aula 14 sebenta de bactereologia

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AULA Nº 14 - Bacteriófagos Os vírus são um grupo bastante complexo, diverso e fascinante, cujo estudo tem contribuído para a evolução de áreas como a genética e a biologia molecular. Os vírus foram descritos inicialmente como “agentes filtráveis”. Devido ao seu pequeno tamanho, os vírus são capazes de atravessar filtros destinados a reter bactérias. Os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios que dependem da maquinaria bioquímica da célula hospedeira para a sua replicação. Alem disso, a replicação dos vírus ocorre principalmente através da montagem dos componentes individuais em vez do processo de divisão binária. Os vírus podem existir fora das células mas numa forma inertes. Os vírus mais simples são constituídos por um ácido nucleico podendo ele ser DNA ou RNA, envolto numa cápsula proteica. Os vírus são desprovidos da capacidade de fabricar energia ou substratos, são incapazes de sintetizar as suas próprias proteínas, e não podem replicar o genoma independentemente da célula hospedeira. Fig 14.1 Estrutura Geral

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Page 1: AULA 14 Sebenta de Bactereologia

AULA Nº 14 - Bacteriófagos

Os vírus são um grupo bastante complexo, diverso e fascinante, cujo estudo tem

contribuído para a evolução de áreas como a genética e a biologia molecular.

Os vírus foram descritos inicialmente como “agentes filtráveis”. Devido ao seu

pequeno tamanho, os vírus são capazes de atravessar filtros destinados a reter bactérias.

Os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios que dependem da maquinaria

bioquímica da célula hospedeira para a sua replicação. Alem disso, a replicação dos

vírus ocorre principalmente através da montagem dos componentes individuais em vez

do processo de divisão binária. Os vírus podem existir fora das células mas numa forma

inertes.

Os vírus mais simples são constituídos por um ácido nucleico podendo ele ser

DNA ou RNA, envolto numa cápsula proteica. Os vírus são desprovidos da capacidade

de fabricar energia ou substratos, são incapazes de sintetizar as suas próprias proteínas,

e não podem replicar o genoma independentemente da célula hospedeira.

Os vírus são agentes infecciosos. Para infectar os seres humanos e outros

hospedeiros, a estrutura física e genética dos vírus foi aperfeiçoada por mutação e

selecção. Para que isto ocorra, os vírus devem ter a capacidade de suportar condições

ambientais adversas, atravessar a pele ou outras barreiras protectoras do hospedeiro,

adaptar-se à maquinaria bioquímica da célula hospedeira para replicação e devem

resistir à resposta imunológica do hospedeiro.

Após uma abordagem geral aos vírus, vamos centrar o nosso estudo nos vírus

que invadem as bactérias – bacteriófagos.

Fig 14.1 – Estrutura Geral de um Vírus

Page 2: AULA 14 Sebenta de Bactereologia

Os bacteriófagos foram observados por Frederick Twort em 1915 e por Felix

d’Herelle em 1917. Observaram que certas culturas de bactérias intestinais podiam ser

dissolvidas pela adição de filtrado obtido de águas residuais que não continha bactérias.

Considerou-se então que a lise das células bacterianas foi provocada por um vírus que

se designava por “veneno filtrável” (“Vírus” em Latim significa “veneno”).

Os bacteriófagos são a forma de vida mais abundante no planeta Terra e são os

agentes mais importantes na evolução microbiana. Foi estimado que um grande número

de espécies de bacteriófagos infecta uma só espécie de bactérias. São importantes na

indústria e na medicina. Por exemplo, muitos fagos que destroem a bactéria gram-

positiva do ácido láctico são essenciais para a fermentação do leite usado em produtos

lácteos. Os bacteriófagos possuem vários factores de virulência que transformam os

seus hospedeiros bacterianos em seres patogénicos como: Streptoccocus pyogenes,

Staphylococcus aureus, Corynebacterium diphtheriae, Vibrio cholerae, E. Coli

O157:H7 e a Salmonella enterica. Por outro lado, os bacteriófagos têm sido usados no

tratamento de doenças de origem bacteriana. Várias pesquisas concluem que o uso de

fagos pode ser eficiente no tratamento de infecções bacterianas, incluindo aquelas

causadas por bactérias resistentes aos antibióticos.

