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  • 7/23/2019 Aula 03 - Texto 04 Anne Brutter

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    Histria da Educao, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 18, p. 7-21, set. 2005

    Um exemplo de pesquisa sobre a histria de uma

    disciplina escolar: A Histria ensinada no sculo XVII1

    Annie BruterTraduo Maria Helena Cmara Bastos

    Resumo

    Partindo de uma breve anlise das condies, nas quais se estabeleceram as vises(divergentes) do surgimento da disciplina escolar histria , em curso hoje na historiografiafrancesa, este artigo prope-se recolocar a questo na longa durao, remontando os colgiosde humanidades do Antigo Regime, mostrando que a prpria noo de disciplina escolar no pertinente para descrever seu ensino, analisando certas transformaes (scio-polticas,tcnicas, culturais...) que conduziram a constituio da histria como matria autnoma deensino para as elites no fim do sculo XVII.

    Palavras-chave: Histria; Ensino; Sculo XVII.

    Resume

    Partant dune brve analyse des conditions dans lesquelles se sont mises en place les visions(divergentes) de lapparition de la discipline scolaire histoire qui ont cours aujourdhui danslhistoriographie franaise, cet article se propose de replacer la question dans la longue dureen remontant aux collges dhumanits de lAncien Rgime et en montrant que la notion mmede discipline scolaire nest pas pertinente pour dcrire leur enseignement, puis en survolantcertaines des transformations (socio-politiques, techniques, culturelles) qui ont abouti laconstitution de lhistoire en matire autonome denseignement pour les lites la fin du XVIIesicle.

    Mots-cls: Histoire; enseignement; XVIIe sicle

    1Ttulo em francs: "Un exemple de recherche sur lhistoire dune discipline scolaire: lhistoireenseignee au XVIIe sicle". Especialmente escrito para ser publicado no Brasil.

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    A idia de que os conhecimentos de qualquer ordem que nsdispomos so o resultado de uma construo humana - no o fruto de umarevelao ou de uma reminiscncia - atualmente amplamente admitida,

    pelo menos entre os pesquisadores que produzem esses conhecimentos; aidia de que as disciplinas escolares pelas quais esses conhecimentoschegam s jovens geraes so tambm o produto de um trabalho coletivo,de um conjunto de atores do sistema educativo, que tem dificuldade emconquistar o direito de cidado na Frana. Freqentemente, vistos comocpias das cincias eruditas mais ou menos simplificadas para serem usados

    pelos alunos, as disciplinas escolares no foram por muito tempoapreendidas pelos historiadores do ensino seno de maneira teleolgica, emfuno das teorias cientficas e das concepes pedaggicas que eram as da

    sua poca. principalmente o caso dos historiadores que tiveram umagrande influncia na Frana no incio da III Repblica - poca deimportantes reformas no ensino em todos os nveis (primrio, secundrio esuperior), como de Gabriel Compayr2 e de mile Durkheim3: tratava-se

    bem mais de dar uma genealogia nova pedagogia que desejavamimplantar do que restituir seu sentido original s prticas de ensino do

    passado, das quais desejavam precisamente se descartar. Ora, a seustrabalhos a histria do ensino por muito tempo permaneceu tributria na

    Frana no sculo XX.O ensino da histria encontrava-se em uma posioabsolutamente especial como objeto historiogrfico: por ser consideradoinstrumento essencial de formao patritica e cvica na pedagogia dessapoca, s podia voltar-se ao seu passado celebrando sua prpria instaurao,rejeitando nas trevas do atraso mental as instituies de ensino que no lheatriburam o lugar de destaque que devia, segundo ele, ser o seu. No mbitoda rivalidade entre ensino laico e ensino confessional - que marcou

    profundamente, como j sabemos, a vida poltica e cientfica do incio da

    III Repblica -, a questo histrica a ser resolvida era, portanto, saber se oensino da histria tinha nascido nos colgios do Antigo Regime -essencialmente controlados pela Igreja4 - ou nos estabelecimentos

    2Gabriel Compayr, Histoire critique des doctrines de lducation en France depuis le XVIe

    sicle, Paris, Hachette, 1879, 2 vol. in-8.3 mile Durkheim, Lvolution pdagogique en France (avec une introduction de M.Halbwachs), Paris, Presses universitaires de France, 1938, 2e d. 1969, 403 p. (curso sobrehistria do ensino na Frana proferido por Durkheim na Sorbonne em 1904-1905 e reprisado

    nos anos seguintes at a guerra).4 a tese defendida pelos historiadores das grandes ordens dedicadas ao ensino Oratorianos ouCompanhia de Jesus: Paul Lallemand, Histoire de lducation dans lancien Oratoire de

    France, 1888, rimp. Genve, Slatkine Megariotis Reprints, 1976, 474 p.; Franois deDainville, La Naissance de lhumanisme moderne, 1940, rimp. Genve, Slatkine Reprints,

