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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTE
CURSO DE COMUNICAÇÃO EM MÍDIAS DIGITAIS
A RECONFIGURAÇÃO DO CONTEÚDO
DE ENTRETENIMENTO NA CIBERCULTURA:
A SÉRIE TRANSMIDIÁTICA THE WALKING DEAD
FABRÍCIA KELLY GUEDES DOS SANTOS
João Pessoa
2014
FABRÍCIA KELLY GUEDES DOS SANTOS
A RECONFIGURAÇÃO DO CONTEÚDO
DE ENTRETENIMENTO NA CIBERCULTURA:
A SÉRIE TRANSMIDIÁTICA THE WALKING DEAD
Monografia apresentada ao Curso de Comunicação
em Mídias Digitais do Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes – CCHLA da Universidade Federal da
Paraíba – UFPB, como requisito para obtenção de
Grau de Bacharel.
Orientador: Professor Drº. Marcos Nicolau
João Pessoa
2014
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade Federal da Paraíba.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
Santos, Fabrícia Kelly Guedes dos.
A reconfiguração do conteúdo de entretenimento na cibercultura: a série
transmidiática The Walking Dead./ Fabrícia Kelly Guedes dos Santos. - João
Pessoa, 2014.
50f.:il.
Monografia (Graduação em Comunicação em Mídias Digitais) –
Universidade Federal da Paraíba - Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes.
Orientador: Prof.º Dr.º Marcos Nicolau
1. Cibercultura. 2. Narrativa. 3. Convergência. 4. Transmídia. I.
Título.
BSE-CCHLA CDU 007
FABRÍCIA KELLY GUEDES DOS SANTOS
A RECONFIGURAÇÃO DO CONTEÚDO
DE ENTRETENIMENTO NA CIBERCULTURA:
A SÉRIE TRANSMIDIÁTICA THE WALKING DEAD
Monografia apresentada ao Curso de Comunicação
em Mídias Digitais do Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes – CCHLA da Universidade Federal da
Paraíba – UFPB, como requisito para obtenção de
Grau de Bacharel.
Aprovado em 14 de Agosto de 2014.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________ Professor Drº. Marcos Nicolau (Orientador)
____________________________________________ Professor Ms. Paulo Henrique Souto Maior Serrano (Examinador)
___________________________________ Professora Ms. Cândida Nobre (Examinadora)
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Luciene e Nildo, que são meu alicerce, que tanto se sacrificaram para que
eu conseguisse conquistar meus objetivos. Meus irmãos, Rodrigo e Rayana, que me
apoiaram e ajudaram no que podiam. As minhas queridas tias, Célia e Lúcia, que sempre
estão do meu lado me dando toda força possível. Eu dedico essa conquista a todos vocês.
A minha grande amiga Amanda. Muito obrigado pela motivação, por ter acreditado em
mim quando eu mesma não acreditei. Sanayara minha amiga desde o ensino fundamental,
que mesmo tão distante nunca se fez ausente, sempre me apoiando. A Keila e Izaac,
amigos que ganhei na graduação e compartilharam tantos momentos comigo nessa
caminhada. A todos meus amigos e colegas, que direta ou indiretamente, me apoiaram e
torceram por mim.
Ao meu melhor amigo e namorado, Armando. Desde o ensino médio sendo meu grande
exemplo, você é uma inspiração para mim. Obrigado por acreditar em mim, me motivar,
me incentivar. Você desperta o melhor em mim. Ich liebe dich!
Aos meus professores da graduação, principalmente aqueles que estavam com essa turma
desde o começo, a primeira turma do curso de Comunicação em Mídias Digitais. Não foi
fácil ser cobaia, passar por tantas adversidades, mas enfrentamos todas elas com bastante
perseverança. Ao Professor Olavo, sua determinação inspirou nossa sala, nos fez acreditar
e lutar pelo curso. A todos meus colegas de turma. Conseguimos, somos a primeira turma
formada de Mídias Digitas, vamos mostrar todo nosso potencial galera!
Aos meus colegas, do projeto Para Ler o Digital, Marriett, Rennam, Marina e Bruno que
compartilharam comigo quase todas as manhãs durante cerca de 2 anos. Cada manhã foi
um aprendizado acadêmico e profissional. Nossas discussões sobre séries e filmes eram
divertidíssimas.
Aos professores que aceitaram meu convite para avaliar este trabalho e compor minha
banca, Paulo Henrique Souto Maior Serrano e Cândida Nobre. Obrigado pela dedicação do
tempo de vocês ao meu trabalho e pelas considerações acrescidas a esse estudo.
Ao meu Professor e Orientador Marcos Nicolau, que me acolheu no projeto Para Ler o
Digital e me proporcionou tantos aprendizados todas as manhãs ao longo desse período. O
senhor despertou em mim a vontade pela vida acadêmica, e o mais importante o desejo de
sempre absorver e produzir conhecimento. Muito obrigado pela sua orientação, pela sua
atenção. Tenho muito orgulho em dizer que sou/fui sua orientanda.
Por fim, agradeço a Deus, aquele que me faz acreditar no bem, que alimenta minha alma.
Foi a Fé que tenho em Ti que me fez conseguir passar por aqueles momentos tão difíceis.
Quero agradecer por essa conquista. Obrigado meu Deus.
RESUMO
As narrativas estão por toda parte, em todos os tempos, elas se fazem presente desde a
origem do homem. Hoje presenciamos novas configurações na arte de narrar histórias. A
instauração da cibercultura é determinante para ascensão da cultura participativa, onde a
comunicação no ciberespaço estabelece a participação e interação de todos os envolvidos
nesse processo. A coexistência entre as mídias de função massivas e pós-massivas
fortalecem a convergência midiática e favorecem o aparecimento de novas plataformas e
novos processos comunicacionais. É nesse cenário que as histórias passam a ser contadas
através da narrativa transmídia que provoca transformações na maneira de produzir e
consumir o conteúdo de entretenimento. Buscamos entender como esses produtos
reconfiguram-se perante a cibercultura. Nosso estudo de caso, The Walking Dead, convida
o espectador a se aventurar no universo narrativo criado pela franquia a partir da narrativa
transmídia. Essas reconfigurações provocam mudanças na lógica mercadológica que rege a
produção e consumo do conteúdo de entretenimento na cibercultura, e principalmente nas
práticas socioculturais.
Palavras-Chave:
Convergência. Transmídia. Narrativa. Cibercultura.
ABSTRACT
The narratives are everywhere, at all times, they are present since the origin of man. Today
we witness new settings in the art of storytelling. The introduction of cyberculture is
crucial to the rise of participatory culture, where communication in cyberspace establishing
the participation and interaction of all involved in this process. The coexistence between
the mass media function and strengthen the post-mass media convergence and favor the
emergence of new platforms and new communication processes. It is in this scenario that
the stories are being told through transmedia storytelling which causes changes in the way
we produce and consume entertainment content. We seek to understand how these
products reconfigure themselves before cyberculture. Our case study, The Walking Dead,
invites the viewer to venture into the narrative universe created by the franchise from the
transmedia storytelling. These reconfigurations cause changes in market logic governing
the production and consumption of entertainment content in cyberculture, especially in
socio-cultural practices.
Keywords:
Convergence. Transmedia. Narrative. Cyberculture.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01 - Decapitação de Tyreese na HQ ........................................................................ 36
Figura 02 - Decapitação de Hershel no seriado de TV ....................................................... 37
Figura 03 - Página do webisodeo Torn Apart ..................................................................... 39
Figura 04 - Zumbi da bicicleta na HQ ................................................................................ 39
Figura 05 - Zumbi da bicicleta no seriado de TV ............................................................... 40
Figura 06 - Capa do livro The Walking Dead A ascensão do Governador ........................ 42
Figura 07 - Jogo The Walking Dead The Game: A New Day ........................................... 43
Figura 08 - Cenas de The Walking Dead The Game: A New Day .................................... 44
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 8
CAPÍTULO 01 - NARRATIVA: DA ORIGEM À CONVERGÊNCIA ..................... 12
1.1 DIEGESES, DESCRIÇÃO E DISCURSO VERSUS NARRATIVA ...................... 13
1.2 A ARTE DE NARRAR ........................................................................................... 15
CAPÍTULO 02 - A CIBERCULTURA E OS NOVOS PROCESSOS
COMUNICACIONAIS .................................................................................................. 17
2.1 A CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA ........................................................................ 19
2.2 MULTIMÍDIA, CROSSMÍDIA E TRANSMÍDIA ................................................. 21
CAPÍTULO 03 - NARRATIVA TRANSMÍDIA E A RECONFIGURAÇÃO
DO CONTEÚDO DE ENTRETENIMENTO ............................................................... 23
3.1 TRANSMÍDIA SEM STORYTELLING? .................................................................. 26
3.2 REMEDIAÇÃO E TRANSMIDIAÇÃO ................................................................. 28
CAPÍTULO 04 - A FRANQUIA THE WALKING DEAD:
METODOLOGIA E ANÁLISE ..................................................................................... 31
4.1 METOLOGIA .......................................................................................................... 31
4.1 DOS QUADRINHO À SÉRIE - TUDO COMEÇA PELA CROSSMÍDIA ........... 33
4.2 A TRANSMIDIAÇÃO DE TWD ............................................................................ 37
4.2.1 A websérie ......................................................................................................... 38
4.2.1 Os livros ........................................................................................................... 41
4.2.1 Os games .......................................................................................................... 42
4.3 CONSIDERAÇÕES DA ANÁLISE ........................................................................ 44
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 46
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 48
8
INTRODUÇÃO
Presenciamos um momento de interação, de convergência entre diversas plataformas
midiáticas em nossa sociedade. As mídias digitais permitem que a comunicação em rede seja
participativa, interativa, instantânea, simultânea. A partir dessa revolução midiática,
percebemos mudanças em qualquer processo comunicacional, os meios de comunicação estão
se reconfigurando para fazer parte dessa revolução. As séries de TV norte-americanas foram
as primeiras a investir na convergência midiática - conceito abordado por Henry Jenkins
(2009) como mídias que coexistem e alteram a relação entre tecnologias, indústrias,
mercados, gênero e públicos - através da narrativa transmídia - termo também abordado por
Jenkins (2009) como o processo onde uma história é contada a partir de diversas mídias, onde
cada plataforma proporciona uma experiência diferente, trazendo a sua contribuição para o
desenrolar da história. As séries Lost (2004) e Heroes (2006) são um marco nesse mercado de
entretenimento.
O seriados têm sua origem remota nos folhetins franceses do século XIX, na década de
50 os programas que faziam sucesso no rádio foram adaptados para TV. Os sitcons1 foram
adaptados do rádio para TV e foram as primeiras séries a se popularizarem. A partir da década
de 60 as séries passaram a produzir não apenas os sitcons, mas uma vasta gama de temas,
desde políticos, sociais, dramas até os variados temas que vemos nas séries atuais.
As séries de TV atingem um grande público no mundo inteiro, entre os anos de 1980 e
1990 os seriados norte-americanos ganharam força no Brasil, um fator responsável por isso
foi a popularização da TV por assinatura / TV a cabo. As primeiras séries a fazerem sucesso
nas terras tupiniquins foram: MacGyver (1986), Um maluco no pedaço (1990), Friends
(1994), Barrados no Baile (1990), entre outras. A TV aberta brasileira também contribuiu para
a disseminação das séries norte-americanas, em uma escala menor que a TV a cabo, mas foi
com o advento da internet que esses produtos midiáticos se alastraram não apenas no Brasil,
mas por todo o mundo.
Os Estados Unidos é o maior mercado de produção e comercialização de seriados de
TV, gerando não só o consumo e exportação de seus produtos televisivos como também a
produção dos mesmos em outros países. Esse mercado é lucrativo ao Brasil desde a chegada
da primeira televisão ao país. As telenovelas são os principais produtos dessa indústria.
Quando se trata das séries a TV aberta se mostra mais tímida, apesar de diversos
1 Situation Comedy - seriados cômicos de TV que retratam personagens em ambientes de família, amigos ou
trabalho.