Classificação dos Bacteriófagos

A classificação de algumas das famílias de bacteriófagos é mostrada na Fig.14.3.

Esta classificação foi estabelecida pela International Committee for the Taxonomy of

Viruses (ICTV), instituição responsável pela classificação de todos os vírus, incluindo

aqueles que infectam bactérias e Archea. Das quase 2000 espécies de vírus classificadas

e catalogadas pela ICTV, a maioria são vírus das células eucariotas e das bacterianas.

Fig 14.2 - Frederick Twort

Fig 14.3 - Felix d’Herelle

Page 3: AULA 14 Sebenta de Bactereologia

De facto, apenas 40 vírus de Archea foram identificados. Embora a descoberta de vírus

de Archea tenha tido um significante impacto na nossa compreensão dos vírus e no

esquema de classificação da ICTV, os vírus Archea levaram ao conhecimento de 4

novas famílias de vírus e há pelo menos mais 3 famílias a aguardar a aprovação da

ICTV. Isto deve-se em primeiro lugar ás morfologias pouco comuns observadas entre os

vírus Archea já conhecidos, incluindo vírus que são em forma de eixo (spindle-shaped)

e em forma de gotícula (droplet-shaped). Além do mais, muitos possuem envelope. De

entre os vírus Archea, apenas Methanobacterium e Halobacterium são colocados com

os vírus bacterianos (família Siphoviridae e Myoviridae, respectivamente), porque

apresentam cápsula e cauda semelhantes aos fagos existentes nas famílias de

bacteriófagos. Os restantes 6 vírus Archea definem as novas famílias de vírus Archea:

Fuselloviridae, Guttaviridae, Lipothrixviridae e Rudiviridae. Todas as outras famílias

ilustradas na fig. 14.3 contêm bacteriófagos.

A presença de cápsula é um traço do fenótipo usado para classificar os vírus

procariotas.

Os bacteriófagos exibem uma enorme diversidade em termos de genoma.

Embora a maioria possua dupla cadeia de DNA (dsDNA), existem fagos com uma única

cadeia de DNA (ssDNA), uma única cadeia de RNA (ssRNA) e uma dupla cadeia de

RNA (dsRNA). Existe menos diversidade entre os genomas dos vírus Archea. Todos

são vírus dsDNA, quer circular ou linear. Podemos ainda classificá-los segundo a

natureza do hospedeiro que invadem.

Esquematicamente:

Ácido Nucleico

Estrutura da Cápside

DNA- linear ou circular, cadeia dupla ou simples

RNA- cadeia dupla ou simples, de sinal positivo ou negativo

Icosaédrica

Helicoidal

Page 4: AULA 14 Sebenta de Bactereologia

Natureza do Hospedeiro

Bactérias

Replicação do DNA dos Bacteriófagos: Ciclo Lítico

Depois da reprodução dos bacteriófagos dentro das células hospedeiras, muitos

deles são libertados quando a célula é destruída por lise. O ciclo de vida de um fago que

culmina com a destruição da célula hospedeira e a libertação de vírus é chamado de

ciclo lítico, e os vírus que se reproduzem deste modo são chamados de vírus virulentos.

Experiência de Crescimento num só Passo (The One-Step Growth Experiment)

Fig.14.4 – Classificação dos bacteriófagos

Vertebrados

Invertebrados

Plantas

Fungos

Page 5: AULA 14 Sebenta de Bactereologia

Fig 14.5 – The One-Step Growth Curve

O desenvolvimento da experiência de crescimento num só passo em 1939 por Max

Delbrück e Emory Ellis marca o começo da pesquisa moderna de bacteriófagos. Na

experiencia de crescimento num só passo, a reprodução de uma grande população de

fagos é sincronizada, podendo desta forma serem seguidos os eventos moleculares que

ocorrem durante a reprodução.

