apostila linguistica textual
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LINGUSTICA TEXTUAL
SUMRIOESBOO HISTRICO DA LINGUSTICA TEXTUAL ________________________ 7
DA RUPTURA ESTRUTURALISTA LINGUSTICA TEXTUAL________________ 7
ESTRUTURALISMO: UM PASSO PARA A LINGUSTICA CONTEMPORNE____ 7
OS ESTUDOS GERATIVISTAS ________________________________________ 10
A NECESSIDADE DE RENOVAO DO HORIZONTE LINGSTICO__________12
DAS GRAMTICAS DE FRASE S GRAMTICAS DO TEXTO ______________ 15
ATIVIDADE COMPLEMENTAR _______________________________________ 18
OS PRIMEIROS PASSOS DA LINGUSTICA TEXTUAL ____________________ 19
A CONCEPO DE SUJEITO E DE LNGUA ____________________________ 19
A IDIA DE TEXTO _________________________________________________ 23
O CONTEXTO NA LINGUSTICA TEXTUAL______________________________ 25
COMPREENDENDO AS ESTRUTURAS COGNITIVAS_____________________ 27
ATIVIDADE COMPLEMENTAR ________________________________________ 30
PRINCPIOS E PROCEDIMENTOS DA LINGUSTICA TEXTUAL _____________ 31
ALGUNS ELEMENTOS BSICOS DA LINGUSTICA TEXTUAL ______________ 31
A COERNCIA TEXTUAL ___________________________________________ 31
A COESO TEXTUAL ______________________________________________ 36
A RELAO ENTRE A COERNCIA E A COESO TEXTUAL ______________ 41
A POLIFONIA TEXTUAL ____________________________________________ 43
ATIVIDADE COMPLEMENTAR _______________________________________ 49
A LNGUA ESCRITA E A LNGUA FALADA ______________________________ 52
PENSANDO A ORALIDADE E O LETRAMENTO __________________________52
CARACTERSTICAS DA LNGUA ESCRITA______________________________ 53
CARACTERSTICAS DA LNGUA FALADA ______________________________ 55
O TEXTO CONVERSACIONAL ________________________________________57
ATIVIDADE COMPLEMENTAR _______________________________________ 59
GLOSSRIO ______________________________________________________ 61
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ____________________________________ 63
ESBOO HISTRICO DA LINGUSTICA TEXTUAL
DA RUPTURA ESTRUTURALISTA LINGUSTICA TEXTUAL
No momento em que se para com o intuito de observar o desenvolvimento da LINGUSTICA na histria, possvel identificar que vrios estudos foram se modificando com o passar do tempo. Segundo Hilrio Bohn, da mesma maneira como a morte do indivduo no significa o seu desaparecimento, ele continua na memria coletiva ou familiar, continua gerando sentidos depois que sai do convvio social, assim com os paradigmas, somente depois de muitos anos da sada do palco dos auditrios cientficos que se podem avaliar os efeitos que produzem sobre a viso de mundo e as pessoas que o habitam.
Dessa forma, no universo da cincia da linguagem, principalmente no sculo XX, modelos lingsticos
sofreram infl uncias e/ou infl uenciaram outros estudos. Seja para ratifi car ou negar, a LINGUSTICA
apresentou esse movimento entre identidade e alteridade. As correntes LINGUSTICAs tiveram infl uncia de
idias, concepes anteriores e apontaram para futuros posicionamentos. E justamente por isso que
inicialmente vamos rever alguns conceitos principais que marcaram a LINGUSTICA no sculo XX, no intuito
de compreendermos o que levou ao surgimento de uma importante vertente da cincia da linguagem:
a LINGUSTICA Textual. Afi nal, para se compreender o presente fundamental conhecer o passado, saber
quais foram as condies de existncia que propiciaram a cristalizao de um determinado movimento,
e no de outro em seu lugar.
ESTRUTURALISMO: UM PASSO PARA A
LINGUSTICA CONTEMPORNEA
Se possvel considerar o sculo XIX como a poca do estudo histrico e comparativo das lnguas,
o sculo posterior marca uma importante ruptura na LINGUSTICA. No raro se ouviu que a LINGUSTICA era
uma disciplina predominantemente histrica. Diante de tal afi rmao, o que aconteceria se algum dissesse
o contrrio? Qual seria a conseqncia de se negar o que at ento se ratifi cava? Bem, no precisa
de muito esforo para pelo menos se achar que causaria muito rebulio, no ?! Pois foi justamente isso
que aconteceu no sculo XX com o advento do estruturalismo saussuriano, que vocs j devem conhecer.
Porm, para que se possa compreender o processo histrico que levou ao surgimento da LINGUSTICA
Textual, torna-se importante relembrar alguns pressupostos bsicos de um movimento que balanou os
pilares dos estudos da linguagem.
Inicialmente, podemos apontar como marco do estruturalismo saussuriano o lanamento pstumo
do livro de Ferdinand de Saussure intitulado Cours de Linguistique Gnrale (Curso de LINGUSTICA geral),
publicado em 1916. A existncia da referida obra se deu graas contribuio de trs de seus discpulos,
a partir de rascunhos feitos nas aulas do grande mestre genebrino.
LINGUSTICA Textual 7
-
Ateno
Ateno
Ateno
-
Ateno
Ateno
Ateno
No momento em que, a exemplo da prtica escolar, numa poca na qual se estudar uma lngua
significava estudar textos, os seus sentidos, inclusive a partir de disciplinas intituladas compreenso
de texto, Saussure apresenta uma nova abordagem LINGUSTICA. Ele prope no mais se ater funo
significativa de texto, prtica da linguagem, e sim ao seu funcionamento, a sua teoria. Com o referido
deslocamento, separa-se, portanto, a prtica da linguagem de sua teoria. Nesse sentido, a lngua passa a ser
pensada como sistema de signos e a fala fica excluda dos estudos cientfi cos da linguagem.
FTC EaD | LETRAS8
Ateno Ateno
Lembra de que a LINGUSTICA no sculo XIX era histrica e comparativa? Pois ! Por conta dos estudos
de Saussure, a LINGUSTICA no sculo XX deixa de ser histrico-comparativa. O motivo da mudana se
baseia na idia do mestre genebrino de que no havia sentido estudar a lngua em sua historicidade (ou
diacronia), mas mediante o seu vis descritivo (sincrnico). Diante disso, podemos dizer que ele prefere,
ento, estudar o estado da lngua, e no sua evoluo.
No intuito de tornar a referida questo mais clara, Saussure compara a lngua
em seu estado com um jogo de xadrez.
Sua tese de que, assim como num jogo de xadrez, o jogo da lngua apresenta
um sistema de valores. Bem, vamos ver o que ele prprio diz sobre isso:
Por isso que, para Saussure, o lingista proposto a compreender o estado
da lngua deve analis-lo em um dado momento, descrevendo-o, e ignorar
sua evoluo, ignorar sua histria, ignorar sua diacronia.
A lngua uma forma e no uma substncia
No estruturalismo, a lngua ser vista como forma, e a fala, substncia.
Nesse sentido, forma deve ser compreendida como essncia, em seu sentido fi losfico.
A forma constante, como a lngua. J a substncia circunstancial
como a fala , tida como aparncia, e no como essncia. No jogo de xadrez,
por exemplo, as regras esto para a forma, j as peas do jogo, para a substncia.
Se transferirmos essa lgica para a linguagem, poderemos fazer a seguinte associao a partir
da frase abaixo:
Nis compr a rpa.
O que importa para o estruturalismo ao estudar a lngua a forma, as regras, no a substncia, a
aparncia. Assim, temos a seguinte regra de constituio da frase:
LINGUSTICA Textual 9
Pronome + verbo + objeto
Os desvios ortogrfi cos, por exemplo, esto ligados aos traos da fala. Esses traos, para Saussure,
so de ordem individual, ou seja, peculiar a determinados falantes, e no social, geral como o a regra.
Os traos podem variar, a depender do falante, do momento em que se emite a frase. Portanto, um ato
individual. Assim, apesar do desvio norma culta, sua estrutura continua a ser de uma frase da lngua
portuguesa.
Bem, agora, no quadro abaixo, vamos visualizar algumas dessas diferenas estruturalistas
apresentadas:
A partir de nossos estudos, foi possvel perceber que h muitas oposies no estruturalismo. Por
isso, podemos dizer que o estruturalismo tem a caracterstica de se ocupar das diferenas. por isso que
Saussure props suas dicotomias, como lngua (langue) X fala (parole), sincronia X diacronia. Existem
mais dicotomias saussurianas, porm nosso objetivo agora compreender as motivaes histricas e LINGUSTICAs
para a constituio da LINGUSTICA Textual. Esses princpios bsicos trabalhados j servem para
o nosso propsito nesse mdulo. Por isso, importante internalizar tudo o que foi at agora trabalhado
aqui, t?!
OS ESTUDOS GERATIVISTAS
Agora que j vimos certos pontos bsicos do estruturalismo, vamos relembrar alguns pressupostos
de um estudo que tambm teve muita importncia no sculo XX, por volta do fi nal da dcada de 50, e
que infl uenciou muito o pensamento lingstico: O gerativismo. Esse movimento lingstico vai, em um
momento, influenciar a LINGUSTICA Textual. Por isso, prestem bastante ateno, meus amigos!
Quando falamos em gerativismo, um nome fundamental vem mente: Noam Chomsky. Ele foi o
criador do gerativismo, estudo que prope uma gramtica gerativa (doravante GG) que passou a ser conhecida
a partir da obra de Chomsky, Syntactic structures, publicada em 1957. Ela prope principalmente
que a gerao dos enunciados seja, pelo menos parcialmente, determinada pelo estado da mente/crebro.
O referido autor v o crebro como um rgo do corpo humano que deve ser estudado como se estuda
o corpo humano. Para ele, cada parte teria sua funo. Portanto, uma parte do crebro seria responsvel
pela linguagem.
Bem, se a linguagem vista como uma propriedade da
mente/crebro do falante, fi ca fcil comear a entender a afi r-
mao de que a linguagem inata. Essa idia difere do estruturalismo
americano, o qual v a aquisio da linguagem como
resultado de repetio, estmulo/resposta, a partir da experincia,
sendo, assim, um constructo social, e no mental.
Lembre-se:
Para o gerativismo, aquisio da linguagem inata, portanto,
j nascemos com ela.
Outro ponto importante tratado
pelo gerativismo a existncia
de uma gramtica universal (GU).
A partir dessa concepo, todas as
lnguas tm pontos em comum, tm princpios gerais. Diante disso, fi ca clara
a afi rmao de que, diferente dos estudos estruturalistas, os quais se baseavam
nas diferenas, nas dicotomias, o gerativismo vai se voltar para as semelhanas,
para os princpios universais existentes em todas as lnguas.
