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Caracterização de Superfícies Nano-estruturadas de Interesse Catalítico Teresa de Jesus Caldeira Torres Rodrigues Dissertação apresentada na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Física Laboratorial, Ensino e História da Física. Orientador: Professor Doutor Orlando M. N. D. Teodoro Lisboa 2008

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Caracterização de Superfícies Nano-estruturadas de

Interesse Catalítico

Teresa de Jesus Caldeira Torres Rodrigues

Dissertação apresentada na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de

Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Física Laboratorial, Ensino e História da Física.

Orientador: Professor Doutor Orlando M. N. D. Teodoro

Lisboa

2008

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Ao meu marido e ao meu filho

Aos meus Pais

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3

Agradecimentos

O meu primeiro agradecimento é para o meu orientador, Professor Orlando Teodoro, pelos

seus ensinamentos, pelo modo claro de abordar os assuntos, por ter acreditado na minha

capacidade para executar este trabalho, permitindo alargar os meus horizontes sobre a Física,

quer do ponto vista teórico, quer experimental. E também, por todo o apoio e disponibilidade

ao longo do Mestrado.

O meu muito obrigado ao Doutorando Hugo Marques, por me ter explicado o

funcionamento do multitécnica, pela sua paciência em esclarecer as minhas dúvidas e pelo seu

apoio incondicional.

Não posso deixar de agradecer ao Professor Augusto Moutinho, pelas conversas

esclarecedoras e de incentivo, e ao Professor Vítor Teodoro pelos seus ensinamentos

oportunos e sempre presentes.

E também, à D. Helena, D. Fátima e D. Paula, pela simpatia e disponibilidade que sempre

manifestaram.

Aos meus colegas de mestrado, Isabel Lourenço, Paula Alves, Filipa Silva e Carlos Cunha,

pelo apoio e incentivo permanente.

Às minhas colegas da minha Escola Mestre Cristina Pissarra, Dr.ª Carolina Montelobo,

Dr.ª Ana Santos e Dr.ª Alexandrina Nunes, que me incentivaram sempre em prosseguir.

À Presidente do Conselho Executivo da Escola Secundária, com Terceiro Ciclo, de

António Gedeão, Dr.ª Graciana Parente, pelo incentivo para me inscrever neste mestrado e de

me possibilitar um horário para o frequentar.

À minha família, pelo apoio e compreensão da minha indisponibilidade.

E a todos que contribuíram para que este trabalho chegasse a bom termo.

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Resumo

A maior parte da poluição causada por automóveis acontece logo após o arranque a frio,

visto que, os catalisadores usados correntemente no escape dos automóveis não funcionam

abaixo do 200 °C. Catalisadores baseados em nanopartículas de ouro suportadas em óxidos

metálicos fornecem uma solução em potencial. Catalisadores com ouro, podem também, ser

usados para oxidações parciais sem solventes, tornando-os mais amigos do ambiente, que os

processos de oxidação baseados em cloro e mais baratos, que os baseados em peróxidos

orgânicos.

Neste trabalho, investigou-se a produção de catalisadores modelo – monocristais de TiO2

(110) cobertos com nanopartículas de ouro. O principal objectivo foi compreender como

produzir novos materiais de interesse catalítico. Para esse fim, é necessário conhecer os

processos físicos subjacentes aos crescimentos das nanopartículas (agregados) e da activação

das reacções químicas. Assim, utilizou-se uma superfície (110) de dióxido de titânio (TiO2),

sobre a qual se depositou uma quantidade muito pequena de ouro, monitorizada por técnicas

de superfície. As superfícies nano-estruturadas formadas foram depois expostas ao monóxido

de carbono e a sua adsorção foi estudada.

As técnicas de análise de superfícies utilizadas para monitorizar o crescimento dos

agregados de ouro e adsorção do CO foram XPS (X-ray Photoelectron Spectroscopy) e ISS

(Ion Scattering Spectroscopy), com a temperatura do substrato controlada.

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Abstract

Catalysts currently used in automobile exhausts are inactive below 200 ºC, so that most

vehicle pollution occurs just after start-up. Low-temperature gold-based catalysts, in which

gold nanoparticles are dispersed on an oxide support, provide a potential solution. The gold

catalysts can also carry out partial oxidations under solvent-free conditions, making them

more environmentally friendly than oxidation processes that use chlorine, and less costly than

those employing organic peroxides.

In this work, the catalytic activity of gold nanoclusters supported on titania surfaces was

investigated. The main goal was to understand how to design new materials of catalytic

relevance. For that end, knowledge on the physical processes underlying the cluster growth

and chemical reaction activation is required. A very small quantity of gold was deposited on

titania (TiO2) surface (110) monitored by surface techniques. The resulting nanostructured

surfaces were exposed to carbon monoxide and adsorption was studied.

XPS (X-ray Photoelectron Spectroscopy) and ISS (Ion Scattering Spectroscopy) with

controlled surface temperature was used to monitor the cluster growth and CO adsorption.

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Lista de Símbolos

φ Função trabalho

aφ Função trabalho do analisador

sφ Função trabalho da amostra

E’A Energia de activação com catalisador

E0 Energia do feixe de partículas

E1 Energia do feixe de partículas dispersas

EA Energia de activação

EB Energia de ligação do electrão no átomo no estado fundamental

Ec Energia cinética de um fotoelectrão

F Fluxo de moléculas

h Constante de Planck

M Massa molar

m1 Massa do projéctil

m2 Massa da partícula dispersora

Mr Massa molecular

NA Número de Avogadro

P Pressão

R Constante dos gases ideais

T Temperatura

t Tempo

γmetal Energia livre da superfície do metal

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γmetal/óxido Energia livre da interface metal-óxido

γóxido Energia livre do óxido

ΔG Variação da energia de Gibbs

ΔH Variação da entalpia

ΔS Variação da entropia

Δγ Variação da energia livre

θp Ângulo de dispersão do projéctil

λ Livre caminho médio

ν Frequência de radiação

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Lista de Acrónimos

AES Auger Electron Spectroscopy

AFM Atomic Force Microscopy

ESCA Electron Spectroscopy for Chemical Analysis

FAT Fixed Analyser Transmission

FRR Fixed Retarding Ratio

IRAS Infrared Reflection Absorption Spectroscopy

ISS Ion Scattering Spectroscopy

LEED Low Energy Electron Diffraction

LEIS Low Energy Ion Spectroscopy

QCM Quartz Crystal Microbalance

SIMS Secondary Ion Mass Spectrometry

STM Scanning Tunneling Microscopy

SXRD Surface X-Ray Diffraction

UHV Ultra High Vacuum

XAS X-ray Absorption Spectroscopy

XPS X – ray Photoelectron Spectroscopy

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Índice

Agradecimentos ..............................................................................................................3

Resumo ...........................................................................................................................4

Abstract...........................................................................................................................5

Lista de Símbolos ...........................................................................................................6

Lista de Acrónimos.........................................................................................................8

1. Introdução.....................................................................................................................11

1.1 Enquadramento do trabalho..................................................................................11

1.2 Objectivos.............................................................................................................12

1.3 Resumo desta dissertação .....................................................................................12

2. Caracterização de superfícies à escala nanométrica .....................................................14

2.1 Introdução.............................................................................................................14

2.2 Espectroscopia de foto-electrões de raios-X – XPS .............................................14

2.3 Espectroscopia de dispersão de iões – ISS ...........................................................18

2.4 Espectroscopia de electrões Auger – AES............................................................19

2.5 Comparação das técnicas......................................................................................20

3. Superfícies nano-estruturadas e a catálise heterogénea................................................21

3.1 Introdução.............................................................................................................21

3.2 Caracterização da superfície – dióxido de titânio (110) .......................................24

3.2.1 Estrutura cristalina........................................................................................24

3.2.2 Estrutura electrónica .....................................................................................29

3.3 Deposição do metal sobre o substrato (Au/TiO2).................................................31

3.4 Oxidação do monóxido de carbono catalisada pelo sistema Au/TiO2..................39

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3.5 Aplicações e tendências futuras............................................................................42

4. Aparelho multitécnica de análise de superfícies...........................................................44

4.1 Fonte de raios-X ...................................................................................................45

4.2 Fonte de iões de gás..............................................................................................46

4.3 Fonte de electrões .................................................................................................46

4.4 Evaporador ...........................................................................................................46

4.5 Analisador de energia ...........................................................................................47

4.6 Analisador de SIMS .............................................................................................48

4.7 Sistema de vácuo e bombas ..................................................................................48

5. Produção de nano-agregados em óxidos ......................................................................53

5.1 Calibração de deposição .......................................................................................53

5.2 Preparação da superfície de dióxido de titânio (110) ...........................................56

5.3 Deposição do ouro sobre uma superfície de TiO2 (110) ......................................57

5.4 Adsorção do monóxido de carbono no TiO2/Au ..................................................59

6. Conclusão .....................................................................................................................64

Referências bibliográficas ............................................................................................66

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1. Introdução

1.1 Enquadramento do trabalho

Um dos temas mais importantes da actualidade é sem dúvida o desenvolvimento

sustentável, que procura um equilíbrio entre a protecção ambiental e o desenvolvimento

económico de modo a não comprometer as necessidades das gerações futuras. Desde a

primeira crise do petróleo em 1973, enormes esforços têm sido feitos nos sectores industriais

para poupar energia e recursos. Em particular a indústria química, conseguiu em 1983 uma

redução de energia de 50% relativamente a 1973, mas desde então não tem melhorado [1]. A

sociedade actual é demasiado consumista e existem ainda países, como a China, em que o seu

desenvolvimento económico depende essencialmente do carvão como recurso energético, que

para além de ser esgotável é também altamente poluente. Para além da poluição ambiental

provocada pela indústria, outro agente que não pode ser esquecido é o automóvel, que apesar

de terem vindo a serem produzidas alterações para reduzir as emissões do motor e utilizado

conversores catalíticos para o controle destas emissões, estes últimos só actuam a partir dos

200 ºC, continuando a ser umas das principais fontes de poluição do ar e contribuir para o

aquecimento global da Terra, efeito de estufa e chuvas ácidas.

Organismos governamentais e não governamentais têm encetado esforços que visam

desenvolvimento de energias mais limpas e recursos alternativos. Uma das soluções que se

apresenta é a utilização de ouro em pequenas partículas dispersas sobre um suporte como

catalisador altamente activo para muitas reacções, como por exemplo a oxidação do

monóxido de carbono, redução do óxido de azoto, hidrogenação, … As principais vantagens

deste catalisador são a sua alta sensibilidade de estrutura ao desempenho catalítico, activação

a baixas temperaturas e em meios húmidos. Tais características são óptimas podendo ser

utilizado com controlador de níveis de poluição e também na indústria.

Existem vários tipos de catalisadores de ouro suportados preparados por processos

químicos, por exemplo, de deposição-precipitação, co-precipitação. Mas a complexidade

destes catalisadores (reais), as condições de pressão e temperatura fazem com que a

investigação dos mecanismos durante as reacções de catálise seja muito difícil e por isso

tenta-se controlar principalmente o tamanho da partícula.

A abordagem a esta dificuldade foi a criação de catalisadores modelo que podem ser

estudados em condições bem controladas, em ultra-alto vácuo e por técnicas da ciência de

superfícies. Nestes sistemas é possível isolar e investigar fenómenos específicos. Os

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conhecimentos assim adquiridos podem então serem aplicados para interpretar sistemas mais

complexos. É neste âmbito que se insere este trabalho.

1.2 Objectivos

A presente dissertação insere-se nos trabalhos em desenvolvimento pelo Grupo de Ciência

e Engenharia de Superfícies (GCES), no Centro de Física e Investigação Tecnológica

(CeFITec), da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.

Pretende-se com este trabalho, compreender como projectar novos materiais de interesse

catalítico. Para isso, foi necessário conhecer os processos físicos inerentes ao crescimento das

nanopartículas e da activação das reacções químicas. Assim, utilizou-se uma superfície (110)

de dióxido de titânio (TiO2), sobre o qual se depositou uma quantidade muito pequena de ouro

monitorizado por técnicas de análise de superfícies. Em seguida este sistema catalítico foi

exposto ao monóxido de carbono e avaliado.

Foram usadas técnicas de análise de superfícies para acompanhar o crescimento dos

agregados de ouro e a adsorção de CO. Informação muito detalhada foi obtida através de XPS

(X-ray Photoelectron Spectroscopy) e ISS (Ion Scattering Spectroscopy) com a temperatura

do substrato controlada.

Pretende-se também, no âmbito desta dissertação, estabelecer-se uma ponte entre os

conteúdos científicos que serão abordados e os jovens estudantes do Ensino Secundário. Ser

capaz de transportar este conhecimento, pelo menos até certo ponto, para um público desta

natureza constitui, certamente, um desafio. No entanto, a vivência num laboratório de

investigação é certamente uma grande fonte de motivação para a abordagem de matérias deste

tipo, permitindo partilhar esta experiência em sala de aula.

1.3 Resumo desta dissertação

Esta dissertação inicia-se por esta breve introdução onde se enquadrou este trabalho e se

definiu os objectivos. De seguida, no capítulo dois, refere-se de um modo sucinto os

princípios em que se baseiam as técnicas de espectroscopia de foto-electrões de raios-X

(XPS), espectroscopia de dispersão de iões (ISS) e a espectroscopia de electrões Auger (AES),

disponíveis no aparelho multitécnica, e por fim uma pequena comparação entre elas.

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No capítulo três faz-se uma breve descrição da caracterização da estrutura cristalina e

electrónica do suporte de dióxido de titânio (110), da nucleação e deposição dos agregados de

ouro sobre o dióxido de titânio, da oxidação do monóxido de carbono por este catalisador e

por fim, das aplicações disponíveis e investigações que apontam para uma promissora

utilização deste catalisador na indústria e no controlo de gases poluentes.

