aula 12 sebenta de bactereologia

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AULA Nº 12 – AULA Nº 12 – Genética Bacteriana Genética Bacteriana Os procariotas não se reproduzem sexuadamente e por isso não ocorre fusão de dois gâmetas e formação de um zigoto, onde coexistam os dois genomas parentais. Contudo, a variação genética na população procariota não é limitada. As mutações são demasiadamente raras para servirem de base à variabilidade genética dos organismos vivos. Para além destas, outros factores que contribuem para as variações genotípicas são a integração de vírus e o movimento de elementos genéticos para o cromossoma. A recombinação genética é um processo em que um novo cromossoma recombinante (com genótipo diferente de cada um dos cromossomas parentais) se forma por combinação genética do material hereditário dos dois organismos. Como resultado obtém-se um novo rearranjo de genes (ou parte de genes) e está normalmente acompanhado de uma alteração fenotípica. Para usufruir das vantagens da recombinação, as bactérias desenvolveram três mecanismos diferentes responsáveis pela recombinação genética, são eles: 1- TRANSFORMAÇÃO (captação de fragmentos de DNA do meio ambiente) 2- TRANSDUÇÃO (transporte de DNA bacteriano mediado por bacteriófagos) 3- CONJUGAÇÃO (contacto directo entre bactérias) 1

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Page 1: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

AULA Nº 12 –AULA Nº 12 –Genética BacterianaGenética Bacteriana

Os procariotas não se reproduzem sexuadamente e por isso não ocorre fusão

de dois gâmetas e formação de um zigoto, onde coexistam os dois genomas parentais.

Contudo, a variação genética na população procariota não é limitada. As mutações são

demasiadamente raras para servirem de base à variabilidade genética dos organismos

vivos. Para além destas, outros factores que contribuem para as variações genotípicas

são a integração de vírus e o movimento de elementos genéticos para o cromossoma.

A recombinação genética é um processo em que um novo cromossoma

recombinante (com genótipo diferente de cada um dos cromossomas parentais) se forma

por combinação genética do material hereditário dos dois organismos. Como resultado

obtém-se um novo rearranjo de genes (ou parte de genes) e está normalmente

acompanhado de uma alteração fenotípica.

Para usufruir das vantagens da recombinação, as bactérias desenvolveram três

mecanismos diferentes responsáveis pela recombinação genética, são eles:

1- TRANSFORMAÇÃO (captação de fragmentos de DNA do meio ambiente)

2- TRANSDUÇÃO (transporte de DNA bacteriano mediado por bacteriófagos)

3- CONJUGAÇÃO (contacto directo entre bactérias)

A HGT difere da transferência genética vertical (“de pais para filhos”), uma vez

que os genes são transferidos de organismos independentes para outros, criando

normalmente um recombinante estável com características de ambos (dador e receptor).

Os procariotas podem assim trocar de genes, o que condiciona a natureza de uma

comunidade microbiana num determinado habitat. Um exemplo que demonstra a

1

Horizontal (or lateral) gene transfer (HGT)

ouPROCESSOS DE TRANSFERÊNCIA HORIZONTAL DE GENES

Page 2: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

importância da transferência genética é a evolução dos genes resistentes a antibióticos

contra bactérias patogénicas.

Formação e destino dos merozigotos

Nos procariotas a transferência de material genético é parcial, isto é, as trocas

genéticas têm lugar entre porções do DNA. Durante a transferência horizontal de genes

para a célula receptora, esta fica temporariamente diploíde resultando na formação de

um merozigoto.

De acordo com a natureza do material genético exógeno, este pode ser um

fragmento de DNA: (figura 12.1)

a) incapaz de auto-replicação, sendo susceptível de ser degradado por nucleases

presentes na bactéria receptora. Ocorre integração quando o material genético

exogéno apresenta uma sequência homóloga com o do endógeno, permitindo a

recombinação. Ex: fragmento de um cromossoma.

2

A transferência horizontal de genes tem sido importante para a evolução de muitas espécies, não ocorrendo, por isso, apenas entre membros de uma mesma

espécie.