A cultura de E. Coli (bactéria susceptível) é misturada com partículas de

bacteriófagos. Espera-se um intervalo de tempo para que os bacteriófagos se unam ás

suas células hospedeiras. A cultura é depois diluída para evitar que os vírus libertados

aquando da lise das células hospedeiras não voltem a infectar novas células. Assim, os

fagos têm menos probabilidade de contactar com uma célula hospedeira numa mistura

diluída. O número de partículas de fagos inactivos libertados pela bactéria é

subsequentemente determinado em vários intervalos por um ensaio em placa.

Um lote de bacteriófagos libertados pelas células hospedeiras versus o tempo mostra

várias fases distintas. Durante o período de latência, que imediatamente segue a adição

de fagos, não existe libertação de vírus. Isto é seguido pelo burst size que se caracteriza

pela libertação de fagos inactivos devido á rápida lise das células hospedeiras. Por fim,

um patamar é alcançado e não

há mais vírus a serem

libertados. O número total de

fagos libertados pode ser usado

para calcular o burst size, o

número de vírus produzidos

por célula infectada.

O período de latência é o

intervalo de tempo mais curto

necessário para a reprodução e

libertação dos vírus. Durante a

primeira parte desta fase, as

bactérias hospedeiras não contêm

nenhum vírus completo e inactivo. Este

segmento inicial do período de latência é chamado de período de eclipse porque os vírus

detectáveis antes da infecção estão agora ocultados. O número de fagos completos e não

efectivos dentro do hospedeiro aumenta depois do fim do período de eclipse e as células

hospedeiras estão preparadas para sofrerem lise.

Page 6: AULA 14 Sebenta de Bactereologia

Entre o começo da experiencia do crescimento num só passo e o burst final, uma

serie de eventos ocorrem. Os eventos mais importantes são a adsorção para a célula

hospedeira, a penetração viral da célula hospedeira, a síntese de ácidos nucleicos e

proteínas virais, a reunião de partículas de fagos e libertação de vírus.

Adsorção e Penetração

Tal e qual como todos os vírus, os bacteriófagos não aderem aleatoriamente á

superfície de uma célula hospedeira. Eles fixam-se em estruturas específicas da

superfície chamadas de receptores. A natureza destes receptores varia com o fago. Uma

parede celular com lipopolissacáridos, proteínas, ácidos teicóicos, flagelos, e pili podem

servir como receptores. É o caso dos fagos T da E. Coli que usam a parede celular

lipopolissacárida ou as proteínas como receptores. A variação nas propriedades dos

receptores é responsável pela preferência dos fagos por determinados hospedeiros.

Receptor Fago Hospedeiro

Flagelos PBS1 Bacillus subtilis

F-Pilus M13, R17, fd E.Coli

Lipopolissacarídeo T4,T7 E.Coli

Proteínas da membrana externa para:

Transporte de ferro

Transporte da maltose

T1

λ

E.Coli

Ácidos teicoicos Φ29 B.subtilis

A adsorção dos fagos T envolve muitas estruturas em cauda. A adesão do fago

começa quando a fibra em forma de cauda contacta com o receptor apropriado. Á

medida que mais fibras em forma de cauda fazem contacto, a base assenta na superfície.

A ligação é devida ás interacções electrostáticas e é influenciada pelo pH e pela

presença de iões tais como o Mg2+ e Ca2+. Depois de a base estar firmemente assente na

superfície, mudanças conformacionais ocorrem na base e bainha, e a bainha em forma

de cauda reorganiza-se para que fique mais curto. A bainha torna-se mais curta e o tubo

Page 7: AULA 14 Sebenta de Bactereologia

Fig 14.6- Adsorção do Fago T4 e Injecção doDNA

central ou núcleo é empurrado através da parede bacteriana. A base contem a proteína

gp5 que tem actividade de lisozima, ajudando na penetração do tubo através da camada

de peptidoglicano. Finalmente o DNA linear é expelido da cabeça, através do tubo da

cauda para dentro do hospedeiro. O tubo pode interagir com a membrana plasmática

para formar um poro através do qual o DNA passa.

