivia, estirado na cama, as aventuras de

Arnaldo Loredo, o sertanejo, ou do altivo Estácio das Minas de prata. Parafraseando o provérbio alemão,

ninguém passa impunentemente à sombra das palmeiras de Alencar.

[...]

Às vezes, tão intenso era o prestígio da ficção, que, entre uma cena comovente apenas imaginada ou lida e

o espetáculo real das misérias humanas, a lágrima não hesitava: escolhia os olhos do leitor. Parece que a

feiúra da realidade, com seus dramas em carne e osso, a estancava logo, por não sei que absurdo mistério

da contradição. No fundo, a piedade hipócrita de um lascivo amador de sensações.

What’s Hecuba to him or he to Hecuba

That he should weep for her?

Eu pergunto e passo: constato apenas o prestígio dos fantasmas e um dos extremos de aberração a que

pode chegar o leitor, espécie de ator potencial, sob a influência do espírito romanesco.

Assim éramos nós então, por não sabermos ler nas entrelinhas. E daquela primeira fase de educação

sentimental, que parecia inevitável como as espinhas, passava quase sempre o jovem monstro para uma

crise de hipercrítica. Devido à necessidade de um restabelecimento de equilíbrio, o excesso engendrava o

excesso contrário. A pouco e pouco os românticos perdiam terreno em proveito dos naturalistas. Dava-se

uma verdadeira subversão de valores na escala da sensibilidade e a fantasia comprazia-se em derrubar os

antigos ídolos. Formava-se muitas vezes, coincidindo com manifestações mórbidas que são do domínio

da psicanálise, um pedantismo da clarividência, tão nocivo como a intemperança imaginosa ou

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sentimental, e talvez mais ingênuo, pois refletia um ressentimento de namorado ainda ferido nas suas

primeiras ilusões.

Proust escreveu páginas admiráveis sobre o encanto da leitura, ao prefaciar a sua tradução de Sesame and

Lilies, V. John Ruskin, Sésame et les Lys, traduction, notes et préface par Marcel Proust, quatrième ed.

Paris, Mercure de France, 1906.

Manuel Bandeira, Libertinagem, 1930.

(À sombra da estante, 1947.)

 

ALVORADA

A alvorada lembra um linho sem mancha,

aparando a orvalhada.

Há musselinas, contas claras de miçanga

entre as folhas frescas do pomar.

Na meia-luz trêmula, qualquer cousa espera.

O jardim ajoelhou, num misticismo doce.

Incensórios de corolas, folhas que fossem

lábios de seiva, murmurando em prece..

No linho puro, sob o altar da alvorada,

é a missa eterna.

Passarinhos, campainhas vivas...

Toda a alvorada religiosa

adora a luz na lenta elevação do sol.

(Coração verde, 1926.)

IRONIA SENTIMENTAL

Coaxar dos sapos, quando a noite é calma,

sem jardins simbolistas, nem repuxos cantantes,

nem rosas místicas na sombra, nem dor em verso...

Coaxar dos sapos, longamente,

quando o céu palpita na moldura da janela,

num mistério doce, num mistério infinito,

e em cada estrela há um lábio, um lábio puro que treme,

e um segredo na luz que palpita, palpita...

QUERÊNCIA

Paisagem longa, na ondulação das coxilhas longas...

Debruns de caponetes...

Longes...

Oh! linhas suaves, como se houvesse

em cada coxilha uma saudade do chão

Page 5: Coesão e Coerência

e alvos capões de nuvens muito brancas

no pampa azul de um infinito azul...

(Coração verde, 1926.)

GAITA

Eu não tinha mais palavras,

vida minha,

palavras de bem-querer;

eu tinha um campo de mágoas,

vida minha,

para colher.

Eu era uma sombra longa,

vida minha,

sem cantigas de embalar;

tu passavas, tu sorrias,

vida minha,

sem me olhar.

Vida minha, tem pena,

tem pena da minha vida!

Eu bem sei que vou passando

como a tua sombra longa;

eu bem sei que vou sonhar

sem colher a tua vida,

vida minha,

sem ter mãos para acenar,

eu bem sei que vais levando

toda, toda a minha vida,

vida minha, e o meu orgulho

não tem voz para chamar.

