coesão e coerência/ revisar conectivos

26
7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 1/26 Nilza Carolina Suzin Cercato Comunicação e Expressão Coesão e coerência/ revisar conectivos

Upload: an0malia

Post on 27-Feb-2018

241 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

Page 1: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 1/26

Nilza Carolina Suzin Cercato

Comunicação e Expressão

Coesão e coerência/

revisar conectivos

Page 2: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 2/26

Page 3: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 3/26

Coesão e coerência/revisar conectivos

O mais importante na comunicação é

escutar aquilo que não foi dito.

Peter Drucker 

Vimos, na aula passada, que coesão é a ligação, a relação de nexos que se estabe-lecem entre os elementos que constituem uma superfície textual.

Nesta aula, daremos um passo mais adiante, vamos ver como empregar elemen-

tos de coesão e coerência, reconhecê-los e, principalmente, utilizar os conectivos ne-cessários para que um texto tenha coesão.

Num texto, há coesão quando existe uma conexão entre os períodos, produzindoo sentido do texto. Para alcançar esse patamar de união entre os vários enunciados,existem classes de palavras chamadas de elementos de coesão ou conectivos. São elas:preposições, conjunções, pronomes e advérbios.

Entre elas, destacamos as conjunções, que têm a função de pôr em evidência asrelações entre os enunciados. Os pronomes, por sua vez, podem substituir ou determi-

nar um nome, e os advérbios podem modificar o sentido de um verbo. Esses elemen-tos não são formas vazias que podem ser substituídas entre si, sem nenhuma conse-quência, ao contrário, são formas linguísticas que carregam um significado, trazem acoerência e, para usá-las, fazem-se necessários critérios especiais em seu emprego, taiscomo:

 manter uma estrutura do texto – é o momento de vermos se o texto está orga-nizado, “arrumado”, com começo, meio e fim;

 visualizar o conjunto – uma leitura atenta, verificando se o “todo” do texto faz

sentido;

  observar como se realiza a “liga”, a conexão entre os enunciados – vamosverificar se um período está ligado ao outro e se acontece o mesmo com osparágrafos.

Page 4: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 4/2634

Vamos trabalhar duas modalidades de coesão:

Modalidade 1 – Coesão referencial

Esse tipo de coesão acontece entre elementos do texto que remetem (ou permi-tem recuperar) uma mesma referência, ou um mesmo assunto. Pode ser dividido em:

 Substituição  – ocorre quando se retoma um termo enunciado, usando-se,para isso, um pronome, verbo ou advérbio, deixando de repetir o elemento jácitado.

Ex.: Marcos e Pedro, apesar de serem gêmeos, são muito diferentes. Por exemplo,este é calmo, aquele é explosivo.

Nesse exemplo, temos uma substituição dos nomes dos gêmeos: “este” refere-se aPedro e “aquele” refere-se a Marcos.

 Reiteração – que se faz por meio de sinônimos, de nomes genéricos, expressõesnominais definidas, de repetição do mesmo item lexical, de nominalizações.

Observe o exemplo que segue em que foi usada a reiteração com a repetição dosmesmos itens lexicais: educação e saúde.

Ex.: Os problemas do Brasil se encontram na área de educação e saúde. Educação porque não há escolaridade e conhecimento de formas para resolver situações pesso-ais e da comunidade. Saúde, pelo desconhecimento dos cuidados básicos e pela faltade projetos no sentido de esclarecer a população.

Outro exemplo, em que um nome genérico e uma expressão nominal definida éreiterada. Note como a palavra homens aparece no exemplo a seguir:

Ex.: Um país precisa de homens conscientes; de homens honestos; de homenscorajosos para defender suas posições e suas ideias.

Modalidade 2 – Coesão sequencial

Esse tipo de coesão é usado para manter a sequência entre as ideias expressasfacilitando, dessa maneira, a produção de sentidos.

 Recorrência ou parafrástica – que é obtida pela recorrência (repetição) determos, de estruturas (paralelismo), de conteúdos semânticos (paráfrase), derecursos fonológicos segmentais ou suprassegmentais e de aspectos verbais.

O paralelismo consiste em repetir uma palavra ou expressão para que se mante-nha unidade equilibrada no enunciado.

    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 5: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 5/26

Ex.: O ser humano foi criado para a perfeição, para a verdade, para dirigir seuspróprios passos, para construir sua história.

Observe que o paralelismo foi construído por meio do uso do termo “para”.

Outro modo de estabelecer a coesão sequencial é pelo uso de elementos segmen-tais ou suprassegmentais (ritmo, rima, aliteração, eco etc.). Constrói-se a coesão pelo

uso dos recursos sonoros, muito explorados nos poemas, como por exemplo, os versosde Fernando Pessoa (heterônimo Bernardo Soares) na definição que faz de poeta:

Autopsicografia

O poeta é um fingidor

Que finge tão completamente

Que chega fingir que é dor

A dor que deveras sente.

Se você ler em voz alta o poema anterior, vai observar como a sonoridade, obtidaatravés das rimas (dor e ente), traz um ritmo, uma melodia própria da poesia.

 Coesão por progressão – é feita por mecanismos que possibilitam:

1) manutenção temática – pelo uso de termos de um mesmo campo lexical.

Ex.: As vozes são agradáveis quando sonoras e suaves, falas agudas sãodestoantes.

