broch 2012 pluralidade linguistica no contexto escolar

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Web-Revista SOCIODIALETO www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 Volume 2 Número 2 novembro 2012 * O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Brasil PLURALIDADE LINGUÍSTICA NO CURRÍCULO ESCOLAR * Ingrid Kuchenbecker Broch (UFRGS) [email protected] RESUMO: É objetivo deste trabalho refletir sobre ações de promoção da pluralidade linguística no currículo escolar através de atividades de sensibilização e conscientização linguística dentro de um currículo de oferta plurilíngue. Tal discussão insere-se nos debates envolvendo ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras em contextos escolares regulares e políticas linguísticas. Os dados constam de registros escritos produzidos por setenta alunos do ensino fundamental nas aulas de línguas estrangeiras em que foram desenvolvidas atividades de sensibilização e conscientização linguística. Foram analisados os motivos que levaram os alunos a optar por uma língua estrangeira. Os resultados apontam que as atividades que antecederam a escolha da língua estrangeira pelos alunos foram fundamentais para o desenvolvimento de atitudes positivas frente à diversidade linguística e uma maior motivação para a aprendizagem de línguas. Constata-se, assim, que atividades desta natureza contribuem para o surgimento de um novo paradigma que tem no reconhecimento da pluralidade linguística seu ponto de partida essencial. Palavras-chave: Consciência linguística; Ensino de Língua Estrangeira; Educação Plurilíngue. ABSTRACT: The aim of this paper is to reflect on actions to promote Language diversity in the school curriculum through language awareness activities into a multilingual curriculum. This discussion is part of the debate involving foreign language teaching and learning in regular school settings and language policies. The data contain written records produced by seventy elementary students in foreign language classes after the development of language awareness activities. We analyzed the reasons why students choose a foreign language. The results indicate that the activities that preceded the choice of a foreign language were fundamental in the development of positive attitudes to language diversity and a greater motivation for language learning. It appears, therefore, that such activities contribute to the emergence of a new paradigm that recognizes multilingualism as an essential starting point Key-words: language awareness, foreign language teaching, plurilingual education. 1 Introdução No Brasil, apesar de vivermos em um país multilíngue, conforme. Decreto nº 7.387, de 9 de dezembro de 2010, que instituiu o Inventário Nacional da Diversidade Linguística, ainda prevalece a ideia de pertencermos a um povo que fala uma única língua e o que é pior, um ensino que na maioria das vezes reconhece uma única variedade desta língua nacional. Nesta mesma direção está a noção de língua estrangeira, no momento em que o ensino prioriza uma única Língua Estrangeira (LE), tirando toda e qualquer possibilidade de diversidade e escolha por parte do aluno, caindo no mesmo

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Pluralidade Linguistica No Contexto Escolar

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Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 2 • N ú m e r o 2 • n o v e m b r o 2 0 1 2

* O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico - Brasil

PLURALIDADE LINGUÍSTICA NO CURRÍCULO ESCOLAR *

Ingrid Kuchenbecker Broch (UFRGS)

[email protected]

RESUMO: É objetivo deste trabalho refletir sobre ações de promoção da pluralidade linguística no

currículo escolar através de atividades de sensibilização e conscientização linguística dentro de um

currículo de oferta plurilíngue. Tal discussão insere-se nos debates envolvendo ensino e aprendizagem de

línguas estrangeiras em contextos escolares regulares e políticas linguísticas. Os dados constam de

registros escritos produzidos por setenta alunos do ensino fundamental nas aulas de línguas estrangeiras

em que foram desenvolvidas atividades de sensibilização e conscientização linguística. Foram analisados

os motivos que levaram os alunos a optar por uma língua estrangeira. Os resultados apontam que as

atividades que antecederam a escolha da língua estrangeira pelos alunos foram fundamentais para o

desenvolvimento de atitudes positivas frente à diversidade linguística e uma maior motivação para a

aprendizagem de línguas. Constata-se, assim, que atividades desta natureza contribuem para o surgimento

de um novo paradigma que tem no reconhecimento da pluralidade linguística seu ponto de partida

essencial.

Palavras-chave: Consciência linguística; Ensino de Língua Estrangeira; Educação Plurilíngue.

ABSTRACT: The aim of this paper is to reflect on actions to promote Language diversity in the school

curriculum through language awareness activities into a multilingual curriculum. This discussion is part

of the debate involving foreign language teaching and learning in regular school settings and language

policies. The data contain written records produced by seventy elementary students in foreign language

classes after the development of language awareness activities. We analyzed the reasons why students

choose a foreign language. The results indicate that the activities that preceded the choice of a foreign

language were fundamental in the development of positive attitudes to language diversity and a greater

motivation for language learning. It appears, therefore, that such activities contribute to the emergence of

a new paradigm that recognizes multilingualism as an essential starting point

Key-words: language awareness, foreign language teaching, plurilingual education.

