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LINGÜÍSTICA TEXTUAL 1ª Edição - 2007

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LINGÜÍSTICATEXTUAL

1ª Edição - 2007

Sociedade Mantenedora de Educação Superior da Bahia S/C Ltda.Gervásio Meneses de Oliveira

Presidente

William OliveiraVice-Presidente

Samuel SoaresSuperintendente Administrativo e Financeiro

Germano TabacofSuperintendente de Ensino, Pesquisa e Extensão

Pedro Daltro Gusmão da SilvaSuperintendente de Desenvolvimento e Planejamento Acadêmico

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João JacomelCoord. de Produção de Material Didático

EquipeAntonio França Filho, Angélica de Fátima Jorge, Alexandre Ribeiro, Bruno Benn, Cefas Gomes,

Cláuder Frederico, Danilo Barros, Francisco França Júnior, Herminio Filho, Israel Dantas, John CasaisLucas do Vale, Marcio Serafim, Mariucha Ponte, Tatiana Coutinho e Ruberval da Fonseca

ImagensCorbis/Image100/Imagemsource

Produção AcadêmicaJane Freire

Gerente de Ensino

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André Luiz Gaspari MadureiraAutor(a)

Produção TécnicaJoão JacomelCoordenação

Carlos Magno Brito Almeida SantosRevisão de Texto

Antonio França de S. FilhoEditoração

Antonio França de S. FilhoIlustrações

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SOMESB

FTC - EaD

MATERIAL DIDÁTICO

SUMÁRIO

ESBOÇO HISTÓRICO DA LINGÜÍSTICA TEXTUAL ______________ 7

DA RUPTURA ESTRUTURALISTA À LINGÜÍSTICA TEXTUAL _____________ 7

ESTRUTURALISMO: UM PASSO PARA A LINGÜÍSTICA CONTEMPORÂNEA _______________ 7

OS ESTUDOS GERATIVISTAS __________________________________________________10

A NECESSIDADE DE RENOVAÇÃO DO HORIZONTE LINGÜÍSTICO _____________________12

DAS GRAMÁTICAS DE FRASE ÀS GRAMÁTICAS DO TEXTO ___________________________15

ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________18

OS PRIMEIROS PASSOS DA LINGÜÍSTICA TEXTUAL ____________________19

A CONCEPÇÃO DE SUJEITO E DE LÍNGUA _______________________________________19

A IDÉIA DE TEXTO __________________________________________________________23

O CONTEXTO NA LINGÜÍSTICA TEXTUAL ________________________________________25

COMPREENDENDO AS ESTRUTURAS COGNITIVAS ________________________________27

ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________30

PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTOS DA LINGÜÍSTICA TEXTUAL __31

ALGUNS ELEMENTOS BÁSICOS DA LINGÜÍSTICA TEXTUAL ____________31

A COERÊNCIA TEXTUAL _____________________________________________________31

A COESÃO TEXTUAL ________________________________________________________36

A RELAÇÃO ENTRE A COERÊNCIA E A COESÃO TEXTUAL ___________________________41

A POLIFONIA TEXTUAL _____________________________________________________43

ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________49

A LÍNGUA ESCRITA E A LÍNGUA FALADA ____________________________52

SUMÁRIO

PENSANDO A ORALIDADE E O LETRAMENTO ____________________________________52

CARACTERÍSTICAS DA LÍNGUA ESCRITA _________________________________________53

CARACTERÍSTICAS DA LÍNGUA FALADA ________________________________________55

O TEXTO CONVERSACIONAL _________________________________________________57

ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________59

GLOSSÁRIO _____________________________________________________________61

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS __________________________________________63

Olá, pessoal!

Ao pensarmos a questão da linguagem, por vezes a tomamos como um elemento presente em nossas vidas, elegendo para ela um lugar privilegia-do no cotidiano. Além do mais, no processo comunicativo, seja através da linguagem escrita ou falada, não é difícil nos flagrarmos com uma certa pre-ocupação, já que, de um modo ou de outro, nessa situação nós expomos o que realmente somos (ou o que achamos que somos).

No entanto, o que nos dá segurança tem a ver, além de outros fatores, com uma formação sólida. Porém, para erguer um edifício firme, inabalável, é primordial que se tenha uma base firme, propensa a suportar o peso de vários andares. Se tomarmos esse prédio como uma metáfora da condição humana, veremos que o alicerce para a construção do saber está na compre-ensão dos princípios básicos. Tais princípios se revelam como a base, o pré-requisito que poderá nos proporcionar compreender relações mais comple-xas, representadas por cada um dos andares. É esse processo que também nos faz ter a confiança necessária para tomarmos as melhores decisões, para expormos com propriedade os nossos pensamentos acerca de um dado as-sunto, as nossas concepções, principalmente no ambiente acadêmico.

Neste módulo, o que proponho é justamente a sedimentação do alicerce com o desenvolvimento de nossos estudos acerca da Lingüística Textual. Mas para compreender sua história, assim como as condições que propi-ciaram seu surgimento no cenário lingüístico, torna-se imprescindível viajar por um universo que nos leve a atingir tal objetivo.

Nesse sentido, convido a todos para viajarmos juntos pelo universo do co-nhecimento. Vamos observar o que propiciou o surgimento da Lingüística Textual, bem como analisar os princípios básicos que norteiam os trabalhos da aludida disciplina. Enfim, vamos mergulhar no mundo do saber e conhe-cer mais uma importante vertente dos estudos lingüísticos do século XX.

Estão preparados? Então apertem os cintos e vamos lá!

Bons estudos!

Professor André Luiz Gaspari Madureira

Apresentação da Disciplina

Lingüística Textual 7

ESBOÇO HISTÓRICO DA LINGÜÍSTICA TEXTUAL

DA RUPTURA ESTRUTURALISTA À LINGÜÍSTICA TEXTUAL

No momento em que se pára com o intuito de observar o desenvolvimento da lingüística na his-tória, é possível identifi car que vários estudos foram se modifi cando com o passar do tempo. Segundo Hilário Bohn, “da mesma maneira como a morte do indivíduo não signifi ca o seu desaparecimento, ele continua na memória coletiva ou familiar, continua gerando sentidos depois que sai do convívio social, assim é com os paradigmas, somente depois de muitos anos da saída do palco dos auditórios científi cos é que se podem avaliar os efeitos que produzem sobre a visão de mundo e as pessoas que o habitam”.

Dessa forma, no universo da ciência da linguagem, principalmente no século XX, modelos lingü-ísticos sofreram infl uências e/ou infl uenciaram outros estudos. Seja para ratifi car ou negar, a lingüística apresentou esse movimento entre identidade e alteridade. As correntes lingüísticas tiveram infl uência de idéias, concepções anteriores e apontaram para futuros posicionamentos. E é justamente por isso que inicialmente vamos rever alguns conceitos principais que marcaram a lingüística no século XX, no intuito de compreendermos o que levou ao surgimento de uma importante vertente da ciência da linguagem: a Lingüística Textual. Afi nal, para se compreender o presente é fundamental conhecer o passado, saber quais foram as condições de existência que propiciaram a cristalização de um determinado movimento, e não de outro em seu lugar.

ESTRUTURALISMO: UM PASSO PARA A LINGÜÍSTICA CONTEMPORÂNEA

Se é possível considerar o século XIX como a época do estudo histórico e comparativo das línguas, o século posterior marca uma importante ruptura na lingüística. Não raro se ouviu que a lingüística era uma disciplina predominantemente histórica. Diante de tal afi rmação, o que aconteceria se alguém dis-sesse o contrário? Qual seria a conseqüência de se negar o que até então se ratifi cava? Bem, não precisa de muito esforço para pelo menos se achar que causaria muito rebuliço, não é?! Pois foi justamente isso que aconteceu no século XX com o advento do estruturalismo saussuriano, que vocês já devem conhe-cer. Porém, para que se possa compreender o processo histórico que levou ao surgimento da Lingüística Textual, torna-se importante relembrar alguns pressupostos básicos de um movimento que balançou os pilares dos estudos da linguagem.

Inicialmente, podemos apontar como marco do estruturalismo saussuriano o lançamento póstumo do livro de Ferdinand de Saussure intitulado Cours de Linguistique Générale (Curso de lingüística geral), publicado em 1916. A existência da referida obra se deu graças à contribuição de três de seus discípulos, a partir de rascunhos feitos nas aulas do grande mestre genebrino.

FTC EaD | LETRAS8

Não se esqueça:

O estruturalismo se fez presente em várias áreas das ciências humanas. Por esse motivo, po-demos dizer que existem “estruturalismos”, e não apenas um estruturalismo. No entanto, lembre-se de que estamos tratando, nesse momento, do estruturalismo saussuriano, ok?!

Uma das preocupações de Saussure foi dar uma nomenclatura inequívoca para que se pu-desse analisar melhor os fatos da língua. Essa era uma carência que até então havia nos estudos lingüísticos. A respeito disso, tomemos como exemplo a palavra LÍNGUA. Anteriormente, esse termo poderia ter um conceito diferente, a depender do pesquisador que o iria utilizar. Já deu para perceber que essa questão deveria causar muita confusão, vez que o sentido mobilizado por LÍN-GUA poderia variar, o que logicamente atrapalhava a compreensão de vários trabalhos.

Nesse sentido, Saussure deu uma importante contribuição para os estudos da linguagem. Vamos ver como ele sistematizou a língua, tomando-a como seu objeto de estudo:

Atenção

A língua (langue) passou a estabelecer uma oposição à fala (parole). Isso se deu porque a língua passou a ser vista como homogênea e abstrata, podendo ser sistematizada e estudada. Já a fala era tida como homogênea e concreta, não sendo possível, portanto, ser sistematizada nem, por conseguinte, estudada. Visualize abaixo como se podem observar esses pontos de convergência, nesse primeiro momento em que se separam a língua da fala, segundo o estruturalismo:

Atenção

LÍNGUA: sistemática; homogênea; abstrata; estudável

FALA: assistemática; heterogênea; concreta; não-estudável

Atenção

No momento em que, a exemplo da prática escolar, numa época na qual se estudar uma língua signifi cava estudar textos, os seus sentidos, inclusive a partir de disciplinas intituladas “compreensão de texto”, Saussure apresenta uma nova abordagem lingüística. Ele propõe não mais se ater à função signifi cativa de texto, à prática da linguagem, e sim ao seu funcionamento, a sua teoria. Com o referido deslocamento, separa-se, portanto, a prática da linguagem de sua teoria. Nesse sentido, a língua passa a ser pensada como sistema de signos e a fala fi ca excluída dos estudos científi cos da linguagem.

Lingüística Textual 9

Para saber mais.

Muitas disciplinas reconhecem o deslocamento conceptual de Saussure, da FUNÇÃO para o FUNCIONAMENTO, como um marco do nascimento da lingüística enquanto ciência.

Atenção

Lembra de que a lingüística no século XIX era histórica e comparativa? Pois é! Por conta dos estu-dos de Saussure, a lingüística no século XX deixa de ser histórico-comparativa. O motivo da mudança se baseia na idéia do mestre genebrino de que não havia sentido estudar a língua em sua historicidade (ou diacronia), mas mediante o seu viés descritivo (sincrônico). Diante disso, podemos dizer que ele prefere,

então, estudar o estado da língua, e não sua evolução.

No intuito de tornar a referida questão mais clara, Saussure compara a língua em seu estado com um jogo de xadrez.

Sua tese é de que, assim como num jogo de xadrez, o “jogo da língua” apre-senta um sistema de valores. Bem, vamos ver o que ele próprio diz sobre isso:

Por isso que, para Saussure, o lingüista proposto a compreender o esta-do da língua deve analisá-lo em um dado momento, descrevendo-o, e ignorar sua evolução, ignorar sua história, ignorar sua diacronia.

A língua é uma forma e não uma substânciaNo estruturalismo, a língua será vista como forma, e a fala, substância.

Nesse sentido, forma deve ser compreendida como essência, em seu sentido fi -losófi co. A forma é constante, como a língua. Já a substância é circunstancial – como a fala –, é tida como aparência, e não como essência. No jogo de xadrez, por exemplo, as regras estão para a forma, já as peças do jogo, para a substância.

Se transferirmos essa lógica para a linguagem, poderemos fazer a seguinte associação a partir da frase abaixo:

Nóis comprô a rôpa.O que importa para o estruturalismo ao estudar a língua é a forma, as regras, não a substância, a

aparência. Assim, temos a seguinte regra de constituição da frase:

FTC EaD | LETRAS10

Pronome + verbo + objeto

Os desvios ortográfi cos, por exemplo, estão ligados aos traços da fala. Esses traços, para Saussure, são de ordem individual, ou seja, peculiar a determinados falantes, e não social, geral como o é a regra. Os traços podem variar, a depender do falante, do momento em que se emite a frase. Portanto, é um ato individual. Assim, apesar do desvio à norma culta, sua estrutura continua a ser de uma frase da língua portuguesa.

Bem, agora, no quadro abaixo, vamos visualizar algumas dessas diferenças estruturalistas apresentadas:

A partir de nossos estudos, foi possível perceber que há muitas oposições no estruturalismo. Por isso, podemos dizer que o estruturalismo tem a característica de se ocupar das diferenças. É por isso que Saussure propôs suas dicotomias, como língua (langue) X fala (parole), sincronia X diacronia. Existem mais dicotomias saussurianas, porém nosso objetivo agora é compreender as motivações históricas e lin-güísticas para a constituição da Lingüística Textual. Esses princípios básicos trabalhados já servem para o nosso propósito nesse módulo. Por isso, é importante internalizar tudo o que foi até agora trabalhado aqui, tá?!

OS ESTUDOS GERATIVISTAS

Agora que já vimos certos pontos básicos do estruturalismo, vamos relembrar alguns pressupostos de um estudo que também teve muita importância no século XX, por volta do fi nal da década de 50, e que infl uenciou muito o pensamento lingüístico: O gerativismo. Esse movimento lingüístico vai, em um momento, infl uenciar a Lingüística Textual. Por isso, prestem bastante atenção, meus amigos!

Quando falamos em gerativismo, um nome fundamental vem à mente: Noam Chomsky. Ele foi o criador do gerativismo, estudo que propõe uma gramática gerativa (doravante GG) que passou a ser co-nhecida a partir da obra de Chomsky, Syntactic structures, publicada em 1957. Ela propõe principalmente que a geração dos enunciados seja, pelo menos parcialmente, determinada pelo estado da mente/cérebro. O referido autor vê o cérebro como um órgão do corpo humano que deve ser estudado como se estuda o corpo humano. Para ele, cada parte teria sua função. Portanto, uma parte do cérebro seria responsável pela linguagem.

Lingüística Textual 11

Bem, se a linguagem é vista como uma propriedade da mente/cérebro do falante, fi ca fácil começar a entender a afi r-mação de que a linguagem é inata. Essa idéia difere do estru-turalismo americano, o qual vê a aquisição da linguagem como resultado de repetição, estímulo/resposta, a partir da experi-ência, sendo, assim, um constructo social, e não mental.

Lembre-se:Para o gerativismo, aquisição da linguagem é inata, portanto,

já nascemos com ela.

Outro ponto importante tra-tado pelo gerativismo é a existência de uma gramática universal (GU). A partir dessa concepção, todas as

línguas têm pontos em comum, têm princípios gerais. Diante disso, fi ca clara a afi rmação de que, diferente dos estudos estruturalistas, os quais se baseavam nas diferenças, nas dicotomias, o gerativismo vai se voltar para as semelhanças, para os princípios universais existentes em todas as línguas.

Ao trabalhar com a GU, Chomsky também vai se ocupar, a despeito do estruturalismo, que efetu-ava uma atividade descritiva em suas pesquisas - em explicar esses fenômenos lingüísticos ligados a um conjunto de princípios gerais. Por esse motivo, não há problema em dizer que nesse sentido a prioridade torna-se mais teórica que empírica. E é no intuito de descrever o conhecimento implícito do falante mediante um quadro teórico-explicativo que Chomsky elabora a teoria da gramática gerativa. De acordo com José Borges Neto, o trabalho do lingüista, nesse momento, passa a ser dividido em dois grupos:

1. Construir gramáticas destinadas a línguas particulares.

2. Construir princípios gerais para a capacidade da linguagem (princípios universais lingüísticos).

Atenção

Nos estudos de Chomsky, a sintaxe ganha um lugar de destaque. Dessa forma, ele mesmo diz o seguinte:

“Uma língua é um conjunto (fi nito ou infi nito) de orações, cada uma delas de tamanho fi nito e construída a partir de um conjunto fi nito de elementos”.

Assim, a sintaxe ganha uma autonomia, já que, a partir dela, são geradas as orações gramaticais coerentes.

O conhecimento que os falantes possuem de uma língua em suas mentes é chamado de competência lin-güística. A competência, então, é justamente o conhecimento lingüístico internalizado que permite ao falante ter a propriedade de utilizar o conjunto de regras que se encontram presentes em sua mente. A competência possibilita que o falante faça uso da linguagem e a adquira na infância, vez que a linguagem é uma propriedade inata.

É preciso distinguir a competência lingüística da performance. A performance se refere ao modo com que o falante vai utilizar a linguagem. A esse fator são incorporadas questões extralingüísticas, en-volvendo o ambiente, a sociedade, os interlocutores.

Nesse momento é importante deixar bem claro que a teoria gerativa centra-se na competência, que é de caráter universal, e está relacionada à mente/cérebro do falante. A isso se pode dizer que a preocupa-ção central da teoria gerativa é a aquisição da linguagem. Se fôssemos buscar uma pergunta fundamental que pudesse resumir o propósito da teoria gerativa seria a seguinte:

FTC EaD | LETRAS12

Como conseguimos falar?

Portanto, não esqueça:

O objeto de estudo do gerativismo é a competência.

Para entender a possível existência de uma gramática universal, comum a todas as línguas, nós pode-mos pensar na seguinte situação: Ao ouvir a frase “Eu comi um bolo”, é possível que uma criança diga “Eu vi um cachorro”. Bem, mesmo que ela nunca tivesse ouvido tal enunciado, não deixou de conjugar correta-mente o verbo. Para Chomsky, essa propriedade é inata. O que também auxilia no processo de produção de enunciados inéditos é a criatividade lingüística. Podemos, então, conceituá-la da seguinte forma:

Entende-se por criatividade lingüística a capacidade que o falante tem de compor e com-preender sentenças às quais ele nunca foi exposto.

E aí? Conseguiram compreender alguns dos pontos básicos do gerativismo? Agora vamos per-ceber, de forma mais sintetizada, certas diferenças que podem ser estabelecidas entre o gerativismo e o estruturalismo, no quadro abaixo:

A NECESSIDADE DE RENOVAÇÃO DO HORIZONTE LINGÜÍSTICO

Nos itens anteriores, nós pudemos rever algumas características básicas de dois importantes movi-mentos lingüísticos do século XX. Lembramos de certos conceitos principais, além de acompanharmos como se cristalizaram diferenças que marcaram tanto o estruturalismo quanto o gerativismo. Tais diferen-ças também fi zeram essas duas vertentes muitas vezes percorrerem em suas pesquisas caminhos opostos (a começar da escolha do objeto de estudo) e dividirem a atenção de lingüistas e pesquisadores.

