anne mather -_prisioneira_da_desonra

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Beth era uma garota quieta e simples e educada quando saiu da Inglaterra e foi para as ilhas do Caribe acompanhando Willard, seu noivo, um riquíssimo fazendeiro. Mas bastou um olhar de Raul, jovem e orgulhoso empregado da fazenda, para que Beth sentisse pela primeira vez em sua vida a estonteante atração que uma mulher sente por um homem forte e viril. E, quando Raul a convidou para tomar banho de mar á luz da lua, Beth sabia que esse encontro lhe traria prazeres proibidos e traçoeiros... Mas, para uma mulher apaixonada, o amor é mais forte do que tudo! Prisioneira da desonra “Rooted in dishounour” Anne Mather CAPITULO I Uma suave rampa estendia-se desde a varanda da casa, até a praia. Tufos de capim demar cavam a linha divisória com a branca areia que formava um belo contraste com a luxuriante vegetação, de um verde bri lhante, que em certos trechos avançava até o mar. Palmeiras abriam suas folhagens generosas formando um verdadeiro oásis quando o sol a pino tornava a temperatura insuportável, en quanto os carvalhos do pântano projetavam sua própria sombra sobre a laguna. Na enseada, o mar era mais calmo, refreado pelos recifes escarpados, visíveis ao longe, onde as águas batiam com tal violência que seu fragor era ouvido na casa. Era de manhã e o ar ainda estava fresco, pois na véspera tinha chovido ao anoitecer. Mas já o calor do dia começava a manifestar-se através de espirais de bruma que se levantavam ao redor das árvores. Logo o sol teria se erguido completamente por trás das montanhas que formavam uma cordilheira no interior da ilha, banindo com seus raios abrasadores as tartarugas e os caranguejos para esconderijos mais úmidos e frescos. A mulher veio descendo a ladeira da casa, impaciente por não ter encontrado seu morador, e esquadrilhou a laguna para ver se via alguém. Logo divisou aquela cabeça morena, que tanto procurara, a poucos metros da praia. Ficou espiando o corpo do homem surgindo das ondas e encaminhando-se para a areia. Ele estava a certa distância, mas suficientemente perto para que ela pudesse ver que estava completamente nu, com a água do mar escorrendo pelo corpo bronzeado e musculoso. Um corpo que demonstrava não ser de um homem que passava seus dias indolentemente em seu paraíso particular,

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Page 1: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Beth era uma garota quieta e simples e educada quando saiu da Inglaterra e

foi para as ilhas do Caribe acompanhando Willard, seu noivo, um riquíssimo

fazendeiro. Mas bastou um olhar de Raul, jovem e orgulhoso empregado da

fazenda, para que Beth sentisse pela primeira vez em sua vida a estonteante

atração que uma mulher sente por um homem forte e viril. E, quando Raul a

convidou para tomar banho de mar á luz da lua, Beth sabia que esse

encontro lhe traria prazeres proibidos e traçoeiros... Mas, para uma mulher

apaixonada, o amor é mais forte do que tudo!

Prisioneira da desonra

“Rooted in dishounour”

Anne Mather

CAPITULO I

Uma suave rampa estendia-se desde a varanda da casa, até a praia. Tufos de

capim demar cavam a linha divisória com a branca

areia que formava um belo contraste com a luxuriante vegetação, de um

verde bri lhante, que em certos trechos avançava até o mar. Palmeiras

abriam suas folhagens generosas formando um verdadeiro oásis quando o sol

a pino tornava a temperatura insuportável, en quanto os carvalhos do

pântano projetavam sua própria sombra sobre a laguna. Na enseada, o mar

era mais calmo, refreado pelos recifes escarpados, visíveis ao longe, onde as

águas batiam com tal violência que seu fragor era ouvido na casa.

Era de manhã e o ar ainda estava fresco, pois na véspera tinha chovido ao

anoitecer. Mas já o calor do dia começava a manifestar-se através de

espirais de bruma que se levantavam ao redor das árvores. Logo o sol teria

se erguido completamente por trás das montanhas que formavam uma

cordilheira no interior da ilha, banindo com seus raios abrasadores as

tartarugas e os caranguejos para esconderijos mais úmidos e frescos.

A mulher veio descendo a ladeira da casa, impaciente por não ter encontrado

seu morador, e esquadrilhou a laguna para ver se via alguém. Logo divisou

aquela cabeça morena, que tanto procurara, a poucos metros da praia. Ficou

espiando o corpo do homem surgindo das ondas e encaminhando-se para a

areia. Ele estava a certa distância, mas suficientemente perto para que ela

pudesse ver que estava completamente nu, com a água do mar escorrendo

pelo corpo bronzeado e musculoso. Um corpo que demonstrava não ser de

um homem que passava seus dias indolentemente em seu paraíso particular,

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mas que trabalhava duramente, tanto quanto os outros, para tornar as

plantações rentáveis. Era alto, moreno e com cabelos castanhos queimados

de sol.

Ela desviou rapidamente o olhar e deu meia-volta quando percebeu que ele a

tinha visto. O homem apressou o passo em sua direção, enrolando

displicentemente uma toalha à volta da cintura. Contornou sua frágil figura

para fitá-la com aqueles olhos verdes e trocistas que caçoavam de seu

embaraço.

— Não devia vir procurar-me sem ser anunciada, irmã Bar bara — observou

impiedosamente. — E não venha me dizer que nunca me viu nadando nu por

aí, pois não vou acreditar.

— Antes de mais nada, não sou sua irmã! — declarou, com aspereza. — Pedi

que viesse até a casa grande ontem à tarde, e você não apareceu, nem deu

satisfação.

Ele levantou os ombros com indiferença. Começou a subir a rampa em

direção a casa e ela foi obrigada a segui-lo.

— Ontem tive um compromisso — disse ele, finalmente. Ao ouvir isso, ela

contraiu os lábios.

— No mínimo, andou visitando aquela mulher... Louise — acusou, e ele

ergueu as negras sobrancelhas.

— Por acaso, esteve me seguindo? — perguntou, docemente, e as faces

pálidas dela pegaram fogo.

