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60 R. Periodontia - Setembro 2010 - Volume 20 - Número 03 AVALIAÇÃO DA CONDIÇÃO GENGIVAL EM RESPOSTA AOS PICOS HORMONAIS DO CICLO REPRODUTIVO DA MULHER: ESTUDO CLÍNICO CONTROLADO Evaluation of the gingival condition in response to the hormonal peaks of the women’s reproductive cycle: controlled clinical trial Elizangela Partata Zuza 1 , Juliana Rico Pires 1 , Alex Tadeu Martins 1 , Maria Fernanda da Costa Albaricci 2 , Michele Cristina David 3 , Benedicto Egbert Corrêa de Toledo 4 RESUMO Vários autores consideram que os hormônios podem influenciar significativamente as doenças periodontais, particularmente em períodos de desequilíbrio do nível de hormônios sexuais relacionados ao ciclo da vida reprodutiva da mulher, desde a puberdade até a menopausa. O objetivo deste estudo foi avaliar as características gengivais relacionadas às alterações hormonais do ciclo mensal da mulher. Foram incluídas no estudo 32 mulheres, com idades entre 18 e 30 anos, independente de raça, com bom controle de placa bacteriana que foram avaliadas em três períodos distintos: 4 a 5 dias após o início da menstruação (Período controle – PC), 12 dias após o início da menstruação (Pico de estrogênio - PE) e 24 dias após o início da menstruação (Pico de progesterona - PP). Um questionário foi aplicado e em cada período de avaliação foram realizados os índices gengivais (IG) e os índices de placa (IPL). Os resultados demonstraram que não houve alterações estatisticamente significativas nos níveis de IG entre os períodos PC e PE do ciclo menstrual (p > 0,05), porém no PP verificou-se um aumento nos graus de sangramento gengival (p < 0,05). O IPL não demonstrou diferenças significativas em nenhum período experimental, com excelentes níveis de controle de placa (p > 0,05). Diante dos achados obtidos, pode-se concluir que os hormônios do ciclo menstrual, especialmente a progesterona, exercem alguma influência sobre os tecidos gengivais clinicamente saudáveis, com aumento dos sinais inflamatórios locais. UNITERMOS: gengiva, hormônios, ciclo menstrual. R Periodontia 2010; 20:60-66. 1 Professores do Curso em Ciências Odontológicas, áreas de concentração em Periodontia e Implantodontia, do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB). 2 Cirurgiã-Dentista formada pelo Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB). 3 Aluna de graduação em Odontologia do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB). 4 Coordenador do Curso em Ciências Odontológicas, áreas de concentração em Periodontia e Implantodontia, do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB). Recebimento: 21/06/10 - Correção: 29/07/10 - Aceite: 25/08/10 INTRODUÇÃO Apesar do grande volume de conhecimento relativo à etiologia primária microbiana das doenças periodontais, existem fatores secundários sistêmicos que exercem seus efeitos alterando a resistência dos tecidos à agressão provocada pelas bactérias (Klokkevold, 2004). Dentre esses fatores, considera-se que os hormônios podem influenciar significativamente as doenças do periodonto, particularmente em períodos de desequilíbrio dos hormônios sexuais relacionados ao ciclo de vida reprodutiva da mulher, desde a puberdade até a menopausa (Otomo-Corgel & Steinberg, 2002). Assim, durante os períodos de puberdade, ciclo menstrual, gravidez e menopausa, parecem ocorrer maior incidência de inflamação nos tecidos periodontais relacionados aos efeitos dos hormônios sexuais sobre o periodonto normal ou previamente inflamado (Rossa Jr., 1994; Orrico et al., 1997; Oh et al., 2002). Durante o ciclo menstrual na mulher ocorre a secreção alternada dos hormônios folículo- estimulante (FSH), luteinizante (LH), estrógeno e progesterona. O FSH e o LH são secretados pela pituitária anterior (adenohipófise), o estrogênio e a progesterona pelos ovários. Quando a menstruação

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R. Periodontia - Setembro 2010 - Volume 20 - Número 03

AVALIAÇÃO DA cONDIÇÃO GENGIVAL EM RESPOSTA AOS PIcOS HORMONAIS DO cIcLO REPRODUTIVO DA MULHER: ESTUDO cLíNIcO cONTROLADOEvaluation of the gingival condition in response to the hormonal peaks of the women’s reproductive cycle: controlled clinical trial

