aula 1 a 13 filosofia da ciência

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Aula 1 - Cincia: Natureza e Objetivo (1a parte)CINCIA: NATUREZA E OBJETIVO (I PARTE) Ernest Nagel* (MATERIAL DA 1 SEMANA) Geralmente, o Homem no d ateno s tcnicas de que se vale para solucionar problemas, a no ser que os mtodos habituais venham a revelar-se insatisfatrios face a questes novas. Na histria da Cincia, pelo menos, a preocupao maior com problemas de ordem metodolgica emerge, freqentemente, do fato de formas costumeiras de anlise mostrarem-se inadequadas ou de apresentarem imperfeies nos modos tradicionais de apreciar a evidncia e de interpretar as concluses da investigao. Nos dias atuais, to fortemente marcados pelas comoes sociais, no surpreende, portanto, que os cientistas e filsofos profissionais estejam obrigados a dar grande ateno lgica da Cincia e ao significado amplo das conquistas cientficas. A literatura contempornea acerca da filosofia da Cincia , basicamente, uma resposta crtica a algumas das dificuldades intelectuais criadas pelos recentes desenvolvimentos cientficos. H, em verdade, trs aspectos da Cincia atual que nos convidam a sria reflexo e nos auxiliam a definir-lhe a natureza e os objetivos; tenciono abordar superficialmente cada um desses aspectos, embora reconhecendo que as limitaes de espao tornam impossvel tratar adequadamente ainda que de um s. 1. Talvez o trao mais saliente da Cincia - e, por certo, o que mais comumente se reala seja o de que permite controle prtico da Natureza. Tornar-se-ia enfadonho realar as grandes contribuies da investigao cientfica em prol do bem-estar humano ou mesmo aludir aos ramos principais da Tecnologia, como, por exemplo, a Medicina, que tiraram proveito dos avanos da pesquisa fundamental, terica e experimental. Basta assinalar que a Cincia aplicada transformou a face da Terra e traou os contornos da civilizao ocidental contempornea. Pergunta 1: Qual a diferena entre Cincia e Tecnologia ? Sendo esses frutos tecnolgicos da investigao cientfica os que os homens sem treino cientfico ou interesses tericos podem mais facilmente apreciar, o domnio sobre a Natureza, que muitas vezes decorre da pesquisa fundamental, a justificao ltima da Cincia para a maioria das pessoas. Como a realizao de investigaes cientficas demanda, hoje em dia, grandes investimentos, que dependem, largamente, de fundos pblicos, muitos pesquisadores, quando descrevem a natureza da Cincia a auditrios de leigos, aos quais caber, afinal, custear a maior

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parte dos gastos necessrios, tendem a acentuar, quase que exclusivamente, os benefcios prticos a esperar de estudos bsicos. Embora, eu, nem por um momento, subestime a importncia da Cincia como fonte de recursos tecnolgicos que, aperfeioados e disseminados, contribuem para a melhoria da vida humana, creio, no obstante, que a concepo da Cincia como algo que produz, incessantemente, novos meios de dominar a Natureza, tem sido sublinhada com demasiada nfase, levando a esquecer outros de seus aspectos. De modo algum se d que a conquista de bens e vantagens de carter prtico seja o nico ou o principal motivo que incentiva o homem a entregar-se investigao cientfica; e quando esse motivo se torna o principal, surge um quadro fortemente distorcido tanto dos objetivos complexos da Cincia como de sua prpria histria. Alm disso, aquela nfase pode levar a sociedade a encarar de maneira perigosamente errnea o cientista, vendo-o como homem miraculoso, capaz de resposta infalvel para todas as mazelas humanas. No se deve esquecer tambm a generalizada tendncia de considerar a Cincia como responsvel pela maneira brbara porque, s vezes, so utilizadas as suas conquistas imputao indubitavelmente injusta, que pode levar a desprez-la, mas que se torna plausvel quando ela identificada s suas conseqncias tecnolgicas. 2. A Cincia assume outro aspecto quando concebida como algo que se prope atingir conhecimento sistemtico e seguro, de sorte que seus resultados possam ser tomados como concluses certas a propsito de condies mais ou menos amplas e uniformes sob as quais ocorrem os vrios tipos de acontecimentos. Em verdade, segundo frmula antiga e ainda aceitvel, o objetivo da Cincia "preservar os fenmenos" - isto , apresentar acontecimentos e processos como especificaes de leis e teorias gerais que enunciam padres invariveis de relaes entre coisas. Perseguindo esse objetivo, a Cincia busca tornar inteligvel* o mundo; e sempre que o alcana, em alguma rea de investigao, satisfaz o anseio de saber e compreender que , talvez, o impulso mais poderoso a levar o homem a empenhar-se em estudos metdicos. Sabe-se que por ter observado, de maneira usualmente bem sucedida, seus fins, que a atividade iniciada na antiguidade grega e atualmente chamada "Cincia" tem-se mostrado fator importante no desenvolvimento da civilizao liberal: serviu para eliminar crenas e prticas supersticiosas, para afastar temores brotados da ignorncia e para fornecer base intelectual de avaliao de costumes herdados e de normas tradicionais de conduta. Pergunta 2: Qual o principal objetivo da Cincia ? 2

Seria, naturalmente, afrontar a evidncia, negar que muito antes do incio da pesquisa sistemtica os homens dispunham de conhecimentos razoavelmente aceitveis acerca de muitas das caractersticas do ambiente fsico, biolgico e social. Em verdade, ainda hoje, boa parte das informaes de que necessitamos para orientao normal de nossas vidas no produto de investigao cientfica sistemtica, mas o que normalmente se chama conhecimento nascido do "bom senso"*. No obstante, esse tipo de conhecimento est sujeito a numerosas limitaes srias, algumas das quais devem ser apontadas. Assim, as crenas baseadas no bom senso so, em geral, imprecisas, e, freqentes vezes, aproximam coisas e processos que diferem de maneira essencial; no raro, so incoerentes de modo que a preferncia por uma de duas crenas incompatveis, como base para a ao, arbitrria; tendem a ser fragmentrias, em conseqncia do que as relaes lgicas e substantivas entre enunciados independentes so, de hbito, ignoradas; so geralmente aceitas com reduzida conscincia do alcance de sua legtima aplicao; so, via de regra, miopemente utilitaristas, preocupadas, em boa poro, com assuntos diretamente relacionados com interesses prticos imediatos e normalmente aplicveis apenas a reas de experincia rotineira; por fim, e acima de tudo, as crenas baseadas no bom senso desprezam possibilidades outras para enfrentar problemas concretos, mantendo vigncia por fora da autoridade conferida por um costume que no se critica e que, portanto, no pode ser prontamente modificado de modo a tornar as crenas guias seguros para enfrentar situaes novas. Pergunta 3: Cite trs limitaes das crenas do senso comum que so superadas pela atividade cientfica ? Embora no se possa traar linha ntida entre as asseres baseadas no bom senso e as concluses da pesquisa cientfica - pois certo que toda investigao cientfica parte de crenas e distines oriundas do bom senso e, ao fim, a ele refere as suas descobertas - a Cincia tem como sinal distintivo o de tentar deliberadamente alcanar resultados total ou parcialmente livres das limitaes do senso comum. Conquanto a amplitude com que se alcanam tais concluses varie nos diferentes ramos da Cincia, e conquanto seja indubitavelmente maior nas cincias naturais, nenhum campo de investigao sistemtica foi inteiramente mal sucedido nessa tentativa. Em geral, as concluses da investigao cientfica so apoiadas por evidncia mais adequada e apresentam melhores razes para serem consideradas conhecimento certo do que as crenas baseadas no bom senso. Adiante direi alguma coisa a esse respeito. De momento, contudo, desejo tornar claro que embora as descobertas cientficas sejam, costumeiramente, dignas de crdito, no so, em princpio, infalivelmente verdadeiras nem insuscetveis de emenda os relatrios cientficos acerca de 3

especficas questes de fato ou as leis e teorias elaboradas para indicar as condies invariveis sob as quais os fenmenos ocorrem. Houve tempo em que se admitiu que para ser genuinamente cientfica, uma proposio deveria ser reconhecida como inquestionavelmente certa e absolutamente necessria. Tomando a Geometria como paradigma*, esse modo de ver sustentava que Cincia no basta simplesmente atestar quais so os fatos, cabendo-lhe demonstrar que os fatos devem ser como so e no poderiam ocorrer de outra maneira; mas, uma vez que, para estabelecer demonstrativamente um enunciado, so necessrias premissas que no podem ser demonstradas, essa corrente entendia que as premissas bsicas de uma Cincia devem ser suscetveis de apreenso como auto-evidentes e necessariamente verdadeiras. Essa concepo da natureza da Cincia era plausvel, enquanto a geometria euclidiana constitua o nico exemplo de conhecimento sistematizado; continua a ser defendida por muitos pensadores contemporneos que admitem que o universo racional e, assim, no pode haver resduo de fatos irracionais (isto , contingentemente* verdadeiros) no conjunto da Cincia. Todavia, luz da histria da Cincia, tal concepo insustentvel. Com efeito, no h Cincia alguma cujos pressupostos bsicos relativos a questes de fato sejam realmente auto-evidentes e o progresso da investigao, em todos os ramos da Cincia, revelou que princpios tidos como basilares em certa poca tiveram de ser modificados ou substitudos para manter adequao a fatos revelados por novas descobertas. A tese de que os chamados primeiros princpios da Cincia so passveis de alterao claramente ilustrada por desenvolvimentos atuais da Fsica, onde se tem procedido a revises radicais em pressupostos tericos que haviam sido considerados indubitveis. No sucede, porm, que essas revises de pressupostos bsicos possam ser corretamente interpretadas como sinais de falncia da Cincia moderna tal como tem freqentemente caracterizado pensadores presos errnea noo do racionalismo clssico*, segundo a qual a Cincia que no pode garantir serem suas concluses indiscutivelmente certas falhou em seu objetivo de conduzir a conhecimento genuno. E, mais ainda, essas revises no justificam um ceticismo global* com relao possibilidade de obter conhecimento seguro acerca do mundo por meio da pesquisa cientfica ceticismo que, por sua vez, surge a partir da insustentvel hiptese de que, sendo todas as concluses da pesquisa cientfica passveis, em tese, de correo, nenhuma concluso , verdadeiramente, um acrscimo estvel ao corpo do conhecimento. Seja-me permitido citar um exemplo que desmente essa ltima hiptese e que, ao mesmo tempo, mostra que, fornecendo explicaes bem fundadas para os fenmenos observados, a Cincia atende ao perene anseio de conhecimento e compreenso sistemticos. 4

Galileu* assinalou que, aparentemente, h um limite superior para o tamanho de animais tais como o homem e levantou a questo de saber se, a despeito do que se possa julgar, houve tempo em que homens de propores gigantescas pisassem a face da Terra. Ele mostrou, atravs de cuidadoso experimento, que a resistncia de uma estrutura varia de acordo com sua seco transversal e admitiu, com fundadas razes, que a capacidade dos ossos suportarem foras de presso tambm varia proporcionalmente rea de suas seces transversais. Por outro lado, o peso de um animal terrestre (que deve ser suportado pelos membros) proporcional ao volume do mesmo animal. Em consonncia com isso, cabe dizer que a resistncia dos ossos animais proporcional ao quadrado das dimenses lineares do animal, enquanto o peso que esses ossos devem suportar proporcional ao cubo das dimenses lineares. Em conseqncia, h limites definidos para o tamanho dos animais terrestres e, assim, gigantes com membros proporcionais aos dos homens comuns no poderiam existir, pois tais criaturas sucumbiriam sob o prprio peso. Investigaes levadas a efeito nos trs sculos seguintes refinaram e tornaram mais precisa a concluso de Galileu, e as presunes em que ele se baseou, mas no chegaram a modifica-la substancialmente. O exemplo sustenta, pois, a tese de que, embora sejam passveis de correo as descobertas cientficas, o contedo da Cincia no um fluxo instvel de opinies, mas, ao contrrio, a Cincia pode alcanar xito no seu propsito de fornecer explicaes dignas de confiana, bem fundadas e sistemticas para numerosos fenmenos. FINAL DA PRIMEIRA PARTE

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Aula 1 - Material de ConsultaMATERIAL DE CONSULTA - 1 Texto: CINCIA: NATUREZA E OBJETIVO (I Parte) Os termos e nomes abaixo se encontram em ordem de apario no texto: E. Nagel (1901-1985): filosofo de origem tcheca que ensinou muitos anos na Universidade de Columbia (EUA). Seu principal livro A Estrutura da Cincia (1961).