Os mecanismos de penetração de outros bacteriófagos podem ser diferentes dos que

ocorrem nos fagos T, mas não têm sido estudados com pormenor. Uma excepção é o

fago PRD1 da família Tectiviridae, que tem uma membrana debaixo da sua cápside

icosaédrica. Este fago infecta pseudomonas e membros das Enterobacteriaceae. O fago

PRD1 adere a um receptor de superfície por uma estrutura em forma de espigão num

dos vértices da cápside. Isto causa uma mudança conformacional nas proteínas da

cápside. O complexo espigão-vértice da cápside dissocia-se do vírus, e a membrana

forma uma estrutura tubular que penetra no envelope bacteriano. O DNA viral é depois

injectado através da membrana tubular para a bactéria. A penetração da membrana

tubular torna-se possível em parte devido á presença de duas enzimas, ambas quebram a

mesma ligação glicosídica que é atacada pela lisozima.

Síntese de Ácidos Nucleicos e Proteínas dos Fagos

Excepto a Hepadnaviridae, todos os vírus que possuem uma cadeia dupla de DNA

seguem um percurso semelhante para a síntese de ácidos nucleicos e proteínas virais. O

DNA serve como molde para a síntese de mRNA, e as moléculas de mRNA são

traduzidas para produzir proteínas virais. Por vezes depois do início da síntese de

mRNA, a replicação do DNA ocorre e mais genoma viral é produzido. Estes detalhes da

síntese de ácidos nucleicos e proteínas varia de vírus para vírus, mas todos são

Landing Attachment Tail Contraction Penetration DNA and unplugging injection

Page 8: AULA 14 Sebenta de Bactereologia

Fig 14.7 – Estrutura de um Bacteriófago T4

desenhados para manipular a célula hospedeira para vantagem do vírus. Como exemplo

vamos usar o bacteriófago T4.

Dois minutos depois da injecção do

DNA do bacteriófago T4 na E.Coli

(hospedeiro), a RNA polimerase da E.Coli

começa a sintetizar mRNA T4. Este

mRNA é chamado de mRNA prematuro

porque é formado antes de o DNA viral

estar formado. O mRNA prematuro

direcciona a síntese de factores proteicos e

enzimas necessárias para controlar o

hospedeiro e força-lo a produzir

constituintes virais adicionais. Algumas

enzimas especificas de vírus degradam o

DNA do hospedeiro em nucleotidos, consequentemente ocorre a paragem da expressão

do gene do hospedeiro e providencia-se material para a síntese de DNA. Dentro de 5

minutos, a síntese de DNA viral começa. A replicação do DNA é iniciada de varias

origens de replicação e procede de forma bidireccional de cada uma. A replicação do

DNA viral é seguida pela síntese de mRNA’s maduros que são importantes em fases

posteriores de infecção.

Os T4 controlam a expressão dos seus genes por regulação da actividade da RNA

polimerase da E.Coli. Inicialmente os genes do T4 são transcritos pela RNA polimerase

do hospedeiro e pelo factor sigma. Depois de um curto intervalo, uma enzima viral

cataliza a transferência de grupos ADP-ribose do NAD para a subunidade α da RNA

polimerase. Esta modificação da enzima do hospedeiro ajuda na inibição da transcrição

de genes do hospedeiro e promove a expressão dos genes virais. Mais tarde a segunda

subunidade α recebe um grupo ADP-ribosil. Isto inactiva alguns genes T4 prematuros,

mas não antes do produto de um gene prematuro, motA, estimular a transcrição de

bastantes genes maduros. Um destes genes maduros codifica o factor sigma gp55. Este

factor sigma auxilia a RNA polimerase a ligar-se a promotores maduros e a transcrever

os genes maduros.

A regulação da expressão dos genes do bacteriófago T4 é auxiliada pela organização

do genoma do mesmo. Genes com funções que se relacionam são normalmente

agrupados. Genes prematuros e maduros são também agrupados separadamente no

Page 9: AULA 14 Sebenta de Bactereologia

Fig 14.8 - HMC

genoma; eles são mesmo transcritos em direcções diferentes – os genes prematuros são

transcritos no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio e os maduros no sentido dos

ponteiros do relógio.