Ao trabalhar com a GU, Chomsky tambm vai se ocupar, a despeito do estruturalismo, que efetuava
uma atividade descritiva em suas pesquisas - em explicar esses fenmenos lingsticos ligados a um
conjunto de princpios gerais. Por esse motivo, no h problema em dizer que nesse sentido a prioridade
torna-se mais terica que emprica. E no intuito de descrever o conhecimento implcito do falante
mediante um quadro terico-explicativo que Chomsky elabora a teoria da gramtica gerativa. De acordo
com Jos Borges Neto, o trabalho do lingista, nesse momento, passa a ser dividido em dois grupos:
Ateno
Nos estudos de Chomsky, a sintaxe ganha um lugar de destaque. Dessa forma, ele mesmo diz o
seguinte:
Uma lngua um conjunto (fi nito ou infi nito) de oraes, cada uma delas de tamanho
fi nito e construda a partir de um conjunto finito de elementos.
Assim, a sintaxe ganha uma autonomia, j que, a partir dela, so geradas as oraes gramaticais coerentes.
O conhecimento que os falantes possuem de uma lngua em suas mentes chamado de competncia LINGUSTICA.
A competncia, ento, justamente o conhecimento lingstico internalizado que permite ao falante ter a
propriedade de utilizar o conjunto de regras que se encontram presentes em sua mente. A competncia possibilita
que o falante faa uso da linguagem e a adquira na infncia, vez que a linguagem uma propriedade inata.
preciso distinguir a competncia LINGUSTICA da performance. A performance se refere ao modo
com que o falante vai utilizar a linguagem. A esse fator so incorporadas questes extraLINGUSTICAs, envolvendo
o ambiente, a sociedade, os interlocutores.
Nesse momento importante deixar bem claro que a teoria gerativa centra-se na competncia, que
de carter universal, e est relacionada mente/crebro do falante. A isso se pode dizer que a preocupao
central da teoria gerativa a aquisio da linguagem. Se fssemos buscar uma pergunta fundamental
que pudesse resumir o propsito da teoria gerativa seria a seguinte:
LINGUSTICA Textual 11
Como conseguimos falar?
Portanto, no esquea:
O objeto de estudo do gerativismo a competncia.
Para entender a possvel existncia de uma gramtica universal, comum a todas as lnguas, ns podemos
pensar na seguinte situao: Ao ouvir a frase Eu comi um bolo, possvel que uma criana diga Eu
vi um cachorro. Bem, mesmo que ela nunca tivesse ouvido tal enunciado, no deixou de conjugar corretamente
o verbo. Para Chomsky, essa propriedade inata. O que tambm auxilia no processo de produo de
enunciados inditos a criatividade LINGUSTICA. Podemos, ento, conceitu-la da seguinte forma:
Entende-se por criatividade LINGUSTICA a capacidade que o falante tem de compor e compreender
sentenas s quais ele nunca foi exposto.
E a? Conseguiram compreender alguns dos pontos bsicos do gerativismo? Agora vamos perceber,
de forma mais sintetizada, certas diferenas que podem ser estabelecidas entre o gerativismo e o
estruturalismo, no quadro abaixo:
A NECESSIDADE DE RENOVAO DO
HORIZONTE LINGSTICO
Nos itens anteriores, ns pudemos rever algumas caractersticas bsicas de dois importantes movimentos
lingsticos do sculo XX. Lembramos de certos conceitos principais, alm de acompanharmos
como se cristalizaram diferenas que marcaram tanto o estruturalismo quanto o gerativismo. Tais diferenas
tambm fi zeram essas duas vertentes muitas vezes percorrerem em suas pesquisas caminhos opostos
(a comear da escolha do objeto de estudo) e dividirem a ateno de lingistas e pesquisadores.
No entanto, apesar de falarmos das diferenas entre o estruturalismo e o gerativismo, isso no significa
que esses dois movimentos sejam totalmente opostos, que no tenham pontos em que se tocam.
Nesse sentido, faremos umas consideraes aos momentos em que se aproximam para, a partir de singularidades
entre eles, ser possvel compreender melhor o surgimento do que nos primordial discutir nesse
tema: a constituio histrica da LINGUSTICA Textual. Mas para isso tambm necessrio fazer algumas
consideraes a respeito do formalismo e do funcionalismo.
FTC EaD | LETRAS12
Semelhanas entre estruturalismo e gerativismo
Se analisarmos a proposta de Saussure, veremos que ele se volta para o trabalho descritivo da lngua
(langue). A partir da, segundo a viso de lngua como sistema, esses estudos lingsticos giram em torno
desse sistema, ou seja, das regras do jogo. Isso acarreta em no se considerar como principal o aspecto
da comunicao, e sim a estrutura em si.
A comunicao no estruturalismo tratada como emisso e recepo
de mensagens. Diante desse processo, a mensagem enviada, recebida e de-
codificada. D para perceber que, mediante tal processo, a comunicao humana
no se diferencia da comunicao entre mquinas, no ?!
Ao observarmos o gerativismo, perceberemos que ele toma como ob
jeto de estudo a competncia LINGUSTICA, que tem carter universal e se insere
na mente/crebro. J a performance deixada de lado. Bem, como a comunicao tem a ver com o uso
da lngua em situaes determinadas, ela se insere no plano da performance, do desempenho lingstico
do falante. Dessa forma, possvel compreender que, como a comunicao est no plano da performance,
ela deixada de lado pelos estudos gerativistas.
Ateno
Os estudos formalistas
J vimos que nos estudos formalistas da linguagem se enquadram o estruturalismo e, de certo
modo, o gerativismo. Eles so chamados de formalistas porque vem a lngua em sua forma, como um
objeto descontextualizado. O formalismo preocupa-se bastante com as caractersticas internas da lngua,
relegando a um outro lugar a lngua em seu uso. Quanto a este tipo de estudo, Dillinger salienta:
Ateno
Ento, deu para perceber que o formalismo vai analisar a lngua em sua forma.
LINGUSTICA Textual 13
O funcionalismo
Diferente do formalismo, o funcionalismo vai procurar estudar a linguagem em sua funo. Assim,
para o funcionalismo, o estudo da funo das formas LINGUSTICAs predominante. As caractersticas internas
da lngua, bastante estudadas pelos formalistas, no funcionalismo no sero to importantes quanto
as relaes entre a lngua e a interao social, a lngua e o contexto social, a lngua e a comunicao.
Voc se lembra que falamos sobre a atitude de Saussure de propor
o estudo do FUNCIONAMENTO da linguagem e no de sua
FUNO? Pois ! Ao fazer isso, ele acabou deixando um campo
descoberto, que viria a chamar a ateno de lingistas. Ora, vrios pesquisadores
da linguagem acharam que no se poderia deixar de lado a
FUNO da lngua na sociedade, afi nal, somos seres comunicativos.
Utilizamos a lngua para nos comunicarmos, para construirmos sentido
a partir do momento em que h uma interao. Mais uma vez,
vamos ver o que Dillinger tem a nos dizer, agora sobre o funcionalismo:
Ateno
Bem, nos estudos funcionalistas j podemos destacar alguns, como a socioLINGUSTICA, a LINGUSTICA antropolgica,
a anlise do discurso, a LINGUSTICA textual (este ltimo, foco de nossos estudos neste mdulo).
Para resumir algumas caractersticas do formalismo e do funcionalismo, acompanhe a tabela abaixo
com idias apresentadas por Dik e adaptadas por Maria Helena de Moura Neves:
Portanto, vocs puderam entender o que motivou a existncia da LINGUSTICA Textual no cenrio da
cincia da linguagem no sculo XX. Agora j estamos prontos para avanarmos mais e adquirirmos mais
conhecimento acerca desse assunto.
FTC EaD | LETRAS14
Agora, vamos tratar de uma questo que muito interessa LINGUSTICA Textual: a passagem da gramtica
de frase gramtica de texto. Preparados? timo! Ento vamos l!
DAS GRAMTICAS DE FRASE S GRAMTICAS DO
TEXTO
A partir do Curso de LINGUSTICA geral, de Saussure, a gramtica se tornou o centro da refl exo LINGUSTICA contempornea. Nesse sentido, passou a ser papel da LINGUSTICA construir teorias sobre a gramtica
das lnguas naturais. De acordo com essa idia, podemos definir gramtica da seguinte forma:
Um sistema de regras que tem a capacidade de efetuar a descrio de um sistema lingstico.
Portanto, tem-se essa gramtica como descritiva. Assim, no confunda a gramtica descritiva com a gramtica
com a qual ns temos contato na escola: a normativa. Para isso, vamos ver como elas se diferenciam ok?!
Ateno
Ora! sabe aquelas palavras ou estruturas que, em um momento de descontrao (ou de descuido),
ns utilizamos e que algum sempre aparece para dizer Essa palavra no existe, ou Voc falou errado?
Pois , essas questes que extrapolam o uso gramatical (alm de outras) no so valorizadas devidamente
pela gramtica normativa.
A gramtica descritiva, dentro dessa viso estruturalista, vai ver a lngua como um sistema opositivo. Para se
realizar a anlise, parte-se de unidades menores para unidades maiores que justificam ou englobam as anteriores.
Assim, o primeiro nvel de anlise o fonolgico. Como se trabalha a partir de uma viso dicotmica,
opositiva, possvel perceber que o nvel fonolgico no signifi cativo, porm, permite distinguir
significados. Como exemplo, podemos observar que a diferena fonolgica entre /BATA/ e /PATA/
(/B/ e /P/) suficiente para distinguir os significados.
Bem, j deu para perceber que o nvel fonolgico se integra a um nvel maior e signifi cativo, que
o morfolgico, certo?! Podemos ento definir a morfologia da seguinte maneira:
Morfologia: Parte da gramtica que se prope a descrever formas que
constituem as palavras, os morfemas.
Para diferenciar o nvel morfolgico do fonolgico, podemos dizer que:
O fonema a unidade mnima no signifi cativa.
O morfema a unidade mnima significativa.
O morfema tambm considerado a base do nvel seguinte: o sinttico. A sintaxe, ento, a parte
da gramtica que se prope a analisar as relaes que os morfemas e as oraes mantm entre si. Nessa
perspectiva, pode-se tomar a orao a partir da definio abaixo:
A orao a unidade mxima de estudo.
LINGUSTICA Textual 15
Portanto, nessa perspectiva, parte-se da anlise da unidade mnima no signifi cativa, que o fone-
ma, e se estende at unidade mxima de anlise: a orao.
Agora que j foram apresentadas algumas caractersticas das gramticas, principalmente na viso
estruturalista, vamos ver quais foram as mudanas que ocorreram na LINGUSTICA Textual desde a sua
constituio, bem como o momento em que as gramticas de texto entram nesse cenrio. Para tanto,
preciso distinguir trs fases de constituio de tal disciplina.
Ateno
1 FASE transfrstica.
Anteriormente, foi possvel observar que as gramticas de frase, at mesmo por ter como unidade
mxima de estudo o enunciado, apresentavam limitaes. Essas limitaes tambm se estabeleceram por
no se contemplar, nas aludidas gramticas, fatores que ultrapassavam o limite das frases e que s poderiam
ser analisadas no interior do texto, como o caso da co-referncia. Nessa fase, muitos estudiosos
apresentaram conceitos sobre o texto. Harweg, por exemplo, definia o texto como uma seqncia pronominal
ininterrupta. J Isemberg o definiu como sendo uma seqncia coerente de enunciados.