Observe que vozes e falas são termos do mesmo campo.

2) encadeamentos – que podem se dar por justaposição ou conexidade:

  Justaposição – uso de partículas sequenciadoras ou continuativas de enun-ciados ou sequências textuais que dizem respeito à linearidade e à ordenaçãode partes do texto.

Ex.: Entre vários fatores para resolver sua ação, sugiro dois. Em primeiro lugar , vocêdeve ter um plano de ação; em seguida, pô-lo em prática.

Você já deve ter concluído que a justaposição está nas expressões “primeiro lugar”e “em seguida”, que mantêm a ordenação do enunciado.

 Encadeamento por conexão – ocorre por meio de conectores, das conjunçõesou através dos operadores do discurso – justificação, explicação, conclusão.

Ex.: Luciana apresentou-se de forma competente, logo foi aprovada.

Você tem medo porque não sabe correr riscos.

Page 6: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 6/2636

No primeiro exemplo, a conjunção logo  dá a ideia de conclusão. No segundo,temos uma justificação por meio do uso do operador argumentativo “porque”.

A relação entre coesão e coerência é um processo de mão dupla: na produçãodo texto se vai da coerência (profunda), a partir da intenção comum, desde o aspectoprático e do uso de linguagem, do nível superficial até o mais profundo.

Muitas vezes, lendo textos, você pode observar que nem sempre os elementos

de coesão são necessários e nem sempre são suficientes – haverá necessidade do co-

nhecimento de mundo da colaboração dos interlocutores, de saber em que situação

acontecem os dizeres e, por último, a forma em que foram usadas as normas sociais.

Por outro lado, o mau uso dos elementos linguísticos de coesão pode causar incoe-rências locais pela violação de sua especificidade de uso e função, por exemplo:

Naquele dia, quando todos aguardavam o resultado da pesquisa, o diretor expli-cava como seriam desenvolvidos os trabalhos.

Note como a frase fica incoerente devido ao mau emprego do elemento de coesãoquando. Verifique, agora, o sentido:

Naquele dia, enquanto todos aguardavam o resultado da pesquisa, o diretorexplicava como seriam desenvolvidos os trabalhos.

A explicação para o uso de “enquanto” em lugar de “quando” está no fato de asações serem simultâneas: todos aguardavam e o diretor explicava. Usamos “quando”com verbos no pretérito perfeito, tempo esse que expressa ação iniciada e encerradano passado. Note a diferença no exemplo a seguir:

Quando os funcionários souberam o resultado, traçaram as metas a serematingidas.

Como você notou, é importante conhecer os operadores para o bom uso dosmesmos, evitando incoerências. Pela sua própria experiência, você sabe avaliar o do-mínio da escrita, analisando um bilhete, uma carta, ou mesmo um cartão. Para aperfei-çoar sua escrita, a elaboração de seus textos, vamos estudar, a seguir, as conjunções eo seu uso.

    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 7: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 7/26

Conjunções – Quadro de operadores

do tipo lógico e do tipo discursivoO que nos interessa, neste momento, é fazer uma revisão do uso de operadores

argumentativos, representados pelo uso das conjunções.

Celso Ferreira da Cunha (1972, p. 532) conceitua conjunções como: “vocábulosgramaticais que servem para relacionar duas orações ou dois termos semelhantes damesma oração”. Divide-as em: coordenadas e subordinadas e afirma que se percebefacilmente a diferença entre as conjunções coordenativas e as subordinativas quandocomparamos construções de orações a construções de nomes.

(1) Estudar e cantar. O estudo e o canto.

(2) Estudar ou cantar. O estudo ou o canto.Vemos que a conjunção coordenativa não se altera com a mudança de constru-

ção, pois liga elementos independentes, estabelecendo entre eles relações de adição,como no primeiro caso, e de alternatividade, como no segundo. Essa é a característicadas conjunções coordenadas, como o próprio nome diz, elas (co)ordenam sem quehaja dependência entre os elementos.

Nos enunciados seguintes:

(3) Quando tiver estudado o assunto, pode ensaiar o canto.

(4) Depois do estudo, o canto.

Note que, no exemplo três, há dependência do primeiro termo (quando tiver estu-dado o assunto) em relação ao segundo (pode ensaiar o canto). Já, no exemplo quatro,em lugar da conjunção subordinativa “quando”, temos uma preposição (depois) queestá colocando a dependência de um elemento a outro. (Só depois de ter estudado éque pode ensaiar).

Operadores do tipo lógico e do tipo discursivoTendo visto como se organizam os elementos de um período, em relação à coor-

denação e subordinação, é importante situá-los. Portanto, vejamos, entre os recursosque nos auxiliam na manutenção da coesão, quais são os principais operadores argu-mentativos, cujo papel, no texto, é manter a logicidade e oferecer coerência:

Page 8: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 8/2638

Tipos de relações dos operadores do tipo lógico

Disjunção  –  ou.

Condicionalidade –  se, caso, desde que.

Causalidade  – 

  já que, visto que, tanto (assim) que, porque, então, assim, porisso.

Mediação –  para que, para, a fim de que.

Tipos de relações dos operadores do tipo discursivo argumentativo

Disjunção – ou – quando se propõe “isto ou aquilo”.

Conjunção – e, também, tanto quanto/como, além disso, além de, nem (=e não),

não só...mas também, ainda -quando se acrescenta, soma.