Elizangela Partata Zuza1, Juliana Rico Pires1, Alex Tadeu Martins1, Maria Fernanda da Costa Albaricci2, Michele Cristina David3, Benedicto Egbert Corrêa de Toledo4

RESUMOVários autores consideram que os hormônios podem

influenciar significativamente as doenças periodontais, particularmente em períodos de desequilíbrio do nível de hormônios sexuais relacionados ao ciclo da vida reprodutiva da mulher, desde a puberdade até a menopausa. O objetivo deste estudo foi avaliar as características gengivais relacionadas às alterações hormonais do ciclo mensal da mulher. Foram incluídas no estudo 32 mulheres, com idades entre 18 e 30 anos, independente de raça, com bom controle de placa bacteriana que foram avaliadas em três períodos distintos: 4 a 5 dias após o início da menstruação (Período controle – PC), 12 dias após o início da menstruação (Pico de estrogênio - PE) e 24 dias após o início da menstruação (Pico de progesterona - PP). Um questionário foi aplicado e em cada período de avaliação foram realizados os índices gengivais (IG) e os índices de placa (IPL). Os resultados demonstraram que não houve alterações estatisticamente significativas nos níveis de IG entre os períodos PC e PE do ciclo menstrual (p > 0,05), porém no PP verificou-se um aumento nos graus de sangramento gengival (p < 0,05). O IPL não demonstrou diferenças significativas em nenhum período experimental, com excelentes níveis de controle de placa (p > 0,05). Diante dos achados obtidos, pode-se concluir que os hormônios do ciclo menstrual, especialmente a progesterona, exercem alguma influência sobre os tecidos gengivais clinicamente saudáveis, com aumento dos sinais inflamatórios locais.

UNITERMOS: gengiva, hormônios, ciclo menstrual.R Periodontia 2010; 20:60-66.

1 Professores do Curso em Ciências Odontológicas, áreas de concentração em Periodontia e Implantodontia, do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB).

2 Cirurgiã-Dentista formada pelo Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB).

3 Aluna de graduação em Odontologia do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB).

4 Coordenador do Curso em Ciências Odontológicas, áreas de concentração em Periodontia e

Implantodontia, do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB).

Recebimento: 21/06/10 - Correção: 29/07/10 - Aceite: 25/08/10

INTRODUÇÃO

Apesar do grande volume de conhecimento relativo à etiologia primária microbiana das doenças periodontais, existem fatores secundários sistêmicos que exercem seus efeitos alterando a resistência dos tecidos à agressão provocada pelas bactérias (Klokkevold, 2004). Dentre esses fatores, considera-se que os hormônios podem influenciar significativamente as doenças do periodonto, particularmente em períodos de desequilíbrio dos hormônios sexuais relacionados ao ciclo de vida reprodutiva da mulher, desde a puberdade até a menopausa (Otomo-Corgel & Steinberg, 2002). Assim, durante os períodos de puberdade, ciclo menstrual, gravidez e menopausa, parecem ocorrer maior incidência de inflamação nos tecidos periodontais relacionados aos efeitos dos hormônios sexuais sobre o periodonto normal ou previamente inflamado (Rossa Jr., 1994; Orrico et al., 1997; Oh et al., 2002).

Durante o ciclo menstrual na mulher ocorre a secreção alternada dos hormônios folículo-estimulante (FSH), luteinizante (LH), estrógeno e progesterona. O FSH e o LH são secretados pela pituitária anterior (adenohipófise), o estrogênio e a progesterona pelos ovários. Quando a menstruação

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se inicia a pituitária anterior secreta maiores quantidades de FSH, juntamente com pequenas quantidades de LH. Juntos, esses hormônios promovem o crescimento de diversos folículos nos ovários e acarretam uma secreção considerável de estrogênio. Este hormônio faz com que as taxas de FSH e LH declinem e, por volta do décimo segundo dia do ciclo, há um pico desses dois hormônios. É nessa fase que há o desenvolvimento final de um dos folículos ovarianos, sendo que sua ruptura ocorre cerca de dois dias após ocorrendo a ovulação no décimo quarto dia (Otomo-Corgel & Steinberg, 2002).