(Coração verde, 1926.)

LUA BOA

Quando a lua sair nós iremos ao campo

esmagar o capim, passo a passo, bem juntos

como dois namorados que não gostam de falar

quando a lua é mais clara e o coração mais limpo.

Nós mergulharemos na simplicidade,

mão na mão, sonhando as palavras que ficam,

enquanto os maricás noivarem,

calma grave e nupcial, tristeza boa

Page 6: Coesão e Coerência

para a gente saber que vai morrendo,

para provar no lábio um gosto que abençoa.

Quanta doçura virgem de ervas!

Mesmo à noite os trevais têm cheiro azul de manhã,

e o capim o capim esmagado

perfuma os pés que o pisaram, santamente.

(Giraluz, 1928.)

MINUANO

Ao Liberato

Este vento faz pensar no campo, meus amigos,

Este vento vem de longe vem do pampa e do céu.

Olá compadre, levanta a poeira em corrupios,

assobia e zune encanado na aba do chapéu.

Curvo, o chorão arrepia a grenha fofa,

giram na dança de roda as folhas mortas,

chaminés botam fumaça horizontal ao sopro louco

e a vaia fina fura a frincha das portas.

Olá compadre, mais alto mais alto!

As ondas roxas do rio rolando a espuma

batem nas pedras da praia o tapa claro...

Esfarrapadas, nuvens nuvens galopeiam

no céu gelado, altura azul.

Este vento macho é um batismo de orgulho:

quando passa lava a cara enfuna o peito,

varre a cidade onde eu nasci sobre a coxilha.

Não sou daqui, sou lá de fora...

Ouço o meu grito gritar na voz do vento

- Mano Poeta, se enganche na minha garupa!

Comedor de horizontes,

meu compadre andarengo, entra!

Que bem me faz o teu galope de três dias

quando se atufa zunindo na noite gelada...

Ó mano

Minuano

upa upa

na garupa!

Casuarinas cinamonos pinhais

largo lamento gemido imenso, vento!

Minha infância tem a voz do vento virgem:

ele ventava sobre o rancho onde morei.

Page 7: Coesão e Coerência

Todas as vozes numa voz, todas as dores numa dor,

todas as raivas na raiva do meu vento!

Que bem me faz! mais alto compadre!

derruba a casa! me leva junto! eu quero o longe!

não sou daqui, sou lá de fora, ouve o meu grito!

Eu sou o irmão das solidões sem sentido...

Upa upa sobre o pampa e sobre o mar...

(Poemas de Bilu, 1929.)

DISTÂNCIA

Há uma várzea no meu sonho,

Mas não sei onde será...

Em vão, cismando, transponho

Coxilhas enluaradas,

Cristas serrilhadas,

Solidões do Caverá.

Leito do trevo e flechilha,

Várzea azul, da luz da lua,

Verde várzea - onde será?

No ar da tarde flutua

Fino aroma de espinilho

E de flor de maricá.

Era além do azul da serra,

Era sempre noutra terra,

Era do lado de lá...

Em vão, cismando, transponho

Poentes e madrugadas,

Intermináveis estradas

Perdidas ao deus-dará.

Há uma várzea no meu sonho,

Mas não sei onde será.

(Poesias, 1957.)

ELEGIA DE MAIO

Longo, lento, infindável o crepúsculo.

Na larga enseada uma tinta imprecisa

antes do lusco-fusco

insinua-se em tudo, esmaiada.

Corre um brusco arrepio de brisa,

encrespa-se de leve a água vidrada.

Page 8: Coesão e Coerência

Difuso em tudo, o ouro da luz de outono

resiste, como a clara

recordação de um longo dia pára

e ainda hesita, antes da noite e o sono.

Escurecer que é quase amanhecer...

Um não sei quê de claridade escura

diluído em tudo, em tudo arde e perdura:

já é quase noite o longo dia

e a noite espera e sonha: ainda é dia.

Lá no alto, o adeus da tarde que ficou...

É dia ainda, o sol acorda agora

no largo oceano o sono de outra aurora,

mas derrama no seio do meu rio

todo o ouro do dia que passou.

Serena esta luz de ouro em meu outono:

recordação, antes do grande sono...

(Poesias, 1957.)