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Inteligvel: aquilo que pode ser compreendido ou acessvel ao entendimento humano.

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Bom senso: faculdade da razo que natural e comum a todos os homens nos tornando capaz de julgar e distinguir o verdadeiro do falso, o certo do errado.

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Paradigma: modelos, amplamente aceitos, que fundamenta um modo de entender o mundo.

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Contingente: um acontecimento possvel, mas incerto.

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Racionalismo clssico: doutrina que privilegia a razo dentre todas as demais faculdades humanas, considerando-a como fundamento do conhecimento.

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Ceticismo global: concepo que questiona os limites da razo e da cincia por duvidar da possibilidade de alcanarmos um conhecimento verdadeiro da realidade.

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Galileu (1564-1642): nasceu em Pisa, na Itlia e considerado um dos criadores da cincia moderna. Sua atuao foi predominante na fsica e astronomia. Suas principais obras so: Dilogo Sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo (1632) e Discurso Sobre as Duas Novas Cincias (1638). 6

Aula 2 - Cincia: Natureza e Objetivo (2a parte)CINCIA: NATUREZA E OBJETIVO (II PARTE) Ernest Nagel* (MATERIAL DA 2 SEMANA)

3. tempo de considerar o terceiro aspecto que a Cincia apresenta: seu mtodo de investigao. Aspecto muitas vezes mal interpretado e sempre difcil de descrever com brevidade, mas que , talvez, seu trao mais permanente e garantia ltima do crdito que merecem as concluses da investigao cientfica. Afirmao freqente subscrita, s vezes, por eminentes cientistas, a de que no h, como tal, um mtodo cientfico, mas apenas a utilizao livre e ampla da inteligncia. Essa afirmao ter procedncia, caso a expresso mtodo cientfico seja considerada como equivalente a um conjunto de regras fixas, aceitas de maneira geral e orientadas a proporcionar a descoberta de solues para qualquer problema. No h dvida de que a anlise histrica do mtodo cientfico leva a colocar nfase considervel, se no exclusiva, na tarefa de formular preceitos* para desvendar as causas* e efeitos dos fenmenos e para elaborar leis e teorias a partir dos resultados da observao. Entretanto, nenhuma das regras propostas para orientar descobertas atinge o propsito visado; e a maioria dos estudiosos do assunto concorda em que pretender estabelecer tais regras empreendimento sem esperana. Que , ento, mtodo cientfico? Devo esclarecer, preliminarmente, que o vocbulo mtodo no sinnimo do vocbulo tcnica. A tcnica de mensurao de comprimentos de ondas luminosas por meio de espectroscpio patentemente diversa da tcnica de mensurao da velocidade de um impulso nervoso e ambas diferem das tcnicas empregadas para determinao dos efeitos de um tipo de organizao empresarial sobre a produtividade. As tcnicas, via de regra, variam de acordo com o assunto de que se trata e podem alterar-se rapidamente com o progresso tecnolgico. De outro lado, todas as cincias empregam um mtodo comum em suas investigaes, na medida em que utilizam os mesmo princpios de avaliao da evidncia; os mesmos cnones para julgar da adequao das explicaes propostas; e os mesmos critrios para selecionar uma dentre vrias hipteses. Em suma, mtodo cientfico a lgica geral, tcita ou explicitamente empregada para apreciar os mritos de uma pesquisa. Convm, portanto, imaginar o mtodo da Cincia como um conjunto de normas-padro que devem ser satisfeitas, caso se deseje que a pesquisa seja tida por adequadamente conduzida e capaz de levar a concluses merecedoras de adeso racional. Pretendo, agora, examinar, ligeiramente, alguns elementos do mtodo cientfico assim entendido. Pergunta 1: O que o mtodo cientfico?

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Comecemos lembrando que a Cincia uma instituio social e que o cientista membro de uma comunidade intelectual dedicada perseguio da verdade, segundo padres que evolveram e se mostraram satisfatrios, ao longo de um contnuo processo de crtica. Muitos pensadores imaginaram que a objetividade das concluses alcanadas pela Cincia estaria assegurada, se os cientistas deliberassem no aceitar qualquer proposio a respeito da qual pairasse sombra de dvida ou que no fosse transparentemente verdadeira. Os homens, raramente se do conta de que h muito de hipottico no que tem por indubitvel e, muitas vezes, acreditam-se livres de compromissos intelectuais de qualquer espcie, quando, na verdade, esto endossando tacitamente muito de falso. Embora a deliberao de adotar atitude crtica relativamente s presunes possa ter certo valor, a objetividade da Cincia no conseqncia dela. Ao contrrio, a objetividade deve-se a uma comunidade de pensadores, cada qual deles a criticar severamente as afirmaes dos demais. Nenhum cientista infalvel e todos apresentam suas peculiares deformaes intelectuais ou emocionais. As deformaes raramente so as mesmas; e as idias que sobrevivem s crticas de numerosos espritos independentes revelam maior probabilidade de serem legtimas do que as concepes tidas por vlidas simplesmente pelo fato de parecerem auto-evidentes a um pensador isolado. Seja-me permitido, a seguir, discorrer sobre a maneira popular, algumas vezes endossada por cientistas, de imaginar que a pesquisa cientfica deve principiar com a coleta de dados; os dados assim reunidos passariam por um crivo lgico, da resultando formulao univocamente determinada de certa regularidade entre os acontecimentos estudados. A improcedncia dessa verso torna-se evidente quando constatamos que no fcil precisar quais os fatos a coletar para resolver dado problema, nem fcil saber se realmente fato aquilo que apresentado como tal. Para exemplificar, quais os fatos que deveriam ser reunidos para pesquisa das causas da leucemia? a lua maior quando est prxima do horizonte do que quando se encontra no znite*? O nmero de fatos que se poderia reunir enorme e seria impossvel examin-los todos; e o que se tem como fato pode no passar de uma iluso. Faz-se claro, portanto, que os fatos devem ser selecionados segundo pressupostos que indiquem os relevantes para a soluo de um dado problema; e as observaes devem ser realizadas segundo condies que se presuma exclurem a possibilidade de que relatrios do que se alega ter sido observado incidam em erro grosseiro. Assim, qualquer significativa coleta de fatos para fins de pesquisa controlada por pressupostos de vrios tipos, dependentes do cientista e no do assunto investigado. Como os fatos no so relevantes ou irrelevantes por si mesmos, o cientista est obrigado a adotar algumas hipteses preliminares acerca de quais os fatos de interesse para o problema que enfrenta a determinar, por exemplo, quais dentre os numerosos fatores que podem estar presentes, ligam-se casualmente ao fenmeno em exame e at que essas hipteses sejam alteradas so elas que orientam a investigao. Ausentes essas hipteses, a pesquisa cega e sem objetivo. No h, porm, regras para fazer surgirem hipteses frutferas; como Albert Einstein* observou repetidamente, as hipteses que constituem as modernas teorias da Fsica so livres criaes da mente, cuja inveno e elaborao requerem dotes imaginativos anlogos aos que permitem a criao artstica. No obstante, ainda que se deva admitir que a imaginao criadora tem um papel a desempenhar no campo da investigao cientfica, a Cincia no poesia nem especulao; as hipteses levantadas durante a pesquisa, assim como outras explicaes propostas para certa classe de fenmenos, devem ser submetidas a teste. Em geral, este teste requer que se examine a 8

compatibilidade de uma hiptese (ou de suas conseqncias lgicas*) simultaneamente com estados de coisas observveis e com outras hipteses cuja concordncia com fatos observados j tenha sido assentada. No cabe aqui uma pormenorizada anlise da lgica empregada para submeter a teste as hipteses; mas cabe referncia, ainda que breve, noo de investigao controlada que , talvez, de todos os elementos de uma lgica desse tipo, o mais importante. Um exemplo simples deve ser bastante para indicar a maneira como se caracterizam tais investigaes. A crena outrora muito comum de que banhos com gua fria e salgada eram benficos para os pacientes atacados de febres altas parece ter-se baseado em repetidas observaes de que melhoras resultavam desse tratamento. Entretanto, independentemente de indagar se a crena ou no legtima e na verdade no o a evidncia em que se baseava insuficiente para sustent-la. Aparentemente, no ocorreu aos que aceitavam essa crena indagar aos pacientes no submetidos ao mesmo tratamento poderiam mostrar melhoria semelhante. Em suma, a crena no era o resultado de uma investigao controlada ou seja, o curso da molstia em pacientes submetidos ao tratamento no era comparado ao seu curso num grupo de controle, constitudo por pacientes que no o recebiam, de modo que no havia base racional para decidir se o tratamento produzia algum efeito. De maneira mais geral, uma investigao controlada somente se, criando alguma espcie de processo de eliminao torna possvel determinar os efeitos diferenciais de um fator que se considera relevante para a ocorrncia de dado fenmeno. So esses processos de eliminao, algumas vezes, mas no necessariamente, experimentalmente viveis; em muitos setores e em sua maioria, no o so, de modo que recursos analticos sutis e complicados devem ser, freqentemente, empregados para que se extraia da evidncia existente a informao que se faz necessria e que tornar possvel uma tomada de posio racional acerca dos mritos de uma hiptese. De uma forma ou de outra, a noo de controle elemento essencial da lgica do mtodo cientfico pois, via de regra, a confiana merecida pelos resultados cientficos funo da multiplicidade e do rigor dos controles a que foram submetidos. Gostaria, por fim, de fazer ligeiro comentrio acerca do papel das distines quantitativas e da mensurao no ampliar os objetivos da Cincia e no aumentar o grau de confiana a depositar nas concluses por ela alcanadas. Embora haja importantes diferenas estruturais entre as vrias determinaes quantitativas, todos os tipos de mensurao desempenham funo tripla. A primeira a de aumentar a preciso, reduzindo assim a fluidez, com que os fatos produzidos e as explicaes para eles propostas podem ser apresentados, de maneira que a forma de apresentao seja, mais facilmente, submetida a teste. A segunda a de tornar possveis discriminaes mais minuciosas dos traos dos vrios assuntos, de modo que enunciados a respeito deles tenham condio de ser submetidos a controles mais rigorosos. A terceira a de permitir comparaes mais gerais entre os diversos acontecimentos a fim de possibilitar que sejam formuladas, sistemtica e acuradamente, as relaes entre as entre as coisas. , portanto, errneo sustentar, como ocorre muitas vezes, que as chamadas cincias quantitativas, fazendo amplo uso da mensurao, ignoram, por isso mesmo, os aspectos qualitativos da realidade. Quo despida de base essa posio, ser evidenciado por um exemplo simples. Os seres humanos esto capacitados a distinguir certo nmero de diferenas na temperatura dos objetos e termos tais como quente, tpido, frio e gelado correspondem a distines reconhecidas. Mas essas diferenas no foram ignoradas ou negadas quando, no sculo XVII, se inventou o termmetro; ao contrrio, a inveno desse instrumento traduziu o fato de que as variaes de temperatura que eram experimentadas, em relao a muitas substncias, estavam ligadas a alteraes dos volumes relativos dessas substncias. Em conseqncia, variaes de volume podem ser utilizadas para indicar alteraes no estado fsico de um corpo, alteraes que, em alguns casos, correspondem a diferenas de temperatura sentidas pelo homem. A par disso, 9