Geralmente o ciclo menstrual é por volta de 28 dias mas este pode ser menor ou maior. O processo de ovulação conduz ao desenvolvimento do corpo lúteo, que secreta quantidade elevada de progesterona e quantidades consideráveis de estrogênio, diminuindo a taxa de secreção dos hormônios FSH e LH. Sem esses hormônios para estimulá-lo, o corpo lúteo involui, de modo que a secreção de estrogênio e progesterona cai para níveis muito baixos. Esse súbito declínio na secreção de ambos os hormônios dá início à menstruação. Nessa ocasião, a pituitária anterior (que estava inibida pelo estrogênio e progesterona) começa a secretar outra vez grandes quantidades de hormônio folículo-estimulante (FSH), iniciando um novo ciclo. Esse processo continua durante toda a vida reprodutiva da mulher (Laufer et al., 1982; Mascarenhas et al., 2003; Mealey & Moritz, 2003).

Achados comuns entre as mulheres que procuram tratamento dental e periodontal podem ser verificados tais como, o aumento da inflamação gengival e um desconforto durante seu ciclo menstrual, mais comumente no período de menstruação (Machtei et al., 2004. No entanto, esse fenômeno ainda não foi completamente esclarecido, sendo necessários mais estudos para melhor compreensão dos efeitos dos hormônios sexuais sobre os tecidos gengivais (Mealey & Moritz, 2003).

Dessa forma, com a aplicação de índices sensíveis de medidas das alterações gengivais, espera-se detectar quais os momentos de atuação das influências hormonais, que mais possam influenciar no estado dos tecidos gengivais das mulheres. Assim, o objetivo deste trabalho foi estudar as alterações gengivais que possam ocorrer sob a influência das alterações hormonais, que ocorrem durante o ciclo reprodutivo mensal da mulher.

MATERIAL E MÉTODOS

Participaram do presente estudo 32 mulheres jovens, com idade entre 18 e 30 anos, independente de raça, estudantes dos cursos de graduação em Odontologia do

Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB). Todas as voluntárias deveriam assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para serem incluídas no estudo e, enfim, serem submetidas à anamnese e exame clínico. Inicialmente, foram entrevistadas 118 voluntárias. No entanto, 86 mulheres foram excluídas do estudo, principalmente por fazerem uso de contraceptivos orais, apresentarem ciclos menstruais irregulares ou por serem fumantes. Outras razões diversas também foram causas de exclusão tais como: cardiopatias, diabetes, problemas renais, alterações hepáticas, discrasias sanguíneas, desequilíbrios ou alterações hormonais, gravidez, uso de antibioticoterapia nos últimos 3 meses, uso de corticosteróides ou qualquer outro medicamento hormonal nos últimos 3 meses, fatores de retenção de placa, como por exemplo, aparelhos ortodônticos, cáries ou próteses extensas.

Para serem incluídas no estudo, as participantes deveriam apresentar ciclos menstruais regulares, boa higienização bucal e, profundidade de sondagem ≤ 3 mm em todos os sítios examinados, sem sinais de perda de inserção periodontal ou inflamação gengival aparente ao exame clínico inicial. Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFEB (Protocolo no 004/08).

As mulheres foram examinadas em três momentos distintos. Assim, considerando-se um ciclo regular de 28 dias, os índices gengivais e os índices de placa foram aplicados nos seguintes períodos (Rossa Jr, 1994): 4 a 5 dias após o início da menstruação (Período controle - PC); 12 dias após o início da menstruação (Pico de estrogênio - PE) e 24 dias após o início da menstruação (Pico de progesterona - PP) (Figura 1). Os períodos foram proporcionalmente aumentados ou diminuídos, de acordo com o aumento ou diminuição de dias do ciclo menstrual mensal, seja 26, 30 ou 32 dias, desde que fossem regulares.

Um questionário foi aplicado a todas as participantes do estudo, a fim de se verificar os principais sinais e sintomas que pudessem estar relacionados ao ciclo menstrual, principalmente durante o período de menstruação ativa.