— Claro que não — negou Barbara, mas a expressão dele era de quem não

estava acreditando.

Alcançaram a casa, uma espécie de bangalô, com a varanda suspensa por

pilares e sombreada por um telhado de madeira. As acomodações eram boas

e funcionais: uma sala de estar com algumas cadeiras de braço e estantes

para livros, a copa-cozinha, surpreendentemente bem equipada com os mais

mo dernos eletrodomésticos, e o dormitório com uma cama turca e um

guarda-roupa. Havia também um escritório, mas como Barbara pouco visitara

o lugar, nunca o usara.

Largos degraus levavam até a varanda, onde duas poltronas de cana-da-índia

e uma pequena mesa com tampo de vidro formavam uma segunda sala de

estar. Nesse momento, via-se sobre a mesa uma jarra com suco de laranja

gelado, uma fatia de melão, alguns pãezinhos, manteiga e um bule cheio de

café que exalava um delicioso aroma.

Providências de Tomas, supôs Barbara, mentalizando o criado negro que

vivia numa cabana, por trás do bangalô. Dedicara a vida ao patrão desde que

ele o salvara de uma quadrilha de jovens bêbados e desordeiros na

Martinica, há oito anos, e desde então morava na ilha, cuidando de seu

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salvador. Barbara tinha considerado aquela história um tanto piegas e de

mau gosto e a presença de Tomas a irritava imensamente.

— Raul... — começou a dizer dando uma parada na varanda, mas o homem à

sua frente fez um gesto de recusa.

— Pelo menos, deixe que eu me vista antes.

Pouco depois Raul apareceu de volta, tendo como único traje um par de

calças jeans. Era uma exibição de masculinidade e ela sentiu-se impelida a

olhar para o medalhão de bronze que pendia sobre seu peito nu, seguro por

um cordão de couro.

— Você chama a isso vestir-se?

— Tenho certeza de que você não veio até aqui para discutir sobre minha

indumentária — respondeu ele secamente, en quanto despejava suco de

laranja no copo.

— Papai está voltando para casa! — ela informou, por fim, querendo mudar de

assunto.

— Essa é uma boa nova. Quando? Hoje? — perguntou Impaciente.

Barbara ficou desconfiada de que ele não estava mais prestando atenção à

sua pessoa. E tinha razão. Ele tinha destruído aquelas emoções a que se

referira e ela sofria a intensa agonia do ciúme, sabendo que Raul preferia

passar suas noites com Louise Pecares, do que em sua companhia. Não que

ele suspeitasse de seus sen timentos... Nunca suspeitara. A não ser que...

Seus pensamentos recolheram-se novamente aos meandros de seu cérebro.

Um dia, talvez, quando ela fosse dona absoluta da ilha... Mas isso levaria

tempo para acontecer. Seu pai era ainda um homem jovem. Apesar do ataque

de coração que sofrera e que o obrigara a passar uma longa temporada na

Inglaterra, estava ainda bem longe da morte. Tanto assim que planejava

casar-se novamente...

Suas mãos tremeram quando ela lembrou-se dos termos do telegrama que

recebera na tarde anterior, em que seu pai con tava -lhe que durante o tempo

que estivera internado num hos pital de Londres, conhecera uma enfermeira

mais jovem do que a própria filha, com a qual envolvera-se

sentimentalmente.

Era incrível, inaceitável. Tinha ficado viúvo por quase vinte anos e agora

estava pensando em casar-se com uma jovem trinta anos mais nova que ele.

Percebeu que Raul estava observando-a e anunciou, sem mais rodeios:

— Papai está pensando em casar-se novamente.

Com essa frase, conseguiu finalmente chamar a atenção sobre sua pessoa.

Os olhos verdes, curiosos, voltaram-se para ela.

— Casar-se? —. Ele fez eco. — E com quem?

— Uma moça — disse Barbara — com menos idade do que eu. A enfermeira

que cuidou dele!

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— Deus do céu! — exclamou meio assustado, meio admirado.

— Isso é tudo o que tem a dizer? — retrucou Barbara, com raiva. — Ele deve

estar ficando louco, e você sabe disso. Qual a moça de vinte e quatro anos

que se casaria com ele a não ser pelo dinheiro?

Raul pegou no bule e despejou um pouco de café na xícara.

— Você acha que seu pai não tem nada mais a oferecer a uma mulher, a não

ser dinheiro?

— E o que mais poderia ser? Uma... uma pessoa dessa espécie!

— Por acaso, você a conhece?

— Lógico que não. Como poderia? Ele sacudiu os ombros, enfastiado.

— É que você fala com tanta segurança. Como pode saber se ela não está

apaixonada por seu pai?

— Eles se conhecem há apenas um mês!

— E dai? O tempo não quer dizer nada em matéria de amor. Pode ter havido

uma atração mútua fulminante.

— Não poderia esperar outra coisa de você! — Sua boca fez um trejeito de

desgosto. — Mas não se esqueça que se papai decidir casar-se, toda a

situação aqui poderá mudar, princi palmente se ele tiver um filho.

— Ah, agora estou entendendo! — Sua expressão era maldosa.

— Se quisermos ser realistas, é isso mesmo. — Barbara estava quase

suplicando, quando acrescentou: — Raul, o que nós vamos fazer?

— O que nós vamos fazer? — Terminou de saborear seu café e esticou-se na

poltrona preguiçosamente. — É favor não me envolver em seus projetos. Se o

velho Willie resolver que quer que uma vampira lhe sugue o sangue, não

tenho nada com isso.

— Você se sente superseguro, não é mesmo? E é tão con vencido! Você

cogitou na possibilidade de papai resolver vender a ilha caso... caso a mulher

não queira morar aqui? Sabe bem que no ano passado ele teve uma oferta

tentadora daquela companhia americana. Não se desprezam milhões de

dólares assim tão facilmente.

A boca de Raul contraiu-se mediante aquela hipótese. Era evi dente que ele

nunca levara em consideração essa eventualidade, e Barbara sentiu-se

satisfeita de ter encontrado seu ponto fraco.