possvel assinalar diferenas menores nas variaes de volume do que nas alteraes de temperatura, diretamente percebidas; e h extremos de calor e frio alm da capacidade de discriminao dos seres humanos, embora, nesses extremos, possam ser ainda apontadas as alteraes de volume. Por isso mesmo, cabe dizer que, usando uma escala termomtrica, no somos levados a ignorar diferenas de qualidade que, de outra forma, nos passariam despercebidas, habilitando-nos, ao mesmo tempo, a ordenar essas qualidades de maneira clara e uniforme. Concluirei com um sumrio. A fora bsica, geradora da Cincia, o desejo de obter explanaes simultaneamente sistemticas e controlveis pela evidncia fatual. O fim especfico da Cincia , portanto, a descoberta e a formulao, em termos gerais, das condies sob as quais ocorrem os diversos tipos de acontecimento, servindo os enunciados generalizados dessas condies determinantes como explicaes dos fatos correspondentes. Esse objetivo s pode ser atingido identificando ou isolando certas propriedades do assunto estudado e estabelecendo quais os reiterados padres de dependncia que governam a inter-relao daquelas propriedades. Em razo disso, quando uma investigao alcana xito, proposies que, at ento, pareciam independentes, surgem como ligadas umas s outras de maneira determinada, em funo do lugar que vem a ocupar num sistema de explicaes. de importncia primordial, entretanto, encarar esses sistemas explicativos no como corpo de concluses fixas e indubitveis, mas como resultados no definitivos de um contnuo processo de investigao que envolve incessante uso de um particular mtodo intelectual de crtica. Esse mtodo lgico a glria especfica da Cincia moderna e o alicerce espiritual de toda civilizao genuinamente liberal. Nada pode substitu-lo na tarefa de atingir concluses fundadas acerca do mundo em que os homens vivem e do lugar que nele ocupam. Pergunta 2: Qual a finalidade da Cincia?

Aula 2 - Material de ConsultaMATERIAL DE CONSULTA - 2 Texto: CINCIA: NATUREZA E OBJETIVO (II Parte) Os termos e nomes abaixo se encontram em ordem de apario no texto:

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E. Nagel (1901-1985): filsofo de origem tcheca que ensinou muitos anos na Universidade de Columbia (EUA). Seu principal livro A Estrutura da Cincia (1961).

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Preceito: regra, modelo ou ordem que estabelece um padro para o fenmeno em observao.

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Causalidade: considerada uma lei natural, de carter necessrio, segundo a qual os fenmenos podem ser explicados. Um fenmeno anterior (causa) produz um posterior (efeito). As mudanas na natureza so decorrentes dessa relao entre causa e efeito.

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Znite: auge, apogeu, ponto culminante.

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Albert Einstein (1879-1955): fsico alemo que descobriu a teoria da relatividade. A partir de 1905 publicou os artigos sobre o efeito fotoeltrico, movimento browniano e a teoria da relatividade restrita que consolidaram sua reputao. Em 1916 publicou a teoria da relatividade geral. Foi para os Estados Unidos em 1933 lecionar no Instituto de Estudos Avanados (MIT) at o final da sua vida.

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Consequncia lgica: proposio que se segue necessariamente de outra e que, uma vez admitidas, no podemos negar a sua relao sem entrar em contradio.

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Aula 3 - O Problema da Verdade (1a parte)O PROBLEMA DA VERDADE (I Parte) ARNO A. VIERO* (MATERIAL DA 3 SEMANA) O objetivo tanto da cincia, como da filosofia obter uma compreenso sistemtica da realidade. A diferena de abordagem entre elas reside na perspectiva adotada para executar tal tarefa. A cincia preocupa-se em estudar as propriedades e estabelecer as leis relativas a um domnio particular de objetos. Assim, por exemplo, a tica um ramo da fsica que estuda a natureza da luz, bem como as transformaes sofridas por ela durante a sua propagao. Fenmenos tais como a refrao so estudados atravs de mtodos quantitativos precisos, e a partir da, leis so estabelecidas, de forma rigorosa, e verificadas empiricamente*. No caso da filosofia o que muda, basicamente, a abordagem de enfoque. Em vez de estudar um aspecto particular da realidade, a filosofia preocupa-se em examinar problemas gerais que so comuns a vrios, se no a todos os domnios de investigao da cincia. Surge, assim, a preocupao em torno de conceitos tais como tempo, espao, causalidade, conhecimento, identidade, existncia, verdade etc. Desta forma, cincia e filosofia possuem um papel complementar quando a tarefa tornar mais compreensvel o mundo em que vivemos. Pergunta 1: Compare a abordagem filosfica e a cientfica da realidade. A questo da verdade tem sido, desde a antigidade clssica, um problema central para a filosofia; no entanto, ainda no possvel afirmar que uma soluo completamente satisfatria tenha sido obtida em relao aos vrios problemas colocados por este conceito. Este um fato que no depe, de forma alguma, contra a filosofia, mas antes, indica o grau de dificuldade dos problemas que constituem o seu domnio de investigao. No caso especfico da verdade o que surpreende o fato de ela ser uma noo extremamente familiar e, no entanto, quando comeamos analis-la vrios problemas, extremamente difceis, surgem de uma forma quase imediata. O primeiro deles que tal noo to bsica que parece no existir conceito algum anterior a ela que possa ser usado na sua prpria definio. O que fazer neste caso? O primeiro passo reconhecer que a definio no a nica ferramenta de esclarecimento conceitual que o filsofo pode utilizar. Existe, por exemplo, um expediente denominado elucidao atravs do qual possvel esclarecer as relaes de um determinado conceito com vrios outros sem, com isso, obter uma definio no sentido estrito do termo. O passo seguinte aplicar tal procedimento e ver se, atravs de sua utilizao, possvel obter um melhor entendimento da noo examinada. O ponto de partida para a obteno de uma soluo satisfatria de tal problema o reconhecimento de que a verdade um atributo de sentenas ou enunciados; isto significa que no 12

faz sentido algum, do ponto de vista lgico, atribuir o predicado* verdadeiro a uma palavra tomada isoladamente. O prximo passo determinar que caractersticas um dado enunciado deve possuir para que possamos atribuir a ele a propriedade de ser verdadeiro. Consideremos os seguintes casos: (1) Paris uma cidade francesa (2) Barcelona a capital da Espanha Qualquer pessoa com um mnimo de conhecimento ir perceber que o primeiro enunciado verdadeiro e o segundo falso. A pergunta que se coloca : por qu? Pela simples razo de que (1) est de acordo com os fatos ao passo que (2) no. Agora, o que significa dizer que um enunciado est de acordo com os fatos? Consideremos o caso do primeiro enunciado. O que ele afirma que o objeto denotado pelo nome Paris possui a propriedade de ser uma cidade francesa. Se formos examinar os fatos relevantes iremos constatar que Paris possui a caracterstica de ser uma cidade francesa, isto , ela pertence ao territrio francs. Desta forma, aquilo que foi afirmado em (1) verdadeiro porque, de alguma forma, corresponde quilo que acontece no mundo. No caso de (2) a situao completamente diferente. um fato amplamente conhecido que a capital da Espanha Madri e no Barcelona e que, portanto, (2) no corresponde aos fatos e um enunciado falso. claro que possvel obter: (3) Barcelona no a capital da Espanha que, por sua vez, a negao de (2) e se constitui em um enunciado verdadeiro. Aqui j possvel detectar um dos primeiros princpios que governa a noo de verdade: a negao de um enunciado verdadeiro um enunciado falso e vice-versa. Como veremos a seguir, este princpio fundamental para que possamos expressar algumas das regras mais bsicas que determinam a utilizao da noo de verdade. A concepo esboada acima denominada de teoria correspondencial da verdade ou teoria clssica porque concebe a verdade como uma espcie de relao entre a linguagem e o mundo. importante salientar que esta no a nica concepo de verdade, mas, sem dvida alguma, a mais antiga e todas as demais tiveram sua origem a partir dela. importante perceber uma diferena fundamental que envolve a distino entre a elucidao do conceito de verdade, de um lado, e a obteno de um critrio de verdade, de outro. A elucidao uma tentativa de obter o esclarecimento de um determinado conceito fazendo uso de outros conceitos em relao aos quais possumos um entendimento satisfatrio. Obter o critrio de aplicao de um conceito uma tarefa completamente diferente, determinar, em casos particulares, se o conceito se aplica ou no. A conseqncia mais importante de tal distino o reconhecimento do fato de que nem sempre o esclarecimento de um conceito garantia de que a sua aplicao poder receber uma resposta satisfatria. Na matemtica, este tipo de situao bastante freqente. Consideremos o caso da conjectura de Goldbach: at hoje no foi possvel determinar se tal enunciado verdadeiro ou falso, ou seja, a existncia da teoria correspondencial no garante a soluo para o problema especfico de saber se tal enunciado verdadeiro ou no. A aplicao da propriedade de ser verdadeiro somente poder ser realizada no momento em que obtivermos uma prova* de tal enunciado. Como at o momento tal prova no existe, no possvel saber se, neste caso especfico, a propriedade em questo se aplica ou no. No entanto, apesar de no sabermos se a conjectura de Goldbach verdadeira ou no, existem duas coisas que podem ser afirmadas a seu respeito: (a) ela no pode ser simultaneamente verdadeira e falsa; e, (b) ela verdadeira ou ela falsa. A primeira destas caractersticas um caso particular do chamado (I) princpio de nocontradio*: dada uma sentena p, qualquer enunciado que afirma a conjuno de p e de sua 13