Exame ClínicoPara avaliação da saúde gengival das voluntárias, foram

utilizados o Índice Gengival (IG) (Löe, 1967) e o Índice de Placa (IPL) (Löe, 1967), os quais foram aplicados sempre pelo mesmo examinador, auxiliado por um anotador, empregando-se uma sonda periodontal do tipo Williams (Hy-Friedy, Chicago, EUA). Foram obedecidos os parâmetros de biossegurança, sendo que o instrumental clínico encontrava-se estéril, tendo seu uso individualizado para cada paciente.

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Treinamento e calibragem do examinadorOs exames clínicos foram realizados por um único

pesquisador, devidamente treinado e calibrado por um examinador experiente (“padrão ouro”). Especial atenção foi dispensada nas definições dos parâmetros clínicos e na correta execução dos procedimentos. O pesquisador foi treinado, aplicando-se o índice gengival em 10 pacientes distintos, sendo que o treinamento foi repetido a cada três meses do estudo, a fim de reafirmar se o pesquisador ainda se encontrava calibrado e relembrar os conceitos e serem avaliados.

Índice Gengival (IG)O sangramento gengival marginal foi avaliado utilizando-

se uma sonda milimetrada do tipo Williams (Hy-Friedy, Chicago, EUA), a qual foi inserida aproximadamente 1 mm intra-sulcular, percorrendo-se as superfícies gengivais de distal para mesial. A presença de sangramento gengival era anotada em ficha especificamente elaborada para esta finalidade. Os diferentes graus de inflamação foram avaliados, isto é, grau 0: Gengiva normal – a gengiva apresentava-se firme, com coloração rósea, superfície opaca, grau variado de ponteado e sem sangramento à sondagem; grau 1: Inflamação Suave – a margem gengival apresentava ligeira mudança de coloração (avermelhada) e levemente edemaciada. Não sangrava à sondagem; grau 2: Inflamação Moderada – a gengiva apresentava-se edemaciada (margem arredondada), brilhante e avermelhada, havendo sangramento à sondagem; grau 3: Inflamação Severa – a gengiva apresentava-se edemaciada e aumentada, marcadamente vermelha, com ulcerações e com tendência ao sangramento espontâneo.

Índice de Placa (IPL)O índice de placa foi avaliado da seguinte forma: grau 0

- Não havia placa visível na área gengival da superfície dental, mesmo ao passar a sonda clínica; grau 1 - Havia uma película de placa aderida à margem gengival livre e na área adjacente ao dente. A placa poderia ser reconhecida passando-se uma sonda sobre a superfície do dente, não sendo visível a olho nu; grau 2: Havia um fino e moderado acúmulo de depósitos moles na margem gengival ou na superfície dental adjacente, podendo ser visto a olho nu; grau 3: Havia um abundante acúmulo de depósitos moles, preenchendo o nicho na margem gengival e na superfície dental adjacente.

RESULTADOS

Os resultados do índice Gengival (IG) demonstraram que no período da menstruação, considerado como período controle (PC) por não haver picos hormonais, não se verificou diferenças estatisticamente significantes entre os graus de IG, apesar de haver uma predominância do grau 0. Quando houve o pico de estrogênio (PE), também se verificou ausência de diferenças estatísticas entre os diferentes graus de IG, embora tenha ocorrido um ligeiro aumento no grau 1 quando comparado ao PC. Ao se avaliar os graus de IG no período de pico de progesterona (PP), verificou-se um aumento significativo nos graus 1 e 2 com relação aos graus 0 e 3 (Teste de Friedman, p < 0,05) (Figura 2).

Na figura 3 pode-se verificar que a porcentagem de Índice de Placa (IPL) grau 0 manteve-se em excelentes níveis com médias superiores a 80% em todos os períodos experimentais. Dessa forma, houve diferença estatisticamente significativa

Figura 1. Representação esquemática do ciclo reprodutivo feminino de 28 dias (Otomo-Corgel & Steinberg, 2002).

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do grau 0 com relação aos demais graus (1, 2 e 3) desde o período controle até a fase de pico de progesterona (Teste de Friedman, p< 0,05). Não se verificou nenhum caso de grau 3, devido ao excelente controle de placa dos pacientes.

Com relação ao questionário aplicado às participantes, a prevalência de alguns sinais e sintomas pode ser verificada na Tabela 1.