— Por que seu pai iria vender agora, se ele sempre condenou esses

consórcios que vivem comprando ilhas para transformá-las no paraíso dos

turistas?

— Já lhe disse, essa mulher deve ter uma maneira de pensar e de viver

tipicamente inglesa. O que lhe importaria esta ilha? E se estiver casando

com papai pelo dinheiro, onde iria gastá-lo neste lugar onde o Judas perdeu

as botas?

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Barbara aproximou-se um pouco mais, de forma que seu braço nu roçou-lhe

os pêlos do peito. Ele não reagiu àquele contato e perguntou formalmente:

— Quando eles chegam?

— No começo da semana que vem. Embarcam em Londres na segunda-feira e

fazem um vôo direto para Santa Lúcia. Planejam passar a noite lá, para

chegarem aqui na terça-feira pela manhã.

— Terça de manhã — ele repetiu. — E como está seu pai? Disse-lhe se estava

melhor?

Barbara despejou a notícia com impaciência.

— Ele disse que nunca se sentiu melhor em toda a sua vida. Pode acreditar

nisso? Um homem daquela idade! E depois de somente quatro semanas do

ataque que sofreu?

Raul virou-se de frente para a janela e apoiou os cotovelos no parapeito.

— O amor faz milagres, como dizem por aí — disse ironicamente. Barbara

sentiu-se frustrada.

— Então? O que você acha disso tudo? Raul levantou os ombros, resignado.

— Deixe isso comigo. Vou pensar no assunto com carinho.

Ela olhou-o ansiosamente.

— Verdade?

— Já lhe disse que vou, não disse?

Barbara mordiscou o lábio superior e falou com ar insinuante:

— Você vai jantar lá em casa hoje ã noite?

— Acho que não.

— E por que não? — perguntou, entre furiosa e desapontada. Pelo menos

desta vez, ela esperou que ele aceitasse.

— Penso que seu pai não aprovaria — respondeu brincalhão. — Você jantando

com um simples empregado!

Os lábios de Barbara tremeram incontroladamente.

— Essa é uma desculpa muito esfarrapada e você sabe bem disso.

Os olhos verdes tornaram-se brandos.

— Não fique forçando, irmãzinha. Agora você vai tomar seu rumo, enquanto

eu vou tratar de ganhar dinheiro para comprar o pão de cada dia da rica

donzela.

Ela precipitou-se pelos degraus da escada abaixo, depois virou à direita,

passando por entre as árvores que formavam uma barreira entre a casa

grande e o refúgio de Raul, sacudindo a saia estampada de vermelho.

O sol já estava bem quente quando Raul subiu no empoeirado jipe que era

seu único meio de transporte. A ilha, conhecida pelo pitoresco nome de Sans

Souci, tinha poucos carros, pois a maioria dos habitantes contentava-se com

o lombo das mulas, as charretes, bicicletas ou simplesmente com os pés.

Mas havia quinze milhas diárias a percorrer e Raul precisava de um veí culo

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motorizado para supervisionar os canaviais. Ligou o motor e dirigiu-se para a

estrada de terra que levava até o centro.

As plantações de Willie Petrie estendiam-se de um lado ao outro da ilha.

Desde o princípio, as terras foram destinadas ao cultivo de cana-de-açúcar, e

para cada homem adulto que trabalhasse como lavrador, era doado meio

acre de terreno para que fizesse sua própria lavoura. Apesar de Raul saber

que a maior parte dessas terras doadas eram malbaratadas e deixadas

improdutivas, dava prazer a Petrie considerar-se um patrão generoso e

magnânimo.

As condições de vida na ilha não eram das melhores, mas pelo menos

contavam com um bom hospital e uma escola pri mária para as crianças.

Excetuando-se os Petrie e o próprio Raul, só havia outra família de brancos

que morava na ilha: Jacques Marin, que administrava o hospital, e sua

mulher Susi, que fazia o papel de assistente do marido. Tinham dois filhos:

um menino, Claude, com catorze anos, que estudava num colégio interno da

Martinica; e uma menina, Anette, com apenas seis anos, que era cuidada por

uma moça americana chamada Diane Fawcett. O restante da população era

consti tuída de uma mistura de mulatos, negros, alguns chineses e indianos,

com exceção de Isabelle Signy, diretora da escola, e que ninguém se atrevia

a classificar etnologicamente.

O engenho dos Petrie ficava nas cercanias da vila. Raul esta cionou o jipe

perto dos armazéns onde se processava o corte da cana, e caminhou até o

pequeno escritório, onde seu segundo homem, André Pecares, estava

atarefado até os olhos, às voltas com uma pilha de faturas. Este levantou a

cabeça e sorriu quando percebeu a presença de Raul, que retribuiu sua

saudação e foi sentar-se numa poltrona de couro, por trás da escrivaninha.

André terminou de conferir as faturas e levantou-se, indo em direção a um

fogareiro a gás onde havia um bule de café. Era um homem de trinta e

poucos anos, apenas cinco anos mais velho que Raul. Tal qual seu

empregador, tinha a pele bem queimada. Apesar disso, podia passar por um

homem branco e Raul já tinha pesquisado várias vezes qual seria o ancestral

dos Petrie, res ponsável por esse ramo tão peculiar da família.

— Algo de errado? — André fez a pergunta enquanto trazia até a mesa do

chefe um copinho de plástico com café, que Raul agradeceu.

— Barbara veio ver-me esta manhã, André.

Os olhos negros de André abaixaram-se compreensivamente.

— Ah... — disse ele. — Ela não está nada satisfeita com sua ligação com

Louise.

— Não diga! — exclamou Raul, irritado. — E você acha que estou ligando

muito para o que Barbara pensa? Se eu decidir passar todo meu tempo em

companhia de Louise, ela não tem nada com isso!

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André olhou-o contrafeito.

— É que eu pensei...

— Eu sei. — A boca de Raul apertou-se numa linha dura e reta. — Desculpe

ter caído em cima de você desse jeito, mas a história não tem nada a ver

com Louise. É o Willard que está voltando para casa.