Contrajunção – e (=mas), mas, no entanto, porém, entretanto, todavia, contudo,embora, apesar de, ainda que, mesmo que – quando coloca oposição entre os elemen-tos do período.

Explicação – pois, porque, que – para justificar ou explicar.

Conclusão – assim, portanto, logo, por isso, então, pois, por conseguinte – parademonstrar a que resultado chegamos.

Se você prestar atenção ao que fala, ou lê, verá que os operadores lógicos e argu-mentativos pontuam todo o dizer. Essas expressões dão sentido e organizam logica-mente a nossa comunicação, seja oral ou escrita.

CoerênciaCoesão e coerência são duas faces do mesmo fenômeno.

Define-se coerência textual como uma lógica interna que deve existir para darverossimilhança e verdade ao texto.

A incoerência pode acontecer quando:

1.° – O locutor usa dois processos verbais em duas fases distintas de sua realiza-ção, como em: (por processos verbais entendem-se fatos acontecidos em determinadoperíodo de tempo).

    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 9: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 9/26

Ex.: Maria já tinha lavado a roupa quando chegamos, mas ainda estava lavandoroupa.

Observamos que, no exemplo, acontece o uso do verbo tinha lavado que dá ideiade processo acabado e ainda estava lavando, ideia de processo não acabado.

Seria correto dizer:

Maria já tinha lavado a roupa quando chegamos, mas ainda não tinha passado aferro.

2.° – Há uma relação de oposição contrariando a relação de causa que parece sera mais plausível e esperada, como no exemplo:

Ex.: João não foi à aula, entretanto estava doente.

Vamos notar que a ligação entre as duas partes do período não estão coesas,porque o termo “entretanto” dá ideia de oposição. Deveria ser usada uma relação decausa, no caso, uma das conjunções: pois, porque, devido ao fato de..., entre outras.

Então a construção da frase fica assim:

João não foi à aula porque estava doente. Ou, pois estava doente. Ou ainda, Joãonão foi à aula devido ao fato de estar doente.

3.° – por contrariar o conhecimento geral, como em:

Ex.: A galinha estava grávida.

Julgar se um texto é coerente ou não, depende:

A – da combinação entre os elementos linguísticos do texto.

Vamos ver como, na letra de “Águas de Março”, há uma combinação dos elemen-tos linguísticos:

Águas de março

Tom Jobim

É pau, é pedra, é o fim do caminho,

É um resto de toco, é um pouco sozinho

É um caco de vidro, é a vida, é o sol,

É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol

É peroba do campo, é o nó da madeira,

Page 10: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 10/2640

Caingá, candeia, é o Matita Pereira

É madeira de vento, tombo da ribanceira,

É o mistério profundo, é o queira ou não queira

É o vento ventando, é o fim da ladeira,

É a viga, é o vão, festa da cumeeira

É a chuva chovendo, é conversa ribeira,

Das águas de março, é o fim da canseira

É o pé, é o chão, é a marcha estradeira,

Passarinho na mão, pedra de atiradeira

É uma ave no céu, é uma ave no chão,

É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pãoÉ o fundo do poço, é o fim do caminho,

No rosto o desgosto, é um pouco sozinho

É um estrepe, é um prego,

é uma ponta, é um ponto, é um pingo pingando,

É uma conta, é um conto

É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando,

É a luz da manhã, é o tijolo chegando

É a lenha, é o dia, é o fim da picada,

É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada

É o projeto da casa, é o corpo na cama,

É o carro enguiçado, é a lama, é a lama

É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã,

É um resto de mato, na luz da manhãSão as águas de março fechando o verão,

É a promessa de vida no teu coração

É uma cobra, é um pau, é João, é José,

É um espinho na mão, é um corte no pé

São as águas de março fechando o verão,    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 11: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 11/26

É a promessa de vida no teu coração

É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã,

É um belo horizonte, é uma febre terçã

São as águas de março fechando o verão, a promessa de vida

no teu coração,É pau, é pedra,...

(Disponível em: <http://letras.terra.com.br/tom-jobim/49022/>.)

Para valorizar o que diz o poeta Tom Jobim, nós, os leitores, devemos produzirnossa leitura. Imagine a época do ano de que o texto fala: o fim do verão, as águasde março chegando. Imagine-se passeando por um local de veraneio, e acompanhe opoeta no seu trajeto. A coerência do texto se estabelece pelos elementos da natureza,

que ele descreve, como numa pintura em que o verbo ser (é, são) define a construçãoda paisagem, pequenas coisas que fazem o dia a dia desta época do ano. Por outrolado, essa descrição de uma natureza viva, no trajeto do poeta, abre para o verso mag-nífico que é a proposta do autor: “a promessa de vida no teu coração”. O fim de umaestação como o verão, traz em seu bojo a promessa de novo tempo. Como as chuvasde março renovam a natureza, também teu coração será renovado, essa é a promessa.

Esse modo de ler, num texto como “Águas de Março”, o autor o apresenta com aintenção de que seja um texto, e nós, leitores, agimos cooperativamente e aceitamos a

sequência como um texto e procuramos determinar-lhe o sentido.B – Do conhecimento prévio sobre o mundo em que o texto se insere. 

Um exemplo é a fábula do lobo e do cordeiro, em que há incoerência nas afirma-ções do lobo, mas a coerência se faz para obter o resultado desejado: a lição de moralda fábula.