negao sempre falso. O item (b), por sua vez, um caso particular do (II) princpio do terceiro excludo* que afirma que a sentena p ou no-p sempre verdadeira. Estes so os dois princpios mais bsicos que existem em relao noo de verdade, os quais desempenham um papel central no estudo da lgica. No difcil perceber que a conseqncia imediata da adoo destes dois princpios o fato de que todo enunciado possui um e somente um valor de verdade. Pergunta 2: Qual a diferena entre critrio de verdade e elucidao do conceito de verdade? Afinal de contas, por que se preocupar com este tipo de problema? possvel fornecer vrios tipos de respostas a esta questo e todas elas indicam de forma inequvoca a importncia do conceito de verdade nos mais diversos aspectos de nossas vidas. A nossa aptido em tratar com a propriedade ser verdadeiro importante na medida em que atravs dela adquirimos mais e mais conhecimentos em relao ao mundo e a ns mesmos. Alm disso, os vrios princpios relativos verdade desempenham um papel central na nossa prtica argumentativa que , de alguma forma, o trao mais caracterstico da racionalidade humana. Quem de ns, em alguma discusso, no ficou embaraado ao ser acusado de estar se contradizendo? Por que a contradio algo que deve ser evitado? A resposta a essa pergunta simples: pelas leis anteriormente citadas possvel mostrar que toda a pessoa que se contradiz est afirmando pelos menos um enunciado falso. No caso das teorias cientficas, os princpios (I) e (II) desempenham um papel igualmente fundamental. possvel mostrar que toda teoria contraditria trivial, ou seja, que a partir de seus enunciados bsicos possvel estabelecer qualquer resultado. Ora, tal caracterstica indesejvel na medida em que: se a partir de uma teoria possvel estabelecer qualquer coisa, perdemos o que h de mais importante nela, a saber, a sua capacidade de distinguir enunciados verdadeiros de enunciados falsos. Na matemtica, em particular, a utilizao de tais princpios proporciona um dos mtodos de provas mais eficiente, a saber, as provas por reduo ao absurdo*. Muitas vezes difcil, ou impossvel, obter a demonstrao de um enunciado p a partir de outros enunciados. Neste caso, o que o matemtico faz assumir como premissa de sua prova no-p. O passo seguinte a partir de no-p, e de outras premissas adicionais, obter uma contradio. Desta forma, baseado em certas leis envolvendo a noo de conseqncia lgica, ele pode afirmar que no-p um enunciado falso. Ora, como pelo princpio (II) um enunciado ou sua negao verdadeiro, ele estabelece que p verdadeiro obtendo, assim, a concluso desejada. Pergunta 3: Relacione o princpio de no-contradio e o princpio do terceiro excludo com a prova por reduo ao absurdo. claro que seria possvel prolongar quase que indefinidamente os benefcios retirados por ns do estudo dos princpios que regem a noo de verdade, contudo, neste momento, seria interessante examinar, com um pouco mais de cuidado, alguns problemas que envolvem tal noo. Isto ir mostrar, de uma forma bastante clara, que um conceito pode ser utilizado por ns e nem sempre termos uma soluo para todos os problemas que o envolvem. O primeiro deles diz respeito noo de correspondncia. Como foi visto anteriormente, quando aquilo que afirmamos corresponde ao que est no mundo dizemos algo verdadeiro, caso 14

contrrio dizemos algo falso. A questo que surge aqui que nem sempre possvel aplicar tal concepo de forma no problemtica. Tomemos o seguinte enunciado, (4) Paris no uma cidade inglesa bvio que tal enunciado verdadeiro, no entanto, segundo a teoria correspondencial, no nada claro a que estado de coisas ele estaria se referindo. Este problema surge devido ao fato da situao que, aparentemente, torna (4) verdadeiro no existir; mas, se ela no existe, qual o sentido de se afirmar que a este enunciado corresponde algo no mundo?FIM DA PRIMEIRA PARTE

o enunciado que afirma que todo nmero par maior que 3 pode ser expresso como a soma de dois nmeros primos. Assim, 8 = 5 + 3, 10 = 7 + 3, etc. (nmero primo aquele que s divisvel por si mesmo e pela unidade, p. ex. 3, 5, 7, 11, etc.). Valor de verdade o termo que se usa em lgica para se referir ao fato de uma proposio ser verdadeira ou falsa. qualquer enunciado do tipo p e no-p. Evidentemente que, pelo princpio de no contradio, toda contradio falsa. Esta uma noo central para a lgica. A propriedade aqui referida a de que se um conjunto de enunciados tem como conseqncia lgica uma contradio, ento pelo menos um dos seus enunciados falso.

Aula 3 - Material de ConsultaMATERIAL DE CONSULTA - 3 Texto: O PROBLEMA DA VERDADE (I Parte) Os termos e nomes abaixo se encontram em ordem de apario no texto:

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Arno Viero (1960-2005): filsofo gacho atuante na rea de lgica, filosofia da lgica e da matemtica. Doutor em filosofia pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). Dentre os vrios trabalhos publicados destacam-se a sua dissertao de mestrado - Sistemas Axiomticos Formalizados: A Questo da Desinterpretao e Formalizao da Axiomtica e, a sua tese de doutorado - A Axiomatizao da Teoria de Conjuntos.

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Empirismo: doutrina segundo a qual todo o conhecimento humano deriva da experincia sensvel, ou seja, sua verdade s pode ser verificada pelo uso dos sentidos. Oposto do racionalismo (Ver Material de Consulta - 1) 15

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Predicado: termo lgico que indica a qualidade, atributo ou propriedade de algo.

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Prova: verificao da verdade de uma hiptese em relao aos fatos a que se refere. Em um sentido lgico, trata-se da demonstrao da validade de uma proposio de acordo com determinados princpios lgicos e regras dedutivas.

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Princpio de no-contradio: princpio lgico que aponta a impossibilidade de afirmarmos e negarmos algo ao mesmo tempo. Por isso, a contradio desqualifica qualquer teoria porque ao detect-la em um conjunto de proposies, conseqentemente, uma delas falsa. Este princpio foi formulado pela promeira vez pelo filsofo grego Aristteles (384-322 a.C) na Metafsica, livro IV.

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Princpio do terceiro excludo: princpio lgico que afirma de forma direta que cada proposio s pode ser verdadeira ou falsa, portanto, exclui casos intermedirio, tais como proposies meio certas ou mais ou menos certas. Este princpio tambm foi formulado pela promeira vez pelo filsofo grego Aristteles (384-322 a.C) na Metafsica, livro X.

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Reduo ao absurdo: forma de argumentao que visa refutar uma tese contrria mostrando que possvel derivarem-se dela conseqncias absurdas do ponto de vista lgico. Na matemtica, muitas vezes, chamada de demonstrao indireta.

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Aula 4 - O Problema da Verdade (2a parte)O PROBLEMA DA VERDADE (II Parte) ARNO A. VIERO* (MATERIAL DA 4 SEMANA) Outro problema bastante desconcertante envolvendo a verdade diz respeito a enunciados nos quais ocorrem nomes vcuos*. Consideremos o seguinte exemplo examinado por Bertrand Russell* em seu artigo Da Denotao: (5) O atual rei da Frana careca A questo que se coloca em relao a este enunciado que, de acordo com o princpio do terceiro excludo, ou o rei da Frana careca ou o rei da Frana no careca. Ora, se fizermos duas listas de objetos no mundo, uma com todas as coisas que so carecas, e outra com todas as coisas que no so carecas iremos perceber que o atual rei da Frana no est em nenhuma delas. Se pensarmos um pouco no ser difcil encontrar a resposta para este enigma: o rei da Frana no est em nenhuma das duas listas simplesmente porque ele no existe! Aqui o problema achar uma soluo para tal situao que preserva ao mximo os princpios lgicos anteriormente discutidos. Russell tentou fazer isto elaborando a sua teoria das descries* segunda a qual (5) seria um enunciado falso. No entanto, importante ressaltar que tal soluo no foi unanimemente aceita e, ainda hoje, existem vrias teorias rivais que tentam achar uma soluo satisfatria para esta questo. Existem outros tipos de enunciados extremamente problemticos quando a tarefa determinar o seu valor de verdade. Tomemos o seguinte exemplo, (6) O enunciado de nmero seis falso Afinal, este enunciado verdadeiro ou falso? Se ele verdadeiro, ento ele falso e se ele falso, ento ele verdadeiro, fato este, que, evidentemente, contraria o princpio de no contradio. Aqui a soluo igualmente complexa e ainda hoje existem vrias concepes distintas que pretendem fornecer a soluo mais adequada. Talvez em relao a esta questo a maior contribuio tenha sido dada pelo lgico e matemtico polons Alfred. Tarski* ao mostrar que devemos restringir, de alguma forma, a aplicao do predicado ser verdadeiro. Pergunta 1: Por que devemos restringir a aplicao do predicado ser verdadeiro em alguns casos ? Alm dessa, existe uma outra classe de problemas envolvendo a noo de verdade que tem se mostrado particularmente difcil para a anlise filosfica. Esta questo tem sido tratada desde a antiguidade clssica e diz respeito aplicao do principio do terceiro excludo a enunciados que se referem ao futuro. Consideremos o seguinte enunciado, (7) Amanh ir ocorrer um assalto no Banco Central 17

Qual o valor de verdade deste enunciado? A resposta simples: no sabemos, porque as condies objetivas segundo as quais poderamos verificar se ele verdadeiro ou no ainda no ocorreram; no entanto, de acordo com o princpio do terceiro excludo ele deve ser ou verdadeiro ou falso. As conseqncias deste fato so enormes e no nada difcil perceber por que: se for verdade, hoje, que amanh ir ocorrer um assalto no Banco Central no adianta tomarmos nenhuma atitude para prevenir tal acontecimento. Parece que a aplicao do princpio do terceiro excludo a eventos futuros acarreta a adoo de uma postura determinista, ou seja, os fatos que iro ocorrer esto determinados de tal forma que a nossa ao em relao a eles completamente irrelevante. Este fato tem implicaes ticas srias. Como culpar algum por ter cometido um ato ilcito que no entanto estava desde o incio dos tempos determinado? Como fica a questo da liberdade humana? At que ponto somos responsveis pelos nossos atos? Estas so algumas questes que tocam de perto a todos ns enquanto sujeitos morais e que decorrem diretamente de uma investigao abstrata e aparentemente remota envolvendo o conceito de verdade. Este problema conhecido, na literatura filosfica, sob o nome de problema dos futuros contingentes. Pergunta 2: Qual a relao entre o princpio do terceiro excludo com o determinismo? Alis, existe uma pequena histria que narrada no clssico Don Quixote de la Mancha escrito por Miguel de Cervantes, no sculo XVII, que mostra as conseqncias que podem surgir a partir da considerao do problema acima referido. Conta a lenda que havia uma cidade em que todo o viajante que a cruzasse era obrigado a proferir um enunciado: se o enunciado fosse verdadeiro o viajante seria enforcado, se o enunciado fosse falso o viajante seria esfaqueado. claro que durante anos ningum conseguiu sair vivo da cidade at que um dia prenderam um aldeo que proferiu o seguinte enunciado: serei esfaqueado. Ora, se o que ele afirma verdadeiro ento ele ser enforcado mas, neste caso, o enunciado proferido por ele era falso e ele deveria ter sido esfaqueado. Se, por outro lado, o enunciado falso, ele deve ser esfaqueado mas neste caso ele havia dito a verdade e, portanto, deveria ter sido enforcado! Estes so apenas alguns dos problemas que, ainda hoje, desafiam os filsofos na tentativa de obter uma compreenso adequada da noo de verdade. Alguns dos exemplos acima podem ser considerados divertidos ou exticos e, no entanto, so problemas srios, de difcil soluo e que envolvem outras disciplinas alm da filosofia, como a lgica e a matemtica. Alis, uma das contribuies mais importantes realizadas no sculo XX em relao a este problema partiu justamente de Alfred Tarski que, na dcada de trinta, obteve uma definio rigorosa de verdade para vrias teorias matemticas. A sua idia foi a de obter uma soluo matematicamente satisfatria que incorporasse as intuies bsicas da teoria clssica e que, ao mesmo tempo, evitasse problemas como aqueles surgidos em relao ao enunciado (6), discutido anteriormente. Ainda hoje parte da obra de Tarski fonte de vrios debates, sendo que um dos principais desafios ligados a ela entender o significado filosfico de certos resultados matemticos. Aqui ficam evidenciados os benefcios e os limites da interao entre a filosofia e a cincia. A investigao cientfica desempenha um papel muito importante no avano do entendimento de vrios conceitos importantes, do ponto de vista filosfico; no entanto, no possvel resolver cientificamente um problema filosfico, pela simples razo de que, uma vez estabelecido o resultado cientfico, necessrio explorar as suas conseqncias conceituais; ou seja: neste momento, regressamos, novamente, ao domnio da especulao filosfica. Desta forma possvel perceber qual a funo da filosofia e a sua relao com uma noo que ocupa um papel central nas mais diversas reas da atividade humana. difcil encontrar alguma atividade na qual o conceito de verdade no esteja envolvido de alguma forma. Alis, sem alguma 18

idia, pelo menos rudimentar, de verdade, a vida seria impossvel e, no entanto, como foi mostrado atravs dos vrios problemas examinados anteriormente, assim que comeamos a pensar nesta noo to familiar nos vemos envoltos em dificuldades conceituais quase intransponveis. No final das contas a situao aquela descrita com muita clareza por Santo Agostinho*:

Falamos do tempo e mais do tempo, dos tempos e ainda dos tempos. Andamos constantemente com o tempo na boca: por quanto tempo falou este homem?; quanto tempo demorou a fazer isto?; h quanto tempo no via aquilo?; esta slaba longa tem o dobro de tempo daquela slaba breve. Dizemos e ouvimos semelhantes expresses. Os outros compreendem-nos e ns compreendemo-los. So palavras muito claras e muito vulgares, mas ao mesmo tempo bastante obscuras. Exigem por isso, uma nova anlise (p. 311).FIM DO TEXTO

Ver B. Russell (1978). Este um dos textos mais importantes do sculo XX. No entanto, um texto muito difcil, cuja leitura recomendvel somente queles que j tenham alguma formao filosfica.

Ver A. Tarski (1952).

Confisses, p. 311.

Aula 4 - Material de ConsultaMATERIAL DE CONSULTA - 4 Texto: O PROBLEMA DA VERDADE (II Parte) Os termos e nomes abaixo se encontram em ordem de apario no texto:

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Arno Viero (1960-2005): filsofo gacho atuante na rea de lgica, filosofia da lgica e da matemtica. Doutor em filosofia pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). Dentre os vrios trabalhos publicados destacam-se a sua dissertao de mestrado - Sistemas Axiomticos Formalizados: A Questo da Desinterpretao e Formalizao da Axiomtica e, a sua tese de doutorado - A Axiomatizao da Teoria de Conjuntos.

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Nome vcuo: trata-se de um termo vazio que no se refere ou descreve nenhum objeto.

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Bertrand Russell (1872-1970): filsofo e matemtico ingls, professor da Universidade de Cambridge. Sua atuao foi bastante ampla em lgica, filosofia da matemtica e da linguagem, assim como, no ativismo poltico em favor de causas liberais e projetos educacionais. Recebeu o Prmio Nobel de Literatura em 1950. Suas principais obras so: Exposio Crtica da Filosofia de Leibniz (1900); Os Princpios da Matemtica (1903) escrito com Alfred North Whitehead (1861-1947); Principia Mathematica (1910-1913); O Atomismo Lgico (1918-1919); dentre outros.

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Teoria das descries: apresentada em no artigo On Denoting (1905) de Russell. Esta teoria se dedica ao estudo de descries definidas, ou seja, uma descrio de um objeto como o nico portador de uma propriedade, como por exemplo: o menor nmero inteiro positivo ou a pessoa mais rica do mundo.

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Alfred Tarski (1901-1983): matemtico e lgico de origem polonesa radicado nos Estados Unidos onde lecionou na Universidade de Berkley a partir de 1942. Sua principais obras so: O Conceito de Verdade nas Linguagens Formais (1935); Introduo Lgica Matemtica (1936) e; Lgica, Semntica e Metamatemtica (1956).

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Santo Agostinho (354-430): filsofo de origem argelina e um dos mais importantes da filosofia medieval responsvel pela sntese do pensamento filosfico clssico (grecoromano) e o cristianismo. Suas principais obras so: As Confisses (400), de carter autobiogrfico e; A Cidade de Deus (412-427).

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Aula 5 - Platonismo, Formalismo e ConstrutivismoORIENTAO TEXTO 5 Texto: PLATONISMO, FORMALISMO, CONSTRUTIVISMO (MATERIAL DA 6 SEMANA) O objetivo do texto abaixo apresentar a matemtica em um contexto mais amplo ao introduzir algumas interpretaes filosficas possveis a seu respeito. O ttulo do texto j nos familiariza com as trs noes filosficas mais gerais acerca da matemtica: o platonismo, o formalismo e o construtivismo. Esses modos de pensar a matemtica so tentativas de integr-la a diferentes concepes de mundo concebidas em diferentes momentos da histria do pensamento. Assim, a filosofia vem tentando entend-la de uma maneira mais abrangente desde coisas cotidianas como lidar com dinheiro, dizer as horas at coisas mais complexas como a noo de nmero, de espao e de tempo. Essa misteriosa natureza da matemtica pode ser exemplificada atravs da seqncia de Fibonacci (1170-1250). Esse matemtico italiano obtm uma seqncia mgica ao resolver um problema hipottico acerca da reproduo de coelhos. Se algum isolasse um casal de coelhos quantos pares de coelhos teriam sido originados a partir desse casal, supondo que durante todos os meses cada novo casal reproduziria um novo casal que a partir do seu segundo ms de vida j seria frtil? O resultado gerou a seguinte seqncia: 1,1,2,3,5,8,13,21..., na qual cada nmero a soma dos dois que o antecedem. Essa seqncia se aplica a diversos campos da matemtica, mas o mais espantoso que diversas formas e aspectos da natureza encontram-se dispostos como os nmeros de Fibonacci. O miolo de flores como o girassol, a margarida, a distribuio das folhas nos galhos das rvores, as camadas de uma cebola, as espirais de um pinho e, assim por diante. E a pergunta que fica a seguinte: Qual a relao entre a matemtica e o mundo? ________________________ PLATONISMO, FORMALISMO, CONSTRUTIVISMO Philip J. Davis e Reuben Hersh* (MATERIAL DA 6 SEMANA) Se voc faz matemtica todos os dias, ela lhe parece a coisa mais natural do mundo. Se voc pra e pensa sobre o que est fazendo e o que isso significa, ela lhe parece uma das coisas mais misteriosas. Como podemos falar de coisas que ningum jamais viu, e compreend-las mais do que os objetivos da vida diria? Por que a geometria euclidiana ainda correta, enquanto que a fsica de Aristteles* j morreu h muito tempo? O que sabemos na matemtica, e como o sabemos? Em qualquer discusso sobre os fundamentos da matemtica so apresentados trs dogmaspadro: o platonismo*, o formalismo* e o construtivismo*.

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Segundo o platonismo, os objetos matemticos so reais. Sua existncia um fato objetivo, totalmente independente de nosso conhecimento sobre eles. Conjuntos infinitos, conjuntos infinitos no-enumerveis, variedades de dimenso infinita, curvas que enchem o espao - todos os membros do zoolgico matemtico so objetos definidos, com propriedades definidas, algumas conhecidas, muitas desconhecidas. Esses objetos no so, naturalmente, fsicos ou materiais. Existem fora do espao e do tempo da experincia fsica. So imutveis - no foram criados, e no mudaro ou desaparecero. Qualquer pergunta significativa sobre um objeto matemtico tem uma resposta definida, quer sejamos capazes ou no de determin-la. Segundo o platonismo, um matemtico um cientista emprico*, como um gelogo; no pode inventar nada, pois tudo j existe. O que pode fazer descobrir coisas. Ren Thom* e Kurt Gdel* so dois adeptos do platonismo. Thom escreve (1971) Levando tudo em conta, os matemticos deveriam ter a coragem de suas convices mais profundas e afirmar assim que as formas matemticas tm, com efeito, uma existncia independente da mente que as contempla (...). No entanto, a qualquer tempo, os matemticos tm somente uma viso incompleta e fragmentria deste mundo das idias*. E Gdel Malgrado seu distanciamento da experincia dos sentidos, temos algo como que uma percepo tambm dos objetos da teoria dos conjuntos*, como se depreende do fato de que os axiomas se impem a ns como verdadeiros. No vejo nenhuma razo por que deveramos ter menos confiana neste tipo de percepo, isto , na intuio matemtica, do que na percepo dos sentidos (...). Esses objetos podem tambm representar um aspecto da realidade objetiva. O mundo das idias de Thom geomtrico, enquanto que o de Gdel o universo da teoria de conjuntos. De outro lado, temos Abraham Robinson* No consigo imaginar que voltarei jamais ao credo do verdadeiro platonista, que percebe o mundo do infinito real estendido a seus ps, e que pode compreender o incompreensvel. (1969) Segundo o formalismo, por outro lado, no h objetos matemticos. A matemtica consiste somente em axiomas, definies e teoremas - em outras palavras, frmulas. Em uma verso extrema, existem regras por meio das quais se deduz uma frmula da outra, mas as frmulas no so sobre alguma coisa: so somente cadeias de smbolos. Naturalmente o formalismo sabe que, por vezes, as frmulas matemticas so aplicadas a problemas fsicos. Quando dada uma interpretao fsica a uma frmula, ela adquire um significado, e pode ser verdadeira ou falsa. Mas esta verdade* ou falsidade tem a ver com a prpria interpretao fsica. Como uma frmula puramente matemtica, ela no tem significado nem de uma verdade. Um exemplo que demonstra a diferena entre o formalista e o platonista aparece na hiptese do contnuo* de Cantor*. Cantor conjeturou que no existe cardinal infinito* que seja maior do que 0 (a cardinalidade dos inteiros*) e menos do que c (a cardinalidade dos nmeros reais*). K Gdel e P.J. Cohen mostraram que, baseando-se nos axiomas da teoria formal dos conjuntos, a hiptese do contnuo no pode ser demonstrada (Gdel, 1937) nem negada (Cohen*, 1964). Para um platonista, isso significa que nossos axiomas so incompletos como uma descrio do conjunto de nmeros reais. No so suficientemente fortes para nos contar toda a verdade. A hiptese do contnuo ou verdadeira ou falsa, mas no compreendemos suficientemente bem o conjunto dos nmeros reais para descobrir a resposta.