9
investimentos tanto em importação quanto na própria produção desses produtos, a TV aberta
do Brasil ainda está aquém do mercado norte-americano. Os canais pagos sãos os que mais
investem em produções de seriados brasileiros. O canal HBO produziu não apenas uma série
brasileira, mas uma série pioneira em narrativa transmídia no país, a série Alice (2008). Em
2013 o canal TNT produziu outro projeto transmidiático no país, a série Latitudes.
A cultura participativa é caracterizada por Clay Shirky (2011) como uma mudança
comportamental dos usuários, dos seus meios, motivos e oportunidade somados a conexão em
rede. Na cultura participativa e na convergência midiática, os produtores de entretenimento,
notadamente nesse caso as séries, buscam não apenas um telespectador, eles querem fãs
participativos e assíduos que procuram se aventurar em todo universo midiático da série. O
número de séries que se apropriam da convergência midiática é cada vez maior, visto que
além proporcionar uma experiência diferente ao telespectador, os produtores buscam gerar
mais lucro a partir das mídias distintas. A indústria de entretenimento dos EUA, onde as
séries têm grande importância e espaço nesse mercado, tem investido bastante em produtos
transmidiáticos, modificando a forma como o telespectador se relaciona com essa indústria e
vice e versa.
A franquia norte-americana The Walking Dead (TWD) teve início em uma série de
quadrinhos escrita por Robert Kirkman em 2003. A história é centrada em Rick Grimes, um
policial que é baleado e entra em coma. Ao acordar, Rick descobre que o mundo não é o
mesmo de antes, pois depara-se com um cenário pós-apocalíptico, o planeta tomado por
mortos vivos. Sem entender o que está acontecendo, Rick sai em busca de sua família e um
lugar seguro para se proteger. Rick encontra seu filho, sua esposa e o melhor amigo em um
acampamento com um grupo de sobreviventes. Ele se torna o líder do grupo, mas descobre
algo inesperado, sua mulher e seu amigo estão tendo um relacionamento afetivo.
Ao observarmos essa premissa de TWD identificamos um fator curioso, quiçá
interessante, que difere a franquia de tantas outras histórias sobre mortos vivos. A trama não
tem em seu foco principal o apocalipse zumbi, mas sim os conflitos entre os personagens. Em
TWD o confronto com os zumbis fica em segundo plano, diante de uma narrativa que se
preocupa em mostrar as divergências entre os personagens e sua luta por sobrevivência. O
apocalipse zumbi funciona como cenário para o nascimento e desdobramento de diversos
eixos narrativos diante de um mesmo universo ficcional, a partir disto, a história permuta e
adapta-se a plataformas midiáticas diferentes.
The Walking Dead apropria-se de cinco suportes diferentes para explorar o seu
universo ficcional. Entre os quadrinhos, a série de TV, os livros, os jogos eletrônicos, e os
10
episódios para web, a história desenrola-se afim de fazer com que o público contemple a
narrativa de maneira seccionada, podendo o telespectador, assim, vislumbrar pontos de vista
diferentes e obter informações que podem lhe ajudar a compreender aquela narrativa de
maneira única e unificada ao mesmo tempo.
A cultura participativa, a convergência midiática e o ciberespaço provocam
transformações nos meios de telecomunicações, assim como todo o processo comunicacional.
Com as mídias pós-massivas, comunicar não é mais um processo linear, a sinuosidade em
informar e transmitir é definitiva na cibercultura. Henry Jenkins (2009) coloca que vivemos
na era da cultura da convergência. As plataformas de comunicação não são mais totalitárias,
elas precisam convergir para alcançar e atender o público em grande escala.
A franquia The Walking Dead é introduzida nos novos processos de construção de
conteúdo da indústria de entretenimento. Vivenciamos a reconfiguração desses conteúdos na
cibercultura, observamos que a maneira de produção e consumo da informação foram
modificadas. Hoje um mesmo produto de entretenimento é difundido e distribuído por
diversos canais midiáticos. Podemos encontrar um mesmo produto em várias plataformas
diferentes, o que vemos na TV pode ser levado para os quadrinhos, cinema, games, redes
sociais etc. Em meio a essa era da convergência midiática surge o nosso objeto de
investigação, a narrativa transmídia, que é utilizado em TWD e alastra-se pela atual indústria
de entretenimento.
Podemos citar diversos produtos e empresas que desenvolvem o processo transmídia.
As campanhas publicitárias, como as ações da empresa Coca-Cola, o cinema, como o filme
Matrix, um dos pioneiros a explorar a narrativa transmídia, as séries de TV, como os seriados
americanos Lost e Heroes, que são um marco nesse mercado, e até mesmo nos protestos
ativistas (como os ocorridos no Brasil em junho de 2013). No Brasil grandes empresas de
mídias massivas como a Rede Globo e SBT adotaram a narrativa transmídia como estratégia
para difundir os seus produtos televisivos, principalmente suas novelas.
Diante dessa explanação, buscamos realizar um estudo de caso sobre a série
transmidiática The Walking Dead para entender como os produtos de entretenimento se
reconfiguram perante os processos que surgiram a partir da cibercultura, das mídias pós-
massivas, na era da convergência midiática. Ao analisar a franquia TWD objetivamos
compreender como a mesma utiliza a narrativa transmidiática explorando diferentes suportes
midiáticos e públicos segmentados.
O universo transmidiático de TWD é o cenário da nossa pesquisa. Através da
observação direta buscamos compreender como é feita a construção desse universo no
11
mercado de entretenimento. Nossa estratégia de análise compreenderá duas proposições, uma
análise geral e uma específica. Quanto a análise geral iremos estudar o universo ficcional e
transmidiático da franquia TWD. Observar como a narrativa transmídia funciona nas diversas
plataformas exploradas pelo referido fenômeno. Buscamos compreender como a franquia usa
o processo de convergência midiática e a construção de uma narrativa transmidiática para
alcançar públicos diferentes e segmentados, conseguindo assim um número maior de
consumidores. Nossa análise específica consiste na seleção dos objetos inseridos no universo
transmidiático da franquia. Será feita a delimitação desses objetos de acordo com cada eixo
midiático, série, quadrinhos, webisodes, livros e jogos eletrônicos.
O trabalho está estruturado em quatro capítulos. No primeiro buscamos entender a
evolução da narrativa desde sua origens. O segundo capítulo compreende o advento da
cibercultura, a convergência midiática e os novos processos comunicacionais que se
instauram a partir desses fenômenos. No terceiro capítulo trazemos conceitos e discussões
acerca do fenômeno transmídia. O quarto e último capítulo estende-se ao nosso objeto de
estudo: The Walking Dead, a partir da nossa análise, observamos TWD perante um processo
inicial de crossmídia que reconfigura-se e desenvolve a narrativa transmídia.
12
1 NARRATIVA: DA ORIGEM À CONVERGÊNCIA DAS MÍDIAS
Narrar histórias, fictícias ou imaginárias, é uma experiência ancestral, que se
reconfigura ao longo do tempo, moldando e sendo moldada pela sociedade. A necessidade de
se comunicar é inerente ao homem desde o início das civilizações. Compartilhar e narrar
acontecimentos é algo intrínseco ao homem. Uma das primeiras formas que o homem
encontrou de contar os fatos foi na pré-história através das pinturas rupestres. Anos mais tarde
o homem passou a reunir-se em grupos ao redor de fogueiras para compartilhar histórias,
desenvolveu a escrita, a impressão (livros), o cinema, entre outros artefatos para disseminar
histórias. O homem está em uma constante busca de aprimorar e desenvolver novos processos
comunicacionais.
Podemos verificar que as narrativas estão presentes por toda parte, sejam elas textuais,
ilustradas, falada, na TV, no cinema, em cartazes etc. Como Barthes (1976, p.19) coloca que
"a narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem, fixa
ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas essas substâncias". A narrativa, que
deriva do verbo narrar e em sua etimologia origina-se do latim narrare, é onipresente em
nossa sociedade, e sua reconfiguração é compreendida através do tempo. Hoje vivemos em
meio à cibercultura, ao ciberespaço e ao que Henry Jenkins (2009) intitula cultura da
convergência. As narrativas se reconfiguram diante desses processos, nos apresentando uma
nova maneira de contar histórias, através da narrativa transmidiática.
As narrativas são ubíquas na vida dos homens. Narrar acontecimentos reais ou
imaginários faz parte das nossas relações interpessoais, do nosso comportamento. Bateson
(apud GUARNIERI, 2010) define que "relacionar-se com o outro, comportar-se socialmente é
necessariamente comunicar; não comunicar é simplesmente impossível". O autor afirma ainda
que todo comportamento pode ser considerado comunicação. Partindo desse pressuposto,
podemos identificar que ao nos comunicarmos e falarmos sobre fatos do cotidiano, situações,
sonhos, entre outros relatos, a comunicação toma forma narrativa. Brockmeier e Harré (2003,
p. 526) conceituam a narrativa como "um conjunto de estruturas linguísticas e psicológicas
transmitidas cultural e historicamente, delimitadas pelo nível do domínio de cada indivíduo e
pela combinação de técnicas sócio-comunicativas e habilidades linguísticas".
Ao tentar identificar a origem das narrativas nos deparamos com a origem do homem,
Barthes (1976, p. 19) diz que "a narrativa está presente em todos os tempos, em todos os
lugares, em toda sociedade; a narrativa começa com a própria história da humanidade". As
narrativas acompanham o homem até mesmo antes do desenvolvimento da linguagem.
13
Tzvetan Todorov (2006, p. 132) afirma: "[...] Inútil procurar a origem das narrativas no
tempo, é o tempo que se origina nas narrativas".
Baseado nos estudos de Ricoeur, André Guirland Vieira (2001) destaca que a narrativa
revela-se como caráter temporal da experiência humana:
O mundo exibido por qualquer obra narrativa é sempre um mundo temporal.
(...) o tempo torna-se tempo humano na medida em que está articulado de
modo narrativo; em compensação a narrativa é significativa na medida em
que esboça os traços da experiência temporal (RICOEUR apud VIEIRA,
2001, p. 605).
Os estudos sobre narrativa começaram com a Poética de Aristóteles, escrito em torno
do ano 335 a.C. A análise de Aristóteles sobre a tragédia é algo tão intenso, que até os dias de
hoje é uma referência para os estudos e entendimento sobre narrativas. Vieira (2001) salienta
que os autores empenhados em construir o conceito de estrutura narrativa, como Propp, Adan,
Bremond, Jung entre outros, buscaram o que poderíamos chamar de esqueleto do enunciado
narrativo procurando reduzir a narrativa a sua forma mais simples e elementar, encontrando,
assim, uma estrutura básica que revela a forma geral dos enunciados narrativos.
1.1 DIEGESES, DESCRIÇÃO E DISCURSO VERSUS NARRATIVA
Aristóteles e Platão são citados por Ligia Chiappini Moraes Leite (2002) como os
primeiros a tratar de discussões sobre narrativa no Ocidente. Em intercalações entre imitar e
narrar, o modo aristotélico julga que é mais adequado ao homem narrar, visto que a imitação é
dita como uma cópia infiel. Para Platão o mundo sensível, o que vivemos, já é um simulacro
do mundo das ideias, sendo a poesia uma imitação desse mundo sensível ela é um simulacro
em segundo grau, dificultando a ascensão do homem ao intelecto. O modo Aristotélico não
entende a poesia como uma cópia das aparências, mas como reveladora das essências.
(...) é possível imitar os mesmos objetos nas mesmas situações, numa
simples narrativa, ou pela introdução de um terceiro, como faz Homero, ou
insinuando-se a própria pessoa sem que intervenha outra personagem, ou
ainda apresentando a imitação com a ajuda de personagens que vemos
agirem e executarem elas próprias... Daí vem que alguns chamam a essas
obras dramas, porque fazem aparecer e agir as próprias personagens
(ARISTÓTELES apud LEITE, 2002, p. 8).