1 Introdução

No Brasil, apesar de vivermos em um país multilíngue, conforme. Decreto nº

7.387, de 9 de dezembro de 2010, que instituiu o Inventário Nacional da Diversidade

Linguística, ainda prevalece a ideia de pertencermos a um povo que fala uma única língua e

o que é pior, um ensino que na maioria das vezes reconhece uma única variedade desta

língua nacional.

Nesta mesma direção está a noção de língua estrangeira, no momento em que o

ensino prioriza uma única Língua Estrangeira (LE), tirando toda e qualquer

possibilidade de diversidade e escolha por parte do aluno, caindo no mesmo

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reducionismo de uma língua - uma nação, só que neste caso, uma língua estrangeira –

uma língua internacional, que normalmente se reduz ao ensino da Língua Inglesa, por

seu status de língua universal, sustentado por interesses econômicos e políticos. E

recentemente, a Lei nº 11.161/2005 que estabelece a inclusão da Língua Espanhola no

Ensino Médio.

Estes interesses colocam outras línguas em desvantagem, por não terem o seu

lugar pré-determinado por políticas lingüísticas nacionais claras, salvo as línguas

indígenas e de sinais que, recentemente, encontram-se incluídas a partir de fortes

movimentos liderados por suas comunidades de fala baseados no princípio de inclusão

social.

Não se trata aqui de questionar a importância da Língua Inglesa ou da Língua

Espanhola como línguas internacionais, mas de oferecer outras opções de aprendizagem

de línguas, no sentido de ampliar as habilidades lingüísticas de nossos alunos e

possibilitar o contato com a diversidade. Diversidade esta que passa despercebida e é

invisível para a maioria dos alunos que têm na escola a única oportunidade de ampliar

os seus conhecimentos linguísticos e culturais.

Um movimento conhecido como awareness of language ou language

awareness, que aqui, neste artigo, chamaremos de “Conscientização Lingüística” (CL) ,

surgiu na Inglaterra nos anos 70 (Hawkins, 1987) enfatizando a importância da

aprendizagem de línguas, com o objetivo de reconhecer e valorizar o outro. Este

movimento surgiu da necessidade de uma maior reflexão e conscientização de e sobre

“a língua”, através da observação de fenômenos inter e intralingüísticos favorecendo o

desenvolvimento de competências metalingüísticas.

Nos últimos anos, na Europa, surgiram vários projetos baseados neste

movimento de CL, isto se deve ao interesse em “despertar as línguas e para a

diversidade cultural” principalmente nos países que fazem parte da União Europeia.

Dentre estes, destaco o projeto Janua-Linguarum – Uma porta para as línguas,

conhecido como Ja-Ling, que consistiu em dar suporte educacional a professores na

criação e aplicação de materiais didáticos que proporcionassem o contato com

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diferentes línguas e culturas. Dezesseis países participaram deste projeto (Ver <

http://jaling.ecml.at/>).

No Brasil, ainda são poucas as iniciativas de se fomentar a pluralidade

lingüística no currículo escolar de escolas públicas. Na maioria das escolas de educação

básica a grade curricular, entendida como um conjunto de disciplinas de cada série ou

ano escolar, determinada pela escola ou instâncias superiores, é fixa e todos os alunos

são obrigados a cursar todas as disciplinas. No ensino de línguas, especificamente, são

poucas as escolas que tomam a iniciativa de oferecer mais de duas Línguas Estrangeiras

(LEs) ou de conceder aos alunos autonomia para decidir qual(is) língua(s) estudar. Se

pararmos para pensar sobre as nossas possibilidades de escolhas enquanto aluno(a) da

escola regular, provavelmente chegaríamos à conclusão de que foram poucas ou nulas.

Afinal, a quem cabe a decisão sobre que línguas ensinar na escola? Por quais

línguas os nossos alunos se interessam? Que motivos são citados pelos alunos na hora

de escolher que língua(s) pretendem estudar na escola?

Rajagopalan (Rajagopalan, 2003, p.65) aponta para a necessidade de sabermos

mais sobre “Por que é que os alunos querem aprender uma língua estrangeira?”, o autor

afirma que esta é uma pergunta que raramente é feita por pesquisadores e professores no

contexto de ensino de LEs e que poderia ser muito útil para o desenvolvimento de

metodologias e metas a serem alcançadas. A pergunta deste artigo, que é “Quais os

motivos levantados pelos alunos no momento de escolher qual LE estudar na sétima e

oitava séries?”, indiretamente responde a pergunta “Por que é que os alunos querem

aprender uma língua estrangeira?”, na medida em o aluno, ao justificar a sua escolha,

coloca a sua expectativa, desejo e sua intenção para com a aprendizagem da língua

escolhida.

Candelier, coordenador do Projeto Ja-Ling, ao se posicionar a favor da

introdução de várias línguas na escola afirma que “developing curiosity, interest and

openess towards that which is different should also contribute towards diversifying the

choice of languages pupils choose to learn” (Candelier, 2004, p.20).