Ateno
Ao analisarmos a frase
Joo saiu correndo. Ele estava com muito medo.
veremos que h uma ligao entre o pronome ELE e o referente (Joo). Esta ligao estabelecida
entre Joo e o pronome ELE (co-referente de Joo) se d principalmente pela predicao desses dois elementos,
e no somente por questes de concordncia. S que esse elemento coesivo por si no garantiria,
ao longo de uma seqncia, a existncia de um texto.
A questo da presena de elementos coesivos, como as conjunes, tambm foi tema dos estudos
na fase transfrstica. O que chamou a ateno, tambm, foi o fato de que um trecho, mesmo sem a presena
de conjunes, poderia ter coerncia.
Ora! na frase
Pedi por voc; ningum me ouviu.
no difcil perceber a relao de adversidade, mesmo sem a presena do conectivo mas.
J deu para perceber que a idia de um texto se constituir apenas pela soma de frases no estava dando
certo, no ?! Essa questo abriu espao para a necessidade de uma outra forma de tratar o texto. a partir da
que vrios estudiosos se voltam para a criao das gramticas textuais. justamente por isso que se diz que:
A fase transfrstica abriu espao para a constituio das gramticas textuais.
FTC EaD | LETRAS16
2 FASE As gramticas textuais
Nos primeiros assuntos deste bloco temtico ns revisamos, alm de outros, conceitos bsicos do
gerativismo. Vimos que Chomsky visou elaborar uma gramtica gerativa de sentido. Para tanto, procurou
se voltar para a competncia LINGUSTICA do falante, levando em considerao que o falante tem a propriedade
inata da linguagem e capaz de produzir enunciados infinitos e inditos em uma dada lngua.
De forma anloga, esta segunda fase da LINGUSTICA textual, recebendo infl uncias do gerativismo,
passou a levar em considerao a COMPETNCIA TEXTUAL do falante.
Vamos compreender melhor essa questo. A passagem da fase transfrstica para a elaborao da
gramtica textual se deu principalmente porque se pde perceber que, alm de muitos textos no apresentarem
o fenmeno da co-referenciao, indispensvel para a compreenso de diversos textos levar
em considerao o conhecimento intuitivo do falante.
A partir da, preconizou-se que todo falante de uma lngua capaz de produzir textos inditos,
bem como de ter a propriedade de elaborar parfrase. Alm disso, seria possvel ao falante reconhecer os
diversos tipos textuais (narrativo, descritivo, dissertativo).
Essas capacidades textuais so, respectivamente, intituladas de CAPACIDADE
FORMATIVA, CAPACIDADE TRANSFORMATIVA e CAPACIDADE
QUALIFICATIVA.
J que todos os falantes teriam essas capacidades, a gramtica textual, nesse sentido, deveria se
voltar para as seguintes questes:
1. O que faz com que um texto seja um texto, isto , como se do os elementos constituidores
da textualidade.
2. Como se pode delimitar um texto. Como se pode considerar completo o texto.
3. De que forma os textos podem se diferenciar.
Mesmo com o empenho em desenvolver uma gramtica textual, tais itens no puderam ser contemplados
devido impossibilidade de se chegar aos devidos objetivos.
Desse jeito, em lugar de procurar descrever a competncia textual do falante, como pregava a gramtica
textual, tornou-se mais vivel analisar de que forma se constituem, funcionam os textos em uso,
bem como o modo que se d sua compreenso. Assim, surge a 3 FASE da constituio da LINGUSTICA
Textual: a elaborao de uma teoria de texto. A referida teoria ir tomar o texto no mais como um produto
acabado, e sim como um processo que resulta de questes sociocognitivas, interacionais, comunicativas.
Mas dessa ltima fase, que nos interessa bastante, ns trataremos mais adiante.
Depois de observarmos a constituio da LINGUSTICA Textual, de vermos os movimentos que a infl uenciaram
e o que motivou sua existncia no cenrio lingstico no sculo XX, agora a hora de testarmos nossos
conhecimentos. Vamos ver se tudo o que foi apresentado at aqui est fazendo sentido? Ento vamos l!
LINGUSTICA Textual 17
Atividade Complementar Atividade Complementar
1. Aponte algumas diferenas existentes entre: Lngua X Fala
2. Defina a diferena existente entre a Sincronia e a Diacronia
3. Aponte algumas caractersticas presentes nos estudos funcionalistas.
4. Explique, com suas palavras, de que forma o gerativismo influenciou a LINGUSTICA Textual.
5. Saliente algumas diferenas existentes entre o formalismo e o funcionalismo
FTC EaD | LETRAS18
OS PRIMEIROS PASSOS DA LINGUSTICA
TEXTUAL
A CONCEPO DE SUJEITO E DE LNGUA
Agora vamos comear a compreender algumas questes fundamentais da LINGUSTICA textual. Vamos
comear, ento, pela concepo de sujeito e de lngua.
Quando falamos em sujeito, o que vem mente em primeiro lugar? A que ns associamos tal palavra?
Lembrou? Bem, para ajudar, vou convocar um personagem muito simptico, criado por Maurcio
de Souza. Acompanhem um trecho da historinha abaixo e vejam os signifi cados do sujeito que foram
mobilizados pela professora e por Chico Bento.
LINGUSTICA Textual 19
Observe que a professora trata da questo do sujeito gramatical, ao passo que Chico Bento
associa a palavra sujeito a pessoas. A historinha se desenvolve dessa forma at o final. Nesse
momento, ao dar um exemplo na lousa Chove l fora , a professora trata do sujeito inexistente.
Logo depois o sinal bate e ela libera os alunos. No entanto, Chico Bento apresenta a
impossibilidade de sair da escola devido ao fato da presena do sujeito inexistente. Como isso
ocorre? Ora, estava chovendo!
E a, se divertiram com a historinha? Alm do humor, ela tambm nos traz a idia de
sujeito gramatical, aquele que a gente aprende nas gramticas e que nos acompanha por vrios
anos letivos nos colgios. Sempre que se fala em sujeito, principalmente com estudantes,
no raro vem a lembrana das subdivises entre os sujeitos da gramtica: simples, composto,
oculto, entre outros. , mas no se esqueam, a partir de agora, que ns no iremos tratar
desse tipo de sujeito.
Quando tratarmos de sujeito em LINGUSTICA Textual, vamos nos remeter a um outro tipo, que no
o gramatical, apresentado pela professora na historinha acima, certo?!
Vamos tratar de um sujeito chamado de psicossocial. Mas, para isso, antes vamos compreender
como ele passou a existir. Ento, preciso observar as concepes clssicas do sujeito e atentar para as
mudanas que ocorreram at se chegar referida concepo de sujeito.
As concepes clssicas do sujeito
Segundo Ingedore, a concepo de sujeito vai variar de acordo com a concepo de lngua que se
adote. Dessa forma, ao tratar a lngua como expresso de pensamento, teremos a confi gurao de um
sujeito individual, consciente.
Uma caracterstica fundamental desse sujeito que ele se apresenta como o dono do seu dizer. Para
ele, tudo o que diz fruto exclusivo dele mesmo. Entende-se o sujeito consciente como um sujeito admico
J sacaram que admico vem de Ado, que, de acordo com a
Bblia, foi o primeiro homem a existir no paraso, no ? De maneira
similar, o discurso desse sujeito tido como nico, produto nico e
exclusivo dele.
O receptor, de acordo com essa concepo, apresenta uma
postura passiva, vez que a ele passada a mensagem da mesma forma
como se processou na mente do falante, cabendo apenas com
preender a referida mensagem dessa maneira. A lngua, a partir da, vista como um produto mental do
falante. Por isso que se diz que essa uma viso mentalista do sujeito.
Depois do sujeito consciente, dono do seu dizer, surge a idia de
sujeito assujeitado. Nessa perspectiva, a lngua passa a ser tida como estrutura.
Bem, diferente do sujeito consciente, o assujeitado no produz
o seu dizer. Na verdade, ele reproduz discursos da estrutura social.
Apesar disso, o sujeito assujeitado muitas vezes acha que dono
de seu dizer, isto , no percebe que est sendo assujeitado, mas o que faz
apenas reproduzir discursos sociais. Ele, portanto, apresenta-se como
um ser que no tem conscincia de seu assujeitamento ideolgico.
FTC EaD | LETRAS20
Para compreendermos melhor esse item, vamos ver o que Marilena Chau nos apresenta sobre a
ideologia:
Segundo Chau, a principal funo da ideologia ocultar a diviso social, dissimular essa diviso.
Nesse plano, a ideologia busca fazer com que cada qual aceite a posio social em que est. Todos ns j
ouvimos por a que SOMOS TODOS IGUAIS, que TEMOS OS MESMOS DIREITOS. Bem, quanto a
essa idia de igualdade, vamos ler um texto de Manuel Bandeira e atentar para seu contedo:
O bicho
Vi ontem um bicho
Na imundcie do ptio
Catando comida entre os detritos
Quando achava alguma coisa
No examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade
O bicho no era um co,
No era um gato,
No era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Ns claramente percebemos que aquilo que prega a ideologia no condiz
com a realidade, no ?! Afi nal de contas, o que mais percebemos
no dia-a-dia so as diferenas sociais, econmicas, culturais
existentes em nossa sociedade.
Voc percebeu que o assujeitamento est ligado ideologia?
Jia! Agora vamos conhecer os estudos de Louis Althusser. No
se deve, nesse contexto, falar de ideologia sem mencionar os
trabalhos realizados por ele acerca dos ARE e dos AIE. Voc
no sabe o que significam? Ento acompanhe a definio:
ARE Aparelhos Repressores de Estado
AIE Aparelhos Ideolgicos de Estado
Os ARE teriam por funo reprimir a sociedade, primeiramente pela violncia e secundariamente
LINGUSTICA Textual 21
pela ideologia. Exemplos de ARE so a polcia, o exrcito...
Os AIE, ao contrrio dos ARE, agiriam primeiro pela ideologia, depois
pela violncia. Como exemplo podemos citar a escola, a famlia, a igreja.
Assim, podemos dizer que os AIE representam o lugar das lutas
de classes.
Chegamos, ento, terceira concepo
de sujeito: o psicossocial. Vimos
que o primeiro, o consciente, apresenta-se como dono do seu dizer. J
o segundo, ao contrrio, apenas repete discursos sociais. Portanto, o primeiro
produz seus discursos e o segundo reproduz discursos da estrutura
social. possvel perceber que os dois primeiros situam-se em extremos:
ou consciente ou assujeitado.
O sujeito psicossocial vai galgar um equilbrio em relao aos primeiros.
Ele tem noo de que possui a propriedade de elaborar seu discurso,
escolher suas palavras, mas tambm tem conscincia de que est inserido em
uma sociedade. Portanto, podemos dizer que o psicossocial (re)produz discursos.