Uma porção considerável do genoma do bacteriófago T4 codifica produtos

necessários para a sua replicação, incluindo todas as subunidades proteicas do seu

replissoma e enzimas necessárias para a síntese de DNA. Algumas destas enzimas

sintetizam um importante componente do DNA do bacteriófago T4,

hidroximetilcitosina (HMC). HMC é um

nucleótido modificado que substitui a citosina no

DNA do bacteriófago T4. Uma vez sintetizado o

HMC, a replicação ocorre por um mecanismo

semelhante ao da bactéria. Depois de o DNA do

bacteriófago T4 ter sido sintetizado, ele é

glicosilado pela adição de glucose nos resíduos de HMC. Os

resíduos glicosilados de HMC protegem o DNA do T4 contra

o ataque pelas endonucleases da E.Coli, chamadas de enzimas de restrição, que vão

clivar o DNA viral em pontos específicos e destruí-lo. Este mecanismo de defesa

bacteriano é chamado de restrição. Outros grupos podem também ser usados para

modificar o DNA do bacteriófago e protegê-lo contra enzimas de restrição.

O genoma do bacteriófago T4 é composto por DNA linear em dupla cadeia e mostra

o que é chamado de terminal redundante, isto é, a sequência da base é repetida até cada

terminação da cadeia. Estas duas características contribuem para a formação de longas

moléculas de DNA, chamadas de concatameros, os quais são compostos por várias

unidades de genoma conectadas na mesma orientação. Isto ocorre porque as

terminações das moléculas de DNA linear não podem ser replicadas sem uma

maquinaria especial tal como a enzima telomerase observada nos eucariotas. Os

bacteriófagos T4 não têm actividade telomerásica. Portanto, cada molécula de DNA tem

uma cadeia simples 3’ terminal. Estas terminações participam na recombinação de

homólogos com regiões de dupla cadeia de outras moléculas de DNA progenitor,

gerando concatameros. Durante este processo, os concatameros são quebrados de tal

forma que o genoma que se encontra no interior da cápside seja ligeiramente mais longo

do que o do bacteriófago T4. Assim, cada vírus produzido tem uma unidade genómica

que começa com um gene diferente. No entanto, se cada genoma dos vírus produzido

fosse circular, a sequência de genes de cada vírus seria o mesmo. Portanto, o genoma do

Page 10: AULA 14 Sebenta de Bactereologia

Fig 14.9 – Reunião do Bacteriófago T4

T4 é dito permutado circularmente e o seu mapa genético é desenhado como uma

molécula circular.

Reunião das partículas do fago

A reunião do fago T4 é um processo muito complexo de auto-reunião que envolve

proteínas virais especiais e alguns factores de células hospedeiras. O mRNA tardio

direcciona a síntese de três tipos de proteínas: proteínas estruturais do fago, proteínas

que ajudam a reunião dos fagos sem se tornarem parte da estrutura do vírus, e proteínas

que estão envolvidas na lise celular e na

libertação do fago. A transcrição do

mRNA tardio começa cerca de 9 minutos

depois da injecção do DNA T4 na E. Coli.

Todas as proteínas do fago necessárias

para a reunião são sintetizadas

simultaneamente e depois são usadas em

quatro linhas independentes de sub-

reunião. A base é construída pelo produto

de 16 genes. Depois de terminada, o tubo

da cauda é construído nela e a bainha é

reunida á volta do tubo. A pró-cápside é

construída por 10 proteínas. É reunida

com o auxilio de proteínas scaffolding que

são degradadas ou removidas depois a

construção está completa. Uma proteína

especial portal está localizada na base da

pró-cápside onde se conecta com a cauda.

A proteína portal participa no

empacotamento do DNA, produzindo a

cápside. Depois de completa, a cápside

combina-se com a cauda.

O empacotamento do DNA dentro da pró-cápside do T4 é acompanhado por um

complexo de proteínas, ás vezes chamado de “packasome”. O “packasome” consiste de

Page 11: AULA 14 Sebenta de Bactereologia

uma proteína portal; também contem um conjunto de proteínas chamadas de complexo

terminal, que origina as terminações da cadeia dupla na terminação dos concatameros

criados quando o genoma viral foi replicado. Estas terminações de cadeia dupla são

necessárias para o empacotamento do genoma do T4. Uma vez gerado, as proteínas de

terminação e o DNA do fago juntam-se com a proteína portal na base da pró-cápside. O

“packasome” completo move o DNA para dentro da pró-cápside, um processo que

necessita da hidrólise do ATP. O concatemero é cortado quando a cabeça do fago está

recheada de DNA.