— Entendo. Ele já sarou?

— Pode-se até dizer que sarou bem demais.

— Que quer dizer com isso?

— Ele vem trazendo sua enfermeira, nem mais nem menos. Pelo que me

contou Barbara, eles pretendem casar-se.

— Não me diga! — André estava chocado. — Mas o sr. Petrie, ele deve estar

com... com...

— Cinquenta e seis anos, pelo que me consta. E essa moça, parece que só

tem vinte e quatro.

André até engasgou.

— Mas...

Interrompeu-se, mas Raul sabia bem o que ele queria dizer.

— Eu sei. Por que é que uma jovem de vinte e quatro anos desejaria casar-se

com um coroa de cinquenta e seis? A teoria de Barbara é que, na verdadeira

acepção da palavra, a moça só está atrás do dinheiro dele. Se assim for, será

que essa moça se sentiria feliz aqui em Sans Souci, sem nenhum dos

divertimentos e distrações da alta sociedade, que por certo ela ambiciona?

— Você quer dizer que talvez eles fossem morar noutro lugar? — aventurou-

se a dizer André precavidamente. — Até que seria uma boa solução, Raul.

Nós não precisamos de Petrie para dirigir a ilha. Você saiu-se muito bem

enquanto ele estava doente e sabe, tanto quanto eu, que a participação do

patrão nesses últimos anos tem deixado muito a desejar.

Raul deu um meio-sorriso.

— Bem, pode até ser. Mas a questão agora não é se eu ou ele vai dirigir a

ilha. Barbara está aflita por outro motivo. Ela teme que Willard possa ser

persuadido a vender a ilha.

— Vender? — André empalideceu. — Mas no ano passado...

— No ano passado ele não estava pensando em casar-se. Quem pode garantir

que a noiva não venha a persuadi-lo?

André tornou a voltar para a sua mesa e deixou-se cair na cadeira derreado.

— Você acha que ele seria capaz disso?

— Não sei. — Raul tomou mais um gole de café. — Não sei mesmo.

— Mas, casar-se! Na idade dele! — André voltou ao assunto inicial. — Quem é

ela? Qual é seu nome?

— Sei tanto quanto você. A única coisa que posso dizer-lhe é que a moça

tratou de Willard no hospital de Londres. Isso é tudo.

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André soltou um suspiro.

— Não vamos sonhar com quimeras, André. Você sabe tanto quanto eu que,

presentemente, o cultivo da cana-de-açúcar é um negócio precário. Além do

mais, os homens jovens de agora estão propensos a arrumar empregos em

Trinidad e Martinica. O fato de haver uma onda de desemprego por lá, como

aliás no restante do mundo, pouco pesa. Eles vão em busca de maior

sofisticação e dentro em breve não teremos mais braços para as colheitas.

O subconsciente de Raul começou a enveredar pelo labirinto das

consequências que o casamento de Willard poderia trazer para suas próprias

vidas. Que Barbara vá para o inferno, pen sou com selvageria. Por que ela

colocou tantas dúvidas em sua cabeça? Queria, talvez, obrigá-lo a abandonar

o emprego? Wil lard logo arranjaria um substituto. Talvez o próprio André. Ou

Samuel, o gigantesco capataz negro que era capaz de fazer sozinho o

trabalho de doze homens. Ou ela pretendia que ele, Raul, seduzisse a moça,

entregando-a de volta ao noivo, cons purcada e ultrajada, para a destruição

de ambos?

Abriu a gaveta da escrivaninha e tirou um maço de charutos. Acendeu um e

deu uma longa tragada. O fumo aromático relaxou seus nervos tensos.

Talvez eles estivessem sendo inutilmente pes simistas, colocando a carroça

adiante dos bois. Barbara tinha ciúme de qualquer pessoa que pudesse

balançar sua posição. Ha via sido a dona da casa grande por tanto tempo!

Ninguém que chegasse para usurpar sua autoridade seria bem-vindo.

CAPITULO II

O piloto anunciara que estava chovendo em Castries e o avião começou a

descer furando as pesadas nuvens negras até Beth poder divisar uma praia

de areia tão branca e imaculada que mal podia acreditar em seus olhos. Pelo

restante da tarde, ficaram sobrevoando um oceano cor turquesa, bordado por

um arquipélago de ilhas tão pequenas, que custava convencer-se de que ali

morava gente. Pouco depois, eles se viram voando sobre Santa Lúcia e,

apesar das nuvens, a cor e a beleza da ilha eram visíveis e eston teantes. A

praia estava coberta por uma ressaca de espuma e ao longe, mais para a

esquerda, via-se a pista de aterrissagem do Aeroporto Internacional de Vigie.

— Essa é a praia de Vigie — disse Willard, debruçando-se sobre Beth e

apontando uma fileira de hotéis luxuosos que beiravam o mar. — E lá adiante

são os picos gêmeos: Gros Piton e Petit Piton, que constituem os limites da

ilha.

— Piton — repetiu Beth, fazendo um esforço de memória. — Isso quer dizer

"pico", não é? Temo que meu francês não esteja tão bom quanto

antigamente.

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Willard passou o braço ao redor de seus ombros.

— Grande pico e pequeno pico — confirmou, sorrindo-lhe, e ela desviou o

olhar, fixando-o novamente na paisagem que se via da janela do avião.

O vôo fora demorado, mas Beth não estava cansada. Todavia, achou que

Willard estava começando a mostrar sinais de aba timento, mas isso não era

de estranhar, diante das circuns tâncias. Era o dia mais tumultuado e

cansativo que tinha en frentado, desde sua saída do hospital, e a excitação

do retorno ao lar estava começando a minar-lhe as energias.

Felizmente a preocupação com Willard tinha afastado de Beth sua própria

ansiedade por ter aceitado acompanhá-lo nes sa viagem incrível e até estava

contente por passar a noite num hotel em Castries, antes de chegarem em

Sans Souci.

Sans Souci, o nome a intrigava e, apesar de suas inibições, não pôde refrear

um frémito pela expectativa de passar o resto de sua vida nessa região do

mundo que sempre a atraíra e fascinara.