Para Aristóteles a narrativa é a diegesis, um modo de imitação da poética que é a
mimesis. Para Platão a lexis (maneira de dizer) divide-se em imitação propriamente dita
14
(mimesis) e simples narrativa (diegesis). Assim percebemos que Aristóteles e Platão
identificam o gênero dramático ao modo imitativo. Gérad Genette (1976) coloca que a Platão
e Aristóteles classificam uma oposição entre o dramático e o narrativo, Platão condena os
poetas enquanto imitadores, já Aristóteles coloca a tragédia acima da epopéia, e louva em
Homero tudo o que aproxima sua escritura da dicção dramática. Genette conclui que tanto
para Aristóteles quanto para Platão a narrativa é um modo enfraquecido, atenuado da
representação literária.
Genette (1976) ainda traz uma discussão não abordada por Platão e Aristóteles, a
oposição entre narração e descrição. Podemos entender que descrever e narrar são atos
facilmente confundidos, visto que é impossível narrar sem descrever, mas podemos descrever
sem necessariamente narrar. Narrar um fato e descrever um objeto são ações muito
semelhantes. Genette diz que a descrição assume um papel decorativo, explicativo e
simbólico na narrativa, como um elemento de exposição e, ainda que, a descrição comporta-se
como auxiliar da narrativa, mas não existe gênero em que o contrário acontece.
a narração liga-se a ações ou acontecimentos considerados como processos
puros, e por isso mesmo põe acento sobre o aspecto temporal e dramático da
narrativa; a descrição ao contrário, uma vez que se demora sobre objetos e
seres considerados em sua simultaneidade, e encara os processos eles
mesmos como espetáculos, parece suspender o curso do tempo e contribui
para espalhar a narrativa no espaço (GENETTE, 1976, p.265).
Sendo a narrativa objeto de estudo recorrente na linguística é nesse campo que
encontramos outra oposição onde podemos dissertar entre a narrativa e o discurso, proposta
pelo linguísta Émile Benveniste (1976). Essa oposição é definida a partir de critérios da
própria linguística. Benveniste coloca que a narrativa é caracterizada pela enunciação
histórica, usando o termo narrativa histórica. Aqui a narrativa elimina as formas linguísticas.
O discurso emprega todas as formas pessoais do verbo, enquanto a narrativa limita-se ao
emprego da terceira pessoa. "O discurso é então provido de um tempo passado simétrico ao
aoristo da narrativa" (BENVENISTE, p. 275).
Gerad Genette (1995), em sua obra O discurso da narrativa, apresenta que a narrativa
assume três sentidos: designando o enunciado narrativo, a sucessão de acontecimentos reais
ou fictícios e o ato de narrar. Genette descreve a narrativa como resultado das relações e
interações dos seus elementos a vários níveis e todos os seus aspectos são encarados como
unidades dependentes entre si, colocando a narrativa como o discurso em si.
15
denominar-se história o significado ou conteúdo narrativo (ainda que esse
conteúdo se revele, na ocorrência, de fraca intensidade dramática ou teor
factual), narrativa propriamente dita o significante, enunciado, discurso ou
texto narrativo em si, e narração o acto de narrativo produtor e, por extensão,
o conjunto da situação real ou fictícia na qual toma lugar (GENETTE, 1995,
p. 25).
As discussões sobre a narrativa são recorrentes no campo da linguística, logo que a
mesma assume papel importante e até mesmo é confundida entre as áreas do próprio estudo
linguístico, como literatura e discurso. Entender a narrativa a partir do estudo dos linguistas
vislumbra importância dado que são esses pesquisadores que vieram ao logo dos tempos
definindo as estruturas narrativas.
1.1 A ARTE DE NARRAR
Contar uma história é narrar um acontecimento com início, meio e fim (não
necessariamente nessa ordem). Muitas são as definições acerca de narrativa. Mascarenhas
(2013, p.16) destaca que Samira Nahid de Mesquita define a narrativa de uma maneira mais
generalizada, como o "ato verbal de apresentar uma situação inicial que, passando por várias
transformações, chega a uma situação final". Uma definição mais genérica como a de
Mesquita nos permite enxergar e compreender a narrativa em seu âmbito universal, desde
quando a narrativa era usada para distrair homens que se reuniam ao redor de fogueiras,
adormecer ouvindo histórias, conhecer a própria origem através dessas histórias, até os dias
atuais. A narrativa hoje toma uma dimensão que vai além dessas características citadas.
Presenciamos transformações nas estruturas narrativas atuais. Contar histórias continua sendo
uma forma de fazer entretenimento, agora com possibilidades diferentes perante a ascensão de
plataformas comunicacionais. Produzir e consumir torna-se uma experiência participativa
com o advento das mídias digitais, e consequentemente, a convergência midiática.
O filósofo alemão Walter Benjamin (1994) defende que a narrativa está intrínseca na
comunicação, porém o autor defende que narrativa é enfraquecida a partir das fragmentações
e mediações da mesma. Benjamin diz que a diegese narrativa - dimensão ficcional de uma
narrativa, mundo ficcional - é perdida com o surgimento da imprensa, quando o jornalismo é
introduzido à comunicação, e que a origem da informação jornalística representa a morte da
narrativa. Para Benjamin existe uma grande diferença entre a narrativa e a informação, a
primeira proporciona uma reflexão, surpresa e não tem validade, já a segunda é efêmera,
16
padronizada e só possui valor enquanto é novidade. Para Benjamin as características dos
tempos modernos vão enfraquecendo a capacidade de contar histórias.
A arte de narrar está definhando porque a sabedoria – o lado épico da
verdade – está em extinção. Porém esse processo vem de longe. Nada seria
mais tolo que ver nele um 'sintoma de decadência' ou uma característica
'moderna'. Na realidade, esse processo, que expulsa gradualmente a narrativa
da esfera do discurso vivo e ao mesmo tempo dá uma nova beleza ao que
está desaparecendo, tem se desenvolvido concomitantemente com toda uma
evolução secular das forças produtivas (BENJAMIN 1994, p. 200-201).
Para Walter Benjamin a narrativa tradicional e a figura do narrador chegam a seu
declínio com o gênero jornalístico, Melo (2010) salienta que para o autor a narrativa é a arte
artesanal da comunicação, a informação é a arte técnica. As afirmações de Benjamin são
fundamentadas em um contexto que passou por diversas mudanças. A imprensa continua
objetivando primordialmente a informação, porém esse cenário é reconfigurado perante o
nascimento das mídias pós-massivas. Tavares e Mascarenhas (2013), fundamentados em
autores mais atuais como Ricardo Noblat, argumentam que o jornalista também é um
contador de histórias, que presencia os fatos, organiza as informações e as narra. Assim, o ato
de narrar é compreendido como a representação da realidade, da imaginação, relatando fatos
reais ou fictícios. Todo dia vemos, lemos, ouvimos e contamos histórias em novelas, seriados,
livros, contos, jornais, sempre condicionadas, em sua estrutura, ao tempo, espaço,
personagens e o narrador. Para Leite (2002, p. 6): "Quem narra, narra o que viu, o que viveu,
o que testemunhou, mas também o que imaginou, o que sonhou, o que desejou. Por isso,
NARRAÇÃO e FICÇÃO praticamente nascem juntas".
A partir da perspectiva de Leite (2002), onde a narração e a ficção têm uma origem
quase simultânea, buscamos entender o conceito de narrativa contido no ato de contar
histórias. Sendo história uma palavra que pode ser compreendida tanto como ficção quanto
como fatos ocorridos no passado, é na primeira definição que analisamos mais à frente o
termo narrativa transmídia, que originou-se do inglês Transmedia Storytelling, story de
história e telling de contar. Antes de chegarmos à narrativa transmídia precisamos entender os
processos que antecederam e propiciam esse fenômeno. Buscamos compreendê-los, em um
primeiro momento, pela perspectiva do surgimento da cibercultura.
17
2 A CIBERCULTURA E OS NOVOS PROCESSOS COMUNICACIONAIS
Com o surgimento do ciberespaço o processo de comunicação linear não existe mais.
Em sua obra Cibercultura, o filósofo francês Pierre Lévy (2011) explana que a comunicação
passou a ser universal com o nascimento da escrita, porém esse advento torna o processo
comunicacional totalitário, sem interação. Lévy ressalta que mesmo com a chegada das
telecomunicações, as mídias de massa, a comunicação continuou totalitária e centralizada, a
interação e participação ainda não era explorada.
O ciberespaço (o qual chama de "rede") é definido por Lévy como um meio de
comunicação que surge da interconexão mundial de computadores e cibercultura como o
conjunto de técnicas, práticas, atitudes, modos de pensamento e de valores que se
desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço. O autor aponta que quanto mais
o ciberespaço se amplia mais ele se torna universal.
A intercomunicação generalizada, utopia mínima e motor primário do
crescimento da internet, emerge como uma nova forma de universal.
Atenção! O processo em andamento da intercomunicação mundial
atinge de fato uma forma de universal, mas não é o mesmo da escrita
estática. Aqui, o universal não se articula mais sobre o fechamento
semântico exigido pela descontextualização, muito pelo contrário.
Esse universal não totaliza mais pelo sentido, ele conecta pelo contato,
pela interação geral (LÉVY, 2011, p. 121).
A partir do ciberespaço surge o que Lévy conceitua como inteligência coletiva, na qual
o autor defende a ideia de que cada indivíduo possui sua inteligência individual que na rede
pode ser compartilhada, ampliando o campo do saber, do conhecimento. Lévy salienta que a
inteligência coletiva é um dos principais motores da cibercultura. "O ciberespaço como
suporte da inteligência coletiva é uma das principais condições de seu próprio
desenvolvimento" (LÉVY, 2011, p. 29).
Lévy aponta que a ascensão das tecnologias da informação favorecem novas formas de
acesso ao conhecimento. Todas as informações compartilhadas em rede por cada indivíduo
propiciam a construção colaborativa do conhecimento ancoradas na inteligência coletiva.
Assim como Lévy, Clay Shirky (2011) defende a ideia de que a internet propicia círculos
colaborativos que desenvolvem uma ampliação da capacidade de ideias e conhecimento dos
indivíduos. “Essa ampliação de nossa capacidade de criar coisas juntos, de doar nosso tempo
livre e nossos talentos particulares a algo útil, é uma das novas grandes oportunidades atuais,
18
e que muda o comportamento daqueles que dela tiram proveito” (SHIRKY, 2011, p. 109).
Shirky define a internet como uma máquina de oportunidades, onde as novas ferramentas
possibilitam uma oportunidade de criar novas culturas de compartilhamento.
André Lemos (2005) compreende a cibercultura "a partir das relações entre as
tecnologias informacionais de comunicação e informação e a cultura emergentes a partir da
convergência informática/telecomunicações na década de 1970. "
A nova dinâmica técnico-social da cibercultura instaura assim, não
uma novidade, mas uma radicalidade: uma estrutura midiática ímpar
na história da humanidade onde, pela primeira vez, qualquer indivíduo
pode, a priori, emitir e receber informação em tempo real, sob
diversos formatos e modulações, para qualquer lugar do planeta e
alterar, adicionar e colaborar com pedaços de informação criados por
outros (LEMOS, 2005).
Lemos aponta a re-mixagem - conjunto de práticas sociais e comunicacionais de
combinações, colagens, cut-up de informação a partir das tecnologias digitais - como o
princípio que rege a cibercultura. O autor define a ciber-cultura-remix como uma nova
configuração cultural que surge no início do século XXI com as novas tecnologias da
informação e comunicação.
O autor indica que a cibercultura caracteriza-se por três “leis” fundadoras que
norteiam o processo de re-mixagem: emissão, conexão e reconfiguração (LEMOS, 2005). A
primeira lei refere-se à liberação do pólo de emissão, onde tudo é emitido na rede, na internet.
Essa lei provoca mudanças no modelo de comunicação massivo e unidirecional (um para
todos) para a comunicação interativo-colaborativa, que é multidirecional (todos para todos). A
segunda lei é o princípio de conexão em rede que é baseada no computador como a rede, tudo
comunica e tudo está em rede, pessoas, objetos, máquinas,cidades. O crescimento da
interconexão entre os dispositivos de TICs (computador pessoal, computador portátil, mídia
locativas) amplia a troca de informações entre homens e homens, máquinas e homens e
máquinas e máquinas. Na terceira lei não devemos pensar em substituição ou aniquilação,
mas sim na reconfiguração de formatos midiáticos e práticas sociais. Essa lei trata das
mudanças e práticas trazidas com a cibercultura, sem que isso substitua seus antecedentes.