DIScUSSÃO

Um dos sinais clínicos relatados por alguns autores como decorrentes do curso do ciclo menstrual é um ligeiro aumento da mobilidade dental (Friedman, 1972; Steinberg, 2001), entretanto, nenhuma paciente relatou perceber alguma mobilidade dental e esta também não foi observada

Figura 2. Porcentagem média ± desvio-padrão dos graus de Índice Gengival (IG) observados nos diferentes períodos experimentais. * Diferença estatisticamente significante entre os graus 0 e 1 e entre os graus 1 e 3; ** Diferença estatisticamente significante entre os graus 0 e 2 e entre os graus 2 e 3 (Teste de Friedman, p < 0,05).

Figura 3. Porcentagem média ± desvio-padrão dos graus de Índice de Placa (IPL) observados nos diferentes períodos experimentais. * Diferença estatisticamente significante entre o grau 0 com relação aos graus 1, 2 e 3 (Teste de Friedman, p < 0,05).

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durante os exames clínicos. Da mesma forma, em nenhuma paciente foi verificada a presença de herpes labial e úlceras aftosas nos períodos avaliados, o que também contraria a afirmação de Steinberg (2001) e Otomo-Corgel & Steinberg (2002). De acordo com Otomo-Corgel & Steinberg (2002), em alguns casos pode-se verificar na fase lútea a presença de úlceras intra-bucais recorrentes, lesões de herpes labial e infecções por Cândida.

O aumento dos hormônios sexuais durante o ciclo menstrual pode modular o desenvolvimento de inflamações gengivais localizadas (Lapp et al., 1995; Gornstein et al., 1999; Machtei et al., 2004). Gengivites localizadas foram verificadas nos nossos resultados, porém no dia da menstruação (PC) e no dia do pico de estrogênio (PE) não houve diferença significativa entre os diferentes graus do índice gengival. Por outro lado, verificou-se um aumento nos níveis de inflamação no dia do pico de progesterona (PP), com maiores níveis de sangramento gengival graus 1 (57 ± 0,9) e 2 (36 ± 0,4). Nossos achados concordam em parte com os encontrados por Machtei et al. (2004), devido esses autores terem observado maiores índices de sangramento gengival no período pré-menstrual (0,5 ± 0,08), correspondente ao pico de progesteron. No entanto, demonstrou-se também maiores níveis gengivais no período

Table 1

SINaIS E SINTOMaS RELaTadOS PELaS PacIENTES dEcORRENTES dO cIcLO MENSTRuaL

Sinais e SintomasSim

N (%)Não

N (%)

Fluxo menstrual excessivo 11 (34,4%) 21 (65,6)

Tensão Pré-Menstrual 16 (50%) 16 (50%)

Sintomas de depressão 5 (15,6%) 27 (84,4%)

Irritabilidade 23 (71,9%) 9 (28,1%)

Dificuldade de concentração 4 (12,5%) 28 (87,5%)

Cefaléia 12 (37,5%) 20 (62,5%)

Sensibilidade à dor 18 (56,25%) 14 (43,75%)

Distúrbio gastro-intestinal 7 (21,9%) 25 (78,1%)

Náuseas 0 (0%) 32 (100%)

Mobilidade dental 0 (0%) 32 (100%)

Edemaciamento gengival 7 (21,9%) 25 (78,1%)

Herpes labial 0 (0%) 32 (100%)

Úlceras aftosas 0 (0%) 32 (100%)

de ovulação, próximo ao pico de estrogênio (0,54 ± 0,07), o que não foi verificado em nossos resultados.

Os nossos resultados mostraram que o controle de placa manteve-se em níveis excelentes, sendo que em todos os períodos experimentais 80% das participantes apresentaram-se com ausência de biofilme dental, estando de acordo com os achados de Machtei et al. (200), que demonstraram que a média de índice de placa (0,85 ± 0,06) foi quase idêntica em todos os períodos, ou seja, no período de ovulação, pré-menstrual e durante a menstruação. Este fato demonstra que a gengiva normal, ou seja, aquela clinicamente saudável pode ser afetada de alguma forma pelos hormônios sexuais femininos, mesmo na ausência de biofilme dental. Contrariando os nossos achados, Holm-Pedersen & Löe (1967) afirmaram que as diferentes fases do ciclo menstrual não influenciaram a condição da gengiva clinicamente saudável, ao passo que uma gengivite é-existente foi exacerbada durante a fase de menstruação ativa.