Olhou para a mão de Willard que repousava em seu ombro e suspirou. Faria

tudo para torná-lo feliz, propôs a si mesma, com determinação, ignorando os

olhares de curiosidade que o comis sário de bordo da primeira classe vinha

lançando sobre ela, du rante todo o vôo. Se estranhara o relacionamento

entre um homem evidentemente maduro e uma mulher tão jovem, problema

dele!

As formalidades do desembarque logo terminaram e um mo torista levou-os

numa limusine até a capital da ilha. Passaram pela praia e Beth se deliciou

com a vista esplêndida das águas mutantes que a cada momento variava de

tonalidade, passando desde o verde-escuro até o opalino translúcido. Era

tudo tão diferente e exótico! Desviou o olhar para as verdes colinas cobertas

de coqueiros. Willard esparramou-se sobre o assento indolentemente,

contentando-se em testemunhar o efeito que tudo aquilo exercia sobre ela.

Para ele, era suficiente saber que Beth estava ali, a seu lado, e os olhares de

admiração que ela atraía, quando o carro diminuía a velocidade, faziam com

que sentisse orgulho por estar acompanhado da mais bela mu lher das

redondezas.

Para Beth, essa inesperada companhia trazia um senso de confiança e

tranquilidade, e era um verdadeiro alívio sentir-se livre do assédio dos

homens de sua própria idade. Não era do tipo de encorajar ninguém com

flertes e olhares provocantes. Apenas aceitara o fato de que mulheres loiras

platinadas, de seu porte e altura, atraíam inevitavelmente a atenção de

todos os jovens disponíveis, e às vezes não disponíveis, ao seu redor. Só que

já estava começando a ficar enojada com tantas ten tativas de avanços e

consequentes repúdios. Pensava até estar ficando frígida, quando Willard

apareceu em cena. Seu charme e maneiras experientes e desenvoltas a

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tinham desarmado e, pela primeira vez na vida, sentiu-se deveras mimada e

querida, e, mais do que isso, respeitada.

Naturalmente, a direção do hospital não aprovara sua atitude. As

enfermeiras, principalmente as mais categorizadas, eram acon selhadas a

não se deixarem envolver pelos pacientes e seus pri meiros entendimentos

com Wiliard foram supervisionados pelo olho clínico do médico que tratava

dele. De nada adiantara que o dr. Mike Compton tivesse sido um dos

apaixonados de Beth, pois Willard tornou-se mais do que um desafio para a

direção do hospital. Tão logo pôde, transferiu-se do hospital para uma clínica

particular, levando Beth consigo, na qualidade de enfermeira par ticular.

Todos os colegas a tinham condenado, dizendo-lhe que era uma tola

inconsequente e que se arrependeria de ter deixado seu posto. E que quando

ele voltasse para sua casa, nas índias Ocidentais, ela ia encontrar

dificuldades para arrumar outro cargo semelhante. Mas alguma coisa de

mais forte a tinha impelido, e agora ela sabia que era amor o que sentia por

aquele homem que estava a seu lado, prestes a tornar-se seu marido.

Quando chegaram ao hotel que dava de frente para a baía, Beth insistiu para

que Willard fosse direto para a cama.

— Foi um dia muito longo e exaustivo — afirmou, quando ele começou a

protestar. — Pela diferença de fusos horários, pode ser que aqui ainda seja

cedo para dormir, mas na Ingla terra já seria muito tarde e você precisa

poupar suas forças.

Willard olhou-a contrariado.

— Não sou nenhuma criança, Beth.

Apesar do protesto, começou a despir-se, enquanto Beth des fazia as malas

no quarto ao lado e separava os remédios que deveria ministrar-lhe.

Quando ela voltou, Willard já estava de pijama, coberto com os lençóis até o

queixo. Era um homem de constituição forte e grande, mas os sofrimentos

das últimas semanas tinham acabado com suas carnes e Beth considerou

que ele parecia bem mais magro do que quando chegara ao hospital. Apesar

disso, era ainda um belo homem, com sua pele morena e cabelos

abundantes, começando a ficar grisalhos.

Willard olhou-a com ar resignado.

— Nossa vida vai ser sempre assim, Beth? Você me pondo na cama, em vez

de ser ao contrário?

Beth sorriu, tirando duas drágeas de um vidrinho e pas sando-lhe um copo

com água.

— Você sabe que só o tempo e o repouso podem curá-lo definitivamente —

disse-lhe com objetividade, enquanto ele en golia as drágeas. — Bem, vai

precisar de algo mais?

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— Só de você — respondeu afetuosamente, erguendo-se um pouco e

puxando-a para junto dele na cama. — Hummmm... que cheirinho gostoso!

— É o perfume que você comprou para mim, na loja Harrods — murmurou ela,

sentindo a pressão de seus dedos possessivos.

Não havia dúvidas de que suas forças estavam voltando, ela observou, muito

admirada de que aquela constatação a fizesse sentir tão vulnerável.

A lagosta dourada na manteiga, servida em seu ninho de alface era

realmente apetitosa. Mas ela estava elétrica demais, por causa da novidade

do vôo, das paisagens inéditas e dos sons que chegavam até o terraço da

suíte, e resolveu, em lugar de jantar bem, explorar um pouco o lugar. Depois

de comer uma porção mínima da refeição, preferiu ficar debruçada no

terraço, protegida pelas trevas de veludo, ouvindo apenas os sons

desencontrados dos arredores.

Já era tarde quando Beth recolheu-se ao leito, mas assim mesmo não pôde

conciliar o sono. Apesar dos sons externos já terem emudecido, sua cabeça

continuava a vibrar com a re cordação das últimas semanas febris que

passara. Era quase inacreditável pensar que há apenas oito semanas tinha

conhe cido Willard. Parecia-lhe que o conhecia há séculos e talvez isso

fizesse parte de seu charme. Desde o começo, sentira-se completamente à

vontade com ele, mas mesmo assim tivera dúvidas pela instantânea atração

que demonstrara sentir por ela. É comum que os pacientes se apaixonem por

suas enfer meiras, principalmente quando estão seriamente doentes e, a

princípio, ela não o levara a sério. Após ter passado dois dias na Unidade de

Terapia Intensiva do hospital, Willard havia sido entregue aos seus cuidados.