As leis da cibercultura estabelecidas por Lemos, notadamente para este estudo a lei da
reconfiguração, permite-nos compreender o surgimento e o desenvolvimento dos atuais
processos comunicacionais. Lemos é combativo à ideia de pensar as TIC's, bem como os
novos formatos de comunicação, como um novo sistema que chega para substituir os seus
19
antecedentes. Como Castells (2007) coloca, o paradigma da tecnologia da informação2 não
evolui para seu fechamento como um sistema, mas rumo à abertura como uma rede de acessos
múltiplos.
Lúcia Santaella (2008), pesquisadora na área de comunicação, também defende que o
advento da cibercultura condiciona novas práticas socioculturais:
A mediação tecnológica do ciberespaço condiciona a emergência de novas
práticas culturais. Não é por meio da criação de uma esfera separada que isso
se dá, mas pela abertura de modalidades diferenciais de práticas que se
inserem à sua maneira na vida cotidiana, refletindo e condicionando novas
formas de acesso à informação e ao conhecimento. Os espaços eletrônicos
estão firmemente situados na experiência vivida, motivados por ela e tomam
forma em resposta às suas demandas (SANTAELLA, 2008, p. 96).
Podemos definir, a partir das visões dos autores citados acima, que as novas práticas
socioculturais advindas da cibercultura são um processo definitivo, sem regressão, porém isso
não os torna totalitários. Os novos processos comunicacionais evoluem perante uma
coexistência entre mídias massivas e pós-massivas.
2.1 A CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA
Como vimos, a cibercultura vêm modificando o cenário dos processos
comunicacionais contemporâneos, alterando a forma de produção e consumo de informação.
A convergência midiática proporciona ao fenômeno da comunicação a interação e
participação de todos os envolvidos nesse processo. Henry Jenkins (2009) em sua obra
Cultura da convergência explana que seu livro tratará da relação entre três conceitos: a
convergência dos meios de comunicação, cultura participativa e inteligência coletiva. Diante
desta declaração, o autor defende que a convergência não se estabelece apenas nas mídias,
"ela envolve uma transformação tanto na forma de produzir quanto na forma de consumir os
meios de comunicação" (JENKINS, 2009, p. 44).
A convergência das mídias é mais do que apenas uma mudança
tecnológica. A convergência altera a relação entre tecnologias
existentes, indústrias, mercados, gêneros e públicos. A convergência
altera a lógica pela qual a indústria midiática opera e pela qual os
2 O autor aponta como características desse novo paradigma as tecnologias que agem sobre a informação; a
penetrabilidade de seus efeitos; a lógica de redes; a flexibilidade e a convergência de tecnologias específicas para
uma sistema altamente integrado.
20
consumidores processam a notícia e o entretenimento. Lembre-se: a
convergência refere-se a um processo, não a um ponto final
(JENKINS, 2009, p. 43).
Para compreender os processos comunicacionais contemporâneos, Santaella (2008)
elenca seis formas de cultura que coexistem, são elas: a cultura oral, a escrita, a impressa, a de
massas, a das mídia e a cibercultura. Para Santaella a cultura das mídias permite tanto a
escolha quanto o consumo mais personalizado e individualização das mensagens, o que não
era possível ao consumo massivo, preparando, assim, o usuário para a chegada do meio
digital. A cultura das mídias organizava o terreno da sensibilidade e cognição humana para o
surgimento da cibercultura. Santaella ainda define cinco gerações de tecnologia coexistentes e
que dão origem a novas práticas sociais e institucionais. Os meios de comunicação de massa
eletromecânicos (1ª geração - foto, jornal, cinema), os eletroeletrônicos (2ª geração - rádio,
televisão), dispositivos e processos de comunicação narrowcasting3 (3ª geração - TV a cabo,
xérox, fax, videocassete etc.), computadores de redes de teleinformática (4ª geração) e os
aparelhos de comunicação móveis (5ª geração). “entretecem uma rede cerrada de relações, em
que nenhuma delas é „causa‟ das demais, mas todas se configuram como “adjacências
históricas” fortemente articuladas, que expressam e simultaneamente produzem mutações nos
modos de se perceber, conceber e habitar o tempo” (FERRAZ apud SANTAELLA, 2008, p.
96).
Presenciamos um estreitamento entre as mídias massivas e pós-massivas. André
Lemos (2007), em seus estudos sobre mobilidade social e formas comunicacionais, define as
mídias massivas como centralizadas que dirigem para a massa, ou seja, pessoas que não se
conhecem e têm poucas possibilidades de interagir. Já as mídias pós-massivas funcionam a
partir de redes telemáticas onde qualquer um pode produzir informação, construindo produtos
personalizáveis que permitem conversação e participação. Hoje as mídias desempenham
papeis massivos e pós-massivos estabelecendo, assim, uma reconfiguração desses sistemas
comunicacionais, a internet é um grande exemplo disso. A internet integra mídias massivas e
pós-massivas e seu crescimento tomou grandes proporções, a União Internacional de
Telecomunicações (UIT) estima que até o final de 2014 os internautas somarão 3 bilhões de
usuários em todo o mundo4. Lemos aponta que: "[...] temos hoje um enriquecimento da
3 Narrowcasting é a disseminação de conteúdo para uma audiência específica e está alinhado com a
segmentação, assim como o broadcasting está com a comunicação de massa. 4 http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/05/mundo-tera-7-bilhoes-de-linhas-de-celular-ate-o-final-de-2014-
afirma-onu.html
21
paisagem comunicacional pela oferta de mais opções de acesso, de emissão livre e de
circulação em redes planetária" (LEMOS, 2007, p. 125).
Em meio ao processo de convergência midiática, presenciamos transformações na
forma de produzir e consumir conteúdo nas plataformas comunicacionais. O consumidor tem
participação ativa, estabelece conexões com os produtos que o interessa. A produção do
conteúdo explora esse consumidor participante e reconfigura o seu produto diante dessa nova
perspectiva. "Estar no mesmo patamar midiático que os indivíduos/leitores tende a tornar o
envolvimento mais imersivo no universo do fato narrado" (MASCARENHAS; FRANÇA;
NICOLAU, 2012, p. 132). Os novos produtos de entretenimento emergem no processo de
convergência midiática, explorando suas narrativas em diferentes mídias. Surgindo assim a
narrativa transmídia. Mascarenhas, França e Nicolau (2012) caracterizam as transmidiações
como consequências da reconfiguração das mídias diante da cultura do digital. Ao tratar
dessa reconfiguração Lemos (2007, p. 127) ressalta que "vários analistas mostram que hoje há
uma crise no modelo produtivo e econômico da indústria cultural massiva, embora isso não
signifique necessariamente sua aniquilação". O que está acontecendo é uma reconfiguração
não apenas nas mídias, mas também nas práticas sociais.
2.2 MULTIMÍDIA, CROSSMÍDIA E TRANSMÍDIA
Em meio à ascensão de diversas plataformas digitalizadas muitos são os termos que
surgem para se nomear essas novas ferramentas. Vamos entender e diferenciar os conceitos
que antecedem, e são confundidos, com o termo transmídia. Começamos pelo conceito de
multimídia, multi do latim multus que significa múltipo e média (mídia) que vem do latim
médium que significa meio. Em um conceito simplificado, multimídia nada mais é do que o
processo de integração de diferentes mídias para a disseminação de determinado conteúdo.
Um DVD ou computador, por exemplo, são plataformas multimídia que reúnem áudio, vídeo,
textos. Mascarenhas (2013) cita que Geoffrey Long (2007) defende que a explosão
multimídia na década de 90 somada à inteligência coletiva e à interatividade propiciam o
surgimento do fenômeno transmidiático atual. "Ao passo que o multimídia se instaura em
diversos segmentos, temos novos sistemas de representação e de resignificação humana que
possibilitam ao ser humano identidades diversas momentâneas, alternáveis"
(MASCARENHAS, 2013, p. 59-60).
Crossmídia, que do inglês significa cruzar a mídia, acontece quando uma mensagem é
passada através de diferentes mídias, porém a mensagem não é alterada, o seu conteúdo é o
22
mesmo em todos os meios que é transmitido. A ideia é que um mesmo conteúdo possa ser
acessado através de diversos meios. Os telejornais e as campanhas publicitárias são os
principais meios crossmídia. Nos telejornais, por exemplo, existe o programa na TV, os
portais online (sites), as redes sociais (twitter, facebook), todos noticiando o mesmo conteúdo.
No meio online desses telejornais teremos vídeos adicionais, notícias comentadas entre
outros, mas essas plataformas sempre estarão transmitindo a mesma notícia.
A crossmídia não precisa necessariamente da web para acontecer, o cruzamento de
mídias acontece nas mídias massivas como TV, rádio e jornal. Martins e Soares (2011)
pontuam que o conceito de crossmídia surgiu na área da publicidade e do marketing, através
da possibilidade de uma mesma campanha, empresa ou produto utilizar simultaneamente
diferentes tipos de mídia.
Chegamos ao conceito que iremos analisar, transmídia. Transmídia também vem do
inglês e significa além da mídia. Transmídia é um processo onde uma mensagem é
transmitida, de forma diferente, para diversos meios, porém essa mensagem segue uma
mesma lógica narrativa. Ou seja, uma história é contada através de várias mídias, onde cada
plataforma contribui de maneira diferente para o desenrolar da história. Cada mídia segue um
eixo narrativo, onde mesmo que você acompanhe apenas uma plataforma isso não acarretará
na perda do entendimento da história, porém ao acessar todas as plataformas disponíveis é
possível compreender todo o universo ficcional da narrativa.
23
3 NARRATIVA TRANSMÍDIA E A RECONFIGURAÇÃO DO CONTEÚDO DE
ENTRETENIMENTO
A narrativa transmídia é o processo onde uma história é contada a partir de diversas
mídias (convergências de mídias), cada plataforma proporciona uma experiência diferente,
trazendo a sua contribuição para o desenrolar da história. Cada mídia constrói uma autonomia
narrativa (cada uma conta sua "parte" da história), e partir do processo de convergência entre
os meios, o entendimento da narrativa geral é estabelecido. Uma espécie de fusão entre
narrativas acontece, e cada mídia adiciona e contribui para a história. Se o público
acompanhar a história através de apenas uma mídia, ele não será prejudicado, porém se ele
permutar por todas as mídias que estão ligadas a essa história, a narrativa é compreendida em
âmbito geral, como se vários pedaços da história fossem unidos em uma narrativa maior. Essa
é uma das maneiras mais comuns de falar sobre narrativa transmídia na atualidade. Ao tratar
do conceito de Transmedia Storytelling, Jenkins (2009) consegue abarcar os novos processos
comunicacionais que eclodiram na indústria de entretenimento. A forma de produzir e pensar
o conteúdo de entretenimento, e relacionar-se com o mesmo, muda com a chegada da rede de
computares, com a internet e com as mídias digitais.
Herr-Stephenson, Alper e Reilly (2013) salientam que o termo transmídia surge em
1991 quando Marsha Kinder refere-se ao "entertainment supersystem" para descrever os
produtos infantis comercializados em plataformas diferentes. Kinder cunha outro termo
"transmedia intertextually", ao tratar do fenômeno da intertextualidade de mídias quando as
crianças nos anos 80 precisavam relacionar produtos veiculados em diferentes plataformas de
uma mesma franquia.
Em 2001, Jenkins retoma o termo transmídia, na publicação de seu texto
"Convergence? I diverge", relacionando-o com a convergência midiática:
Media convergence also encourages transmedia storytelling, the
development of content across multiple channels. As producers more fully
exploit organic convergence, storytellers will use each channel to
communicate different kinds and levels of narrative information, using each
medium to do what it does best5 (JENKINS, 2001).