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    originrios da Revoluo Francesa (escolas centrais, liceus). Semelhantequesto, sobre a qual muito se escreveu, no podia chegar a nenhumaconcluso. Os materiais disponveis so de fato interpretados de diversas

    maneiras: se definirmos o ensino de histria que se tem provando que ahistria est presente, e mesmo superabundante, nos colgios do AntigoRegime, se definirmos essa disciplina como conjunto de contedos, elesdemonstram ao contrrio, que ela no existia se tivermos uma concepoadministrativa da disciplina escolar como entidade regida por disposiesregulamentares (um programa, exames, horrios, etc.). Um outro fator deincerteza para a interpretao da documentao: durante muito tempo,houve a falta de ateno s especificidades dos colgios do Antigo Regime,como se esses fossem, conforme a uma norma geral, semelhante quela que,

    pouco a pouco, se imps nos estabelecimentos pblicos do sculo XIX.Enquanto em alguns colgios, justapunham-se uma estrutura propriamenteescolar; isto , um conjunto de classes que correspondiam s normas de um

    plano de estudos, e um pensionato que funciona de maneira bem maisflexvel, vindo de encontro aos desejos das famlias; completando-se, assim,a formao dada nas classes atravs de ensinos especiais5. Ora, no quadrodesses ensinos, de certa forma particulares, se desenvolveu uma pedagogiada histria prenncios da de hoje.

    Na histria do ensino na Frana, portanto, a renovao daproblemtica que aconteceu no fim do sculo XX outra poca deperturbaes profundas do sistema educativo francs transformou ostermos da questo de duas maneiras diferentes. De uma lado, foi colocado o

    problema do papel social desempenhado pelos estabelecimentos escolares(seguindo o exemplo da sociologia crtica da educao, que se desenvolvenos anos 1960), diversos estudos revelaram a coexistncia, por muito tempoocultada, de diferentes tipos de educao em certos estabelecimentos doAntigo Regime, em particular nos que reuniam um colgio de prestgio e

    um pensionato aristocrtico6

    - como La Flche e Louis-le-Grand no que dizrespeito aos estabelecimentos jesuticos, Juilly e Vendme para os que erammantidos pelos oratorianos. Por outro lado, alguns trabalhos levantaram o1969, XX-390 p.; du mme, Lenseignement de lhistoire et de la gographie et le "Ratio

    studiorum" (1954), art. repris dans Franois de Dainville (Marie-Madeleine Compre d.),Lducation des jsuites, Paris, Les ditions de Minuit, rd. 1991, pp. 427 4545Mark Motley, Becoming a French Aristocrat. The Education of the Court Nobility, 1580 1715, Princeton, Princeton University Press, 1990, X 241 p.6

    Duas snteses sobre esse tema: Marie-Madeleine Compre, Du Collge au lyce (1500 1850). Gnalogie de lenseignement secondaire franais, Paris, Gallimard/Julliard, 1985, coll.Archives, 286 p.; Dominique Julia, Huguette Bertrand, Serge Bonin, Alexandra Laclau,

    Atlas de la Rvolution franaise. 2. Lenseignement, 1760 1815, Paris, Editions de lEcoledes Hautes Etudes en Sciences Sociales, 1987, 105 p.

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    problema da historicidade das prprias disciplinas. Redefinindo-as comoprodues coletivas das instituies de ensino (e no mais como reflexosimplificado de conhecimentos), Andr Chervel pode assim mostrar, em um

    artigo pioneiro7

    , que a prpria noo de disciplina escolar uma noorecente, que apareceu precisamente ao mesmo tempo em que as reformas deensino que foram implementadas na virada do sculo XIX-XX. Essareformulao permitiu relanar a questo da histria do ensino histrico emnovos termos e perguntar no somente em que momento apareceu umensino de histria semelhante ao de hoje, mas tambm em que consistiam ahistria e seu ensino antes desse momento.

    Essa questo foi objeto de uma pesquisa empreendida, emprimeiro lugar, no contexto de uma tese de didtica da histria8, retomada

    em uma jornada de estudos sobre o ensino das humanidades clssicas,organizada por Andr Chervel e Marie-Madeleine Compre no Servicedhistoire de lducation do INRP9-esse estudo resultou em uma obra sobrea histria ensinada no sculo XVII10. Embasada em materiais diversos,compreende tanto os planos de estudos em vigor e os exemplos de "lies-modelos" propostos aos professores na poca, quanto tratados sobre aeducao e os resumos de histria utilizados para fins pedaggicos(condio atestada por testemunhos da poca e a confuso seguidamente

    feita entre os resumos do Antigo Regime e os "manuais" de hoje era denatureza a deturpar a interpretao do material documental). O campogeogrfico abarcado a Frana, no por desinteresse pela comparao nessedomnio, mas porque as fontes mais facilmente acessveis, no contexto deuma pesquisa necessariamente limitada no tempo, so as fontes francesas.

    Sem retroceder ao aspecto historiogrfico da questo, tentaremosresumir aqui os principais resultados dessa pesquisa, centrando-nos em dois

    pontos: o carter "no-disciplinar" do ensino dos colgios do AntigoRegime e a maneira pela qual a histria era ali tratada; a evoluo dos

    "usos" da histria no sculo XVII e, conseqentemente, o aparecimento denovas prticas de ensino dessa matria. Em sntese, se tentar construir um

    7 Andr Chervel, Lhistoire des disciplines scolaires: rflexions sur un domaine derecherche,Histoire de lducationn 38, Paris, INRP, mai 1988, pp. 59 119; repris inAndrChervel,La Culture scolaire, Paris, Belin, 1998, pp. 9 56.8Annie Bruter,Les Paradigmes pdagogiques. Recherches sur lenseignement de lhistoire au

    XVIIe sicle (1600 1680), Universit Paris VII, dcembre 1993, 426 p.9

    Uma parte das comunicaes apresentadas durante essa jornada foram publicadas no nmerotemtico Les Humanits classiques, Histoire de lducation n 74, Paris, INRP, mai 1997,253p.10 Annie Bruter, LHistoire enseigne au Grand Sicle. Naissance dune pdagogie, Paris,Belin, 1997, 237 p.