Uma importante caracterstica desse sujeito que ele s se confi gura como sujeito na interao
com o outro. Nos dois primeiros, o papel do ouvinte passivo, vez que ele recebe as mensagens
como foram passadas e/ou as decodifi ca. Nessa terceira concepo, ele vai ter um papel fundamental: o
de interagir e se constituir como sujeito nessa interao.
FTC EaD | LETRAS22
-
O sentido vai ser produzido nesse processo e sero levados
em considerao fatores cognitivos e extralingsticos, dos quais trataremos
mais frente.
A lngua, nesse sentido, passa a ser o lugar de interao, de produo
de sentidos. O texto aqui no mais tido como um produto
acabado, e sim como parte desse processo interativo.
Agora, vamos sintetizar esses tipos e sujeito em um quadro
resumitivo!
A IDIA DE TEXTO
Afinal, o que texto? Como ele se caracteriza? Bem, antes de responder essas perguntas, vamos
rever algumas questes tratadas anteriormente neste mdulo.
Voc se lembra de que o desenvolvimento da LINGUSTICA Textual compreende trs fases e que a
concepo de texto por vezes variou? Pois bem, nas duas primeiras fases, a transfrstica e a da elaborao
de gramticas textuais, presentifi caram-se as concepes de texto e de no-texto. Nessa perspectiva, o
texto era visto como seqncia LINGUSTICA coerente em si e o no-texto como seqncia LINGUSTICA
incoerente em si.
J d para perceber que, nesse primeiro momento, o texto era visto como um produto acabado,
enfatizando, assim, a materialidade LINGUSTICA, o aspecto formal do texto.
Depois disso, passou-se a pensar o texto no mais como um produto acabado, mas como um processo
de produo e recepo comunicativa. Dessa forma, o estudo sobre o texto passou a analis-lo a
partir de sua elaborao, de sua verbalizao, de seu planejamento.
Portanto, tendo o texto como uma atividade verbal, chega-se elaborao de uma teoria do texto.
As aes que desenvolvem a atividade verbal, segundo Leontev, tm uma motivao social. Dessa
forma, a atividade verbal teria uma motivao, uma fi nalidade e se daria sua realizao. O que fi ca evidente
diante dessa questo que a forma de se estudar e de encarar o texto como processo social e interacional
mobiliza uma estrutura mais complexa.
Assim, Ingedore salienta que a teoria da atividade verbal a adaptao ao fenmeno linguagem
de uma teoria da atividade de carter fi losfico, articulada com uma teoria da atividade social (humana),
que se especifica em uma teoria da atividade (comunicativa) verbal.
A citao acima evidencia que, para a elaborao da teoria da atividade verbal, houve um encontro
de duas outras teorias: a de carter fi losfico e a da atividade humana. Nesse sentido, parte-se da motivao
de se pensar a linguagem em sua funo social, como prtica social, como meio de interao.
A partir da teoria da atividade verbal, voc pde perceber que o texto passou a ser tratado no
como um produto acabado, e sim em seu processo de constituio. Dessa forma, o carter apenas formal
LINGUSTICA Textual 23
sai de cena e entram, tambm, questes extraLINGUSTICAs, sociais, cognitivas.
Para visualizar melhor a teoria da atividade verbal, acompanhe o esquema abaixo e perceba as relaes
estabelecidas entre outras teorias, bem como a articulao delas com a linguagem. Depois, observe como
se poderia compreender os anseios da teoria da atividade verbal a partir de alguns questionamentos.
TEORIA DA ATIVIDADE VERBAL
Diante disso, possvel levantar algumas questes fundamentais para o estudo propriamente
lingstico:
COMO SE CONSEGUEM REALIZAR DETERMINADAS ACES OU INTERAGIR SOCIALMENTE
ATRAVS DA LINGUAGEM?
COMO A LINGUAGEM SE ORGANIZA PARA A REALIZAO DE FINS SOCIAIS?
Para a realizao do ato verbal, segundo Ingedore, antes o sujeito idealiza um plano geral do texto
a partir dos seguintes fatores:
MOTIVAO H, ENTRE OUTROS, UM MOTIVO CENTRAL.
SITUAO LEVA EM CONSIDERAO INFLUNCIAS INTERNAS, DETERMINANTES
DAS ESCOLHAS A SEREM REALIZADAS, BEM COMO O AMBIENTE EXTERNO
(A SITUAO PROPRIAMENTE DITA).
PROVA DE PROBABILIDADES EFETIVA UMA TRIAGEM DAS AES POSSVEIS
PARA DETERMINAR QUAIS SO AS MAIS EFICAZES PARA ATINGIREM OS OBJETIVOS
PRETENDIDOS.
TAREFA-AO A ESCOLHA EFETIVA, BASEADA NAS PROBABILIDADES, DA
AO PARA A ARTICULAO DA ATIVIDADE.
...........................................................................................................................
Ingedore salienta os seguintes aspectos superfi ciais apresentados por Leontev, que determinam
a realizao verbal da inteno verbal:
A LNGUA PARTICULAR;
FTC EaD | LETRAS24
O GRAU DE DOMNIO DA LNGUA;
O FATOR FUNCIONAL-ESTILSTICO;
O FATOR AFETIVO, EXPRESSIVO;
AS DIFERENAS INDIVIDUAIS EM EXPERINCIA VERBAL ENTRE FALANTE E
OUVINTE;
O CONTEXTO VERBAL, NO SENTIDO DE CONTEXTO LINGSTICO;
A SITUAO COMUNICATIVA.
Observe que, nesse ponto de vista apresentado, h vrias situaes infl uenciando na realizao
verbal. O texto no simplesmente o produto pronto, acabado. Podemos, a partir da, ter o texto como
uma produo verbal que se constitui na atividade comunicativa a partir da interao social. Nas palavras
de Ingedore, a LINGUSTICA Textual trata o texto como um ato de comunicao unifi cado num complexo
universo de aes humanas.
Bem, como o texto no mais visto como um produto acabado, fi nalizado, pronto, j possvel
perceber que o sentido de um texto no est nele, mas se constri a partir dele. certo que as marcas
LINGUSTICAs auxiliam na produo de sentido, porm, importante tambm voltar nossas atenes para o
contexto em que se deu a produo LINGUSTICA.
Vocs puderam perceber o que foi dito anteriormente a respeito do sentido do texto (construdo
a partir dele), bem como sobre a questo da infl uncia do contexto na anlise textual, certo?! Do sentido
textual ns trataremos no prximo bloco, ao abordarmos a coeso e, principalmente, a coerncia. Mas o
contexto ns iremos abordar agora, ok?! Ento vamos l, pessoal!
O CONTEXTO NA LINGUSTICA TEXTUAL
Ao tratar de texto, vimos que, tendo-o como um processo interativo de construo de sentido,
necessrio, para sua compreenso, mobilizar conhecimentos lingsticos e extralingsticos. Assim, torna-
se importante levar em considerao o contexto.
Bem, como os conceitos, principalmente no mbito da cincia, so propensos a mudana, nesse
sentido, no complicado admitir que o conceito de contexto varia de acordo com o autor que o utilize,
bem como do momento em que utilizado.
Vrios autores j se ocuparam em elaborar teorias acerca do contexto. Hymes (1964) foi um deles.
Ele desenvolveu um esquema (SPEAKING) no qual procurou caracterizar o contexto. Ingedore nos
apresenta esse esquema, apontando a caracterstica referente a cada uma das letras da palavra apresentada
entre parnteses. Podemos, portanto, visualizar, a partir de Ingedore, o esquema de Hymes da seguinte
forma:
S . SITUAO
P . PARTICIPANTES
E . FINS, PROPSITOS
LINGUSTICA Textual 25
A . SEQNCIA DE ATOS
K . CDIGO
I . INSTRUMENTAIS
N . NORMAS
G . GNEROS
Alm de Hymes, outros autores, como Goodwin & Duranti, procuraram elaborar suas teorias acer
ca do contexto. Dessa forma, suas pesquisas contemplavam principalmente fenmenos como o ambiente
em que se d o texto, o contexto social e cultural, os conhecimentos prvios,
o co-texto.
Voc se lembra?
Ao tratarmos da fase transfrstica, voc pde perceber que o contexto
era tratado apenas como ambiente verbal. Assim, levava-se em
considerao apenas sua natureza LINGUSTICA. Pois , esse entorno verbal
intitulou-se CO-TEXTO. No se esquea disso, ok?!
A pragmtica tambm marcou presena ao tratar, principalmente mediante
estudos acerca da teoria da atividade verbal e dos atos da fala, da questo
do contexto. Nesse sentido, atestou a importncia de se descrever as aes em um momento de interlocuo.
Assim, a linguagem se viu marcada pela INTERATIVIDADE, bem como por uma caracterstica
de atividade SOCIAL. Bem, j que a linguagem apresenta-se como sendo utilizada em um ambiente
social, constituindo-se na relao entre interlocutores, natural entendermos que a utilizamos com uma
determinada fi nalidade. Ns nos munimos da linguagem com uma inteno. justamente por isso que a
linguagem ganha uma outra caracterstica: a INTENCIONALIDADE.
Porm, s as relaes entre interlocutores, bem como a descrio de suas aes pura e simplesmente,
no se fazia sufi ciente. Ora, sabemos que em uma outra cultura vrias expresses, vrias atitudes
podem apresentar conotaes diferentes, podem produzir efeitos de sentido variado. Pensando nisso,
uma outra teoria passou a se destacar no cenrio da LINGUSTICA Textual justamente por contemplar essas
questes que foram apresentadas. Assim, o contexto sociocognitivo entra em cena.
Observe as frases abaixo e procure responder de acordo com seus conhecimentos:
Para voc, o que representa a cor branca?
E a cor preta?
J respondeu? Certo! Agora, observe a citao abaixo,
retirada do dicionrio de smbolos, de Herder Lexikon:
O branco muitas vezes utilizado nos ritos de nascimento,
casamento, iniciao e morte; era a cor do luto,
por exemplo, nos pases eslavos e na sia, e tambm na
corte francesa.
E agora? Ser que com a informao complementar
voc conseguiu apontar mais uma representao
cor branca? Se no conseguiu, signifi ca que j deveria
conhecer essa informao, certo?
FTC EaD | LETRAS26
Quando ns conversamos ou lemos algum texto, entramos em um processo de construo de sentido.
Ns nos propomos, nesse momento, a participar do jogo da linguagem e a interagir. Nesse processo,
mobilizamos bem mais do que nosso conhecimento lingstico e nosso conhecimento a respeito do
momento da interlocuo. Alm disso, fazemos valer nosso conhecimento prvio, nosso conhecimento
do mundo, mobilizamos conhecimento acerca da sociedade, acerca da histria.
No entanto, para que possa haver interao e os sentidos possam brotar durante esse jogo, necessrio
que todo esse conhecimento de mundo seja semelhante. Ora, como temos vidas diferentes (muitas
vezes podem ser at parecidas, mas no so iguais), os conhecimentos de mundo devem ser semelhantes.