No capítulo quatro faz-se uma explicação sumária do aparelho multitécnica em termos da

constituição e função dos seus componentes. Explica-se também, como se atinge o ulta-alto

vácuo neste aparelho.

O capítulo cinco, refere-se ao trabalho experimental desenvolvido, aos resultados obtidos e

a sua interpretação, e por fim, as conclusões desta dissertação (capitulo 6).

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2. Caracterização de superfícies à escala nanométrica

2.1 Introdução

Define-se superfície de um sólido cristalino no vácuo como as primeiras camadas atómicas

que diferem significativamente das camadas internas [2]. Conhecer uma superfície em termos

químicos e estruturais é imperativo para a ciência e engenharia dos materiais, pois é através

dela que o material interactua com o meio ao qual está exposto.

O desenvolvimento do estudo da superfície só foi possível com o aperfeiçoamento de

instrumentos, de sistemas de ultra-alto vácuo e de técnicas de análise de superfície. Existem

muitas técnicas de análise, todas elas têm vantagens e limitações, sendo necessário por vezes

recorrer a várias para obter a informação desejada. Das técnicas mais usadas encontram-se a

espectroscopia de foto-electrões de raios-X – XPS (X-ray Photoelectron Spectroscopy), a

espectroscopia de dispersão de iões – ISS (Ion Scattering Spectroscopy) e a espectroscopia de

electrões Auger – AES (Auger Electron Spectroscopy). Elas baseiam-se em bombardear a

superfície com partículas (partículas primárias) e na detecção e análise das partículas que são

ejectadas da superfície (partículas secundárias). Os fundamentos básicos destas técnicas serão

apresentados a seguir, baseados em [3,4,5].

2.2 Espectroscopia de foto-electrões de raios-X – XPS

A técnica da espectroscopia de foto-electrões de raios-X – XPS, surge nos anos 50,

baseando-se no efeito fotoeléctrico observado por Hertz em 1887. Inicialmente foi

denominada de ESCA (Electron Spectroscopy for Chemical Analysis) por Siegbahn e seus

colaboradores, mas por ser demasiado generalista foi alterada para uma designação que traduz

melhor a técnica utilizada, apesar de ainda hoje este nome por vezes surgir em laboratórios

industriais. Este grupo de investigadores, efectuou as primeiras medições da energia dos

electrões emitidos devido a radiações de raios-X e mostrou que o XPS podia ser usado para

identificar elementos e compostos químicos.

Os primeiros sistemas comerciais de XPS apareceram nos finais dos anos 60, com a função

de medir as propriedades dos sólidos.

A análise da superfície de um material por XPS consiste em medir a energia dos electrões

emitidos (fotoelectrões) pela amostra atingida com fotões de raios-X (ver figura 2.1). Estes

fotões de energia hν interagem com os electrões de um determinado nível X com uma energia

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de ligação EB, dos átomos à superfície do sólido, transferindo toda a energia para os electrões

que ao recebê-la são ejectados com a energia cinética

( ),c BE h X h Eν ν φ= − − (2.1)

Em que Ec é a energia cinética de um fotoelectrão detectado, h é a constante de Planck, ν é

a frequência da radiação, hν é a energia de um fotão, EB é a energia de ligação do electrão no

átomo no estado fundamental, Ф é a diferença da função de trabalho entre a amostra (Фs) e o

detector do analisador (Фa).

Figura 2.1 Representação esquemática do bombardeamento de uma superfície metálica por raios-X e

a consequente emissão de fotoelectrões.

Como a energia da radiação raios-X é conhecida e a função trabalho pode ser calibrada,

uma alteração da energia cinética dos fotoelectrões indica uma alteração da energia de ligação

dos electrões no átomo que têm valores característicos para cada elemento da Tabela

Periódica, sendo possível identificar qual o elemento existente na superfície da amostra,

excepto o hidrogénio e o hélio. Também é possível fazer uma análise quantitativa de

composição de superfície e obter algumas informações sobre as ligações químicas dos

elementos através dos desvios de energia de alguns picos. Estes desvios são muitas vezes

devidos a diferentes estados de oxidação, tipos de ligação e estrutura cristalina de superfície.

Na técnica XPS, os fotoelectrões são essencialmente electrões das camadas mais interiores

do átomo. E uma vez removidos provocam instabilidade neste, dando-se a transferência de um

electrão de um nível de energia mais alto para a lacuna deixada pela saída do electrão

(relaxação). O excesso de energia pode ser libertado ou pela emissão de fotões (ver figura 2.2

a)) ou pela libertação de um terceiro electrão, chamado electrão Auger (ver figura 2.2 b)).

Estes dois processos são competitivos, mas para os níveis energéticos envolvidos no XPS (e

AES) o processo Auger é favorecido.

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Figura 2.2 Representação esquemática do processo competitivo de decaimento de electrões. a)

Processo de emissão de fotões. b) Processo de emissão de electrões Auger.

Assim, no espectro de XPS aparece os resultados da fotoemissão e também, alguma

informação sobre a emissão Auger, apesar de existir uma técnica essencialmente de detecção

de electrões Auger (ver secção 2.4).

Nas técnicas de XPS e AES interessa que os electrões que saem não percam energia ao

atravessar o material analisado. A distância que os electrões viajam sem perder a sua

informação é chamada de livre caminho médio (λ) e é função do material e da sua energia

cinética. A figura 2.3 mostra a curva característica de λ, em termos de monocamadas, em

função da energia cinética. E uma consequência importante desta dependência é que os

valores de λ são muito pequenos. Por exemplo, no XPS valores típicos de energia cinética

entre 250 a 1500 eV correspondem a λ de cerca de 4 a 8 monocamadas; no AES valores entre

20 a 1000 eV correspondem entre 2 a 6 monocamadas. Isto significa que os electrões

detectados e analisados provêm da superfície da amostra.

Os electrões que perdem energia neste processo, mas que saem da amostra contribuem

apenas para as contagens no fundo do espectro.

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Figura 2.3 Variação do livre caminho médio dos electrões com a sua energia cinética [4].

As notações usadas para a denominação das orbitais atómicas no XPS e AES são

diferentes, embora equivalentes. No XPS é utilizada a de espectroscopia óptica e no AES a de

raios X.

Em espectroscopia óptica as orbitais atómicas são denotadas em primeiro lugar pelo

número quântico principal n (1, 2, 3, ...), de seguida o momento angular orbital l, em que os

valores 0 correspondem às orbitais s, valores 1 às orbitais p, valores 2 às orbitais d ..., e por

fim em índice o número quântico angular total j, obtido pela soma do momento angular

orbital l com o número quântico de spin s (±1/2), assim o j pode tomar valores de 1/2, 3/2,

5/2, ... como mostra a tabela 2.1. Na notação de raios X, o número quântico principal, ou nível

de energia é substituído pelas camadas K, L, M, N, ... , e em índice aparece um número inteiro

crescente que resulta da combinação l e j (ver tabela 2.1).

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Números quânticos

n l j

Notação espectroscópica

Notação de raios X

1 0 (s) 1/2 1s K

2 0 (s)

1 (p)

1(p)

1/2

1/2

3/2

2s1/2

2p1/2

2p3/2

L1

L2

L3

3 0 (s)

1 (p)

1 (p)

2 (d)

2 (d)

2 (d)

1/2

1/2

3/2

1/2

3/2

5/2

3s1/2

3p1/2

3p3/2

3d1/2

3d3/2

3d5/2

M1

M2

M3

M4

M5

M6 Tabela 2.1 Comparação das nomenclaturas utilizadas na espectroscopia XPS e AES.

2.3 Espectroscopia de dispersão de iões – ISS

Pode-se considerar que a espectroscopia de dispersão de iões, tem a sua origem no início

do século XX, nas experiências de Rutherford da dispersão de partículas de carga positiva

(alfa), por uma folha de ouro e na teoria da estrutura atómica de Bohr. Mas só no início dos

anos 60, é evidente a correlação entre a energia perdida pelo ião disperso e o tipo de átomos

da superfície. A espectroscopia de dispersão de iões aparece como técnica de análise nos

finais dos anos 60 com Smith e investigadores da antiga União Soviética. Nos anos seguintes,

ficou demonstrado que esta técnica é bastante importante na análise da composição e estrutura

da superfície.

A espectroscopia de dispersão de iões – ISS, ou também designada por dispersão de iões

de baixa energia – LEIS (Low-Energy Ion Scattering), é uma técnica de análise que utiliza

uma faixa de energia entre 0,5 a 5 keV, sendo sensível à primeira camada atómica da

superfície, devido à elevada probabilidade de neutralização de iões que penetram a amostra. O

feixe de iões mono-isotópico de massa conhecida (m1) irradia a superfície, segundo um

ângulo ϕ e a fracção de iões que é deflectida pelos átomos (m2) da amostra é detectada e

analisada (figura 2.4).

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Figura 2.4 Representação esquemática da colisão e deflexão de um feixe de iões de He+, quando

embate na superfície da amostra.

Considera-se que a colisão entre os iões e os átomos da superfície é elástica, obedecendo às

leis de conservação de energia cinética e de momento linear. A partir deste modelo, pode-se

escrever a seguinte relação:

2

221 1

0 22

1

1 . cos sin1

p pE mE mm

m

θ θ

⎛ ⎞⎜ ⎟⎛ ⎞⎛ ⎞⎜ ⎟⎜ ⎟= + −⎜ ⎟⎜ ⎟⎜ ⎟⎛ ⎞ ⎝ ⎠+⎜ ⎟⎝ ⎠⎜ ⎟⎜ ⎟⎝ ⎠⎝ ⎠

(2.2)

Em que E0 é a energia do feixe de iões incidente de massa m1, E1 é a energia do feixe de

iões dispersos, m2 é a massa da partícula dispersora e θp o ângulo de dispersão. Como se

conhece a massa (m1) e a energia do feixe de iões (E0), assim como o ângulo de dispersão θp,

pode-se identificar os elementos da amostra pela energia dos iões dispersos (E1).

Normalmente, o feixe de iões é de hélio (He+), ou seja, de massa menor do que a das

partículas da amostra, para minimizar a destruição da superfície.

2.4 Espectroscopia de electrões Auger – AES

A espectroscopia de electrões Auger – AES (“Auger Electron Spectroscopy”), deve o seu

nome a Pierre Auger, que em 1923 descobriu o electrão Auger. Em 1953, Lander observou

picos Auger em espectros de electrões secundários em vários materiais e em 1967, Harris

desenvolveu uma técnica para detectar estes electrões, mas foi com Palmberg que se chegou

ao actual AES.

A emissão dos electrões Auger provém, como já foi referido em 2.2., da relaxação de

electrões de um átomo que foi excitado e ionizado por um feixe de partículas (electrões, raios-

X, protões). Na técnica AES, utiliza-se um feixe de electrões com uma energia de alguns keV

(3 keV) que ao embater na superfície da amostra, emite electrões que são detectados e

analisados em energia. Estes electrões correspondem a transições bem definidas entre níveis,

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e por isso, permitem identificar os elementos presentes na amostra. Por outro lado, como estão

envolvidas transições de mais de um nível, esta técnica só identifica elementos a partir do

berílio.

O espectro de AES resulta do número de contagens dos electrões analisados em função das

suas energias, sendo os electrões Auger uma pequena parcela, eles aparecem como pequenos

picos numa grande quantidade de ruído, dificultando a sua identificação. Este problema é

resolvido, utilizando a forma diferencial do espectro, onde os picos Auger são realçados e o

ruído é anulado.

2.5 Comparação das técnicas

Fazendo uma breve comparação entre as três técnicas pode-se salientar que:

A técnica ISS é utilizada essencialmente para identificar os elementos da primeira camada

da superfície, por exemplo, para verificar o estado de limpeza de uma amostra;

A técnica AES tem uma elevada resolução lateral, que aliada à possibilidade de se

movimentar o feixe de electrões ao longo da amostra permite estudar superfícies

heterogéneas;

A técnica XPS é das três a mais quantitativa, sendo usada na identificação, na

quantificação e na obtenção de informação das ligações químicas dos elementos à superfície.

Na tabela 2.2 faz-se um resumo comparativo das três técnicas.

XPS ISS AES

Identificação e sensibilidade Boa Boa Boa

Rapidez de análise Razoável Boa Boa

Resolução espacial Fraca Razoável Boa

Quantificação Boa Fraca Fraca

Informação química Boa Fraca Razoável Tabela 2.2 Comparação das técnicas XPS, ISS e AES.

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3. Superfícies nano-estruturadas e a catálise heterogénea

3.1 Introdução

O termo “catálise” foi usado pela primeira vez por Berzelius em 1836, para descrever

processos em que pequenas quantidades de certas substâncias originavam extensas

transformações químicas sem serem consumidas. No entanto, interpretou erradamente este

efeito atribuindo-o a uma força catalítica. Só no século XX com Ostwald, se considera estas

substâncias capazes de alterar a velocidade das reacções.

Actualmente catálise, segundo a IUPAC – International Union of Pure and Applied

Chemistry, organização internacional que estabelece as regras de nomenclatura química, é

definida como a acção de um catalisador, e catalisador como uma substância que aumenta a

velocidade da reacção sem modificar a energia standard de Gibbs da reacção (∆G).

Uma reacção química só acontece se for energeticamente favorável, quer dizer que a

energia dos produtos é menor que a energia dos reagentes (figura 3.1), ser desfavorável

significa o contrário. A energia que condiciona, em termos termodinâmicos, a reactividade

química é chamada de energia de Gibbs.