Figura 12.1 – Produção e destino dos merozigotos

a)

b)

c)

Page 3: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

b) capaz de auto-replicação, sendo resistente ao ataque das endonucleases. Não

necessita de se integrar dentro do cromossoma da célula receptora, mantendo-se

independente do material genético endógeno. Ex: plasmídeo.

c) destruído por nucleases, processo denominado por restrição por endonucleases

(host restriction).

TTRANSFORMAÇÃORANSFORMAÇÃO

A TRANSFORMAÇÃO (figura 12.2) é um

processo de transferência genética que consiste

na captação e introdução de segmentos de

DNA, proveniente de outras células do meio. A

transformação natural de DNA provém de um

dador bacteriano. Este processo é aleatório e

qualquer porção do genoma pode ser transferida

entre bactérias.

Quando ocorre a lise das bactérias, há

libertação de quantidades consideráveis de DNA para o meio envolvente. Estes

fragmentos podem ser relativamente grandes e

compostos por vários genes.

Exemplos de bactérias capazes de transformação natural:

Streptococcus

Bacillus

Haemophilus

Neisseria

Pseudomonas

Acinetobacter

Pelo contrário, as Enterobactérias, como a Escherichia Coli e os Proteus, não

conseguem adquirir o estado de competência naturalmente.

3

Figura 12.2 – Transformação bacteriana com fragmentos de

DNA

Page 4: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

Curiosidade: Este processo ocorre no solo e em ecossistemas aquáticos e pode ser

uma via importante de troca genética em biofilmes e noutras comunidades microbianas.

Como foi descoberta a Transformação bacteriana?

Este fenómeno foi observado pela primeira vez por Fred Griffith (em 1928) em

Pneumococcus (figura 12.3). Griffith verificou que o tipo de colónia, lisa ou rugosa,

estava relacionado com a virulência dos Pneumococcus.

12.2 (a) – Griffith injectou bactérias capsuladas (lisas) em ratos e verificou

que estes morriam. Foi possível isolar colónias de bactérias virulentas, isto é, colónias

mucosas.

12.2 (b) – Contudo, quando injectava bactérias não capsuladas (rugosas), os

ratos resistiam e continuavam vivos, ou seja, não apresentavam virulência.

12.2 (c) – Ao aquecer as bactérias capsuladas, verificou que, quando estas

eram injectadas nos ratos, perdiam a virulência.

12.2 (d) – Ao aquecer posteriormente um extracto de bactérias lisas

juntamente com bactérias rugosas e ao injectar nos ratos, observou-se que os ratos

morriam.

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Figura 12.3 – Experiência de Griffith Bactéria virulenta → Com cápsula

Bactéria avirulenta → Sem cápsula

Page 5: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

Griffith isolou o sangue dos ratos mortos e encontrou Pneumococcus

capsulados com virulência. Mas como isto poderia acontecer se as bactérias capsuladas

morriam ao serem expostas ao calor? Griffith concluiu que as bactérias não capsuladas

adquiriam um agente transformante proveniente da estirpe capsulada e tornavam-se

virulentas, pois começavam a produzir cápsula → Transformação de um genótipo

noutro. Diz-se, então, que as bactérias tornaram-se competentes, ou seja, células

capazes de aceitar fragmentos de DNA e transformá-los.

Experiências posteriores a Griffith demonstraram que o agente transformante é

o DNA.

Estado de competência

Nem todas as células da população bacteriana estão preparadas para receber

fragmentos de DNA exógeno. Somente as células que estão num estado fisiológico

particular irão ser transformadas – estado de competência. Caso isso aconteça, o

fragmento de DNA é capaz de se ligar à célula competente e entrar.

A competência é um fenómeno complexo e dependente de várias condições,

como o estado de crescimento de uma bactéria (por exemplo). A espécie Streptococcus

pneumoniae torna-se competente durante a sua fase exponencial, isto é, quando atinge

determinada concentração. Quando a população torna-se competente, bactérias como

Streptococcus pneumoniae secretam factores de competência, pequenas proteínas que

estimulam a produção de 8 a 10 novas proteínas necessárias à transformação.

Como se atinge o estado de competência?

Os seres procariontes também se conseguem diferenciar devido a moléculas

que são secretadas para o meio ambiente e que induzem o estado de competência (Auto-

indução) devido à densidade populacional.

De acordo com a figura 12.4:

1 - Baixa densidade – Não há comunicação entre as células.