Diante do exposto anteriormente, imagine uma conversa entre um brasileiro e um alemo, ambos
sem saber a lngua do outro. A comunicao, nesse caso, fi ca complicada, no ? Agora, mesmo com
interlocutores que conheam a lngua do outro, mas que desconheam os aspectos culturais um do outro,
a comunicao tambm no se daria de forma satisfatria, principalmente se utilizarem, entre outras
expresses, grias e regionalismos. Pois exatamente nesse conhecimento de mundo similar que se baseia
o contexto sociocognitivo. As estruturas cognitivas so importantes para esse contexto.
Muitos autores, ao falar em contexto e, conseqentemente, busca de sentido, apresentam a metfora
do iceberg.
A exemplo do iceberg, a ponta que est exposta representaria
a materialidade LINGUSTICA, parte evidente do texto. O resto do iceberg,
todo o gelo submerso, representa uma parte importante do
texto. Mas, para se chegar at l, necessrio mergulhar, ir em busca
dos sentidos encobertos. Para tanto, no basta somente conhecer a
estrutura LINGUSTICA. preciso mobilizar tambm os conhecimentos
prvios, os conhecimentos de mundo, as estruturas cognitivas. Assim,
se pode penetrar no texto e descobrir sua riqueza, seus segredos,
seus sentidos.
Agora podemos ver a linguagem no como trans
parente, a partir da qual possvel extrair toda a sua
essncia, e sim como opaco. A forma que temos de
ilumin-la e torn-la claro utilizando as estratgias
apresentadas.
J vimos, ento, do que trata o con
texto sociocognitivo e o que ele prope. No entanto, para compre
endermos melhor alguns elementos importantes para a LINGUSTICA
Textual, que tal conhecermos agora as estruturas cognitivas? Ok,
ento vamos nessa, turma!
COMPREENDENDO AS ESTRUTURAS COGNITIVAS
Muitas vezes no temos conscincia da utilizao de estratgias cognitivas, porm esses mecanismos
fazem parte do nosso relacionamento com a linguagem. Sem eles, seria complicado preencher certas
lacunas deixadas. Ora, se j sabemos que o texto no transparente, e sim opaco, podemos concluir
que o texto se apresenta INCOMPLETO. Se fosse completo, teramos que ser, ao mximo, minuciosos,
LINGUSTICA Textual 27
colocar todas as informaes para que a mensagem pudesse ser compreendida. Imagine o trabalho que
daria, hein?!
Porm, graas s estruturas cognitivas, torna-se possvel preencher as lacunas textuais. Assim, no
necessrio tentar preench-las atravs das palavras, da materialidade LINGUSTICA, no sentido de apresentar
exaustivamente explicaes ou fazer a todo momento consideraes a respeito do que se diz. Ns
prprios j nos incumbimos disso no momento em que mobilizamos nosso conhecimento prvio, seja a
respeito da cultura, da sociedade, dos interlocutrores e/ou da prpria lngua. Bem, melhor observarmos
a utilizao dessas estratgias para compreendermos com propriedade essa questo. Para isso, a partir de
agora sero apresentados alguns tipos de estratgias cognitivas. Ento, acompanhe a apresentao de tais
elementos e preste bastante ateno, ok?!
FRAMES So estruturas cognitivas globais armazenadas na memria. Essas estruturas so ativadas
diante de um conceito primrio, mobilizando elementos que individualmente constituem tambm
conceitos, mas em conjunto representam um frame. Observe, por exemplo, que, ao pensar a palavra
NATAL, outros elementos so mobilizados:
NATAL
RVORE PAPAI-NOEL
BRINQUEDOS
Perceba que no h uma ordem ou seqncia na disposio
desses elementos. Assim, a palavra BRINQUEDOS poderia ter
surgido primeiro, ou RVORE por ltimo, no esquema acima. Se
pensarmos nas palavras que surgiram a partir da palavra NATAL,
individualmente so conceitos, mas, em conjunto, como apareceram,
representam um frame.
Os frames tambm se adequam s circunstncias. Ora, a mesma
palavra apresentada, dita por um professor, poderia desencadear
um frame diferente. Quer ver?
NATAL
.
NOTAS FINAIS
.
FINALIZAO DO ANO LETIVO
.
RECUPERAO
FTC EaD | LETRAS28
T vendo?! Agora vamos conhecer mais uma estrutura cognitiva.
ESQUEMAS Assim como o frame, o esquema tambm uma estrutura cognitiva global; no
entanto, diferentemente daquele, este segue uma ordem ou seqncia e leva em considerao as relaes
temporais e causais.
Para melhor compreender essa estrutura cognitiva, observe o exemplo abaixo apresentado por
Fvero acerca de uma comunicao feita por um marido sua esposa:
H um acidente grave na esquina, pois uma ambulncia e um carro da polcia esto parados l.
Bem, diante do referido exemplo, o conhecimento prvio mobilizado a partir de esquemas, que
fazem com que possamos compreender a mensagem. Nesse sentido, sabemos que num acidente grave
h ambulncias para assistir as vtimas, bem como policiais para fazer a ocorrncia e registrar o(s)
responsvel(eis) pelo acidente.
Todas essas informaes se encontram em nossa mente e preenchem as lacunas deixadas. Isso se
d porque, ao falar sobre a ocorrncia de um acidente, ns conseguimos visualizar este evento e, a partir
de esquemas, compreend-lo. Assim, no precisamos perguntar Pra que a ambulncia? ou Pra que
policiais no local?.
PLANOS Estruturas cognitivas que mantm uma ordem; porm, diferente dos esquemas, o
leitor/ouvinte percebe a inteno do locutor/falante. O plano, assim como o prprio nome designa,
efetuado por um planejador. Isso pode ocorrer em vrios momentos de nossa vida. Veja como exemplo
um namorado que traceja um plano para pedir a sua amada em casamento. Que romntico, no?! Ou um
fi lho que planeja pedir ao pai um aumento na mesada. Nesses exemplos, foram utilizados planos para se
alcanar um objetivo. Com isso, percebe-se o plano utilizado para se chegar ao objetivo.
SCRIPTS Os scripts se diferenciam dos frames principalmente pela sua dinamicidade. Voc se
lembra de que o frame um conjunto de elementos que se voltam a um conceito primrio? Pois bem, o
script vai incorporar uma sucesso de aes que envolvem uma determinada situao. Repare no texto
abaixo e na situao descrita.
Nesse texto, as aes remetem a uma fase especfi ca da vida: a velhice. Os scripts evidenciam, no
texto, essa sucesso de aes: J no enxerga mais como antes, andar j no pode mais, Acometida
por um problema de coluna. Conhecemos esse script vez que temos conscincia dessa seqncia estereotipada
das aes que remetem velhice.
Vocs puderam ter contato, nesse momento, com algumas estruturas cognitivas. No se esqueam
de que as estruturas no se encerram aqui. H muito mais que essas. Quem quiser se dedicar ao estudo
da LINGUSTICA Textual, poder consultar a bibliografia apresentada no fi nal do mdulo e conhecer mais
dessas estruturas cognitivas. Agora hora de testarmos os nossos conhecimentos. Vamos ver o que conseguimos
compreender do assunto apresentado?
LINGUSTICA Textual 29
Atividade Complementar Atividade Complementar
1. Levando em considerao o contexto (a posio dos interlocutores, o conhecimento de mundo,
as marcas LINGUSTICAs etc), analise a tirinha abaixo e seu(s) efeito(s) de sentido.
2. Com base no que voc depreendeu dos assuntos estudados, apresente as concepes clssicas
do sujeito, fundamentando-as.
3. Agora, indique a concepo de sujeito com a qual a LINGUSTICA Textual se identifi ca, salientando alguns
pontos de imbricamento entre a LINGUSTICA Textual e o referido sujeito que expliquem tal identificao.
4. Tendo como base o assunto apresentado anteriormente, faa algumas consideraes a respeito
da importncia das estruturas cognitivas para a LINGUSTICA Textual.
5. Apresente sua viso a respeito de como se pode definir um texto.
FTC EaD | LETRAS30
PRINCPIOS E PROCEDIMENTOS
DA LINGUSTICA TEXTUAL
ALGUNS ELEMENTOS BSICOS DA
LINGUSTICA TEXTUAL
Como uma metfora da condio humana, Leonardo Boff utiliza a guia e a galinha como fi guras
representativas da vida do ser humano. A galinha representa o ser arraigado,
limitado; a guia apresentada como a transcendncia, o ilimitado.
Com isso, Boff sugere a unio entre esses dois elementos como meio
ideal para a condio humana. A respeito desses smbolos, o referido
autor salienta:
Recusamo-nos a ser somente galinhas. Queremos ser tambm
guias que ganham altura e que projetam vises para alm do galinheiro.
Acolhemos prazerosamente nossas razes (galinha), mas no custa da copa (guia) que mediante suas folhas
entra em contato com o sol, a chuva, o ar e o inteiro universo. Queremos resgatar nosso ser de guias.
As guias no desprezam a terra, pois nela encontram seu alimento. Mas no so feitas para andar na
terra, seno para voar nos cus, medindo-se com os picos das montanhas e com os ventos mais fortes.
Tomado pelo esprito de guia, proponho sairmos do cho para utilizar nossa capacidade ilimitada
de conhecer, de descobrir novos horizontes. Agora o momento de mais uma vez levantarmos vo e
descobrirmos os elementos bsicos da LINGUSTICA Textual. Ento, no percamos tempo. Vamos bater
asas e decolar!
A COERNCIA TEXTUAL
Leia o texto abaixo:
O amor por entre o verde
Vinicius de Moraes
No sem freqncia que, tarde, chegando janela, eu vejo um casalzinho de brotos que vem
namorar sobre a pequenina ponte de balaustrada branca que h no parque. Ela uma menina de uns
treze anos, o corpo elstico metido num blue jeans e um suter folgado, os cabelos puxados para trs
num rabinho de cavalo que est sempre a balanar para todos os lados; ele, um garoto de, no mximo,
dezesseis, esguio, com pastas de cabelo a lhe tombar sobre a testa e um ar de quem descobriu a frmula da
vida. Uma coisa eu lhes asseguro: eles so lindos, e fi cam montados, um em frente ao outro, no corrimo
da colunata, os joelhos a se tocarem, os rostos a se buscarem a todo momento para pequenos segredos,
pequenos carinhos, pequenos beijos.
So, na sua extrema juventude, a coisa mais antiga que h no parque, incluindo velhas rvores que
por ali espapaam sua verde sombra; e as momices e brincadeiras que se fazem dariam para escrever
todo um tratado sobre a arqueologia do amor, pois tm uma tal ancestralidade que nunca se h de saber
a quantos milnios remontam.
LINGUSTICA Textual 31
Eu os observo por um minuto apenas para no perturbar-lhes os jogos de mo e misteriosos brinquedos
mmicos com que se entretm, pois suspeito de que sabem de tudo o que se passa sua volta. s vezes, para
descansar da posio, encaixam-se os pescoos e repousam os rostos um sobre o ombro do outro, como dois
cavalinhos carinhosos, e eu vejo ento os olhos da menina percorrerem vagarosamente as coisas em torno,
numa aceitao dos homens, das coisas e da natureza, enquanto os do rapaz mantm-se fi xos, como a perscrutar
desgnios. Depois voltam posio inicial e se olham nos olhos, e ela afasta com a mo os cabelos de sobre
a fronte do namorado, para v-lo melhor e sente-se que eles se amam e do suspiros de cortar o corao. De
repente o menino parte para uma brutalidade qualquer, torce-lhe o pulso at ela dizer-lhe o que ele quer ouvir,
e ela agarra-o pelos cabelos, e termina tudo, quando no h passantes, num longo e meticuloso beijo.