A variação da energia de Gibbs é dada por:

G H T SΔ = Δ − Δ (3.1)

Em que ΔH, variação de entalpia, é, a pressão constante, uma medida de calor posto em

jogo na reacção (ΔH < 0 se a reacção ocorre com libertação de calor, ΔH > 0 se a reacção

ocorre com absorção de calor); T é a temperatura a que a reacção se dá e ΔS é a variação de

entropia, que é uma medida da variação da desorganização do sistema reaccional (ΔS > 0 se

os produtos são mais desorganizados que os reagentes e ΔS < 0, o contrário). Se do balanço

destas duas variações ΔG < 0, a reacção é energeticamente favorável [6].

Numa situação inicial os reagentes reagem formando os produtos, mas estes também

podem reagir entre si e regenerar os reagentes a uma taxa inferior. Assim, o sistema

reaccional vai evoluindo no tempo, alterando as suas concentrações em que a cada

composição da mistura reaccional corresponde um determinado valor de energia de Gibbs, até

que se atinge uma mistura cuja composição corresponde a um mínimo de energia de Gibbs e

diz-se que se atingiu o equilíbrio químico. Nesta situação a taxa de formação dos produtos é

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igual à taxa de regeneração dos reagentes. Se o equilíbrio está deslocado para a esquerda

existem mais reagentes que produtos, se está deslocado para a direita existem mais produtos

que reagentes e numa situação extrema pode-se dizer que a reacção é completa.

A velocidade ou taxa, com que se atinge esta posição de equilíbrio depende de vários

factores como a concentração dos reagentes, temperatura e de um parâmetro energético

chamado energia de activação. Se se representar a energia do sistema reaccional em função do

grau de avanço da reacção (figura 3.1), verifica-se que, para a reacção se dar, algumas

moléculas do reagente têm de ter energia (cinética) igual ou superior à energia de activação

(EA), por isso, a velocidade das reacções aumenta com a diminuição da energia de activação,

assim como com o aumento da temperatura, pois o aumento da temperatura significa que

aumenta estatisticamente a percentagem de moléculas com energias elevadas.

Figura 3.1 Diagrama simplificado da energia para uma reacção química.

Um modo de diminuir a energia de activação é utilizando catalisadores. O catalisador

fornece uma forma mais fácil dos reagentes interactuarem permitindo um percurso reaccional

mais favorável e assim as moléculas dos reagentes podem ter valores de energia mais baixos

para reagirem, ou seja, os catalisadores diminuem a energia de activação (E’A) como mostra a

figura 3.2.

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Figura 3.2 Diagrama simplificado para a energia de uma reacção química com e sem catalisador.

Existe uma enorme variedade de catalisadores, mas pode-se classificá-los em três tipos:

catalisadores heterogéneos, homogéneos e enzimáticos.

Os catalisadores heterogéneos estão num estado físico diferente dos reagentes,

normalmente o catalisador é um sólido e os reagentes são gases ou líquidos. Os catalisadores

homogéneos encontram-se dispersos na mesma fase dos reagentes e produtos, geralmente

líquida.

Os catalisadores enzimáticos, ou enzimas, são substâncias biológicas que além de

aumentarem a velocidade das reacções bioquímicas, são também muito específicos sobre as

moléculas que actuam (substrato). Estes catalisadores são homogéneos pois o substrato e as

enzimas estão em solução aquosa [7].

Na catálise heterogénea a interacção entre os reagentes e a superfície do catalisador é um

fenómeno de adsorção e resulta de existência de forças atractivas não compensadas à

superfície. Tendo em conta o tipo de interacções, pode-se ter adsorção física ou adsorção

química. Na adsorção física as forças em jogo são fracas do tipo de forças de van der Waals,

não havendo alteração química das moléculas adsorvidas (ordem de grandeza dos calores de

condensação). Na adsorção química, as forças estabelecidas são mais fortes, pois já envolvem

a formação de ligações químicas (ordem de grandeza dos calores de reacção).

A adsorção é um processo espontâneo (∆G < 0), em que existe uma diminuição do número

de graus de liberdade translacional, devido ao facto que as moléculas só se poderem mover,

quando muito, sobre a superfície (∆S < 0). Considerando a equação 3.1, vem que a entalpia

tem de ser negativa (∆H < 0), ou seja a adsorção é um processo exotérmico. Isto significa que,

a quantidade de gás adsorvido no equilibro diminui quando a temperatura aumenta.

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De um modo geral, quando os reagentes são moléculas gasosas, primeiro sofrem uma

adsorção física (caminho de menor energia), seguida da activação de uma adsorção química.

A adsorção química é a primeira etapa da reacção catalítica permitindo o enfraquecimento das

moléculas dos reagentes e facilitando a sua conversão em produtos [8].

Em 1989, Haruta e o seu grupo descobriu que o ouro, apesar de ser um metal praticamente

inerte, quando existente em partículas com diâmetro inferior a 5 nm dispersas num suporte,

era bastante reactivo podendo oxidar o monóxido de carbono à temperatura ambiente. Um dos

trabalhos em desenvolvimento no CeFITec é o estudo da superfície do cristal de dióxido de

titânio (110), dos agregados de ouro (e prata) sobre esta superfície e das potencialidades deste

sistema como catalisador de reacções com gases (catálise heterogénea).

Na continuação deste capítulo faz-se uma breve caracterização da estrutura cristalina e

electrónica do suporte de dióxido de titânio (110), da nucleação e deposição dos agregados de

ouro sobre o dióxido de titânio, da oxidação do monóxido de carbono por este catalisador e

por fim, algumas aplicações e investigações em curso.

3.2 Caracterização da superfície – dióxido de titânio (110)

O dióxido de titânio é um dos materiais mais usados na investigação. Ele adapta-se bem às

diferentes técnicas; pode ser facilmente adquirido, existindo no mercado cristais de alta

qualidade; reduz-se facilmente, evitando problemas de carga; a sua estrutura está bem

caracterizada por inúmeros trabalhos, o que permite o estudo de outros fenómenos, além de

poder ser utilizado diversas vezes para realizar vários ensaios.

O dióxido de titânio pode ser utilizado na catálise heterogénea; como fotocalisador; em

células solares para produção de hidrogénio e energia eléctrica; como sensor de gás; como

pigmento branco em tintas e na cosmética; como protector anti-corrosão; como revestimento

óptico; na cerâmica e em dispositivos eléctricos como varistores. Também desempenha um

papel importante na biocompatibilidade dos implates de ossos e estuda-se a possibilidade da

sua utilização como isolador da porta (gate) na nova geração dos MOSFETS.

3.2.1 Estrutura cristalina

Em 2003 Diebold fez uma revisão do extensivo trabalho desenvolvido do dióxido de

titânio [9], sobre a qual se baseia o que se descreve a seguir.

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O dióxido de titânio cristaliza em três estruturas diferentes: rutilo (tetragonal); anatásio

(tetragonal) e broquite (romboédrico). No entanto, é o rutilo (110) o mais estudado na ciência

de superfícies, e o utilizado neste trabalho. Recentes estudos comprovam que a estrutura

anatásio também poderá desempenhar um papel importante nas diversas aplicações do

dióxido de titânio. Relativamente à broquite, por ser muito instável transforma-se na estrutura

de rutilo a temperaturas relativamente baixas [10].

Figura 3.3 Estrutura do rutilo [9].

A célula unitária da estrutura cristalina do rutilo (figura 3.3) mostra o átomo de titânio

ligado a seis átomos de oxigénio numa configuração octaédrica distorcida, existindo duas

ligações entre o oxigénio e o titânio que são maiores que as outras quatro. A partilha com o

octaedro vizinho faz-se através de um vértice, segundo as direcções <110> e o empilhamento

é alternado de 90º.

Ramamoorthy e Vanderbilt calcularam teoricamente a energia total das diferentes

superfícies do TiO2. A menor energia é a da superfície (110) e a maior, a da superfície (001).

Os resultados experimentais vão de encontro às previsões teóricas de que a superfície (110) é

a mais estável.

O cristal que expõe uma superfície (110), sofre um corte segundo a linha A (ou B) como

mostra a figura 3.4 a). Ao longo da direcção [001] existem átomos de titânio de coordenação

6, alternados com átomos de titânio de coordenação 5. E dois tipos de átomos de oxigénio,

uns de coordenação 3 e os chamados pontes de oxigénio (bridging oxygen) com coordenação

2. Estes átomos de oxigénio, devido à sua coordenação insaturada, são removidos com

relativa facilidade por aquecimento (annealing) resultando defeitos pontuais que afectam

globalmente a química da superfície, mesmo em termos macroscópicos.

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Figura 3.4 a) Modelo da estrutura do cristal de rutilo. b) Corte do cristal ao longo da linha A

(adaptado de [9]).

Vários investigadores utilizaram a técnica cristalográfica de difracção de electrões de baixa

energia LEED ( Low Energy Electron Diffraction) para a superfície de dióxido titânio, após

sputtering e annealing, e através da análise do padrão de difracção LEED obtido (conjunto de

pontos brilhantes projectados num alvo), chegaram a um arranjo estrutural dos átomos da

superfície deste óxido[11], concordante com a estrutura representada na figura 3.4 b). Os

espectros de difracção de foto-electrões de raios-X, assim como, os resultados de microscópio

de efeito de túnel STM (Scanning Tunneling Microscope), também confirmam esta estrutura.

Em qualquer superfície existe sempre uma mudança do espaçamento entre a primeira

camada e a segunda, conhecida como relaxação superficial. No caso da superfície de dióxido

de titânio (110), foi determinada experimentalmente por Charlton em 1997, através de

difracção de raios-X superficial SRXD (Surface X-Ray Diffraction). Vários estudos

experimentais e teóricos indicam que, a maior parte das relaxações ocorrem

perpendicularmente à superfície: as pontes de oxigénio para baixo e os átomos de titânio de

coordenação 6 para cima. A relaxação do oxigénio das pontes de oxigénio é bastante

controversa. Existe desacordo entre os valores obtidos experimentalmente e os números

determinados por cálculos teóricos de energia total. A maior parte destes últimos estudos

estão em concordância com os de Ramamoorthy e Vanderbilt, que prevêem uma relaxação

bem mais pequena que os experimentais, podendo ir até zero [12]. Harrison et al, considerou

que uma possível explicação para este desacordo seria devido a que todos os estudos teóricos

só são validos para temperatura zero, no entanto estudos de simulações de dinâmica molecular

feitos por Carr-Parinello demonstraram que esta contribuição é muito pequena, e foi sugerido

que a relaxação seria lateral, mas ainda não existe evidência experimental para esta

explicação. As relaxações para camadas interiores são menores, diminuindo de um factor de

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dois para a segunda camada. A utilização de microscópios de varrimento por sonda é muito

útil para estudar a estrutura atómica. No caso do TiO2 (110) muitos grupos utilizaram o

microscópio de efeito de túnel STM, e mais recentemente o microscópio de força atómica

AFM (Atomic Force Microscope). Nas imagens STM, o contraste da superfície é electrónico

em vez de topográfico, em que o contraste escuro corresponde às pontes de oxigénio e as filas

brilhantes às filas de átomos de titânio com coordenação 5 (ver figura 3.5).

Vários tipos de defeitos podem existir na superfície do TiO2 (110), por exemplo, lacunas

de oxigénio, degraus (step edges), defeitos lineares, impurezas e manifestações de cortes de

planos cristalográficos (CSP crystallographic shear planes). Os defeitos mais comuns e mais

cuidadosamente estudados são as lacunas de oxigénio nas pontes de oxigénio por

introduzirem modificações na estrutura electrónica. Estas lacunas podem ser criadas por

tratamento térmico (annealing), bombardeamento electrónico, irradiação com luz ultra violeta

e por sputtering de iões de gases nobres. Nas imagens de STM são vistas como pontos

brilhantes em filas negras (ver figura 3.5).

Figura 3.5 Imagem STM da superfície do TiO2 (110) 1x1, mostrando lacunas de oxigénio na fila das

pontes de oxigénio (adaptado de [13]).

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Apesar do TiO2 (110), ser a superfície mais estável, ela pode ser reconstruída ou não. Nas

superfícies não reconstruídas, embora apresentem alguma relaxação, os átomos das camadas

superiores obedecem à mesma disposição dos átomos das camadas internas (bulk), que

segundo a notação de Wood para superfícies é (1x1). As superfícies reconstroem a altas

temperaturas tanto sob condições de oxidação como de redução. Sob condições de redução, a

primeira reconstrução a aparecer é (1x3), raramente referida por existir em pequena

quantidade, aparecendo rapidamente a estrutura (1x2). Esta reconstrução corresponde à adição

de uma fila e tem sido alvo de grande polémica, em parte por existirem duas estruturas

diferentes que por vezes são confundidas. Estas diferenças estão ilustradas na figura 3.6 C e

D. A (1x2) “simples” (figura 3.6 C) aparece a baixa redução e consiste na adição de filas que

podem ser Ti3O5 com foi descrito por Pang ou Ti2O3 segundo Onishi e Iwasawa (figura 3.6

C), separadas por dois espaços na rede segundo a direcção 110⎡ ⎤⎣ ⎦ . A estrutura atómica exacta

destas camadas ainda permanece em discussão, embora o modelo da remoção de filas esteja

fora de questão. A segunda estrutura (1x2), a chamada “cross-linked”, na realidade é (nx2),

onde n varia na direcção [001] (figura 3.6 D). A diferença maior da (1x2) “simples” é que as

filas adicionadas são mais altas. Ambas as construções podem co-existir, especialmente na re-

oxidação da superfície. Por fim, indicando uma redução apreciável do bulk, surgem cortes de

planos cristalográficos [13].