Exemplo:

O lobo e o cordeiroVendo um lobo que certo cordeirinho matava a sede num regato, imaginou

um pretexto qualquer para devorá-lo. E embora se achasse mais acima, acusou-o

de sujar-lhe a água que bebia. O cordeiro explicou-lhe que bebia apenas com a

ponta dos beiços e, além disso, que, estando mais abaixo, nunca poderia turvar-

lhe o líquido. O lobo exposto ao ridículo, insistiu:    (    E    S    O    P    O .

    E    N    C    I    C    L    O    P    É    D    I    A

    U    N    I    V    E    R    S

    A    L    D    A

    F    Á    B    U    L    A ,   v .    3

 .   p .

    7    6    )

Page 12: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 12/2642

– No ano passado, ofendeste meu pai.

– No ano passado, eu não tinha nascido, replicou o cordeiro.

O lobo, então replicou:

– Tu te defendeste muito bem. Mas nem por isso vou deixar de te devorar.

Moral: Contra a força não há argumentos.    (    E    S

    O    P    O .

    E    N    C    I    C    L    O    P    É    D    I    A

    U    N    I    V    E    R  -

    S    A    L    D    A

    F    Á    B    U    L    A ,   v .

    3 .   p .

    7    6    )

Observe que a argumentação do cordeiro nega a afirmação do lobo, mostrandoo quanto ele está incoerente. No entanto, o que dá a coerência ao texto é o desejo doautor de mostrar que contra a força não há argumentos. É a denúncia da lei do maisforte.

C – Do tipo de texto.

Se for uma propaganda, ou um outdoor  é preciso que se tenha conhecimento demundo, das circunstâncias em que aquele texto foi produzido. Por exemplo, se for umareceita, ter um comportamento adequado, se for uma carta, agir cooperativamente, eassim por diante, verificando qual tipologia textual.

Por exemplo:

Caro Amigo Francisco. Em minha viagem pelo Chile, lembrei-me de ti, por isso

escolhi esse cartão postal dos lagos chilenos, com a intenção de que te animes e

faças esse passeio com tua esposa. Vê que maravilha! Um abraço de teu companhei-

ro de luta.

Pedro

Esse é um texto característico dos cartões postais.

A coerência, às vezes, é subjacente, subentendido, ligado a fatores históricos esócio-culturais, que podem ser:

 Intenção comunicativa – Deve responder à pergunta: o que desejo comuni-

car? Há uma canção de protesto que diz: Tudo está tão certo como dois e doissão cinco. Se ficarmos no limite da matemática, veremos que há uma incoe-rência, mas se pensarmos que esses versos estão denunciando um períodohistórico em que não havia liberdade de expressão, veremos que a intençãocomunicativa é dizer que tudo está errado.

    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 13: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 13/26

 Formas de influência do falante na situação de fala – É preciso compreen-der que, conforme o lugar social que o falante ocupa, sua fala pode ter maisforça, por ele gozar de influência. Por exemplo, a fala do diretor da empresatem mais força que a fala do empregado.

 Regras sociais determinadas pelos lugares sociais – Existem expressões tí-

picas que compõem as regras sociais. Por exemplo: há formas de cortesia paravelórios, casamentos, ações jurídicas. Por exemplo, seria uma “gafe” enormealguém chegar num velório em que a mãe chora a perda de seu filho dizer:“Meus parabéns”.

Vimos várias formas de manter a coerência, de dar sentido ao que escrevemose de observar como se pode atribuir sentido ao que lemos. Procure praticar o que foiexposto anteriormente para assegurar qualidade e verdade a seus trabalhos.

Tipos de coerênciaAgora, aprimorando ainda mais nossa competência em relação à coerência, vamos

ver como se identificam os tipos de coerência nas diversas formas comunicativas.

Coerência semântica – É a relação entre significados dos elementos das frasesem sequência em um texto. Observe a incoerência semântica (significado) das expres-sões a seguir:

Exemplo 1 – executar problemas. Qual o sentido de executar problemas? Executartem o sentido de realizar, como em executar uma tarefa. Então, a incoerência está emdizer que em lugar de resolver problemas, o autor da fala está dizendo que vai “criar”mais problemas.

Exemplo 2 – cuidar do stress. O sentido do verbo cuidar está relacionado com aideia de proteção, de dar cuidados especiais, como por exemplo, cuidar da plantinha,cuidar da criança. Daí ficar claro que a incoerência se faz presente pelo fato de o autorda fala, em lugar de eliminar o stress, cuida dele permitindo que ele cresça, floresça.

Exemplo 3 – correr atrás do prejuízo. Neste caso, claramente, notamos a incoe-rência. Se o autor da fala corre atrás do prejuízo, este estará sempre à frente dele, nãohavendo meios de sanar o prejuízo.

Exemplo 4 – risco de morte. Risco de morrer todos nós corremos. Afinal, a morte écerta. O que deve ser dito é “correr risco de vida”, uma vez que a vida corre perigo.

Page 14: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 14/2644

São expressões do cotidiano em que o sentido contradiz o que se deseja, mas sãotão corriqueiras que nem sempre o locutor se dá conta de que está sendo incoerente.Mas não vamos esquecer que, para dar sentido a essas expressões, precisamos verificarem que contexto elas foram faladas.