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    ensaio para contribuir a uma reflexo sobre o processo de longa durao ou seja, a constituio de um campo de saber em disciplina escolar.

    A Histria em um ensino "no-disciplinar"

    A prpria natureza do material documental legado pelas prticasescolares do sculo XVII planos de estudos, lies-modelos e obras

    pedaggicas e a impossibilidade de interpret-lo atravs das categoriasregulamentares pelas quais definimos hoje a disciplina escolar (horrios,

    programas, etc.) orientou a pesquisa em uma primeira etapa: antes de

    qualquer tentativa de apreenso do lugar da histria propriamente dita, noensino dos colgios, preciso esclarecer os princpios e os fins desseensino, que no havia nenhum motivo a priori de supor idnticos aos dehoje.

    Se o sculo XVII (ao menos na primeira metade) realmenteuma poca de vigoroso crescimento escolar, que viu a expanso doscolgios humanistas iniciada no sculo precedente11, a demanda educativa aqual atendiam essas instituies se distinguia em diversos pontos das dehoje. Retomando a si a ambio integradora, a da retrica antiga12, osestudos humanistas pretendiam conciliar em uma mesma viso trsfinalidades que nos acostumamos a separar claramente: uma finalidade

    prtica de domnio da linguagem, uma finalidade cognitiva de aquisio deconhecimentos, uma finalidade religiosa de acesso cincia e virtude. Soesses trs objetivos que encontramos simultaneamente presentes no

    programa de estudos, inteiramente constitudo de textos vindos daAntigidade, como nos procedimentos de ensino: tratava-se, antes de maisnada, de levar os alunos a exprimirem-se atravs de inmeros exerccios,

    orais ou escritos. Esse treinamento intensivo, fundado no estudo de textos-modelos propostos imitao, visava assegurar o domnio das lnguasantigas (ou, em todo caso, do latim; a voga do grego no sculo XVI nocontinuou no sculo seguinte) ao mesmo tempo em que assegurava o dastcnicas retrica e filologia que tornavam os alunos eloqentes ecapazes de ascender ao saber: esse era, de fato, criado como corpus textual,seja ele profano, textos antigos, ou de livros sagrados. Atendendo ao mesmotempo s necessidades da Igreja da Contra-reforma, que procurava formar

    pregadores, e s necessidades dos prncipes para os quais se recrutava o

    11Cf. Marie-Madeleine Compre,Du Collge au lyce, op. cit.12Sobre essa questo, ver Marc Fumaroli, Lge de lloquence. Rhtorique et res literariade la Renaissance au seuil de lpoque classique, Genve, Droz, 1980, 882 p.

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    aparelho administrativo, necessitando de homens aptos a manejar alinguagem. Esse programa de estudos foi apoiado pelas autoridades dapoca, laico e eclesistico, e adotada pelos indivduos ou grupos que

    aspiravam fazer carreira, na Igreja ou no Estado.Constatamos que o nosso regime epistemolgico muitoestranho, busca suas razes na Antigidade, que sustenta tal concepo deensino a qual recorria, explicitamente a dois grandes professores antigos,Ccero e Quintiliano. Fundada sobre o primado da lngua (instrumento de

    poder e meio de comunicao entre Deus e os homens) e sobre o respeito daescrita (pelo qual as palavras inaugurais, as da Revelao, foramtransmitidas desde a criao do mundo), essa epistemologia considera osaber como um dado a ser decifrado, o acesso ao conhecimento como um

    ato de leitura13. Por isso, a necessidade dessa etapa preliminar para chegarao conhecimento que era o estudo das lnguas e dos textos antigos: o ensinodas humanidades.

    Por sua pretenso integradora formar o vir bonus dicendiperitus,homem de bem que sabe falar assim como pelo lugar central quedava aos textos, tal ensino s podia ser "no-disciplinar". A explicao dostextos antigos, ponto de partida das aprendizagens, necessitava realmenterecorrer a conhecimentos de ordem muito diversas gramaticais e

    filolgicos, mas tambm geogrficos, histricos, etinolgicos, at mesmobotnicos, zoolgicos ou mineralgicos ao mesmo tempo que acapacidade de ressaltar as sentenas e mximas de ordem retrica, moral ou

    poltica que devem enriquecer o discurso do orador: tudo isso eraconsiderado como conhecido pelo regente nico de cada classe.Reciprocamente, as produes dos alunos chamados a reutilizar ovocabulrio, as expresses, os conhecimentos de belos pensamentosdescobertos nos autores estudados, deviam testemunhar sua amplitude aincorporar palavras e idias em um conjunto textual harmonioso.

    A prioridade dada finalidade retrica do ensino no significa,no entanto, que o ensino humanstico no se preocupa em transmitirconhecimentos (esse objetivo est explicitamente inscrito, por exemplo, emcertas verses do mais clebre dos planos de estudo da poca, o Ratiostudiorum jesuta14): tambm no se pode falar ou escrever sem contedo.