5 Tradução livre: A convergência de mídias também incentiva a transmídia storytelling, o desenvolvimento de
conteúdos através de múltiplos canais. Como produtores exploram plenamente a convergência orgânica,
contadores de histórias vão usar cada canal para comunicar diferentes tipos e níveis de informação narrativa,
usando cada meio para fazer o que faz de melhor.
24
Jenkins defende que a convergência das mídias encoraja o desenvolvimento e a
produção da narrativa transmídia. Ainda no mesmo texto, o autor afirma que a convergência
não irá causar unificação e canalização dos meios, ele diz: " No single medium is going to win
the battle for our ears and eyeballs. And when will we get all of our media funnelled to us
through one box? Never 6".
Em seu texto "Transmedia storytelling", publicado em 2003, Jenkins aborda também a
lógica mercadológica de produções transmídia. O autor cita Pokemón e a empresa Lucas
Film, com as franquias Star Wars e Indiana Jones, como produções que exploram o que ele
chama de "the ideal form of transmedia storytelling". Para Jenkins a maioria franquias apenas
produzem e reproduzem os mesmos produtos em plataformas diferentes, porém é a multiface
das histórias que sustenta e motiva o consumo, visto que o telespectador quer explorar e ter
novas experiências em um universo narrativo.
A good transmedia franchise attracts a wider audience by pitching the
content differently in the different media. If each work offers fresh
experiences, then a crossover market will expand the potential gross within
any individual media. So, women may not play games, but women who
like Lord of the Rings might experiment on a related game title7 (JENKINS,
2003, p. 3).
Na citação acima, Jenkins diz que uma mulher pode não jogar vídeo game, mas se ela
assiste O Senhor dos Anéis e um jogo da franquia é lançado é possível que ela experimente
esse jogo. Nos deparamos nesse exemplo com o conceito de cultura de nicho, tratado por
Chris Anderson (2006) em seu livro A cauda longa. Em termos mercadológicos, Anderson diz
que a cauda longa é uma escolha infinita, ou seja, o público tende a distribuir-se de maneira
tão dispersa quanto as escolhas, há uma fragmentação no consumo, a cultura de nicho define-
se por pontos em comum, são tribos que estão conectadas em rede. Partindo desse pressuposto
verificamos que, ao lançar o game de O Senhor dos Anéis os produtores da franquia estariam
dando mais possibilidades e fragmentando opções de escolha para determinado nicho a partir
dos interesses em comum. Anderson afirma que estamos vendo o deslocamento da cultura de
massas para a formação de microculturas, de tribos que estão conectadas em rede.
6 Tradução livre: Nenhum meio único vai ganhar a batalha para os nossos ouvidos e olhos. E quando vamos ter
todos os nossos meios canalizados para nós através de uma caixa? Nunca. 7 Tradução livre: Uma boa franquia transmídia atrai um público mais amplo, lançando o conteúdo de forma
diferente em diferentes mídias. Se cada trabalho oferece novas experiências, então um mercado de crossover irá
expandir o potencial total dentro de qualquer mídia individual. Assim, as mulheres não podem jogar video game,
mas as mulheres que gostam de O Senhor dos Anéis podem experimentar um jogo com o título relacionado.
25
Em 2009, na 2ª edição de seu livro Cultura da convergência, Jenkins reafirma toda a
sua concepção acerca da narrativa transmídia.
Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de
mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o
todo. Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de
melhor - a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser
expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser
explorado em games ou experimentado como atração de um parque de
diversões (JENKINS, 2009, p. 138).
A partir da referência de Jenkins, entendemos que a narrativa transmídia propicia ao
usuário participar e explorar o universo narrativo de uma franquia, isso figura-se como a
principal característica de uma narrativa transmidiática. A narrativa transmídia permite a
exploração simultânea entre inteligência coletiva (referente à interação e tecnologia) e cultura
participativa (referente a participação e cultura). Mascarenhas (2013, p.16) considera como o
texto de uma narrativa transmidiática "toda sua conjuntura audiovisual, impressa ou sensorial
que contribuam de forma coerente e relevante com a complementação da história contada".
Sendo assim, caracteriza-se o Storytelling como o ato narrativo que visa
contar e não apenas mostrar um conteúdo que pode ser fictício, real ou
híbrido, se aproximando da criação de diegética que se sustenta não só pelos
personagens, pelo universo fictício ou pelo discurso, mas pela fruição com o
leitor. Esta narração, quando transmidiática, precisa conter textos que
contem uma história e esta história precisa ser lida através destes textos
específicos (MASCARENHAS, 2013, p. 25-26).
Em sua análise sobre a série Alice da HBO (2008) Mascarenhas (2013) questiona
sobre a conceituação de transmídia definida por Jenkins. Como já citado, no conceito de
Jenkins (2007) cada meio faz sua contribuição única para o desdobramento da história. Diante
desta afirmação a série Alice não caberia nesse modelo, visto que a personagem é inserida nas
redes sociais, por exemplo, mas esse outro suporte midiático não permitiria ao consumidor da
série ter um entendimento único a partir das redes sociais. Diante deste aspecto, Mascarenhas
destaca que é preciso entender a diferença entre dois termos, o de franquia e o de narrativa.
Apoiando-se em Andrea Phillips, responsável pelo projeto transmidiático do filme 2012,
Mascarenhas aborda que:
Para Phillips, uma franquia naturalmente pode contar uma história
transmídia, mas caso não o faça, ela é apenas uma franquia que está
vendendo seu produto de acordo com o marketing da lógica da
convergência. Ela relembra que: “transmídia é mais que uma mera campanha
26
de marketing ou uma franquia de entretenimento. É um reino de histórias à
beira de onde a realidade acaba e a ficção começa (MASCARENHAS,
2013, p. 67).
O questionamento abordado por Mascarenhas revela-se de significativa importância
para a compreensão do fenômeno transmídia evidenciando uma multiface acerca da temática.
A partir das indagações de Mascarenhas entendemos essa multiface como resultado de um
embate teórico diante de um processo ainda emergente, que está sendo estudado a partir de
diversos contextos, com diversas aplicações diferentes. O nosso estudo encaixa-se nas
definições abordadas por Jenkins, o que não nos faz inviabilizar ou descaracterizar outros
exemplos transmidiáticos, apenas direcionamos o nosso objeto de estudo para o referencial
teórico mais condizente com o mesmo.
3.1 TRANSMÍDIA SEM STORYTELLING?
Para se obter uma narrativa transmídia é preciso narrar, contar uma história, construir
um universo narrativo. O famoso psicólogo Jerome Bruner, um dos pioneiros nos estudos de
Psicologia Cognitiva, defende que um fato tem vinte vezes mais chances de ser lembrado se
estiver ancorado a alguma história8. Para Jenkins (2009), o acesso a cada conteúdo da
franquia deve ser autônomo, onde cada produto é um ponto de acesso à franquia como um
todo.
Pela perspectiva de muitos autores, dentre o mais citado Jenkins, a narrativa
transmídia não significa apenas mostrar um conteúdo através de mídias diferentes, isso é
definido com um processo crossmídia. O crossmídia é comumente utilizado em ações de
marketing e no jornalismo, por exemplo. A maioria das marcas fazem o mesmo caminho que
os telejornais, utilizando as redes sociais para estender sua campanha publicitária por
múltiplas plataformas, sem estabelecer a imersão do público em um universo narrativo. Mas
identificamos que a publicidade também utiliza a transmídia com apropriações diferentes. No
meio publicitário a transmídia pode ter resquícios narrativos, sem estabelecer,
necessariamente, uma sequência narrativa.
O próprio Jenkins (2011a) retrata que muitas pessoas abordam a transmídia como
branding9 ou franchising
10, o autor explicita que ambos processos podem utilizar a
8 O trecho foi retirado da matéria disponível no link: http://www.updateordie.com/2011/03/17/storytelling-e-
transmidia-afinal-o-que-e-e-para-que-serve/ 9 é o processo de construção de uma marca.
27
transmídia, mas nem sempre exploram a narrativa transmídia. Em alinhamento como o
pensamento de Jenkins, Mascarenhas, França e Nicolau (2012) dizem que o fenômeno
transmídia ocorre sob duas perspectivas: as narrativas transmidiáticas e as estratégias
transmidiáticas, a primeira privilegiando a narrativa e a segunda estabelecendo uma
ubiquidade de informações adicionais, não estando primordialmente ligada a uma sequência
narrativa.
[...] a vertente que aparece como consequência da prática e da apropriação
do conceito proposto por Henry Jenkins se dá quando não nos referimos à
narração transmidiática, mas a estratégias transmidiáticas. Para Geoffrey
Long, em entrevista a Revista Pontocom (2009), “transmídia significa
qualquer coisa que se move de uma mídia para outra”. Tal colocação, diante
dos fatos, nos leva a refletir transmidiações sem necessariamente estas serem
extensões narrativas. O “transmidiático” aqui perde sua vertente de
adjetivação, aparecendo apenas como “transmídia”. Entende-se que toda
narrativa transmidiática possui estas estratégias, mas que o contrário pode
não acontecer (MASCARENHAS, FRANÇA, NICOLAU, 2012, p.
128).
O mercado publicitário e até mesmo grandes empresas de telecomunicações, como a
empresa rede Globo, apropriam-se de estratégias transmidiáticas em seus produtos. No Brasil
a Globo tem investido em ações transmídia, principalmente em suas novelas. A novela Cheias
de Charme, exibida em 2012, não foi pioneira, mas foi um marco na utilização de transmídia
na TV aberta em telenovelas brasileiras. Cheias de Charme conta a história de três amigas que
trabalhavam como empregadas domésticas, tornaram-se cantoras e produziram um videoclipe.
Esse é o ponto inicial para a transmidiação da novela, o videoclipe é utilizado como extensão
narrativa sendo postado no site da trama. A novela ainda é integrada com outro programa da
emissora, o Fantástico, onde uma campanha é lançada ao público para que enviem paródias
do videoclipe para o blog de Tom Bastos, que também é um personagem da produção.
A campanha Happiness Factory, da empresa multinacional Coca-Cola, é um grande
exemplo do uso de transmídia no mercado publicitário. Lançada mundialmente a partir de
2006, chegou ao Brasil em 2007, Happiness Factory começou por um comercial exibido na
TV que mostrava um mundo encantado existente dentro das máquinas de refrigerantes,
que é despertado a partir do momento em que você coloca uma moeda em uma vending
machine11
. A campanha disponibilizou jogos e download de wallpapers em seu site, espalhou
10
o termo franchising vem de franquia. Jenkins (2011) o denomina como uma estratégia empresarial que ao
longo da história movendo o conteúdo de marcas através das mídias. 11
máquina que vende alimentos/bebidas automaticamente a partir da inserção do valor do produto na mesma.
28
outdoors pelas cidades, criou embalagens temáticas para os produtos, o tema do comercial,
gravado por cantores pop conhecidos mundialmente, estava na rede social MySpace, um curta
foi lançado em um sala de cinema da empresa no Second Life. Por fim, foi criado um cenário
que representava o ambiente da fábrica visto nos comerciais, no Shopping Morumbi, em São
Paulo, onde o público podia interagir com o personagens.
Os exemplos citados mostram as diferentes possibilidades de explorar a transmídia,
em ambos conseguimos perceber que é estabelecido um grau maior de participação e
interação do público com a campanha/produto. É importante compreender a transmídia além
de seu vínculo narrativo, visto que esta é uma maneira de fazer transmídia dentre outras
formas existentes. Muitas são as empresas que empregam a transmidiação em seus produtos
de maneiras distintas, que não caberiam no conceito daquele ou doutro autor, mas isso não
pode aniquilá-los do processo transmídia, que vem desenvolvendo diversas vertentes e ainda
está emergindo perante a cibercultura.
3.2 REMEDIAÇÃO E TRANSMIDIAÇÃO
Para Bolter e Grusin (2000) o processo de remediação (remediation) está diretamente
ligado às mídias digitais, consequentemente à convergência midiática. Apoiados em Marshall
McLuhan (1964), com sua afirmação de que o conteúdo de um meio é sempre outro meio, os
autores identificaram a remediação como o fenômeno onde uma mídia apropria-se das
características de outra mídia, sua antecessora. Tal processo permite a remodelação ou
redefinição da mídia anterior, citado pelos autores como refashion.