Libertação das Partículas do Fago

Muitos fagos lisam as suas células hospedeiras na fase intracelular. A lise da E.Coli

pelo T4 ocorre após cerca de 150 partículas de vírus se terem acumulado na célula

hospedeira. Duas proteínas estão envolvidas. Uma direcciona a síntese de uma enzima

que ataca o peptidoglicano na parede celular das células hospedeiras. É chamada de

lisosima T4. Outra proteína do T4 chamada holin cria buracos na membrana plasmática

da E.Coli, permitindo que a lisosima T4 se mova do citoplasma para o peptidoglicano.

Ciclo Lisogénico

Existem fagos que se podem reproduzir de duas formas: liticamente como fazem

os fagos virulentos ou podem permanecer na célula hospedeira sem a destruir – fagos

temperados. Muitos conseguem isso pela integração do seu genoma no cromossoma da

célula hospedeira.

A relação entre um fago temperado e o seu hospedeiro é chamada de lisogenia.

A forma do vírus que permanece dentro da célula hospedeira é chamada de pró-fago e a

bactéria infectada é chamada de bactéria lisogénica. As bactérias lisogénicas

reproduzem-se e na maioria dos casos essa reprodução aparenta ser normal. No entanto,

têm duas características diferentes: a primeira é que não podem voltar a ser infectadas

pelo mesmo vírus e a segunda é que sob condições apropriadas elas lisam e libertam

partículas de fagos. Isto ocorre quando as condições dentro da célula levam o pró-fago a

Page 12: AULA 14 Sebenta de Bactereologia

iniciar a síntese de proteínas e a reunir novos vírus – processo chamado de indução. A

indução conduz à destruição de células infectadas e à libertação de novos fagos.

Outro importante resultado da lisogenia é a conversão lisogénica. Isto ocorre

quando um fago temperado induz uma mudança no fenotipo do hospedeiro. A

conversão lisogénica envolve alterações na superfície característica da célula. Outras

conversões conferem ao hospedeiro propriedades patológicas.

Vantagens da lisogenia:

Permite que um vírus permaneça viável dentro de um hospedeiro inactivo;

Ocorre quando o número de fagos é maior que o número de bactérias –

multiplicidade da infecção – permitindo a sobrevivência dos hospedeiros para

que os vírus se continuem a reproduzir.

Quando um fago temperado infecta uma bactéria, este deve decidir qual dos

ciclos reprodutivos vai seguir. Para explicar esta decisão vamos usar como exemplo o

fago lambda (dupla cadeia de DNA linear).

O fago lambda une-se ao seu hospedeiro e injecta o seu genoma no citoplasma,

deixando a cápside fora do hospedeiro. Uma vez dentro da célula, o genoma linear

torna-se circular quando as duas extremidades coesivas se emparelham uma com a

outra.

Muitos dos genes do fago lambda são agrupados de acordo com a sua função,

com grupos separados envolvidos na síntese da cabeça do vírus, na síntese da cauda,

lisogenia, replicação do DNA e lise celular. Esta organização é importante porque uma

vez que o genoma é circular, uma cascata de eventos reguladores ocorre, determinando

se um fago segue um ciclo lítico ou lisogénico. A regulação de genes apropriados é

facilitada pela transcrição coordenada do mesmo promotor.