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Para o formalista, por outro lado, a interpretao platnica no faz sentido, pois no h sistema dos nmeros reais, a no ser da forma que escolhemos cri-lo, estabelecendo os axiomas para descrev-lo. Naturalmente temos liberdade de modificar este sistema de axiomas se desejarmos faz-lo. Uma tal modificao pode ser por convenincia ou por utilidade ou algum outro critrio que resolvemos introduzir; no pode tratar-se de uma melhor correspondncia com a realidade, pois a no h realidade. Os formalistas e platonistas esto em extremos opostos do problema da existncia e da realidade; mas no discutem sobre que princpios de raciocnio deveriam ser admissveis na prtica matemtica. Opostos a ambos esto os construtivistas. Os construtivistas consideram matemtica genuna somente o que pode ser obtido por uma construo finita. O conjunto de nmeros reais, ou qualquer outro conjunto infinito, no pode ser obtido desta maneira. Conseqentemente, o construtivista considera a hiptese de Cantor palavras sem sentido. Qualquer resposta seria pura perda de tempo. Pergunta 1: Relacione as idias bsicas do platonismo, formalismo e construtivismo.

Aula 5 - Material de ConsultaMATERIAL DE CONSULTA - 5Texto: PLATONISMO, FORMALISMO, CONSTRUTIVISMO

Os termos e nomes abaixo se encontram em ordem de apario no texto:

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Philip J. Davis (1923-): matemtico americano com doutorado em Harvard e, atualmente, professor de matemtica aplicada na Universidade Brown nos Estados Unidos. Recebeu diversos prmios por sua obra, dentre eles, o Chauvenet da Associao Americana de Matemtica.

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Reuben Hersh (1927-): matemtico americano com doutorado no Instituto Courant da Universidade de Nova Iorque e, atualmente, professor de matemtica na Universidade do Novo Mxico nos Estados Unidos. Em sua vida profissional bastante diversificada tem trabalhado, alm da matemtica, como escritor, editor e mecnico. Tambm recebeu diversos prmios por sua obra, dentre eles, o Chauvenet da Associao Americana de Matemtica. Equaes diferenciais parciais e reas afins da Anlise Matemtica so seus principais interesses

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Aristteles (3384-322 a.C): um dos filsofos gregos mais influentes, ao lado de Plato, na tradio filosfica. Ingressou na Academia como aluno de Plato e, mais tarde, fundou a sua prpria escola, o Liceu. Sua obra rene diversas reas de conhecimento: estudos de lgica agrupados no rganon; estudos de fsica: a Fsica, Do Cu e, Da Gerao e da Corrupo; estudos de psicologia e histria natural: Da Alma, Das Partes, Dos Movimentos e Da Gerao dos Animais; estudos de tica: tica a Nicmaco, tica a Eudemo, Magna Moralia, Poltica, Retrica e a Potica e; finalmente, sua obra mais famosa que trata de investigaes gerais sobre o mundo, a Metafsica.

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Platonismo: doutrina baseada nas idias do filsofo grego Plato (c.427-348 a.C). A concepo central desse autor a de que existem dois mundos distintos o mundo sensvel ou das aparncias que o qual temos acesso na vida cotidiana e, o mundo das idias, no qual, se encontra a verdadeira realidade considerada absoluta e eterna. Segundo Plato, s podemos atingir o conhecimento verdadeiro se nos elevarmos por etapas do mundo sensvel ao mundo das idias, ou seja, deixando para trs as simples aparncias dos objetos para seguirmos em direo s idias abstratas, ou seja, o conhecimento verdadeiro da realidade. As idias ou entidades abstratas so seres reais e independem da nossa percepo. Estas noes foram formuladas sob o nome de mito ou alegoria da caverna descrita na Repblica, uma das obras mais importantes de Plato. Esta a principal concepo em torno dos platonistas que trabalham questes ligadas filosofia da lgica e da matemtica, na medida em que consideram os objetos matemticos (nmeros, figuras geomtricas, etc.) como entidades reais, abstratas e eternas por existirem independentemente do nosso pensamento e, sobretudo, do nosso conhecimento sobre eles.

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Formalismo: doutrina, segundo a qual, as verdades matemticas so puramente formais, ou seja, seu carter considerado puramente abstrato sem relao com o real. Portanto, para os formalistas a matemtica um conjunto de convenes e smbolos.

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Construtivismo: teoria que considera os objetos da lgica e matemtica reais, na medida, que so construdos, ou seja, caso seja possvel provar a sua existncia. Portanto, uma proposio s pode ser verdadeira se for possvel efetivamente construir uma prova de sua verdade.

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Empirismo: ver Material de Consulta n 3.

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Ren Thom (1923-2002): matemtico francs que se tornou famoso pela criao da teoria da catstrofe que se dedica estrutura de aes contnuas que produzem resultados discontnuos. Sua teoria visa descrever a impossibilidade de se utilizar clculo diferencial para situaes que sofrem mudanas abruptas, catastrficas. Esse seu trabalho teve uma grande repercusso e aplicao na fsica, biologia e cincias sociais. Recebeu diversos prmios, dentre eles, o mais importante foi a Medalha Fields em 1958.

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Kurt Gdel (1906-1978): matemtico e lgico de origem tcheca que trabalhou desde 1938 em Princeton nos Estados Unidos. Destacou-se por seus teoremas sobre os limites dos sistemas formais e, assim, influenciando o desenvolvimento da lgica e da matemtica no sculo XX. Em 1931 publicou o conhecido teorema de Gdel ou teorema de incompletude que prova a existncia de sentenas indecidveis em qualquer sistema formal da aritmtica. Ou seja, sentenas que no so nem verdadeiras e nem falsas. Como deduo desse teorema foi obtido um segundo teorema estabelecendo que a consistncia de um sistema formal de aritmtica no pode ser formalmente demonstrado no prprio sistema, ou seja, nenhum sistema formal contm em si a prova da sua consistncia. A partir dos seus teoremas que demonstraram as limitaes internas dos sistemas formais surgiram importantes discusses sobre os fundamentos da matemtica acarretando uma reviso dos projetos em filosofia da cincia que pretendiam encontrar na lgica matemtica a linguagem perfeita para a cincia.

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Mundo das idias: tambm conhecido como mito ou alegoria da caverna apresentado no captulo VII da Repblica, considerado um dos mais importantes e influentes dilogos de Plato, escrito entre 389 e 369 a.C. Ver o verbete Platonismo.

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Teoria de conjuntos: Segundo Cantor, se dois conjuntos so equipotentes, necessariamente, ambos tm o mesmo nmero cardinal. Os nmeros cardinais dos conjuntos finitos podem ser identificados com os nmeros naturais. Os nmeros cardinais dos conjuntos infinitos so nomeados de nmeros transfinitos. H pelo menos dois tipos distintos de conjuntos infinitos: o primeiro dos nmeros naturais ou, qualquer conjunto infinito que lhe seja equivalente, que so considerados enumerveis e denotados pela cardinalidade 0 (aleph letra do alfabeto hebreu com sub-ndice zero); o segundo tipo o representado pela cardinalidade dos nmeros reais ou por um segmento de reta que, por ter um comprimento arbitrrio a sua cardinalidade representada por um c minsculo para simbolizar contnuo, portanto, considerado noenumervel.

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Abraham Robinson (1918-1974): matemtico judeu-alemo com doutorado na Universidade Hebraica de Jerusalm e que terminou sua vida como professor da Universidade de Yale nos Estados Unidos. Contribuiu de forma brilhante para diversas reas da matemtica desde lgica matemtica at aerodinmica, assunto que dominou de forma extraordinria ao se tornar oficial cientfico durante a II Guerra Mundial. Seus trabalhos mais importantes esto relacionados ao estudo das propriedades dos modelos de completude (1956), o tratado sobre a teoria de modelos e a lgebra da meta matemtica (1963) e, principalmente, a criao da anlise non-standard (1961).

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Verdade: consultar, em especial, a I parte do texto O Problema da Verdade do professor Arno Viero, no qual, este tema amplamente discutido.

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Hiptese do contnuo: hiptese proposta por Georg Cantor a partir do desenvolvimento da sua teoria de conjuntos que consiste na seguinte questo: existe sobre um segmento de reta um 25

conjunto infinito de pontos que no equivalente a todo segmento e, que tambm no equivalente ao conjunto dos nmeros naturais? Ou seja, existe um conjunto com cardinalidade entre 0 e c? Cantor conclui ao conjecturar essa pergunta que no existe tal conjunto. Com as solues de Gdel em 1940 e Cohen em 1963 ficou demonstrado que essa hiptese independente dos postulados da teoria de conjuntos, portanto, no pode ser deduzida a partir dela. Ou seja, a hiptese do contnuo no verdadeira e nem falsa.

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Georg Cantor (1845-1918): matemtico alemo que fundamentou a teoria de conjuntos e introduziu o conceito de nmeros transfinitos. Seu trabalho se concentrou, principalmente, numa maneira moderna de abordar o sistema dos nmeros reais e tambm em um modo possvel de tratar questes relacionadas ao infinito. O desenvolvimento inicial de sua teoria foi publicado a partir de 1874 em diversas revistas alems especializadas. Antes dos trabalhos de Cantor os matemticos s aceitavam um tipo de infinito que era denotado por algum smbolo como (mega), o qual era empregado indiscriminadamente para indicar a infinitude de elementos dos conjuntos dos nmeros naturais e reais. Portanto, Cantor introduziu, entre outras coisas, uma aritmtica e uma escala para as infinidades. Ao inovar a concepo de continuidade e de infinito na matemtica e obteve grande repercusso junto filosofia e lgica.

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Cardinal infinito: ver o verbete Teoria de conjuntos.

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Cardinalidade dos inteiros: ver os verbetes Teoria de conjuntos e Hiptese do contnuo.

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Cardinalidade dos reais: o verbete Hiptese do contnuo.

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Paul Joseph Cohen (1934-): matemtico norte-americano e professor da Universidade de Stanford nos Estados Unidos. Recebeu diversos prmios, dentre eles, o mais importante foi a Medalha Fields, em 1966, pelo seu trabalho sobre os fundamentos da teoria de conjuntos. Ele tambm trabalhou com equaes diferenciais e anlise harmnica.