A palavra remediação deriva do latim “remederi” que significa curar, restaurar a
saúde. Mascarenhas, França e Nicolau (2012) salientam que, para Bolter e Grusin, esse
significado é a melhor forma de representar como o meio é visto pela sociedade – como uma
mídia que renova (refashion) e proporciona novos usos (repurpose) às “velhas mídias” (older
medium).
O surgimento de todo novo meio é justificado porque ele preenche a lacuna
ou repara a falha do seu antecessor, pois ele cumpre a promessa quebrada de
uma velha mídia. (Tipicamente, é claro, os usuários não se dão conta de que
a velha mídia falhou em sua promessa até o surgimento de um novo meio)
(BOLTER e GRUSIN apud MASCARENHAS, FRANÇA e NICOLAU
2012, p. 124).
29
Mascarenhas, França e Nicolau seguem sua interpretação, a partir de Bolter e Grusin,
acerca de remediação:
Devemos aqui entender que, para os autores, “um meio é aquilo que
remedia. Aquilo que se apropria das técnicas e significados sociais de outra
mídia e cuja pretensão é dar-lhes vida ou repaginá-las em nome do real” iv
(BOLTER; GRUSIN, 2000, p. 65). De fato, o desejo por se aproximar da
realidade é uma das principais razões pelas quais os meios de comunicação
alteram-se de forma tão espontânea e acelerada: quanto mais os
modificarmos, maiores serão as probabilidades de atingirmos o real e, por
conseguinte, o invisível (MASCARENHAS, FRANÇA e NICOLAU 2012,
p. 124)
Em uma entrevista no blog de Henry Jenkins (2011b), Confessions of an Aca-Fan -
The Official Weblog of Henry Jenkins, Richard Grusin diz que enxerga a narrativa transmídia
como uma forma de manifestação de remediação no século XXI12
.
Outros conceitos importantes também são abordados por Bolter e Grusin para
entendermos a relação entre transmidiação e remediação, são hipermediação e imediação.
No processo de imediação o meio é "esquecido", tornando-se invisível para o
indivíduo. Já o processo de hipermediação faz o contrário, ele enaltece o meio diante do
indivíduo. Bolter e Grusin ressaltam que ambos os processos, com manifestações opostas,
buscam atingir a transparência, tratada pelos autores como o desejo dos indivíduos em
mergulhar no conteúdo da mídia, vivenciando o espaço virtual como se fosse o seu espaço
físico.
Mascarenhas, França e Nicolau (2012, p. 125) afirmam que "atualmente, tanto a
imediação quanto a hipermediação são utilizadas como ferramentas para estratégias
comunicacionais que visam, de alguma forma, capturar a atenção do indivíduo e direcioná-lo
para o caminho do meio remediado". A constatação dos referidos autores nos traz uma
melhor compreensão acerca da relação entre o processo de remediação e transmidiação.
É notória a utilização da imediação e da hipermediação tanto na narrativa transmídia
quanto nas estratégias transmídia, visto que ambas buscam a imersão do indivíduo em seus
produtos. Essa imersão dar-se-á através da transparência, ora enaltecendo os meios através da
convergência midiática, fazendo com que o usuário busque as diversas plataformas que
circundam o produto, ora aniquilando esses meios a partir do universo ficcional criado para
que o usuário sinta uma fruição e plenitude narrativa - no caso da narrativa transmídia - bem
12
Tradução livre: Transmedia storytelling as I understand it would seem from the perspective of Grusin and
Bolter to be one of the forms in which remediation manifests itself in the 21st century.
30
como um sensação de ubiquidade enquanto marca/produto - no caso das estratégias
transmídia. Mascarenhas (2013) afirma que as mídias digitais são resultados de um desejo
inato que o indivíduo possui em fazer parte do conteúdo que elas oferecem, e que eles buscam
o efeito que a transparência proporciona, o autor salienta, ainda, que isso já é resultado de um
processo de remediação infindável.
31
4 A FRANQUIA THE WALKING DEAD: METODOLOGIA E ANÁLISE
4.1 METODOLOGIA
Realizar uma pesquisa cuja operacionalidade é um estudo de caso, requer um
conhecimento aprofundado do objeto de estudo. Por isso, uma das importantes etapas
metodológicas foi o levantamento de dados acerca da série e das outras mídias da franquia
TWD, como vemos nesse capítulo.
Quanto à natureza do estudo optamos por utilizar da pesquisa qualitativa com o
objetivo de interpretar o fenômeno da narrativa transmídia em toda sua extensão; assim
viemos a construir um quadro teórico acerca do tema. "Os pesquisadores que adotam a
abordagem qualitativa em pesquisa se opõem ao pressuposto que defende um modelo único
de pesquisa para todas as ciências, baseado no modelo de estudo das ciências da natureza"
(GOLDENBERG, 2004, p. 16-17).
Com relação aos nossos objetivos, através da pesquisa exploratória alcançamos uma
visão geral do assunto abordado, obtendo assim informações detalhadas. Esse tipo de
pesquisa facilitou a delimitação do tema do trabalho, permitindo-nos formular hipóteses e
problemas que envolvem este estudo. Antonio Carlos Gil (2008) define que a pesquisa
exploratória tem como objetivo desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, com a
finalidade de formular problemas mais precisos ou hipóteses que possam ser pesquisadas em
estudos posteriores.
Nossa pesquisa caracteriza-se, em seu aspecto operacional, pelo estudo de caso. Sendo
assim, nos aprofundamos no universo narrativo da franquia TWD, obtendo a compreensão da
mesma de maneira ampla e pormenorizada. Goldenberg (2004) explana que o estudo de caso
reúne uma grande quantidade de informações detalhadas, através de diferente técnicas de
pesquisa, objetivando apreender determinada situação em sua totalidade e descrever a
complexidade de um caso particular. A autora continua dizendo que: "Através de um
mergulho profundo e exaustivo em um objeto delimitado, o estudo de caso possibilita a
penetração na realidade social, não conseguida pela análise estatística" (GOLDENBERG,
2004, p. 34).
Com o estudo de caso delimitado, utilizamos a observação direta para a coleta de
evidências acerca de TWD, conseguindo assim uma vasta compreensão do fenômeno
estudado. Coletamos dados sobre TWD desde sua origem, no ano de 2003, até o seu
desenvolvimento atual, em 2014, tendo um contato direto com o contexto em que o fenômeno
32
está inserido. Yin (2005) aponta o estudo de caso como uma estratégia escolhida para análise
de acontecimentos contemporâneos. O autor acrescenta que as provas observacionais são
úteis para fornecer informações adicionais sobre o tópico estudado.
O universo transmidiático de TWD é o cenário da nossa pesquisa. Através da
observação direta buscamos compreender como se deu a construção desse universo no
mercado de entretenimento atual. O seriado utiliza-se da convergência midiática para explorar
a narrativa transmídia em diversas plataformas. Seriado televiso, quadrinhos, livros, webséries
e jogos eletrônicos são as cinco mídias exploradas pela franquia The Walking Dead.
Nossa estratégia de análise compreende duas proposições, uma análise geral e uma
específica. Quanto à análise geral analisamos o universo ficcional e transmidiático da franquia
The Walking Dead. Observamos como a narrativa transmídia funciona nas diversas
plataformas exploradas pela referida franquia. Buscamos compreender como a franquia usa o
processo de convergência midiática e a construção de uma narrativa transmidiática para
alcançar públicos diferentes e segmentados, conseguindo assim um número maior de
consumidores.
Em nossa análise específica selecionamos os produtos midiáticos inseridos no
universo transmidiático de TWD. Foram realizadas duas análises específicas.
A primeira consistiu em uma análise de duas das plataformas da franquia, a HQ e o
seriado de TV, de maneira isolada, visto que ambas passam por um processo de convergência
midiática diferente das demais. Nessa fase da análise, a partir das definições de Jenkins acerca
do fenômeno transmídia, foi detectado que essas duas mídias sofrem um processo de
crossmídia. Dado que Jenkins (2009) defende que em uma narrativa transmidiática cada meio
deve estabelecer um desdobramento da narrativa principal onde cada um adquire uma
autonomia narrativa. O que acontece entre a HQ e a série não é um desdobramento e sim uma
adaptação, onde a história é passada de uma mídia para outra sem ocorrer a autonomia
narrativa. Uma mostra por conveniência, de uma edição da HQ e de um episódio da série, foi
feita para que pudéssemos analisar a narrativa de ambas as mídias e identificar a adaptação de
uma para outra.
A segunda fase da análise foi elaborada a partir dos desdobramentos narrativos de
TWD, a websérie, o livro e o jogo eletrônico. Aqui analisamos o produto de cada mídia sem
estabelecer um corpus, visto que o nosso interesse nesse ponto é identificar a transmidiação
da franquia a partir da convergência midiática e os desdobramentos acerca de seu universo
ficcional. Mostramos o desenvolvimento narrativo de cada um dos meios, buscando sempre
apontar a sua relação com a narrativa principal da franquia.
33
4.2 DOS QUADRINHOS À SÉRIE - TUDO COMEÇA PELA CROSSMÍDIA
A série de quadrinhos, HQs, The Walking Dead foi criada por Robert Kirkman em
2003 e publicada pela Image Comics. A primeira edição da HQ intitulada Days Gobe Bye -
no Brasil Dias Passados - chegou aos Estados Unidos em outubro de 2003 e ao Brasil em
2006. A trama abordada nos quadrinhos de Kirkman mostra o planeta Terra invadido por
mortos vivos, os zumbis. O personagem principal, o policial Rick Grimes, acorda do coma em
um hospital em meio ao apocalipse zumbi, sozinho e sem saber o aconteceu Rick tenta
encontrar sua família. A partir dessa premissa a franquia The Walking Dead desenrola sua
narrativa através de diversas plataformas. Os quadradinhos de TWD estão no volume 21
completando 221 edições.
Em 2010 os quadrinhos de The Walking Dead foram adaptados para um seriado
televisivo norte americano no canal a cabo AMC. A trama desenvolvida pelos produtores de
TV segue o mesmo universo narrativo dos quadrinhos, tomando uma certa autonomia
narrativa como modificar a personalidade dos personagens, criar personagens não existentes
nos quadrinhos, bem como não adaptar alguns personagens que existem na HQ para TV, além
de barganhar outros eixos narrativos para televisão.
A franquia TWD é, indiscutivelmente, um produto transmidiático, mas ao analisar
cada eixo narrativo nos deparamos com o fenômeno crossmídia. Os dois primeiros produtos
estudados foram a HQ e a série de TV, ao observar a permutação narrativa entre esses duas
mídias identificamos que o seriado é uma adaptação e não um desdobramento dos quadrinhos.
Como vimos, Jenkins (2009) articula que na narrativa transmidiática, nosso objeto de estudo,
cada mídia contribui de forma única para o universo narrativo do produto, ou seja, existe um
desdobramento narrativo. Partindo desse pressuposto verificamos que a transição do HQ para
o seriado televisivo é um processo crossmídia, mas é a partir desse fenômeno que podemos
perceber como se deu a transmidiação da franquia.
O sucesso alcançado pela série de TV é sem dúvidas o estopim para o início da
produção transmidiática de TWD. Em 2011 a série foi indicada na categoria de melhor série
dramática no 68º Golden Globes Awards, o Globo de Ouro13
. Ainda em 2011 e em 2012 a
série foi indicada, nas categorias de efeitos visuais e sonoros, ao Emmy Awards. Mas não é
apenas a crítica da TV que reconhece o potencial da série, já na estreia de sua 2ª temporada a
13
http://omelete.uol.com.br/cinema/globo-de-ouro-2011-os-vencedores/#.U6MGLfldWfc
34
série, em 2011, bateu recordes de audiência14
, em 2013 foi o seriado mais assistido na história
da TV a cabo norte-americana15
, e vem batendo recordes de audiência a cada temporada16
.