2 - A quantidade de mediadores (oligopéptidos) produzidos aumenta.

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Page 6: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

3 - O factor de competência atinge um receptor e emite um sinal para o genoma,

induzindo a transdução de determinados genes, que uma vez transcritos tornam a

bactéria competente, isto é, capaz de captar o DNA.

As células competentes podem fixar, de forma irreversível, fragmentos de

DNA num receptor específico da sua parede. Este receptor não discrimina o tipo

de DNA a penetrar.

Mecanismo de TransformaçãoI

I Para uma melhor compreensão do mecanismo de Transformação poderão ver a seguinte animação: http://highered.mcgraw-hill.com/sites/0072556781/student_view0/chapter13/animation_quiz_1.html

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Figura 12.4 – Estado de Competência

Figura 12.5 – Passos necessários para o mecanismo de transformação

3

1

21

Page 7: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

1- Um fragmento de DNA (cadeia dupla) liga-se à superfície da bactéria por

proteínas (DNA binding protein);

2- Ocorre a degradação de uma das cadeias de DNA através de uma endonuclease

extracelular;

3- A cadeia não degradada liga-se a proteínas de competência, movendo-se através

da membrana plasmática;

4- Ocorre a entrada da cadeia simples de DNA

para dentro da célula até ao local onde se encontra a

cadeia complementar no cromossoma. A formação de

um heteroduplex de DNA requer os produtos do gene

rec A (também importante na reparação do genoma) e

este sistema de recombinação da célula apenas

funciona se houver uma homologia

(complementaridade) entre as duas moléculas de

DNA.

Como é que, então, o DNA é incorporado no genoma da bactéria receptora

neste processo de transferência genética?

Por recombinação geral não recíproca (figura 12.6.), característica da

transformação de algumas bactérias (embora os seres procariontes usem diferentes

tipos de recombinação). Esta corresponde à forma mais comum de recombinação e

envolve normalmente trocas genéticas entre um par de sequências homólogas de

DNA. Pode ocorrer em qualquer porção do cromossoma e resulta da quebra da cadeia

de DNA e posterior união, conduzindo aos crossing-overs.

Notas:

Os fragmentos de cadeia simples que não encontrarem uma região homóloga

desaparecem ao fim de algumas gerações;

A entrada de DNA faz-se com dispêndio de energia.

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Figura 12.6 – Recombinação geral não recíproca

Page 8: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

TTRANSDUÇÃORANSDUÇÃO

A transdução é outro dos processos de transferência horizontal de genes. É uma

forma frequente de transferência genética na natureza e é mediada por vírus, mais

concretamente bacteriófagos ou fagos – vírus que infectam bactérias.

Os vírus são estruturalmente simples e normalmente compostos por uma

molécula de ácido nucleico protegida por uma cápsula proteica (cápside). Uma vez que

são incapazes de se replicarem autonomamente, necessitam de infectar outras células de

modo a criarem novas cópias de vírus.

Ciclo lítico ou Vegetativo

Principais etapas do ciclo lítico:

1- Adsorção: Ocorre a fixação de um bacteriófago a um receptor específico de

superfície da bactéria. (Por exemplo: os vírus que atacam a Escherichia coli não são os mesmos

que infectam as Pseudomonas)

2- Penetração: O vírus bacteriano apenas injecta o seu material genético para o

interior da bactéria, permanecendo a cápsula proteica no exterior.

3- Replicação e Maturação: Após a adsorção e penetração, o bacteriófago força a

bactéria a produzir DNA viral e proteínas virais que permitem a formação de várias

partículas fágicas nas quais são incorporadas as partículas virais. Ocorre a maturação

dos fagos récem-formados.

4- Lise e Libertação: Quando a replicação dos novos vírus atinge uma

determinada concentração, estes são libertados por lise da bactéria. Após serem

libertados, estes novos fagos poderão vir a infectar novas bactérias.

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Page 9: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

Estes vírus tomam o nome de bacteriófagos virulentos e o processo é

denominado por ciclo lítico.

Ciclo lisogénico

Existem outros bacteriófagos que não matam imediatamente o seu hospedeiro.