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Aula 6 - DemonstraesDEMONSTRAESPhilip J. Davis e Reuben Hersh* (MATERIAL DA 7 SEMANA) J se fez a afirmativa de que a matemtica fica caracterizada, de maneira nica, por algo conhecido, como "demonstraes"*. Diz-se que a primeira demonstrao na histria da matemtica foi dada por Tales de Mileto* (600 a.C.). Ele demonstrou que o dimetro de um crculo o divide em duas partes iguais. Ora, isso uma afirmativa to simples que parece evidente por si prpria. A genialidade, neste caso, foi perceber que uma demonstrao possvel e necessria. O que torna uma demonstrao mais do que simples pedantismo so suas aplicaes a situaes onde as afirmativas so muito menos transparentes. Na opinio de alguns, o nome do jogo da matemtica demonstrao; sem demonstraes, nada de matemtica. Na opinio de outros, isso bobagem; h muitos jogos na matemtica. Para discutir o que uma demonstrao, como ela funciona, para que serve, necessitamos de um exemplo concreto de alguma complexidade, perante ns; e nada melhor do que dar uma olhada no mais famoso teorema da histria da matemtica, da maneira como ele est exposto no mais famoso livro dessa histria. Estamos nos referindo ao teorema de Pitgora*s, como ocorre na Proposio 47, Livro I dos Elementos de Euclides* (300 a.C.). Ns o citaremos em sua verso dada por Sir Thomas Heath*. Os nmeros que constam do texto, direita, so referncias e resultados previamente estabelecidos ou s "noes comuns". Proposio 47. (clique no trecho assinalado ao lado para visualizar a imagem) Nos tringulos retngulos, o quadrado sobre o lado que subentende o ngulo reto igual aos quadrados sobre os lados que contm o ngulo reto. Seja ABC um tringulo retngulo que tem o ngulo BAC reto; Afirmo que o quadrado sobre BC igual aos quadrados ", sobre BA, AC. Pois tracemos sobre BC o quadrado BDEC, e sobre BA, AC, os quadrados GB, HC; [1,46] por A, seja AL paralela a BD ou CE e unamos AD, FC. Ento, como cada um dos ngulos BAC, BAG reto, segue-se que as retas AC, AG, passando por A, e de lados distintos de BA, formam com BA ngulos iguais a retos, e, portanto, esto em linha reta, isto , CA est em linha reta com AG [1,46]. Pela mesma razo BA est tambm em linha reta com AH. E como o ngulo DBC igual ao ngulo FBA, pois cada um deles reto: seja o ngulo ABC adicionado a cada um; portanto, todo o ngulo DBA igual ao ngulo FBC. [N.C. 2]

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E, como DB igual a BC, e FB a BA, os dois lados AB, BD so iguais aos dois lados FB, BC respectivamente, e o ngulo ABD igual ao ngulo FBC: portanto, a base AD igual base FC, e o tringulo ABD igual ao tringulo FBC. [1,4] Ora, o paralelogramo BL o dobro do tringulo ABD, pois tm a mesma base BD e esto sobre as mesmas paralelas BD, AL. [1,41]. E o quadrado GB o dobro do tringulo FBC, pois mais uma vez tm a mesma base FB e esto sobre as mesmas paralelas FB, GC. [1,41] [Mas os dobros de iguais so iguais entre si.] Portanto, o paralelogramo BL tambm igual ao quadrado GB. Semelhantemente, se AE, BK foram unidos, pode-se tambm demonstrar que o paralelogramo CL igual ao quadrado HC; portanto, todo o quadrado BDEC igual aos dois quadrados GB, HC. [N.C. 2]. E o quadrado BDEC est descrito sobre BC, e os quadrados GB, HC sobre BA, AC. Portanto, o quadrado sobre o lado BC igual aos quadrados sobre os lados BA, AC. Portanto etc. Q.E.D. Agora, supondo que temos Euclides at a Proposio 47, e supondo que somos intelectualmente capazes de percorrer este material, o que devemos julgar de tudo isso? Talvez a mais bela impresso registrada seja a atribuda a Thomas Hobbes* (1588- 1679) por John Aubrey* em seu livro "Vidas Curtas":Ele tinha 40 anos antes de descobrir a geometria; o que aconteceu acidentalmente. Estando na Biblioteca de um Cavalheiro, os Elementos de Euclides estavam abertos, exatamente no Teorema 47, Libri I. Ele leu o teorema. Por Deus, disse (de vez em quando ele praguejava um pouco, para enfatizar suas afirmaes) isso impossvel! Assim, ele leu a demonstrao do teorema, que o remeteu a uma outra Proposio; e ele leu esta Proposio. Esta ltima o remeteu a uma outra, que ele tambm leu. Et sic deinceps (e assim sucessivamente) de maneira que, no fim, ele estava demonstradamente convicto daquela verdade. Isso o fez apaixonar-se pela Geometria.

O que parece inicialmente no intuitivo, dbio e algo misterioso termina, aps um certo tipo de processo mental, gloriosamente verdadeiro. Euclides, gostaramos de pensar, teria tido orgulho de Hobbes; e o usaria como a testemunha principal, para justificar seu longo trabalho de compilar os Elementos. Eis o processo de demonstrao, descoberto e sancionado pelos matemticos gregos, ao servio da confirmao e certificao. Uma vez que uma afirmativa foi demonstrada, devemos entender que a afirmativa verdadeira sem nenhuma sombra de dvida. A referncia a proposies anteriores, mencionada por Hobbes, caracterstica do mtodo de demonstrao e, como sabemos, no pode prosseguir indefinidamente. Cessa nos chamados axiomas* e definies. Enquanto que as ltimas so simplesmente convenes lingsticas, os primeiros representam o solo firme dos fatos evidentes por si prprios, sobre os quais repousa toda a estrutura, mantida unida pelos parafusos da lgica*. Tambm caracterstico do mtodo o grau considervel de abstrao* que ocorreu no refinamento de tais conceitos como tringulos, ngulo reto etc. A prpria figura comparece aqui com uma adjuno muito necessria verbalizao. Na apresentao de Euclides, no podemos 28

seguir totalmente a argumentao sem a figura, e a menos que fssemos suficientemente fortes para reproduzir a figura mentalmente, teramos que traar nossa prpria figura, se o autor no o tivesse feito por ns. Observe tambm que a linguagem da demonstrao tem uma qualidade formal e severamente restritiva. Isso no a linguagem da Histria, nem do drama, nem da vida diria; isso a linguagem que tem sido aguada e refinada de maneira a servir s necessidades precisas de um objetivo intelectual preciso, mas limitado. Uma reao a este material foi registrada pela poeta Edna Millay*, em seu verso "Euclid alone has Iooked on Beauty bare (Euclides foi o nico a contemplar a beleza nua.) Podemos mesmo sentir um arrepio, se acreditarmos que, com algumas linhas mgicas de uma demonstrao, obrigamos todos os tringulos retngulos do universo a comportar-se de maneira pitagrica*, regular. Abstrao, formalizao*, axiomatizao*, deduo* - eis os ingredientes de uma demonstrao. E as demonstraes da matemtica moderna, embora possam lidar com uma matriaprima diferente ou estarem situadas em um nvel mais profundo, do exatamente a mesma sensao ao estudante ou ao pesquisador, que o exemplo citado acima. Uma leitura mais extensa de Euclides trar tona pontos adicionais. Observe que na figura certas retas, por exemplo, BK, AL, parecem suprfluas a uma figura mnima que seja uma expresso do prprio teorema. Tal figura est ilustrada nesta pgina: (clique no trecho assinalado ao lado para visualizar a imagem) um tringulo retngulo com quadrados traados sobre cada um de seus lados. Estas linhas adicionais, que na escola elementar so freqentemente chamadas "linhas de construo", complicam a figura, mas formam uma parte essencial do processo dedutivo. Elas reorganizam a figura em sub-figuras e o processo de raciocnio se efetua exatamente neste subnvel. Ora, como sabemos onde traar estas retas, de maneira a poder raciocinar com elas? Pareceria que estas retas so relaes fortuitas. Em um certo sentido, isto verdadeiro e constitui a genialidade ou o truque da demonstrao. Achar as retas parte de encontrar uma demonstrao, e isso pode estar longe de ser fcil. A experincia traz percepo e habilidade ao processo de achar as retas de construo mais apropriadas. Uma pessoa pode ser mais habilidosa nisso do que outra. No h maneira garantida de chegar-se a uma demonstrao. Esta triste verdade igualmente irritante para crianas em idade escolar e para profissionais habilidosos. A matemtica, como um todo, pode ser encarada como uma sistematizao exatamente daqueles problemas que foram atacados com sucesso. Ento, a matemtica o assunto em que h demonstraes. Tradicionalmente, as demonstraes foram encontradas primeiramente em Euclides; e milhes de horas tm sido gastas, em sala de aula aps sala de aula, em pas aps pas, em gerao aps gerao, demonstrando e demonstrando novamente os teoremas de Euclides. Aps a introduo da "matemtica moderna" nos meados dos anos cinqenta, as demonstraes se espalharam por outros campos da matemtica da escola elementar, tais como a lgebra, e assuntos como a teoria dos conjuntos* foram deliberadamente introduzidos de maneira a formar um veculo para o mtodo axiomtico e para as demonstraes. Na universidade, uma aula tpica de matemtica avanada, especialmente uma aula dada por um professor com interesses "puros" consiste inteiramente em definio, teorema, demonstrao, definio, teorema, demonstrao, numa concatenao solene e sem interrupes. Por que isso? Se, como afirmado, uma demonstrao confirmao e certificao, ento poderamos pensar que, uma vez que uma demonstrao tivesse sido aceita por um grupo competente de estudiosos, o restante deles acreditaria em sua palavra, e prosseguiria com suas atividades. Por que os matemticos e seus alunos acham que vale a pena demonstrar repetidamente o teorema de Pitgoras ou os teoremas de Lebesgue*, ou Wiener*, ou Kolmogoroff*? 29

As demonstraes preenchem simultaneamente vrios fins. Ao serem expostas ao exame e julgamento de uma nova audincia, as demonstraes esto sujeitas a um processo constante de criticismo e revalidao. Erros, ambigidades e incompreenses so dissipados devido exposio constante. Uma demonstrao significa respeitabilidade. Uma demonstrao o sinete da autoridade. Uma demonstrao, no melhor dos casos, aumenta o entendimento, mostrando o que essencial no assunto. As demonstraes sugerem matemtica nova. O principiante que estuda demonstraes se aproxima mais da criao de matemtica nova. Uma demonstrao potncia matemtica, a voltagem eltrica do assunto, que vitaliza as afirmativas estticas dos teoremas. Finalmente, as demonstraes so um ritual, e uma celebrao do poder da razo pura*. Tal exerccio de reafirmao pode ser muito necessrio, levando em conta todas as confuses em que o pensamento claro claramente nos remete. Pergunta 1: O que uma demonstrao ?

Aula 6 - Material de ConsultaMATERIAL DE CONSULTA - 6 Texto: DEMONSTRAES Os termos e nomes abaixo se encontram em ordem de apario no texto:

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Philip J. Davis (1923-): ver Material de Consulta n 5.

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Reuben Hersh (1927-): ver Material de Consulta n 5.

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Demonstrao: operao que parte de proposies consideradas conhecidas pela sua evidncia (axioma) ou por j terem sido demonstradas, que nos permite estabelecer a verdade ou falsidade da concluso obtida a partir delas. Ou seja, trata-se de um raciocnio que nos autoriza passar de proposies admitidas para uma proposio que , necessariamente, resultante delas.

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Tales de Mileto (640-c. 548 a.C): importante filsofo grego considerado o fundador, segundo Aristteles, da filosofia concebida a partir dos princpios da natureza. Foi legislador da cidade de Mileto, gemetra, matemtico e fsico. 30

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Pitgoras (sc. VI a.C): filsofo e matemtico grego conhecido por sua concepo mstica de nmeros. Os nmeros, para ele, so verdades eternas. Estudou os astros e atribui a essncia de cada um deles um nmero e, a partir dessa harmonia numrica entre os planetas, obteve a escala das notas musicais. Foi o primeiro filsofo a elaborar um sistema com a inteno de explicar o universo, no qual, os nmeros so considerados como representaes da realidade que, essencialmente, seria matemtica. Portanto, o pitagorismo, em linhas gerais, toda concepo que atribui um papel central matemtica no conhecimento do mundo natural e do universo. Por exemplo, muitos consideravam Galileu (1564-1642) um pitagrico devido sua afirmao no livro Dilogo sobre os dois principais sistemas do mundo (1623): o livro da natureza escrito em linguagem matemtica.