A cascata de eventos que conduzem à lisogenia ou ao ciclo lítico, ou para ambos

envolve um número de proteínas reguladoras que funcionam como repressores ou

activadores. Duas proteínas têm particular importância: repressor lambda e a proteína

Cro. O repressor lambda promove lisogenia e a proteína Cro o ciclo lítico. Portanto, a

decisão de seguir lisogenia ou um ciclo lítico é o resultado da razão entre a produção

destas duas proteínas. Se o repressor lambda prevalecer, a produção de da proteína Cro

é inibida e ocorre lisogenia; se a proteína Cro prevalece, a produção de repressor

lambda é inibida e ocorre o ciclo lítico. Isto porque o repressor lambda previne a

Page 13: AULA 14 Sebenta de Bactereologia

Fig 14.10 – Inserção Reversível e Excisão do Fago lambda

transcrição de genes virais, enquanto que a proteína Cro faz o oposto: assegura a

expressão dos genes virais.

O repressor lambda possui

domínios globulares em cada

extremidade. Um dos domínios liga-se

a DNA enquanto que o outro se liga a

outro repressor lambda para formar

um dímero – forma mais activa do

repressor. O repressor lambda liga-se

a dois operadores, OL e OR,

bloqueando a transcrição da maioria

dos genes virais. Quando ligado a OL,

reprime a transcrição do promotor PL.

Quando ligado ao OR reprime a

transcrição de PR. No entanto, isto

também activa a transcrição do

promotor cI (codifica o repressor

lambda, que por sua vez controla a sua própria síntese).

Se o repressor lambda prevalece a lisogenia ocorre e o genoma lambda é

integrado no cromossoma hospedeiro. A integração é catalizada por uma enzima

chamada integrase – produto do gene int e ocorre no local chamado att (attachment).

Um local homólogo é encontrado no genoma do fago, por isso os locais att do fago e da

bactéria podem emparelhar um com o outro. O local bacteriano é localizado entre o

operão galactose e biotina e como resultado da integração, o genoma lambda circular

torna-se num fragmento linear de DNA localizado entre estes operões. O pró-fago pode

permanecer integrado indefinidamente, sendo replicado como o genoma bacteriano.

A proteína Cro forma um dímero e liga-se aos operadores OR e OL, bloqueando a

transcrição de PR e PL. Se a proteína Cro se encontra em maior quantidade que o

repressor lambda, a síntese de repressor é bloqueada e previne a integração de genoma

lambda no cromossoma hospedeiro. Quando a síntese de repressor lambda está

bloqueada, outra proteína reguladora chamada proteína Q tem-se acumulado. Q

promove a transcrição de um promotor PR’. Na presença de Q, os genes que codificam

proteínas virais estruturais, bem como outras proteínas necessárias para a reunião dos

Page 14: AULA 14 Sebenta de Bactereologia

Fig 10.11 – O Passo Decisivo para Estabelecer uma Lisogenia ou um Ciclo Lítico

vírus e para a lise do hospedeiro, são transcritas. Por fim, o hospedeiro sofre lise e

novos vírus são libertados.

Quando o genoma

lambda se torna circular no

citoplasma do hospedeiro, a transcrição é iniciada pela RNA polimerase do hospedeiro

nos promotores PR e PL. No início da infecção, apenas os genes N e cro são expressos, e

a transcrição é terminada no final destes dois genes. No entanto, uma vez sintetizada a

proteína N, funciona como um anti-terminador para que a RNA polimerase continue a

transcrição para além dos genes N e cro. Assim do PR, cII e o DNA dos genes de

replicação O, P a Q são transcritos; do PL, cIII e todos os genes que sofreram excisão ou

integração são transcritos

CII é uma proteína activadora transcripcional que reconhece o promotor PRE e

inicia a transcrição do gene cI, o qual codifica o repressor lambda. Reconhece também

os promotores PI e PAQ. A transcrição para a esquerda do promotor PI sintetiza mRNA

Page 15: AULA 14 Sebenta de Bactereologia

que codifica a enzima integrase. A transcrição para a esquerda do PAQ sintetiza um RNA

antisense que é complementar do mRNA que codifica a proteína Q. CIII tem como

papel principal proteger a CII da degradação.