Muitos destes vírus entram na bactéria e incorporam o seu material genético no genoma

bacteriano, dando origem ao DNA profago. O ciclo lisogénico permite a replicação

passiva do genoma viral à medida que o genoma do hospedeiro é replicado.

Este tipo de fagos são chamados bacteriófagos temperados e a relação que

estabelecem com o seu hospedeiro denomina-se lisogenia.

Os fagos temperados podem permanecer dentro da bactéria num estado inactivo

durante várias gerações. Contudo, por acção de estímulos ambientais (por ex.: exposição

a radiações ultravioleta) o ciclo vegetativo dos bacteriógafos é induzido e deixam o

ciclo lisogénico. Quando isto ocorre, a primeira etapa do processo consiste na excisão

do DNA viral a partir do genoma bacteriano que é realizada sobretudo por proteínas de

natureza viral. A célula está pronta para iniciar o ciclo lítico.

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É importante realçar que os fagos líticos apenas têm capacidade de fazer

ciclos líticos, enquanto que os fagos lisogénicos podem fazer ambos.

Page 10: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

Os dois tipos de ciclos referidos anteriormente estão resumidos no seguinte

esquema:

Tipos de transdução

Existem essencialmente dois tipos de transdução:

Transdução generalizada;

Transdução restrita.

Transdução GeneralizadaII

QUALQUER GENE PODE SER TRANSFERIDO

A transdução

generalizada ocorre durante

o ciclo lítico dos bacteriófagos

virulentos e de alguns fagos

temperados. Toma a

designação de generalizada

II Para uma melhor compreensão do mecanismo de Transdução poderão ver a seguinte animação:

http://highered.mcgraw-hill.com/sites/0072556781/student_view0/chapter13/animation_quiz_2.html

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Figura 12.7 – Representação esquemática dos ciclos lítico e lisogénico

Page 11: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

porque a porção do genoma que entra na bactéria não é conhecida, é uma porção ao

acaso.

A transdução generalizada começa com o ataque de um bacteriófago a uma

célula hospedeira, introduzindo-lhe o seu material genético. Entretanto ocorre a

fragmentação do genoma da

célula hospedeira por nucleases

de natureza viral. Esses fragmentos (de tamanho semelhante ao do genoma do

bacteriófago) podem vir a ser encapsulados resultando na formação de partículas

transdutoras (para além da formação de novos fagos maduros a partir do DNA fágico).

A frequência de formação de partículas transdutoras é muito baixa. Em cada 106

partículas virais formadas há apenas uma partícula transdutora (figura 12.8 – partícula

assinalada). Esta partícula ao encontrar uma nova célula sensível irá introduzir o

segmento de DNA. (O fragmento de DNA bacteriano que é transportado por uma

partícula fágica foi apenas seleccionado pelo tamanho e, por consequência, qualquer dos

caracteres da bactéria dadora pode ser transferido.) Uma vez no interior da célula, o

fragmento irá ser conduzido para a região homóloga do genoma onde, após alinhamento

entre sequências homólogas poderá ocorrer recombinação. Por fim a célula multiplica-

se, transportanto o novo material genético.

Notas:

Tal como na transformação, uma vez injectado, o DNA tem de ser incorporado

no cromossoma da célula hospedeira de modo a preservar os genes transferidos. O DNA

permanece em cadeia dupla durante a transferência e ambas as cadeias são incorporadas

no material genético endógeno. Cerca de 70 a 90% do DNA transferido não é

incorporado, mas normalmente é capaz de sobreviver temporariamente e ser expresso.

(Este tipo de bactérias que contêm este “DNA não-incorporado” são chamadas de transdutores abortivos.)

A quantidade de DNA bacteriano existente nos fagos é variável, dependendo

primariamente no tamanho da cápside. O fago P22 (Salmonella enterica) normalmente

transporta cerca de 1% do seu genoma, já o P1 (Escherichia coli) e uma grande

variedade de bactérias gram negativas transporta cerca de 2 a 2,5% do seu genoma.

Estes dois bacteriófagos são exemplos de vírus que realizam a transdução generalizada.