-Que ser pergunto-me em vo dessas duas crianas que to cedo comeam a praticar os ritos do
amor? Prosseguiro se amando, ou de sbito, na sua jovem incontinncia, procuraro o contato de outras bocas,
de outras mos, de outros ombros? Quem sabe se amanh quando eu chegar janela, no verei um rapazinho
moreno em lugar do louro ou uma menina com a cabeleira solta em lugar dessa com cabelos presos?
-E se prosseguirem se amando pergunto-me novamente em vo ser que um dia se casaro e sero felizes?
Quando, satisfeita a sua jovem sexualidade, se olharem nos olhos, ser que correro um para o outro e se daro
um grande abrao de ternura? Ou ser que se desviaro o olhar, para pensar cada um consigo mesmo que ele
no era exatamente aquilo que ela pensava e ela era menos bonita ou inteligente do que ele a tinha imaginado?
um tal milagre encontrar, nesse infi nito labirinto de desenganos amorosos, o ser verdadeiramente
amado ... Esqueo o casalzinho no parque para deter-me por um momento na observao triste, mas fria, desse
estranho baile de desencontros, em que freqentemente aquela que deveria ser daquele acaba por bailar com
outro porque o esperado nunca chega; e este, no entanto, passou por ela sem que ela o soubesse, suas mos
sem querer se tocaram, eles olharam-se nos olhos por um instante e no se reconheceram.
E ento que esqueo de tudo e vou olhar nos olhos de minha bem-amada como se nunca a tivesse
visto antes. ela, Deus do cu, ela! Como a encontrei, no sei. Como chegou at aqui, no vi. Mas ela,
eu sei que ela porque h um rastro de luz quando ela passa; e quando ela me abre os braos eu me crucifico
neles banhado em lgrimas de ternura; e sei que mataria friamente quem quer lhe causasse dano; e
gostaria que morrssemos juntos e fssemos enterrados de mos dadas, e nossos olhos indecomponveis
fi cassem para sempre abertos mirando muito alm das estrelas.
E a, voc gostou do texto? Conseguiu entender o que ele expressa? Foi difcil?
Bem, no decorrer do texto de Vinicius de Moraes, voc deve ter percebido a existncia de termos
que remetem a outros (ele, ela, eles, este...) ou que relacionam partes do texto (mas, e, pois...). Esses termos
so chamados de elementos coesivos e podem auxiliar na compreenso do texto. J deu para perceber
que a coeso encontra-se na materialidade LINGUSTICA, vez que os elementos coesivos so elementos
textuais explcitos, ou seja, se estabelecem na linguagem, marcam-se no texto.
Nos estudos realizados acerca dos mecanismos de coeso textual, podem-se destacar os de Halliday &
Hassan, que dividiram os elementos coesivos em: referncia, substituio, elipse, conjuno e coeso lexical.
REFERNCIA
O mecanismo de referncia remete a um termo do texto (endofrico) ou externo a ele (exifrico).
Referncia exofrica Quando remete a um
elemento exterior ao texto, ou seja, fora dele.
Na frase:
Adorei a mensagem desse outdoor.
a referncia (desse) exofrica, vez que remete a algo
que est fora do texto (no caso, o outdoor)
FTC EaD | LETRAS32
Referncia endofrica A remisso feita a um termo que se encontra dentro
do texto.
Em:
Bruna uma excelente aluna. Ela tirou dez mais uma vez.
o termo ELA remete a um outro termo do texto (Bruna).
Assim, a referncia endofrica pode ser:
ANAFRICA: quando remete a um termo anterior. No caso da frase apresentada
anteriormente, a referncia anafrica, j que o termo remetente (Bruna)
encontra-se antes do termo remissivo (ela).
CATAFRICA: quando o termo remetente se segue no texto. Dessa forma,
na frase
Gosto de todos os seus planos, menos este: o de parar com os estudos.
o termo remissivo (este) vem antes do trecho remetente (o de parar com os estudos).
Podemos sintetizar a referncia da seguinte forma:
SUBSTITUIO
A substituio parecida com a referncia, mas Halliday & Hassan a distinguem. Para eles, na substituio,
diferentemente da referncia, o elemento remissivo no o mesmo que o referente. Observe o
seguinte enunciado:
Jorge comprou um carro vermelho, mas Jos resolveu comprar um preto.
Desse jeito, o referente sofreu uma redefi nio. O carro pretendido por Joo tem uma caracterstica
diferente do de Jos. A a cor vermelha repudiada.
ELIPSE
A elipse consiste na supresso de um termo que pode ser facilmente identifi cado a partir do contexto.
Assim, substitui-se um lxico, uma orao, um enunciado por zero ( ).
- Marta saiu cedo?
- Saiu .
No exemplo acima, no foi preciso, na resposta, dizer Marta saiu cedo. Apesar da supresso de
MARTA e de CEDO, a mensagem pde ser facilmente compreendida. O prprio contexto da situao
comunicativa foi capaz de propiciar a compreenso da resposta dada. Portanto, as lacunas deixadas no
prejudicaram a mensagem.
CONJUNO
A conjuno (ou conexo) tem a propriedade de relacionar as partes de um texto (elementos ou
oraes). Estas relaes tm uma especificidade. Veja o exemplo abaixo:
Mrcio correu bastante, mas no conseguiu pegar o nibus.
Pode-se observar que a relao existente na frase apresentada de adversidade. Se MRCIO CORREU
BASTANTE, a expectativa que ele conseguisse PEGAR O NIBUS. Como essa expectativa
LINGUSTICA Textual 33
frustrada pela segunda orao, NO CONSEGUIU PEGAR O NIBUS, estabelece-se uma relao
especfica de adversidade.
COESO LEXICAL
A coeso lexical caracteriza-se a partir de dois mecanismos: a reiterao e a colocao.
Gosto muito de viajar de avio. O aparelho mesmo muito seguro e bastante eficiente.
No trecho acima, APARELHO hipernimo de AVIO. Nesse caso, temos um exemplo de coeso
lexical por reiterao.
Em
Morri de medo quando vi o machado. Aquela coisa me fez passar mal.
temos tambm um exemplo de coeso lexical por reiterao. Dessa vez, ocorre pela presena de um
termo genrico (coisa). O mesmo tipo de coeso se v na frase
O menininho saiu correndo. O garotinho realmente estava com pressa.
S que, dessa vez, a coeso se d a partir de um sinnimo de menininho (garotinho).
No trecho
Houve um acidente na estrada. Logo depois chegaram as ambulncias para transportar os pacientes
at um hospital prximo.
pode-se perceber que ACIDENTE, AMBULNCIAS, PACIENTES e HOSPITAL so facilmente
relacionados por ns, no ?! Assim, elas pertencem a um mesmo campo signifi cativo.
A coeso lexical pode ser visualizada a partir do seguinte esquema:
A esses estudos de Halliday & Hassan, acerca dos mecanismos coesivos, vrios autores fi zeram
suas ressalvas, teceram suas crticas. H pontos importantes em relao s divergncias existentes, como
a no aceitao da diferena entre a referncia e a substituio. Alm disso, muitos autores no vem a
coeso lexical como um mecanismo independente.
Por conta dessas e de outras questes, Fvero prope o estabelecimento de trs formas de coeso
textual: a referencial, a recorrencial e a seqencial.
COESO REFERENCIAL
Esse tipo de coeso se d no momento em que um elemento faz referncia a
outro. Dessa forma, pode-se perceber que o elemento remissivo deve ser interpretado
no em seu sentido prprio, e sim no sentido do termo referido.
Vamos ver melhor como se d esse processo?! Ok! Ento, preste ateno.
FTC EaD | LETRAS34
A coeso referencial pode se apresentar de duas formas: por SUBSTITUIO ou por
REITERAO.
SUBSTITUIO: Como o prprio nome nos adianta, esse tipo de coeso ocorre com a substituio
do termo referente por um outro termo. Dessa forma, o sentido do termo referente retomado
por uma outra forma, a chamada pro-forma, a qual se caracteriza principalmente por apresentar baixa
densidade de sentido. Repare como esse processo funciona:
Comprei uma televiso. Ela enorme.
Na frase acima, temos a retomada de TELEVISO pela pro-forma pronominal ELA. O termo
remissivo passa a abarcar, nessa frase, o sentido contido em televiso. Como o pronome vem depois
do referente, essa coeso tambm tida como anafrica.
A substituio tambm pode se dar por (zero). o caso da elipse, que passa a se encaixar aqui:
-Voc vai agora?
- Vou .
Houve, no exemplo acima, a substituio do pronome EU e do advrbio AGORA por .
REITERAO: Na reiterao h, ao longo do texto, a repetio de expresses que tm a mesma
referncia.
Voc sabia?
Essa repetio pode se dar das seguintes formas:
Por repetio do mesmo item lexical: Ana chorou muito. Ana est triste.
Por sinnimos: -A criana agitada caiu. Tambm o menino s vive correndo!.
Por hipernimos: Gosto muito de frutas. Adoro principalmente as bananas.
Por hipnimos: Os macacos so muito espertos. Os animais vivem se divertindo, pulando de
galho em galho.
Por expresses nominais defi nidas: Admiro muito Castro Alves. O poeta dos escravos ainda vive
em minha memria.
Por nomes genricos: Vi no cu a coisa mais linda. Um cometa rasgou o espao.
RECORRNCIA
A recorrncia, ao contrrio do que muita gente imagina, no uma repetio. Quando repetimos
algo, signifi ca que fazemos uma retomada, de forma que a idia passada seja reproduzida com o mesmo
sentido. Na recorrncia, o termo recorrente no aparece novamente da mesma forma, com o mesmo
sentido. O discurso no mantm aquela idia inicial. Ele, ao contrrio, progride. A recorrncia faz com
que o discurso possa fl uir, possa se desenvolver, caminhe, no fi que esttico, da mesma forma. Em Irene
no Cu, de Manuel Bandeira, h uma recorrncia, e no simplesmente uma repetio:
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor
Repare que no trecho acima o discurso progride, a recorrncia faz com que o texto caminhe, se
LINGUSTICA Textual 35
desenvolva. A recorrncia um recurso que no raro encontramos em poemas e msicas. Ela tambm
pode destacar nos textos a propriedade rtmica, a entoao, entre outras.
SEQENCIAO
A coeso seqencial se parece bastante com a recorrencial, que ns vimos anteriormente. Porm,
h uma diferena entre as duas: a seqenciao no retoma termos ou estruturas. Ela pode ser temporal
ou pode se dar por conexo.