Infelizmente, estas questões não são discutidas na maioria das escolas públicas,

que recebem uma grade curricular estabelecida por instâncias superiores e se limitam a

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executá-la. Soma-se a isso a baixa carga horária destinada ao ensino de LEs,

acompanhada da falta de motivação tanto de alunos como de professores (ver Celani,

1996).

Foi pensando em como despertar o interesse dos alunos pelas línguas oferecidas

na escola, que quatro professores das respectivas línguas, alemã, espanhola, francesa e

inglesa do Colégio de Aplicação de Porto Alegre realizaram atividades voltadas à

sensibilização e conscientização lingüística, envolvendo estas quatro línguas com

setenta alunos de sétima série do Ensino Fundamental. Após estas atividades, cada

aluno escolheu que língua iria estudar durante dois anos, na sétima e oitava séries. Estas

atividades fazem parte do “Projeto de ampliação da oferta e da carga horária de LEs no

Colégio de Aplicação/UFRGS”.

Busca-se, neste artigo, refletir sobre os motivos que levaram os alunos a decidir

sobre qual língua estudar a partir das justificativas dadas por eles no momento da

escolha da língua estrangeira.

2. Breve histórico de ensino de línguas estrangeiras no Brasil.

Antes do período imperial, o grego e o latim eram as línguas de grande

influência e dominantes no currículo escolar. Disciplinas como história e geografia eram

ensinadas através de trechos e citações nestas línguas clássicas. No período imperial,

com a reforma de 1855, as línguas modernas começaram a fazer parte do currículo com

“um status pelo menos semelhante ao das línguas clássicas” (Leffa, 1999, p.3). Nesta

época os alunos estudavam no mínimo quatro línguas no ensino secundário, chegando,

às vezes, a seis, as quais eram: latim, grego, francês, inglês, alemão e italiano.

Nos anos 40 e 50, anos dourados das LEs no Brasil, todos os alunos desde o

ginásio até o científico/clássico estudavam latim, francês, inglês e espanhol, conforme

decisões tomadas na Reforma de Capanema em 1942. (Ver

http://www.helb.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=63:reforma-

capanema-pico-na-oferta-de-linguas&catid=1016:1942&Itemid=2)

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Em 1961 foi publicada a Lei de Diretrizes e bases da Educação (LDB)

estabelecendo que as decisões sobre o ensino de língua estrangeira ficariam sob a

responsabilidade dos conselhos estaduais de educação. Foi nesta época que o latim foi

praticamente banido do currículo escolar, o francês quando não foi retirado teve a carga

horária semanal reduzida, permanecendo apenas o inglês.

A nova LDB, publicada em 1971, reduziu o ensino de doze para onze anos,

introduzindo o 1º grau com oito anos e o 2º grau com três. A ênfase passou a ser a

habilitação profissional. A redução de um ano de escolaridade e a necessidade de

introduzir a habilitação profissional provocaram uma redução drástica na carga horária

de língua estrangeira. Em seguida, o Conselho Federal decretou que a LE seria “dada

por acréscimo” dentro das condições de cada estabelecimento (Leffa, 1999, p.14).

Em 1996, foi publicada a atual LDB, que organiza o ensino em fundamental e

médio, conforme o Artigo 36 III – “será incluída uma língua estrangeira moderna como

disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter

optativo, dentro das possibilidades da instituição” (LDB, 1998, p.48). Paralelamente à

publicação da LDB de 1996, foram elaborados os Parâmetros Curriculares Nacionais.

Nos PCNs (1999), ensino médio, na seção “Conhecimentos de Língua Estrangeira

Moderna”, encontramos que:

são muitos os fatores que devem ser levados em consideração no momento de

escolher-se a(s) língua(s) estrangeira(s) que a Escola ofertará aos estudantes,

tais como as características sociais, culturais e históricas da região onde se

dará ese estudo. Não se deve pensar numa espécie de unificação do ensino,

mas, sim, no atendimento às diversidades, aos interesses locais e às

necessidades do mercado de trabalho no qual se insere ou virá a inserir-se o

aluno (PCNs 1999, p.149).

No entanto, sabe-se que estes “fatores que devem ser levados em conta” estão

fortemente ligados ao poder exercido pelas relações políticas e econômicas praticadas

em cada país. No Brasil, nas últimas décadas, estas relações de poder promoveram a

hegemonia da Língua Inglesa como componente curricular de língua estrangeira,

conforme mencionado acima. Recentemente, a partir de 2010, a Língua Espanhola

passou a integrar o currículo do Ensino Médio das escolas públicas e privadas de todo

país. Essa obrigatoriedade decorre da Lei nº 11.161/2005 que estabeleceu a inclusão da

Língua Espanhola no Ensino Médio, concedendo aos estados um prazo de 05 cinco anos

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para conclusão do processo de implantação da oferta. Para o aluno a matrícula poderá

ser facultativa, ou obrigatória, caso a comunidade escolar opte pela Língua Espanhola

como disciplina obrigatória para o aluno. Observa-se que a escolha deverá ser feita pela

comunidade escolar “dentro das disponibilidades da instituição” sendo que uma dessas

deverá ser a Língua Espanhola.