Figura 3.6 Estrutura da superfície de TiO2 (110) durante a redução do cristal. Em cima são imagens

de STM. Em baixo são propostas de estruturas de superfícies vistas de cima e de perfil [13].

A cor do cristal é uma forma de avaliar qualitativamente a redução do TiO2, que varia de

incolor e transparente até um azul-escuro, quase negro e opaco à luz (forma mais reduzida).

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Esta escala de coloração tem sido relacionada com a indução da formação de lacunas de

oxigénio e consequente redução da superfície. Os cristais reduzidos quando expostos ao

oxigénio e a elevadas temperaturas são oxidados. O Ti intersticial mostra uma grande difusão

com o aumento da temperatura e quando aparece à superfície ele reage com o oxigénio

formando estrutura “cross-linked” que evolui para a estrutura (1x1), aparecendo assim, novas

camadas de TiO2.

3.2.2 Estrutura electrónica

O dióxido de titânio é um semicondutor de baixa condutividade, com uma banda proibida

de cerca de 3,2 eV e com uma resistividade de ~107 Ω.cm a 500 ºC, variando muito com as

impurezas e os defeitos. Tipicamente a resistência de um cristal novo é de ~106 Ω.cm,

diminuindo para ~104 Ω.cm para um cristal azul claro e ~30 Ω.cm para um cristal negro.

A estrutura electrónica tem sido calculada utilizando vários métodos. No entanto ainda

permanece um significante desacordo em relação aos dados obtidos. A estrutura da sua

superfície é muito parecida com a estrutura do bulk. Os estados ocupados são

predominantemente O 2p, exibindo um grau significativo de covalência. Em média a carga do

titânio é + 1,7 (comparado com o estado de oxidação formal de + 4), e a carga do oxigénio de

-0,85 (estado de oxidação formal de -2).

A hibridação do titânio com o oxigénio foi experimentalmente determinada com

fotoemissão de ressonância. Trabalhos de Niu [14], utilizando métodos teóricos também

confirmam a hibridação. A banda de valência é essencialmente constituída por hibridação de

estados O 2p e Ti 3d, enquanto a banda de condução é por estados Ti 3d. A banda proibida é

de 2,1 eV, muito perto dos resultados experimentais de cerca de 3,2 eV.

As diferentes orientações das orbitais d do titânio originam diferentes interacções com os

átomos de oxigénio resultando um desdobramento do campo cristalino com geometria

octaédrica. A figura 3.7 mostra a orientação das orbitais com os respectivos 6 átomos de

oxigénio (ligandos) e o desdobramento em duas sub bandas eg e t2g. As orbitais duplamente

degeneradas eg têm os lóbulos com a maior densidade apontados na direcção dos ligandos e as

três orbitais t2g entre os átomos de oxigénio. Inicialmente considerou-se que o desdobramento

era causado por repulsão electrostática, mas interpretações mais recentes enfatizam a

importância das interacções das orbitais. Assim, as orbitais eg (dz2 e dx

2-y

2) apontam para os

oxigénios formando ligações σ (coalescência de topo), as orbitais t2g (dxy, dyz, dzx) apontam

para entre os átomos formando ligações π (coalescência lateral) [15].

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Figura 3.7 Desdobramento do campo cristalino das orbitais d de coordenação octaédrica: a)

orientação das orbitais d em relação aos átomos de oxigénio; b) orbitais de energia resultantes (adaptado de [15]).

O desdobramento do campo cristalino é visto experimentalmente por absorção de raios-X

(XAS). Estes estados são afectados pela existência de defeitos pontuais e outras imperfeições.

As lacunas de oxigénio criadas na superfície do TiO2 provocam alteração na estrutura

electrónica. A remoção de um átomo de oxigénio deixa dois electrões na superfície que

ocupavam níveis O 2p na banda de valência. Como estes estados já não estão disponíveis, os

electrões passam à banda de condução para os estados 3d do Ti, ficando um electrão em cada

átomo vizinho de titânio, um no átomo de coordenação 5 e o outro no átomo de coordenação

6. A carga adicional do titânio pode ser vista como uma bossa no pico 2p do espectro de XPS.

Figura 3.8 Espectro de XPS da superfície de TiO2 (110): a) superfície estequiométrica; b) depois de

annealing em UHV com defeitos pontuais; c) depois de sputtering (adaptado de [9]).

A redução da superfície significa que existe uma diminuição do estado de oxidação, neste

caso do titânio, e esta alteração pode ser identificada por técnicas espectroscópicas. A figura

3.8 a) mostra um espectro da superfície estequiométrica do TiO2, apenas com os picos 2p do

Ti. Em espectros rigorosamente calibrados o pico Ti 2p3/2 é atribuído ao titânio com estado de

oxidação formal +4, localizado a 459,3 eV, e o pico do O 1s a 530,4 eV. O valor de 458,5 eV

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também é utilizado como padrão para os espectros de XPS. No entanto, os defeitos

superficiais podem causar uma flexão da banda e provocar um pequeno deslocamento de todo

o espectro.

Depois da superfície estequiométrica ser sujeita a annealing em condições de UHV (e

criado defeitos pontuais), aparece uma bossa no pico do Ti 2p, que é atribuído ao estado de

oxidação formal +3 do Ti (figura 3.8 b)). O sputtering remove preferencialmente o oxigénio

da superfície criando estados de oxidação mais baixo aumentando ainda mais a bossa do

espectro (figura 3.8 c)).

3.3 Deposição do metal sobre o substrato (Au/TiO2)

Existem vários estudos publicados sobre a deposição de metais, desde os alcalinos até aos

metais nobres, sobre o TiO2. O modo de crescimento, as reacções da interface e a estrutura do

metal sobre o TiO2, seguem uma tendência ao longo da Tabela Periódica, onde a afinidade do

oxigénio é um dos factores mais decisivos para as propriedades do sistema metal/TiO2.

O crescimento de filmes é geralmente classificado em três tipos: Volmer-Weber, Frank-van

der Merwe e Stranski-Krastanov (figura 3.9). No crescimento Volmer-Weber, também

designado por crescimento 3D ou por ilhas, existe a nucleação de pequenos agregados

(clusters) directamente sobre a superfície do substrato, que vão crescendo e coalescendo

formando no final um filme contínuo. No crescimento Frank-van der Merwe, ou crescimento

2D, ou camada a camada, uma nova camada aparece quando a anterior está completa. No

crescimento designado por Stranski-Krastanov existe uma combinação entre estes dois, em

que, primeiro forma-se uma ou duas monocamadas atómicas com crescimento 2D seguido de

crescimento 3D.

Figura 3.9 Modos de nucleação e crescimento de um filme sobre o substrato (adaptado de [16]).

O modo de crescimento do metal pode ser determinado por condições de equilíbrio

termodinâmico através de um balanço energético entre a energia livre da interface metal-

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óxido, γmetal/óxido, e a diferença entre energia livre da superfície do metal limpo em vácuo, γmetal,

e o óxido limpo, γóxido:

óxidometalóxidometal γγγγ −+=Δ / (3.2)

Se ∆γ > 0, formam-se ilhas 3D caso contrário ocorre crescimento 2D.

Normalmente a energia livre da superfície dos metais é maior que a energia livre do óxido,

resultando termodinamicamente favorável a formação do crescimento 3D, a menos que a

energia livre da interface metal/óxido seja negativa devido a reacções de oxidação redução.

Tendo em conta a dificuldade em medir directamente a energia livre da interface

metal/oxido, são feitas aproximações. Se as interacções nas interfaces, excepto as reacções

oxidação/redução, forem desprezáveis, assim como o estado electrónico e estrutura

geométrica dos óxidos metálicos formados na interface metal/TiO2, o calor de formação do

óxido do metal mais estável pode ser utilizado como aproximação da energia livre da

interface metal/óxido. A energia livre dos metais, γmetal, também pode ser aproximada ao calor

de sublimação do metal, que é facilmente obtido por consulta de Handbooks. A energia livre

do óxido (substrato), γóxido, permanece constante, assim o modo de crescimento depende só

dos outros dois parâmetros. Segundo Hu et al [17], se o calor de sublimação do metal for

maior que o calor de formação do óxido do metal, isto é, se as ligações entre metal-metal

forem mais fortes do que entre metal-substrato, existe a formação de ilhas 3D, caso contrário

existe um crescimento 2D. Quando o calor de sublimação do metal e o calor de formação do

óxido do metal são semelhantes, implica que as forças de interacção metal-metal são

comparáveis às reacções de interface metal-TiO2, e o modo de crescimento é uma transição

entre 2D e 3D. Neste ultimo caso, deve-se ter em conta outros factores, como por exemplo, a

tensão na interface.

Pode-se obter informação a partir da análise de espectros de XPS do pico 2p do Ti antes e

depois da deposição de algumas monocamadas de vários metais. O pico característico do Ti4+

não é alterado pela deposição do cobre, mas o ferro, crômio e o háfnio induzem a formação de

estados de oxidação mais baixos no titânio, detectados pelo aparecimento de bossas. O háfnio

é o que indica uma maior reactividade com a superfície do TiO2 (figura 3.10).

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Figura 3.10 Espectro de XPS do pico 2p do titânio. A linha a cheio corresponde ao espectro antes da

deposição e a linha a tracejado depois da deposição dos metais cobre, ferro, crómio e háfnio (adaptado de [18]).

A técnica LEIS também se revela muito importante devido à sua sensibilidade à primeira

camada superficial. O sinal LEIS do Ti vai desaparecendo consoante se vai depositando o

metal. No caso do Hf ele decresce até zero, enquanto o sinal do Hf aumenta até à saturação.

Traçando as respectivas rectas para os dois sinais, pode-se observar quando se forma a

primeira monocamada de Hf. O sinal do oxigénio contínua visível com o aumento das

monocamadas o que demonstra a reactividade do oxigénio com a camada do metal (figuras

3.11, esquerda).

Figura 3.11 Esquerda: Intensidade do sinal LEIS do Ti (círculos fechados), Hf (quadrados), O

(cruzes) durante a deposição de Hf sobre o TiO2 (110). Direita: Intensidade do sinal LEIS do Ti, Cu (círculos) e O durante a deposição do Cu sobre o TiO2 (110) (adaptado de [18]).

No caso do cobre o sinal do titânio permanece com a deposição do metal, e o sinal do

oxigénio segue a tendência do titânio (figura 3.11, direita), indicando a formação de ilhas 3D

e a não reactividade do metal.

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A figura 3.12 mostra a capacidade de formação de filmes dos metais de Cu, Fe, Cr e Hf

sobre o TiO2 (110). Para todos os metais o sinal LEIS do Ti tem início numa superfície

estequiométrica limpa e vai variando proporcionalmente à fracção do óxido que não é coberto

pelo metal. A morfologia dos estádios iniciais também está esquematizada. Semelhante ao

cobre, o ferro cresce em ilhas tridimensionais cobrindo mais a superfície que o cobre (menos

reactivo). O crómio cresce inicialmente em 2D, seguido a tendência do háfnio, mas depois

afasta-se da tendência linear (filme continuo) para evoluir para 3D.

Figura 3.12 Atenuação do sinal LEIS do Ti devido à deposição do Cu, Fe, Cr, e Hf sobre o TiO2

(110) e a representação esquemática dos estágios iniciais do crescimento para os filmes de Cu (clusters tridimensionais), Fe (ilhas achatadas), Cr (ilhas bidimensionais, seguido de crescimento tridimensional) e Hf (formação continua de uma camada) (adaptado de [18]).

Esta análise para a capacidade destes metais formarem filmes está de acordo com o

observado para o XPS (figura 3.10), permitindo generalizar os resultados da não reactividade

e reactividade dos metais. Assim, para metais com elevada reactividade com o oxigénio, onde

uma forte reacção de oxidação/redução pode ocorrer na interface, é de esperar uma grande

capacidade para formar uma camada. Contrariamente, a aglomeração em ilhas tridimensionais

correspondem a metais menos reactivos, onde a interacção com o TiO2 é fraca [18]. No

entanto, os efeitos cinéticos não podem ser desprezados, bem como, o papel dos defeitos para

a nucleação e crescimento dos filmes de metal.

Como já foi referido uma situação de equilíbrio termodinâmico pressupõe que o processo

prossegue em direcções opostas com velocidades iguais. A taxa de adsorção da fase gasosa

sobre a superfície ocorre à mesma velocidade que a taxa de desadsorção. Assim, o

crescimento de ilhas ocorre numa situação fora do equilíbrio. Para compreender e controlar a

morfologia do crescimento através da cinética é necessário conhecer os processos

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microscópicos envolvidos de difusão na superfície. Este movimento de difusão são activados

termicamente e a suas taxas são normalmente bem explicados pela estatística de Boltzmann

[19].

No caso da deposição do ouro sobre o substrato de dióxido de titânio (110), seria de

esperar um modo de crescimento do tipo Volmer-Weber, onde se formariam ilhas 3D desde o

início. A ligação metal-metal é muito mais forte do que a ligação metal-óxido. No entanto, a

temperaturas iguais ou inferiores à temperatura ambiente, o crescimento é limitado

cineticamente a ilhas a duas dimensões. Só quando se atinge uma determinada cobertura

crítica de ouro na superfície, é que o crescimento da ilha prossegue para uma estrutura

tridimensional [20, 21].

Os processos atómicos envolvidos no crescimento de um metal sobre um substrato estão

representados esquematicamente na figura 3.13.

Figura 3.13 Representação esquemática de alguns passos elementares da migração dos átomos

envolvidos na deposição do vapor do metal e na formação de ilhas (adaptado de [20]).