TEMPORAL Quanto coeso temporal, Fvero salienta que embora todo texto coeso tenha
uma seqenciao temporal (j que a coeso linear), uso o termo em sentido restrito: para indicar o
tempo do mundo real.
Assim, essa questo de temporalidade e, conseqentemente, de coeso temporal, pode ser observada
na seguinte frase:
Ele levantou da cama, escovou os dentes, tomou caf e foi trabalhar.
Observe que houve uma seqncia estabelecida em relao ao mundo real. A coeso seqencial
temporal tambm pode ser marcada por partculas temporais:
S irei viajar amanh.
SEQENCIAO POR CONEXO Como o prprio nome j nos adianta, esse tipo de coeso
se d a partir da conexo de partes de um texto, de sentenas, de frases, principalmente mediante
conectivos:
Maria ou Fernanda jogar hoje.
Se ela gostasse de mim, eu seria o homem mais feliz do mundo.
Bem, vocs puderam acompanhar alguns tipos de coeso textual. preciso lembrar que a coeso
no se esgota diante do que foi abordado nesse mdulo. H mais elementos coesivos, porm, como introduo,
esses tipos apresentados j nos so sufi cientes para ter uma idia da relao coesiva em textos,
um dos pontos principais da LINGUSTICA Textual. Agora vamos passar para um outro item que tambm
importantssimo para os estudos da referida disciplina: a coerncia textual.
A COESO TEXTUAL
Em algum momento de sua vida voc ou uma pessoa que voc conhece j deve ter se deparado com
um texto e, aps fazer uma leitura, ter dito: No entendi esse texto. Para mim, no est coerente, ou O
que o texto apresenta est totalmente incoerente. Pois . Muitas vezes no conseguimos compreender a
mensagem de um determinado texto, caracterizando-o como um texto incoerente. Mas voc sabe por que
isso acontece? Bem, a resposta para essa pergunta ser dada a partir de agora. Mas no se preocupe. Prometo
tentar ser muito coerente, t?!
Primeiramente, podemos dizer que a coerncia o que d textualidade a
uma determinada seqncia LINGUSTICA. mediante a coerncia que uma seqncia
LINGUSTICA pode se tornar um texto.
Agora, voc deve estar se perguntando:
FTC EaD | LETRAS36
Ou
Lembra de que, quando estudamos as caractersticas de um texto, conclumos que ele deve ser visto no
como um produto acabado, fi nalizado, mas como um processo interativo, dinmico? Alm disso, percebemos
que o sentido textual produzido na interao entre texto e leitor/ouvinte. Pois a est! A coerncia situa-se
justamente nesse processo, que envolve tanto o texto e o contexto quanto os interlocutores.
Agora, vamos ver alguns fatores que contribuem para a constituio da textualidade, ou seja, para
que a coerncia se configure, proporcionando, assim, a compreenso textual.
CONHECIMENTO DE MUNDO
O que aconteceria se voc tivesse que ler um artigo de fsica quntica? ,
acho que, assim como muitos, voc no entenderia muita coisa. A no ser que
tenha um conhecimento sobre esse assunto. Pois justamente o conhecimento
que ns temos sobre as mais variadas questes que o conhecimento de mundo,
ou conhecimento enciclopdico.
Esse conhecimento se encontra armazenado em nossa mente, mas no de
qualquer forma. H uma estruturao cognitiva. Desta forma, podemos rever algumas
estruturas cognitivas auxiliadoras nesse trabalho de organizao mental:
FRAMES
ESQUEMAS
PLANOS
SCRIPTS
CONHECIMENTO PARTILHADO
Em uma situao comunicativa, para que se compreenda uma determinada mensagem, importante
que os interlocutores tenham um conhecimento parecido. Perceba que impossvel o fato de interlocutores
terem o mesmo conhecimento, vez que as duas vidas, mesmo que tenham uma rotina parecida, so
diferentes. Alm das experincias, das situaes pelas quais passam no poderem ser idnticas, a forma de
absorver ou perceber tais situaes seria desenvolvida por vises particulares, individuais. Mas eles devem
ter conhecimentos em comum. Vamos entender melhor essa questo. Fique de olho na seguinte frase:
Detesto quando ele acende o cigarro. A fumaa me incomoda bastante.
Para ns, no difcil perceber que a fumaa citada na frase acima produzida pelo cigarro. Conseguimos
compreender o exemplo citado porque temos esse conhecimento compartilhado. Por isso, no
foi preciso explicar que a fumaa sai do cigarro.
INFERNCIAS
As inferncias se assemelham a dedues possveis de serem feitas a partir de nosso conhecimento
de mundo. Veja a frase abaixo:
Pedro adquiriu uma linda manso em um excelente bairro!
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Diante dessa frase, ns podemos fazer as seguintes inferncias:
Pedro tem uma casa nova.
A nova casa de Pedro uma manso.
Pedro tem dinheiro para comprar uma manso.
Pedro rico.
Pedro um timo partido!
claro que as inferncias dependem tambm do contexto. Se uma me tiver o propsito de arru
mar um marido rico para sua fi lha, a ltima inferncia estaria bem direcionada. Porm, nesse caso, todas
as inferncias seriam vlidas.
FATORES DE CONTEXTUALIZAO
Os fatores de contextualizao tambm so bastante importantes para direcionar uma situao de
comunicao. Esses fatores fazem com que a perspectiva na comunicao seja direcionada, no intuito de
imprimir a coerncia, o entendimento. Eles podem ser:
TTULO
NOME DO AUTOR
CARIMBO
DATA
ASSINATURA
Entre outros
SITUACIONALIDADE
Imagine uma pessoa indo praia vestida com um palet e uma gravata, e outra em um casamento,
vestida apenas com uma sunga.
Essa cena vai se tornar estranha, no ? Isso
ocorre porque essas pessoas no adequaram a roupa
ao local. No contexto social, h regras bsicas de conduta
que devemos seguir. Assim tambm acontece com
a lngua. Temos que adequ-la ao ambiente, situao
comunicativa, situao esta que vai determinar as nos
sas escolhas em relao forma de dizer, forma de falar.
No prudente, por exemplo, utilizar grias na linguagem durante uma entrevista de emprego, a
no ser que o trabalho seja direcionado para uma situao comunicativa em que se precise utilizar grias
ou algo parecido. Porm, no mais, no se faz conveniente o uso da respectiva linguagem em uma entrevista
de emprego. Assim, fi ca claro que a situao comunicativa, e tambm scio-cultural, determinante
para a coerncia na produo textual.
INFORMATIVIDADE
De certa forma, a informatividade est ligada ao grau de previsibilidade. Diante disso, quanto mais
FTC EaD | LETRAS38
previsvel for o texto menor ser seu grau de informatividade. Para ilustrar essa questo, Beaugrande &
Dressler apresentam os seguintes casos:
1. O oceano gua.
2. O oceano gua. Mas ele se compe, na verdade, de uma soluo de gases e sais.
3. O oceano no gua. Na verdade, ele constitudo de gases e sais.
No primeiro exemplo, o grau de informatividade muito pequeno. Isso porque todos ns sabemos
que o oceano constitudo de gua.
No segundo, o grau de informatividade aumenta, j que mais informaes, nesse caso em relao
composio do oceano, so apresentadas.
J no terceiro, h um grau altssimo de informatividade. Em um primeiro momento, a afi rmao
de que O oceano no gua pode chocar as pessoas e se tornar incoerente para elas. Porm, mais
adiante, apresenta-se a explicao para tal afirmao: Na verdade, ele constitudo de gases e sais.
A partir desses exemplos, foi possvel observar que um texto pode ter um grau mnimo de informatividade,
por ser previsvel demais, ou at chegar a um grau mximo de informatividade, pela ausncia
de previsibilidade.
FOCALIZAO
A focalizao est intimamente ligada ao conhecimento de mundo e ao conhecimento compartilhado.
Na verdade, a focalizao a concentrao de uma parte desses conhecimentos em um determinado
momento comunicativo.
Imagine a anlise que um psiclogo faria de um casamento. Agora, imagine a anlise feita sobre o
mesmo evento, mas dessa vez por um crtico de teatro. No difcil perceber que o FOCO das anlises
no ser igual. Cada um observar o casamento de acordo com sua viso de mundo, buscando nele os
aspectos que lhes interessam. Agora, observe as frases:
Preciso de mais mangas.
A focalizao poder, em casos como esse, evitar a incoerncia. Essa frase poderia ser dita em
contextos, tais como:
Uma costureira solicitando mangas para a confeco de camisas;
Um feirante necessitando de colocar mangas em sua barraca para serem vendidas.
Isso acontece pela propriedade da palavra (no caso acima, MANGA) ser POLISSMICA, ou seja,
ter mais de um sentido.
INTERTEXTUALIDADE
Pode-se dizer que a intertextualidade a relao de um texto com outros textos. Vamos ver como
o processo de intertextualidade se d, na prtica. Para isso, observe a fbula abaixo, atribuda a Esopo e
traduzida por Neide Smolka:
O lobo e o cordeiro
Um lobo, ao ver um cordeiro bebendo de um rio, resolveu utilizar-se de um
pretexto para devor-lo. Por isso, tendo-se colocado na parte de cima do rio, comeou
a acus-lo de sujar a gua e impedi-lo de beber. Como o cordeiro dissesse
que bebia com as pontas dos beios e no podia, estando embaixo, sujar a gua
que vinha de cima, o lobo, ao perceber que aquele pretexto tinha falhado, disse:
Mas, no ano passado, tu insultaste meu pai. E como o outro dissesse que ento
nem estava vivo, o lobo disse: Qualquer que seja a defesa que apresentes, eu no
deixarei de comer-te.
LINGUSTICA Textual 39
A fbula mostra que, ante a deciso dos que so maus, nem uma justa
defesa tem fora.
Agora, acompanhe a fbula de Millr Fernandes com o mesmo ttulo:
O LOBO E O CORDEIRO
Estava o cordeirinho bebendo gua, quando viu refletida
no rio a sombra do lobo. Estremeceu, ao mesmo tempo que ouvia a voz cavernosa:
Vais pagar com a vida o teu miservel crime. Que crime? perguntou o
cordeirinho tentando ganhar tempo, pois j sabia que com lobo no adiantava argumentar.
O crime de sujar a gua que eu bebo. Mas como posso sujar a gua
que bebes se sou lavado diariamente pelas mquinas automticas da fazenda?
indagou o cordeirinho. Por mais limpo que esteja um cordeiro sempre sujo
para um lobo retrucou dialeticamente o lobo. E vice-versa pensou o cordeirinho,
mas disse apenas: Como posso eu sujar a sua gua se estou abaixo da corrente?
Pois se no foi voc foi seu pai, foi sua me ou qualquer outro ancestral
e vou com-lo de qualquer maneira, pois como rezam os livros de lobologia, eu s
me alimento de carne de cordeiro fi nalizou o lobo preparando-se para devorar o
cordeirinho. Ein moment! Ein moment! gritou o cordeirinho traando l o seu
alemo kantiano. Dou-lhe toda razo, mas fao-lhe uma proposta: se me deixar
livre atrairei pra c todo o rebanho. Chega de conversa disse o lobo Vou
com-lo logo, e est acabado. Espera a falou fi rme o cordeiro Isso no
tico. Eu tenho, pelo menos, direito a trs perguntas. Est bem cedeu o lobo
irritado com a lembrana do cdigo milenar de jungle. Qual o animal mais
estpido do mundo? O homem casado respondeu prontamente o cordeiro.