O seriado televiso é a mídia que mais se apropria do quadrinhos, a narrativa original
de TWD. Na série as adaptações mais fáceis e rápidas de serem notadas, em comparação com
a HQ, são a ausência ou presença de personagens. Por exemplo, na HQ existem os
personagens Allen, Dona e o gêmeos Ben e Billy, marido, esposa e filhos respectivamente,
que nunca foram adaptados para a série. Em contraponto a série de TV criou dois
personagem que jamais foram sequer citados na HQ, os irmãos Dixon, Daryl e Merle. Um
fato curioso nos irmãos Dixon é que os personagens foram ganhando cada vez mais espaço na
série, conquistando popularidade entre os fãs da franquia inclusive da HQ, sendo cogitada,
pelos fãs, a hipótese de Daryl Dixon ser adaptado para a HQ. Empolgados com o interesse
dos fãs, os produtores dos quadrinhos divulgaram fotos de um novo personagem semelhante a
Daryl, dias depois o produtor da HQ Robert Kirkman afirmou que Daryl Dixon não será
adaptado aos quadrinhos, mas que o novo personagem Dwight tem características parecidas
com Daryl17
.
Em entrevista para o canal americano MTV, Robert Kirkman esclarece para os fãs o
porquê Daryl não irá para a HQ:
Brincadeiras de primeiro de Abril a parte, eis a minha resposta final. Seria
muito estranho inserir um elemento da série de TV nos quadrinhos, por
causa de sua imensa popularidade. Os quadrinhos seguem seu próprio
caminho e eu já fui realmente longe nos planos para essas histórias.
Gosto que Daryl é um elemento da série de TV que está em constante
mudança, isso realmente afeta cada história, conforme tentamos adaptá-las.
Perderíamos isso se o colocássemos nos quadrinhos e isso seria prejudicial à
série de TV.
Por mais que eu goste de Norman Reedus (interprete de Daryl Dixon na
série) e todos gostam de Norman Reedus, vocês nunca verão Daryl Dixon
nos quadrinhos.
14
http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2011/10/estreia-da-2-temporada-de-walking-dead-bate-recorde-nos-
eua.html 15
http://pipocamoderna.virgula.uol.com.br/retorno-de-the-walking-dead-quebra-recorde-de-audiencia-da-tv-
paga-americana/277916 16
http://www.minhaserie.com.br/novidades/16147-the-walking-dead-fim-da-4-temporada-quebra-novo-recorde-
de-audiencia 17
http://www.thewalkingdead.com.br/daryl-dixon-nunca-estara-nos-quadrinhos/
35
O exemplo do personagem Daryl nos mostra o quanto os processos tanto de
crossmídia quanto de transmídia proporcionam uma participação e imersão do fandom18
ao
universo narrativo dos produtos de entretenimento.
Para analisarmos o processo crossmídia entre a HQ e o seriado de TV fizemos uma
seleção de amostra por conveniência das edições da HQ e dos episódios da série de TV,
ambos foram selecionados a partir da mesma linha narrativa, objetivando o encontro da
mesma narrativa, nas respectivas plataformas diferentes, para assim identificamos o processos
crossmídia estabelecido pelas duas mídias. As amostras citadas foram escolhidas diante dos
seguintes pontos, elas fecham dois ciclos importantes nas duas plataformas analisadas até
aqui, (notadamente para série que ainda não acompanhou todos os acontecimentos da HQ), a
morte do vilão Governador e a destruição da prisão, o seriado televiso está em paralelo a essa
narrativa.
A HQ escolhida para amostra deste estudo é o volume 8 com suas edições 46, 47 e 48.
The Walking Dead volume 8 é composto por 6 edições - 43 à 48 - e foi lançado nos Estados
Unidos em setembro de 2005. Os personagens da HQ, a essa altura, passaram por diversas
aventuras. O protagonista Rick reencontrou sua família, agrupou-se com outros sobreviventes,
tornou-se líder do grupo e passou por vários lugares em busca de suprimentos e segurança.
Neste volume Rick, sua família e o grupo que lidera, estão vivendo em uma penitenciária de
segurança, que também foi tomada pelos zumbis e abandonada pelos que sobreviveram.
Nessa prisão, os personagens encontram água, alimentos, acomodações e terra para plantar,
além de tudo isso, o lugar é composto por cercas que os protegem da invasão de zumbis.
Apesar de terem encontrado um lugar que os mantém protegidos, Rick e o grupo precisam
sair para procurar mais suprimentos, roupas entre outros aparatos que o grupo precise. Entre
essas saídas para o exterior da prisão, Rick e alguns companheiros esbarram em uma pequena
cidade de sobreviventes chamada Woodbury, onde criam uma rivalidade com o líder do lugar,
o Governador. Com a rivalidade entre os líderes instaurada, o Governador invade a prisão,
Rick e seu grupo guerreiam contra o Governador e seus seguidores.
A 4ª temporada da série de TV retrata os acontecimentos da HQ citados acima, o 8º
episódio barganha os eventos ocorridos nas edições 46, 47 e 48 . Ao ler as referidas edições
dos quadrinhos, bem como assistir, não apenas o 8º episódio, mas a 4ª temporada,
reafirmamos, em nossa análise, que até esse ponto de convergência midiática a franquia TWD
utiliza-se apenas da crossmídia. Os acontecimentos são os mesmos, o que difere de uma
18
O termo fandom refere-se a cultura de consumo dos fãs. Para Henry Jenkins (2009) representa a subcultura dos
fãs e as suas reapropriações.
36
plataforma para outra é a maneira como os fatos são contados. Um exemplo disso que é no
HQ ao chegar para invadir a prisão o Governador decapita, na frente de todos, Tyreese, o
braço direito de Rick na HQ (Figura 01). No mesmo contexto, o personagem decapitado na
TV é Hershel (Figura 02), personagem que também existe na HQ, mas que na série tem mais
espaço na narrativa ganhando uma imagem fraterna, tanto para os telespectadores quanto para
os outros personagens da série. As imagens abaixo ilustram os acontecimentos citados em
ambas plataformas.
Figura 01 - Decapitação de Tyreese na HQ
Fonte: The Walking Dead HQ Vol. 8 Nº 46
À esquerda a capa da HQ Nº 46 com a imagem do personagem Tyreese. À direita a página da HQ onde o
personagem é decapitado.
37
Figura 02 - Decapitação de Hershel no seriado de TV.
Fonte: The Walking Dead 4ª temporada Episódio 8
PrintScreen da sequência da cena do 8º episódio da 4 ªtemporada da série de TV - Decapitação do personagem
Hershel.
O processo de crossmídia, estabelecido pela adaptação da HQ para o seriado televisivo
da franquia TWD, realiza mecânicas diversas de contar a história, plataformas diferentes
acionam maneiras distintas de fruição em cada mídia, a experiência do público em cada
plataforma é diferente. Qualquer história é contada de forma distinta de acordo com o meio
em que ela é introduzida, isso não é novidade. O advento das TICs nos proporcionam mais
plataformas e mais interação e participação. Dentro do conceito de narrativa transmidiática
trabalhado nesse estudo, é preciso haver um desdobramento narrativo para que um produto
seja tido como transmídia, adaptações de histórias são apenas uma maneira de expandir e
alcançar outros meios através de uma mesma narrativa.
4.3 A TRANSMIDIAÇÃO DE TWD
A partir do processo crossmídia, TWD começou a traçar o seu caminho transmidiático
explorando o universo ficcional da HQ e da série de TV em desdobramentos narrativos. A
websérie, os livros e games da franquia TWD trazem histórias não abordadas pela HQ ou pelo
seriado.
38
A HQ e o seriado televisivo funcionam como mídias que contam a história principal
da franquia TWD, e a partir do universo ficcional desenvolvido nelas, que deixam lacunas
(como é o caso da websérie) para serem exploradas em outros veículos, ou até o próprio
universo ficcional da trama é propício para multiplicação de histórias diversas.
O universo ficcional de TWD é favorável à criação de outras histórias que não
precisariam ter claramente ganchos com a história da HQ, por exemplo. Em um universo
ficcional onde o apocalipse zumbi toma conta do planeta muitas são as possibilidades
narrativas. Por exemplo: O apocalipse chegou primeiro em que continente? Será que ele
atingiu as tribos africanas isoladas da civilização? Enfim, TWD é claramente um produto
adequado para transmidiação.
A franquia TWD abarca a narrativa transmídia dentro da reconfiguração dos
conteúdos de entretenimento na cibercultura. Os produtos escolhidos e analisados nesse
estudo são os primeiros lançados pela franquia, e sua análise se dá pelas transmidiações e
desdobramentos narrativos da mesma. Nessa perspectiva não selecionamos um episódio ou
capítulo específico, mas sim os produtos gerados pela transmidiação de TWD.
4.2.1 A websérie
A websérie ou webisodes são mini-episódios, de tramas dentro do universo ficcional
da série de TV, produzidos e disponibilizados no site da própria AMC. O primeiro webisodeo
foi disponibilizado online dias antes da estreia da segunda temporada da série, em outubro de
2011. Torn Apart foi o primeiro webisodeo feito pela AMC, ele é composto por seis partes
que duram entre dois e quatro minutos cada uma. São elas: A New Day, Family Matters,
Domestic Violence, Neighborly Advice, Step Mother e Everytihng Dies (Figura 03). O
webisodeo retrata a história de um zumbi que aparece na HQ Nº 01 (Figura 04) e no primeiro
episódio da primeira temporada do seriado de TV (Figura 05). O personagem, que ficou
conhecido como zumbi da bicicleta, tem destaque, em relação aos outros figurantes, ao
aparecer em ambas plataformas. O seu webisodeo mostra quem era o personagem, sua
família, e como se transformou em um zumbi, levando o espectador da série a compreender
histórias paralelas à narrativa principal. A cena final do webisodeo é a mesma cena em que o
personagem é inserido na série de TV.
39
Figura 03 - Página do webisodeo Torn Apart
Fonte: Site do canal AMC
PrintScreen do site do canal AMC onde os websodeos de Torn Apart foram disponibilizados.
Figura 04 - Zumbi da bicicleta na HQ.
Fonte: The Walking Dead HQ Vol 01 Nº 01
Páginas da HQ Vol. 01 Nº 01. Aparição do zumbi da bicicleta.
40
Figura 05 - Zumbi da bicicleta no seriado de TV.
Fonte: The Walking Dead 1ª temporada Episódio 1
PrintScreen do 1º episódio da 1ª temporada da série de TV. Aparição do zumbi da bicicleta em 2 cenas distintas.
Torn Apart foi escolhido para essa análise pois além de ter sido a primeira websérie
produzida pela franquia TWD, denota sinais de que a narrativa da série poderá desenvolver
outros eixos narrativos a partir de personagens figurantes. O zumbi da bicicleta é apenas um
figurante, mas tem um nítido destaque na HQ e no seriado, principalmente na série de TV que
dá mais dramaticidade ao momento em que o personagem aparece. O zumbi da bicicleta
aparece em momentos importantes para Rick tanto na HQ quanto na série. O primeiro
momento onde Rick acaba de sair do hospital e encontra a cidade tomada por seres ainda
desconhecidos, ele vê o zumbi próximo a uma bicicleta se assusta pega o objeto e vai embora.
No segundo momento, Rick reencontra o zumbi da bicicleta, agora ciente do que aconteceu
enquanto estava em coma, e antes de exterminá-lo lamenta pelo que aconteceu ao mesmo. O
seriado de TV nos apresenta, a partir de um discurso de Rick, que ele conhecia o zumbi da
41
bicicleta antes do de tudo aquilo acontecer, sendo ela (o zumbi da bicicleta é um mulher) uma
vizinha dele, na HQ essa ligação entre os dois fica pouco explícita. O contexto em que esse o
zumbi da bicicleta é inserido desperta curiosidade no público. Diante dessa perspectiva, é
possível pressupor que o âmbito ficcional criado acerca do personagem dá indícios, além de
provocar interesse no espectador, de que a história do mesmo poderá aparecer em algum
momento na narrativa.