    13Sobre a longa durao dessa concepo de acesso ao conhecimento como lectio, ver EugenioGarin, trad. franaise Lducation de lhomme moderne. La pdagogie de la Renaissance,1400 1600, rd. Paris, Fayard, 1995, coll. Pluriel, pp. 66 70.

    14A verso definitiva da Ratio studiorum jesuta, a de 1599, foi recentemente objeto de umareedio acompanhada duma traduo francesa: Ratio studiorum. Plan raisonn et institutiondes tudes dans la Compagnie de Jsus, Paris, Belin, 1997, 314 p. Falemos aqui referncia sinstrues mais detalhadas da primeira verso da Ratio, a de 1586, consultvel em LadislausLukcs, Monumenta paedagogica Societatis Jesu, Rome,Institutum Societatis Jesu, t. I VII,

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    Mas esses conhecimentos, no sendo estudados por eles mesmos, no eramobjeto de uma exposio sistemtica, salvo a ttulo recreativo, no contextodo que se chamava ento o erudito (um espao de tempo voluntariamente

    deixado ao regente para repousar e fazer com que os alunos descansem daaustera disciplina da explicao de textos)15: eram dados medida da leiturados textos, em funo dos contedos a serem explicados. assim queconhecimentos que dizem respeito, para ns, histria o desenrolar decertos acontecimentos, a descrio das instituies ou dos costumes de umacerta poca podiam ser apresentados no momento da explicao de uma

    poesia ou de uma obra oratria de Ccero... Inversamente, a leitura doshistoriadores antigos, que faziam parte dos programas das classes (na classede humanidades, principalmente, mas tambm em outras classes)

    oportunizavam no tanto o estudo dos acontecimentos mas o dosprocedimentos de escrita prprios ao historiador: mais que a prpria histriatratava-se conforme as finalidades gerais - as do ensino das humanidades,de aprender como escrever.

    Quanto aos conhecimentos necessrios compreenso das obrashistricas estudadas, tendo em vista o contedo militar-poltico das obrasdos historiadores antigos, consistiam principalmente em conhecimentosgeogrficos que permitiam ter uma idia do teatro das operaes e seguir o

    desenrolar dos combates descritos. A cronologia era considerada como umacessrio do estudo desses textos histricos - a linguagem da pocacostumava unir cronologia a geografia sob a expresso "os dois olhos dahistria". A cincia cronolgica era de toda maneira, na poca em que foramcriadas as instituies de educao humanistas (isto , no sculo XVI), umcampo de pesquisa extremamente "preciso", exigindo uma vasta culturafilolgica e cientfica, que no devia ser exposta em classe16. Ainda no sedispunha, mesmo se desejassem ardentemente conhecimentos que

    permitissem reconstituir a sucesso dos acontecimentos relacionados pelos

    textos antigos. O nico meio de datao, pouco preciso, de que dispunhamos regentes humanistas era efetivamente a filologia, na medida em que essa

    procede por comparao entre os diversos estgios de uma lngua (o latim,

    1965 1992, t. V, p. 151. Ver tambm as instrues de P. Orlandini, Circa il modo de leggerdellhumanista(1582 83), ibid. t. VI, p. 520.15 No conhecendo publicaes especificadamente consagradas essa questo, permito-meindicar minha obraLHistoire enseigne au Grand Sicle, op. cit., pp. 61 71.16Ver Anthony Grafton,Joseph Scaliger. A Study in the History of Classical Scholarship. II

    Historical Chronology, Oxford, Clarendon Press, 1993, 766 p.

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    nesse caso) no curso de sua evoluo17 - o que reconduz outra vez necessidade de um domnio to aprofundado quanto possvel dos textosescritos nessa lngua.

    Imaginamos, portanto, a impossibilidade, em um tal contexto deum "curso" de histria que consistiria em uma apresentao seguida dosacontecimentos do mesmo modo que um "curso" de qualquer matria quefosse, na medida em que se estudasse em prioridade textos. Da a

    proposio de ver no ensino das humanidades, um ensino por definio"no-disciplinar"; e isso no devido a uma incapacidade dos regentes dapoca em criar um outro, mas em virtude dos princpios que tinham

    presidido a sua organizao. Foi assim que as instncias dirigentes daCompanhia de Jesus refutaram a proposio feita por muitos de seus

    membros de criar um curso de histria, conforme o modelo praticado porseus rivais protestantes; no porque elas recusassem a histria em si, mas

    porque romperiam com o respeito aos textos antigos, base de suapedagogia18.

    Tambm vemos que o material documentrio utilizado em talensino oferece amplitude interpretao, j que seus contedos, na medidaem que dizem respeito quase que exclusivamente s realidades tratados

    pelos textos antigos, so exclusivamente histricos: trata-se de palavras, de

    fatos, de pensamentos vindos da Antigidade. Entretanto, essas palavras,fatos e pensamentos no chegam aos alunos de maneira ordenada pois ostextos so escolhidos em funo de seu grau de dificuldade lingstica, noobedecendo ordem cronolgica. Assim, no podemos pretender que osalunos dos colgios do Antigo Regime saiam totalmente despojados deconhecimentos histricos: eles tinham, ao contrrio, um conhecimento daAntigidade bem mais profundo que os alunos e mesmo os professoresatuais de histria. Mas esse saber histrico era desordenado e, sobretudo,lacunar, porque ignorava quase tudo o que chamamos hoje de Idade Mdia -

    sem falar da poca em que viviam os alunos.Esse fato pode escandalizarnos? Isso no teria mais sentido seno

    o de se indignar com teorias cientficas que estiveram em voga antes dasnossas. A histria, para os regentes dos colgios humanistas, no era umconjunto de conhecimentos, o produto de uma pesquisa fundada sobre uma