Coerência estilística – é o uso do registro de linguagem numa situação comuni-

cativa. Se culto, não introduzir gíria ou expressões populares. Se, para dar cor ou impri-mir maior comunicabilidade, for necessário usar gíria no registro culto, o que se podefazer é introduzir expressões como: “Se me permitirem o termo...” ou “Para usar umapalavra bem expressiva...”.

Exemplo: Nossa vida nem sempre atende às nossas expectativas. As decepçõese os desencontros fazem parte do cotidiano, mas nem por isso, se me permitirem otermo, pode-se “chutar o pau da barraca”.

Coerência pragmática – Os atos de fala devem satisfazer as mesmas condições

presentes em uma dada situação comunicativa. Todo o dizer traz uma consequência.Por exemplo:

para pedido é coerente atendimento

pedido recusa justificativa

É uma situação óbvia: quando se faz um pedido, em um ato de fala, podemos terduas situações, a primeira, atender ao que está solicitado; a outra, recusar. Observe asduas possibilidades no trecho a seguir:

Exemplo:

– Pode me emprestar o carro? (pedido)

– Não posso, hoje eu vou viajar. (recusa e justificativa de porque não pode em-prestar o carro)

Ou então:

– Aqui está a chave. (atendimento)

Veja outro exemplo:

– O namorado prometeu ir ao cinema com a namorada.

Pela nossa experiência pessoal, sabemos que a namorada espera que a promessase cumpra – se não der para ir ao cinema, o namorado deve-se justificar e muito bem...

Dessa forma, podemos perceber que coerência é a unidade de sentido do texto:nada é ilógico, contraditório ou desconexo.    C

   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 15: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 15/26

Níveis de coerênciaUm texto bem escrito deve ter coerência, mas ela se organiza em diversos níveis:

para a narrativa, há um percurso; para argumentação, os operadores; para descrições,as imagens figurativas. O que veremos é como esses níveis se articulam.

Estudando a narrativa, Fiorin e Savioli (1997, p. 56) propõem quatro fases paramelhor estruturar o texto. São elas:

 manipulação – alguém é induzido a querer ou dever realizar uma ação;

 competência – adquire um poder ou um saber para realizar aquilo que deveou quer;

 performance – quando realiza a ação;

 sanção – recompensa ou castigo pelo que realizou.Vamos exemplificar esses níveis de coerência através da história infantil  A Cinde-

rela. Vejamos:

A manipulação vai acontecer quando a Cinderela quer ir ao baile em que o prínci-pe vai escolher uma princesa por esposa.

A competência é externa, quando a fada madrinha aparece e faz as transforma-ções. Quem torna a Cinderela competente para ir ao baile é a fada.

A performance ocorre quando Cinderela vai ao baile e dança com o príncipe, dei-xando-o encantado por ela.

Na história, Cinderela sofre duas sanções, uma negativa outra positiva. A negativaacontece quando perde a noção da hora e ouve o relógio marcar as doze badaladas dameia-noite, e tudo volta ao que era antes de a fada madrinha ter feito a transformação.A positiva é ela ser finalmente reconhecida pelo príncipe e ser a escolhida.

Veja, a seguir, algumas formas de incoerência narrativa:

 1.ª forma – As quatro fases se pressupõem, a posterior depende da anterior.Constitui-se incoerência narrativa uma performance de alguém sem a compe-tência; ou a sanção, sem a  performance. Um exemplo é o processo de Kafka.Nesta obra, um trabalhador é preso, julgado e condenado sem ter feito nada.Embora ninguém ache culpa nele, ele é condenado. Se ele foi preso, é porquefez alguma coisa. A obra é uma crítica aos governos ditatoriais.

 2.ª forma – Se um personagem adquire objeto de um outro, este deixa, por-tanto, de possuí-lo. Mas se, por exemplo, numa parte do texto, está dito que

Page 16: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 16/2646

uma mulher vendeu um colar de pérolas negras, ela não pode aparecer, emoutra parte, usando tal colar, sem outras explicações anteriores.

 3.ª forma – Com relação à caracterização dos personagens e às ações a elesatribuídas – a dupla face precisa ser esclarecida –, o leitor deve ter o domí-nio do que está sendo explicitado. Se, no texto, aparece um mendigo, que, na

verdade, é uma pessoa que tem poder, riqueza, mas que, para resolver umadeterminada situação, está somente se fazendo passar por mendigo, isso deveser explicado.

Observamos, portanto, que a coerência é fundamental para a comunicação, poisquando um texto apresenta uma das formas anteriores de incoerência fica evidente,para o leitor, que algo não está funcionando na narrativa.

Coerência figurativa

É a articulação harmônica das figuras do texto com base na relação de significadoque mantêm entre si. As figuras devem constituir um bloco temático. A ruptura podeproduzir efeitos desconcertantes – às vezes, essa ruptura produz a sátira, a ironia, aridicularização. Por exemplo: Num convite para festa, está explicado que o traje será àvontade e a festa ao ar livre, uma pessoa que compareça de smoking ou com vestidolongo de seda pura, estará em desarmonia, perto do ridículo.

Coerência argumentativaOcorre quando, no texto, há um jogo de pressupostos, dados e inferências, de que

se tiram conclusões que conduzem para onde se deseja chegar. Se os pressupostosnão permitirem as conclusões desejadas, há a incoerência argumentativa. É precisosempre ter em mente a que conclusão se deseja chegar. Por exemplo: Um chefe querque seus subalternos cumpram horários, sejam pontuais. Além de estabelecer esseshorários claramente, ele também deve dar o exemplo para que haja coerência.