Muito bem, muito bem! disse o lobo, logo refreando, envergonhado, o sbito
entusiasmo. Outra: a zebra um animal branco de listras pretas ou um animal
preto de listras brancas? Um animal sem cor pintado de preto e branco para no
passar por burro respondeu o cordeirinho. Perfeito! disse o lobo engolindo
em seco. Agora, por ltimo, diga-me uma frase de Bernard Shaw. Vai haver
eleio em 66 respondeu logo o cordeirinho mal podendo conter o riso. Muito
bem, muito certo, voc escapou! deu-se o lobo por vencido. E j se ia preparando
para devorar o cordeiro quando apareceu o caador e o esquartejou.
MORAL: QUANDO O LOBO TEM FOME NO DEVE SE METER EM FILOSOFIAS.
Agora, observe uma fbula, com o mesmo ttulo, mas com sua produo datada por volta do sculo
VII a.C.
O lobo e o cordeiro
Um lobo, que j havia comido saciedade, viu um cordeiro cado no cho. Compreendeu que ele
cara de medo, aproximou-se para tranqiliz-lo, e disse que apenas deveria lhe apresentar trs proposies
verdadeiras para ir embora so e salvo. E o cordeiro disse, em primeiro lugar, que gostaria de no
t-lo encontrado; segundo, que esperava que o lobo no fi zesse nada contra ele, porque era cego; e, por
fi m, em terceiro lugar, que possam todos os abominveis lobos morrer da pior morte, pois nos fazem
uma guerra sem quartel sem nada terem sofrido de nossa parte. E o lobo teve de reconhecer a verdade
do que ele dissera, devolvendo-lhe a liberdade.
Moral: A fbula mostra que, muitas vezes, a verdade tem seus efeitos at sobre os inimigos. ESOPO,
2006, p.119 120)
Perceba que a intertextualidade est vinculada ao conhecimento prvio. Ora, quem conhece a fbu-
FTC EaD | LETRAS40
la O lobo e o cordeiro, de Esopo, ir naturalmente relacion-la de Millr. Isso porque elas tm uma
relao de intertextualidade, ou seja, um texto remete a um outro texto. Nesse caso, a fbula de Millr remeter
de Esopo. Porm, para reconhecer a intertextualidade, primordial que se tenha conhecimento
da estrutura textual a que o outro texto remete.
INTENCIONALIDADE
J vimos que, ao produzir um texto, h um objetivo, uma inteno a ser alcanada com isso. O processo
da intencionalidade diz respeito justamente a essa inteno. As estratgias de produo textual vo
girar em torno de uma determinada inteno. Ora, quem nunca imitou ou viu algum imitar um discurso
sem nexo, aparentemente incoerente, para se fazer de bbado ou para tentar sugerir que no estivesse em
seu juzo total?
Pois . At em fi lmes podemos ver esse tipo de cena, principalmente quando
tratam de estratgias jurdicas para inocentar um acusado.
ACEITABILIDADE
Quando aceitamos que um texto tem uma inteno, um objetivo a atingir, logicamente
atribumos a ele uma caracterstica de argumentatividade. Tal caracterstica
est ligada intencionalidade. Grice, com o seu Princpio Cooperativo, nos leva
a enxergar a comunicao como um evento interativo. Diante disso, voc j deve
ter percebido que, para a existncia da comunicao como um processo dinmico,
preciso que os participantes de tal evento aceitem fazer parte do jogo da linguagem, aceitem interagir,
produzir sentidos, entrar em combate dialgico. preciso se inserir, aceitar participar desse jogo para
que o texto seja constitudo durante o referido processo interativo e argumentativo.
Nesta parte do mdulo, foram apresentados alguns pontos importantes para que se estabelea a coerncia
textual. Voc tambm pde ter a noo de que a coerncia no qualidade s das seqncias LINGUSTICAs e de
que tampouco depende nica e exclusivamente de fatores extralingsticos. A coerncia se d nesse processo de
constituio textual que envolve todos esses elementos. Agora j podemos compreender a relao entre estes dois
fatores primordiais para a LINGUSTICA Textual: a relao entre a coerncia e a coeso.
A RELAO ENTRE A COERNCIA E A COESO
TEXTUAL
Tanto a coeso quanto a coerncia so elementos primordiais para o estudo e a compreenso da
LINGUSTICA Textual. Esse foi um dos motivos de apresent-los separadamente. Outro motivo que, dessa
forma, foi possvel observarmos como se do os processos de coeso e coerncia de um modo mais especfico
e abrangente, o que no signifi ca dizer que os dois assuntos se esgotem no que foi apresentado;
muito pelo contrrio!
Durante a apresentao da coerncia, percebemos que h estruturas extraLINGUSTICAs que nos auxiliam
no processo de compreenso textual, de interpretabilidade. interessante pensar que, a todo momento, ao
nos comunicarmos, fazemos a utilizao de tais estruturas e, muitas vezes, nem percebemos. A linguagem fl ui,
na grande parte das vezes, com tamanha naturalidade que no nos damos conta do processo complexo que a
subjaz. Coisa parecida ocorre quando analisamos sintaticamente uma frase: no momento em que produzida
por ns, nem pensamos onde est o sujeito ou que o verbo transitivo, no ?!
No decorrer de nossa anlise a respeito do processo de coeso textual, as marcas LINGUSTICAs evidenciaram
que so valorosas. Quando aplicadas corretamente, auxiliam bastante para que o texto se torne
inteligvel, coerente. Como pde ser visto no texto, mais precisamente nas seqncias LINGUSTICAs, no
raro ocorre o aparecimento de elementos que retomam termos anteriores, remetem a outros termos,
substituem lxicos e/ou seqncias LINGUSTICAs e que at imprimem circunstncias e relaes entre ter-
LINGUSTICA Textual 41
mos, frases, oraes... Esses elementos tm a propriedade de dar uma linearidade ao texto, de estabelecer
uma ligao entre suas partes. Assim, podemos dizer que a coeso pode ser visualizada na matria LINGUSTICA do texto, pode ser reconhecida na seqncia LINGUSTICA.
Por conta da relao existente entre a coerncia e a coeso, muita gente pensa que as duas esto
intimamente ligadas ao ponto de no poderem se separar. Nesse sentido, os referidos elementos no
poderiam existir um sem a presena do outro. De acordo com esse ponto de vista, vamos ver qual a
posio de Koch & Travaglia diante da seguinte citao:
Como a coeso no necessria, h muitas seqncias LINGUSTICAs com
poucos ou nenhum elemento coesivo, mas que constituem um texto porque so
coerentes e por isso tm o que se chama de textualidade.
E continuam:
Como a coeso no sufi ciente, h seqncias LINGUSTICAs coesas, para as
quais o receptor no pode ou difi cilmente consegue estabelecer um sentido global
que a faa coerente.
Assim, a idia de interdependncia total posta em xeque. Para comprovar, Arajo apresenta dois
textos de Koch & Travaglia, os quais ns vamos analisar aqui.
TEXTO 1 O SHOW
O show
O cartaz
O desejo
O pai
O dinheiro
O ingresso
O dia
A preparao
A ida
O estdio
A multido
A expectativa
A msica
A vibrao
A participao
O fim
A volta
O vazio
Koch & Travaglia
Diante do primeiro texto, possvel dizer que no h um alto grau de coeso. Tem-se a constituio
textual mediante a colocao de vrias palavras sem nenhum elemento de ligao. Mas ser que tal ausncia
faz com que no se consiga compreender do que o texto trata? Ora, se prestarmos ateno, veremos
que h uma coerncia. No difcil notar que est se tratando de etapas efetuadas por uma pessoa, provavelmente
por um jovem, desde a hora em que teve noo da realizao do evento (provavelmente um
show de msica) at sua fi nalizao, a volta para casa.
O que bastante interessante de se perceber nesse texto que a prpria disposio das palavras
evidencia um grau ainda que pequeno de coeso, vez que ligam os acontecimentos. Se no houvesse
essa ordem na colocao das palavras, fi caria mais difcil a compreenso textual.
Apesar de podermos caracteriz-lo, em suma, como um texto no coeso, vimos que h coerncia.
FTC EaD | LETRAS42
Agora, observe o prximo texto:
TEXTO 2
Joo vai padaria. A padaria feita de tijolos. Os tijolos so carssimos. Tambm
os msseis so carssimos. Os msseis so lanados no espao. Segundo a
teoria da Relatividade o espao curvo. A geometria Rimaniana d conta desse
fenmeno.
Koch & Travaglia
O que vemos aqui o oposto do texto O show. Est clara a presena da coeso. No decorrer da
leitura, notria a retomada de termos, a repetio de palavras. No entanto, se fi zermos a pergunta que
no quer calar...
J sabemos a resposta para isso, no ? Bem, o que percebemos a
um amontoado de frases que juntas no produzem um sentido global. No
possvel dizer do que o texto trata. Assim, apesar da notria coeso, no h
coerncia no conjunto das frases.
importante que fi que clara a noo de que a coerncia e a coeso
apresentam-se como elementos primordiais para a LINGUSTICA Textual e, ao fi gurarem
em conjunto, desde que empregadas corretamente, auxiliam no processo
de compreenso textual. Todavia, uma no condio de existncia da
outra. Vimos, atravs de explicaes e exemplos, que tanto a coerncia quanto
a coeso podem existir separadamente.
E a, conseguiu compreender a relao entre a coerncia e a coeso textuais? Se no entendeu, vamos
dar mais uma lida, agora com bastante ateno, certo?! Mas, se a resposta for positiva, maravilha! J estamos
prontos para avanar em nossos estudos. J podemos conhecer outros itens bastante interessantes e que vo
nos auxiliar para que tenhamos um melhor contato com os diversos tipos de textos.
Nosso destino agora sobrevoar a semntica da enunciao. Vamos fazer um vo panormico
e avistar um trabalho bastante interessante de um terico chamado Oswald Ducrot: a polifonia. Nesse
trabalho, o referido autor ir de encontro concepo da unicidade do sujeito. Aps esse primeiro
momento, apresentar sua proposta de disperso do sujeito. assim que ele ir tentar apresentar para
ns as vrias vozes que esto presentifi cadas em nosso discurso. Esto prontos? Ok! Sendo assim,
sigam-me!
A POLIFONIA TEXTUAL
possvel constatar, pela contribuio de Ducrot (1987) com a sua teoria polifnica da linguagem,
a no-unicidade do sujeito. Ao tratar da questo polifnica da linguagem, Ducrot retoma a teoria de
Bakhtin ([1929], 1976), fundamentada pela idia de dialogismo, retratando-a ao campo da Semntica da
Enunciao, direcionando-a ao espao lingstico. Durante a formulao de sua teoria, que se fez fundamental