    17Ver Donald R. Kelley,Foundations of Modern Historical Scholarship. Language, Law and

    History in the French Renaissance, New York/London, Columbia University Press, 1970,

    321p.18Cf. Franois de Dainville, Lenseignement de lhistoire et de la gographie, art. cit.;para uma discusso da tese sustentada nesse artigo, ver Annie Bruter, Entre rhtorique etpolitique: lhistoire dans les collges jsuites au XVIIe sicle in Les Humanits classiques,Histoire de lducation n 74, op. cit.,pp. 59 88.

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    metodologia regrada: a palavra no designava um domnio particular dosaber todo o saber, na poca, era tido como vindo do passado, portantocomo histria mas um ramo da retrica, definido por um modo especfico

    de escrita, o modo narrativo. S eram, conseqentemente, consideradoscomo historiadores aqueles que soubessem usar esse modo com talento, embom latim ou em bom grego o que desqualificava os cronistasmedievais19. No se tratava, ento, na poca de "ensinar histria" segundo osentido atual do termo: conforme as concepes pedaggicas e cientficasda poca, os alunos deviam ler os historiadores antigos, pois se procuravana leitura elementos para ensinar a arte de escrever, graas qual a Franadisporia um dia, ao menos esperavam, de historiadores dignos desse nomeque ela ainda no tinha...

    "Usos" e pedagogia da histria no sculo XVII

    O paradoxo que esse ensino das humanidades eclodiu nomomento em que as concepes mudaram, procedentes de uma poca maisantiga (a da cultura manuscrita da Renascena), da cristalizao sob a formade modelo pedaggico - mas no prprio a todo sistema educativo, pordefinio encarregado de transmitir o que vem do passado, atrasar o que dizrespeito sociedade que o envolve? Poderamos aqui mencionar

    brevemente alguns fatores dessa mudana, enumerando sucessivamente oque, na realidade, se relaciona de maneira muito mais complexa.

    Um primeiro fator de mudana situa-se, bem entendido, no planopoltico. A vitria da fidelidade monrquica sobre os vnculos dedependncia confessional, que pe fim s guerras de religio20; o triunfo doabsolutismo e a paroquializao da vida mundana e cultural do sculo

    XVII21

    focalizam, de agora em diante, o interesse sobre a histria nacional,vista atravs da histria das dinastias reinantes e de sua corte.Paralelamente, se manifesta uma evoluo do sentimento religioso: aimportncia cada vez maior acordada s prticas portanto aos costumes

    19 Ver Arnaldo Momigliano, Ancient History and the Antiquarian, 1950, trad. franaiseLhistoire ancienne et lAntiquaire dans Arnaldo Momigliano,Problmes dhistoriographieancienne et moderne, Paris, Gallimard, 1983, pp. 244 293.20

    Myriam Yardeni,La Conscience nationale en France pendant les guerres de religion (1559 1598), Louvain/Paris, Nauwelaerts/Batrice-Nauwelaerts, 1971, 392 p.21 Ver Roger Chartier, Trajectoires et tensions culturelles de lAncien Rgime in AndrBurguire et Jacques Revel (dir.), Histoire de la France. Les formes de la culture, Paris,ditions du Seuil, 1993, pp. 307 392.

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    como critrio de ortodoxia confessional22, leva a acentuar finsmoralizadores da educao, em que o aprofundamento do esforo deaculturao religiosa iniciado no sculo precedente, no mbito da rivalidade

    entre Reforma e Contra-Reforma23

    , induz o recurso narrao histricacomo meio de fazer interiorizar, desde a infncia, as verdades e os valorestransmitidos pelo catecismo24. No plano cultural, enfim, o progresso da

    produo impressa a coloca disposio de um pblico cada vez maisvasto, que se estende, a partir dali, alm do crculo dos "doutos" para osquais a leitura era uma atividade quase profissional25: o uso de umaliteratura mais mundana, mais atraente e de mais fcil acesso que aliteratura latina e grega, ao mesmo tempo que uma especializao acrescidade gneros.

    Ora, todos esses fatores se encontram com uma outra mutao,dependendo ela do plano cientfico. O saber fundamental da poca, donosso ponto de vista, a elaborao de uma linha de tempo nica sobre aqual se ordenam os fatos at ento dispersos, conhecidos atravs dos textosantigos e medievais26. essa aquisio da cincia "cronolgica" daRenascena, que os resumos de histria - que parecem cada vez maisnumerosos durante o sculo, em latim27 e em francs28 - pretendemvulgarizar. A utilizao dessa linha de tempo d aos estudos histricos um

    novo modo de apreenso dos fatos (por ordem de sucesso cronolgica e22Michel de Certeau, Linversion du pensable. Lhistoire religieuse du XVIIe sicle (1969)et La formalit des pratiques. Du systme religieux lthique des Lumires (XVIIe XVIIIe) (1973), artigos retomados em Michel de Certeau, Lcriture de lhistoire, Paris,Gallimard, 1975, pp. 131 152 et 153 212.23 Jean-Claude Dhtel, Les Origines du catchisme moderne daprs les premiers manuelsimprims en France, Paris, Aubier, 1967, 472 p.24Claude Fleury, Catchisme historique, Paris, Vve G. Clouzier, 1683, 2 vol. in-12, t. I: PetitCatchisme; Fnelon, De lducation des filles, 1687 (a edio consultada a de Paris, P.Aubouin, 1696, in-12, 272 p.).25Ver Henri-Jean Martin, Livre, pouvoirs et socit Paris au XVIIe sicle (1598 1701),1969, rd. Genve, Droz, 1999, 2 vol., 1091 p.26 Anthony Grafton, Joseph Scaliger, op. cit.; D.J. Wilcox, The Measure of Time Past.