Apesar da redução de oferta de línguas estrangeiras no currículo, Altenhofen &

Oliveira (Altenhofen & Oliveira, 2011) apontam para um crescimento da diversidade

linguística em contextos marcados pela necessidade de “inclusão social e econômica”

conforme balanço das ações em política linguística no Brasil. É o caso das escolas

indígenas e a introdução da língua de sinais em instituições educacionais, bem como o

crescimento de contextos de educação bilíngüe. No entanto, observa-se que a escola

pública com raras exceções, continua carente de uma política linguística voltada para a

pluralidade linguística.

O momento parece propício se olharmos para a recente instituição do Inventário

Nacional da Diversidade Linguística, que reconhece que no Brasil são faladas cerca de

210 línguas, das quais aproximadamente 180 são línguas indígenas e 30 de imigrantes,

além de línguas de sinais de comunidades surdas, línguas crioulas e práticas lingüísticas

diferenciadas nas comunidades remanescentes de quilombos.

3. Awakening to languages: Uma abordagem voltada à conscientização linguística

Estudos recentes (Hélot & Young, 2006; Candelier et al., 2003; Pinho &

Andrade, 2002) enfatizam para a importância de abordagens plurais no

ensino/aprendizagem, que se caracterizam pelo uso de diversas línguas nas práticas

pedagógicas. Os resultados apontam para o desenvolvimento de habilidades lingüísticas,

atitudes positivas frente à diversidade linguística e cultural e uma motivação para a

aprendizagem de outras línguas.

Segundo Beacco & Byram (Beacco & Byram, 2007), plurilinguismo é entendido

não somente como uma capacidade de aprendizagem e de uso de mais uma língua

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inerente a todos os seres humanos, mas como um valor educativo que é a base para a

tolerância e aceitação positiva da diversidade. Beacco afirma que:

[i]f one recognizes the diversity of languages n one´s own repertoire and the

diversity of their functions and values, that awareness of the diversity one

carries within one is such as to foster a positive perception of other people´s

languages (Beacco, 2004, p.40).

É no campo deste estudos de plurilinguismo que as discussões sobre CL

(language awareness) vêm se destacando. Conforme a Associação de Language

Awareness (ALA), o termo pode ser definido como:

Um conhecimento explícito sobre a língua uma percepção consciente e uma

sensibilidade na aprendizagem de línguas, no ensino de línguas e no uso de

línguas.

Uma abordagem voltada para a CL pode provocar uma desconstrução de mitos e

crenças sobre aspectos culturais, de funcionamento de outras línguas e da própria língua

do aprendiz. Cabe à escola oferecer este espaço de CL, contemplando a pluralidade

linguística presente na comunidade local, nacional e global nas suas práticas

pedagógicas.

No contexto escolar, foco desta pesquisa, os professores trabalharam um mês

com atividades voltadas à sensibilização e conscientização linguística com setenta

alunos de sétima série nas aulas de LEs com o intuito de dar visibilidade às LEs

oferecidas pela escola. Este trabalho de sensibilização linguística foi fundamental para

todos os envolvidos no processo de escolha de uma LE: professores, alunos e pais. Caso

contrário, as escolhas poderiam se pautar apenas pelo senso comum, ou ainda, cair no

reducionismo.

Segundo Beacco (2010), uma educação plurilíngue e intercultural abrange:

“aquisição de competências, conhecimento, disposições e atitudes, diversidade de

experiências de aprendizagem e a construção de identidades culturais coletivas e

individuais. Seu objetivo é tornar o ensino mais eficaz e aumentar sua contribuição,

tanto para o sucesso escolar de alunos mais vulneráveis como para a coesão social”

(Beacco, 2010, p.7). Foi pensando em como proporcionar um ensino de LEs inclusivo e

igualitário, que o grupo de professores do Colégio de Aplicação de Porto Alegre propôs

um Projeto de ampliação da oferta e da carga horária de LEs no currículo de sétima e

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oitava séries do Ensino Fundamental. Este projeto foi proposto a partir de mudanças

ocorridas no contexto socioeconômico no qual a escola encontra-se inserida.