Primeiro, os átomos chegam na fase gasosa à superfície limpa do substrato e são

adsorvidos, de seguida existe a difusão destes átomos isolados em todo o substrato. A

nucleação de ilhas ocorre quando estes átomos ocupam uma posição na rede do substrato

formando um núcleo estável. O tamanho deste "núcleo crítico" depende do metal e do

substrato, mas na maioria dos modelos assume-se serem de dois átomos (dímero). Consoante

os átomos do metal vão chegando à superfície, ou se difundem até chocarem com outro átomo

formando novos núcleos, ou se juntam a ilhas já existentes. Desta forma, a densidade de

saturação das ilhas (número por unidade de área) é rapidamente alcançada. A nucleação de

ilhas é seguida pelo seu crescimento. Também pode ocorrer evaporação de átomos de ilhas

existentes especialmente a altas temperaturas.

Após as ilhas da primeira camada terem crescido até um certo tamanho, os átomos do

metal da fase gasosa podem fixar-se directamente sobre a ilha. Eles podem se difundir para a

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36

extremidade da ilha, descer (step down) em direcção ao substrato superfície e anexar-se à

aresta, aumentando assim o tamanho bidimensional da ilha, ou podem encontrar outro átomo

na segunda camada e iniciar um novo núcleo. Um átomo na aresta de uma ilha também pode

subir (step up) para a segunda camada. A nucleação de uma segunda camada só é permitida

após a primeira camada atingir uma área crítica e, consequentemente, o crescimento na

dimensão lateral é fortemente reprimido, sendo favorecido na terceira dimensão.

O grupo de Campbell, usou este modelo para prever a cobertura crítica (ponto critico em

que o crescimento muda de 2D para 3D) como função da densidade de saturação das ilhas (N)

à superfície e a área crítica da ilha (Acr) e conseguiu explicar teoricamente que não varia com

o fluxo de vapor do metal, mas aumenta com a diminuição da temperatura. Confirmando

assim, os dados obtidos experimentalmente com as técnicas XPS e LEIS. Estes valores de

crescimento do ouro sobre o substrato a três temperaturas diferentes (153 K, 213 K e 293 K)

estão representados na figura 3.14. A fracção de ouro da superfície medido por LEIS esta

segundo o eixo y, a cobertura de ouro depositado (medido por XPS) no eixo dos x. As

unidades em cada eixo são monocamadas (ML), onde 1 ML é definida como a densidade do

ouro segundo o plano (111) de 1,39x1015 átomo/cm2, o que equivale a uma espessura efectiva

de 2,35 Å da densidade do metal ouro. Observa-se no crescimento inicial um declive de 1,0

que corresponde ao crescimento da primeira camada detectado pelas duas técnicas. A

mudança de inclinação do declive corresponde ao início do crescimento da segunda camada.

A este ponto crítico de mudança de 2D para 3D é chamado de cobertura crítica. A cobertura

crítica é de 0,086 ML à temperatura ambiente (293 K), 0,12 ML a 213 K e de 0,19 ML a 153

K. A cobertura crítica aumenta com a diminuição da temperatura.

Este grupo também observou experimentalmente que a cobertura crítica não variava com a

variação do fluxo do metal gasoso que chegava à superfície, mas que aumentava com o

aumento do número de defeitos [20, 21].

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37

Figura 3.14 Fracção de área das ilhas de Au sobre TiO2 (110) em função da cobertura total do Au a

três temperaturas diferentes (adaptado de [20]).

Igualmente o grupo de Madey estudou o crescimento do Au sobre o TiO2 (110) e

encontraram uma estrutura 2D, a também chamada quasi-2D. Verificaram uma quebra de

15% da curva do sinal LEIS do Ti e do O do substrato sugerindo uma transição de ilhas quasi-

-2D para 3D a cerca de 0,15 ML de Au. Observaram também, um crescimento bem evidente

do modo 3D para uma cobertura de 1,0 ML de Au.

Nas medições de LEIS e XPS, nenhuma interacção química foi detectada entre as ilhas de

ouro e do substrato de TiO2.

As imagens de STM das ilhas de ouro sobre TiO2 apresentadas pelo grupo de Lai [22]

confirmam os resultados de LEIS e XPS. Este grupo observou agregados quasi-2D para

coberturas inferiores a 0,10 ML de Au e um crescimento pleno de ilhas 3D acima 0,25 ML.

A figura 3.15 mostra dois estados diferentes de crescimento de clusters sobre o substrato.

A figura da esquerda corresponde a agregados 2D com diâmetro 0,6-2,0 nm e alturas de 1 a 2

camadas atómicas, dispostos ao longo da direcção [001] no topo das fileiras brilhantes do

substrato. Assumindo que a densidade do cluster é a mesma que a do metal (19,3 g/cm3),

estes agregados não excedem os 40 átomos. No centro existem agregados maiores, com três

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camadas atómicas, que indicam o início da transição de 2D para 3D. A ausência de defeitos

na superfície faz supor que em primeiro lugar seja sobre estes que se faz a nucleação. A

existência de muitos agregados pequenos de ouro localizados nas linhas brilhantes do

substrato sugere que após a saturação dos locais com defeitos, os átomos de Au nucleiam em

cima do Ti de coordenação 5, entre duas filas de pontes de oxigénio.

Figura 3.15 Imagens STM de clusters de Au depositados sobre a superfície TiO2 (110) 1x1 [22].

A figura da direita foi obtida depois de deposição de 1,0 ML de Au e mostra clusters 3D

com diâmetros de 3,0-5,0 nm, altura 1,0-2,5 nm e 250-2000 átomos. Em imagens STM menos

ampliadas, verifica-se que os clusters crescem preferencialmente ao longo de degraus.

Wahlstrom et al [23], utilizando o STM combinado com cálculos teóricos, mostraram que

as lacunas de oxigénio nas pontes de oxigénio são centros activos para a nucleação das

partículas de Au partículas sobre o TiO2 (110), e que cada lacuna pode ligar três átomos Au,

em média.

A estrutura electrónica dos clusters de ouro também sofre mudanças significativas.

Resultados experimentais indicam o aparecimento de uma banda proibida (band gap) quando

o tamanho do cluster diminui para 3,5 nm. A banda proibida aumenta regularmente (~ 1,0 V)

com a diminuição do tamanho dos clusters para diâmetros de 1,5-2,0 nm. Estes clusters

quasi-2D exibem estrutura de um não metal. Os clusters com o diâmetro de 4,0 nm ou mais,

têm estrutura electrónica de um metal, não têm nenhuma banda proibida. Assim, a transição

do não-metal para metal ocorre ao longo de um intervalo de cluster de diâmetro 2,0-4,0 nm e

uma altura de cerca de 2 camadas atómicas [22].

A evolução das morfologias do crescimento do Au sobre o substrato de TiO2 (110), à

temperatura ambiente, estão resumidas esquematicamente na figura 3.16. Para pequenas

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coberturas existe um crescimento 2D, ou seja, uma camada de altura com nucleação nos

defeitos do substrato. Devido a limitações cinéticas evolui para uma morfologia quasi-2D

com duas camadas de altura e cobertura 0,1-0,2 ML dependendo concentração das lacunas de

oxigénio e rugosidade. Para valores > 0,2 ML os clusters de Au assumem uma forma

hemisférica. No equilíbrio, a morfologia é aproximadamente esférica.

Figura 3.16 Representação esquemática da mudança da morfologia do cluster em função da

deposição de Au sobre TiO2 (110) [24].

Continuando a depositar Au, os clusters começam a coalescer para formas irregulares de

grandes agregados, e por fim, formar-se um filme contínuo [24].

3.4 Oxidação do monóxido de carbono catalisada pelo sistema Au/TiO2

Desde a descoberta pelo grupo de Haruta, nos anos 80, da alta actividade catalítica do ouro

na oxidação do CO a baixas temperaturas, que esta reacção tem sido estudada. No entanto a

causa desta reactividade, assim como o seu mecanismo reaccional ainda não estão

completamente esclarecidos. De um modo geral é aceite que a actividade catalítica do ouro

depende em grande medida do tamanho das partículas de ouro, no entanto, outros efeitos,

como a natureza do substrato, interface ouro-substrato, forma das partículas e transferência de

carga metal-substrato, parecem fundamentais [25].

Para explicar a origem da excepcional alta reactividade das partículas de ouro, Goodman e

colaboradores, utilizaram uma combinação de STM e técnicas espectroscópicas e observaram

a existência de uma taxa máxima de oxidação do CO em clusters com cerca de 3,2 nm,

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depositados em TiO2 (110)1x1, com duas camadas atómicas e com estrutura electrónica

caracterizada por uma banda proibida de ~0,4V, sugerindo uma relação entre as propriedades

electrónicas e a actividade dos clusters de ouro [26,27]. Também verificaram, usando

espectroscopia de reflexão absorção no infravermelho (Infrared Reflection Absorption

Spectroscopy - IRAS), que o calor de adsorção do monóxido de carbono aumentava

drasticamente com a diminuição da dimensão das partículas. O valor máximo do calor de

adsorção ocorreu, aproximadamente, para o mesmo tamanho de partícula onde a actividade

catalítica é máxima e que corresponde à transição metal-não metal [28]. E propuseram que a

sensibilidade da estrutura Au/TiO2 à oxidação do CO provém do efeito do tamanho da

partícula (quantum size effect), ou seja, as partículas são tão pequenas que não exibem

características metálicas. Estes clusters com duas camadas atómicas, que exibem uma banda

proibida, ao contrário do metal, são apontados como particularmente adequados para catalisar

a oxidação do CO [25,26,27].

Existem outros investigadores, como o grupo de Nørskov [29], que defendem, para além do

tamanho, o baixo número de coordenação dos átomos de ouro está relacionado com o

aumento da sua reactividade. Resultados experimentais e teóricos mostram que o CO e O2 não

adsorvem quimicamente em superfícies planas, mas sim em degraus ou superfícies rugosas.

Como as partículas pequenas exibem uma maior fracção de vértices (locais de baixa

coordenação) são mais reactivas do que as partículas maiores. A forma é assim um importante

parâmetro a ter em conta. Este grupo considera ainda, que a interacção da interface substrato-

ouro pode induzir uma tensão e influenciar a reactividade, mas talvez com um peso menor

que o anterior [30].

Vários estudos têm mostrado que a reactividade catalítica do ouro, também é fortemente

dependente do substrato escolhido. A figura 3.17 compila várias medições da actividade da

oxidação do CO para diferentes catalisadores de ouro, em função do tamanho médio das

partículas de Au. Tendo em conta que os catalisadores foram preparados por vários métodos,

estes resultados são bastante consistentes. A taxa de oxidação é maior para partículas com 2-4

nm. O efeito da interacção com o substrato pode ser avaliado comparando os que se reduzem

(TiO2, Fe2O3) com os que não se reduzem (Al2O3, MgAl2O4, SiO2). Significando que o

tamanho da partícula é muito importante e que os substratos que se reduzem são mais

reactivos do que os últimos [30].

Foi observado experimentalmente que o carácter reduzido da superfície do TiO2 resulta

numa melhor capacidade de ligação do O2. Schaub et al, observaram com STM um complexo

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comportamento do O2 adsorvido no rutilo, que é capaz de se difundir ao longo do Ti e

dissociar-se nas lacunas, assim como, promover difusão de lacunas. Wahlström et al,

descobriram que a difusão não tem carácter térmico.

Figura 3.17 Actividade da oxidação do CO a 273 K em catalisadores de ouro sobre diferentes

substratos em função do tamanho médio das partículas de ouro (adaptado de [30]).

Relativamente ao mecanismo da reacção também existem muitos estudos, mais ainda não

se sabe se a reacção prossegue pela dissociação do oxigénio ou reacção directa do O2 com CO

[31], mas tudo indica que seja a adsorção e a activação do O2 a etapa controladora da

oxidação do CO [24].

Molina et al [31], simularam a ligação e a difusão do O2 na superfície reduzida TiO2 e

observaram que O2 só é capaz de se ligar quando as lacunas estão presentes na superfície, com

o oxigénio sendo capaz de extrair electrões destas, mesmo a grandes distâncias ao longo do

Ti. Assim, a superfície pode ser caracterizada como a capacidade para adsorver O2 e dirigi-lo

para as partículas de ouro onde o CO é preferencialmente adsorvido, sendo por isso muito

importante o estudo da reactividade do Au/TiO2 no perímetro da interface. Também

verificaram, a existência de uma transferência de carga do Au para o O2 e simultaneamente

uma polarização do substrato, isto é, a superfície medeia a transferência de carga. O oxigénio

adsorvido na partícula de Au reage com CO adsorvido nas arestas do Au para formar o CO2,

como mostra a figura 3.18 e de acordo com a reacção ( )2 2 adsCO O CO O+ → + , envolvendo

barreiras de energia muito baixas (0,16 eV).

Mecanismos muito semelhantes foram encontrados por Liu et al [32] e por Remediakis et

al [33]. Segundo este último autor (e colaboradores), a questão sobre a reactividade do ouro

pode ser reduzida ao controle da estrutura das partículas de ouro à nanoescala. Deve-se criar

muitos locais de interface ou maximizar o número de átomos de ouro de baixa coordenação.

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Figura 3.18 Etapas da oxidação do monóxido de carbono: adsorção do oxigénio; adsorção do

monóxido de carbono; reacção entre o monóxido de carbono e o oxigénio e desadsorção do dióxido de carbono (adaptado de [31]).