    Prenewtonian Chronologies and the Rhetoric of Relative Time, Chicago/London, TheUniversity of Chicago Press, 1987.27S mencionaremos aqui os dois mais clebres entre cuja utilizao com fins pedaggicos atestada, que so tambm os mais antigos: lEpitomae historiarum libri Xdo jesuta Torsellini,que apareceu pela primeira vez em Roma em 1598, que podemos consultar na edio de Lyon,

    J. Cardon e P. Cavellat, 1620, in-12, p. lim., 640 p. e index; e oRationarium temporumde P.Denis Petau, Paris, S. Cramoisy, 1633, 2 t. en 1 vol. in-12.28H desde o incio a coexistncia de duas sries de resumos de histria, uma em latim, outraem francs. O estudo de suas relaes e a maneira em que o francs se imps atravs dasedies sucessivas ainda est a ser feito.

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    no mais por contiguidade, temtica ou geogrfica). Fornece, pelasreferncias temporais que estabelece, um instrumento de aprendizagem quefaltava at ento (as datas...). Coloca, assim, mais claramente em evidncia

    as lacunas na exposio dos acontecimentos, incitando complet-las;contribuiu, desse modo, para transformar a noo do tempo, dando umaviso linear... todas coisas que, sem atacar, destroem profundamente orespeito sempre proclamado dos historiadores da Antigidade.

    Assim, vemos manifestar-se ao longo do sculo, atravs daliteratura de vulgarizao histrica e dos projetos ou tratados sobre aeducao, aspiraes a um outro tipo de relao com o passado que no sejao do ensino humanista: uma relao mais natural, mais direta, que contornao obstculo da aprendizagem das lnguas antigas e exige o acesso a um

    passado mais prximo e mais acessvel. A traduo dos autores antigos, seno for novidade, conhece ento outra idade do ouro: os "belos infiis"29

    colocam esses autores ao alcance dos leitores (e das leitoras) que no foramobrigados s disciplinas austeras de aprendizagens humanistas. A oferta deobras histricas se diversifica: produes humanistas, que continuam suacarreira florescente, compndios de histria e histrias mais ou menosromanescas30, destinados a um pblico maior e menos informado.

    Paralelamente, se afirma cada vez mais explicitamente a

    necessidade de conhecer a histria de seu pas em um movimento, alis noisento de contradies as mesmas que vimos surgir no fim do sculoXVII, a respeito da educao do prncipe cristo, apresentada como modeloa ser seguido mas reservado ao poder e aos que so destinados por natureza;isto , por seu nascimento31. Ora, a histria mantinha nesse modelo umlugar central, como complemento indispensvel das matrias "tericas"necessrias formao principesca que eram a moral e a poltica: era ahistria que estava destinada a fornecer os exemplos, ilustrando os preceitosabstratos que constituam essas cincias. Essa histria necessria aos

    prncipes englobava-se bem histria antiga, no se isolava: devia forneceraos futuros governantes modelos mais prximos deles do que os heris daAntigidade, bem como conhecimentos positivos (militares, genealgicos,29Roger Zuber, Les Belles infidles et la formation du got classique, 1968, rd. Paris,Albin Michel, 1995, coll. Bibliothque de lvolution de lhumanit, 521 p.30Sobre a "fuso" entre histria e romance na segunda metade do sculo XVII, ver BernardMagn, Crise de la littrature franaise sous Louis XIV: Humanisme et nationalisme, Lille,Atelier de reproduction des thses Lille III, 1976, 2 vol., 1026 p., multigr.31

    Annie Bruter, Des arcana imperii lducation du citoyen: le modle de lducationhistorique au XVIIIe sicle, apresentado no colquio organizado pela Socit franaisedtude du dix-huitime sicle et la Socit italienne dtude du dix-huitime sicle, comlUMRLIRE(CNRS n 5611 Universit Stendhal Grenoble I), LInstitution du Prince auXVIIIe sicle, Grenoble, 14 16 octobre 1999, a ser publicado nas Atas do colquio.

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    diplomticos, econmicos, etc.) sobre os assuntos do reino, isto , sobre opresente ou o passado prximo. Uma nova pedagogia da histria surge,assim, conjugando a aprendizagem da cronologia com o curso dialogado no

    qual o aluno escuta e discute o relato dos acontecimentos, que devero serem seguida redigidos: tal , ao menos, a pedagogia descrita pelospreceptores dos prncipes no fim do sculo XVII32. Quanto aos primeiros"manuais escolares" de histria, no provm da educao principesca33, masdas penses aristocrticas onde se ministravam os cursos particulares dehistria pelos "chambristes"34.