4.2.2 Os livros
O primeiro livro da franquia, The Walking Dead A ascensão do Governador (Figura
06), chegou ao mercado americano em outubro de 2011 e foi escrito por Robert Kirkman,
autor dos quadrinhos de TWD, e Jay Bonansinga. A franquia de livros está em sua 4ª edição,
que foi lançada em março de 2014 nos EUA. O livro traz a história de um personagem que
tanto aparece na HQ quanto no seriado de TV, o vilão Governador. Em sua primeira edição, o
livro mostra a origem do personagem Governador antes de chegar a Woodbury (cidade onde o
personagem é apresentado na HQ e na série de TV), ou seja, sua história é mostrada antes de
acontecer o apocalipse zumbi, antes de existir a narrativa principal da franquia.
A escolha dessa edição se deu não apenas por este ser o primeiro livro da coleção, mas
devido à obra possibilitar ao leitor e fã da franquia TWD conhecer a origem de um dos
personagens mais populares da série e quadrinhos, enriquecendo e abrangendo o universo
ficcional da narrativa original da franquia.
O livro conta a história do Governador, considerado pela revista americana Wizard o
vilão do ano de 201319
, antes de se transformar em um dos maiores vilões de TWD. No livro,
o público conhece o Governador ainda como Phillip Blake, seu verdadeiro nome, sua filha
Penny (que aparece na série e nos quadrinhos) e seu irmão Brian (personagem existente
apenas no livro) tentando sobreviver ao apocalipse zumbi. O público toma conhecimento da
origem do personagem e de como ele se transformou no sádico vilão da franquia TWD.
19
http://www.thewalkingdead.com.br/livro/a-ascensao-do-governador/
42
Figura 06 - Capa do livro The Walking Dead A ascensão do Governador
Fonte: http://www.thewalkingdead.com.br/livro/a-ascensao-do-governador/
4.2.3 Os games
O jogo da franquia foi desenvolvido pela empresa Telltale Games e lançado em abril
de 2012. The Walking Dead The Game Season 1 é composto por cinco episódios e pode ser
jogado em diversas plataformas de games como: PlayStation, Xbox 360, PC, MAC. O jogo
segue o universo ficcional da narrativa principal, sua direção de arte é parecida com a HQ,
porém a história é composta por novos personagens, embora em alguns momentos
personagens da HQ e da série sejam inseridos, com pequenas participações, no game,
crossover20
. O primeiro episódio da segunda temporada do jogo foi lançado em dezembro de
2013, e terá seus cinco episódios lançados no decorrer do primeiro semestre de 2014.
The Walking Dead The Game Season 1 é diferente da maioria dos jogos sobre
apocalipse zumbi, visto que é composto por muitos diálogos onde o jogador precisa escolher
o que dizer em conversas com outros personagens do jogo, caso demore a escolher sua
20
Na ficção o termo crossover refere-se ao evento onde personagens de diferentes núcleos, histórias, universo
encontram-se em um ponto em comum e interagem um com o outro.
43
resposta o próprio jogo escolhe por ele (Figura 07). Os diálogos têm um papel importante para
o desenvolvimento do jogo, já que além de implicar nas decisões do personagem principal,
caso o jogador escolha combinações de diálogos incoerentes os outros personagens do jogo
saberão que ele está mentindo, eles ficam atentos a cada palavra e ao comportamento do
jogador, o que pode gerar diversos eixos narrativos e causar surpresas para o jogador.
Figura 07 - Jogo The Walking Dead The Game: A New Day
Fonte: http://zip.net/bjn0nQ
http://zip.net/btn0MJ
A New Day é o primeiro episódio de The Walking Dead The Game Season 1,
podemos perceber que a história acontece em paralelo com a série e os quadrinhos, onde se
desenrola no início do apocalipse zumbi. Nesse primeiro episódio o jogador assume o papel
de Lee Everett, um homem que está sendo transportado à prisão por um policial em sua
viatura de polícia. Quando a agitação em meio ao ataque de zumbis começa a acontecer, Lee
precisa fugir e se proteger. No decorrer do jogo, Lee encontra Clementine, uma garotinha que
perdeu sua família, e passa a protegê-la. Lee e Clementine encontram outros sobreviventes e
se unem em busca de proteção.
O jogo proporciona ao jogador escolher os diálogos, que resultam em ações, interagir
podendo mover o ângulo de visão do personagem, obter mais informações, abrir uma janela
de conversa ou ir embora. A todo momento ícones vão aparecendo na tela para que o jogador
possa clicar e interagir fazendo suas escolhas (Figura 08).
44
Figura 08 - Cenas de The Walking Dead The Game: A New Day
Fonte: http://guides.gamepressure.com/thewalkingdead/guide.asp?ID=16770
Cenas de The Walking Dead The Game A New Day. Em destaque, de vermelho, as opções de interatividade do
jogo, onde o personagem principal precisa escolher dentre dois personagens qual ele irá salvar, Shawn ou Duck,
resultando na morte de um dos personagem.
4.4 CONSIDERAÇÕES DA ANÁLISE
O produto de entretenimento The Walking Dead é tratado como uma franquia
transmidiática tanto nesse estudo, quanto em outros. O título deste trabalho dá ênfase à série
The Walking Dead, pois conseguimos identificar que o pontapé para o processo transmídia
desse produto é o sucesso (usamos o termo "sucesso" para designar o crescimento do público
que consome o produto) que o seriado da franquia atinge. Como já foi dito, a série é baseada
na HQ da franquia, a mídia que dá origem ao universo narrativo de TWD, e essa adaptação
45
para TV garante a extensão do público. A partir desse resultado, os produtores, claramente,
identificam o potencial do produto, apostando assim na transmidiação do mesmo.
O nosso objetivo com este estudo de caso é entender como os produtos de
entretenimento estão se reconfigurando diante dos novos processos comunicacionais advindos
da cibercultura. Em nossa coleta de dados acerca de TWD conseguimos enxergar essa
reconfiguração perante a ascensão cada vez mais rápida de novas plataformas
comunicacionais. O primeiro passo de TWD é buscar explorar a convergência midiática
através da adaptação de seu produto original, a HQ, para a televisão, estabelecendo assim um
processo crossmídia.
A nossa análise nos ajuda a entender como TWD passa de um processo crossmídia
para transmídia. A franquia vai se moldando aos novos processos comunicacionais que
surgem. Assim, podemos induzir que um produto de entretenimento na cibercultura pode ser
pensado desde o início como transmidiático, como é o caso das séries Lost e Heroes ou pode
se tornar transmidiático e ir reconfigurando-se perante esses processos.
Observamos que The Walking Dead explora a narrativa transmídia a partir da
conceituação defendida por Jenkins (2009) de que na narrativa transmídia, cada meio
contribui de maneira individual para o resultado. E TWD faz exatamente isso, explora
desdobramentos de seu universo narrativo fazendo com que cada mídia tenha a sua própria
história. O telespectador pode acompanhar as plataformas individualmente e não terá
dificuldade de entendê-las, mas, se acompanhar toda a franquia, compreenderá cada fatia
desse universo narrativo.
46
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo acerca da narrativa transmídia, abordado neste trabalho, nos permitiu
questionar as maneiras distintas como o assunto é tratado. O conceito definido por Henry
Jenkins (2009), onde em uma narrativa transmídia a história desenrola-se através de múltiplas
plataformas e cada uma contribui de maneira distinta e valiosa para o todo, é o que nos
baseamos para a abordagem do nosso estudo de caso, a franquia The Walking Dead. O
referido produto de entretenimento apropria-se da narrativa transmídia encaixando-se dentro
deste conceito. Porém analisar nosso objeto de estudo a partir do contexto de Jenkins não é
estabelecer um conceito totalitário, ou afirmar que este é correto e outro seja errado. A
narrativa transmídia precisa ser compreendida através de conceituações diferentes, tendo em
consideração que ela é explorada de maneira distintas.
É importante compreender, como ressaltam Mascarenhas, França e Nicolau (2012),
que existem estratégias transmídia e narrativa transmídia, onde a primeira prioriza a
ubiquidade de informações não necessariamente ligadas a uma sequência narrativa, e a
segunda privilegia a narrativa.
Em nosso estudo questionamos se existe uma transmídia sem storytelling, e então nos
deparamos com o conceito de crossmídia, onde uma informação permeia mídias diferentes
mas seu conteúdo é o mesmo. Ao compararmos os conceitos de transmídia e crossmídia
identificamos uma diferença entre os dois fenômenos, logo que, o processo crossmídia apenas
utiliza-se da convergência midiática, o conteúdo permanece o mesmo em qualquer
plataforma. Já a transmídia tem como característica a diversificação deste conteúdo podendo
ou não explorar um universo narrativo.
A narrativa transmídia provoca transformações na maneira de produzir e consumir o
conteúdo de entretenimento perante as novas plataformas comunicacionais. Vimos que a
instauração da cibercultura é determinante nesse processo. A inteligência coletiva, advinda do
ciberespaço, é defendida por Lévy (2011) como responsável pelo construção do conhecimento
colaborativo. Junto com a inteligência coletiva, Jenkins aponta a convergência midiática e
cultura participativa como fatores responsáveis por essa nova forma de produzir e consumir.
Diante desses fatores, as produções de entretenimento exploram o espectador, que agora é um
consumidor participante, e reconfiguram o seu produto diante da perspectiva desse público
participante. Como Lemos (2007) aponta, o que está acontecendo é uma reconfiguração, não
apenas nas mídias, nos produtos ou na tecnologia, é uma mudança que ocorre também nas
práticas sociais.
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O estreitamento entre a mídias massivas e pós-massivas é perceptivelmente um fator
que favorece o fortalecimento da convergência midiática, bem como da narrativa transmídia,
na cibercultura. Presenciamos a coexistência entre os processos comunicacionais, mídia
massivas e pós-massivas e tecnologias. Essas características contribuem para o surgimento de
novas práticas sociais, processos comunicacionais e plataformas tecnológicas.
A utilização da narrativa transmídia nos produtos de entretenimento provocam
significativas mudanças na lógica comercial e de produção dessa indústria. A série The
Walking Dead é uma sintomática dessas reconfigurações que ocorrem na contemporaneidade.
A transmidiação explorada por TWD encaixa-se na conceituação defendida por Jenkins
(2009) de que em uma narrativa transmídia cada meio contribui de maneira individual para o
resultado. TWD explora desdobramentos de seu universo narrativo onde cada mídia têm a sua
autonomia narrativa, fazendo com que o telespectador possa acompanhar cada plataforma
individualmente e não ter dificuldade de entendê-la. A lógica mercadológica é que esse
telespectador sinta-se motivado a se aventurar por todo universo narrativo da franquia,
acompanhando cada parte da história através das diversas mídias.
Ao decorrer desta pesquisa uma indagação, bastante comum, nos ocorreu: a transmídia
é então o futuro dos produtos audiovisuais, em especial novelas e filmes? Questionamentos
próximos a esse são encontrados facilmente em matérias ou fóruns que abordam a narrativa
transmídia. Como tratarmos ao longo do nosso estudo, e como bem relata André Lemos
(2005), o que está acontecendo não é uma extinção ou aniquilação dos tradicionais modelos
de produção, das mídias massivas ou dos processos comunicacionais. O que ocorre é uma
reconfiguração dessas plataformas infocomunicacionais e sociais. São notórias as mudanças
na produção e consumo desses produtos, mas pensar a "morte" da forma tradicional deles soa
excludente e totalitário. Sempre haverá diversificados tipos de público, então, os diferentes
conteúdos, desde os mais tradicionais aos mais modernos, atenderão a variados interesses. É a
coexistência entre esses processos que favorece e enriquece o surgimento de novas
configurações sociais.
Diante desse contexto, de transformações nos processos de comunicação, julgamos
importante a elaboração de estudos visando a compreensão desses processos e o impacto que
eles estabelecem em nossa sociedade, ampliando assim as discussões acerca de narrativa
transmídia. O presente estudo busca ser contributivo para esse campo de pesquisa. A partir da
análise realizada objetivamos contribuir para futuras reflexões sobre as mudanças que surgem
e desenvolvem-se na indústria de entretenimento em meio à cibercultura.
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