Contara-lhe quem era, onde vivia, enfim, tudo sobre a ilha, e ela ouvira, com

a fascinação que as pessoas que levam uma vida metódica e comum tem por

tudo o que é desconhecido e exótico. O fato de Beth já se ter sentido atraída

por aquela região, de longa data, só serviu para aumentar seu entusiasmo e

ela desconfiou de que Willard valeu-se de sua reação para despertar-lhe

ainda mais interesse. Aos poucos, começaram a conversar sobre outras

coisas e outros lugares. Beth explicou-lhe que sempre tivera vocação para

enfermeira e contou-lhe o quanto ela e a mãe tinham batalhado para pagar

seus estudos, após a morte do pai, vítima de um acidente de barco, quando

ela tinha apenas quatro anos de idade. Mas se lembrava dele, e após a morte

da mãe, ocorrida há dois anos, não tinha mais ninguém no mundo.

— E quanto a casamento? — perguntou-lhe Willard. — Não acredito que não

tenham aparecido muitos pretendentes.

— Nunca pensei seriamente em casamento — respondera com sinceridade.

— Gosto de meu trabalho e já presenciei o fracasso de muitos casais amigos

meus para ter coragem de enfrentar o risco de cair no mesmo erro.

Page 12: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Você acredita que hoje em dia os casamentos não possam dar certo? Com

todas as pressões a que vocês, os jovens, estão sujeitos? — fez a pergunta e

deu um sorrisinho quase paternal.

— Acho que pode, mas, depende das circunstâncias.

— E que circunstâncias são essas? Beth hesitou.

— Bem... desde que o casamento não se limite a uma simples legalização do

sexo. — Ela começou a emitir sua opinião e enrubesceu. — Desculpe, mas eu

penso assim.

Naquele dia Beth percebeu que o relacionamento dos dois tinha entrado

numa nova fase. Willard estava tentando conhe cer-lhe o íntimo, procurava

testá-la. Mas sempre asseguran do-se de que, de certa forma, ambos

poderiam estar no mesmo barco. Só depois disso é que o fazendeiro

perguntou-lhe que tal a idéia de trabalhar para ele como enfermeira

particular e se ela aceitaria acompanhá-lo de volta a Sans Souci.

De início, ela recusou. Tinha conquistado uma posição invejável no St.

Edmunds Hospital e não queria abrir mão de seu emprego. Mas, em seguida,

aconteceram problemas com Mike Compton e quando ela deu por si já tinha

pedido a demissão.

A partir daí sua vida mudou de forma bem mais drástica do que tinha

imaginado. Uma semana após a demissão, Willard a pediu em casamento.

A mútua atração que existia entre eles não era uma coisa passageira, Willard

sugeriu que só oficializassem o noivado quando chegassem a Sans Souci,

claro, desde que ela fosse junto. Assim teria mais tempo para pensar, mais

tempo para conhecê-lo melhor e para verificar se conseguiria adaptar-se a

viver num lugar tão diferente do que estava acostumada. Foi nesse ponto dos

acontecimentos que Beth teve certeza de que o amava, que não havia sido

um erro sair do St. Edmunds e que, após um curto noivado, estaria disposta a

casar-se, pois ele demonstrara preocupar-se mais com ela do que com ele

próprio.

Rolou na cama e abraçou-se ao travesseiro. Qual seria sua reação, quando

descobrisse que ela ainda era virgem? A enfer midade de Willard tinha

impedido, até o momento, qualquer in timidade maior, mas por certo ele

deveria estar pensando que ela já tivera algum caso no passado. Mike

Compton, por exemplo, tinha se comportado como se fosse seu dono e

proprietário. Além disso, hoje em dia, supunha-se que mulheres com sua

aparência fossem experientes e vividas. Mas ela não era.

Suspirou, e tornou a rolar na cama, sentindo que seus ca belos estavam

molhados de suor. Se não dormisse logo, no dia seguinte estaria cansada e

com olheiras e precisaria estar apre sentável para enfrentar a filha de

Willard.

A filha dele!

Page 13: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Fez uma careta no escuro. Barbara! Como reagiria ela perante a idéia de seu

pai casar-se com alguém quatro anos mais moça do que ela própria?

Duvidava muito de que fosse gostar disso. Tentando ser justa, Beth admitiu

que, se estivesse no lugar dela, também não iria gostar muito da idéia. No

fundo, não era nada agradável alguém pensar que o próprio pai sente

vontade de se casar de novo, principalmente com uma moça que poderia ser

sua filha. Mas por outro lado, argumentou com equidade, só por que um

homem ficou viúvo, isso não quer dizer que seja obrigado a ficar sozinho pelo

resto da vida. Possivelmente, podia até querer ter mais filhos e Beth não via

nada de mais nisso. Claro que não imediatamente. Talvez mais tarde.

Deu um novo suspiro. Haveria um monte de problemas a enfrentar, alguns

imprevistos, pois ela não conhecia bem toda a situação. Sabia alguma coisa

sobre a ilha, sobre as plantações de cana, que eram a principal fonte de

renda, e sobre as culturas de bananas que não necessitavam de muito trato.

Sabia tam bém que Wiliard tinha dificuldade em contratar mão-de-obra em

virtude da inflação galopante que, aliás, atingia o mundo inteiro. Mas Willard

tinha lhe dito que havia doado boa parte das terras aos trabalhadores para

estimulá-los a ficarem, e Beth pensou com carinho que esta atitude, tão

generosa, era bem típica dele. Com exceção desses detalhes impessoais,

pouco tinha contado sobre sua vida, como por exemplo, sobre o seu

relacionamento com a filha. Aparentemente, viviam numa casa grande, com

muito terreno à volta, mas, pela carência de empregados, Barbara era

obrigada a fazer serviços domésticos. Isso fez Beth pensar como ficaria a

situação caso eles se casassem. Será que a filha admitiria que uma estranha

dirigisse a casa?