Toda linguagem é argumentativa, porque desejamos que o interlocutor aceite

nossos pontos de vista. Por isso, é fundamental desvendar, no texto, os pressupostos esubentendidos, além de manter a coerência de atitudes diante do que afirmamos.

    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 17: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 17/26

Conhecimento de mundoEntendemos por conhecimento de mundo nossa experiência de vida. Alguns

autores usam a expressão biblioteca vivida, outros, repertório de ideias. Vamos usar aexpressão que é usada por Koch.

O nosso conhecimento de mundo desempenha um papel decisivo no estabelecimento da coerência:se o texto falar de coisas que absolutamente não conhecemos, será difícil calcularmos o seu sentidoe ele nos parecerá destituído de coerência. É o que aconteceria a muitos se nos defrontássemos comum tratado de física quântica. (KOCH, 1995, p. 60)

Adquirimos esse conhecimento à medida que vivemos, tomamos contato com omundo que nos cerca e experienciamos uma série de fatos. Mas, ele não é arquivadona memória de maneira caótica: vamos armazenando os conhecimentos em blocosque se denominam modelos cognitivos. Segundo Koch e Travaglia (1995, p. 60), existemdiversos tipos de modelos cognitivos. Entre eles, vale citar:

 Os frames – conjuntos de conhecimentos armazenados na memória debaixode um certo “rótulo”, sem que haja qualquer ordenação entre eles.” Ex.: Carna-val: confete, serpentina, desfile, escola de samba, bloco, fantasia, abadá, baileetc.

 Os esquemas  – conjuntos de conhecimentos armazenados em sequênciatemporal ou causal. Ex.: pôr um aparelho a funcionar, a rotina do dia de cadapessoa.

 Os planos – conjunto de conhecimentos sobre como agir para atingir deter-minado objetivo. Ex.: como vencer uma partida de xadrez.

 Os scripts – conjunto de conhecimentos sobre modos de agir, altamente es-tereotipados em dada cultura, inclusive em termos de linguagem. Ex.: formasde cortesia, as praxes jurídicas.

 As superestruturas ou esquemas textuais  – conjunto de conhecimentosobre os diversos tipos de textos, que vão sendo adquiridos à proporção quetemos contato com esses tipos e fazemos comparação entre eles. Ex.: conse-guir decodificar as metáforas de um texto.

É importante que locutor e alocutário partilhem conhecimentos para que umtexto possa ter sentido e coerência. No caso do estudante, por exemplo, ele traz paraa academia um mundo de conhecimento e, a partir do estudo, novas informaçõesvão-se acrescentando. Dizemos que há a informação velha e a nova. Para que um textoseja coerente, é preciso haver um equilíbrio entre o conhecimento de mundo e a in-formação nova. Se um texto contivesse apenas informações novas, seria ininteligível,pois faltariam ao alocutário as bases, as “âncoras” a partir das quais ele pode proceder

Page 18: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 18/2648

ao processo cognitivo do texto. Por outro lado, se houvesse apenas informação de co-nhecimento de mundo já dada, o texto seria redundante, isto é, seria um texto circular,próximo do círculo vicioso.

As inferênciasInferência é a operação pela qual, utilizando seu conhecimento de mundo, o alo-

cutário de um texto estabelece uma relação não explícita entre dois elementos dotexto que ele busca compreender e interpretar.

Quase todos os textos exigem que se façam inferências para poder compreendê--los integralmente. Todo texto se assemelha a um iceberg – o que fica à tona é a parteexplicitada do texto e é uma pequena parte daquilo que fica submerso, ou seja,implícito.

Ex.: Paulo comprou um Audi novinho em folha.

Que ideias podem estar implícitas nessa afirmação? Conforme o contexto, podemestar implícitas as seguintes ideias: Paulo tem um carro novo. Paulo tinha recursospara comprar o carro. Paulo é rico. Paulo é melhor companhia que você, que não temcarro.

Observe o diálogo:

– A campainha!

– Estou de camisola.

– Tudo bem!

As inferências permitem que o alocutário entenda:

– A campainha está tocando, vá atender.

– Não posso, estou de camisola.

– Tudo bem, deixe que eu atendo.Ao ler o texto do Professor José Luis Fiorin, publicado na revista Língua Portuguesa,

de setembro de 2009, você vai ver que perceber o que há em tudo aquilo que se apre-senta à nossa frente é um dos desafios da interpretação dos discursos implícitos.

    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 19: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 19/26

O dito pelo não dito A todo momento multiplicam-se os exemplos cotidianos que mostram como

o conteúdo implícito dos atos de fala comunica muito mais do que aparenta

José Luiz Fiorin

Na edição passada de Língua, mostramos que os conteúdos de nossos atos de

fala podem ser explícitos ou implícitos. Estes últimos são inferências. Classificam-se

em pressupostos e subentendidos. Vimos que os pressupostos são conteúdos implí-

citos que decorrem necessariamente de uma palavra ou expressão presente no ato

de fala produzido.

Assim o jornalista Mathew Shirts escreveu “[...] acabara, havia pouco, O homem

do Avesso, de Fred Vargas, um policial francês, mas interessante”. (O Estado deS. Paulo, 3/10/2005). Nessa frase há cinco informações explícitas:

(1) tinha acabado de ler um livro; (2) o livro era um romance policial; (3) o

romance foi escrito por Fred Vargas; (4) a autora é francesa; (5) o livro é interessante.