3. Contexto participantes

3.1 O projeto

A pesquisa foi realizada no Colégio de Aplicação da UFRGS em março de dois

mil e nove. Nas últimas duas décadas o Colégio de Aplicação sofreu uma série de

mudanças que vão desde a sua localização geográfica a forma de ingresso de alunos na

escola. Estas mudanças alteraram o perfil da comunidade escolar em todos os aspectos:

social, econômico e cultural. Tais mudanças levaram o grupo de professores de línguas

estrangeiras, composto pelas línguas alemã, espanhola, francesa e inglesa, a discutir e

reestruturar o ensino destas línguas na escola. Para tanto foi elaborado um plano de ação

denominado Projeto de ampliação da oferta e da carga horária de LEs. Este projeto

abrange toda a escola, desde os anos iniciais do Ensino Fundamental até o último ano

do Ensino Médio e a EJA – Educação de Jovens e Adultos. As ações

desenvolvidas no projeto obedecem á organização das equipes de trabalho da escola e

sua implementação é gradativa. A presente pesquisa foi realizada nas ações

desenvolvidas na Equipe de Trabalho que corresponde a sétima e oitava séries. Tais

ações consistem no oferecimento de quatro línguas estrangeiras, alemã, espanhola,

francesa e inglesa, sendo concedido ao aluno o direito de escolher uma destas línguas

para estudar pelo período de dois anos com uma carga horária de cinco períodos

semanais e mais quatro períodos de atividades multidisciplinares. Sendo que no ensino

médio, estes alunos terão a possibilidade de escolher uma segunda língua estrangeira.

É neste contexto de escolhas sobre qual língua aprender de forma mais

aprofundada envolvendo todas as habilidades, que o grupo de professores desta escola

decidiu realizar um trabalho voltado à sensibilização e conscientização linguística e

cultural. Esta decisão se deve a vários fatores, dentre os quais, cito: 1º) O descrédito dos

próprios professores de alemão e francês sobre o possível interesse dos alunos pelas

suas respectivas línguas; 2º) Uma consulta feita aos alunos da sexta série em 2008 sobre

qual língua eles estariam interessados em estudar na sétima série, tendo em vista o

início da implementação do projeto em 2009. O resultado da consulta apontou que a

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maioria dos alunos gostaria de estudar francês, uma menor parte se interessou pelo

alemão e um número muito reduzido se interessou por espanhol e inglês.

Diante deste quadro e, tendo em vista, o ingresso de cerca de trinta e cinco

alunos novos na escola na sétima série, o grupo de professores de LEs organizou uma

série de atividades envolvendo as quatro línguas em questão. A preparação para a

escolha consistiu em oferecer aos alunos oportunidades de contato e reflexão sobre a

diversidade cultural e linguística, partindo de seus conhecimentos e de seus contextos

sociais. Verificou-se a necessidade de abrir um espaço de reflexão sobre “que línguas eu

gostaria de estudar” e não “que professor eu gosto mais”, um espaço em que o aluno

pudesse conhecer as línguas e a partir disso traçar o seu planejamento linguístico.

3.2 Participantes e atividades desenvolvidas

Conforme mencionado, os participantes foram setenta alunos de sétima série,

todos participaram das atividades de sensibilização linguística e cultural no mês de

março de 2009, num total de nove períodos semanais. A primeira atividade consistiu na

produção de um texto escrito sob o título de “Eu e as línguas”. A seguir, os alunos

fizeram um levantamento das palavras estrangeiras encontradas no seu dia a dia. Na

sequência, foram realizadas palestras por profissionais de cada uma das línguas. Os

alunos, também foram divididos em quatro grupos de pesquisa. Cada grupo era

responsável por uma língua e orientado por um professor. A pesquisa tinha o objetivo

de conhecer mais sobre os países, a cultura e os costumes de falantes daquela língua,

além da importância e repercussão desta língua no contexto brasileiro.

Todos os trabalhos foram compartilhados em um fórum onde os trabalhos foram

apresentados. Entre outras atividades, estes alunos ainda tiveram a oportunidade de

participar de uma aula inaugural preparada em cada uma das línguas, momento em que

eles experimentaram a sonoridade de cada língua e realizaram uma atividade de

apresentação, utilizando as quatro línguas em questão.

Além disso, foram apresentadas as possibilidades de intercâmbio oferecidas pela

escola, no caso, Alemanha e Estados Unidos, e atividades extracurriculares oferecidas

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pela escola, como o Projeto de Extensão Drama Club (ver

http://www.ufrgs.br/dramaclub/).

Todo este trabalho culminou com uma reunião com os pais dos alunos envolvidos,

na qual, setenta por cento dos pais estiveram presentes. A reunião foi coordenada pelos

quatro professores de LEs, com o objetivo de esclarecer dúvidas e orientar os pais para

que eles respeitassem a escolha de seus filhos e não interferissem de modo a tomar a

decisão por eles, como demonstra um dos diversos comentários registrados antes da

escolha, em que um aluno diz o seguinte: “Acho que vou estudar espanhol, pois assim

quando for para Santa Catarina posso falar com os argentinos, que veraneiam na minha

praia” e, acrescentou “mas minha mãe quer que eu estude inglês, ela acha que é mais

importante”. Os professores enfatizaram a necessidade a importância do diálogo entre

pais e filhos sobre o assunto.

Observou-se na reunião, que a maioria dos pais já havia ouvido falar sobre o

projeto e estava acompanhando o processo de tomada de decisão de seus filhos. Este foi

um momento crucial, em que surgiram várias dúvidas, incluindo questões referentes à

origem da família e a língua dos antepassados, além de sonhos, preocupações com o

futuro, curiosidades etc.