Afastou os lençóis e puxou a camisola para baixo, ajeitando-a melhor. Estava

sendo pessimista sem necessidade. Nem sequer conhecia a moça e já

estava supondo que ela lhe seria hostil. Ridículo! Barbara poderia muito bem

aceitar outra mulher na casa. Mas esta última suposição não a convenceu

muito.

Sans Souci apareceu no meio do mar, com suas graciosas curvas brancas e

seu interior muito verde, colorido pela densa vegetação. Só as vertentes das

colinas, que se viam ao longe, apresentavam um sombreado cor de púrpura,

sob a intensa luz do meio-dia. O restante da ilha parecia submerso numa

bruma de calor úmido. Em alguns lugares, as palmeiras che gavam até a

beira do mar. A areia cor de coral era banhada por constantes ondas de

espuma.

Quando se aproximaram do cais, a atenção de Beth foi des pertada pelo

colorido porto de Ste. Germaine, onde iates e barcos de pesca se

atravancavam ao longo do porto. No cais havia um grande movimento de

gente que perambulava pelas barracas do mercado, além do qual divisavam-

Page 14: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

se ruelas, com suas casinhas de estuque, pintadas em todas as nuances de

tons pastel. Primaveras, rosas e violetas pendiam por todas as partes,

enquanto que os hibiscos eram cultivados em potes e vasos de terracota

alinhados nos balcões.

A lancha a motor que os trouxera de Santa Lúcia acostou ao cais, e Willard

segurou o braço de Beth.

— Que tal? Aprovado? — perguntou, como se fosse um desafio.

— Se aprovo? Não só aprovo, querido, como já estou amando este lugar.

— Querido... — ele repetiu, satisfeito, escorregando a mão para a delgada

cintura de Beth.

O piloto da lancha sorriu-lhes e avisou-os que já podiam desembarcar.

Beth resolvera viajar de calças compridas. Era bem mais prático para pular

dentro e fora de lanchas, naquele tipo de viagem. Vestia também uma blusa

de malha de algodão à ma rinheira e protegera sua longa cabeleira platinada

com um lenço de seda.

O desembarque do casal foi tumultuado pois suscitou o in teresse de uma

porção de gente que veio cumprimentar Willard, perguntando-lhe pela sua

saúde. Parecia que todos sabiam de sua doença e Beth sentiu-se até

comovida por aquelas demons trações de interesse. Por sua vez, Beth foi

alvo da curiosidade geral e sentiu-se examinada dos pés à cabeça.

Percebendo que Willard começava a mostrar sinais de can saço, procurou

uma forma de sair dali o mais rápido possível, antes que ele começasse com

as apresentações. Viu um carro estacionado junto ao cais, com um homem

encostado que ace nava com o boné. Era alto, bem proporcionado e muito

moreno, vestindo calças de algodão rústico e quase nada mais. A pri meira

vista, pensou que se tratasse de um mulato, mas quando ele se moveu e

enfiou o boné novamente na cabeça, pôde ave riguar que era apenas um

moreno fortemente bronzeado. Es tava olhando para ela com uma

curiosidade insolente e Beth pensou que em todas as partes do mundo se

encontram homens como aquele, que encaram as pessoas atrevidamente.

Possi velmente, estaria pensando que ela se interessara por ele, con cluiu,

irritada, e resolveu desviar o olhar daquela figura deci didamente arrogante.

Pareceu-lhe ser um homem cruel e ficou aborrecida por ele ter estragado a

boa impressão que tivera da recepção espontânea e calorosa do pessoal da

ilha.

Onde estaria Barbara? Com toda a certeza não deixaria de vir ao encontro do

pai, após dois meses de ausência e tendo estado tão gravemente doente. Se

não estivesse por ali, já era um mau sinal para o futuro relacionamento.

— Desculpe-me...

Era o homem do carro quem falava. Parara defronte a Beth, numa atitude

displicente, com os dois polegares enfiados ao cinto e com todo o peso

Page 15: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

apoiado num dos pés calçados com botas. Assim de perto, ela pôde ver a

barba cerrada que lhe sombreava o queixo, os maxilares de linhas fortes, e o

cabelo negro e reluzente que apontava por baixo do boné. Os olhos

semicerrados eram de um verde pouco comum em pessoas tão morenas,

encimados por espessas pestanas. Tudo nele era agressivamente masculino.

Beth olhou para Willard hesitante, mas este parecia não ter se apercebido da

presença do homem e então resolveu que caberia a ela fazê-lo entender que

estava perdendo seu tempo. Já tinha encontrado tipos semelhantes que

pensam que, ao primeiro olhar, todas as mulheres caem de quatro a seus

pés.

— Acho que está cometendo um engano — disse ela calma mente. — Se não

se importa... — E ia virando-lhe as costas.

— Importo-me, sim — retrucou ele enfastiado, e Beth ava liou-lhe a largura do

peito e a altura, desta vez contente por ela medir um metro e setenta e cinco

de altura.

— Deixe-me em paz — falou ela de forma pouco delicada, com um sorrisinho

de mofa.

Um ar de zombaria substituiu a expressão insolente do homem.

— Se prefere assim — concordou ele, girando sobre os cal canhares e

voltando para o carro empoeirado.

— Raul! —Um grito de Willard o fez parar no meio do caminho. Beth olhou

para o noivo embasbacada e ele desculpou-se

por ter se distraído com a recepção dos amigos, e em seguida acenou para o

homem, repetindo:

— Raul!

Para consternação de Beth, os dois homens se abraçaram efusivamente.

Por sobre o ombro de Willard, dois olhos verdes encontraram os dela e Beth

sentiu vontade de revidar a provocação que aqueles olhos exprimiam. Teve

que esperar pacientemente até que o noivo fizesse as apresentações.

Depois que o homem assegurou-se que Willard estava na mais perfeita forma,

o que não era bem verdade, este dirigiu-se a Beth:

— Minha querida, deixe que lhe apresente Raul Valerian, meu braço direito.