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Figura 12.8 – Transdução generalizada em bactérias

Page 12: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

Transdução Restrita

RECOMBINAÇÃO EM ALVO ESPECÍFICA

A transdução restrita ocorre durante o ciclo lisogénico dos bacteriófagos

temperados e toma esta designação visto que apenas são incorporadas porções

específicas do genoma bacteriano. Este tipo de transdução é possível devido a um erro

que ocorre no ciclo de vida lisogénico, onde os fagos introduzem o seu DNA em sítios

específicos do genoma do hospedeiro. Após uma indução na célula lisogenizada, ocorre

a excisão do profago a partir do DNA da célula hospedeira (bactéria). O profago fica

com porções do genoma bacteriano e é a partir deste que ocorre replicação. De seguida,

os fagos formados são libertados da célula hospedeira para infectarem outras células.

Quando as condições do meio são apropriadas, há integração do DNA do bacteriófago

no DNA da bactéria hospedeira – formação de profago.

12

Figura 12.9 – Transdução especializada por uma bactéria temperada (a recombinação pode produzir

dois tipos de transdutores)

Page 13: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

Mecanismo de transdução para o bacteriófago λ

O modelo melhor estudado é o protagonizado pelo bacteriófago λ (figura 12.10),

que apenas transfere os genes bio ou gal para outra bactéria (que se encontram um de

cada lado do local onde o DNA viral se integra).

O ciclo lisogénico do bacteriófago λ

determina a integração do seu DNA num

local específico do genoma da E. coli situado

entre os operões galactose (gal) e biotina

(bio) que corresponde ao sítio de ligação (att

sites).

Este fenómeno denomina-se

recombinação em alvo específico e é mediada por proteínas reguladoras que

funcionam como repressores ou activadores.

Na presença de uma proteína repressora (de natureza fágica) é estabelecido o

ciclo lisogénico, inibindo a ocorrência do ciclo vegetativo, isto é, impedindo a

transcrição de todos os genes que participam no ciclo vegetativo. Deste modo os genes

virais são replicados e transmitidos às novas células como qualquer outro gene

bacteriano.

13

Figura 12.11 – Inserção reversível e excisão do bacteriófago λ

Sítio de ligação do bacteriófago λ

Sítio de ligação da bactéria hospedeira

Figura 12.10 – Bacteriófago λ

Page 14: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

Uma vez que o ciclo lisogénico é estabelecido, o genoma do fago λ (vírus)

integra-se no cromossoma bacteriano (célula hospedeira). Esta integração é catalizada

por uma enzima integrase e ocorre ao nível do sítio de ligação da bactéria (BB’). Como

os sítios de ligação do bacteriófago e da bactéria hospedeira são semelhantes, podem

complexar um com o outro. Deste modo, como resultado de integração, o genoma

circular do fago λ torna-se uma cadeia linear localizada entre os dois operões gal e bio

(profago). O profago pode permanecer integrado indefinidamente, sendo replicado à

medida que o genoma bacteriano é replicado.

Caso contrário, sob a acção de estímulos ambientais, o ciclo vegetativo do

bacteriófago é induzido. A indução ocorre após a degradação da proteína repressora

pelo produto do gene rec A activado e libertação das proteínas promotoras. Dá-se então

início ao ciclo vegetativo do bacteriófago tendo como resultado a produção de inúmeras

partículas virais e a lise das células. A primeira etapa deste processo consiste na excisão

do DNA viral a partir genoma bacteriano que é realizada especialmente por proteínas de

natureza viral.

CCONJUGAÇÃOONJUGAÇÃO

EXPERIÊNCIA DE CONJUGAÇÃO BACTERIANA (LEDERBERG E TATUM 1946)

14

Page 15: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

Em 1946, Joshua Lederberg e Edward

Tatum executaram uma experiência, que mais

tarde veio a demonstrar o fenómeno de

conjugação bacteriana (figura 12.12).

Num tubo usaram um auxotrófico triplo

(de forma a evitar a possibilidade de ocorrer

processos de reversão), um meio de cultura

mínimo e um agente mutagénico, tendo feito o

mesmo noutro tubo mas com um auxotrófico

diferente. Incubaram e verificaram que não

houve crescimento de colónias. Entretanto

juntaram as duas colónias e após incubação

observaram que houve crescimento de colónias.