No entanto, apesar de falarmos das diferenças entre o estruturalismo e o gerativismo, isso não sig-nifi ca que esses dois movimentos sejam totalmente opostos, que não tenham pontos em que se tocam. Nesse sentido, faremos umas considerações aos momentos em que se aproximam para, a partir de singu-laridades entre eles, ser possível compreender melhor o surgimento do que nos é primordial discutir nesse tema: a constituição histórica da Lingüística Textual. Mas para isso também é necessário fazer algumas considerações a respeito do formalismo e do funcionalismo.

Lingüística Textual 13

Semelhanças entre estruturalismo e gerativismoSe analisarmos a proposta de Saussure, veremos que ele se volta para o trabalho descritivo da língua

(langue). A partir daí, segundo a visão de língua como sistema, esses estudos lingüísticos giram em torno desse sistema, ou seja, das “regras do jogo”. Isso acarreta em não se considerar como principal o aspecto da comunicação, e sim a estrutura em si.

A comunicação no estruturalismo é tratada como emissão e recepção de mensagens. Diante desse processo, a mensagem é enviada, recebida e de-codifi cada. Dá para perceber que, mediante tal processo, a comunicação hu-mana não se diferencia da comunicação entre máquinas, não é?!

Ao observarmos o gerativismo, perceberemos que ele toma como ob-jeto de estudo a competência lingüística, que tem caráter universal e se insere

na mente/cérebro. Já a performance é deixada de lado. Bem, como a comunicação tem a ver com o uso da língua em situações determinadas, ela se insere no plano da performance, do desempenho lingüístico do falante. Dessa forma, é possível compreender que, como a comunicação está no plano da performan-ce, ela é deixada de lado pelos estudos gerativistas.

Lembre-se:

Em um determinado momento, o gerativismo procura destinar parte de seus estudos à se-mântica, porém tenta formalizá-la.

Diante do que foi exposto, os limites do gerativismo e do estruturalismo se dão principalmente por idealizarem e formalizarem o objeto de estudo, por tratarem a oração como a unidade máxima de estudo e por considerarem de modo insatisfatório o aspecto da comunicação em suas teorias.

Em termos gerais, não raro vemos tanto o movimento estruturalista como o gerativista se-rem classifi cados como estudos formalistas da linguagem. Para compreender melhor essa questão, vamos ver como se pode caracterizar um estudo formalista.

Atenção

Os estudos formalistas

Já vimos que nos estudos formalistas da linguagem se enquadram o estruturalismo e, de certo modo, o gerativismo. Eles são chamados de formalistas porque vêem a língua em sua forma, como um objeto descontextualizado. O formalismo preocupa-se bastante com as características internas da língua, relegando a um outro lugar a língua em seu uso. Quanto a este tipo de estudo, Dillinger salienta:

O formalista estuda uma língua em termos de suas partes e os princípios de sua organização, sem considerar suas relações com o meio ou contexto em que se situa.

Atenção

Então, deu para perceber que o formalismo vai analisar a língua em sua forma.

FTC EaD | LETRAS14

O funcionalismoDiferente do formalismo, o funcionalismo vai procurar estudar a linguagem em sua função. Assim,

para o funcionalismo, o estudo da função das formas lingüísticas é predominante. As características inter-nas da língua, bastante estudadas pelos formalistas, no funcionalismo não serão tão importantes quanto as relações entre a língua e a interação social, a língua e o contexto social, a língua e a comunicação.

Você se lembra que falamos sobre a atitude de Saussure de pro-por o estudo do FUNCIONAMENTO da linguagem e não de sua FUNÇÃO? Pois é! Ao fazer isso, ele acabou deixando um campo descoberto, que viria a chamar a atenção de lingüistas. Ora, vários pes-quisadores da linguagem acharam que não se poderia deixar de lado a FUNÇÃO da língua na sociedade, afi nal, somos seres comunicativos. Utilizamos a língua para nos comunicarmos, para construirmos sen-tido a partir do momento em que há uma interação. Mais uma vez,

vamos ver o que Dillinger tem a nos dizer, agora sobre o funcionalismo:

Em geral, portanto, o funcionalismo se preocupa com as relações (ou funções) entre a língua como um todo e as diversas modalidades de interação social e não tanto com as características in-ternas à língua. Assim, os funcionalistas frisam a importância do papel do contexto, em particular o contexto social na compreensão da natureza das línguas.

Atenção

Bem, nos estudos funcionalistas já podemos destacar alguns, como a sociolingüística, a lingüística an-tropológica, a análise do discurso, a lingüística textual (este último, foco de nossos estudos neste módulo).

Para resumir algumas características do formalismo e do funcionalismo, acompanhe a tabela abaixo com idéias apresentadas por Dik e adaptadas por Maria Helena de Moura Neves:

Portanto, vocês puderam entender o que motivou a existência da Lingüística Textual no cenário da ciência da linguagem no século XX. Agora já estamos prontos para avançarmos mais e adquirirmos mais conhecimento acerca desse assunto.

Lingüística Textual 15

Agora, vamos tratar de uma questão que muito interessa à Lingüística Textual: a passagem da gra-mática de frase à gramática de texto. Preparados? Ótimo! Então vamos lá!

DAS GRAMÁTICAS DE FRASE ÀS GRAMÁTICAS DO TEXTO

A partir do Curso de lingüística geral, de Saussure, a gramática se tornou o centro da refl exão lingü-ística contemporânea. Nesse sentido, passou a ser papel da lingüística construir teorias sobre a gramática das línguas naturais. De acordo com essa idéia, podemos defi nir gramática da seguinte forma:

Um sistema de regras que tem a capacidade de efetuar a descrição de um sistema lingüístico.

Portanto, tem-se essa gramática como descritiva. Assim, não confunda a gramática descritiva com a gramá-tica com a qual nós temos contato na escola: a normativa. Para isso, vamos ver como elas se diferenciam ok?!

A gramática descritiva se ocupa a descrever um sistema lingüístico, afi nal de contas a lingüística propõe ser a ciência da linguagem e, como ciência, é fundamentalmente descritiva, e não normativa.

Já a gramática normativa visa prescrever normas do “bom falar”, ou do “falar correto”. No entanto, ela se limita, por considerar mais as normas acadêmicas que o uso inovador da língua, o qual provoca uma ruptura que vem a extrapolar o estudo gramatical.

Atenção

Ora! sabe aquelas palavras ou estruturas que, em um momento de descontração (ou de descuido), nós utilizamos e que alguém sempre aparece para dizer “Essa palavra não existe”, ou “Você falou erra-do”? Pois é, essas questões que extrapolam o uso gramatical (além de outras) não são valorizadas devida-mente pela gramática normativa.

A gramática descritiva, dentro dessa visão estruturalista, vai ver a língua como um sistema opositivo. Para se realizar a análise, parte-se de unidades menores para unidades maiores que justifi cam ou englobam as anteriores.

Assim, o primeiro nível de análise é o fonológico. Como se trabalha a partir de uma visão dicotô-mica, opositiva, é possível perceber que o nível fonológico não é signifi cativo, porém, permite distinguir signifi cados. Como exemplo, podemos observar que a diferença fonológica entre /BATA/ e /PATA/ (/B/ e /P/) é sufi ciente para distinguir os signifi cados.

Bem, já deu para perceber que o nível fonológico se integra a um nível maior e signifi cativo, que é o morfológico, certo?! Podemos então defi nir a morfologia da seguinte maneira:

Morfologia: Parte da gramática que se propõe a descrever formas que constituem as palavras, os morfemas.

Para diferenciar o nível morfológico do fonológico, podemos dizer que:

O fonema é a unidade mínima não signifi cativa.O morfema é a unidade mínima signifi cativa.

O morfema também é considerado a base do nível seguinte: o sintático. A sintaxe, então, é a parte da gramática que se propõe a analisar as relações que os morfemas e as orações mantêm entre si. Nessa perspectiva, pode-se tomar a oração a partir da defi nição abaixo:

A oração é a unidade máxima de estudo.

FTC EaD | LETRAS16

Portanto, nessa perspectiva, parte-se da análise da unidade mínima não signifi cativa, que é o fone-ma, e se estende até à unidade máxima de análise: a oração.

Agora que já foram apresentadas algumas características das gramáticas, principalmente na visão estruturalista, vamos ver quais foram as mudanças que ocorreram na Lingüística Textual desde a sua constituição, bem como o momento em que as gramáticas de texto entram nesse cenário. Para tanto, é preciso distinguir três fases de constituição de tal disciplina.

As fases de constituição não devem ser vistas, em relação da passagem de uma para a outra, de forma cronológica. Muitos autores destacam que esses movimentos se deram simultaneamente, de forma independente.

Atenção

1ª FASE – transfrástica.

Anteriormente, foi possível observar que as gramáticas de frase, até mesmo por ter como unidade máxima de estudo o enunciado, apresentavam limitações. Essas limitações também se estabeleceram por não se contemplar, nas aludidas gramáticas, fatores que ultrapassavam o limite das frases e que só pode-riam ser analisadas no interior do texto, como é o caso da co-referência. Nessa fase, muitos estudiosos apresentaram conceitos sobre o texto. Harweg, por exemplo, defi nia o texto como “uma seqüência pro-nominal ininterrupta”. Já Isemberg o defi niu como sendo uma “seqüência coerente de enunciados”.

Não esqueça:

O desenvolvimento da Lingüística Textual data por volta da década de sessenta. Ele se deu principalmente na Alemanha.

Atenção

Ao analisarmos a frase

João saiu correndo. Ele estava com muito medo.veremos que há uma ligação entre o pronome ELE e o referente (João). Esta ligação estabelecida

entre João e o pronome ELE (co-referente de João) se dá principalmente pela predicação desses dois ele-mentos, e não somente por questões de concordância. Só que esse elemento coesivo por si não garantiria, ao longo de uma seqüência, a existência de um texto.

A questão da presença de elementos coesivos, como as conjunções, também foi tema dos estudos na fase transfrástica. O que chamou a atenção, também, foi o fato de que um trecho, mesmo sem a pre-sença de conjunções, poderia ter coerência.

Ora! na frase

Pedi por você; ninguém me ouviu.não é difícil perceber a relação de adversidade, mesmo sem a presença do conectivo “mas”.

Já deu para perceber que a idéia de um texto se constituir apenas pela soma de frases não estava dando certo, não é?! Essa questão abriu espaço para a necessidade de uma outra forma de tratar o texto. É a partir daí que vários estudiosos se voltam para a criação das gramáticas textuais. É justamente por isso que se diz que:

A fase transfrástica abriu espaço para a constituição das gramáticas textuais.

Lingüística Textual 17

2ª FASE – As gramáticas textuaisNos primeiros assuntos deste bloco temático nós revisamos, além de outros, conceitos básicos do

gerativismo. Vimos que Chomsky visou elaborar uma gramática gerativa de sentido. Para tanto, procurou se voltar para a competência lingüística do falante, levando em consideração que o falante tem a proprie-dade inata da linguagem e é capaz de produzir enunciados infi nitos e inéditos em uma dada língua.

De forma análoga, esta segunda fase da lingüística textual, recebendo infl uências do gerativismo, passou a levar em consideração a COMPETÊNCIA TEXTUAL do falante.

Vamos compreender melhor essa questão. A passagem da fase transfrástica para a elaboração da gramática textual se deu principalmente porque se pôde perceber que, além de muitos textos não apre-sentarem o fenômeno da co-referenciação, é indispensável para a compreensão de diversos textos levar em consideração o conhecimento intuitivo do falante.

A partir daí, preconizou-se que todo falante de uma língua é capaz de produzir textos inéditos, bem como de ter a propriedade de elaborar paráfrase. Além disso, seria possível ao falante reconhecer os diversos tipos textuais (narrativo, descritivo, dissertativo).

Essas capacidades textuais são, respectivamente, intituladas de CAPACIDADE FORMATIVA, CAPACIDADE TRANSFORMATIVA e CAPACIDADE

QUALIFICATIVA.Já que todos os falantes teriam essas capacidades, a gramática textual, nesse sentido, deveria se

voltar para as seguintes questões:

1. O que faz com que um texto seja um texto, isto é, como se dão os elementos constituido-res da textualidade.

2. Como se pode delimitar um texto. Como se pode considerar completo o texto.

3. De que forma os textos podem se diferenciar.

Mesmo com o empenho em desenvolver uma gramática textual, tais itens não puderam ser con-templados devido à impossibilidade de se chegar aos devidos objetivos.

Desse jeito, em lugar de procurar descrever a competência textual do falante, como pregava a gra-mática textual, tornou-se mais viável analisar de que forma se constituem, funcionam os textos em uso, bem como o modo que se dá sua compreensão. Assim, surge a 3ª FASE da constituição da Lingüística Textual: a elaboração de uma teoria de texto. A referida teoria irá tomar o texto não mais como um pro-duto acabado, e sim como um processo que resulta de questões sociocognitivas, interacionais, comunica-tivas. Mas dessa última fase, que nos interessa bastante, nós trataremos mais adiante.

Depois de observarmos a constituição da Lingüística Textual, de vermos os movimentos que a infl uen-ciaram e o que motivou sua existência no cenário lingüístico no século XX, agora é a hora de testarmos nossos conhecimentos. Vamos ver se tudo o que foi apresentado até aqui está fazendo sentido? Então vamos lá!

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Aponte algumas diferenças existentes entre: Língua X Fala

Defi na a diferença existente entre a Sincronia e a Diacronia

Aponte algumas características presentes nos estudos funcionalistas.

Explique, com suas palavras, de que forma o gerativismo infl uenciou a Lingüística Textual.

Saliente algumas diferenças existentes entre o formalismo e o funcionalismo

1.

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3.

4.

5.

Atividade Complementar

Lingüística Textual 19

OS PRIMEIROS PASSOS DA LINGÜÍSTICA TEXTUAL

A CONCEPÇÃO DE SUJEITO E DE LÍNGUA

Agora vamos começar a compreender algumas questões fundamentais da lingüística textual. Va-mos começar, então, pela concepção de sujeito e de língua.

Quando falamos em sujeito, o que vem à mente em primeiro lugar? A que nós associamos tal pa-lavra? Lembrou? Bem, para ajudar, vou convocar um personagem muito simpático, criado por Maurício de Souza. Acompanhem um trecho da historinha abaixo e vejam os signifi cados do sujeito que foram mobilizados pela professora e por Chico Bento.

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Observe que a professora trata da questão do sujeito gramatical, ao passo que Chico Bento associa a palavra “sujeito” a pessoas. A historinha se desenvolve dessa forma até o final. Nesse momento, ao dar um exemplo na lousa – “Chove lá fora” –, a professora trata do sujeito ine-xistente. Logo depois o sinal bate e ela libera os alunos. No entanto, Chico Bento apresenta a impossibilidade de sair da escola devido ao fato da presença do “sujeito inexistente”. Como isso ocorre? Ora, estava chovendo!

E aí, se divertiram com a historinha? Além do humor, ela também nos traz a idéia de sujeito gramatical, aquele que a gente aprende nas gramáticas e que nos acompanha por vá-rios anos letivos nos colégios. Sempre que se fala em sujeito, principalmente com estudantes, não raro vem a lembrança das subdivisões entre os sujeitos da gramática: simples, composto, oculto, entre outros. É, mas não se esqueçam, a partir de agora, que nós não iremos tratar desse tipo de sujeito.

Quando tratarmos de sujeito em Lingüística Textual, vamos nos remeter a um outro tipo, que não o gramatical, apresentado pela professora na historinha acima, certo?!

Vamos tratar de um sujeito chamado de psicossocial. Mas, para isso, antes vamos compreender como ele passou a existir. Então, é preciso observar as concepções clássicas do sujeito e atentar para as mudanças que ocorreram até se chegar à referida concepção de sujeito.

As concepções clássicas do sujeito

Segundo Ingedore, a concepção de sujeito vai variar de acordo com a concepção de língua que se adote. Dessa forma, ao tratar a língua como expressão de pensamento, teremos a confi guração de um sujeito individual, consciente.

Uma característica fundamental desse sujeito é que ele se apresenta como o “dono do seu dizer”. Para ele, tudo o que diz é fruto exclusivo dele mesmo. Entende-se o sujeito consciente como um sujeito adâmico

Já sacaram que adâmico vem de Adão, que, de acordo com a Bíblia, foi o primeiro homem a existir no paraíso, não é? De maneira similar, o discurso desse sujeito é tido como único, produto único e exclusivo dele.

O receptor, de acordo com essa concepção, apresenta uma postura passiva, vez que a ele é passada a mensagem da mesma for-ma como se processou na mente do falante, cabendo apenas com-

preender a referida mensagem dessa maneira. A língua, a partir daí, é vista como um produto mental do falante. Por isso que se diz que essa é uma visão mentalista do sujeito.

Depois do sujeito consciente, dono do seu dizer, surge a idéia de sujeito assujeitado. Nessa perspectiva, a língua passa a ser tida como es-trutura. Bem, diferente do sujeito consciente, o assujeitado não produz o seu dizer. Na verdade, ele reproduz discursos da estrutura social.

Apesar disso, o sujeito assujeitado muitas vezes acha que é “dono de seu dizer”, isto é, não percebe que está sendo assujeitado, mas o que faz é apenas reproduzir discursos sociais. Ele, portanto, apresenta-se como um ser que não tem consciência de seu assujeitamento ideológico.

Lingüística Textual 21

Para compreendermos melhor esse item, vamos ver o que Marilena Chauí nos apresenta sobre a ideologia:

A alienação social se exprime numa ‘teoria’ do conhecimento espontânea, formando o senso comum da sociedade. Por seu intermédio, são imaginadas explicações e justifi cativas para a realida-de tal como é diretamente percebida e vivida. (...)

Esse senso comum social, na verdade, é o resultado de uma elaboração intelectual sobre a rea-lidade, feita pelos pensadores ou intelectuais da sociedade (...), que descrevem e explicam o mundo a partir do ponto de vista da classe a que pertencem e que é a classe dominante de sua sociedade. Essa elaboração intelectual incorporada pelo senso comum social é a ideologia. Por meio dela, o ponto de vista, as opiniões e as idéias de uma das classes sociais – a dominante e dirigente – tornam-se o ponto de vista e a opinião de todas as classes e de toda a sociedade (Chauí, 1997, p. 174).

Segundo Chauí, a principal função da ideologia é ocultar a divisão social, é dissimular essa divisão. Nesse plano, a ideologia busca fazer com que cada qual aceite a posição social em que está. Todos nós já ouvimos por aí que SOMOS TODOS IGUAIS, que TEMOS OS MESMOS DIREITOS. Bem, quanto a essa idéia de igualdade, vamos ler um texto de Manuel Bandeira e atentar para seu conteúdo:

O bicho

Vi ontem um bichoNa imundície do pátioCatando comida entre os detritos

Quando achava alguma coisaNão examinava nem cheirava:Engolia com voracidade

O bicho não era um cão,Não era um gato,Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Nós claramente percebemos que aquilo que prega a ideologia não con-diz com a realidade, não é?! Afi nal de contas, o que mais percebe-mos no dia-a-dia são as diferenças sociais, econômicas, culturais existentes em nossa sociedade.

Você percebeu que o assujeitamento está ligado à ideologia? Jóia! Agora vamos conhecer os estudos de Louis Althusser. Não

se deve, nesse contexto, falar de ideologia sem mencionar os trabalhos realizados por ele acerca dos ARE e dos AIE. Você não sabe o que signifi cam? Então acompanhe a defi nição:

ARE – Aparelhos Repressores de EstadoAIE – Aparelhos Ideológicos de EstadoOs ARE teriam por função reprimir a sociedade, primeiramente pela violência e secundariamente

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pela ideologia. Exemplos de ARE são a polícia, o exército...

Os AIE, ao contrário dos ARE, agiriam primeiro pela ideologia, depois pela violência. Como exemplo podemos citar a escola, a família, a igreja.

Assim, podemos dizer que os AIE representam o lugar das lutas de classes.

Chegamos, então, à terceira con-cepção de sujeito: o psicossocial. Vimos

que o primeiro, o consciente, apresenta-se como “dono do seu dizer”. Já o segundo, ao contrário, apenas repete discursos sociais. Portanto, o pri-meiro produz seus discursos e o segundo reproduz discursos da estrutura social. É possível perceber que os dois primeiros situam-se em extre-mos: ou é consciente ou é assujeitado.

O sujeito psicossocial vai galgar um equilíbrio em relação aos pri-meiros. Ele tem noção de que possui a propriedade de elaborar seu discurso, escolher suas palavras, mas também tem consciência de que está inserido em uma sociedade. Portanto, podemos dizer que o psicossocial (re)produz discursos.

Uma importante característica desse sujeito é que ele só se confi gura como sujeito na inte-ração com o outro. Nos dois primeiros, o papel do ouvinte é passivo, vez que ele recebe as mensagens como foram passadas e/ou as decodifi ca. Nessa terceira concepção, ele vai ter um papel fundamental: o de interagir e se constituir como sujeito nessa interação.

O sentido vai ser produzido nesse processo e serão levados em consideração fatores cognitivos e extralingüísticos, dos quais tra-taremos mais à frente.

A língua, nesse sentido, passa a ser o lugar de interação, de pro-dução de sentidos. O texto aqui não mais é tido como um produto acabado, e sim como parte desse processo interativo.

Agora, vamos sintetizar esses tipos e sujeito em um quadro resumitivo!

O SUJEITO PSICOLÓGICO, INDIVIDUAL – Caracteriza-se por ser o “dono do seu dizer”. Dessa forma, utiliza a linguagem a partir do predomínio de sua consciência individual. O texto, por sua vez, é tido como um produto da mente do autor, atribuindo, assim, um posiciona-mento passivo ao leitor/ouvinte, vez que seu papel é o de captar essa representação mental. Nesse sentido, a língua se torna um mero instrumento a serviço dos indivíduos, que terá a função de atingir o ouvinte o qual, por sua vez, deverá compreender o sentido como foi emitido. Ela adquire a propriedade de ser instrumento a serviço da expressão de pensamento. Aí a língua aparece como se não tivesse história, pois, diante dessa concepção, a história é o sujeito que a faz. O sujeito, por-tanto, é dono de suas palavras e de suas vontades.

O SUJEITO ASSUJEITADO – É aquele que não é dono do seu dizer, do seu discurso. A concepção de língua referente a esse sujeito é como código, estrutura, correspondendo a um sujeito assujeitado pelo sistema. A produção de sua consciência, quando é o caso, se dá de fora, possibili-tando que o sujeito não tenha consciência do que diz, nem do que faz. Nesse caso, quem fala é um discurso anterior. O sujeito é assujeitado ideologicamente pela instituição, mesmo sem ter noção. Acha que é dono do seu dizer, mas se encontra condicionado a reproduzir um discurso anterior.

Lingüística Textual 23

Diferente do sujeito psicológico, consciente, quem fala, nesse caso, é o inconsciente. Como ele é assujeitado pelo sistema, o texto apresenta-se como o resultado de uma codifi cação. Ao leitor/ou-vinte basta ter o conhecimento do código para compreendê-lo. A posição do locutor/ouvinte, do “decodifi cador” aqui permanece passiva, já que o sentido torna-se explícito ao ser decodifi cado.

O SUJEITO COMO ENTIDADE PSICOSSOCIAL – Aí se tem a idéia de língua como lugar de interação social, visto que há um caráter ativo do sujeito, tornando-o capaz de interagir socialmente com o “outro”, ao mesmo tempo que (re)produz discursos presentes na sociedade. Portanto, o sujeito se constitui na interação com o “outro”. Essa teoria também pôs em xeque a concepção de um sujeito adâmico, fonte única do seu dizer. Por isso, o discurso é constituído com e pelos sujeitos, num movimento de identidade e alteridade. No texto encontra-se o local de intera-ção entre interlocutores que constituem juntamente o seu sentido. A compreensão revela-se como uma “atividade interativa”. O sentido, então, é constituído histórica e socialmente na interação entre os sujeitos. Diante dessa concepção de sujeito como entidade psicossocial, estabelece-se um equilíbrio em relação às duas primeiras concepções, agregando o sistema à produção social.

A IDÉIA DE TEXTO

Afi nal, o que é texto? Como ele se caracteriza? Bem, antes de responder essas perguntas, vamos rever algumas questões tratadas anteriormente neste módulo.

Você se lembra de que o desenvolvimento da Lingüística Textual compreende três fases e que a concepção de texto por vezes variou? Pois bem, nas duas primeiras fases, a transfrástica e a da elaboração de gramáticas textuais, presentifi caram-se as concepções de texto e de não-texto. Nessa perspectiva, o texto era visto como “seqüência lingüística coerente em si” e o não-texto como “seqüência lingüística incoerente em si”.

Já dá para perceber que, nesse primeiro momento, o texto era visto como um produto acabado, enfatizando, assim, a materialidade lingüística, o aspecto formal do texto.

Depois disso, passou-se a pensar o texto não mais como um produto acabado, mas como um pro-cesso de produção e recepção comunicativa. Dessa forma, o estudo sobre o texto passou a analisá-lo a partir de sua elaboração, de sua verbalização, de seu planejamento.

Portanto, tendo o texto como uma atividade verbal, chega-se à elaboração de uma teoria do texto.

As ações que desenvolvem a atividade verbal, segundo Leont’ev, têm uma motivação social. Dessa forma, a atividade verbal teria uma motivação, uma fi nalidade e se daria sua realização. O que fi ca eviden-te diante dessa questão é que a forma de se estudar e de encarar o texto como processo social e interacio-nal mobiliza uma estrutura mais complexa.

Assim, Ingedore salienta que a teoria da atividade verbal é “a adaptação ao fenômeno ‘linguagem’ de uma teoria da atividade de caráter fi losófi co, articulada com uma teoria da atividade social (humana), que se especifi ca em uma teoria da atividade (comunicativa) verbal”.

A citação acima evidencia que, para a elaboração da teoria da atividade verbal, houve um encontro de duas outras teorias: a de caráter fi losófi co e a da atividade humana. Nesse sentido, parte-se da motiva-ção de se pensar a linguagem em sua função social, como prática social, como meio de interação.

A partir da teoria da atividade verbal, você pôde perceber que o texto passou a ser tratado não como um produto acabado, e sim em seu processo de constituição. Dessa forma, o caráter apenas formal

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sai de cena e entram, também, questões extralingüísticas, sociais, cognitivas.

Para visualizar melhor a teoria da atividade verbal, acompanhe o esquema abaixo e perceba as relações estabelecidas entre outras teorias, bem como a articulação delas com a linguagem. Depois, observe como se poderia compreender os anseios da teoria da atividade verbal a partir de alguns questionamentos.

TEORIA DA ATIVIDADE VERBAL

Diante disso, é possível levantar algumas questões fundamentais para o estudo propriamente lingüístico:

“COMO SE CONSEGUEM REALIZAR DETERMINADAS ACÕES OU INTERAGIR SO-CIALMENTE ATRAVÉS DA LINGUAGEM?”

COMO A LINGUAGEM SE ORGANIZA PARA A REALIZAÇÃO DE FINS SOCIAIS?

Para a realização do ato verbal, segundo Ingedore, antes o sujeito idealiza um plano geral do texto a partir dos seguintes fatores:

• MOTIVAÇÃO – HÁ, ENTRE OUTROS, UM MOTIVO CENTRAL.

• SITUAÇÃO – LEVA EM CONSIDERAÇÃO INFLUÊNCIAS INTERNAS, DETERMI-NANTES DAS ESCOLHAS A SEREM REALIZADAS, BEM COMO O AMBIENTE EXTERNO (A SITUAÇÃO PROPRIAMENTE DITA).

• PROVA DE PROBABILIDADES – EFETIVA UMA TRIAGEM DAS AÇÕES POSSÍVEIS PARA DETERMINAR QUAIS SÃO AS MAIS EFICAZES PARA ATINGIREM OS OBJETIVOS PRETENDIDOS.

• TAREFA-AÇÃO – A ESCOLHA EFETIVA, BASEADA NAS PROBABILIDADES, DA AÇÃO PARA A ARTICULAÇÃO DA ATIVIDADE.

...........................................................................................................................

Ingedore salienta os seguintes aspectos “superfi ciais” apresentados por Leont’ev, que determinam a realização verbal da intenção verbal:

• A LÍNGUA PARTICULAR;

Lingüística Textual 25

• O GRAU DE DOMÍNIO DA LÍNGUA;

• O FATOR FUNCIONAL-ESTILÍSTICO;

• O FATOR AFETIVO, EXPRESSIVO;

• AS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS EM EXPERIÊNCIA VERBAL ENTRE FALANTE E OUVINTE;

• O CONTEXTO VERBAL, NO SENTIDO DE “CONTEXTO LINGÜÍSTICO”;

• A SITUAÇÃO COMUNICATIVA.

Observe que, nesse ponto de vista apresentado, há várias situações infl uenciando na realização verbal. O texto não é simplesmente o produto pronto, acabado. Podemos, a partir daí, ter o texto como uma produção verbal que se constitui na atividade comunicativa a partir da interação social. Nas palavras de Ingedore, “a Lingüística Textual trata o texto como um ato de comunicação unifi cado num complexo universo de ações humanas”.

Bem, como o texto não é mais visto como um produto acabado, fi nalizado, pronto, já é possível perceber que o sentido de um texto não está nele, mas se constrói a partir dele. É certo que as marcas lingüísticas auxiliam na produção de sentido, porém, é importante também voltar nossas atenções para o contexto em que se deu a produção lingüística.

Vocês puderam perceber o que foi dito anteriormente a respeito do sentido do texto (construído a partir dele), bem como sobre a questão da infl uência do contexto na análise textual, certo?! Do sentido textual nós trataremos no próximo bloco, ao abordarmos a coesão e, principalmente, a coerência. Mas o contexto nós iremos abordar agora, ok?! Então vamos lá, pessoal!

O CONTEXTO NA LINGÜÍSTICA TEXTUAL

Ao tratar de texto, vimos que, tendo-o como um processo interativo de construção de sentido, é necessário, para sua compreensão, mobilizar conhecimentos lingüísticos e extralingüísticos. Assim, torna-se importante levar em consideração o contexto.

Bem, como os conceitos, principalmente no âmbito da ciência, são propensos a mudança, nesse sentido, não é complicado admitir que o conceito de contexto varia de acordo com o autor que o utilize, bem como do momento em que é utilizado.

Vários autores já se ocuparam em elaborar teorias acerca do contexto. Hymes (1964) foi um deles. Ele desenvolveu um esquema (SPEAKING) no qual procurou caracterizar o contexto. Ingedore nos apresenta esse esquema, apontando a característica referente a cada uma das letras da palavra apresentada entre parênteses. Podemos, portanto, visualizar, a partir de Ingedore, o esquema de Hymes da seguinte forma:

S → SITUAÇÃO

P → PARTICIPANTES

E → FINS, PROPÓSITOS

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A → SEQÜÊNCIA DE ATOS

K → CÓDIGO

I → INSTRUMENTAIS

N → NORMAS

G → GÊNEROS

Além de Hymes, outros autores, como Goodwin & Duranti, procuraram elaborar suas teorias acer-ca do contexto. Dessa forma, suas pesquisas contemplavam principalmente fenômenos como o ambiente

em que se dá o texto, o contexto social e cultural, os conhecimentos pré-vios, o co-texto.

Você se lembra?Ao tratarmos da fase transfrástica, você pôde perceber que o con-

texto era tratado apenas como “ambiente verbal”. Assim, levava-se em consideração apenas sua natureza lingüística. Pois é, esse entorno verbal intitulou-se CO-TEXTO. Não se esqueça disso, ok?!

A pragmática também marcou presença ao tratar, principalmente me-diante estudos acerca da teoria da atividade verbal e dos atos da fala, da questão

do contexto. Nesse sentido, atestou a importância de se descrever as ações em um momento de interlocução.

Assim, a linguagem se viu marcada pela INTERATIVIDADE, bem como por uma característica de atividade SOCIAL. Bem, já que a linguagem apresenta-se como sendo utilizada em um ambiente social, constituindo-se na relação entre interlocutores, é natural entendermos que a utilizamos com uma determinada fi nalidade. Nós nos munimos da linguagem com uma intenção. É justamente por isso que a linguagem ganha uma outra característica: a INTENCIONALIDADE.

Porém, só as relações entre interlocutores, bem como a descrição de suas ações pura e simples-mente, não se fazia sufi ciente. Ora, sabemos que em uma outra cultura várias expressões, várias atitudes podem apresentar conotações diferentes, podem produzir efeitos de sentido variado. Pensando nisso, uma outra teoria passou a se destacar no cenário da Lingüística Textual justamente por contemplar essas questões que foram apresentadas. Assim, o contexto sociocognitivo entra em cena.

Observe as frases abaixo e procure responder de acordo com seus conhecimentos:

Para você, o que representa a cor branca?

E a cor preta?Já respondeu? Certo! Agora, observe a citação abaixo,

retirada do dicionário de símbolos, de Herder Lexikon:

O branco “é muitas vezes utilizado nos ritos de nas-cimento, casamento, iniciação e morte; era a cor do luto, por exemplo, nos países eslavos e na Ásia, e também na corte francesa”.

E agora? Será que com a informação complemen-tar você conseguiu apontar mais uma representação à cor branca? Se não conseguiu, signifi ca que já deveria conhecer essa informação, certo?

Lingüística Textual 27

Quando nós conversamos ou lemos algum texto, entramos em um processo de construção de sen-tido. Nós nos propomos, nesse momento, a participar do “jogo da linguagem” e a interagir. Nesse proces-so, mobilizamos bem mais do que nosso conhecimento lingüístico e nosso conhecimento a respeito do momento da interlocução. Além disso, fazemos valer nosso conhecimento prévio, nosso conhecimento do mundo, mobilizamos conhecimento acerca da sociedade, acerca da história.

No entanto, para que possa haver interação e os sentidos possam “brotar” durante esse “jogo”, é ne-cessário que todo esse conhecimento de mundo seja semelhante. Ora, como temos vidas diferentes (muitas vezes podem ser até parecidas, mas não são iguais), os conhecimentos de mundo devem ser semelhantes.

Diante do exposto anteriormente, imagine uma conversa entre um brasileiro e um alemão, ambos sem saber a língua do outro. A comunicação, nesse caso, fi ca complicada, não é? Agora, mesmo com interlocutores que conheçam a língua do outro, mas que desconheçam os aspectos culturais um do ou-tro, a comunicação também não se daria de forma satisfatória, principalmente se utilizarem, entre outras expressões, gírias e regionalismos. Pois é exatamente nesse conhecimento de mundo similar que se baseia o contexto sociocognitivo. As estruturas cognitivas são importantes para esse contexto.

Muitos autores, ao falar em contexto e, conseqüentemente, busca de sentido, apresentam a metá-fora do iceberg.

A exemplo do iceberg, a ponta que está exposta representaria a materialidade lingüística, parte evidente do texto. O resto do ice-berg, todo o gelo submerso, representa uma parte importante do texto. Mas, para se chegar até lá, é necessário mergulhar, ir em busca dos sentidos encobertos. Para tanto, não basta somente conhecer a estrutura lingüística. É preciso mobilizar também os conhecimentos prévios, os conhecimentos de mundo, as estruturas cognitivas. As-sim, se pode penetrar no texto e descobrir sua riqueza, seus segre-dos, seus sentidos.

Agora podemos ver a linguagem não como trans-parente, a partir da qual é possível extrair toda a sua essência, e sim como opaco. A forma que temos de iluminá-la e torná-la claro é utilizando as estratégias apresentadas.

Já vimos, então, do que trata o con-texto sociocognitivo e o que ele propõe. No entanto, para compre-endermos melhor alguns elementos importantes para a Lingüística Textual, que tal conhecermos agora as estruturas cognitivas? Ok, então vamos nessa, turma!

COMPREENDENDO AS ESTRUTURAS COGNITIVAS

Muitas vezes não temos consciência da utilização de estratégias cognitivas, porém esses mecanis-mos fazem parte do nosso relacionamento com a linguagem. Sem eles, seria complicado preencher certas lacunas deixadas. Ora, se já sabemos que o texto não é transparente, e sim opaco, podemos concluir que o texto se apresenta INCOMPLETO. Se fosse completo, teríamos que ser, ao máximo, minuciosos,

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colocar todas as informações para que a mensagem pudesse ser compreendida. Imagine o trabalhão que daria, hein?!

Porém, graças às estruturas cognitivas, torna-se possível preencher as lacunas textuais. Assim, não é necessário tentar preenchê-las através das palavras, da materialidade lingüística, no sentido de apresen-tar exaustivamente explicações ou fazer a todo momento considerações a respeito do que se diz. Nós próprios já nos incumbimos disso no momento em que mobilizamos nosso conhecimento prévio, seja a respeito da cultura, da sociedade, dos interlocutrores e/ou da própria língua. Bem, é melhor observarmos a utilização dessas estratégias para compreendermos com propriedade essa questão. Para isso, a partir de agora serão apresentados alguns tipos de estratégias cognitivas. Então, acompanhe a apresentação de tais elementos e preste bastante atenção, ok?!

FRAMES – São estruturas cognitivas globais armazenadas na memória. Essas estruturas são ati-vadas diante de um conceito primário, mobilizando elementos que individualmente constituem também conceitos, mas em conjunto representam um frame. Observe, por exemplo, que, ao pensar a palavra NATAL, outros elementos são mobilizados:

NATAL

ÁRVORE PAPAI-NOEL

BRINQUEDOS

Perceba que não há uma ordem ou seqüência na disposição desses elementos. Assim, a palavra BRINQUEDOS poderia ter surgido primeiro, ou ÁRVORE por último, no esquema acima. Se pensarmos nas palavras que surgiram a partir da palavra NATAL, individualmente são conceitos, mas, em conjunto, como aparece-ram, representam um frame.

Os frames também se adequam às circunstâncias. Ora, a mes-ma palavra apresentada, dita por um professor, poderia desencadear um frame diferente. Quer ver?

NATAL

NOTAS FINAIS

FINALIZAÇÃO DO ANO LETIVO

RECUPERAÇÃO

Lingüística Textual 29

Tá vendo?! Agora vamos conhecer mais uma estrutura cognitiva.

ESQUEMAS – Assim como o frame, o esquema também é uma estrutura cognitiva global; no entanto, diferentemente daquele, este segue uma ordem ou seqüência e leva em consideração as relações temporais e causais.

Para melhor compreender essa estrutura cognitiva, observe o exemplo abaixo apresentado por Fávero acerca de uma comunicação feita por um marido à sua esposa:

“Há um acidente grave na esquina, pois uma ambulância e um carro da polícia estão parados lá”.

Bem, diante do referido exemplo, o conhecimento prévio é mobilizado a partir de esquemas, que fazem com que possamos compreender a mensagem. Nesse sentido, sabemos que num acidente gra-ve há ambulâncias para assistir as vítimas, bem como policiais para fazer a ocorrência e registrar o(s) responsável(eis) pelo acidente.

Todas essas informações se encontram em nossa mente e preenchem as lacunas deixadas. Isso se dá porque, ao falar sobre a ocorrência de um acidente, nós conseguimos visualizar este evento e, a partir de esquemas, compreendê-lo. Assim, não precisamos perguntar “Pra que a ambulância?” ou “Pra que policiais no local?”.

PLANOS – Estruturas cognitivas que mantêm uma ordem; porém, diferente dos esquemas, o leitor/ouvinte percebe a intenção do locutor/falante. O plano, assim como o próprio nome designa, é efetuado por um planejador. Isso pode ocorrer em vários momentos de nossa vida. Veja como exemplo um namorado que traceja um plano para pedir a sua amada em casamento. Que romântico, não?! Ou um fi lho que planeja pedir ao pai um aumento na mesada. Nesses exemplos, foram utilizados planos para se alcançar um objetivo. Com isso, percebe-se o plano utilizado para se chegar ao objetivo.

SCRIPTS – Os scripts se diferenciam dos frames principalmente pela sua dinamicidade. Você se lembra de que o frame é um conjunto de elementos que se voltam a um conceito primário? Pois bem, o script vai incorporar uma sucessão de ações que envolvem uma determinada situação. Repare no texto abaixo e na situação descrita.

E o tempo deu-lhe de presente as mãos trêmulas. Já não enxerga mais como antes. As amiza-des da infância se foram e agora não se separa da velha lupa, companheira fi el, amiga querida que lhe traz de volta parte da noção da beleza da vida, e de suas agruras. Andar já não pode mais. Aco-metida por um problema de coluna, não consegue mais fi car de pé. Além do mais, os ossos frágeis poderiam se esfacelar apenas com uma tentativa. O certo é que, até para os longevos, a dádiva do tempo torna-se implacável e, com o seu passar, se transforma num pesar por sua cruel lentidão e infi ndável eternidade.

André Luiz.G.Madureira

Nesse texto, as ações remetem a uma fase específi ca da vida: a velhice. Os scripts evidenciam, no texto, essa sucessão de ações: “Já não enxerga mais como antes”, “andar já não pode mais”, “Acometida por um problema de coluna”. Conhecemos esse script vez que temos consciência dessa seqüência estere-otipada das ações que remetem à velhice.

Vocês puderam ter contato, nesse momento, com algumas estruturas cognitivas. Não se esqueçam de que as estruturas não se encerram aqui. Há muito mais que essas. Quem quiser se dedicar ao estudo da Lingüística Textual, poderá consultar a bibliografi a apresentada no fi nal do módulo e conhecer mais dessas estruturas cognitivas. Agora é hora de testarmos os nossos conhecimentos. Vamos ver o que con-seguimos compreender do assunto apresentado?

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Levando em consideração o contexto (a posição dos interlocutores, o conhecimento de mundo, as marcas lingüísticas etc), analise a tirinha abaixo e seu(s) efeito(s) de sentido.

Com base no que você depreendeu dos assuntos estudados, apresente as concepções clássicas do sujeito, fundamentando-as.

Agora, indique a concepção de sujeito com a qual a Lingüística Textual se identifi ca, salientando alguns pontos de imbricamento entre a Lingüística Textual e o referido sujeito que expliquem tal identifi cação.

Tendo como base o assunto apresentado anteriormente, faça algumas considerações a respeito da importância das estruturas cognitivas para a Lingüística Textual.

Apresente sua visão a respeito de como se pode defi nir um texto.

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Atividade Complementar

Lingüística Textual 31

PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTOS DA LINGÜÍSTICA TEXTUAL

ALGUNS ELEMENTOS BÁSICOS DA LINGÜÍSTICA TEXTUAL

Como uma metáfora da condição humana, Leonardo Boff utiliza a águia e a galinha como fi guras representativas da vida do ser humano. A galinha representa o ser arrai-gado, limitado; a águia é apresentada como a transcendência, o ilimitado. Com isso, Boff sugere a união entre esses dois elementos como meio ideal para a condição humana. A respeito desses símbolos, o referido autor salienta:

“Recusamo-nos a ser somente galinhas. Queremos ser também águias que ganham altura e que projetam visões para além do galinheiro.

Acolhemos prazerosamente nossas raízes (galinha), mas não à custa da copa (águia) que mediante suas fo-lhas entra em contato com o sol, a chuva, o ar e o inteiro universo. Queremos resgatar nosso ser de águias. As águias não desprezam a terra, pois nela encontram seu alimento. Mas não são feitas para andar na terra, senão para voar nos céus, medindo-se com os picos das montanhas e com os ventos mais fortes”.

Tomado pelo espírito de águia, proponho sairmos do chão para utilizar nossa capacidade ilimitada de conhecer, de descobrir novos horizontes. Agora é o momento de mais uma vez levantarmos vôo e descobrirmos os elementos básicos da Lingüística Textual. Então, não percamos tempo. Vamos bater asas e decolar!

A COERÊNCIA TEXTUAL

Leia o texto abaixo:

O amor por entre o verdeVinicius de Moraes

Não é sem freqüência que, à tarde, chegando à janela, eu vejo um casalzinho de brotos que vem namorar sobre a pequenina ponte de balaustrada branca que há no parque. Ela é uma menina de uns treze anos, o corpo elástico metido num blue jeans e um suéter folgadão, os cabelos puxados para trás num rabinho de cavalo que está sempre a balançar para todos os lados; ele, um garoto de, no máximo, dezesseis, esguio, com pastas de cabelo a lhe tombar sobre a testa e um ar de quem descobriu a fórmula da vida. Uma coisa eu lhes asseguro: eles são lindos, e fi cam montados, um em frente ao outro, no corrimão da colunata, os joelhos a se tocarem, os rostos a se buscarem a todo momento para pequenos segredos, pequenos carinhos, pequenos beijos.

São, na sua extrema juventude, a coisa mais antiga que há no parque, incluindo velhas árvores que por ali espapaçam sua verde sombra; e as momices e brincadeiras que se fazem dariam para escrever todo um tratado sobre a arqueologia do amor, pois têm uma tal ancestralidade que nunca se há de saber a quantos milênios remontam.

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Eu os observo por um minuto apenas para não perturbar-lhes os jogos de mão e misteriosos brinquedos mímicos com que se entretêm, pois suspeito de que sabem de tudo o que se passa à sua volta. Às vezes, para descansar da posição, encaixam-se os pescoços e repousam os rostos um sobre o ombro do outro, como dois cavalinhos carinhosos, e eu vejo então os olhos da menina percorrerem vagarosamente as coisas em torno, numa aceitação dos homens, das coisas e da natureza, enquanto os do rapaz mantêm-se fi xos, como a perscru-tar desígnios. Depois voltam à posição inicial e se olham nos olhos, e ela afasta com a mão os cabelos de sobre a fronte do namorado, para vê-lo melhor e sente-se que eles se amam e dão suspiros de cortar o coração. De repente o menino parte para uma brutalidade qualquer, torce-lhe o pulso até ela dizer-lhe o que ele quer ouvir, e ela agarra-o pelos cabelos, e termina tudo, quando não há passantes, num longo e meticuloso beijo.

-Que será – pergunto-me em vão – dessas duas crianças que tão cedo começam a praticar os ritos do amor? Prosseguirão se amando, ou de súbito, na sua jovem incontinência, procurarão o contato de outras bo-cas, de outras mãos, de outros ombros? Quem sabe se amanhã quando eu chegar à janela, não verei um rapazi-nho moreno em lugar do louro ou uma menina com a cabeleira solta em lugar dessa com cabelos presos?

-E se prosseguirem se amando – pergunto-me novamente em vão – será que um dia se casarão e serão feli-zes? Quando, satisfeita a sua jovem sexualidade, se olharem nos olhos, será que correrão um para o outro e se da-rão um grande abraço de ternura? Ou será que se desviarão o olhar, para pensar cada um consigo mesmo que ele não era exatamente aquilo que ela pensava e ela era menos bonita ou inteligente do que ele a tinha imaginado?

É um tal milagre encontrar, nesse infi nito labirinto de desenganos amorosos, o ser verdadeiramente amado ... Esqueço o casalzinho no parque para deter-me por um momento na observação triste, mas fria, desse estranho baile de desencontros, em que freqüentemente aquela que deveria ser daquele acaba por bailar com outro porque o esperado nunca chega; e este, no entanto, passou por ela sem que ela o soubesse, suas mãos sem querer se tocaram, eles olharam-se nos olhos por um instante e não se reconheceram.

E é então que esqueço de tudo e vou olhar nos olhos de minha bem-amada como se nunca a tivesse visto antes. É ela, Deus do céu, é ela! Como a encontrei, não sei. Como chegou até aqui, não vi. Mas é ela, eu sei que é ela porque há um rastro de luz quando ela passa; e quando ela me abre os braços eu me cru-cifi co neles banhado em lágrimas de ternura; e sei que mataria friamente quem quer lhe causasse dano; e gostaria que morrêssemos juntos e fôssemos enterrados de mãos dadas, e nossos olhos indecomponíveis fi cassem para sempre abertos mirando muito além das estrelas.

E aí, você gostou do texto? Conseguiu entender o que ele expressa? Foi difícil?

Bem, no decorrer do texto de Vinicius de Moraes, você deve ter percebido a existência de termos que remetem a outros (ele, ela, eles, este...) ou que relacionam partes do texto (mas, e, pois...). Esses ter-mos são chamados de elementos coesivos e podem auxiliar na compreensão do texto. Já deu para perce-ber que a coesão encontra-se na materialidade lingüística, vez que os elementos coesivos são elementos textuais explícitos, ou seja, se estabelecem na linguagem, marcam-se no texto.

Nos estudos realizados acerca dos mecanismos de coesão textual, podem-se destacar os de Halliday & Hassan, que dividiram os elementos coesivos em: referência, substituição, elipse, conjunção e coesão lexical.

REFERÊNCIAO mecanismo de referência remete a um termo do texto (endofórico) ou externo a ele (exifórico).

Referência exofórica – Quando remete a um elemento exterior ao texto, ou seja, fora dele.

Na frase:

“Adorei a mensagem desse outdoor”.

a referência (desse) é exofórica, vez que remete a algo que está fora do texto (no caso, o outdoor)

Lingüística Textual 33

Referência endofórica – A remissão é feita a um termo que se encontra dentro do texto.

Em:

“Bruna é uma excelente aluna. Ela tirou dez mais uma vez”.

o termo ELA remete a um outro termo do texto (Bruna).

Assim, a referência endofórica pode ser:

ANAFÓRICA: quando remete a um termo anterior. No caso da frase apre-sentada anteriormente, a referência é anafórica, já que o termo remetente (Bruna) encontra-se antes do termo remissivo (ela).

CATAFÓRICA: quando o termo remetente se segue no texto. Dessa forma, na frase

“Gosto de todos os seus planos, menos este: o de parar com os estudos”.

o termo remissivo (este) vem antes do trecho remetente (o de parar com os estudos).

Podemos sintetizar a referência da seguinte forma:

SUBSTITUIÇÃOA substituição é parecida com a referência, mas Halliday & Hassan a distinguem. Para eles, na subs-

tituição, diferentemente da referência, o elemento remissivo não é o mesmo que o referente. Observe o seguinte enunciado:

“Jorge comprou um carro vermelho, mas José resolveu comprar um preto.”

Desse jeito, o referente sofreu uma redefi nição. O carro pretendido por João tem uma característica diferente do de José. Aí a cor vermelha é “repudiada”.

ELIPSE

A elipse consiste na supressão de um termo que pode ser facilmente identifi cado a partir do con-texto. Assim, substitui-se um léxico, uma oração, um enunciado por zero ( ø ).

- Marta saiu cedo?

- ø Saiu ø.

No exemplo acima, não foi preciso, na resposta, dizer “Marta saiu cedo”. Apesar da supressão de MARTA e de CEDO, a mensagem pôde ser facilmente compreendida. O próprio contexto da situação comunicativa foi capaz de propiciar a compreensão da resposta dada. Portanto, as lacunas deixadas não prejudicaram a mensagem.

CONJUNÇÃOA conjunção (ou conexão) tem a propriedade de relacionar as partes de um texto (elementos ou

orações). Estas relações têm uma especifi cidade. Veja o exemplo abaixo:

“Márcio correu bastante, mas não conseguiu pegar o ônibus”.

Pode-se observar que a relação existente na frase apresentada é de adversidade. Se MÁRCIO COR-REU BASTANTE, a expectativa é que ele conseguisse PEGAR O ÔNIBUS. Como essa expectativa é

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frustrada pela segunda oração, NÃO CONSEGUIU PEGAR O ÔNIBUS, estabelece-se uma relação específi ca de adversidade.

COESÃO LEXICALA coesão lexical caracteriza-se a partir de dois mecanismos: a reiteração e a colocação.

REITERAÇÃO – Consiste na repetição do referente ou por meio de sinônimos, hiperôni-mos, nomes genéricos.

“Gosto muito de viajar de avião. O aparelho é mesmo muito seguro e bastante efi ciente.”

No trecho acima, APARELHO é hiperônimo de AVIÃO. Nesse caso, temos um exemplo de coe-são lexical por reiteração.

Em

“Morri de medo quando vi o machado. Aquela coisa me fez passar mal.”

temos também um exemplo de coesão lexical por reiteração. Dessa vez, ocorre pela presença de um termo genérico (coisa). O mesmo tipo de coesão se vê na frase

“O menininho saiu correndo. O garotinho realmente estava com pressa.”

Só que, dessa vez, a coesão se dá a partir de um sinônimo de menininho (garotinho).

COLOCAÇÃO (OU CONTIGÜIDADE) – Consiste na disposição de termos, no decorrer do texto, com mesmos traços semânticos.

No trecho

“Houve um acidente na estrada. Logo depois chegaram as ambulâncias para transportar os pacien-tes até um hospital próximo.”

pode-se perceber que ACIDENTE, AMBULÂNCIAS, PACIENTES e HOSPITAL são facilmen-te relacionados por nós, não é?! Assim, elas pertencem a um mesmo campo signifi cativo.

A coesão lexical pode ser visualizada a partir do seguinte esquema:

A esses estudos de Halliday & Hassan, acerca dos mecanismos coesivos, vários autores fi zeram suas ressalvas, teceram suas críticas. Há pontos importantes em relação às divergências existentes, como a não aceitação da diferença entre a referência e a substituição. Além disso, muitos autores não vêem a coesão lexical como um mecanismo independente.

Por conta dessas e de outras questões, Fávero propõe o estabelecimento de três formas de coesão textual: a referencial, a recorrencial e a seqüencial.

COESÃO REFERENCIALEsse tipo de coesão se dá no momento em que um elemento faz referência a

outro. Dessa forma, pode-se perceber que o elemento remissivo deve ser interpre-tado não em seu sentido próprio, e sim no sentido do termo referido.

Vamos ver melhor como se dá esse processo?! Ok! Então, preste atenção.

Lingüística Textual 35

A coesão referencial pode se apresentar de duas formas: por SUBSTITUIÇÃO ou por REITERAÇÃO.

SUBSTITUIÇÃO: Como o próprio nome nos adianta, esse tipo de coesão ocorre com a substi-tuição do termo referente por um outro termo. Dessa forma, o sentido do termo referente é retomado por uma outra forma, a chamada pro-forma, a qual se caracteriza principalmente por apresentar baixa densidade de sentido. Repare como esse processo funciona:

“Comprei uma televisão. Ela é enorme”.

Na frase acima, temos a retomada de TELEVISÃO pela pro-forma pronominal ELA. O termo remissivo passa a abarcar, nessa frase, o sentido contido em “televisão”. Como o pronome vem depois do referente, essa coesão também é tida como anafórica.

A substituição também pode se dar por ø (zero). É o caso da elipse, que passa a se encaixar aqui:

-Você vai agora?

-ø Vou ø.

Houve, no exemplo acima, a substituição do pronome EU e do advérbio AGORA por ø.

REITERAÇÃO: Na reiteração há, ao longo do texto, a repetição de expressões que têm a mesma referência.

CURIOSIDADE!

A palavra REITERAR vem do latim reiterare, que signifi ca REPETIR.

Você sabia?

Essa repetição pode se dar das seguintes formas:

• Por repetição do mesmo item lexical: “Ana chorou muito. Ana está triste”.

• Por sinônimos: “-A criança agitada caiu. Também o menino só vive correndo!”.

• Por hiperônimos: “Gosto muito de frutas. Adoro principalmente as bananas”.

• Por hipônimos: “Os macacos são muito espertos. Os animais vivem se divertindo, pulando de galho em galho”.

• Por expressões nominais defi nidas: “Admiro muito Castro Alves. O poeta dos escravos ainda vive em minha memória”.

• Por nomes genéricos: “Vi no céu a coisa mais linda. Um cometa rasgou o espaço”.

RECORRÊNCIA

A recorrência, ao contrário do que muita gente imagina, não é uma repetição. Quando repetimos algo, signifi ca que fazemos uma retomada, de forma que a idéia passada seja reproduzida com o mesmo sentido. Na recorrência, o termo recorrente não aparece novamente da mesma forma, com o mesmo sentido. O discurso não mantém aquela idéia inicial. Ele, ao contrário, progride. A recorrência faz com que o discurso possa fl uir, possa se desenvolver, caminhe, não fi que estático, da mesma forma. Em “Irene no Céu”, de Manuel Bandeira, há uma recorrência, e não simplesmente uma repetição:

“Irene pretaIrene boaIrene sempre de bom humor”Repare que no trecho acima o discurso progride, a recorrência faz com que o texto caminhe, se

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desenvolva. A recorrência é um recurso que não raro encontramos em poemas e músicas. Ela também pode destacar nos textos a propriedade rítmica, a entoação, entre outras.

SEQÜENCIAÇÃO

A coesão seqüencial se parece bastante com a recorrencial, que nós vimos anteriormente. Porém, há uma diferença entre as duas: a seqüenciação não retoma termos ou estruturas. Ela pode ser temporal ou pode se dar por conexão.

TEMPORAL – Quanto à coesão temporal, Fávero salienta que “embora todo texto coeso tenha uma seqüenciação temporal (já que a coesão é linear), uso o termo em sentido restrito: para indicar o tempo do ‘mundo real’”.

Assim, essa questão de temporalidade e, conseqüentemente, de coesão temporal, pode ser obser-vada na seguinte frase:

“Ele levantou da cama, escovou os dentes, tomou café e foi trabalhar.”

Observe que houve uma seqüência estabelecida em relação ao “mundo real”. A coesão seqüencial temporal também pode ser marcada por partículas temporais:

“Só irei viajar amanhã.”

SEQÜENCIAÇÃO POR CONEXÃO – Como o próprio nome já nos adianta, esse tipo de co-esão se dá a partir da conexão de partes de um texto, de sentenças, de frases, principalmente mediante conectivos:

“Maria ou Fernanda jogará hoje.”

“Se ela gostasse de mim, eu seria o homem mais feliz do mundo.”

Bem, vocês puderam acompanhar alguns tipos de coesão textual. É preciso lembrar que a coesão não se esgota diante do que foi abordado nesse módulo. Há mais elementos coesivos, porém, como in-trodução, esses tipos apresentados já nos são sufi cientes para ter uma idéia da relação coesiva em textos, um dos pontos principais da Lingüística Textual. Agora vamos passar para um outro item que também é importantíssimo para os estudos da referida disciplina: a coerência textual.

A COESÃO TEXTUAL

Em algum momento de sua vida você ou uma pessoa que você conhece já deve ter se deparado com um texto e, após fazer uma leitura, ter dito: “Não entendi esse texto. Para mim, não está coerente”, ou “O que o texto apresenta está totalmente incoerente”. Pois é. Muitas vezes não conseguimos compreender a mensagem de um determinado texto, caracterizando-o como um texto incoerente. Mas você sabe por que isso acontece? Bem, a resposta para essa pergunta será dada a partir de agora. Mas não se preocupe. Prome-to tentar ser muito coerente, tá?!

Primeiramente, podemos dizer que a coerência é o que dá textualidade a uma determinada seqüência lingüística. É mediante a coerência que uma seqü-ência lingüística pode se tornar um texto.

Agora, você deve estar se perguntando:

Lingüística Textual 37

Ou

Lembra de que, quando estudamos as características de um texto, concluímos que ele deve ser visto não como um produto acabado, fi nalizado, mas como um processo interativo, dinâmico? Além disso, percebemos que o sentido textual é produzido na interação entre texto e leitor/ouvinte. Pois aí está! A coerência situa-se justamente nesse processo, que envolve tanto o texto e o contexto quanto os interlocutores.

Agora, vamos ver alguns fatores que contribuem para a constituição da textualidade, ou seja, para que a coerência se confi gure, proporcionando, assim, a compreensão textual.

CONHECIMENTO DE MUNDOO que aconteceria se você tivesse que ler um artigo de física quântica? É,

acho que, assim como muitos, você não entenderia muita coisa. A não ser que tenha um conhecimento sobre esse assunto. Pois é justamente o conhecimento que nós temos sobre as mais variadas questões que é o conhecimento de mundo, ou conhecimento enciclopédico.

Esse conhecimento se encontra armazenado em nossa mente, mas não de qualquer forma. Há uma estruturação cognitiva. Desta forma, podemos rever al-gumas estruturas cognitivas auxiliadoras nesse trabalho de organização mental:

• FRAMES

• ESQUEMAS

• PLANOS

• SCRIPTS

CONHECIMENTO PARTILHADOEm uma situação comunicativa, para que se compreenda uma determinada mensagem, é importan-

te que os interlocutores tenham um conhecimento parecido. Perceba que é impossível o fato de interlocu-tores terem o mesmo conhecimento, vez que as duas vidas, mesmo que tenham uma rotina parecida, são diferentes. Além das experiências, das situações pelas quais passam não poderem ser idênticas, a forma de absorver ou perceber tais situações seria desenvolvida por visões particulares, individuais. Mas eles devem ter conhecimentos em comum. Vamos entender melhor essa questão. Fique de olho na seguinte frase:

“Detesto quando ele acende o cigarro. A fumaça me incomoda bastante.”

Para nós, não é difícil perceber que a fumaça citada na frase acima é produzida pelo cigarro. Con-seguimos compreender o exemplo citado porque temos esse conhecimento compartilhado. Por isso, não foi preciso explicar que a fumaça sai do cigarro.

INFERÊNCIASAs inferências se assemelham a deduções possíveis de serem feitas a partir de nosso conhecimento

de mundo. Veja a frase abaixo:

“Pedro adquiriu uma linda mansão em um excelente bairro!”

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Diante dessa frase, nós podemos fazer as seguintes inferências:

Pedro tem uma casa nova.

A nova casa de Pedro é uma mansão.

Pedro tem dinheiro para comprar uma mansão.

Pedro é rico.

Pedro é um ótimo partido!

É claro que as inferências dependem também do contexto. Se uma mãe tiver o propósito de arru-mar um marido rico para sua fi lha, a última inferência estaria bem direcionada. Porém, nesse caso, todas as inferências seriam válidas.

FATORES DE CONTEXTUALIZAÇÃOOs fatores de contextualização também são bastante importantes para direcionar uma situação de

comunicação. Esses fatores fazem com que a perspectiva na comunicação seja direcionada, no intuito de imprimir a coerência, o entendimento. Eles podem ser:

TÍTULO

NOME DO AUTOR

CARIMBO

DATA

ASSINATURA

Entre outros

SITUACIONALIDADE

Imagine uma pessoa indo à praia vestida com um paletó e uma gravata, e outra em um casamento, vestida apenas com uma sunga.

Essa cena vai se tornar estranha, não é? Isso ocorre porque essas pessoas não adequaram a roupa ao local. No contexto social, há regras básicas de con-duta que devemos seguir. Assim também acontece com a língua. Temos que adequá-la ao ambiente, à situação comunicativa, situação esta que vai determinar as nos-

sas escolhas em relação à forma de dizer, à forma de falar.

Não é prudente, por exemplo, utilizar gírias na linguagem durante uma entrevista de emprego, a não ser que o trabalho seja direcionado para uma situação comunicativa em que se precise utilizar gírias ou algo parecido. Porém, no mais, não se faz conveniente o uso da respectiva linguagem em uma entre-vista de emprego. Assim, fi ca claro que a situação comunicativa, e também sócio-cultural, é determinante para a coerência na produção textual.

INFORMATIVIDADE

De certa forma, a informatividade está ligada ao grau de previsibilidade. Diante disso, quanto mais

Lingüística Textual 39

previsível for o texto menor será seu grau de informatividade. Para ilustrar essa questão, Beaugrande & Dressler apresentam os seguintes casos:

1. O oceano é água.

2. O oceano é água. Mas ele se compõe, na verdade, de uma solução de gases e sais.

3. O oceano não é água. Na verdade, ele é constituído de gases e sais.

No primeiro exemplo, o grau de informatividade é muito pequeno. Isso porque todos nós sabemos que o oceano é constituído de água.

No segundo, o grau de informatividade aumenta, já que mais informações, nesse caso em relação à composição do oceano, são apresentadas.

Já no terceiro, há um grau altíssimo de informatividade. Em um primeiro momento, a afi rmação de que “O oceano não é água” pode “chocar” as pessoas e se tornar incoerente para elas. Porém, mais adiante, apresenta-se a explicação para tal afi rmação: “Na verdade, ele é constituído de gases e sais”.

A partir desses exemplos, foi possível observar que um texto pode ter um grau mínimo de infor-matividade, por ser previsível demais, ou até chegar a um grau máximo de informatividade, pela ausência de previsibilidade.

FOCALIZAÇÃO

A focalização está intimamente ligada ao conhecimento de mundo e ao conhecimento comparti-lhado. Na verdade, a focalização é a concentração de uma parte desses conhecimentos em um determi-nado momento comunicativo.

Imagine a análise que um psicólogo faria de um casamento. Agora, imagine a análise feita sobre o mesmo evento, mas dessa vez por um crítico de teatro. Não é difícil perceber que o FOCO das análises não será igual. Cada um observará o casamento de acordo com sua visão de mundo, buscando nele os aspectos que lhes interessam. Agora, observe as frases:

“Preciso de mais mangas.”

A focalização poderá, em casos como esse, evitar a incoerência. Essa frase poderia ser dita em contextos, tais como:

• Uma costureira solicitando mangas para a confecção de camisas;

• Um feirante necessitando de colocar mangas em sua barraca para serem vendidas.

Isso acontece pela propriedade da palavra (no caso acima, MANGA) ser POLISSÊMICA, ou seja, ter mais de um sentido.

INTERTEXTUALIDADE

Pode-se dizer que a intertextualidade é a relação de um texto com outros textos. Vamos ver como o processo de intertextualidade se dá, na prática. Para isso, observe a fábula abaixo, atribuída a Esopo e traduzida por Neide Smolka:

O lobo e o cordeiroUm lobo, ao ver um cordeiro bebendo de um rio, resolveu utilizar-se de um

pretexto para devorá-lo. Por isso, tendo-se colocado na parte de cima do rio, co-meçou a acusá-lo de sujar a água e impedi-lo de beber. Como o cordeiro dissesse que bebia com as pontas dos beiços e não podia, estando embaixo, sujar a água que vinha de cima, o lobo, ao perceber que aquele pretexto tinha falhado, disse: “Mas, no ano passado, tu insultaste meu pai”. E como o outro dissesse que então nem estava vivo, o lobo disse: “Qualquer que seja a defesa que apresentes, eu não deixarei de comer-te”.

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A fábula mostra que, ante a decisão dos que são maus, nem uma justa defesa tem força.

Agora, acompanhe a fábula de Millôr Fernandes com o mesmo título:

O LOBO E O CORDEIROEstava o cordeirinho bebendo água, quando viu refl eti-

da no rio a sombra do lobo. Estremeceu, ao mesmo tempo que ouvia a voz caver-nosa: “Vais pagar com a vida o teu miserável crime.” “Que crime?” – perguntou o cordeirinho tentando ganhar tempo, pois já sabia que com lobo não adiantava ar-gumentar. “O crime de sujar a água que eu bebo.” “Mas como posso sujar a água que bebes se sou lavado diariamente pelas máquinas automáticas da fazenda?” – indagou o cordeirinho. “Por mais limpo que esteja um cordeiro é sempre sujo para um lobo” – retrucou dialeticamente o lobo. “E vice-versa” – pensou o cordei-rinho, mas disse apenas: “Como posso eu sujar a sua água se estou abaixo da cor-rente?” “Pois se não foi você foi seu pai, foi sua mãe ou qualquer outro ancestral e vou comê-lo de qualquer maneira, pois como rezam os livros de lobologia, eu só me alimento de carne de cordeiro” – fi nalizou o lobo preparando-se para devorar o cordeirinho. “Ein moment! Ein moment!” – gritou o cordeirinho traçando lá o seu alemão kantiano. “Dou-lhe toda razão, mas faço-lhe uma proposta: se me deixar livre atrairei pra cá todo o rebanho.” “Chega de conversa” – disse o lobo – “Vou comê-lo logo, e está acabado.” “Espera aí” – falou fi rme o cordeiro – “Isso não é ético. Eu tenho, pelo menos, direito a três perguntas.” “Está bem” – cedeu o lobo irritado com a lembrança do código milenar de jungle. – “Qual é o animal mais estúpido do mundo?” “O homem casado” – respondeu prontamente o cordeiro. “Muito bem, muito bem!” – disse o lobo, logo refreando, envergonhado, o súbito entusiasmo. “Outra: a zebra é um animal branco de listras pretas ou um animal preto de listras brancas?” “Um animal sem cor pintado de preto e branco para não passar por burro” – respondeu o cordeirinho. “Perfeito!” – disse o lobo engolindo em seco.” Agora, por último, diga-me uma frase de Bernard Shaw.” “Vai haver eleição em 66” – respondeu logo o cordeirinho mal podendo conter o riso. “Muito bem, muito certo, você escapou!” – deu-se o lobo por vencido. E já se ia preparan-do para devorar o cordeiro quando apareceu o caçador e o esquartejou.

MORAL: QUANDO O LOBO TEM FOME NÃO DEVE SE METER EM FILOSOFIAS.

Agora, observe uma fábula, com o mesmo título, mas com sua produção datada por volta do século VII a.C.

O lobo e o cordeiro

Um lobo, que já havia comido à saciedade, viu um cordeiro caído no chão. Compreendeu que ele caíra de medo, aproximou-se para tranqüilizá-lo, e disse que apenas deveria lhe apresentar três proposi-ções verdadeiras para ir embora são e salvo. E o cordeiro disse, em primeiro lugar, que gostaria de não tê-lo encontrado; segundo, que esperava que o lobo não fi zesse nada contra ele, porque era cego; e, por fi m, em terceiro lugar, “que possam todos os abomináveis lobos morrer da pior morte, pois nos fazem uma guerra sem quartel sem nada terem sofrido de nossa parte”. E o lobo teve de reconhecer a verdade do que ele dissera, devolvendo-lhe a liberdade.

Moral: A fábula mostra que, muitas vezes, a verdade tem seus efeitos até sobre os inimigos. ESO-PO, 2006, p.119 – 120)

Perceba que a intertextualidade está vinculada ao conhecimento prévio. Ora, quem conhece a fábu-

Lingüística Textual 41

la “O lobo e o cordeiro”, de Esopo, irá naturalmente relacioná-la à de Millôr. Isso porque elas têm uma relação de intertextualidade, ou seja, um texto remete a um outro texto. Nesse caso, a fábula de Millôr re-meterá à de Esopo. Porém, para reconhecer a intertextualidade, é primordial que se tenha conhecimento da estrutura textual a que o outro texto remete.

INTENCIONALIDADEJá vimos que, ao produzir um texto, há um objetivo, uma intenção a ser alcançada com isso. O pro-

cesso da intencionalidade diz respeito justamente a essa intenção. As estratégias de produção textual vão girar em torno de uma determinada intenção. Ora, quem nunca imitou ou viu alguém imitar um discurso sem nexo, aparentemente incoerente, para se fazer de bêbado ou para tentar sugerir que não estivesse em seu juízo total?

Pois é. Até em fi lmes podemos ver esse tipo de cena, principalmente quando tratam de estratégias jurídicas para inocentar um acusado.

ACEITABILIDADE

Quando aceitamos que um texto tem uma intenção, um objetivo a atingir, lo-gicamente atribuímos a ele uma característica de argumentatividade. Tal caracterís-tica está ligada à intencionalidade. Grice, com o seu Princípio Cooperativo, nos leva a enxergar a comunicação como um evento interativo. Diante disso, você já deve ter percebido que, para a existência da comunicação como um processo dinâmico,

é preciso que os participantes de tal evento aceitem fazer parte do “jogo da linguagem”, aceitem interagir, produzir sentidos, entrar em combate dialógico. É preciso se inserir, aceitar participar desse “jogo” para que o texto seja constituído durante o referido processo interativo e argumentativo.

Nesta parte do módulo, foram apresentados alguns pontos importantes para que se estabeleça a coerência textual. Você também pôde ter a noção de que a coerência não é qualidade só das seqüências lingüísticas e de que tampouco depende única e exclusivamente de fatores extralingüísticos. A coerência se dá nesse processo de constituição textual que envolve todos esses elementos. Agora já podemos compreender a relação entre estes dois fatores primordiais para a Lingüística Textual: a relação entre a coerência e a coesão.

A RELAÇÃO ENTRE A COERÊNCIA E A COESÃO TEXTUAL

Tanto a coesão quanto a coerência são elementos primordiais para o estudo e a compreensão da Lingüística Textual. Esse foi um dos motivos de apresentá-los separadamente. Outro motivo é que, dessa forma, foi possível observarmos como se dão os processos de coesão e coerência de um modo mais es-pecífi co e abrangente, o que não signifi ca dizer que os dois assuntos se esgotem no que foi apresentado; muito pelo contrário!

Durante a apresentação da coerência, percebemos que há estruturas extralingüísticas que nos auxiliam no processo de compreensão textual, de interpretabilidade. É interessante pensar que, a todo momento, ao nos comunicarmos, fazemos a utilização de tais estruturas e, muitas vezes, nem percebemos. A linguagem fl ui, na grande parte das vezes, com tamanha naturalidade que não nos damos conta do processo complexo que a subjaz. Coisa parecida ocorre quando analisamos sintaticamente uma frase: no momento em que é produzida por nós, nem pensamos “onde está o sujeito” ou “que o verbo é transitivo”, não é?!

No decorrer de nossa análise a respeito do processo de coesão textual, as marcas lingüísticas evi-denciaram que são valorosas. Quando aplicadas corretamente, auxiliam bastante para que o texto se torne inteligível, coerente. Como pôde ser visto no texto, mais precisamente nas seqüências lingüísticas, não raro ocorre o aparecimento de elementos que retomam termos anteriores, remetem a outros termos, substituem léxicos e/ou seqüências lingüísticas e que até imprimem circunstâncias e relações entre ter-

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mos, frases, orações... Esses elementos têm a propriedade de dar uma linearidade ao texto, de estabelecer uma ligação entre suas partes. Assim, podemos dizer que a coesão pode ser visualizada na matéria lingü-ística do texto, pode ser reconhecida na seqüência lingüística.

Por conta da relação existente entre a coerência e a coesão, muita gente pensa que as duas estão intimamente ligadas ao ponto de não poderem se separar. Nesse sentido, os referidos elementos não poderiam existir um sem a presença do outro. De acordo com esse ponto de vista, vamos ver qual é a posição de Koch & Travaglia diante da seguinte citação:

“Como a coesão não é necessária, há muitas seqüências lingüísticas com poucos ou nenhum elemento coesivo, mas que constituem um texto porque são coerentes e por isso têm o que se chama de textualidade”.

E continuam:

“Como a coesão não é sufi ciente, há seqüências lingüísticas coesas, para as quais o receptor não pode ou difi cilmente consegue estabelecer um sentido global que a faça coerente”.

Assim, a idéia de interdependência total é posta em xeque. Para comprovar, Araújo apresenta dois textos de Koch & Travaglia, os quais nós vamos analisar aqui.

TEXTO 1 – O SHOW

O showO cartazO desejoO paiO dinheiroO ingressoO diaA preparaçãoA idaO estádioA multidãoA expectativaA músicaA vibraçãoA participaçãoO fi mA voltaO vazio Koch & TravagliaDiante do primeiro texto, é possível dizer que não há um alto grau de coesão. Tem-se a constituição

textual mediante a colocação de várias palavras sem nenhum elemento de ligação. Mas será que tal ausên-cia faz com que não se consiga compreender do que o texto trata? Ora, se prestarmos atenção, veremos que há uma coerência. Não é difícil notar que está se tratando de etapas efetuadas por uma pessoa, pro-vavelmente por um jovem, desde a hora em que teve noção da realização do evento (provavelmente um show de música) até sua fi nalização, a volta para casa.

O que é bastante interessante de se perceber nesse texto é que a própria disposição das palavras evidencia um grau – ainda que pequeno – de coesão, vez que “ligam” os acontecimentos. Se não houvesse essa “ordem” na colocação das palavras, fi caria mais difícil a compreensão textual.

Apesar de podermos caracterizá-lo, em suma, como um texto não coeso, vimos que há coerência.

Lingüística Textual 43

Agora, observe o próximo texto:

TEXTO 2João vai à padaria. A padaria é feita de tijolos. Os tijolos são caríssimos. Tam-

bém os mísseis são caríssimos. Os mísseis são lançados no espaço. Segundo a teoria da Relatividade o espaço é curvo. A geometria Rimaniana dá conta desse fenômeno.

Koch & Travaglia

O que vemos aqui é o oposto do texto “O show”. Está clara a presença da coesão. No decorrer da leitura, é notória a retomada de termos, a repetição de palavras. No entanto, se fi zermos a pergunta que não quer calar...

Já sabemos a resposta para isso, não é? Bem, o que percebemos aí é um amontoado de frases que juntas não produzem um sentido global. Não é possível dizer do que o texto trata. Assim, apesar da notória coesão, não há coerência no conjunto das frases.

É importante que fi que clara a noção de que a coerência e a coesão apresentam-se como elementos primordiais para a Lingüística Textual e, ao fi -gurarem em conjunto, desde que empregadas corretamente, auxiliam no pro-cesso de compreensão textual. Todavia, uma não é condição de existência da outra. Vimos, através de explicações e exemplos, que tanto a coerência quanto a coesão podem existir separadamente.

E aí, conseguiu compreender a relação entre a coerência e a coesão textuais? Se não entendeu, vamos dar mais uma lida, agora com bastante atenção, certo?! Mas, se a resposta for positiva, maravilha! Já estamos prontos para avançar em nossos estudos. Já podemos conhecer outros itens bastante interessantes e que vão nos auxiliar para que tenhamos um melhor contato com os diversos tipos de textos.

Nosso destino agora é sobrevoar a semântica da enunciação. Vamos fazer um vôo panorâmico e avistar um trabalho bastante interessante de um teórico chamado Oswald Ducrot: a polifonia. Nesse trabalho, o referido autor irá de encontro à concepção da “unicidade do sujeito”. Após esse primeiro momento, apresentará sua proposta de dispersão do sujeito. É assim que ele irá tentar apresentar para nós as “várias vozes” que estão presentifi cadas em nosso discurso. Estão prontos? Ok! Sendo assim, sigam-me!

A POLIFONIA TEXTUAL

É possível constatar, pela contribuição de Ducrot (1987) com a sua teoria polifônica da linguagem, a não-unicidade do sujeito. Ao tratar da questão polifônica da linguagem, Ducrot retoma a teoria de Bakhtin ([1929], 1976), fundamentada pela idéia de dialogismo, retratando-a ao campo da Semântica da Enunciação, direcionando-a ao espaço lingüístico. Durante a formulação de sua teoria, que se fez funda-mental para os estudos da linguagem, como objetivo principal a ser galgado, teve a intenção de compro-var a não-unicidade do sujeito, evidenciando um cenário enunciativo no qual várias vozes circundam-no a fi m de se fazerem presentes e predominantemente incontestes para a concretização do ato de elocução.

Partindo dessa concepção, o locutor não é o responsável único pela produção discursiva. Neste contexto, o sujeito está disperso, pois na elocução encontram-se marcas discursivas as quais assinalam a

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presença de outros discursos (interdiscurso), de outras vozes que se digladiam numa arena dialógica e se fi rmam como parte produtora da enunciação.

Para marcar a presença da polifonia nos enunciados, Ducrot mobiliza conceitos de locutor e enun-ciador. Vamos ver como ele os apresenta em sua teoria polifônica da linguagem:

“Por defi nição, entendo por locutor um ser que é, no próprio sentido do enun-ciado, apresentado como seu responsável, ou seja, como alguém a quem se deve imputar a responsabilidade deste enunciado”.

Diante do exposto, dá para perceber que o locutor é tido como o responsável pelo enunciado; no entanto, Ducrot assinala que o locutor é diferente do sujeito empírico, da pessoa em si. Ainda em relação ao locutor, Ducrot o separa em duas instâncias: “locutor enquanto tal” (L) e “locutor enquanto ser do mundo” (λ).

Quanto ao enunciador, Ducrot salienta o seguinte:

“Chamo ‘enunciadores’ estes seres que são considerados como se expressan-do através da enunciação, sem que para tanto se lhe atribuam palavras precisas; se eles ‘falam’ é somente no sentido em que a enunciação é vista como expressando seu ponto de vista, sua posição; sua atitude, mas não no sentido material do termo, suas palavras”.

Para tentar deixar essas concepções mais claras, Ducrot se baseia no trabalho de Genette acerca da teoria da narrativa. Assim, ele compara o locutor com o autor, e o enunciador com a personagem:

LOCUTOR/AUTOR X ENUNCIADOR/PERSONAGEMA partir daí, pode-se observar que é no intuito de cristalizar mais a distinção apresentada acerca

do locutor e do enunciador que Ducrot propõe uma analogia entre a diferença dos sujeitos e a teoria da narrativa, de Genette. A esse respeito, o narrador aproxima-se do locutor, e o personagem do enunciador. Da mesma forma que o narrador mobiliza personagens, o locutor irá mobilizar pontos de vista para o enunciado, ou seja, enunciador(res). Da mesma forma que Genette opõe o autor ao narrador, Ducrot o faz com o locutor e o sujeito falante empírico.

Vamos visualizar melhor a polifonia de Ducrot. Para isso, leia o exemplo abaixo e perceba como é possível efetuar o estabelecimento de locutores e enunciadores no decorrer de seqüências lingüísticas.

Eu ouvi Paulo dizer: Não vai mais haver a festa.Diante da frase acima, pode-se ver que, ao se estabelecer a análise de sobreposição de vozes, temos,

logo de início, um locutor λ, ou “locutor enquanto ser do mundo”. Também, nesse caso, há uma divisão em duas instâncias lingüísticas: o “locutor enquanto tal”, ou o “responsável” pela enunciação e o locutor λ. É possível compreender a presença do locutor λ por este ser a origem do enunciado. A marca lingüística de 1ª pessoa no exemplo (eu) evidencia sua presença. A respeito disso, Ducrot afi rma:

“De um modo geral o ser que o pronome eu designa é sempre λ, mesmo se a identidade deste λ só fosse acessível através de seu aparecimento como L”.

No decorrer do exemplo, tem-se a confi guração do L¹, responsável pelo enunciado “Não vai mais haver a festa”. A presença do termo “não” na frase mobiliza duas perspectivas, dois enunciadores: enun-ciador E, que afi rma haver a festa hoje. Essa perspectiva, no entanto, é rejeitada por L¹; e a de que “não vai haver a festa hoje”, perspectiva da qual o L¹ comunga.

Assim, para salientar características do enunciador, Ducrot ainda se vale da concepção de Genette sobre o “centro da perspectiva”, ou “sujeito de consciência”, a partir do qual são apresentados os aconte-cimentos. Esse ponto de vista é colocado em paralelo com a fi gura do enunciador, caracterizando-o, dessa forma, por apresentar um ponto de vista que pode se distanciar da perspectiva do locutor. Dessa forma, Genette explicita que o narrador pode ser compreendido como “quem fala” e o centro da perspectiva como “quem vê”.

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Nesse sentido, Ducrot estabelece os parâmetros de constituição de uma teoria que se propõe a romper com as idéias até então vigentes e esboça uma nova forma de abordagem semântica da consti-tuição dos sujeitos, bem como o desenvolvimento teórico ao conceber, em seus estudos, o caráter poli-fônico da linguagem.

É, compreender todas essas idéias leva um pouco de tempo. Se tiver alguma difi culdade, não se afl ija. Aos poucos, questões mais complexas passam a fazer sentido para nós. Nesse momento, é necessá-rio que você tente internalizar os pontos principais da teoria polifônica da linguagem. A parte teórica às vezes se torna um pouco complexa, mas quando passamos a praticar, tudo fi ca bem melhor. Você gostou da análise feita a partir do exemplo apresentado? Achou difícil? Bem, quaisquer que sejam as respostas, uma coisa é certa: Temos de convir que Ducrot, ao questionar a noção da unicidade do sujeito, acabou apresentando uma forma diferente de ver o texto, de observar os enunciados. E isso é importantíssimo para o desenvolvimento dos estudos lingüísticos.

A teoria polifônica de Ducrot também auxilia em muitos trabalhos de Análise do Discurso, aqui no Brasil. Ao se apropriarem dessa teoria polifônica, muitos pesquisadores se propõem a transcender o nível do enunciado, no qual se dão os estudos ducrotianos e, tomando o discurso como efeito(s) de sentido, analisam a discursividade aliada à marcação polifônica. Para ilustrar essa questão importante para nossos estudos, vez que em alguns momentos a Análise do Discurso dialoga com a Lingüística Textual, observem uma análise, ainda tomando a fábula como corpus, que contempla tal entremeio teórico:

HIERARQUIA

Diz que um leão enorme ia andando chateado, não muito rei dos animais porque tinha acabado de brigar com a mulher e esta lhe dissera poucas e boas.1 Ainda com as palavras da mulher o aborrecendo o leão subitamente se defrontou com um pequeno rato, o ratinho mais menos que ele já tinha visto. Pisou-lhe a cauda e, enquanto o rato forçava inutilmente para fugir, o leão gritou: “Miserável criatura, estúpida, ínfi ma, vil, torpe: não conheço na criação nada mais insignifi cante e nojento. Vou te deixar com vida ape-nas para que você possa sofrer toda a humilhação do que lhe disse, você, desgraçado, inferior, mesquinho, rato!” E soltou-o. O rato correu o mais que pôde, mas, quando já estava a salvo, gritou pro leão: “Será que Vossa Excelência poderia escrever isso para mim? Vou me encontrar agora mesmo com uma lesma que eu conheço e quero repetir isso pra ela com as mesmas palavras!”2

MORAL: AFINAL NINGUÉM É TÃO INFERIOR ASSIM.

SUBMORAL: NEM TÃO SUPERIOR, POR FALAR NISSO.

1. Quer dizer: muitas e más.

2. Na grande hora psicanalítica, que soa para todos nós, a precisão da linguagem é funda-mental. (FERNANDES, [1963] 1999, p. 110)

No primeiro momento do texto, após o título, confi gura-se a existência típica do Locutor (L) narrador de fábulas e “estórias” fi ccionais, que põe em cena um enunciador, E0, o qual se posiciona do ponto de vista da perspectiva genérica, presente em inúmeras fábulas ao longo dos tempos. Essa evidên-cia se dá a partir da marca lingüística “Diz que”, a qual remete à voz genérica “Era uma vez”, elocução à que atribui uma posição enunciativa marcadora da perspectiva remota, a qual atravessa os tempos e é assimilada pelo locutor a partir do momento em que se dá o seu aparecimento histórico. A perspectiva, nesse caso, é atribuída à voz coletiva, que comumente assimila a referida marca de enunciado em fábulas, marca esta passível de ser presentifi cada em outros enunciados, em outras estórias, de ocorrer em outras enunciações. É nessa mobilidade na qual se confi gura que torna visível seu caráter genérico, característico de fábulas, pois marca um tipo de produção textual conhecida em suas primeiras aparições mediante a forma oral, motivo de apresentar sua origem como “perdida” no esteio do tempo e absorvida na utiliza-ção coletiva de inúmeras sociedades.

No fragmento “não muito rei dos animais”, o L mobiliza três enunciadores (E).

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O E1, ponto de vista que representa a voz sustentadora da idéia de o leão ser o rei dos animais. O E1 se assimila à perspectiva do senso comum, vez que a sociedade vê convencionalmente no leão um ser imponente, situado na camada mais alta do “reino dos animais”. Nesse caso, de forma fi gurativa, o leão representa a arquitetura social vigente, caracterizando uma sociedade estruturada de acordo com uma visão patriarcal, a partir da qual o homem ainda tem supremacia em termos de poder e de direitos em relação à mulher. O leão, portanto, encontra-se num lugar que deve ser mantido, preservado. Além do E1, manifestam-se dois outros enunciadores distintos mediante o grau de intensidade, marcado discursi-vamente pelo intensifi cador “muito”. Assim, tem-se o E2, que aplica um grau maior ao “rei dos animais”, indicando o ponto de vista de que o leão pode ser mais que o rei dos animais, portanto, “muito rei dos animais”. No entanto, em oposição ao referente grau ascendente, que é rejeitado no discurso, passa a ser estabelecido o E3 sob um caráter estrutural de litotes. Portanto, ao apresentar-se como um enunciado negativo: “não muito rei dos animais”, remete-se ao posicionamento do E3, confi gurado mediante o sen-tido de o leão estar pouco rei dos animais. Esse é o ponto de vista que se leva em consideração na fábula. A partir daí verifi ca-se a presença de um abalo, de um estremecimento nas bases da arquitetura social. Tal situação é observada mediante a caracterização do posicionamento do locutor e o vínculo estabelecido com o centro da perspectiva em questão. O acionamento das posições locutor / enunciador efetua-se na fábula em análise remetendo à teoria polifônica de Ducrot em consonância com o discurso na AD, a par-tir do qual se podem identifi car os efeitos de sentido considerando a sociedade e as ideologias presentes, já que várias vozes são fi rmadas, marcando o discurso mediante essa cadeia de relações.

Simbolicamente, o leão é:

Considerado o “rei” dos animais na terra (ao lado da águia, a “rainha” dos pássaros) (...) Outras características de forte teor simbólico são, sobretudo, a coragem, a ferocidade e sua suposta sabedoria. É representado geralmente como símbolo de poder e de justiça nos tronos e palácios soberanos (LEXI-KON, 1990, p. 120-121).

No entanto, no momento em que aparece “andando chateado não muito rei dos animais”, esse, por sua vez, surge momentaneamente descaracterizado de seu valor simbólico, visto que não se encontra tão feroz, nem tão sábio. Na verdade, já que tivera “acabado de brigar com a mulher e esta lhe dissera poucas e boas”, suben-tende-se que o leão não se sentiu confortável por ter de ouvir as “poucas e boas”. Ao se evidenciar um “poder” apresentado pela mulher, percebe-se que o leão não está mais em sua posição hegemônica que lhe é atribuída. Nesse ponto de vista, ela passa a desmantelar toda uma concepção de poder que a ele é instituído.

Ao se colocar que “esta lhe dissera poucas e boas”, o L mobiliza mais três enunciadores: o primeiro, E4, aponta para as mulheres oprimidas, pusilânimes, que não dizem nada. Nessa concepção, tem-se um lugar historicamente ocupado pela mulher, mediante o paradigma da concepção machista. A partir daí, re-toma-se o ponto de vista daquele que vê a mulher subordinada à autoridade masculina, numa condição pré-estabelecida ao longo dos tempos. O E5 diz respeito às mulheres que realmente dizem “poucas e boas”, em seu sentido denotativo, no intuito de agradar, de servir. No entanto, na fábula, o sentido de poucas e boas é justamente o inverso, ou “muitas e más”, que é explicado com uma citação do autor de forma irônica, já que o referido sentido inverso é de conhecimento geral, por esta expressão, “poucas e boas”, fazer parte do contexto da referida sociedade, a qual é estabelecida no texto, mobilizando o E6.

No enunciado, o operador argumentativo “porque” dá início à apresentação da explicação do referido posicionamento situacional do leão. Assim, tem-se “porque tinha acabado de brigar com a mulher e esta lhe dissera poucas e boas”. Diante desse fragmento, percebe-se a proximidade do discurso com o cenário bra-sileiro do séc. XX. Ao optar pelo léxico “mulher”, em vez de leoa, bem como estabelecer uma propriedade de detentor da utilização da palavra, marcada na fábula por “lhe dissera poucas e boas”, subentende-se que se está remetendo não só a uma produção fi ccional, mas também a situações presentes no contexto social da época de produção do corpus. O léxico “mulher” e o verbo “dissera” aparecem no texto como marcas de isotopia, depreendida em Análise do Discurso, segundo Fiorin (2005, p.112 – 113), como “a recorrência de um dado traço semântico ao longo do texto”. A isotopia, nesse sentido, possibilita um outro plano de leitura. Isso faz com que a fábula em questão adquira a propriedade de ser lida não apenas em seu plano

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alegórico, e, sim, de estabelecer a possibilidade, a partir das marcas isotópicas, de ver na fábula uma história de “homens” e, por conseguinte, da sociedade.

Nessa disposição, já no primeiro período da fábula, é possível reconhecer a presença da realidade so-cial da época em destaque. Assim, o leão fi gura como o homem, mais precisamente como o “chefe da casa”, ocupando seu lugar historicamente marcado pelo posicionamento ideológico machista. Nesse momento, o Brasil passa por uma fase de mudanças, marcada pela eclosão de vários posicionamentos ideológicos. Um deles foi o movimento feminista, que busca estabelecer a autonomia da mulher, a igualdade de direitos. Ao considerar no texto a idéia de que o homem “tinha acabado de brigar com a mulher e esta lhe dissera poucas e boas”, aciona-se a posição do E6, representado pela mulher que, afetada pelo refl exo de uma ideologia feminista, busca afi rmar-se como sujeito integrante da sociedade, que não quer mais ocupar o lugar em que se encontra, e assim se apresenta com disposição para “brigar”, lançar-se ao embate, reivindicar seu espaço social, afi rmar seu direito de posicionar-se ideologicamente, sem submissão.

Quando o leão, através de um discurso direto, grita: “Miserável criatura, estúpida, ínfi ma, vil, torpe: não conheço na criação nada mais insignifi cante e nojento. Vou te deixar com vida apenas para que você possa sofrer toda a humilhação do que lhe disse, você, desgraçado, inferior, mesquinho, rato!”, passa a ser desmantelado mais um símbolo que o caracterizava: o símbolo de justiça a que se assimilara em palácios soberanos, visto que o rato não lhe tivera feito mal algum. Além disso, presentifi ca-se o L1, já que, para Ducrot (1987, p. 182), o locutor é “um ser que é, no próprio sentido do enunciado, apresentado como seu responsável, ou seja, como alguém a quem se deve imputar a responsabilidade deste enunciado”. Através dos verbos “conheço”, “vou” e “disse”, apresentados em 1ª pessoa do singular, constata-se a presença do pronome elíptico “eu”, que revela L1 não apenas como “locutor enquanto tal”, mas também como ser do mundo, representado por λ. A esse respeito, Ducrot (1987, p. 188) salienta: “de um modo geral o ser que o pronome eu designa é sempre λ, mesmo se a identidade deste λ só fosse acessível através de seu aparecimento como L”. Dessa forma, confi guram-se divididas duas instâncias lingüísticas estabelecidas na enunciação: L1 e λ.

O emprego do discurso direto é, portanto, um procedimento que permite a L colocar em seu enunciado (discurso citante) a “fala” da personagem – leão – que se apresenta como locutor (L1) do discurso citado. Tal emprego “simula restituir as falas citadas e se caracteriza pelo fato de dissociar claramente as duas situações de enunciação: a do discurso citante e a do discurso citado” (MAINGUENEAU, 2002 p. 140).

A atitude do leão remete à teoria de Althusser ([1985] 2003) acerca dos Aparelhos Repressores de Estado, vez que o leão age preponderantemente através da violência física (mesmo sem descartar a exis-tência, em um menor grau, da ideologia), ao pisar a cauda, impedindo que o rato possa fugir, bem como mediante a violência verbal, que se apresenta por meio de insultos e ofensas destinadas ao rato. Apesar disso, os valores, mesmo por meio de estruturas repressivas, são levados mediante a ideologia. Tratando o cenário fabular como a representação alegórica da sociedade, torna-se mais evidente a estratégia que se coloca como meio de garantir a sustentação da estrutura social vigente a partir de meios repressivos. A esse respeito, Althusser ([1985] 2003, p.70) frisa o seguinte:

O aparelho (repressivo) do Estado funciona predominantemente através da repressão (inclusive a física) e secundariamente através da ideologia. (Não existe aparelho unicamente repressivo). Exemplos: o Exército e a Polícia funcionam também através de ideologia, tanto para garantir sua própria coesão e reprodução, como para divulgar os “valores” por eles propostos.

Depois que o leão o soltou, no decorrer da fábula, a atitude do rato de correr “o mais que pôde” reafi rma o temor do rato em relação ao leão, corrobora a posição de supremacia do capitalismo no cenário social. O operador argumentativo “mas” tem a propriedade de estabelecer uma oposição, uma adversidade, um contraste com a idéia anterior. Ao se colocar na fábula o fragmento “mas, quando já estava a salvo, o rato gritou pro leão”, tem-se a impressão que o rato, mediante a presença do operador argumentativo “mas”, em oposição à sua reação anterior, que foi a de correr “o mais que pôde”, aproveitaria a oportunidade, já que “estava a salvo” e, portanto, momentaneamente protegido de qualquer represália, para reagir aos insultos do

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leão. Porém, em uma primeira análise, isso não ocorre. Nesse sentido, surpreendentemente o rato diz: “Será que Vossa Excelência poderia escrever isso para mim? Vou me encontrar agora mesmo com uma lesma que eu conheço e quero repetir isso pra ela com as mesmas palavras!”

O que se evidencia no trecho anterior, em relação à polifonia, é mais uma divisão na enunciação em duas instâncias lingüísticas: o L2 – o rato –, mobilizado mediante o discurso direto, como ser do discurso, responsável pelo ato da enunciação, e o λ, estabelecido como ser no mundo a partir do pronome oblíquo tônico de 1ª pessoa “mim”, bem como pelo pronome reto “eu”, marcado no enunciado. Mais uma vez confi gura-se na fábula a pre-sença do discurso citado, dissociando as situações de enunciação, visto que se tem dessa vez o L2.

Porém, ao considerar o posicionamento do rato, não como um pedido primordial para a sua ne-cessidade de se auto-afi rmar perante um ser hierarquicamente inferior a ele, mas como uma forma de escárnio voltado ao leão, modifi ca-se o desenvolvimento polifônico assimilado ao referido trecho. Há o estabelecimento, nessa ótica, da divisão do sujeito na teoria polifônica de Ducrot em duas instâncias lin-güísticas: um locutor λ e o locutor L2, a exemplo da primeira análise. Porém, o L2 mobiliza um enuncia-dor, o E7, com o qual não se assimila. Tal posição de sujeitos se dá, vez que, nessa segunda possibilidade de leitura, ao levar em consideração a posição de onde fala o autor da fábula e de sua característica irônica, o trecho ganha um caráter não mais de pedido, e sim de deboche, de ironia. Quanto à posição dos sujeitos da polifonia, Ducrot (1987, p.198) explica:

Falar de modo irônico é, para o locutor L, apresentar a enunciação como expressando a posição de um enunciador. Posição de que se sabe por outro lado que o locutor L não assume a responsabilidade, e, mais que isso, que ele a considera absurda. Mesmo sendo dado como o responsável pela enunciação, L não é assimilado a E, origem do ponto de vista expresso na enunciação.

A “tirada” do rato é feita, nesse sentido, não como uma colocação sincera, mas surge na forma irônica. Por isso, o pedido expresso na verdade é de cunho absurdo para ele, já que não pretende obter resposta alguma do leão. Por “querer” que o leão repita a ofensa “com as mesmas palavras” no intuito de que possa dizer as mesmas coisas à lesma, a qual, para o rato, se apresenta como ser mais insignifi cante que ele próprio, o “mais menos”, gera um efeito de sentido que indica o não afetamento moral do rato pelas ofensas do leão, ser “superior”, que não consegue fazer com que um outro, insignifi cante, se sinta em sua condição de rebaixamento moral. O rato salienta que há um posicionamento inferior ao dele, no entanto não se sente afetado pelo leão, o que põe em dúvida uma possível onipotência, vez que, em se tratando do “rei dos animais”, o local soberano em que se encontra deveria lhe instituir a centralização do poder, o que, diante da posição irônica do rato, não ocorre.

A moral da fábula “Afi nal ninguém é tão inferior assim” e a submoral “Nem tão superior, por falar nisso” são de responsabilidade do locutor L, o qual se assimila à voz dos contadores de histórias e que, para tanto, se apre-senta a partir da perspectiva da voz genérica. Nesse sentido, na moral e na submoral são resgatados L e o ponto de vista a que L se assimila: o E0. Além disso, os referidos fragmentos resgatam a idéia de poder desenvolvida durante a análise, que marca a luta da mulher, a qual ganha maior relevo com o posicionamento do ideal feminista e o poder das classes dominantes, desenvolvido a partir de um movimento capitalista de produção intensifi cada e de exploração do trabalho, o que na década de 50 caracterizou a sociedade moderna. Apesar de se ter um valor hierárquico presentifi cado na fábula, o qual, mesmo corroído pelas estruturas ideológicas que tendem a combater o processo de assujeitamento desenvolvido pela ideologia dominante, não se desmantela, não passa a ocupar um lugar social inferior ao que se situa, não há centralização do poder. A partir do momento em que uma luta de classes, uma estrutura ideológica é colocada em embate, cristaliza-se a concepção de que em todos os locais de confl ito existe a presença do poder.

(MADUREIRA, André Luiz Gaspari).

Bem, agora que já vimos alguns pontos básicos da polifonia, vamos tentar aplicá-los e realizar ou-tras façanhas em nossa atividade. Se você sentir difi culdade em algum momento, não desista. Lembre-se de que uma forma de aprender é analisando nossos erros e tentando superar nossos limites. Não esqueça de seu espírito de águia, tá?! Mãos à obra!

Lingüística Textual 49

Tentar e falhar é, pelo menos, aprender. Não chegar a tentar é sofrer a inestimável perda do que poderia ter sido.

Geraldo Eustáquio

Leia o texto a seguir:

Os urubus e sabiás

Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam... Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza, eles haveriam de se tornar grandes cantores. E para isto fundaram escolas e importaram professores, garga-rejaram dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir diplomas, e fi zeram competições entre si, para ver quais deles seriam os mais importantes e teriam a permissão de mandar nos outros.

Foi assim que eles organizaram concursos e se deram nomes pomposos, e o sonho de cada um uru-buzinho, instrutor em início de carreira, era se tornar um respeitável urubu titular, a quem todos chama-vam por Vossa Excelência. Tudo ia muito bem até que a doce tranqüilidade da hierarquia dos urubus foi estremecida. A fl oresta foi invadida por bandos de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas com os sabiás... Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa, e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito.

“-Onde estão os documentos dos seus concursos?” E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado que tais coisas houvesse. Não haviam passado por escolas de canto, porque o canto nascera com elas. E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam cantar, mas cantavam, simplesmente...

-Não, assim não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à ordem.

E os urubus, em uníssono, expulsaram da fl oresta os passarinhos que cantavam sem alvarás...

MORAL: Em terra de urubus diplomados não se ouve canto de sabiá.

Rubem Alves

Esse texto é bem bacana, muito prazeroso de se ler. Agora, depois do prazer da leitura vamos pôr a mão na massa.

Retire do texto de Rubem Alves alguns elementos de coesão e apresente suas devidas classifi cações.

1.

Atividade Complementar

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Dos mecanismos de coerência estudados, apresente quatro deles e ilustre sua conceituação com exemplos próprios.

Agora lá vai mais uma fábula bem interessante:

O renascer dos belos sentimentos, uma vez satisfeitas as necessidades básicas.1

Esta pungente história se passou no meio de uma selva, nas areias de um deserto, num velho navio abando-nado e sem rumo, em qualquer lugar em que há difi culdades de alimentação e o homem começa a sentir a antropo ou qualquer outra fagia a lhe espicaçar o estômago.

Pois, sozinho e sem se alimentar há vários dias, o homem vinha caminhando no vasto areal (ou selva, ou etc...), seguido apenas de seu fi el cachorro. Lá para as tantas lhe deu, porém, o espicaçar acima enunciado, a fome bateu-lhe às portas da barriga: “pan, pan, pan, ó de casa!” Já batera antes, mas o homem tinha fi ngido que não ouvia. Naquele momento, porém, não resistiu mais e atendeu à fome. Matou o cachorrinho, única coisa comível num raio de quilômetros. Matou-o, assou-o num fogo improvisado, e comeu-o, todo, todo, com uma fome canina (perdão!). Quando tinha acabado de comer o animal, sentou-se, plenamente satisfeito. E foi então que olhou em torno e começou a chorar: “Ai, ai, ai”, - soluçou – “pobre do Luluzinho! Como ele adoraria roer esses ossos!”

MORAL: QUANDO EU TIVER UMA CASA CONFORTÁVEL, ESCREVEREI UM TRATA-DO DE SOCIOLOGIA.

1. “Para se exercer as virtudes do espírito é necessário um mínimo de conforto material.” (Santo Agostinho) (Fernandes, 1963, p. 67).

3. Estão lembrados da teoria polifônica de Ducrot? Vocês se lembram também do exemplo em que foi aplicada a polifonia? Pois bem. Agora é a sua vez. Analise a fábula de Millôr Fernandes e procure evidenciar a sobreposição de vozes. Para isso, evidencie no decorrer do texto fabular as posições de locu-tores, bem como as de enunciadores, como foi feito no exemplo dado.

2.

Lingüística Textual 51

4. Atente no texto abaixo e, a partir daí, trate da questão da relação entre a coerência textual e coesão.

Brasil do B

BRASÍLIA – Brasil bacharel. Biografi a bordada, brilhante. Bom berço. Bambambã. Bico bacana, boquirroto. Bastante blábláblá. Baita barulho. Bobagem, besteira, blefe. Batente banho-maria. Bússola biruta. Baqueta bêbada.

Brasil biafra. Breu. Barbárie boçal. Barraco barrento. Barata. Bacilo. Bactéria. Bebê buchudo, borocoxô. Bolso banido. Boca banguela. Barriga baldia. Barbeiragem. Bastaria bóia, baião-de-dois.

Brasil Bélgica. Brancura. Black-tie. Badalação brega. Boa brisa. Bens. Banquetes. Brindes. Brilho besta. Bonança bifocal. BMW: blindagem. Bolsa balofa: babau, baby.

Brasil bordel. Bancadas bandoleiras, buscando boquinhas, brechas, benesses. Bruna, biombo, bastidor barato. Balcão. Barganha. Bazar. Banda bandida. Bando bandalho. Baiano. Barbalho. Brisa besta. Bagunça.

Brasil benemerente. Bonança, Brasília bondosa. Banqueiro bajulado, benefi ciado, bafejado. Bancarrota brecada. Balancete burlado. Bem-bom. Boca-livre. Brioche, bom-bocado. Bilheteria, borderô.

Brasil baixada. Borrasca. Barro. Buraqueira. Boteco. Bagulho. Birita. Bílis. Bochincho, bebedeira. Bofete. Bordoada. Berro. Bololô. Bafafá. Bazuca. Baioneta. Bala. Bangue-bangue. Blitz. Bloqueio. Boletim. Bíblia. Bispo. Beato. Benzedeira.

Brasil benfazejo. Boleiro. Bate-bola. Bossa. Balangandã. Balacobaco. Boêmia. Barzinho. Bumbo. Batuca-da. Balance. Bole-bole. Beleza beiçola. Beldade. Biquíni. Bumbum buliçoso. Boazuda. Beijo. Beliscão.

Balada boba, burlesca, basta.

Josias de Souza. Folha de São Paulo, 15 de junho de 2000.

5. Agora, escolha um parágrafo do texto “Brasil do B”, reescrevendo-o e imprimindo-lhe a coesão tex-tual. Não se esqueça de que não deve faltar em seu parágrafo nenhuma palavra do parágrafo escolhido, ok?!

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A LÍNGUA ESCRITA E A LÍNGUA FALADA

PENSANDO A ORALIDADE E O LETRAMENTO

Quando falamos em oralidade, o que logo vem à mente? E no caso do letramento? É, não é difícil associar a oralidade à fala e o letramento a escrita. E isso não vem de hoje. Essas características remontam de tempos, mas continuam sendo vistas por muitas pessoas a partir de seus signifi cados de lá atrás.

O objetivo desse nosso estudo sobre a oralidade e o letramento é o de esclarecer alguns pontos que os caracterizam hoje em dia, inserindo-os, para isso, em um contexto social. Mas para isso é necessário que lembremos como eram pensados anteriormente, o que vamos começar a fazer a partir de já, ok?!

O letramento

Durante muito tempo, chamou-se aquele indivíduo que sabia ler e escrever de LETRADO. Bem, se tomarmos essa caracterização como parâmetro, chegaremos à conclusão de que os analfabetos, as pessoas que não sabem ler, são denominadas de ILETRADAS.

Diante disso, ao pensarmos na forma com que as pessoas viam (e muitas ainda vêem) essa questão, teremos a diferenciação abaixo:

ALFABETIZADO X ANALFABETO

↓ ↓

LETRADO ILETRADO

Assim, pode-se ver que a relação estabelecida na diferenciação acima gira em torno da escrita. Se uma pessoa não tem o domínio da escrita, ela é taxada de iletrada. Mas, se dissermos o seguinte:

O letramento não equivale à aquisição da escritaAí as coisas começam a fi car um pouco complicadas, não é? E agora, como caracterizar o letramen-

to? Vamos mais adiante. Dessa vez, preste atenção na afi rmação abaixo:

Os analfabetos também estão inseridos no processo de letramento.Embolou tudo aí dentro de sua cabeça? Não se afl ija! Vamos ajeitar tudo agora. Primeiro, vamos

ver o que Marcuschi nos diz sobre o letramento:

“O letramento (...) envolve as mais diversas práticas da escrita (nas suas va-riadas formas) na sociedade e pode ir desde uma apropriação mínima da escrita, tal como o indivíduo que é analfabeto, mas letrado na medida em que identifi ca o valor do dinheiro, identifi ca o ônibus que deve tomar, consegue fazer cálculos completos, sabe distinguir as mercadorias pelas marcas etc., mas não escreve car-tas nem lê jornal regularmente, até uma apropriação profunda, como no caso do indivíduo que desenvolve tratados de Filosofi a e Matemática ou escreve romances. Letrado é o indivíduo que participa de forma signifi cativa de eventos de letramen-to e não apenas aquele que faz um uso formal da escrita”.

E agora, fi cou mais claro? É preciso, portanto, pensar o letramento como uma prática social. É o letra-mento que permite que as pessoas “leiam” o mundo à sua volta. Ora, quem não conhece ou nunca ouviu falar

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de uma pessoa que não tem o domínio da escrita, mas na hora de passar o troco ao fazer uma compra nunca é enganado? Ou mesmo alguém que trabalha vendendo variados tipos de produtos, mas consegue lidar muito bem com o dinheiro, calcular o troco e não se atrapalha com as marcas de produtos similares.

Estar no processo de letramento é estar fazendo parte desse sistema de práticas sociais, e não pura e simplesmente a aquisição da escrita. É claro que a escrita também faz parte desse processo, mas o le-tramento vai mais além que isso.

E não podemos pensar o letramento como um só. Sabemos que existem várias práticas sociais. Então temos letramentoS, no plural. Nesse sentido, Marcuschi salienta que “o letramento é um processo de aprendizagem social e histórica da leitura e da escrita em contextos informais e para usos utilitários, por isso é um conjunto de práticas, ou seja, letramentos”.

Bem, já vimos como vem sendo pensado o letramento hoje em dia. Agora, passemos para a oralidade.

A oralidade

É certo que, em um primeiro momento, a oralidade nos remete à idéia de língua falada. Se nos restringirmos a isso, poderemos chegar à seguinte situação:

ORALIDADE X LETRAMENTO

↓ ↓

FALA ESCRITA

Ao pensarmos da forma apresentada acima, estaremos estabelecendo uma dicotomia entre a ora-lidade e o letramento. Porém, é mais conveniente visualizarmos tanto a oralidade quanto o letramento como elementos intrinsecamente ligados.

Quando nos perguntamos o que vem a ser a escrita, não raro vem à mente a seguinte resposta:

A escrita é a representação da fala.

No entanto, não podemos aceitar que a fala seja a mera representação da escrita. Em primeiro lugar, a escrita não consegue representar alguns fenômenos próprios da oralidade, como os gestos, as entonações, os movimentos corporais entre, outros. Quanto a uma provável dicotomia, Marcuschi salienta:

“Oralidade e escrita são práticas e usos da língua com características próprias, mas não sufi cientemente opostas para caracterizar dois sistemas lin-güísticos nem uma dicotomia”.

Ao observar a oralidade e o letramento como práticas sociais, o mais importante é reconhecer sua natureza que envolve o uso da língua, tanto oral como escrita. Mas será que se podem ser identifi cadas, hoje em dia, as carac-

terísticas da língua e da fala de forma determinante?

Para responder à questão acima, vamos observar algumas características atribuídas à fala e à língua. Depois, tentaremos ver como tais características podem ser apresentadas em diversos tipos de texto.