3.5 Aplicações e tendências futuras

A maior parte dos processos industriais de oxidação envolvem mais de duas etapas e

normalmente usam cloro ou peróxidos orgânicos. O cloro forma produtos relativamente

tóxicos, a utilização alternativa dos peróxidos é mais dispendiosa. A perspectiva de utilização

do oxigénio do ar como agente oxidante é vantajosa, pois é barata e “limpa”, mas a energia

necessária para quebrar a ligação do oxigénio tornando-o activo é elevada e maior do que as

energias de ligação da maior parte dos reagentes, sendo difícil de controlar a reactividades das

diferentes espécies. Com as nanopartículas de ouro abre-se uma nova possibilidade dado que

activam o oxigénio molecular, sob condições de pressão e temperatura moderadas, e

ambientes húmidos, acelerando as reacções de oxidação [34]. Foram comercialmente

utilizadas pela primeira vez, no Japão em 1992, como catalisadores para a decomposição de

odores em recintos fechados. Actualmente encontram-se em desenvolvimento aplicações no

controle da qualidade do ar em ambientes interiores; no controle de emissões poluentes, por

exemplo, na combustão dos automóveis, nos quais os actuais catalisadores só começam a

actuar a temperaturas acima dos 200 ºC; nos sensores de monóxido de carbono; nas células de

combustível, onde mostrou uma eficiente oxidação selectiva do CO (envenena o ânodo de

platina), na presença de CO2, H2 e H2O, em condições reais [35]; nos lasers onde o monóxido

de carbono também é indesejado; e em variadíssimos processos químicos.

De um modo resumido as perspectivas de desenvolvimento dos catalisadores de ouro

parecem apontar em três direcções. A primeira direcção envolve a descoberta de novas

capacidades das partículas de ouro maiores do que 2 nm estáveis até 673 K (400 ºC).

Combinações com outros catalisadores metálicos podem contribuir para um maior

desenvolvimento das capacidades dos catalisadores de ouro.

A segunda direcção compreende a aplicação do mecanismo de catálise do ouro e o

desenvolvimento de técnicas aplicadas a outros metais nobres.

A terceira direcção envolve o desenvolvimento da ciência do cluster de ouro em partículas

menores do que 2 nm. Trabalhos recentes têm conduzido à compreensão da catálise do ouro,

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bem como a sua dependência tamanho-estrutura, através das técnicas da ciência de

superfícies, de materiais catalíticos bem definidos, em que se controla o tamanho dos clusters

de ouro depositados em óxidos cristalinos, como o MgO e o TiO2, à escala atómica em

conjunto com cálculos teóricos. Também há que realçar os esforços das recentes tentativas em

combinar o trabalho experimental de catalisadores reais e de catalisadores modelo com os

modelos teóricos [36]. Os modelos teóricos são construídos a partir de métodos de estrutura

electrónica onde se tenta resolver aproximadamente a equação de Schrödinger (métodos de

Hartree-Fock, post Hartree-Fock e semi-empíricos), da teoria dos funcionais de densidade e

de técnicas de simulação (Monte Carlo e dinâmica molecular).

Existem imensos trabalhos publicados por ano e a taxa não parece decrescer, pelo que se

pode concluir, citando Haruta, “catalysis of gold does indeed have a golden future” [37].

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4. Aparelho multitécnica de análise de superfícies O aparelho multitécnica (figura 4.1) foi projectado para analisar as partículas emitidas pela

superfície de uma amostra.

Figura 4.1 Fotografia do aparelho multitécnica.

As principais técnicas de análise de superfícies disponíveis neste aparelho são

espectroscopia de foto-electrões de raios-X (XPS), espectroscopia de dispersão de iões (ISS),

espectroscopia de electrões Auger (AES) e espectrometria de massa de iões secundários

(SIMS). Também é possível fazer análises em forma de imagem e obter o mapeamento da

função trabalho da superfície.

O multitécnica é constituído por uma câmara de vácuo de forma cilíndrica com a base

superior semi-esférica, em aço inox 304L, forrada interiormente por mu-metal para blindar os

campos magnéticos exteriores. Nesta câmara estão montados a fonte de raios-X, a fonte de

Quadrupolo

Evaporador Analisador de

energia

Bomba iónica

Câmara de

análise

Câmara de

amostras

Fonte de iões

Bomba de

sublimação de

titânio

Bomba

criogénica

Fonte de Raios-X

Fonte de

electrões

Detector

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electrões, a fonte de iões, o analisador SIMS e o evaporador, dirigidos para o centro onde está

a amostra, na parte superior existe o analisador de energia e na parte lateral existe uma ante

câmara onde estão guardadas mais amostras, como mostra a figura 4.1 [5, 38].

De seguida faz-se uma breve descrição dos componentes montados na câmara e como se

atinge o ulta-alto vácuo no aparelho multitécnica. Os componentes utilizados neste trabalho

são descritos com mais pormenor.

4.1 Fonte de raios-X

A fonte de raios-X opera normalmente a uma potência de 120 W e uma tensão de 12 kV.

Possui um cátodo de tungsténio que, sob as condições referidas, emite electrões acelerados

com energia de 12 keV, que bombardeiam o ânodo de cobre revestido a magnésio ou a

alumínio, criando lacunas nos níveis mais internos dos átomos do alvo. No processo de

relaxação existe a emissão de radiação de raios-X. Se o ânodo escolhido for de magnésio a

energia dos fotões é de 1253,6 eV (Mg Kα), se for o de alumínio é de 1486,6 eV (Al Kα). Este

feixe atinge a amostra (figura 4.2), atravessando no seu percurso uma folha de alumínio (0,8

μm) que actua como um filtro parcial para as radiações não desejadas e evita que electrões

acelerados danifiquem a amostra. O bombardeamento do ânodo por electrões de alta energia

obriga a que este seja arrefecido interiormente com água.

A utilização dos fotões de alta energia permite determinar as energias de ionização dos

electrões das camadas mais internas do átomo, visto que normalmente têm pouca participação

na formação das orbitais moleculares, o que possibilita uma análise elementar da amostra. No

entanto, um mesmo elemento, em compostos diferentes apresenta valores ligeiramente

diferentes para as suas energias de ionização. Desta forma, uma análise cuidadosa dos

diferentes picos do espectro permite caracterizar a presença de um determinado elemento,

assim como, o tipo de ligações e estados de oxidação.

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Figura 4.2 Fotografia do interior da câmara de análise.

4.2 Fonte de iões de gás

A fonte de iões produz um feixe de iões de gases nobres com uma energia até 5 keV. A

ionização do gás é feita numa câmara à pressão de cerca de 10-6 mbar, utilizando uma bomba

turbomolecular. O fluxo de gás entra nesta câmara controlado por uma válvula de agulha e é

ionizado por bombardeamento de electrões acelerados provenientes de um filamento de

tungsténio. Os iões formados são atraídos pelo eléctrodo de extracção e são focados para

passar por uma abertura de 1,8 mm que delimita o feixe. Este feixe entra numa coluna óptica,

à pressão da câmara de análises, onde sofre um pequeno desvio para se separar do feixe de

partículas neutras e é novamente focado para incidir na amostra.

Utiliza-se o feixe de iões para a espectroscopia de ISS (iões He+) e para a espectrometria

de SIMS (iões Ar+). O varrimento do feixe sobre a superfície da amostra permite também,

aquisição de imagens, análise em profundidade e limpeza da amostra.

4.3 Fonte de electrões

A fonte de electrões é constituída por um filamento de tungsténio que quando aquecido

produz um feixe de electrões acelerados com energia até 5 keV, com uma corrente máxima de

80 μA. Este feixe é focado e deflectido por um conjunto de eléctrodos e permite realizar a

espectroscopia de electrões Auger e microscopia electrónica.

4.4 Evaporador

O evaporador é constituído por quatro câmaras com filamentos de tungsténio. Em três

delas pode-se montar um varão de metal e num quarto, um cadinho onde se pode colocar

Amostra de ouro

Fonte de Raios-X

Fonte de

electrões

Analisador de

energia

Amostra de

dióxido de titânio

Balança de

quartzo

Quadrupolo

Fonte de iões

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aparas de metal para depositar. Aumentando lentamente a tensão e a corrente, o filamento de

tungsténio emite electrões acelerados que bombardeiam o varão de metal ou cadinho

(potencial positivo) até que o metal atinge uma determinada temperatura e começa a sublimar

a uma certa taxa [39].

A taxa de deposição é monitorizada por uma balança de quartzo – QCM (Quartz Crystal

Microbalance). A balança está montada entre o evaporador e a amostra, como mostra a figura

4.2, apesar de não se visualizar o evaporador, este encontra-se no seguimento da balança. Ela

foi colocada sobre um shutter mecânico que ao rodar (num plano perpendicular ao fluxo de

gás proveniente do evaporador) move a balança de modo a controlar a quantidade de metal a

depositar sobre a amostra. Assim, quando se roda o shutter para a esquerda a balança

intercepta o fluxo de gás e mede o valor da taxa de deposição, quando se roda para a direita, o

fluxo atinge amostra à taxa que anteriormente foi medida pela balança, pressupondo que esta

se mantém constante. De notar que a figura 4.2 permite ver a balança, porque ela não está

montada sobre o shutter.

A balança de quartzo mede a espessura do filme depositado através da variação da

frequência do cristal de quartzo. A calibração desta balança foi feita seguindo o crescimento

do filme de prata sobre uma amostra de ouro por XPS e os resultados estão apresentados no

subcapítulo 5.1.

4.5 Analisador de energia

O analisador de energia (VSW HAC5000) é constituído por duas calotes hemisféricas

concêntricas de raios diferentes R1, R2 com raio médio de 10 cm. A calote interna é sujeita a

um potencial positivo e a externa a um potencial negativo. O princípio de funcionamento do

analisador consiste na passagem de electrões com energias específicas através das calotes. A

resolução do analisador depende da abertura das fendas de entrada e de saída, existindo cinco

opções de tamanho de fenda. Uma fenda maior permite seleccionar uma área maior da

amostra em análise, dando uma informação rápida com um maior número de contagens mas

menor resolução. Antes da fenda de entrada do analisador existe um conjunto de lentes

electrostáticas que têm como função focar e retardar ou acelerar a velocidade dos electrões

antes de entrarem no analisador. Existem dois modos de funcionamento, o modo FAT (Fixed

Analyser Transmission) e o modo FRR (Fixed Retarding Ratio). No modo FAT os electrões

são retardados, ou acelerados, passando com uma energia constante (E0) entre as calotes que

pode ser de 11 eV, 22 eV, 44 eV ou 90 eV, sendo a resolução constante. O aumento do valor

da energia E0 diminui a resolução. No modo FRR os electrões são retardados por um factor

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constante que pode ser 1/5, 1/10, 1/50 ou 1/100 e quanto maior for este factor de redução,

maior a resolução e menor a transmissão.

O modo FAT é normalmente utilizado para XPS por ter uma resolução constante e o modo

FRR para AES, onde a resolução não é factor tão importante e a transmissão é considerável

para energias acima 100 eV.

A inversão da polaridade das calotes do analisador permite analisar iões positivos.

As partículas, electrões ou iões, ao saírem do analisador são detectadas num multiplicador

de electrões do tipo canaltrão. O canaltrão é um instrumento de vidro, pequeno e curvo, com o

interior bastante resistente. Quando as partículas com energias seleccionadas entram e

embatem nas paredes do canaltrão ejectam electrões secundários, estes electrões são

acelerados e ao colidirem com as paredes produzem mais electrões. Pela entrada de uma

partícula este detector responde produzindo 108 electrões em aproximadamente 10 nano-

segundos [40]. Os impulsos eléctricos resultantes são contados, permitindo construir um

espectro de número de contagens em função da energia cinética das partículas ou em função

da energia de ligação dos electrões no átomo, também chamada de energia de remoção.

4.6 Analisador de SIMS

O analisador de massa de iões secundários para a técnica espectrometria de massa de iões

secundários - SIMS (Secondary Ion Mass Spectrometry) é um quadrupolo. O feixe de iões

proveniente da fonte de iões ao embater na amostra (iões primários) arranca iões da superfície

da amostra (iões secundários) que são separados de acordo com a relação massa-carga (m/q)

no analisador de massas. O detector (canaltrão) recebe estes iões, transformando a corrente de

iões em sinais eléctricos que são processados, mostrando um espectro de intensidade

(contagens/s) em função da massa (Dalton) e permitindo identificar os constituintes da

amostra.

Neste analisador também está montado um ionizador que possibilita medir os gases

residuais na câmara de análise.

O analisador de SIMS não foi utilizado no âmbito deste trabalho.

4.7 Sistema de vácuo e bombas

Quando uma superfície está exposta a um gás, as partículas gasosas chocam com esta

exercendo uma determinada pressão. No entanto, existem algumas partículas que aderem à

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superfície não regressando à fase gasosa, ficam adsorvidas. Para estudar as propriedades da

superfície é importante que ela esteja livre de contaminantes (limpa). Esta condição implica

que seja retirado o gás, ou seja, se faça vácuo.

Considerando o empacotamento mais simples de um sólido, cúbico, a concentração de

átomos na superfície é da ordem dos 1015 átomo/cm2. Para manter a superfície limpa durante

1 segundo, o fluxo de moléculas incidentes (F) deve ser menor do que 1015 molécula/(cm2.s).

A teoria cinética dos gases determina o fluxo de moléculas aderentes à superfície a uma dada

pressão através da expressão:

2AN PFMRTπ

= (4.1)

Onde NA é o número de Avogadro, P a pressão, M a massa molar média das espécies

gasosas, T a temperatura em kelvin e R a constante dos gases ideais, ou,

223,51 10 PFMT

= × (4.2)

Considerando a pressão em torr [41]. Assumindo que todas as moléculas que colidem com

a superfície ficam adsorvidas (coeficiente de acomodação 1), M igual a 28 g/mol e T de 300

K, a pressão é da ordem de grandeza de 10-6 torr (~ 10-6 mbar), ou seja, expondo uma

superfície durante um segundo a um gás à pressão de 10-6 torr forma-se uma monocamada de

gás sobre a superfície. Pode-se assim, definir langmuir (L) como 1L de exposição igual a 10-6

torr.s. No entanto, tem de se diminuir a pressão para que a amostra a analisar esteja livre de

contaminantes durante o tempo suficiente. A expressão (4.3) permite calcular o tempo

requerido, em segundos, para formar uma monocamada a 20 ºC.