Raul, esta é a srta. Elizabeth Rivers, minha noiva.

Beth forçou um sorriso e estendeu a mão.

— Como vai sr. Valerian? — disse polidamente, e uns dedos longos e firmes

apertaram os dela por um breve momento.

Suas mãos eram fortes e calosas, mas as unhas eram limpas e bem

aparadas.

— Muito prazer, srta. Rivers — ele retrucou, com uma ligeira entonação de

ironia, só perceptível para ela.

Em seguida, indicou o carro empoeirado.

Page 16: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Willard entrou no veículo com evidente alívio, mas Beth ficou tolhida quando

Raul Valerian passou por ela para começar a acomodar a bagagem. Dois

homens negros, que tinham vindo desejar as boas-vindas, estavam

batalhando para carregar to das as malas para perto do carro, e Raul correu

em seu auxílio, pegando uma mala de cada um, e falando-lhes

amistosamente.

Beth esperou mais um pouco para certificar-se de que não necessitavam de

sua ajuda e também foi proteger-se sob a sombra acolhedora do carro.

Willard estava acomodado no banco de trás do veículo que, apesar de

empoeirado, era muito bem conservado interiormen te. Quando ela entrou,

percebeu que o noivo estava extrema mente pálido e com a fisionomia

desfeita.

— Foi cansativo demais para as suas condições — ela de clarou quase

profissionalmente. — Quando chegar em casa, vai ter que repousar um

pouco. Tem que me prometer.

Willard espichou-se para trás.

— Só espero que não se transforme numa dessas mulheres rabugentas, Beth

— exclamou e quando viu que ela se res sentira da observação, acrescentou,

justificando-se: — Descul pe, querida, mas é que eles são minha gente, meu

povo. Vieram cumprimentar-me e eu não podia ignorá-los.

— Não era minha intenção que o fizesse.

— Eu sei, eu sei... Você só estava pensando no meu bem-estar. — Sorriu-lhe

com ternura. — Só detesto que me faça sentir um inútil.

Beth olhou para fora da janela e depois para a bagagem que tinha sido

empilhada no porta-malas traseiro da perua. Raul agradeceu aos dois

homens pela ajuda, fechou o porta-malas e foi postar-se junto ao volante.

Ele era forte, mas não era magro, e os olhos treinados de Beth notaram que a

musculatura de suas costas se evidenciava por entre as omoplatas, a cada

movimento que fazia.

Bem que poderia ter vestido uma camisa, pensou critica mente, apesar de a

blusa que ela própria vestia ser tão aderente que teria exigido um sutiã para

disfarçar as formas do busto.

A perua foi se afastando do cais sob os acenos de adeus dos que ficaram, e

Raul informou:

— Barbara pediu-me para vir buscá-lo. Ela não estava se sentindo bem e eu

precisava vir mesmo até o centro...

— Então você se ofereceu como voluntário — completou Willard

jocosamente.

— Acertou.

— E Barbara, o que é que ela tem? Fez-se um breve silêncio e Raul

esclareceu:

Page 17: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Uma de suas famosas enxaquecas, penso eu. Não sei bem. Ela mandou o

recado pela Maria.

Willard não pareceu estranhar, mas os nervos de Beth fi caram tensos.

Barbara poderia estar com dor de cabeça e até com uma enxaqueca de

verdade, mas nada justificava aquele descaso. Afinal de contas o pai

estivera ausente por dois meses. Se estivesse no lugar dela, precisaria

sentir-se seriamente mal para deixar de vir ao seu encontro.

Willard debruçou-se sobre o assento da frente.

— E como vai o trabalho, Raul? Conseguiu a nova lâmina para o trator? E a

roda dentada, foi substituída? E como vai o braço do Philippe?

— Não acha melhor maneirar um pouco? Em vez de começar a se preocupar

com coisas que já foram resolvidas há semanas? — interrompeu Raul, com

tolerância, olhando em torno até encontrar os olhos de Beth. — O que é que

sua... bem... sua enfermeira diz disso? Será que aprova você entrar nesse

ritmo logo no primeiro minuto de sua chegada?

Beth imaginou que ele ouvira as recomendações que fizera a Willard

enquanto esperavam pela bagagem, e seus lábios tremeram de raiva.

Willard pareceu não perceber sua indignação e enviando-lhe um olhar que

era um pedido de desculpas, respondeu:

— Beth é, antes de mais nada, minha noiva, e em segundo lugar, minha

enfermeira. Ela está bem a par do que sinto, não é, querida?

Ela deu um sorriso forçado.

— E você também sabe o que eu sinto, querido — contestou Beth,

provocando um gostoso carinho em Willard.

Apesar disso, ele continuou a fazer pergunta sobre pergunta e ela desviou a

atenção pelos lugares por onde estavam pas sando, tentando disfarçar o que

estava realmente sentindo.

Subiram por ladeiras e vielas da cidade, buzinando estri dentemente.

Crianças corriam descuidadas à frente do carro, mas saíam miraculosamente

ilesas, graças à habilidade do mo torista, teve que reconhecer Beth.

Ao longe, já fora do centro, divisavam-se os lindos campos cobertos de cana.

Willard fez uma pausa na conversação com Raul, para apon tar-lhe as

lavouras, mas ela achou mais atraente a vista da orla marítima que aparecia

na janela oposta.

A estradinha começou a descer, ladeada por ciprestes e acácias que se

entremeavam com palmeiras, tão abundantes na ilha. O cheiro dos pântanos

não era lá muito agradável e nem os trancos que dava a perua pela estrada

pavimentada de cascalhos. Ainda bem que os amortecedores pareciam ser

resistentes.

Agora estavam chegando perto do mar. Beth respirou fundo, inalando o

aroma salino que invadia o ar. Iria ser feliz ali, pensou com determinação, e

Page 18: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

como que para confirmar sua con vicção, Willard voltou à sua posição no

assento, tomou-lhe a mão e disse carinhosamente:

— Estamos quase chegando ern casa, querida.

CAPITULO III

Beth não sabia seja tinham chegado ao destino, pois as árvores

atrapalhavam a visão. