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Ana Matos, Tiago Duarte, Sandra Nunes e Joana Sousa Coutinho 1 BAC com resíduo de vidro cofrado com CPF Ana Matos 1 Tiago Duarte 1 Sandra Nunes 2 Joana Sousa Coutinho 3 RESUMO No presente trabalho foi desenvolvido um programa experimental com o objetivo de estudar o efeito múltiplo de três fatores, a utilização de CPF em BAC com substituição de filer por resíduo de vidro moído (MGP). Neste sentido foram produzidos dois tipos de BAC, um padrão (ou seja 100% cimento) e outro eco eficiente com substituição parcial de filer por MGP, e betonadas duas paredes, sendo uma das faces moldadas com um sistema CPF. Em provetes caroteados das paredes foram realizados ensaios de durabilidade e em provetes moldados foi aferida a resistência mecânica à compressão. O estudo permitiu concluir que o MGP melhorou substancialmente as propriedades de durabilidade do BAC, sendo o efeito do CPF apenas ligeiro tendo em conta a elevada qualidade dos betões produzidos. O MGP poderá assim tornar-se um caso de sucesso de ecologia industrial na construção. Palavras-chave: Betão auto-compactável, Cofragem de permeabilidade controlada, resíduo de vidro, sustentabilidade, durabilidade. 1. INTRODUÇÃO Com a consciencialização crescente dos problemas ambientais, nomeadamente no que concerne à eficiência energética e aos gases com efeito de estufa, a indústria do cimento tem sido alvo de preocupação, uma vez que para cada tonelada de clínquer Portland é gerada quase a mesma quantidade de CO 2 . É de facto necessário reduzir os níveis de CO 2 associados ao fabrico do cimento, o que, por conseguinte, pode acarretar a redução do consumo deste material. Todavia, o consumo crescente de ligantes hidráulicos é imprescindível para o desenvolvimento da Humanidade, já que o betão é o segundo material mais consumido a nível mundial a seguir à água [1]. A prática de ecologia industrial implica reciclar os resíduos produzidos por uma indústria, para que substituam matérias-primas necessárias a outras indústrias reduzindo, assim, o impacto ambiental de ambas [2]. Correntemente, existem vários processos pelos quais resíduos de uma actividade são utilizados noutro processo de produção. Além disso uma grande parte dos resíduos gerados passam a ter valor comercial se forem tratados de forma adequada e portanto poderão ser considerados matéria-prima potencial noutros processos de produção [3], isto é, subprodutos. O uso vantajoso de resíduos industriais valorizados, isto é, subprodutos, na indústria do betão depende dos requisitos em termos de propriedades do betão mas na realidade o que determina a sua utilização como potencial constituinte são os factores económicos. Estes factores técnicos e económicos são em geral influenciados pelo custo de aterro, custo de transporte e pelos requisitos ambientais existentes [4]. Não obstante, o emprego de betões convencionais, mesmo em determinadas obras correntes, tem-se revelado, em muitas situações, economicamente inadequado, uma vez que, nas últimas décadas, a 1 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, LABEST, Porto, Portugal. [email protected] 2 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, LABEST, Porto, Portugal. [email protected] 3 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, LABEST, Porto, Portugal. [email protected]

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Ana Matos, Tiago Duarte, Sandra Nunes e Joana Sousa Coutinho

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BAC com resíduo de vidro cofrado com CPF

Ana Matos1 Tiago Duarte1 Sandra Nunes2 Joana Sousa Coutinho3 RESUMO No presente trabalho foi desenvolvido um programa experimental com o objetivo de estudar o efeito múltiplo de três fatores, a utilização de CPF em BAC com substituição de filer por resíduo de vidro moído (MGP). Neste sentido foram produzidos dois tipos de BAC, um padrão (ou seja 100% cimento) e outro eco eficiente com substituição parcial de filer por MGP, e betonadas duas paredes, sendo uma das faces moldadas com um sistema CPF. Em provetes caroteados das paredes foram realizados ensaios de durabilidade e em provetes moldados foi aferida a resistência mecânica à compressão. O estudo permitiu concluir que o MGP melhorou substancialmente as propriedades de durabilidade do BAC, sendo o efeito do CPF apenas ligeiro tendo em conta a elevada qualidade dos betões produzidos. O MGP poderá assim tornar-se um caso de sucesso de ecologia industrial na construção. Palavras-chave: Betão auto-compactável, Cofragem de permeabilidade controlada, resíduo de vidro, sustentabilidade, durabilidade. 1. INTRODUÇÃO Com a consciencialização crescente dos problemas ambientais, nomeadamente no que concerne à eficiência energética e aos gases com efeito de estufa, a indústria do cimento tem sido alvo de preocupação, uma vez que para cada tonelada de clínquer Portland é gerada quase a mesma quantidade de CO2. É de facto necessário reduzir os níveis de CO2 associados ao fabrico do cimento, o que, por conseguinte, pode acarretar a redução do consumo deste material. Todavia, o consumo crescente de ligantes hidráulicos é imprescindível para o desenvolvimento da Humanidade, já que o betão é o segundo material mais consumido a nível mundial a seguir à água [1]. A prática de ecologia industrial implica reciclar os resíduos produzidos por uma indústria, para que substituam matérias-primas necessárias a outras indústrias reduzindo, assim, o impacto ambiental de ambas [2]. Correntemente, existem vários processos pelos quais resíduos de uma actividade são utilizados noutro processo de produção. Além disso uma grande parte dos resíduos gerados passam a ter valor comercial se forem tratados de forma adequada e portanto poderão ser considerados matéria-prima potencial noutros processos de produção [3], isto é, subprodutos. O uso vantajoso de resíduos industriais valorizados, isto é, subprodutos, na indústria do betão depende dos requisitos em termos de propriedades do betão mas na realidade o que determina a sua utilização como potencial constituinte são os factores económicos. Estes factores técnicos e económicos são em geral influenciados pelo custo de aterro, custo de transporte e pelos requisitos ambientais existentes [4]. Não obstante, o emprego de betões convencionais, mesmo em determinadas obras correntes, tem-se revelado, em muitas situações, economicamente inadequado, uma vez que, nas últimas décadas, a

1 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, LABEST, Porto, Portugal. [email protected] 2 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, LABEST, Porto, Portugal. [email protected] 3 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, LABEST, Porto, Portugal. [email protected]