    Os preceptores dos prncipes no publicam suas obras semfornecer uma advertncia sobre a inconvenincia que teria para as "pessoascomuns" pretender o mesmo saber que os prncipes. Concede-se ao homem

    comum somente um "uso moral" da histria destinada a ensinar osmalefcios das paixes: o "uso poltico" desta reservado aos prncipes eaos "Grandes"35. Compreendemos, vendo a histria assim colocada comodisciplina central da educao ao mesmo tempo que subtrada ao comumdos mortais, o seu estatuto marginal, inacessvel no ltimo sculo do AntigoRegime. Era objeto de um ensino, sobre o qual encontramos vestgiosatravs de resumos explicitamente destinados juventude36, de exerccios

    32Charles-Bnigne Bossuet, De linstruction du Dauphin, Lettre au pape Innocent XI (1679)dans uvres compltes, Bar-le-Duc, par des prtres de lImmacule Conception de St-Dizier,1863, t. XII; Claude Fleury, Trait du choix et de la mthode des tudes, Paris, P. Auboin, P.mery et C. Clousier, 1686, in-12, 365 p.; Graud de Cordemoy, De la ncessit de lHistoire,de son usage, & de la manire dont il faut mler les autres sciences, en la faisant lire unPrince dans Divers traits de mtaphysique, dhistoire et de politique, Paris, Vve de J.-B.Coignard, 1691, in-12, VI-292 p33, por exemplo, o caso, citando somente o mais clebre, de Instruction sur lHistoire de

    France & Romaine par demande & rponses, Avec une explication succincte desMtamorphoses dOvide, & un Recueil de belles Sentences tires de plusieurs bons Auteurs,Paris, A. Pralard, 1687, in-12, em que o autor, Le Ragois, era preceptor do Duque de Maine.34 Faltando lugar para uma bibliografia completa, mencionaremos: Nouveaux lmensdhistoire et de gographie lusage des pensionnaires du Collge de Louis le Grand du

    jsuite Buffier, 2me d. Paris, M. Bordelet, 1731, 2 partes em 1 vol. in-12. Os resumos doPadre Berthault, regente Juilly:Florus Francicus, Paris, J. Libert, 1630, in-24, 279 p.;FlorusGallicus, Paris, J. Libert, 1632, in-24, 324 p.; Florus Gaulois ou labrg des guerres de

    France, t. I, Paris, J. Libert, 1634, in-8, 298 p., so talvez oriundos dos cursos dessepensionato que a tradio historiogrfica considera como o primeiro a ter ministrado o ensinode histria, mas a prova da utilizao desses resumos para fins pedaggicos no existe.35Annie Bruter, La "confiscation" de lhistoire: lclatement des usages de lhistoire au XVIIesicle in Henri Moniot et Maciej Serwanski, LHistoire et ses fonctions. Une pense et des

    pratiques au prsent, Paris/Montral, LHarmattan, 2000, pp. 27 46.36Os resumos da poca precedente visavam um pblico bem mais definido.

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    pblicos37, at mesmo de redaes dos alunos38. Mas, excetuando asinstituies inovadoras que foram as penses particulares e as escolasmilitares, esse ensino no foi, em geral, integrado ao currculo escolar - a

    histria continuava sendo um tipo de matria facultativa sob aresponsabilidade das famlias. Explica-se, assim, a insistncia em reclamarsua introduo nos colgios no sculo XVIII39, quando h provas daexistncia de seu ensino na poca; mas o estatuto desse ensino que

    persiste impreciso, por causa de seu carter marginal, no-normatizado.Somos levados, assim, a distinguir duas coisas normalmente

    confundidas no discurso sobre a educao (pelo fato de seguirem agorajuntas, a saber,pedagogiae escolarizao - chamamos aqui pedagogia todatentativa intencional de transmisso de um saber). Se a histria do ensino

    histrico mostra que houve a inveno de uma pedagogia da histria, comseus procedimentos e seu material especfico na segunda metade do sculoXVII, mostra tambm que essa inveno se fez fora do mbito propriamenteescolar: no espao mais flexvel da educao principesca ou do pensionatoaristocrtico que se elaboraram mtodos e instrumentos de uma instruohistrica autnoma, independente da leitura dos historiadores antigos,

    procedendo a uma apresentao contnua dos acontecimentos - da criaodo mundo at a poca contempornea.

    O estudo das resistncias integrao dessa histria autnoma aocurrculo escolar, e os fatores que terminaram impondo-a junto dashumanidades clssicas, ultrapassaria muito os limites temporais desseartigo, pois levaria ao debate sobre a educao do sculo XVIII e aRevoluo, sobre os liceus do sculo XIX. Contentar-nos-emos em assinalarque a introduo da histria no ensino dos liceus e colgios do Imprio e daRestaurao (mencionada nos programas desde 180240, a histria dotadade um horrio especfico e de um programa embrionrio em 181441, de

    professores "especiais", em certos liceus, pelo menos a partir de 181842) no

    37Ver por exemploPierre Jean de Berulle rpondra sur lhistoire chronologique de lglise

    Au Collge de Louis le Grand, le Vendredi 8 avril 1707, quatre heures aprs midi, Arch. S.J.Vanves, Pa 30 7.38O curso de Bossuet sobre Charles IX redigido para o prncipe herdeiro foi publicado porRgine Pouzet sob o ttulo Charles IX, rcit dhistoire, Clermont-Ferrand, Adosa, 1993.39Ver, por exemplo, o artigo Collges da Enciclopdia,no qual DAlembert se queixa do

    pouco caso dado ao estudo da Histria nos colgios, Encyclopdie ou Dictionnaire raisonndes Arts, des Sciences et des Mtiers,t. III, Paris, 1753.