Neste ponto da infecção, muitos genes são transcritos, bem como as suas

mensagens à medida que as proteínas que eles codificam se acumulam dentro do

hospedeiro. Isto inclui a proteína Cro, repressor lambda, proteína CII, proteína CIII,

integrase, proteína N e proteína Q. É neste momento que se estabelece a competição

entre a proteína Cro e o repressor lambda. Como a síntese de proteína Cro começa

primeiro que a síntese de repressor lambda, inicialmente a quantidade de Cro é maior

que a de repressor lambda. No entanto, Cro liga-se de forma mais fraca a OR que o

repressor. Assim, é necessário uma maior concentração de Cro na célula para se ligar a

OR e bloquear a ligação do repressor. Se a proteína CII se encontrar em grandes

quantidades, então a quantidade de repressor lambda será suficiente para ganhar a

competição com a proteína Cro. Assim a integrase irá catalizar a integração do repressor

no cromossoma hospedeiro. AntiQ RNA estará também presente em grandes

quantidades. Portanto, a acção de CII, repressor lambda e antiQ RNA reprimem a

síntese de todas as proteínas virais menos do repressor. Se CII não se encontra

abundante, então a Cro irá acumular-se com uma quantidade suficiente para competir

com o repressor pelos OR e OL. A transcrição dos genes do repressor lambda e de outros

genes cuja função é estabelecer a lisogenia vão estar bloqueados, ocorrendo o ciclo

lítico.

Existem dois fenómenos relacionados com a lisogenia que devemos considerar:

Imunidade a outras infecções: Numa bactéria lisogénica lambda, a única

proteína sintetizada é um repressor lambda. Assim, se um fago lambda infectar

uma bactéria, o repressor pode ligar-se ao local de regulação e impedir a sua

expressão.

Indução: Ocorre em resposta a factores ambientais que danificam o DNA.

Este dano altera a actividade da proteína RecA (importante em processos de

recombinação e de reparação de DNA). A RecA interactua com o repressor

lambda, levando à clivagem do repressor. À medida que os repressores são

destruídos por si mesmos, a transcrição do gene cI decresce, menor vai ser a

Page 16: AULA 14 Sebenta de Bactereologia

concentração de repressor na célula. Eventualmente o nível torna-se tão baixo

que a iniciação da transcrição dos genes xis, int, e cro ocorre. O gene xis codifica

para a proteina excisionase – liga-se à integrase, revertendo o processo

integração, e o pró-fago é liberto do cromossoma hospedeiro. Como os níveis de

repressor baixam, a proteína Cro aumenta. Eventualmente, a síntese de repressor

é completamente bloqueada e o ciclo lítico completa-se.

Terapêutica

A terapêutica com fagos usa os fagos com ciclo lítico para o tratamento de

infecções bacterianas. Esta terapia é um modo alternativo ao uso de antibióticos, sendo

desenvolvido para uso clínico.

Os princípios da terapia com fagos têm aplicações não só na medicina humana

mas também na medicina dentária, veterinária, bromatologia e agricultura.

Um importante beneficio da terapia com bacteriófagos é a observação de que os

bacteriófagos são muito mais específicos que a maioria dos antibióticos que são usados.

Teoricamente, a terapia com fagos é inofensiva para a célula hospedeira sob tratamento,

e não deveria afectar a flora do hospedeiro.

Fig 10.12 – Comparação entre o Ciclo Lítico e o Lisogénico

Page 17: AULA 14 Sebenta de Bactereologia

Uma vez que os fagos se auto-replicam na sua bactéria alvo, apenas uma

pequena dose é suficientemente eficiente.

Os fagos têm sido usados no tratamento de infecções bacterianas que não

respondem aos antibióticos convencionais. Eles são especialmente eficazes onde as

bactérias constroem um biofilm composto por uma matriz de polissacáridos que os

antibióticos não conseguem penetrar.

Bibliografia usada para a aula nº 14:

Slides das Teóricas

Prescott, Harley, and Klein’s MICROBIOLOGY , de Joanne M. Willey, Linda M.

Sherwood e Christopher J. Woolverton, Edição Internacional – 7ª edição, McGrawHill,

Cap. 17

http://www.textbookofbacteriology.net/ . Livro de bacteriologia online da Universidade de Wisconsin-MadisonMurray, Rosentthal Kobayashi, Pfaller. Medical Microbiology. 2006. Fith edition. Mosby

Fig 14.13 – Terapêutica de Queimaduras Utilizando Fagos