Após um mês de atividades, reunião com pais, conversas e orientações, chegou o

momento da escolha livre e consciente de uma das quatro línguas oferecidas pela escola

no currículo. Cada aluno recebeu um papel que continha o seguinte:

Aluno(a)_______________________________________________ Turma:________

A língua estrangeira que escolhi para estudar no 7º e 8º ano do Ensino Fundamental é ______________

porque ________________________________________________

e no Ensino Médio pretendo estudar _________________________ pois

_____________________________________________________________________.

Neste momento, bastante rápido, os alunos também puderam escrever a língua que

pretendiam estudar no Ensino Médio, fato este que facilitou a escolha, pois na maioria

das vezes o aluno tinha pelo menos duas línguas que ele gostaria de estudar.

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4 Análise dos dados

O resultado das escolhas foi o seguinte: 15 alunos escolheram a língua alemã; 16

optaram pela língua francesa; 17 ficaram com a língua inglesa; e, 22 alunos escolheram

a língua espanhola. Apesar da apreensão dos professores de LE quanto ao número total

de alunos em cada língua, o número de alunos em cada língua ficou bem equilibrado.

Entretanto, são os motivos mencionados pelos alunos para aprender a língua

escolhida que podem nos ajudar a compreender um pouco mais sobre os seus desejos e

suas expectativas quanto à aprendizagem e uso da língua. Cabe lembrar que os motivos

não foram pré-estabelecidos, os mesmos foram categorizados a partir dos registros

feitos pelos participantes. Para permitir uma melhor visualização dos dados serão

apresentados quatro quadros contendo os motivos elencados pelos alunos no momento

da escolha.

Motivos % Registro de algumas justificativas dadas pelos alunos

Descendência 40%

“Na minha casa todos falam essa língua e eu não entendo

quase nada, apenas algumas palavras”.

“Eu tenho muitos parentes que falam e eu acho legal”.

“Minha família é alemã, meu tataravô veio com sua família

para o Brasil...”

Desejo de aprender línguas

ou culturas diferentes 20%

“É uma língua diferente e eu sempre quis estudar”

“Eu quero aprender idiomas diferentes e cultura diferente”.

Perspectivas futures 20%

“Eu gosto de alemão, porque, além do alemão ser uma língua

bastante falada, ajuda no emprego de hoje, e é isso que eu

quero pro meu futuro”.

“...porque eu quero ser bióloga e em biologia tem muito

material em alemão”.

Intercâmbio 14%

“Quero ter a oportunidade de fazer intercâmbio”.

“Eu quero ser proficiente naquela língua e também quero me

preparar antes para o intercâmbio para Alemanha, já que eu

posso ir quando eu estiver no ensino médio, afinal quero muito

fazer intercâmbio”.

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* O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento

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Sem motives 6% “Por nada”

Quadro 1: Motivos para aprender a língua alemã.

Observa-se que no Quadro 1 acima, a descendência foi o maior motivo para a

escolha da língua alemã, trazendo à tona aspectos de identidade e afetividade. Há uma

aproximação entre família e escola, na medida em que o aluno vê a possibilidade de

utilizar, compartilhar ou ainda, de resgatar aspectos culturais e linguísticos que dizem

respeito à sua história de vida. Para estes alunos não importa se esta língua é mais ou

menos importante em relação a outras. Infelizmente, na maioria dos contextos escolares,

as discussões sobre qual língua ensinar se reduzem a ideia de que tal língua é mais

importante do que outra. Mais importante para quem? Em relação a que?

Consequentemente a língua estrangeira ensinada na escola nem sempre reflete o

interesse do aluno nem tampouco o contexto cultural em que vive.

Uma pedagogia de apoio ao plurilinguismo (Altenhofen & Broch, 2011) deve

partir do repertório linguístico do aluno, isto é, deve fazer parte das ações de educação

linguística, seja através de uma oferta plurilíngue ou de atividades de conscientização

linguística no ensino de línguas. O contrário disto seria a não inclusão das línguas

faladas pelas comunidades que compõem a comunidade escolar o que vai de encontro à

Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (1996) que considera:

que as dimensões coletivas e individuais dos direitos linguísticos são

inseparáveis e interdependentes, pois as linguagens constituem-se dentro de

uma comunidade, e é também dentro desta comunidade que as pessoas as

usam individualmente. Portanto, o exercício dos direitos linguísticos somente

pode tornar-se efetivo quando os direitos coletivos de todas as comunidades e

grupos forem respeitados (Disponível em:

<http://www.terminometro.info/ancien/b40/pt/dudl_pt.htm>. Acesso em: 02

jul. 2011).