    40Philippe Marchand (d.),LHistoire et la gographie dans lenseignement secondaire. Textesofficiels. T. 1: 1795 1914, Paris, INRP, 2000, textes 4, 5, 6, pp. 95 96.41Ibid., texte 12, pp. 101 103.42Ibid.,texte 15, pp. 109 110.

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    poderia ser feita to rapidamente, se os professores no dispusessem de ummnimo de material pedaggico j elaborado. Ora, uma parte pelo menosdesse material pedaggico, remonta aos preceptores dos prncipes do fim do

    sculo XVII, como Fleury ou Le Ragois, cujas obras conhecem, ao longo dosculo XIX, uma carreira que s se extinguiu com as reformasrepublicanas43.

    ***

    A primeira das reflexes, de ordem mais geral, pela qual

    gostaramos de encerrar esse artigo, concerne temporalidade prpria dahistria das disciplinas escolares. Andr Chervel abordou o problema,assinalando a longa durao dos processos de criao e de funcionamentode uma disciplina44. No mesmo sentido - e contra uma certa tradiohistoriogrfica, que v na apario do ensino da histria no sculo XIX umacriao ex nihilo do poder poltico -, esperamos ter mostrado que aconstituio da histria em matria "ensinvel" foi um fenmeno de longadurao, cujas premissas so encontradas bem antes da poca de seu"nascimento" oficial, e que continuamos em realidade, bem alm: aemancipao da histria como disciplina plenamente autnoma, ensinada

    por professores especializados, s foi conseguida na virada do sculo XIXpara o XX45. Ento, sobre a base de uma experincia pedaggica j multi-secular, mesmo se ficou muito tempo reservada a uma minoria, o ensino dahistria pode-se tornar, nessa poca, o instrumento por excelncia daintegrao patritica e cvica dos alunos46 - instrumento cujas incertezas,que cercam o futuro do Estado-Nao, questionam atualmente a sua prpriafinalidade.

    Essa longa durao da formao de uma disciplina escolar estligada complexidade de um processo, cujos mltiplos componentestentou-se mostrar. Entraram, de fato, em jogo diversos fatores - cada um43Ver Martin Lyons, Le Triomphe du livre. Une histoire sociologique de la lecture dans la

    France du XIXe sicle, Paris, Promodis, 1987, pp. 85 104.44 Lhistoire des disciplines scolaires, art. cit., pp. 30 31.45Philippe Marchand (d.),LHistoire et la gographie, op. cit., pp. 75 84.46De uma abundante bibliografia, destacarei aqui somente dois artigos que fizeram sucesso:

    Jacques et Mona Ozouf, Le thme du patriotisme dans les manuels primaires, 1962,republicado em Mona Ozouf, Lcole de la France, Paris, Gallimard, 1984, pp. 185 213;Pierre Nora, Lavisse, instituteur national. Le "Petit Lavisse", vangile de la Rpublique, inPierre Nora (d.),Les Lieux de mmoire. I La Rpublique, rd. Paris, Gallimard, 1997, coll.Quarto, pp. 239 275.

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    com seu ritmo prprio de evoluo. Os objetivos da educao, por exemplo,mudam no decorrer do tempo: se ficaram, durante o perodo consideradoaqui, dominados pela finalidade retrica, pudemos v-los enfraquecer de

    uma maneira que acentuou o alcance moralizante da leitura doshistoriadores antigos para todos os alunos; ao passo que era confiscado o"uso poltico" da histria, decretado monoplio dos prncipes na poca doabsolutismo triunfante. Mas, bem antes dessa etapa, ocorrem outrastransformaes pelas quais se cortou em profundidade a relao com o

    passado, isto , com o ensino humanista: transformaes tcnicas,econmicas e sociais, progresso da escrita e da imprensa, desenvolvimentodos aparelhos administrativos, ampliao do pblico de leitores,transformaes cientficas, metodolgicas e pedaggicas levadas, no que diz

    respeito histria, elaborao de uma cronologia unificada, renovaodo modo de leitura dos historiadores e experimentao de novos mtodosde ensino.

    Sobre essa complexidade gostaramos de insistir para finalizar, afim de lutar contra o risco de uma leitura evolucionista, vendo na pesquisaaqui apresentada uma tentativa a mais para conferir uma "origem" ao ensinoda histria atual. , ao contrrio, a inter-relao constante que pensamos

    poder revelar entre expectativas e ambies culturais e sociais, concepes

    e meios cientficos, tcnicos ou pedaggicas, que faz da histria dasdisciplinas escolares um campo de pesquisa to vasto quanto apaixonantepara explorar, nessa poca de mudanas de nossa sociedade que questionacada dia mais os sistemas educativos que herdamos do passado.

    Annie Bruter Pesquisadora do Service dhistoire de leducation URACNRS 1397/Institut National de Recherche Pdagogique. Paris/Frana.

    Maria Helena Cmara Bastos Professora no Programa de Ps-Graduao em Educao da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grandedo Sul; Pesquisadora do CNPQ.

    Recebido em: 30/03/2005Aceito em: 28/07/2005