62,5 10( )

tP torr

−×= ou

63,3 10( )

tP mbar

−⎛ ⎞×=⎜ ⎟

⎝ ⎠ (4.3)

Assim, para manter uma superfície limpa durante um tempo suficiente requer uma pressão

inferior a 10-9 torr [42], por isso, trabalha-se em condições de ultra-alto vácuo (10-8 a 10-11

mbar).

O vácuo atingido na câmara do multitécnica é da ordem de grandeza 10-10 mbar,

permitindo fazer ensaios de uma amostra durante cerca de 9 h. Ele é obtido e mantido

utilizando bombas: de diafragma, turbomolecular, criogénica, iónica e sublimação de titânio.

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50

O bombeamento desde a atmosfera, pode ser dividido em quatro fases [5].

Numa primeira fase do bombeamento, a bomba de diafragma e a turbomolecular são as

responsáveis pelo bombeamento até cerca de 10-6 mbar.

As bombas de diafragma deslocam o ar do interior para a atmosfera, através do movimento

mecânico de um diafragma elástico que provoca a expansão, a compressão e expulsão do ar, a

uma velocidade de bombeamento de 15 l/min.

As bombas turbomoleculares baseiam-se na transferência de momento linear das pás de um

rotor (pás em movimento) a grande velocidade para as moléculas de gás que são projectadas

preferencialmente para as pás do estator (pás estacionárias) o que estabelece um fluxo de gás

na direcção desejada. Para haver uma razão de compressão entre a pressão de saída e a

pressão de entrada grande, é necessário que a pressão de saída não seja muito maior que a

diferença entre a pressão de saída e entrada. Por isso, a bomba turbomolecular opera na

sequência de uma bomba de diafragma e é ligada a cerca de 5 mbar. Existe uma bomba

turbomolecular ligada à câmara de introdução das amostras (56 l/s) e outra ligada à fonte de

iões (60 l/s), como já foi referido.

Numa segunda fase, entram em funcionamento as bombas criogénica e iónica. E fecha-se a

válvula de comunicação entre as câmaras de amostras e de análise.

A bomba criogénica (1800 l/s) utiliza o hélio líquido a cerca de 10 K para arrefecer as suas

paredes. Os gases existentes nesse volume são condensados até atingirem pressões da ordem

das suas tensões de vapor à temperatura de superfície, e assim atingirem um equilíbrio.

Consegue-se um bombeamento eficaz do vapor de água, oxigénio e azoto, mas pouco para o

hidrogénio e gases raros. A bomba criogénica é ligada a pressões inferiores a 10-4 mbar.

A bomba iónica (220 l/s) é constituída por um ânodo formado por um conjunto de tubos

para proporcionar uma maior superfície, duas placas de titânio formando os cátodos e um

íman que cria um campo magnético segundo a direcção dos eixos dos tubos do ânodo. Nesta

bomba a ionização do gás é devida à descarga eléctrica (plasma) entre o ânodo e os cátodos.

Os iões positivos formados dirigem-se para o cátodo, com trajectórias relativamente

rectilíneas, sendo pouco afectados pelo campo magnético. Os electrões pelo contrário, são

fortemente influenciados pelo campo magnético, descrevendo trajectórias helicoidais até

serem capturados pelo ânodo, aumentando assim a ionização de todos os tipos de gases

existentes na câmara. Estes electrões mais os provenientes do choque dos iões com o cátodo

(electrões secundários) mantêm a descarga. Ocorre ainda outro fenómeno, que faz aumentar o

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51

bombeamento dos gases, devido aos iões acelerados chocarem com os átomos de titânio do

cátodo, que por sua vez ao serem arrancados, sublimam, combinam-se com os gases activos

como azoto, o oxigénio, o hidrogénio, o dióxido de carbono, vapor de água e monóxido de

carbono, e vão-se depositar no ânodo. Assim, esta bomba funciona segundo dois processos:

de ionização e de formação de filmes de titânio. A vantagem da bomba iónica em relação à

criogénica e à sublimação de titânio, é que esta, através do primeiro mecanismo, consegue

bombear os gases nobres e gases inertes e as outras têm mais dificuldade em fazê-lo.

Quando se atinge uma pressão de cerca de 10-6 mbar, com uma pressão de oxigénio

suficientemente baixa para não oxidar as superfícies, confirmada pelo analisador de gases

residuais, passa-se a uma terceira fase, a desgaseificação (baking). O baking consiste em

aquecer a câmara a uma temperatura ligeiramente superior a 100 ºC para a libertação dos

gases e vapores absorvidos, adsorvidos (principalmente a água) e contaminantes nas

superfícies da câmara.

Normalmente ao fim de 3 dias. Desliga-se o aquecimento e com o arrefecimento a pressão

vai diminuído. Nesta quarta fase pode-se ligar a bomba de sublimação de titânio de modo

pulsado atingindo a pressão de 10-10 mbar.

Na bomba de sublimação de titânio, como o nome indica, o titânio é sublimado, devido ao

aquecimento dos filamentos, e deposita-se nas paredes da câmara. O bombeamento é devido

ao titânio se combinar quimicamente com os gases activos como o azoto, o oxigénio, o

hidrogénio, o dióxido de carbono, o vapor de água e o monóxido de carbono, mas não se

combina com os gases inertes, como o hélio, néon, árgon, crípton e xénon, nem com os

hidrocarbonetos saturados. Por exemplo, com o azoto é através da reacção: TiNNTi 22 2 →+

Para medir a pressão no aparelho multitécnica utiliza-se o vacuómetro de Pirani, na

câmara de introdução de amostras, e manómetros de ionização, que estão colocados na

câmara de análise, na pré-câmara e na fonte de iões.

O princípio de funcionamento do vacuómetro tipo Pirani baseia-se na condutividade

térmica. Ele é constituído por um filamento que é aquecido a potência constante de modo a

que as perdas por condução sejam apenas função do número de choques das partículas

gasosas presentes, e portanto da pressão. As variações de temperatura do filamento associadas

à variação de pressão podem ser medidas através dos valores da resistência eléctrica do

filamento, que por sua vez, são convertidos em valores de pressão que podem ir até aos 10-2

mbar.

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52

O manómetro de ionização mede pressões mais baixas (até 10-12 mbar) e o princípio do seu

funcionamento baseia-se em que, a baixas pressões o número de iões, devido ao

bombardeamento com os electrões, do gás residual é proporcional à pressão desse gás. Ele é

formado por um filamento, uma grelha e um colector de iões. A energia dos electrões é fixa e

estabelecida pela diferença de potencial entre a grelha (potencial positivo) e o filamento a

potencial zero (ou ligeiramente positivo). O filamento emite electrões que são acelerados para

a grelha e esta, devido à sua forma, deixa-os passar para o colector. O colector por sua vez,

está a um potencial negativo, repelindo os electrões, fazendo-os oscilar entre o filamento e o

colector. Ao aumentar o percurso dos electrões a probabilidade destes colidirem com as

partículas de gás e as ionizarem aumenta, gerando uma corrente em função da pressão, que

depois é traduzido em valores de pressão.

A descrição do funcionamento das bombas e medidores de pressão foi baseado nas

referências [43] e [44].

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53

5. Produção de nano-agregados em óxidos Neste capítulo faz-se a descrição do trabalho experimental realizado, dos resultados

obtidos e da sua interpretação.

Primeiro descreve-se o procedimento usado para a calibração da balança de quartzo devido

a se ter montado um novo evaporador no aparelho multitécnica. De seguida, explica-se como

se prepara a amostra efectuando a sua limpeza, submetendo-a a tratamento térmico e

observando o seu estado superficial. Descreve-se também, o procedimento usado para

efectuar a deposição do ouro sobre a superfície de dióxido de titânio, de um modo controlado

utilizando a balança de quartzo e monitorizada por XPS. E por fim, apresentam-se os

resultados que se obtiveram quando a superfície nano-estruturada resultante foi exposta ao

monóxido de carbono, e avalia-se o comportamento do gás adsorvido com o aumento da

temperatura, utilizando a técnica ISS.

5.1 Calibração de deposição

A balança de quartzo encontra-se, como já foi referido na secção 4.4, montada sobre um

shutter entre o evaporador e a amostra. Procedeu-se à sua calibração, depositando prata sobre

uma amostra de ouro (111) e usando a técnica de análise de superfície XPS, determinou-se o

factor de conversão, que permite obter a cobertura evaporada.

A deposição da prata sobre o ouro exibe um crescimento de monocamada sobre

monocamada. Por análise de resultados, consegue-se identificar quando o modo de

crescimento passa da primeira camada para a segunda camada de crescimento e assim, fazer a

correspondência entre o que se está a medir e o que se está efectivamente a depositar sobre a

amostra.

A amostra de ouro foi limpa com vários ciclos de bombardeamento com um feixe de Ar+

com 4 keV. O tratamento térmico não foi possível de se fazer, devido à amostra se encontrar

montada numa posição do suporte que impossibilitou o seu aquecimento. O estado da

superfície foi confirmado por um espectro de ISS com feixe de iões de He+.

A taxa de evaporação depende da corrente no filamento do evaporador, por isso foi-se

aumentando a corrente e simultaneamente a tensão até se conseguir sublimar a prata a uma

taxa constante (~7 mA, 1600 V e ~450 ºC). Fez-se três séries de medições de XPS com

deposições de prata sobre o cristal de ouro com intervalos de 30 segundos, a uma pressão da

ordem de grandeza 10-9 mbar.

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54

A primeira série de resultados foi obtida usando fotões de 1253,6 eV (Mg Kα) e o

analisador de energia a funcionar em modo FAT, com uma abertura de fenda de 2 mm.

Na figura 5.1 estão representados apenas 4 espectros onde se pode identificar e observar a

evolução dos picos referentes ao ouro e à prata. Os picos da prata vão aumentando consoante

se vai depositando mais prata e os de ouro diminuindo, devido ao ouro estar a ser coberto pela

prata.

Figura 5.1 Espectros XPS da deposição da prata sobre o ouro.

A determinação da quantidade de prata depositada em cada medida, assim como a

diminuição do ouro a descoberto, é feita, neste caso, integrando os picos da prata (4d) e do

ouro (4p) e calculando a área, após retirar o fundo com o traçado de uma linha na base do

espectro como mostra o espectro da figura 5.2. Somando os picos da prata e do ouro, e

comparando-os, chega-se às concentrações relativas. Estes valores não são necessariamente as

concentrações dos átomos, para esse fim devem ser corrigidos com factores de sensibilidade,

obtidos para elementos padrão nas mesmas condições de ensaio.

De seguida traça-se o gráfico da área relativa dos pico em função da espessura medida pela

balança de quartzo (gráfico da figura 5.2).

O gráfico da figura 5.2 mostra uma inflexão nos valores que corresponde à passagem da

primeira camada para a segunda camada de átomos de prata depositados sobre o ouro. A

espessura de 14,98 Å determinada na balança corresponde a uma monocamada (1ML).

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55

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

0 10 20 30 40

Espessura do filme (Å)

Área

rela

tiva

dos

pico

s

Ag %

Au %

Figura 5.2 Esquerda: Espectro XPS da deposição da prata sobre o ouro com os picos da prata (4d) e

ouro (4p) seleccionados para o cálculo da sua área. Direita: Gráfico da área relativa dos picos em função da espessura de prata depositada, medida pela balança de quartzo (1ª serie de resultados).

O ponto de inflexão (break) é determinado utilizando o modelo de duas rectas, através do

qual, se calcula o melhor ajuste assumindo um ponto de inflexão a cada um dos pontos

obtidos. O melhor ponto de inflexão corresponde ao ponto onde a soma dos quadrados dos

desvios é mínimo, ou seja, o ponto break. No gráfico (figura 5.2) estão traçadas as duas

melhores rectas e na intercepção o ponto break.

A segunda série de resultados foi obtida usando fotões de 1486,6 eV (Al Kα) e o analisador

de energia a funcionar em modo FAT, com uma abertura de fenda de 4 mm. O procedimento

experimental foi semelhante ao primeiro. Mas nos cálculos usou-se as áreas relativas dos

picos da prata 3d e do ouro 4f, como se pode observar no espectro da figura 5.3. O ponto de

inflexão foi de 15,24 Å (gráfico da figura 5.3).

-20

0

20

40

60

80

100

120

0 10 20 30 40

Espessura do filme (Å)

Área

rela

tiva

dos

pico

s

Ag %

Au %

Figura 5.3 Esquerda: Espectro XPS da deposição da prata sobre o ouro com os picos da prata (3d) e

ouro (4f) seleccionados para o cálculo da sua área. Direita: Gráfico da área relativa dos picos em função da espessura de prata depositada, medida pela balança de quartzo (2ª serie de resultados).

A terceira série de resultados foi obtida usando fotões de 1486,6 eV (Al Kα) e o analisador

de energia a funcionar em modo FAT, com uma abertura de fenda de 4 mm. O procedimento

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experimental foi semelhante ao anterior. O ponto de inflexão foi de 15,39 Å (gráfico da figura

5.4).

-20

0

20

40

60

80

100

120

0 10 20 30 40

Espessura do filme (Å)

Área

rela

tiva

dos

pico

s

Ag %

Au %

Figura 5.4 Esquerda: Espectro XPS da deposição da prata sobre o ouro com os picos da prata (3d) e

ouro (4f) seleccionados para o cálculo da sua área. Direita: Gráfico da área relativa dos picos em função da espessura de prata depositada, medida pela balança de quartzo (3ª serie de resultados).