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Euclides (c.300 a.C): gemetra grego considerado um dos maiores matemticos. Sua obra principal foi a coleo Os Elementos, composto por treze livros: seis sobre a geometria dos planos, trs sobre a teoria dos nmeros, um sobre os irracionais e, trs sobre a geometria dos slidos. A geometria euclidiana o melhor exemplo do mtodo axiomtico, pois a partir de um pequeno nmero de axiomas, postulados e definies deduziu teoremas sobre vrias figuras geomtricas. Por isso, exerceu uma importante influncia filosfica, ao ser considerado como paradigma da certeza racional. As geometrias conhecidas como no-euclidianas surgiram a partir do sculo XIX, quando o quinto axioma do sistema de Euclides, segundo o qual, as linhas paralelas nunca se encontram foi negado por Riemann (1826-1866), matemtico alemo autor da geometria esfrica.

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Thomas Heath (1861-1940): nascido na Inglaterra e considerado um dos maiores historiadores da matemtica e tendo como especialidade o perodo grego. Contribuiu com diversos artigos nesta rea para a Enciclopdia Britnica e tornou-se famoso ao traduzir, para a lngua inglesa, Os Elementos de Euclides

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Thomas Hobbes (1588-1679): filsofo ingls empirista que ficou conhecido como pensador poltico. Em 1621, viajou para a Frana e a Itlia, onde foi apresentado cincia de Galileu e passou a estudar os clssicos se apaixonando pela obra de Euclides. Durante sua estada na Frana entrou em contato com o Padre Mersenne, religioso francs que promovia uma exaustiva correspondncia com vrios pensadores importantes da poca, atravs dele, Hobbes entrou em contato com Descartes. Mais tarde, suas cartas com objees ao livro Meditaes Metafsicas foram publicadas como um apndice desta obra. Seus temas centrais tratam da relao entre os homens na sociedade, a natureza do Estado social, o papel do soberano, dentre outros. Sua principal obra o livro Leviathan (1651) que analisa a relao entre o poder soberano sobre seus sditos.

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John Aubrey (1626-1697): escritor e antiqurio ingls famoso pela coleo de pequenos contos biogrficos intitulado de Vidas Curtas. Foi professor de gramtica do filsofo Thomas Hobbes e, anos mais tarde escreveu a biografia desse famoso aluno.

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Axioma: trata-se de uma proposio evidente em si mesma e indemonstrvel. Em um sistema ocupa o papel de pressuposto, premissa ou ponto de partida para demonstrao de algo. O mtodo axiomtico consiste em definir um conjunto de axiomas associados a mtodos de demonstrao ou regras de inferncia para derivar teoremas.

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Lgica: estudo da estrutura e princpios da argumentao vlida, sobretudo, da inferncia dedutiva e dos mtodos de prova e demonstrao. A lgica matemtica surgiu no final do sculo XIX a partir de Frege (1848-1925) e Russell (1872-1970) e consiste na construo de um sistema formal, dedutivo, axiomtico, aplicando essencialmente os princpios da linguagem algbrica lgica, tornando-a mais rigorosa e precisa com o uso do simbolismo matemtico.

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Abstrao: operao mediante a qual algo escolhido como objeto de observao e isolado das outras coisas com as quais tem qualquer relao. Esse processo de isolamento nos permite conhecer de forma mais adequada o objeto em questo. Trata-se de uma reduo ao conhecimento intelectual visando a formulao do conceito desse objeto ao investigar suas propriedades essenciais e particulares.

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Edna Millay (1892-1950): poeta americana famosa por seu estilo jovial e livre de escrever. Seu livro de poesia A Balada da Harpa (1922) foi premiado com o Pullitzer, o maior prmio literrio dos Estados Unidos.

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Pitagorismo: ver verbete Pitgoras.

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Formalizao: construo de um sistema que reduz o conhecimento de contedo emprico ou intuitivo s estruturas formais e considerada uma tarefa fundamental na lgica. A linguagem das estruturas formais tem uma sintaxe (disposio e relao lgica entre proposies), mas no tem uma semntica (significado das palavras). Tornou-se um instrumento de anlise e formulao que utiliza apenas convenes e smbolos descartando os contedos da linguagem ordinria. Trata-se, atualmente, de um sistema indispensvel para matemticos, lingistas, filsofos, dentre outros.

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Axiomatizao: ver verbete Axioma.

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Deduo: raciocnio ou operao lgica que nos permite concluir a partir de uma ou vrias premissas, admitidas como verdadeiras, uma ou vrias concluses que se seguem necessariamente. Na matemtica, a deduo sinnimo de demonstrao. Nas cincias 32

empricas, o mtodo hipottico-dedutivo parte de uma ou vrias premissas consideradas como hipteses para obter, a partir delas, conhecimentos necessrios que devero ser, em seguida, verificados ou validados.

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Teoria de conjuntos: ver Material de Consulta n 5.

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Henri Lebesgue (1875-1941): matemtico francs e professor do Collge de France a partir de 1921 at o final de sua vida. Em 1901, ele formulou a teoria de medida em seu artigo Sobre a generalizao da integral definida, no qual, definiu a integral Lebesgue que generalizou a noo da integral de Riemann (1826-1866). Essa generalizao revolucionou o clculo integral, pois at o final do sculo XIX, a anlise estava limitada s funes contnuas baseadas, em grande parte, no mtodo de integrao de Riemann. Lebesgue foi eleito para a academia de cincias de diversos pases, alm de ter recebido vrios prmios por sua obra.

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Norbert Wiener (1894-1964): matemtico e filsofo da matemtica americano formado em Harvard nos Estados Unidos. Trabalhou em diversos lugares fora da Universidade durante a Primeira Guerra Mundial. Dentre eles, na empresa General Eletric, como escritor da Enciclopdia Americana e, em seguida, foi convidado para empenhar-se em estudos de balstica para a empresa Aberdeen. No final da guerra foi contratato pelo famoso Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), onde examinou o movimento browniano e, a partir disso, se envolveu com teoria da probabilidade que, por sua vez, o levou a se interessar pela anlise das formas harmnicas. Todos esses conceitos se associaram a preocupaes na rea de engenharia de seus colegas do MIT, assim, seu trabalho avanou na direo da teoria da comunicao, ciberntica (termo cunhado por Wiener), etc. Recebeu diversos prmios, principalmente, por suas contribuies aos estudos sobre a anlise harmnica geral, movimento browniano e os teoremas de Tauber (Alfred Tauber, 1866-1942, matemtico hngaro).

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Andrey Kolmogoroff (1903-1987): matemtico russo formado e admitido como professor pela Universidade de Moscou. Seu trabalho sobre teoria da probabilidade, publicado em 1933, se baseou em uma axiomtica to rigorosa que chegou a ser comparado com o trabalho de geometria de Euclides. Seus interesses eram variados, entre 1934 e 1936, ele fez importantes contribuies para a topologia, em seguida, entre 1941 e 1954 se dedicou ao estudo da movimentao dos planetas, do fluxo de turbulncia de ar e motores a jato. Mas, suas maiores colaboraes esto relacionadas famosa lista de problemas de David Hilbert (1862-1943, matemtico de origem prussiana), ao resolver parcialmente o sexto, em 1933, atravs dos seus conhecimentos na rea de probabilidade e, solucionar o dcimo terceiro, em 1957, ao demonstrar que esse problema estava errado ao questionar uma possvel prova para a existncia de funes contnuas de trs variveis que no poderiam ser representadas por funes contnuas de duas variveis. Kolmogoroff foi eleito para a academia de cincias de diversos pases, alm de ter recebido vrios prmios por sua obra.

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Razo pura: ver o verbete Racionalismo clssico no Material de Consulta n 1. 33

Aula 7 - Por que eu deveria acreditar em computador?POR QUE EU DEVERIA ACREDITAR EM COMPUTADOR?Philip J. Davis e Reuben Hersh* (MATERIAL DA 10 SEMANA) Em 1976, ocorreu algo raro. Uma notcia da demonstrao* de um teorema de matemtica pura conseguiu realmente chegar s colunas de notcias do New York Times. O motivo disso foi a demonstrao, por Kenneth Appel* e Wolfgang Haken*, da Conjectura das Quatro Cores*. A ocasio merecia ser noticiada por duas razes. Para comear, o problema tratado era famoso. A conjectura das quatro cores havia sido estudada durante mais de cem anos. Houveram muitos ataques fracassados e agora enfim demonstrada. Mas o mtodo de demonstrao em si mesmo merecia notcia. Isto porque uma parte essencial da demonstrao consistia em clculos de computador. Ou seja, a demonstrao publicada continha programas de computador e o resultado de clculos efetuados segundo os programas. Os passos intermedirios atravs dos quais os programas haviam sido executados no foram naturalmente publicados; nesse sentido, as demonstraes publicadas eram permanentemente e em princpio incompletas.

O teorema das quatro cores serve, naturalmente, para demonstrar que qualquer mapa sobre uma superfcie plana ou uma esfera pode ser colorido sem que se usem mais de quatro cores diferentes. A nica exigncia que no haja dois pases com uma fronteira comum que tenham a mesma cor. Se dois pases se encontram somente em um ponto nico (como acontece, por exemplo, com os Estados brasileiros do Acre e Rondnia), ento eles no podem ser coloridos com a mesma cor. Os pases podem ter qualquer forma, mas cada pas deve consistir em um nico pedao unido.

Deve ter sido observado h muito tempo que quatro cores so suficientes; isso foi enunciado pela primeira vez como uma conjectura matemtica em 1852 por Francis Guthrie*. Em 1878, o eminente matemtico britnico Cayley* props tal conjectura como um problema Sociedade Matemtica Londrina e, no prazo de um ano, Alfred Bray Kempe*, um advogado londrino e membro dessa sociedade publicou um trabalho no qual afirmava t-la demonstrado.

Kempe tentou usar o mtodo de reduo ao absurdo*. Para explicar seu raciocnio suficiente considerar somente mapas normais. Um mapa normal aquele em que no mais de trs regies se encontram em qualquer ponto e, nenhuma regio envolve completamente uma outra. Cada mapa pode ser associado a um mapa normal que exige, pelo menos, o mesmo nmero de cores e, suficiente demonstrar a conjectura das quatro cores para os mapas normais.

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Kempe demonstrou, corretamente, que em qualquer mapa normal h pelo menos uma regio com cinco ou menos vizinhos. Isso significa que uma destas quatro configuraes (clique ao lado para visualizar a figura) deve aparecer em qualquer mapa normal:

Estes quatro diagramas representam os quatro casos possveis de uma regio com dois, trs, quatro ou cinco vizinhos. O fato de que pelo menos um destes quatro casos deve ocorrer descrito dizendo-se que este conjunto de configuraes inevitvel. Kempe tentou mostrar como, em cada caso, pode-se construir um novo mapa, com menos pases, que poderia mais uma vez ser colorido com cinco cores. Se esta construo pode ser efetuada, diz-se que a configurao dada redutvel. Assim, a idia da demonstrao de Kempe exibir um conjunto inevitvel de configuraes redutveis. Se isso pode ser feito a reduo ao absurdo imediata. Com efeito, poderamos ento concluir que, dado qualquer mapa que necessitasse de cinco cores, poderamos construir a partir dele um outro mapa que necessitasse de cinco cores com menos regies. Em um nmero finito de passos, obteramos um mapa que necessitaria de cinco cores com menos de cinco regies, o que certamente um absurdo.

Infelizmente o raciocnio de Kempe para a redutibilidade estava incorreto no caso de uma regio com cinco vizinhos. O erro foi observado em 1890 por P. J. Heawood*. De 1890 at 1976, a conjectura das quatro cores foi um dos notveis problemas mate