CARACTERÍSTICAS DA LÍNGUA ESCRITA

Ao longo do tempo, a escrita passou a ganhar uma signifi cativa importância. Muito se falou que o desenvolvimento de uma nação dependia da escrita. Uma tese já foi postulada a esse respeito. A grande virada cognitiva atribuía à presença da escrita o fato de muitas sociedades se erguerem tecnologicamente,

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bem como o da aquisição de um raciocínio formal.

ESCRITA = DESENVOLVIMENTO+ RACIOCÍNIO FORMAL

Porém, essa tese não é mais considerada hoje em dia. Autores como Jack Goody e Walter Ong já deixaram de lado esse pensamento.

É claro que a escrita já faz parte do nosso dia-a-dia. Até mesmo um analfabeto está exposto a sua influência.

Assim, podemos constatar a presença da escrita, junto com a orali-dade, em diversos momentos de nossa vida. Em nosso trabalho, na famí-lia, na escola, na igreja estamos nos utilizando da escrita e da oralidade, estamos insertos em um ambiente de práticas sociais, participando dos processos de letramento e de oralidade.

Se pararmos para pensar, para que serve a escrita e a leitura em casa? Diante de tal pergunta, é possível citar diversos momentos em que essas se fazem presentes, tais como:

• Ao se elaborar uma lista de compras;

• Quando deixamos um recado pendurado na geladeira;

• No momento em que necessitamos do auxílio de uma receita para preparar alguma comida;

• Nas horas de descanso, quando pegamos uma revista ou algo parecido para ler e relaxar;

• Sempre que queremos nos informar através da leitura de um jornal ou de uma revista;

• Quando precisamos efetuar um pagamento e, para isso, pegamos uma folha de cheque para preencher.

Já deu para perceber que, se formos listar, ocuparemos o resto do módulo. Assim, pôde-se perceber que tanto a escrita como a oralidade são imprescindíveis hoje em dia.

Quantas vezes você já viu alguém ser tratado com preconceito por conta da escrita? Pois é! A escrita, desde que foi criada, pouco mais de 3.000 anos antes de Cristo, veio ganhando um status im-pressionante, tornando-se até motivo de preconceito, principalmente em nossa sociedade. Sempre temos conhecimento de pessoas que sofreram preconceitos por não saberem escrever ou por não utilizarem o modelo padrão da escrita corretamente. Sem sombra de dúvida, muitos de nós até já fi zeram isso.

A importância da escrita tem se tornado algo tão notório que até mesmo organizações que primam pelo desenvolvimento de nações atestam a importância da alfabetização. É o caso da UNESCO, que atri-bui à falta de alfabetização a presença da pobreza, da doença, do atraso.

No entanto, os dados acerca do desenvolvimento não atestam a crença da UNESCO. Nem sempre o desenvolvimento está ligado à alfabetização.

Agora, vamos ver o que Marcuschi nos diz sobre a escrita:

“A escrita seria um modelo de produção textual-discursiva para fi ns comunicativos com certas es-pecifi cidades materiais e se caracterizaria por sua constituição gráfi ca, embora envolva também recursos de ordem pictórica e outros (situa-se no plano dos letramentos). Pode manifestar-se, do ponto de vista de sua tecnologia, por unidades alfabéticas (escrita alfabética), ideograma (escrita ideográfi ca) ou unidades iconográfi cas, sendo que no geral não temos uma dessas escritas puras. Trata-se de uma modalidade de uso da língua complementar à fala.”

Perspectiva dicotômica

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Em uma perspectiva dicotômica, de ordem normativa, Marcuschi nos apresenta um quadro e nele salienta diferenças a respeito da fala e da língua. Tal perspectiva não se preocupa com os usos da língua em textos e está presente em várias gramáticas escolares. Assim, leva à visualização da leitura a partir do ensinamento de regras gramaticais. Acompanhe com atenção o referido quadro e observe o tratamento formal e rígido:

Uma das características dessa visão dicotômica é a de considerar a fala como o local do erro, do caos. Também não leva em consideração questões dialógicas e discursivas.

Veremos um outro quadro, diferente da perspectiva dicotômica, e que também apresenta alguns problemas. Agora, vamos passar a estudar alguns aspectos da língua falada.

CARACTERÍSTICAS DA LÍNGUA FALADA

Anteriormente nós vimos que a escrita, em muitas sociedades, tornou-se fundamental no dia-a-dia do ser humano. Também foi e ainda é fonte de preconceito. Já a fala, em relação à escrita, tem uma primazia cronológica.

Repare que nós, antes de sermos seres que dominam a escrita, somos seres que utilizam a oralidade. Assim, a fala ganha um caráter natural. A escrita, nesse ponto de vista, é um fato histórico, diferente da fala, um bem natural.

A partir daí, não se deve dizer que a fala, por sua primazia cronológica e por ser um bem natural, seja mais importante que a escrita. Hoje em dia, a fala e a escrita andam de mãos dadas.

Um pouco antes, vimos a concepção de Marcuschi a respeito da escrita. Agora veremos como ele caracteriza a fala. Perceba as peculiaridades de cada uma e compare os dois conceitos:

“A fala seria uma forma de produção textual-discursiva para fi ns comunicati-vos na modalidade oral (situa-se no plano da oralidade, portanto), sem a necessi-dade de uma tecnologia além do aparato disponível pelo próprio ser humano. Ca-racteriza-se pelo uso da língua na sua forma de sons sistematicamente articulados e signifi cativos, bem como os aspectos prosódicos, envolvendo, ainda, uma série de recursos expressivos de outra ordem, tal como a gestualidade, os movimentos do corpo e a mímica”.

Ao tratarmos da escrita, foi possível visualizar um quadro de Marcuschi acerca da perspectiva di-cotômica. Agora, vamos observar uma outra perspectiva que se tornou foco de atenção para os estudos da relação entre fala e escrita.

Perspectiva sociointeracionalEssa perspectiva leva em consideração a interação, a situação dialógica. No entanto, peca ao não

contemplar a descrição e a explicação de fenômenos sintáticos e fonológicos. Observe o quadro elabora-

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do por Marcuschi a respeito dessa perspectiva:

(DESTACAR O QUADRO ABAIXO)

Fala e escrita apresentam

DialogicidadeUsos estratégicosFunções interacionaisEnvolvimentoNegociaçãoSituacionalidadeCoerênciaDinamicidadeNesse sentido, Marcuschi sugere que a perspectiva interacionista seja integrada aos estudos da Análise da

Conversação etnográfi ca e da Lingüística Textual, para que os estudos apresentassem melhores resultados.

Diante disso, dá para perceber que nos estudos da fala e da escrita não há consenso, muito menos nos da oralidade e do letramento. Segundo Marcuschi, “as diferenças entre fala e escrita se dão dentro de um continuum tipológico das práticas sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois pólos opostos”.

Muitas vezes, ao tratar de gêneros textuais, percebemos que, em relação à fala e à escrita, tais gê-neros se misturam. Além disso, muitos textos escritos podem apresentar mais aspectos orais. Agora, observe o quadro abaixo elaborado por Marcuschi:

Quando analisamos a língua em seus diversos meios de manifestação, levando em consideração o seu uso na sociedade, vemos que muitas vezes os aspectos da fala e da escrita se misturam. Vejam, a exemplo disso, o bate-papo na internet. Ele representa a língua falada ou a língua escrita? Ou deveríamos observar esse tipo de texto como um texto misto? Bem, muitas respostas para essas questões estão sendo propostas, principalmente a de ser um texto misto. Mas o que importa nesse momento é que a língua, tanto falada como escrita, passe a ser vista de outra forma, que não como um sistema dicotômico, for-mal e rígido. É preciso acompanhar os novos estudos acerca desses aspectos e compreender como essas questões estão sendo tratadas ultimamente.

Além disso, é importante vermos alguns aspectos da conversação. Preste bastante atenção para esse outro trabalho em textos conversacionais. Prontos? Então vamos nessa!

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O TEXTO CONVERSACIONAL

Quando falamos em conversação, é natural pensarmos logo em troca, em interação. Assim, podemos dizer que o texto conversacional é construído por interlocutores que interagem frente a um tópico, a um tipo de assunto que os guia durante esse processo interativo.

Apesar de estarem sendo conduzidos a partir de um tópico, é interes-sante pensarmos que, ao tratarmos da língua falada, na fala tem-se uma ca-racterística de processo não-planejado. As pessoas vão improvisando, crian-do o texto naquele momento. Se compararmos com a escrita, veremos que nessa situação é possível corrigir, apagar, riscar.

Nesse sentido, as marcas da correção não se fazem presentes, ao contrário da língua falada, já que o que é dito não pode ser apagado. Acompanhe comigo o poema de Olavo Bilac:

A um poeta

Longe do estéril turbilhão da rua,

Beneditino, escreve! No aconchego

Do claustro, na paciência e no sossego,Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego

Do esforço; e a trama viva se construa

De tal modo que a imagem fi que nua

Rica mas sóbria, como um templo grego.

Não se mostre na fábrica o suplício

Do mestre. E, natural, o efeito agrade,

Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade,

Arte pura, inimiga do artifício,

É a força e a graça na

simplicidade.

Além de ser uma das grandes obras da literatura, esse poema nos traz a idéia que traçávamos: a de que a língua escrita pode ser planejada. Compare-a, portanto, a um edifício. Certamente não veremos os andaimes, e sim a obra pronta, o prédio fi nalizado.

No texto conversacional, chamamos a fala de cada um dos interlo-cutores de turno. Podemos perceber que na conversação normalmente há excessivas trocas de turno, vez que a palavra é passada de um interlo-cutor para o outro durante esse momento interativo.

Além dessa característica, se repararmos bem veremos que o texto conversacional é constituído principalmente dos seguintes elementos:

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• Repetições

• Correções

• Hesitações

• Paráfrase

• Elipse

• Digressões

Quanto à repetição, Marcuschi já chegou a afi rmar que é uma característica típica da fala. Além disso, ele diz que a repetição é fenômeno que representa mais de 20% da fala.

Vamos observar agora uma parte de um texto conversacional retirado do NURC (norma lingüística urbana culta) de São Paulo. O texto gira em torno de uma conversa entre uma jornalista (L1) e uma escri-tora (L2) que se conhecem e têm um grau de parentesco: são primas. Elas são viúvas, paulistanas e têm 60 anos. O diálogo foi acompanhado por uma documentadora, que introduz um tema para ser debatido. Por isso, não se trata de um diálogo espontâneo.

Agora, vamos ao texto:Doc. Gostaríamos que dessem as suas opiniões a respeito de televisão...

L1 olha I. ...eu...como você sabe...uma pessoa um diretor lá da folha...certa feita me chamou...e me incumbiu de escrever sobre televisão...o que me parece é que na ocasião...quando ele me incumbiu disso...ele pensou...que ele iria...fi car em face de uma recusa...e que eu ia...esnoBAR (ri).. agora vamos usar um termo...que eu uso bastante que todo mundo usa muito...eu ia esnobar a televisão...como todo intelectual realmente esnoba...mas acontece...que eu já tinha visto durante muito tempo televisão...porque::houve uma época na minha vida que a literatura::me fazia prestar muita atenção...e eu queria era uma fuga...então a minha fuga...era me deitar na cama...ligar o::receptor e fi car vendo...fi car vendo...e::aí eu comecei a prestar atenção naquela tela pequena...vi...não só que já se fazia muita coisa boa e também muita coisa ruim é claro...mas::vi também todas as possibilidades...que aquele veículo... ensejava e que estavam ali laTENtes para serem aproveitados...agora voCÊ...foi dos tempos heróicos...da mencionada luta

L2 eu estava na Tupi trabalhando como::...funcionária da Tupi...da rádio...Tupi...quando foi lança-da a primeira (primeira) televisão...de modo que eu vi nascer propriamente a a...televisão...

L1 vinte e cinco anos né?

L2 é( ) eu...eu vi nascer...eu estava lá...ah... todo momento né? E:::uma coisa eu gostaria de::...lem-brar a você justamente a respeito da linguagem...é o seguinte que eu noto...que muito paulista fi ca um pouco chocado...com o linguajar carioca...com os esses e os erres do carioca...

L1 silabados...

L2 que eram justamente um dos...um dos defeitos muito grandes do rádio...daquele tempo que era...quando::um::...locutor ia fazer um teste...o::...o chefe dizia a ele...”diga aí os ef/ os esses e os erres”...esse era o teste...

L1 é...

L2 para saber se ele tinha...ah::...boa dicção para falar em rádio...não é?...então ele caprichava...é isso que o Chico Anísio está...ah ah ah...caçoando...

L1 é...

L2 no programa dele...

L1 no programa dele

L2 do Chico Anísio...não é? Ele...ca/eh...eh...ele inSISte...DORme em cima dos esses e dos erres né?

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L1 dos erres...ahn

L2 e...mas eu noto que agora...sobretudo na nossa família que nós temos muita preocupação...da da linguagem simples e da linguagem::...correta

L1 exata

L2 é...exata...nós fi camos um pouco chocados com o esse e o erre exagerados dos cariocas

L1 dos cariocas

L2 que são mesmo um preciosismo inútil né?

L1 é::e agora como o que domina o mercado é a Globo...e os estúdios da Globo...estão no no Rio...isso faz com que...até os paulistas que vão para o Rio...os artistas paulistas que estão lá...

L2 adoram...

L1 eles começam a adoTAR...para não fi car diferente...e::uma vez::que::...nós estamos aqui dando um depoimento sobre esse aspecto da linGUAgem...eu já enfoquei na nas minhas crônicas da Folha...a pedra no caminho que é a:: a pronúncia tão diferente...e mesmo...a maneira de falar as singularidades que têm cada região...do país...e e e que...como isso constitui numa Pedra no caminho quando é passado em termos de arte cênica...e no caso da televisão uma vez que a televisão vai para o Brasil inteiro não é?...ar/ as redes...das grandes emissoras cobrem o Brasil inteiro...então...vo/...não sei se vocês acompanharam a polêmica em torno de Gabriela...Gabriela...ah...jornais baianos::...não é?eh::fi zeram...editoriais...a respeito de Gabriela...indignados porque...é é que aquela baiaNIce que se falava...lá não era absolutamente

L2 artifi cial

L1 a maneira...como o baiano falava...depois ao correr da novela...eu tenho a impressão que eles foram aparando essas arestas...mas a verdade é esta...é no no...por exemplo...se...estão gravando agora este...está passando agora em São Paulo O Grito não é? No Brasil todo aliás O Grito de Jorge Andrade que é um excelente autor um autor paulista...pois bem...uma grande atriz que é a Maria Fernanda...faz uma paulista de quatrocentos anos eXatamente com a linguagem que você assinalou(...)

Bem, esse é um exemplo de texto conversacional. Nele você pode observar a presença de vários pontos apresentados, caracterizadores da referida tipologia textual.

Agora, vamos exercitar o que foi depreendido nesta parte do módulo?

1. Diante do que estudamos, defi na:

Oralidade

Atividade Complementar

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Letramento

2. Agora saliente a relação que existe entre a oralidade e o letramento.

3. Tendo como base o último texto apresentado, o texto conversacional, procure identifi car nele alguns aspectos presentes na conversação e ilustre com exemplos retirados do referido texto.

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ANÁFORA: expressões de caráter coesivo que fazem referência a passagens já ocorridas no texto.

CATÁFORA: elementos coesivos que têm por propriedade realizar a antecipação de um determi-nado elemento que surgirá no texto.

COERÊNCIA: é o que dá textura a uma seqüência lingüística, ou seja, o que faz que um texto seja um texto.

COESÃO: mecanismo que dá tessitura ao texto por meio de variados elementos, como de opo-sição, remissivos, catafóricos, anafóricos, elementos assinalizadores de relações de sentidos entre enunciados ou suas partes entre outros.

ENUNCIAÇÃO: na perspectiva de Ducrot, é o acontecimento histórico do enunciado, aconteci-mento que, para ele, se confi gura como uma aparição momentânea.

ENUNCIADO: segundo Ducrot, enunciado é um fragmento do discurso que se apresenta no domínio do observável.

ENUNCIADOR: é a fi gura da enunciação que representa a pessoa cujo ponto de vista é apresen-tado. É a perspectiva que o locutor constrói e de cujo ponto de vista narra, quer identifi cando-se com ele quer distanciando-se dele.

Brandão, 1997, p.90

ESCRITA: modelo de produção textual-discursiva para fi ns comunicativos com certas especifi cida-des materiais e se caracterizaria por sua constituição gráfi ca, embora envolva também recursos de ordem pictórica e outros (situa-se no plano dos letramentos).

Marcuschi, 2005, p. 26

FORMALISMO: os estudos formalistas voltam-se para as questões relativas à língua e sua forma, aos princípios de sua organização. Nesse sentido, distancia-se da visão da linguagem e de sua rela-ção com seu meio e/ou seu contexto.

FUNCIONALISMO: leva em consideração o estudo da linguagem e sua função, estabelecendo um vínculo entre a linguagem e os contextos histórico e de interação social.

FRASE: para Ducrot, a frase, diferentemente do enunciado, não se estabelece no domínio do observável, sendo um objeto teórico inventado pela gramática. Apesar de ser uma construção do lingüista, a frase permite dar conta dos enunciados.

LETRAMENTO: processo de aprendizagem social e histórica da leitura e da escrita em contextos informais e para usos utilitários, por isso é um conjunto de práticas, ou seja, letramentos.

Marcuschi, 2005, p. 21.

LINGÜÍSTICA TEXTUAL: estudo das operações lingüísticas, cognitivas e argumentativas regu-ladoras e controladoras dos processos de produção, constituição, funcionamento e compreensão dos textos escritos ou orais.

Fávero, 2005, p.100

LOCUTOR: é uma função enunciativa que o sujeito falante exerce e através da qual se apresenta como eu no discurso. É o ser apresentado como responsável pelo dizer, mas não é um ser no mun-do, pois trata-se de uma fi cção discursiva.

Brandão, 1997, p.91

Glossário

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ORALIDADE: prática social interativa para fi ns comunicativos que se apresenta sob variadas for-mas ou gêneros textuais fundados na realidade sonora.

Marcuschi, 2005, p. 21.

PARÁFRASE: atividade de reformulação contribuidora para a coesão textual e que se diferencia da repetição principalmente pela criatividade.

POLIFONIA: termo cunhado inicialmente por Bakhtin para caracterizar a possibilidade de ocor-rência de mais de uma “voz” em um texto.

REFERÊNCIA: função pela qual um signo se relaciona a um objeto extralingüístico, podendo ser endofórico ou textual e exofórico ou situacional.

Fávero, 2005, p. 13

REITERAÇÃO: caracteriza-se por se confi gurar como repetição de uma dada expressão (ou de expressões) no texto.

TEORIA POLIFÔNICA DA ENUNCIAÇÃO: teoria desenvolvida por O. Ducrot (retomando o termo “polifonia” de Bakhtin) que visa contestar a teoria da unicidade do sujeito.

Lingüística Textual 63

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