O aumento do sangramento gengival observado em nosso estudo no período do pico de progesterona pode ser explicado devido este hormônio estar associado a um aumento da permeabilidade microvascular, alterando a produção de colágeno gengival (Otomo-Corgel & Steinberg,

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2000). Além do mais, este hormônio atua no aumento do metabolismo do folato (Thomson & Pack, 1982), estimula a produção de prostaglandinas (PGE), que agem na resposta do hospedeiro frente às inflamaçõese, aumenta a quimiotaxia dos leucócitos polimorfonucleares (Miyagi et al., 1992).

Nosso estudo não demonstrou diferença estatística nos níveis de sangramento gengival quando se avaliou a condição da gengiva no período de pico do estrogênio. Tem sido especulado que os níveis normais de estrogênio circulantes podem ser essenciais para a proteção dos tecidos periodontais. Dessa forma, a quantidade de estradiol circulante parece estar inversamente correlacionada com a prevalência das doenças periodontais (Plancak et al., 1998). Outros efeitos do estrogênio sobre o periodonto podem ser verificados, tais como, inibição das citocinas pró-inflamatórias liberadas pelas células da medula humana (Gordon et al., 2001), redução da inflamação mediada pelas células T (Josefsson et al., 1992) e inibição da quimiotaxia dos leucócitos polimorfonucleares (PMNs) (Ito et al., 1995). Por outro lado, estudos demonstraram que um dos efeitos do estrógeno sobre os tecidos periodontais seria uma diminuição da queratinização e um aumento do glicogênio epitelial, que resultaria na redução da efetividade da barreira epitelial (Manson, 2004).

Como foram verificados em nossos achados, alguns sintomas podem ocorrer durante o ciclo menstrul, tais coo, irritabilidade (71,9%), tensão pré-menstrual (50%), dificuldade de concentração (12,5%), depressão (15,6%), dentre outros; concordando com o relato de Otomo-Corgel & Steinberg (2002) de que alguns sintomas podem ocorrer durante o período menstrual, sendo que alguns casos podem ser explicados devido à possibilidade de redução nos neurotransmissores.

cONcLUSÃO

Diante dos achados, pode-se concluir que os hormônios do ciclo menstrual, especialmente a progesterona, exercem alguma influência sobre os tecidos gengivais clinicamente saudáveis, com um aumento dos sinais inflamatórios locais.

ABSTRAcT

Several authors consider that hormones may significantly influence the periodontal diseases, particularly in times of imbalance in the level of sex hormones related to the women’s reproductive cycle, from puberty to menopause. The aim of this study was to evaluate the characteristics of the gingiva related to hormonal changes during the mensal woman’s cycle. This study included 32 women, aged between 18 and

30 years, regardless of race, with good control of plaque, which were evaluated in three different periods: 4 to 5 days after onset of menstruation (Control period - PC), 12 days after the menstruation period (peak of estrogen - PE) and 24 days after the menstruation period (peak of progesterone - PP). A questionnaire was applied, and the gingival index (GI) and plaque index (IPL) were performed in each period of evaluation. The results showed no statistically significant differences in the levels of GI between the periods PC and PE of the menstrual cycle (p> 0.05), but there was an increase in the degree of gingival bleeding in the condition of PP (p< 0.05). The IPL showed no significant differences in any experimental period, with excellent levels of plaque control in all of them (p> 0.05). Considering Our findings, it can be concluded that the hormones of the menstrual cycle, especially the progesterone, can exert some influence on the clinically healthy gingival tissues, with increased of the local inflammatory signs.

UNITERMS: gingiva, hormones, menstrual cycle.

AGRADEcIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer à Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB), pela concessão de bolsa de iniciação científica (PIBIC/UNIFEB) para o desenvolvimento desta pesquisa.

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Endereço para correspondência:

Elizangela Partata Zuza

Rua Buarque, 67 - Campos Elíseos.

CEP: 14080-530 - Ribeirão Preto - SP

E-mail: [email protected]

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