Da ligação com a conjunção adversativa “mas” decorre a informação implícita

de que todos os romances policiais franceses são chatos.

Observe-se que os conteúdos postos (explícitos) se constroem sobre os pressu-

postos. Se o autor não julgasse que os romances policiais franceses são chatos, nãohaveria nenhum sentido em notar que esse policial é francês e é interessante.

Analisemos agora os subentendidos. Em discurso proferido na Festa da Uva,

em Caxias do Sul, o presidente Lula disse:

– Vocês sabem que no Palácio da Alvorada, todas as recepções que nós damos

são com vinho brasileiro. E, obviamente, que, de vez em quando você vê gente

de outro país botar na boca e não sentir o mesmo gosto que sente se ele antes

passou na França para tomar um vinho francês de qualidade. (O Estado de S. Paulo,18/6/2006)

O que o presidente deixou subentendido é que o vinho brasileiro não é de boa

qualidade. O subentendido é uma informação implícita veiculada por um falante,

cuja atualização depende da situação de comunicação. Qual é a diferença entre o

subentendido e o pressuposto? Este é indiscutível tanto para o falante quanto para

Page 20: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 20/2650

o ouvinte, pois decorre necessariamente de um marcador linguístico. Já o subenten-

dido é de responsabilidade do ouvinte. O falante pode refugiar-se atrás do sentido

literal das palavras e negar que tenha querido dizer aquilo que o ouvinte inferiu.

No caso do presidente Lula, quando alguém lhe declarasse que ele afirmara

que os vinhos brasileiros não têm boa qualidade, ele poderia simplesmente dizer

que apenas estava constatando que as pessoas sentem que têm um gosto diferentedaquele do vinho francês. No entanto, na situação de comunicação em que o pre-

sidente formulou essa constatação (um almoço oferecido por produtores de vinho,

em que afirmou que nas refeições oficiais do governo brasileiro só se serve vinho

brasileiro) nota-se que as pessoas sentem um sabor diferente do vinho francês de

qualidade, quando provam a bebida servida no Palácio. Por isso, pode-se perfeita-

mente inferir que o presidente não tem em alta conta o produto nacional.

No caso, certamente se trata de um deslize no improviso da fala, mas o suben-

tendido é utilizado, argumentativamente, para que o falante diga alguma coisa semcomprometer-se, pois ele apenas sugere, diz sem dizer.

O pressuposto é uma inferência que não depende do contexto, enquanto

o subentendido está ligado à situação de comunicação em que o ato de fala é

produzido.

A insinuação e a alusão são dois tipos de subentendidos. O primeiro é um im-

plícito maldoso (por exemplo, em “X cuida muito bem de seu dinheiro, conseguiu,

depois que entrou na política, aumentar seu patrimônio vinte vezes”, está-se insi-

nuando que X é corrupto, mas o falante pode dizer que está apenas fazendo umaconstatação objetiva e tirando a conclusão de que X é um bom aplicador de seu

dinheiro).

A alusão é um subentendido de conteúdo licencioso, com conotação sexual; é

a referência a um fato do conhecimento de apenas alguns dos envolvidos na troca

verbal ou é a remissão a conteúdos de outros atos de fala (por exemplo, em “Y é uma

moça, mas uma moça mesmo”, pode-se inferir que o falante não quis dizer que Y é

bem educado e homossexual, quando o governador Alckimin disse que, no seu go-

verno, o Brasil vai “crescer pra chuchu”, está fazendo remissão ao apelido que lhe foidado no jornal Folha de S. Paulo por José Simão, “picolé de chuchu”).

Os implícitos têm função argumentativa muito importante: os pressupostos apre-

sentam como verdade indiscutível o que não é necessariamente incontestável, apri-

sionando o interlocutor na lógica criada pelo falante; com os subentendidos, o falante

diz, mas sem dizer; não se compromete com o que insinuou, com o que sugeriu.

José Luis Fiorin é professor de Linguística na USP e autor, entre outros, do livro Lições de Texto.    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 21: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 21/26

Você imagina se tivéssemos que dizer tudo sempre, sem os pressupostos e ossubentendidos, sem as alusões e as insinuações? Teríamos uma linguagem redundante,repetitiva. É muito importante investigar o que há por trás do dito, o que não está sendodito, mas está com efeito de sentido e pode ser apreendido num texto, numa fala.

PRÁTICA

 Analise a coesão e coerência presentes (ou ausentes) nos textos a seguir:

 Vamos fazer uma experiência, seguindo a orientação proposta para o conto aseguir: procure os operadores argumentativos e seu significado;

 Estabeleça o tipo de coerência ou incoerência encontrada no texto;

 Em caso de incoerência, proponha uma forma coerente;

 Demonstre a presença de implícitos, identificando os pressupostos esubentendidos.

Cenas de um casamento

(CERCATO, Nilza C. S., 2001)

Ao acordar, pela manhã:

– Eu não suporto mais! Você é incapaz de colocar a toalha molhada no banhei-

ro, deixa sempre em cima da cama!

– Eu é que não suporto mais suas reclamações. Você só sabe reclamar...

– Mas claro. Olha como você deixa suas roupas jogadas pela casa toda! Ai, acho

que a gente não se entende mais.