A partir da experiência conseguiram detectar

alguns recombinantes provenientes do contacto

entre duas estirpes bacterianas auxotróficas,

estirpes com necessidades nutricionais

específicas, utilizando um meio selectivo, contendo como única fonte de carbono a

glucose. Neste meio nenhuma das estirpes parentais poderia crescer por falta de factores

nutricionais. O desenvolvimento das colónias seria revelador de que uma estirpe

prototrófica (isto é, que necessita de factores de crescimento específicos) teria

resultado do contacto directo entre as duas estirpes auxotróficas, ou seja, os dois

auxotróficos transferiam genes entre si o que lhes permitiu conseguir sintetizar as

substâncias que outrora não conseguiam e assim proliferar no meio.

A conjugação é então a transferência de genes por contacto directo.

Desvantagem da técnica: Uniformidade morfológica das células bacterianas.

Cruzamento F+ x F- III

III Para uma melhor compreensão do mecanismo de Conjugação poderão ver a seguinte animação:

http://highered.mcgraw-hill.com/sites/0072556781/student_view0/chapter13/animation_quiz_3.html

15

Figura 12.12 – Experiência de conjugação

Colónias Colónias

Colónias de prototróficos recombinantes

Page 16: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

A conjugação mediada pelo factor F é

um dos sistemas de conjugação melhor

estudados. O factor F ou factor de fertilidade

contém genes responsáveis pela união das

células e pela transferência de plasmídeos entre

estirpes bacterianas específicas durante a

conjugação. O factor F também tem variados

segmentos que constituem as sequências de

inserção que participam na integração do plasmídeo no cromossoma da célula

hospedeira. Muitos dos quais dirigem a formação de pili sexuais e outros auxiliam a

transferência de DNA. (figura 12.13)

Experiências de cruzamentos entre bactérias revelaram ainda que a transferência

genética nas bactérias é unidireccional (= não recíproca, polar). Os genes são

transferidos de uma bactéria dadora ou fertilizante (F+) para uma bactéria receptora

ou não-fertilizante (F-).

No cruzamento F+ x F-, a bactéria F- é convertida a

F+. Esta como tem os genes, é capaz de formar o pili sexual,

através do qual cede o seu material genético à F-.

Simultaneamente a bactéria F+ produz uma cadeia de DNA

para si, já que ao transferir os seus genes ficaria sem

material genético. A F- ao receber o material genético de F+

torna-se também uma bactéria F+. F+ tem o Factor F

incorporado.

Considerando as duas situações seguintes:

16

Pili sexualCélula F+

Célula F-

Figura 12.13 – Conjugação de duas E. coli

Figura 12.14 – Conjugação F+ x F-

Page 17: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

1ª Situação: Cruzamento entre F+ pro+,leu+,arg+ x F- pro-,leu-,arg-,strR

As células F+, devido ao seu genótipo, crescem em meio mínimo enquanto que

as células F- não. Como apenas as células F- são estreptomicina resistentes (strR), se

adicionarmos ao meio mínimo (com uma mistura destas duas estirpes) estreptomicina,

só crescem as células F- que se tenham recombinado com F+, ou seja, apenas crescem

aquelas que adquirem os genes que lhes permitam viver nesse meio. Contudo, as F+ de

origem morrem por acção de um antibiótico. As novas F+ recombinadas não morreram

porque mantiveram a resistência que já tinham na sua forma F -, isto é, a estirpe F-

adquiriu novos genes (passou a F+), não perdendo os que já possuía. Assim sendo, a

estreptomicina funciona como seleccionador para que apenas cresçam recombinantes

derivados das F - .

2ª Situação:

Se agora voltarmos ao meio mínimo (com as duas estirpes), estreptomicina,

leucina e arginina, obtemos um meio de selecção em que apenas falta prolina à F - para

poder sobreviver. Então neste meio só sobrevivem as pro+ e esse caractér tem de ser

previamente fornecido pelas F+ que depois morreram devido à estreptomicina. Assim é

possível determinar a frequência de passagem da prolina de F+ para F-. Podemos fazer o

mesmo relativamente à leucina, juntando ao meio mínimo estreptomicina, arginina e

prolina, determinando de seguida a frequência da leu+.

Quais as conclusões que se podem deduzir destas experiências?

1ª Situação:

17

Figura 12.15 – Cruzamento entre F+

pro+,leu+,arg+ x F- pro-,leu-,arg-,strR

Page 18: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

Realizando um cruzamento entre F+ e F- é possível determinar as frequências

dos recombinantes obtidos, isto é, 50% das bactérias F- foram transformadas em F+ . O

factor F propagou-se e é infeccioso para as células F-. Assim, conclui-se que 50% das

bactérias que não tinham capacidade de transferir genes a adquiriram.

2ª Situação:

Para qualquer um dos outros caracteres (prolina, leucina e arginina) a frequência

de recombinação era muito menor, da ordem de 1/106.

Destes resultados conclui-se que o factor F não poderia estar ligado aos

caracteres prolina, leucina e arginina, pelo que a frequência de passagem de F não é

igual à frequência de arginina, leucina e prolina. Tal como é lógico, não é possível

encontrar um material genético em que um dos caracteres recombina-se com uma

frequência de 50% e os restantes só se recombinassem com uma frequência de 1/106.

Isto só poderia acontecer se o caracter F não estivesse na mesma molécula que os outros

caracteres. Daqui se concluiu que as características leucina, prolina e arginina

encontram-se codificadas no DNA bacteriano, enquanto que o factor F é um

elemento extracromossómico (plasmídeo).

Desta forma descobriu-se que deveria existir uma forma de material genético

fora do cromossoma, capaz de se mobilizar para outras células (plasmídeos).

Se é o factor F que tem a capacidade de mobilidade para a célula F-, então

como é que, sendo o factor F e o cromossoma bacteriano duas entidades separadas,

se dá a passagem de um gene cromossomal para a célula F-?

Depois da descoberta do cruzamento F+ x F-, descobriu-se um segundo tipo de

conjugação mediado pelo Factor F → conjugação HFRIV (alta frequência de

recombinantes).

IV Para uma melhor compreensão do mecanismo de Conjugação poderão ver a seguinte animação:

http://highered.mcgraw-hill.com/sites/0072556781/student_view0/chapter13/animation_quiz_4.html

18

Cruzamento HFR x F-

Page 19: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

As bactérias HFR são bactérias F+ cujo Factor F (plasmídeo) se encontra

integrado no cromossoma bacteriano, isto é, passa a ser dependente da replicação do

cromossoma. Estas células HFR diferem das F+ porque o plasmídeo raramente é

transferido na conjugação. Enquanto que nas células F+ o plasmídeo é transferido.

Assim sendo, a frequência de recombinação

genética entre HFR e F- é elevada, mas a

transferência de plasmídeo F é baixa. Esta

situação é oposta à que ocorre num cruzamento

entre F+ x F-. Portanto a frequência de recombinação

de caracteres passa a ser muito superior à do

cruzamento F+ x F- (que era de 1:106), ou seja,

1:103; 5:104; 2:105 no caso da prolina, leucina e

arginina respectivamente. Estes resultados traduzem

que:

A frequência de recombinações vai diminuindo à medida que os caracteres se

vão sucedendo uns aos outros;

A transferência do material genético é um processo sequencial (não passam

todos ao mesmo tempo), progressivo e unidireccional (só se faz no sentido da célula

dadora para a receptora).

A transferência do DNA é sequencial e inicia-se no sítio

do cromossoma onde está localizado o Factor F ( ori T ), pois é

aí que actua a endonuclease específica. Assim, a primeira

porção do DNA cromossomal a ser transferida é a primeira

metade do Factor F, seguindo-se a prolina, leucina e arginina

(figura 12.17). O cromossoma vai “rodando”, transferindo

cadeias de DNA à célula receptora, dando-se depois a

recombinação genética. Supostamente a última porção a ser transferida seria a outra

metade do Factor F, mas como geralmente a conjugação não ocorre por completo, esta

19

Figura 12.16 – Cruzamento HFR x F-

No cruzamento HFR x F-as células recombinantes não se tornam F+ (náo recebem

o factor F), embora seja ele o mediador deste processo.

Figura 12.17 – Bactéria F+

Como se explica este fenómeno?

Page 20: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

porção não entra na célula receptora. As células resultantes não têm capacidade de

transmitir os seus genes, pois permanecem F-.

Como ocorre a replicação do DNA no factor F?

Pelo modelo de Replicação em

“rolling-circle”V. É um tipo de mecanismo

de troca genética observado em muitas

bactérias.