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experiência tem demonstrado que as estruturas de betão armado se degradam prematuramente, o que pode originar elevados custos de manutenção e reparação bem como, nalguns casos, a diminuição drástica do período de vida útil do património edificado. A presença de materiais de substituição adequados (adições) no cimento é conhecida por contribuir para a durabilidade. Os cimentos Portland compostos com adições, que contêm um elevado volume de cinzas volantes provenientes de centrais termoeléctricas, ou de escória granulada de alto-forno da indústria do aço, correspondem a excelentes exemplos de ecologia industrial porque oferecem uma solução holística para reduzir o impacto ambiental de várias indústrias [2]. Nos últimos anos têm sido realizados vários estudos no âmbito da substituição parcial de cimento por resíduos de várias indústrias. Para além de melhorar as características de durabilidade, o aproveitamento desses resíduos contribui também para a redução das emissões de CO2 e ainda economiza área de aterro. Um material pozolânico típico deve apresentar características essenciais: conter elevado conteúdo em sílica no estado amorfo, e ter uma elevada superfície específica. Constituído essencialmente por sílica (SiO2 - cerca de 70%) no estado amorfo e uma menor percentagem de sódio (Na2O) e cálcio (CaO), o vidro apresenta uma composição favorável ao desenvolvimento da reacção pozolânica. Comparativamente com as cinzas volantes, o vidro tem mais SiO2, CaO e Na2O, mas menor quantidade de alumínio e ferro (Al2O3 e Fe2O3) [5]. A investigação sobre o uso de vidro moído como substituto parcial para agregado data de muitas décadas. Os trabalhos de investigação sobre o uso de vidro moído em pó como material pozolânico começou por volta de 1970, mas a maioria dos trabalhos nesta área é relativamente recente, e tem sido incentivada como resultado de acumulação contínua de resíduos de vidro e suas consequentes questões ambientais [6]. Vários estudos têm sido realizados com intuito de avaliar o uso de vidro, como uma substituição parcial de cimento e substituição parcial de agregados finos. A maioria dos estudos existentes recomenda a sua utilização apenas como pó fino [5][7][9]. As partículas finas de vidro geralmente apresentam actividade pozolânica benéfica para o betão, enquanto partículas grossas são geralmente nocivas devido à ASR [8]. Recentemente, a tecnologia betão auto-compactável (BAC) permite repensar o processo de construção devido à melhoria da qualidade, maior produtividade e melhores condições de trabalho. O BAC é uma tecnologia sustentável cuja principal vantagem é a colocação sem necessidade de compactação obtendo-se um material homogéneo e portanto mais durável. A independência face à intervenção humana no processo de compactação sugere um betão com performance superior nas estruturas e originando tempos de vida útil mais longos. Porém, este tipo de betão é, à partida, mais dispendioso tendo em conta uma maior necessidade de finos, normalmente colmatados recorrendo a cinzas volantes, filer ou escoria granulada de alto-forno. Contudo, será possível diminuir os custos pela utilização de finos resultantes de resíduos ou subprodutos com vantagens acrescidas se pozolânicos [9],[10]. Métodos de proteção adicional podem também ser utilizados para melhorar a durabilidade das estruturas, nomeadamente as de grande envergadura. Um exemplo desta tecnologia é o sistema de cofragem de permeabilidade controlada (CPF) que origina um betão com uma superfície praticamente desprovida das usuais imperfeições e uma qualidade francamente melhorada das camadas superficiais, protegendo o betão de forma mais eficaz contra a entrada de agentes agressivos [11]. Neste âmbito, foi desenvolvido um programa experimental com o objetivo de estudar o efeito múltiplo de três fatores, a utilização de CPF em BAC com substituição de filer por resíduo de vidro moído (MGP). Assim foram produzidos dois tipos de BAC, um padrão (ou seja 100% cimento) e outro eco eficiente, isto é, com substituição parcial de filer por MGP, e betonadas duas paredes, sendo numa das faces instalado um sistema CPF. Além de esclerometria nas paredes, em carotes posteriormente extraídas das paredes foram realizados ensaios de durabilidade, nomeadamente, penetração de cloretos e resistividade; em provetes moldados foi aferida a resistência mecânica à compressão.

Ana Matos, Tiago Duarte, Sandra Nunes e Joana Sousa Coutinho

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2. PROGRAMA EXPERIMENTAL E RESULTADOS 2.1 Materiais O CEM I 42.5R foi utilizado como ligante, juntamente com filer calcário e pó de Vidro (MGP) fornecido pela empresa A. J. Oliveira Cascos de Vidro, LDA. A caracterização granulométrica dos finos encontra-se na Figura 1. As areias fina e média são provenientes de Ovar, bem como uma brita de tamanho médio, sendo as massas volúmicas, 2.660, 2.620 e 2.620 kg/m3, respetivamente. A distribuição granulométrica dos agregados encontra-se na Figura 2. O adjuvante utilizado pertence a uma marca do mercado português, SIKA, com a designação comercial Viscocrete 3006.

Figura 1 - Curva granulométrica dos finos. Figura 2 - Curva granulométrica dos agregados. 2.2 Composição, fabrico e propriedades no estado fresco dos BAC´s A fase chave na produção de BAC reside na concepção da mistura de modo a obter propriedades adequadas no estado fresco. Um BAC no estado fresco deve mostrar capacidade de enchimento, resistência à segregação e capacidade de passagem entre espaços estreitos. Para atingir estas propriedades, o conteúdo de pasta (incluindo adições minerais e superplastificante) tem de ser aumentado e o teor de agregado grosso deve ser reduzido. De acordo com o método japonês, o estudo da mistura deve ser desenvolvido primeiro ao nível da argamassa e, posteriormente, ao nível do betão (descritos detalhadamente em [12][13]). Ao nível da argamassa, os testes de espalhamento e funil [12],[13] são realizados para estudar a relação entre os constituintes da pasta e a areia. Se nesta fase de estudo as propriedades adequadas da argamassa para o BAC forem alcançadas [12], [13], na fase seguinte, os ensaios em betão, embora essenciais, são reduzidos ao mínimo possivel. Os ensaios finais ao nível do betão são necessários para quantificar a dosagem de agregado grosso, ajustar o superplastificante (se necessário) e confirmar auto-compactabilidade do betão produzido [12], [13]. Deste modo, para determinar as potencialidades de utilização de MGP como substituto parcial do filer calcário em BAC considerou-se a abordagem habitual de estudar as propriedades em argamassa em primeiro lugar. Assim realizaram-se algumas amassaduras sendo o filer calcário substituído em 50% e 100% de MGP. Como argamassas de controlo foram consideradas, uma com 100% de filer (CTL). Procedeu-se à comparação de resultados de diversos parâmetros, entre as argamassas, nomeadamente, resistênica mecânica e resistividade. Desta estapa concluiu-se que a argamassa com substituição de 50% obteve os melhores resultados nas propriedades determinadas. Após um estudo inicial com argamassas no estado fresco, de modo a entender qual a sinergia existente entre o pó de vidro moído e o cimento, foram executadas algumas betonagens de teste (30 litros) com vista a realizar os ajustes (para o estado fresco) que são normalmente necessários quando se passa de argamassa para betão. A betonagem de teste foi composta por 50% de filer calcário e 50% de pó de vidro (valores em relação à massa de adição). Aferiram-se as propriedades no estado fresco e acertou-se a dosagem de superplastificante.

BAC com resíduo de vidro cofrado com CPF

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Finalizados os acertos relativos à composição, procedeu-se ao estudo em betão. Foram realizadas duas betonagem de maior volume (110 litros), contendo o primeiro BAC apenas filer como adição, CTL, e o segundo incorporando fíler calcário e 50% de pó de vidro (em massa) como filer, MGP. Tal como se pode observar na Tabela 1, as composições estudadas apresentam as mesmas quantidades de agregados, cimento (CEM I 42.5R), água e materiais finos. No estado fresco realizou-se logo após a produção o ensaio de espalhamento (conhecido como Slump flow test) segundo a NP EN 12350-8 [14]. Este ensaio é utilizado para avaliar a capacidade de deformação, viscosidade e também a resistência à segregação do BAC por observação visual (Figura 3 a). O ensaio de escoamento no funil em V foi também efetuado seguindo o procedimento da NP EN 12350-9 [15] (Figura 3 b), permitindo avaliar a viscosidade e capacidade de passagem do BAC. A composição dos betões produzidos bem como as suas propriedades no estado fresco relativas à betonagem final encontram-se na Tabela 1. A substituição de 50% de filer calcário por MGP permitiu uma redução da dosagem de superplastificante. Apesar desta redução, o BAC com MGP exibiu uma ligeira melhoria na trabalhabilidade. Após os ensaios, foram betonadas duas paredes, uma para cada betão, sendo numa das faces de cada parede aplicado um filtro/dreno (Zemdrain MD) para constituir uma cofragem CPF (Figura 4 b), mantendo-se a face oposta a esta com a cofragem tradicional de contraplacado marítimo. Das paredes foram retirados carotes com vista à realização de ensaios de durabilidade. Conjuntamente foram betonadas cilindros com intuito de aferir a resistência à compressão.

Tabela 1- Composição dos betões auto-compactáveis na betonagem final e resultados no estado fresco.

Quantidade para 1m3 de betão (Kg)

Constituintes

CTL MGP

Cimento 400 400 Pó de vidro - 90 Filer calcário 180 90 Superplastificante 5.00 4.50 Brita 840 840 Areia fina 395 395 Areia média 395 395 Água total 160.00 160.00 Razão água ligante 0.28 0.28 Tfunil 19.00 s 16.80 Desp (mm)/t500 650mm/2.89s 720mm/2.60s

Figura 3 - a) Ensaio de espalhamento; b) Ensaio de fluidez.

a) b)

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2.3 Cofragem de permeabilidade controlada (CPF) A Cofragem de Permeabilidade Controlada (CPF) constitui uma técnica desenvolvida para melhorar directamente o betão de recobrimento. Esta técnica reduz a razão água/cimento à superfície e a sensibilidade do betão a más práticas de cura. A CPF consiste num filtro/dreno têxtil aplicado sobre a cofragem e que permite a drenagem de ar e água excedentários mas retendo as partículas de cimento e assim causando uma redução elevada da razão água/cimento na camada exterior e levando a que o betão continue a hidratar em virtude do filtro conservar humidade permitindo uma hidratação óptima formando-se assim á superfície uma "pele" muito densa. A redução da razão água/cimento na camada exterior faz aumentar a resistência superficial do betão, as resistências à abrasão, ao gelo/degelo, reduz as imperfeições superficiais, a permeabilidade á água e ao ar, a absorção capilar, a carbonatação, e a difusão de cloretos e de oxigénio [11],[16], [17] . A representação esquemática da CPF bem como a CPF utilizada neste estudo podem ser observadas na Figura 4. As propriedades da CPF utilizada constam na Tabela 2.

Figura 4 – a) Esquema da CPF; b) CPF colocada nas paredes.

Tabela 2 - Propriedades da CPF.

Propriedade Composição do filtro 100% polipropileno Dimensaão máxima dos poros do filtro < 35 µ Permeabilidade ao ar < 3.0 m3/m2s Espessura 2mm±10% 2.4 Propriedades dos betões no estado endurecido 2.4.1 Considerações gerais O aspecto das duas faces das paredes após a desmoldagem, consoante o tipo de cofragem, pode observar-se na Figura 5. Após análise das superfcies cofradas e determinação do indice esclerométrico procedeu-se ao carotamento da parede segundo o esquema da Figura 6. As carotes foram retirados a toda a espesura da parede e com duma diâmetro de 100 mm e depois cortados de modo a obter um carote com face CPF e outro com face tradicional, dando origem a dois provetes, cujas faces foram testadas (Figura 6 c).

Figura 5 – Aspeto da superfície da parede - a) cofragem tradicional; b) CPF.

a) b)

a) b)

BAC com resíduo de vidro cofrado com CPF

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Figura 6 – a) Plano de caroteamento das paredes de betão auto-compactável; b) Carotes das paredes; c) Esquema de corte nas carotes.

2.4.2 Determinação do índice esclerométrico Aos 19 dias realizou-se o ensaio não destrutivo de medição da resistência superficial com recurso ao esclerómetro de Schmidt. O esclerómetro é um aparelho que permite obter in situ, de uma forma simples, a resistência à compressão de elementos de betão. Por se tratar de um ensaio de resistência superficial, os valores obtidos são apenas representativos de uma camada até 5 cm de profundidade. A tensão de rotura à compressão, referente a provetes cúbicos ou cilíndricos, é estimada com base na sua correlação com o índice esclerométrico (Figura 7). O ensaio consiste fundamentalmente no embate de uma massa, impelida por uma mola, num percutor em contacto com a superfície e o resultado do ensaio é expresso em termos de distância repercutida pela massa [18].

Figura 7 - Relação da resistência à compressão em cilindros com o indice esclerométrico.

2.4.3 Determinação da resistência à compressão A resistência à compressão foi executada segundo a norma NP EN 12390-3 [19]. O ensaio compreende a aplicação de uma carga uniforme vertical de velocidade constante até à rotura registando-se a carga máxima aplicada. Conforme o modelo de rotura do provete o ensaio pode ser válido ou inválido.

Figura 8 – a) Provetes rectificados; b) Ensaio de resistência à compressão; c) Provete após

ensaio (válido).

a) b) c)

a) b) Face CPF

Face convencional

c)

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2.4.4 Determinação do coeficiente de difusão dos cloretos por ensaio de migração em regime não estacionário Os cloretos alteram o tempo de presa do cimento, a velocidade do endurecimento e são susceptíveis de formar compostos indesejáveis com os componentes do cimento, alterando as características previstas no caso do betão armado ou pré-esforçado. Além disso os cloretos promovem a oxidação da armadura sob a forma de ferrugem provocando não só a diminuição da sua secção, mas também expansão, pois a formação da ferrugem faz-se com um notável aumento de volume, que acaba por romper o revestimento do betão, o que acelera mais ainda o processo de corrosão e a entrada de agentes químicos agressivos. A resistência à penetração dos cloretos constitui assim uma importante propriedade para avaliar a durabilidade do betão armado e pré-esforçado. A determinação da resistência do betão à penetração por cloretos efectuado de acordo com a especificação do LNEC E-463 [20]. Este método não estacionário baseia-se numa relação teórica entre os fenómenos de difusão e migração através do qual se pode determinar a profundidade de penetração dos cloretos. Conforme o preconizado por esta especificação, submeteu-se cada provete, entre as faces circulares (direcção pela qual se dá a penetração dos cloretos) a um potencial eléctrico externo, que provoca a migração para o interior do provete dos iões cloro externos (provenientes de uma solução de cloreto de sódio), inicialmente apenas em contacto com a superfície deste. Finalizado este processo de migração os provetes foram abertos axialmente por compressão linear e, para se visualizar e medir as profundidades de penetração, pulverizaram-se as secções rectangulares com uma solução de nitrato de prata. Após ser visível a profundidade de penetração facultada pelo precipitado branco de cloreto de prata, procedeu-se à medição da profundidade de penetração de 10 mm em 10 mm, segundo o diâmetro do provete, com uma folga de 10 mm a cada bordo, obtendo deste modo sete valores para a profundidade.

Figura 9 - a) Ensaio de resistência à penetração de cloretos; b) Provetes pulverizados com nitrato de prata.

3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE RESULTADOS Os resultados obtidos nos ensaios realizados encontram-se na Tabela 3. A partir deste ponto serão usadas as seguintes abreviaturas: GP - provetes de betão moldados com 50% de pó de vidro; FL - provetes de betão moldados com 100% de fíler; FN - provetes de betão caroteados com 100% de fíler, lado cofragem normal; FC - provetes de betão caroteados com 100% de fíler, lado cofragem permeabilidade controlada; GN - provetes de betão caroteados com 50% de pó de vidro, lado cofragem normal; FC - provetes de betão caroteados com 50% de pó de vidro, lado cofragem permeabilidade controlada. Reltivamente ao estado fresco, os resultados obtidos corresponderam às expectativas e estavam de acordo com os valores recomendados [12],[13], apresentando os betões as caracteristicas da auto compactabilidade sem ocorrencia de segregação.

a) b)

BAC com resíduo de vidro cofrado com CPF

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A superficie cofrada com CPF apresentou-se livre de buracos e imperfeições que são visiveis quando é utilizada uma cofragem convencional, como se verifica na Figura 5. Os resultados da resistência à compressão foram muito similares para os dois tipos de betão produzidos, demonstrando o efeito pozolanico do MGP. Relativamente ao indice esclerométrico, o efeito da CPF não foi mensuravel, no entanto, o tipo de BAC influenciou esta medida. O BAC CTL apresentou uma dureza superficial superior, bem como, por conseguinte, maior resistência mecânica à data deste ensaio. De facto, a incorporação de materiais pozolanicos em geral retarda o processo de hidratação, uma vez que a hidratação do cimento conduz à formação de hidróxido de cálcio que vai então reagir com a pozolana. Deste modo, aos 19 dias de idade a reação pozolanica ainda não teria atingido uma fase madura, o que parece explicar uma resistênica superficial ligeiramente inferior acarretada pelo MGP. No que respeita à durabilidade, em termos genéricos pode concluir-se que a adição de vidro moído promoveu uma maior resistência à penetração de cloretos, facilmente percetivel segundo os resultados do betões GN vs FN e GC vs FC. O desempenho do betão MGP confirma assim a pozolanicidade deste material. No caso dos provetes carotados e relativamente ao betão MGP, não foi notório o efeito da CPF, sendo o coeficiente de difusão similar quando se analisam os dois tipos de cofragem neste betão, comparando o desempenho dos provetes GC relativamente aos GN (ver Figura 10). O BAC MGP insere-se na classe de resistênica elevada (muito próxima da muito elevada) face à penetração de cloretos. No que se refere ao betão padrão, o recurso à CPF melhorou a performance face aos cloretos em cerca de 40% como se compreende pela comparação dos coeficientes de difusão nos provetes FC relativamente aos FN, decaindo o coeficiente de difusão para o nivel do betão MGP (Figura 10). Os elementos moldados apresentam coeficientes de difusão bastante inferiores aos das carotes, uma vez que permaneceram em ambiente de cura mais favorável ao desenvolvimento do processo de hidratação (cura húmida e temperatura aproximadamente 20 °C), enquanto que as carotes permaneceram no ambiente de Laboratório. Em concordância com os anteriores, nos provetes moldados também se evidenciou o benefício acentuado da incorporação de MGP, provetes G, diminuindo o coeficiente de difusão para cerca de um quinto relativamente aos provetes F. Segundo [21] os provetes G pertencem à classe de resistênica face aos cloretos de “extremamente elevada”.

Tabela 3 - Resultados dos ensaios de caracterização dos betões.

Provete

Resistência compressão

90 dias (MPa)

Dns (x 10(-12)

m2/s)

Classe de resistênica aos cloretos [21]

Índice esclerométrico

19 dias

Resistênica à compressão em

cilindros (indice

esclerométrico) (MPa)

FL 81,40 9.43 Elevada - 42 Provetes

Moldados GP 82,20 1.92 Extremamente

Elevada - 36

GC - 5.32 Muito Elevada/Elevada 41

GN - 5.49 Muito Elevada/Elevada 41

FC - 5.95 Muito Elevada/Elevada 45

Carotes das

Paredes

FN - 9.46 Elevada 45

*Ensaio realizado nas paredes, antes da carotagem.

Ana Matos, Tiago Duarte, Sandra Nunes e Joana Sousa Coutinho

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Figura 10 - Efeito do MGP e CPF nos BAC´s produzidos.

4. CONCLUSÕES Em termos gerais, pode concluir-se que a melhoria de desempenho dos betões relativas ao uso de CPF foram pouco siinificativas, já que o betão fabricado apresentou bastante qualidade, tanto em termos de durabilidade como de resistência mecânica. O MGP melhorou francamente a durabilidade do betão no que respeita à penetração de cloretos sem prejudicar as suas propriedades no estado fresco. Deste modo, o resíduo de vidro moído poderá ser mais um caso de sustentabiliade e ecologia na indústria da construção. 5. AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de agradecer ao LEMC, LABEST, Secil e Sika, Riobom Trading. Este trabalho é financiado por Fundos FEDER através do Programa Operacional Factores de Competitividade – COMPETE e por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto PCTD/ECM/098117/2008. 6. REFERÊNCIAS

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BAC com resíduo de vidro cofrado com CPF

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[19] Instituto Português da Qualidade. Ensaios do betão endurecido. Parte 3: Resistência à compressão dos provetes NP EN 12390-3. Lisboa, 2009.

[20] LNEC. E-463: Determinação do coeficiente de difusão dos cloretos por migração em regime não estacionário. Lisboa, 2004.

[21] L. Nilsson, M. H.Ngo, O. E. Gjorv, «High-Performance Repair Materials for Concrete Structures in the Port of Gothenburg», Paper presented at the Second International Conference on Concrete Under Severe Conditions Environment and Loading, Ed. By O. E. Gjorv, K. Sakai and N. Banthia, E. & FN Spon, London and New York, 1998, pp. 1193-1198.