No entanto, mesmo que os direitos linguísticos estejam assegurados pela

UNESCO, as ações de apoio a uma pedagogia do plurilinguismo, em contextos

escolares, não podem se restringir ao oferecimento de várias línguas no currículo. É

necessário um trabalho de conscientização linguística, buscando uma maior

compreensão sobre e de línguas e os seus usos. Em outras palavras é preciso fornecer

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* O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento

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subsídios para uma escolha consciente e consequente, desconstruindo mitos e crenças

sobre comunidades de fala, principalmente de línguas minoritárias.

No Quadro 2 abaixo, observa-se que a língua espanhola foi escolhida

principalmente devido ao gosto pela língua e cultura e pelas perspectivas de utilizá-la no

futuro.

Motivos 100 % Registro de algumas justificativas dadas pelos alunos

Gosto pela da língua e cultura 32% “... e também porque eu gostei dela (senti atração).”

Perspectivas futures 27% “...e também acho que vai me ajudar no futuro”

Interessante e divertida 18% “Eu acho uma língua muito interessante, engraçado o jeito

de falar.”

Comunicação com pessoas de

países vizinhos 9%

“...quero aprender mais sobre a língua, pois as vezes viajo a

Bombinhas SC, e é bem na época e é bem na época que os

argentinos veraneiam e eu gostaria de poder me comunicar

melhor.”

Língua internacional 9% “É uma língua muito falada, bem considerada e também

porque eu gostei dela (senti atração).”

Curiosidade 5% “Porque tenho curiosidade de aprender a língua.”

Quadro 2: Motivos para aprender a língua espanhola.

O contato com as quatro línguas nas atividades de conscientização promoveu

uma maior abertura à cultura e à língua do outro. Pensar em aprender uma língua do

país vizinho para comunicação, envolve conhecer aspectos culturais também, conforme

registro de um dos participantes “...quero aprender mais sobre a língua, pois, às vezes,

viajo para Bombinhas SC, e é bem na época que os argentinos veraneiam e eu gostaria

de poder me comunicar melhor” ou de outro “... acho que vai me ajudar no futuro”,

demonstram que as questões afetivas e econômicas prevalecem.

No quadro 3 abaixo, verifica-se que um dos principais motivos apontados na

escolha da língua francesa também refere-se ao gosto pela língua e cultura, além do

interesse em aprender. Este último provavelmente esteja ligado a desejos e sonhos.

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A língua francesa poderia de certa forma ser a língua menos interessante para

os alunos, se olharmos para a influência da mídia nos últimos anos, em que esta não

ocupa uma posição de destaque no meio artístico, nas músicas e notícias em geral no

Brasil. Entretanto , o “interesse em aprender” esta língua, ver quadro abaixo, está muito

ligado à diversidade, conforme o registro de um aluno “É a única língua que eu tenho

interesse e não tenho contato”.

Motivos % Registro de algumas justificativas dadas pelos alunos

Gosto pela língua e

cultura 44%

“É a língua que eu gosto mais.”

“desde pequeno eu gosto da língua e acho uma língua muito bonita. E já

faz um tempo que eu queria fazer francês e agora posso fazer no

colégio.”

Interesse em aprender 44%

“É a única língua que eu tenho interesse e não tenho contato”

“eu gostaria de aprender um pouco dessa língua”

“eu acho uma língua muito interessante, e gostaria de saber mais sobre

ela”

“na 5ª e 6ª série nós estudamos as línguas inglês e espanhol. Neste ano

quero aprender a língua francesa porque tem muitas palavras que eu

não conheço.”

Intercâmbio 23%

“...Tenho também planos a longo prazo , como fazer intercâmbio pelo

colégio ou até viajar por conta própria . tem muito motivos pelos quais

eu gostaria de estudar francês.”

“...E também porque quero ter a oportunidade de fazer um intercâmbio

para a França, um lugar que eu tenho muita vontade de conhecer”.

Elegante e bonita 13% “eu acho o francês uma língua elegante, bonita e mesmo minha família e

meus amigos me dizendo que é muito difícil eu gostaria de aprender”

Importante 7% “eu acho importante para mim”

Comunicação 7% “...Melhor ainda é falar outra língua e se comunicar com pessoas de

diversas etnias.”

Diferente 7% “acho que essa língua é diferente de todas as línguas e jeito de falar.”

Quadro 3: Motivos para aprender francês

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Outro motivo elencado pelos alunos que escolheram a língua francesa é o gosto

pela língua e cultura, que pode estar associado à língua internacional para a cozinha, a

moda, o teatro, as artes visuais, a dança e a arquitetura. Francês é visto pelos alunos

como uma língua bonita e melodiosa como demonstra a justificativa de um aluno “eu

acho o francês uma língua elegante, bonita ...”.

No último quadro abaixo estão registrados os motivos dos alunos que

escolheram a língua inglesa. Os dois motivos mais citados são por ser a língua universal

e perspectivas de uso no futuro, os quais estão diretamente ligados a questões políticas e

econômicas.

Motivo % Registro de algumas justificativas

Língua universal 35% "É uma língua universal, a mais falada no mundo..”