– Que porcaria de café é esse, mulher? Frio, fraco, pão velho, manteiga dura de

congelada! Que droga!

Ao meio-dia, durante o almoço:

– Você podia ter adiantado a arrumação da mesa para me ajudar. Eu tenho que

fazer tudo nesta casa, e ainda preciso trabalhar...

– Tá bom... pare de reclamar. Acho que a gente não se entende mais. Eu não

consigo te agradar, nada do que faço te satisfaz.

Page 22: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 22/2652

– Não é bem assim... É que você é um egoísta, só pensa no seu conforto.

– Ah! Que horror, como você tem coragem de servir uma comida dessas? Sal

demais, carne torrada, arroz “unidos venceremos”. Puxa, mulher...

– Achou ruim, vá comer no restaurante, ora.

À noite, após o jantar:

– Vamos para cama, estou cansado, tive um dia difícil.

– Eu também. Meu chefe estava complicando tudo.

No quarto:

– Luz acesa ou apagada?

– Você que sabe.

– Vamos deixar acesa, tá bom?

– Certo.

Depois de uns quinze minutos, muitos gemidos e suspiros:

– É acho que a gente ainda se entende, não é querido?

– E como, meu amor.

Numa primeira leitura parece-nos incoerente o casal chegar à conclusão de queainda se entendem, uma vez que as queixas são constantes e os resmungos de parte aparte desafiam a convivência pacífica.

Para manter a coerência foi usada uma unidade temporal: cena pela manhã, aomeio-dia, após o jantar. Essa divisão em cenas dá coesão ao texto. As duas primeirascenas dão ênfase para o desentendimento do casal, nas pequenas rotinas que cons-tituem a vida a dois. A frase “acho que a gente não se entende mais” que aparece nas

duas cenas preparam o leitor para um desfecho que seria o fim do casamento. Noentanto, para surpresa do leitor, na última cena, a esposa afirma: “acho que a genteainda se entende” ao que o marido responde: “e como, meu amor”.

Pelo desenrolar das cenas, verificamos que o texto apresenta coerência por meiodos implícitos e subentendidos, além do conhecimento de mundo.

    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 23: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 23/26

Agora você: O que você acha que tornou o texto coerente?

Continuando a especulação, pela cena depois do jantar, há coerência na afir-

mação do casal de que eles ainda se entendem?

Leia o período que se segue:

Chegaram instruções repletas de recomendações para que os enfermeiros e fo-

noaudiólogos participantes do congresso, que, por sinal, acabou não se realizando

por causa de fortes chuvas que inundaram a cidade e paralisaram todos os meios de

comunicação.

É compreensível conteúdo?

Qual é o seu grande defeito?

Dê coesão e coerência à notícia, redigindo o texto claramente.

(Se tiver dúvida, consulte a tutoria)

Escrever bem é fruto de exercício, ler produzindo sentidos da leitura também. Masnão o fazemos no espaço, sempre temos à mão recursos que nos apoiam, facilitamnossa compreensão. Esta aula trata especificamente desses recursos, use-os e vocêterá garantido o sucesso no seu empreendimento de leitor e de escritor.

Síntese

Observamos e analisamos textos em que a coerência e a coesão são fundamen-tais para estabelecer o sentido. Também vimos como os implícitos compõem o quadrocomunicativo, sinalizando para a cooperação do leitor. Constatamos que não menosimportantes são os operadores argumentativos que introduzem as ideias que se su-bordinam à principal. Além disso, verificamos que o conhecimento de mundo facilita acompreensão e apreensão do sentido.

Questão para reflexão

Comente a seguinte afirmação: Coesão e coerência são duas faces do mesmofenômeno.

Page 24: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 24/2654

Leitura indicada

Para complementar o seu estudo, leia: “A construção do sentido no texto: a coesãoe a coerência”. Você encontra esse capítulo em: KOCH, Ingedore G. Villaça. O Texto e a

Construção de Sentido. São Paulo: Contexto, 2000. p. 35.

Site indicado

<www.foa.org.br/cadernos/edicao/04/57>.

Referências

CUNHA, Celso Ferreira da. Gramática da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Fename,1982.

ESOPO. Enciclopédia Universal da Fábula. v. 3. Porto Alegre: L&pm Pocket. 1997.

FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Para Entender o Texto. São Paulo: Ática, 1997.

GREGOLIN, M. (Org.). Filigranas do Discurso: as vozes da história. Araraquara: FCL/Laboratório Editorial/ UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2000.

JOBIM, Tom. Águas de Março. Disponível em: <http://letras.terra.com.br/tom- jobim/49022/>. Acesso em: 5 jan. 2012.

KOCH, Ingedore G. Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A Coerência Textual. São Paulo:Contexto, 1995.

KOCH, Ingedore Villaça. O Texto e a Construção de Sentidos. São Paulo: Contexto,2000.

______. Desvendando os Segredos do Texto. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

LYONS, John. Linguagem e Linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 1987.

ORLANDI, Eni P. Discurso e Leitura. Campinas: Cortez/Editora da Unicamp, 1988.

    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 25: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 25/26

Page 26: Coesão e coerência/ revisar conectivos

7/25/2019 Coesão e coerência/ revisar conectivos

http://slidepdf.com/reader/full/coesao-e-coerencia-revisar-conectivos 26/26