Os resultados experimentais para as três séries de dados estão representados na tabela 5.1

Espessura no ponto break (Å)

1ª Série de resultados 14,98

2ª Série de resultados 15,24

3ª Série de resultados 15,39

Valor médio 15,20 Tabela 5.1 Valores de espessura do filme correspondentes aos pontos break para as três séries de

resultados experimentais.

Considerando que uma monocamada de prata corresponde a 2,39 Å, o factor de conversão

é 2,39 / 15,20 = 0,157.

5.2 Preparação da superfície de dióxido de titânio (110)

Utilizou-se um cristal de dióxido de titânio (110) com espessura de 5 mm e diâmetro 1 cm

que foi colocada no suporte como mostra a figura 4.2.

A superfície (110) do TiO2 foi limpa através de vários ciclos de sputtering com Ar+ (1

keV) e verificou-se o seu estado fazendo um espectro de ISS (He+, 1 keV). De seguida a

amostra foi submetida a annealing a 900 K durante 10 minutos.

A figura 5.5 mostra dois espectros de XPS da amostra, referente aos picos 2p do Ti. No

espectro XPS a preto, feito antes do annealing, pode-se observar uma bossa no pico 2p3/2 que

se atribui ao titânio com estado de oxidação +3 (ver secção 3.2.2), no espectro a vermelho,

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57

depois do annealing, a bossa desapareceu indicando uma reconstrução da superfície por

oxidação (estado de oxidação do titânio é +4) devido à difusão dos iões Ti3+ para o bulk (mais

informação ver o artigo [13]).

Figura 5.5 Espectros de XPS de uma amostra de TiO2, antes e depois de tratamento térmico em UHV.

À medida que a amostra vai sendo utilizada para os diferentes ensaios, torna-se mais

escura, significando que se encontra cada vez mais reduzida. A partir de certa altura está de

tal forma reduzida que não se consegue reestruturar por annealing. Este estado pode ser

identificado não só pela cor, mas também por XPS, mostrando que esta técnica também é útil

para controlar a qualidade da amostra de dióxido de titânio de modo a que desempenhe as

suas funções.

5.3 Deposição do ouro sobre uma superfície de TiO2 (110)

Todos os estudos de superfícies se iniciam por verificar o estado de limpeza da amostra.

Neste trabalho, essa verificação efectua-se fazendo um espectro de ISS com feixe de iões He+

(1 keV, 23 nA). Se indicar contaminantes adsorvidos à sua superfície faz-se vários ciclos de

sputtering com Ar+ (2 keV; 50 mA), e verifica-se com mais espectros de ISS até estar limpa.

De seguida, a amostra é submetida a annealing a 580 ºC durante 10 minutos, para

reconstrução da superfície e arrefecida.

A deposição do ouro foi feita a uma pressão da câmara de 7,8x10-10 mbar, a uma taxa de

evaporação constante de cerca de 0,03 ML/min durante períodos de 4 minutos. Após cada

deposição foi feito um espectro de XPS.

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O valor da taxa de deposição foi escolhido (0,03 ML/min) de modo a permitir períodos de

deposição relativamente grandes para que a rotação do shutter não afecte o resultado e ainda,

para fazer um número de leituras significativas de XPS.

A figura 5.6 mostra 4 espectros de XPS obtidos usando fotões de 1486,6 eV (Al Kα), onde

se pode observar o aumento dos picos 4d (~350 eV) e 4f (86 eV) do ouro e a diminuição dos

picos 1s do oxigénio (533 eV) e 2p do titânio (463 eV), o aumento do sinal do ouro significa

que este se está a depositar sobre a superfície de TiO2, que por sua vez diminuí o seu sinal.

Figura 5.6 Espectros XPS da deposição do ouro sobre a superfície de dióxido de titânio.

A avaliação da evolução da deposição do ouro sobre a superfície de dióxido de titânio

(110) foi feita traçando um gráfico da concentração relativa dos elementos, em percentagem,

em função da espessura do filme (figura 5.7). Ele foi construído a partir da serie de espectros

XPS, calculando as áreas dos picos do oxigénio, titânio e ouro e as respectivas concentrações

relativas.

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59

0

10

20

30

40

50

60

0 0,5 1 1,5 2

Espessura do filme (ML)C

once

ntra

ção

rela

tiva

dos

elem

ento

s (%

)

AuOTi

Figura 5.7 Gráfico da concentração relativa dos elementos em função da espessura de ouro

depositado na superfície de dióxido de titânio.

No gráfico da figura 5.7 pode-se observar que o sinal do oxigénio e do titânio seguem a

mesma tendência indicando a não reactividade do metal com o dióxido de titânio e a formação

de ilhas 3D, conforme previamente discutido referente à informação LEIS na secção 3.3.

Também se pode observar que os sinais do titânio e do oxigénio vão diminuindo e o de

ouro aumentando, de um modo gradual, afastando-se de uma tendência linear, consoante se

vai depositando mais ouro sobre a superfície de dióxido de titânio. Não se observa uma

inflexão dos valores para a deposição da primeira camada (1 ML), como por exemplo nos

gráficos 5.2, 5.3 e 5.4, o que confirma o crescimento de ilhas.

5.4 Adsorção do monóxido de carbono no TiO2/Au

A adsorção do monóxido de carbono foi feita de uma forma semi-quantitativa, utilizando a

técnica ISS, visto que, a técnica XPS não detectou o monóxido de carbono adsorvido.

Começou-se por limpar a superfície do dióxido de titânio (110) por ciclos de sputerring

com iões Ar+ (2 keV), seguido de annealing a 400 ºC durante 12 minutos.

O estado de limpeza da superfície do dióxido de titânio foi feito recorrendo à

espectroscopia ISS com um feixe de iões He+ (1 keV). No espectro ISS, apresentado na figura

5.8, pode-se identificar os picos referentes ao oxigénio e titânio do dióxido de titânio e a não

existência de ouro (ver tabela 5.2.).

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60

Figura 5.8 Espectro de ISS referente a uma superfície de dióxido de titânio limpa.

De seguida, fez-se um espectro de XPS (figura 5.9 esquerda) obtido usando fotões de

1253,6 eV (Mg Kα), onde se identifica os picos do titânio e oxigénio.

Figura 5.9 Esquerda: Espectro de XPS antes da deposição do ouro Direita: Espectro XPS depois da

deposição de ouro sobre a superfície de dióxido de titânio.

Depositou-se ouro durante 8 minutos e 20 segundos, a uma taxa de 0,03 ML/min,

equivalente à deposição de 0,25 ML (~ 3nm) deste metal sobre a superfície de dióxido de

titânio, à temperatura ambiente. De acordo com o descrito no capítulo 3, o tamanho dos

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agregados de ouro corresponde à maior taxa de oxidação do monóxido de carbono. Fez-se um

espectro de XPS (figura 5.9 direita) obtido usando fotões de 1253,6 eV (Mg Kα), onde se

confirma a deposição do ouro.

Utilizou-se azoto líquido para arrefecer a amostra até -176 ºC. Introduziu-se monóxido de

carbono na câmara até se atingir uma pressão na ordem de grandeza de 10-6 mbar, durante 10

s, o que corresponde a cerca de 10-15 L (langmuir) de monóxido de carbono, para garantir

uma quantidade suficiente de gás adsorvido sobre a superfície que possibilite a recolha de

dados, visto que, nem todas as moléculas que chocam com a superfície ficam adsorvidas

(coeficiente de acomodação inferior a 1).

Fez-se um espectro XPS antes e depois da introdução de CO e não sofreu alterações, como

previsto por Valden et al [3.18], provavelmente devido à quantidade adsorvida ser pequena e

estar abaixo do limite de detecção do XPS. De seguida fez-se um espectro ISS, que

identificou o carbono comprovando que ele tinha adsorvido, como se pode observar na figura

5.10.

Figura 5.10 Espectro ISS após deposição de ouro e adsorção do monóxido de carbono.

A identificação dos picos foi feita calculando a energia dos iões de He+ dispersos E1,

utilizando a expressão 2.2 e considerando a energia do feixe de iões incidente de E0 = 1000

eV; o ângulo de dispersão θp = 135º; massa do feixe de iões incidente (He+) m1 = 4. Os

valores determinados de E1 para as diferentes partículas dispersoras encontram-se na tabela

5.2.

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62

Partícula dispersora Massa das partículas dispersoras (m2)

Energia do feixe dos iões dispersos (E1/eV)

Carbono 12 304,8

Oxigénio 16 417,3

Titânio 48 751,8

Ouro 197 933,0 Tabela 5.2 Valores calculados da energia do feixe dos iões dispersos utilizando a expressão 2.2.

Os picos existentes na região dos 800 eV provavelmente são devidos a colisões múltiplas.

De seguida fez-se uma serie de medições de ISS em função do aumento da temperatura da

amostra. Na figura 5.11 estão representadas 4 dessas medidas, e verifica-se que o pico do ouro

aumenta inicialmente e que depois decresce, o pico do titânio se mantém, mas quando o pico

do ouro decresce este aumenta. O pico do oxigénio mantém-se e o do carbono diminui.

Figura 5.11 Espectros ISS da superfície TiO2/Au com CO adsorvido e aumentando a temperatura.

Para cada espectro da série de medidas calculou-se a área de cada pico, após retirar o fundo

com o traçado de uma linha na base do pico, somou-se as áreas dos picos para o oxigénio,

titânio e ouro e traçou-se o gráfico desses valores em função da temperatura (figura 5.12).

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63

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

‐200 ‐100 0 100 200 300 400

Temperatura (ºC)

Inte

nsid

ade

(u. a

.)

Au

O

Ti

Figura 5.12 Gráfico da intensidade dos elementos da superfície em função da temperatura da amostra.

A linha ajuda a identificar os pontos do mesmo elemento.

Neste gráfico (figura 5.12) pode-se observar que o sinal do ouro aumenta e os sinais do

oxigénio e do titânio se mantêm, significando que o monóxido de carbono adsorve

preferencialmente à superfície do ouro e que consoante temperatura aumenta, ele desadsorve

deixando o ouro a descoberto, como o previsto. A partir sensivelmente dos 180 ºC, o sinal do

ouro diminui e o do titânio aumenta, assim como, o do oxigénio, indicando que o diâmetro

das ilhas de ouro diminui com o aumento da temperatura deixando maior superfície do

dióxido de titânio a descoberto [45].

Com estas medidas conseguiu-se demonstrar que foi possível controlar as condições que

determinam o crescimento de nano agregados de ouro em TiO2. Também, se constatou que o

CO adsorve preferencialmente sobre os agregados de ouro, diminuindo com o aumento da

temperatura. Seria interessante submeter este sistema Au/TiO2, a uma mistura de gases de O2

e CO, e tentar estudar a reacção de oxidação destes gases formando CO2, utilizando técnicas

de espectrometria de massa.

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6. Conclusão Esta dissertação, “Caracterização de superfícies nano-estruturadas de interesse catalítico”,

descreve um catalisador modelo, constituído por um suporte de dióxido de titânio (110), onde

se depositou quantidades muito pequenas de ouro sob condições de UHV.

O modo de crescimento do ouro em forma de ilhas 3D, foi confirmado através da análise

de um gráfico construído a partir de espectros de XPS. Também foi possível, verificar o modo

de crescimento camada a camada quando se depositou prata sobre um cristal de ouro, para

calibrar a balança de quartzo, assim como, controlar o fluxo de gás de modo a depositar a

quantidade pretendida.

Verificou-se que a adsorção do CO ocorre sobre as ilhas de ouro e não sobre o dióxido de

titânio, como o previsto na literatura existente.

Posteriormente será interessante fazer um teste em branco, sem o CO, para verificar se

existe, ou não, alguma influência da temperatura nos resultados experimentais manifestados

por alterações da morfologia das ilhas de ouro. Em seguida, avaliar a actividade catalítica,

expondo a superfície Au/TiO2 simultaneamente ao O2 e CO e estudar a esperada formação de

CO2 em função da temperatura, utilizando técnicas de espectrometria de massa. O uso de um

STM seria vantajoso, para se poder obter imagens da superfície, em termos de constituição,

existência de defeitos, tamanho e distribuição dos agregados, e assim, orientar melhor a

investigação a desenvolver.

Comprovou-se importância das técnicas ISS no que diz respeito à obtenção de informação

qualitativa (e semi-quantitativa) da superfície da primeira camada, confirmando o estado de

limpeza da superfície ou a existência de substâncias adsorvidas; e da técnica XPS para uma

informação mais detalhada, nomeadamente do estado de oxidação do titânio e na

quantificação das concentrações dos elementos presentes na superfície em estudo.

A actividade desenvolvida no CeFITec, no contexto desta dissertação foi muito positiva.

Por um lado, porque permitiu avaliar como se processa a investigação experimental, o seu

contributo para a construção do conhecimento científico e a importância do espírito de equipa

sempre presente. Por outro lado possibilitou compreender in locco como funciona um

espectrómetro, e todo o equipamento associado; a necessidade de fazer vácuo e como se

processa; as técnicas de análises de superfície e os princípios físicos associados, temas que

fazem parte dos currículos de Física e Química do Ensino Secundário.

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Finalmente pode-se concluir que o trabalho efectuado permite ao professor contextualizar

melhor as suas aulas, citando o programa de Física do 12º Ano, numa “perspectiva do ensino

das ciências, que ponha em destaque as suas relações com a tecnologia e com o ambiente,

com as suas aplicações na sociedade e com os desenvolvimentos científicos” [46], ou seja

numa abordagem CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade).

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