Perspectivas Futuras 24%

"Vai me abrir vários caminhos de opção no futuro e também

porque para muitas coisas daqui que são necessários no

mínimo uma noção básica de inglês."

Legal, divertida e fácil 18% "É uma das línguas mais faladas e a minha mãe disse que a

gramática é fácil."

Viagem 18%

"O meu avô tem uma agência de turismo e ele me falou que

para ir viajar com ele para os lugares que ele vai eu tenho

que saber falar Inglês.."

Intercâmbio 12% “...para saber bastante inglês e tentar fazer intercâmbio no

ensino médio.”

Quadro 4: Motivos para aprender inglês

Assim, para cada língua cria-se um imaginário de associações que também

servem de subsídio para o próprio corpo docente, no planejamento das atividades do

ano letivo e da próxima escolha. O que predomina no todo e o que se distingue entre as

motivações para cada língua. Não são as mesmas. No alemão, parece que predomina a

ligação familiar e as perspectivas profissionais futuras. No espanhol é a atratividade da

língua. Ao passo que no francês predomina o gosto pela língua e cultura. E no inglês

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prevalece o fato de que inglês é a língua universal, falada em todo o mundo inglês

representa um atalho para multiplicar as oportunidades no mercado internacional.

Observou-se ainda que, os alunos, motivados a tomar uma decisão, abriram um

espaço no ambiente familiar para o diálogo sobre que LE aprender e para quê, conforme

os registros “Eu acho o francês uma língua elegante, bonita e mesmo minha família e

meus amigos me dizendo que é muito difícil, eu gostaria de aprender” e “Eu amo

Quebec e lá se fala francês, além disso meus pais são encantados com essa língua, e eu

nunca tive o contato com esta língua” ou ainda “Eu e meus pais achamos que é a língua

(falando do espanhol) que irei necessitar, que eu vou precisar e quanto mais cedo

melhor”.

Cabe à escola oferecer este espaço de CL para todos os envolvidos no processo

de escolha: professores, alunos e pais. Caso contrário, as decisões podem se pautar

apenas pelo senso comum e cair no reducionismo, como se verificou na justificativa de

um dos alunos “Eu iria escolher espanhol porque eu achava que era a língua mais fácil

de se aprender, mas aí eu me dei conta que o que eu queria mesmo era fazer francês”.

Novamente, observa-se a importância de um trabalho voltado à CL, momento em que o

aluno pode “se dar conta” da diversidade linguística e cultural e desconstruir mitos e

tabus sobre a aprendizagem de LE.

A autonomia na escolha pode despertar a vontade do aluno e aumentar a

motivação para sua aprendizagem. Segundo Ushioda, não há dúvida de que a escolha

motiva o aluno (Ushioda, 2006). Mesmo que esta seja limitada ela vai causar algum

impacto. Ao ter uma escolha, o aluno terá que refletir, fomentando a conscientização

linguística. Além disso, ao escolher a língua estrangeira o aluno se torna mais

comprometido com seu processo aprendizagem.

Infelizmente a oportunidade de o aluno traçar o seu planejamento linguístico

dentro do currículo escolar não é uma realidade na maioria das escolas públicas. Porém

quando esta oportunidade existe, os desejos e sonhos de aprender uma nova língua

emergem, como mostra o registro de um dos participantes “Desde pequeno eu gosto da

língua (francesa) e acho uma língua muito bonita. E já faz um tempo que eu queria fazer

francês e agora posso fazer no colégio” ou ainda a possibilidade de ampliar seus

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conhecimentos, conforme justificativa de outro participante “Minha primeira opção era

inglês, mas como já estou fazendo curso fora achei melhor fazer a minha 2ª opção que é

espanhol”.

Uma maior oferta de LEs vem ao encontro de uma demanda da sociedade atual,

que se caracteriza pela mobilidade econômica e social, em que a diversidade é inerente

nas relações interpessoais. Na medida em que os interesses linguísticos dos indivíduos

são contemplados pela escola, há uma preocupação em manter esta diversidade,

objetivando a formação de um cidadão plural.

5 Considerações finais

O presente artigo enfatizou a importância de uma oferta plurilíngue no currículo

para o atendimento das necessidades e motivações linguísticas da comunidade escolar

baseada numa abordagem voltada à CL, buscando a construção de uma pedagogia do

plurilinguismo (Altenhofen & Broch, 2011).

O contexto pesquisado teve uma preocupação muito grande com a sensibilização

e conscientização linguística e cultural para uma escolha consciente. Não se trata apenas

do direito de escolher uma língua e de seus efeitos positivos, mas de todo um

comprometimento do indivíduo no planejamento linguístico que envolve um conjunto

de reflexões que transcende a educação como um todo. De quem sou eu no mundo?

Para onde eu quero ir? Por que estudar outras línguas? Para quê? Estas são algumas

questões que emergem neste processo de escolha e instigam o diálogo entre família e

escola.

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Recebido Para Publicação em 30 de outubro de 2012.

Aprovado Para Publicação em 23 de novembro de 2012.