Neste mecanismo, uma das cadeias é

cortada e a terminação livre 3’-OH é

estendida por enzimas de replicação (DNA

polimerase). À medida que a terminação 3’-

OH é alongada, o ponto de crescimento roda

em torno do molde circular. A terminação

5’-P (grupo fosfato) é deslocada e forma

uma cadeia simples (a laranja) que se estende

do molde circular. A cadeia simples é

convertida numa cadeia dupla de DNA

V Para uma melhor compreensão do mecanismo de Conjugação poderão ver a seguinte animação:

http://highered.mcgraw-hill.com/sites/0072556781/student_view0/chapter13/animation_quiz_6.html

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Figura 12.19 – Replicação em “rolling-circle”

Figura 12.18 – A transferência genética pode ocorrer na direcção dos ponteiros do

relógio ou na direcção oposta dependendo da orientação do factor F integrado.

ori (origem de replicação) – sítio do

plasmídeo onde se inicia a replicação do DNA

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através da síntese de uma cadeia complementar que a reveste (envolvendo para isso

primers de RNA).

Mapeamento do genoma

Os três processos de transferência genética anteriormente estudados foram

usados no mapeamento do genoma.

A conjugação HFR é frequentemente usada para mapear a localização relativa

dos genes bacterianos. Durante a conjugação, o cromossoma move-se da célula dadora

para a receptora numa taxa constante. A partir de experiências de co-transdução (fago

P1) e cruzamentos interrompidos entre estirpes HFR e F- foi possível obter o mapa

genético da Escherichia coli. (figura 12.20)

A transferência linear de genes é interrompida através da destruição da ponte de

conjugação que une as duas células de modo a estudar a sequência genética que entra

para a célula receptora. A ordem e o tempo de transferência de genes podem ser

determinadas uma vez que esta

estabelece uma relação directa

com a ordem pela qual os

genes se localizam no

cromossoma bacteriano. Como

resultado obtém-se um

cromossoma circular com

distâncias expressas em termos

dos minutos decorridos desde

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Figura 12.20 – Mapa genético circular da E. coli com genes seleccionados. O círculo interno mostra a origem e a direcção da transferência de várias

estirpes HFR. Todo o mapa está ajustado para 100 minutos, tempo necessário para transferir o

cromossoma de uma bactéria HFR para uma F- a 37ºC.

O Factor F é um epissoma pois pode existir estando ou não integrado no

cromossoma de uma célula.

Page 22: AULA 12 Sebenta de Bactereologia

que um gene é transferido. Os minutos são uma indicação da distância dos genes do

mapa e não uma medida de tempo.

Não é possível produzir um mapa do genoma da E. coli a partir de uma única

estirpe de HFR devido à complexidade e tamanho do genoma desta bactéria. Pelo

contrário são necessárias várias estirpes HFR (com plasmídeos F incorporados em zonas

distintas) de modo a criar mapas sobrepostos uns nos outros.

Nota:

Apesar da maior parte dos estudos acerca da conjugação tenham sido feitos com

bactérias Gram- como a E. coli, este processo também está presente nas bactérias

Gram+ como os Enterococcus. Contudo nesta classe, a conjugação é menos

compreendida. Pensa-se que envolve a transferência de menos genes provavelmente

pois a transferência não envolve necessariamente o pili sexual. Por exemplo: os

Enterococcus feacallis libertam péptidos que actuam em sinais químicos que activam a

transferência de genes. O dador e o receptor aderem um ao outro através de proteínas

específicas que são produzidas pela célula dadora.

As feromonas produzem sinais que vão fazer com que as bactérias dadoras

produzam uma adenina que rodeia a população (biofilme, por exemplo). Forma-se um

agregado onde vai haver transferência de genes.

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Figura 12.21 – Exemplo de transferência gené5tica entre gram-.

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Bibliografia usada para a aula nº12:

Slides das Teóricas

Prescott, Harley, and Klein’s MICROBIOLOGY , de Joanne M. Willey, Linda M.

Sherwood e Christopher J. Woolverton, Edição Internacional – 5ª edição, McGrawHill,

Cap. 11 (pag. 257→ 258); Cap. 13 (pag. 330→ 352); Cap. 17 (pag. 438→ 442)

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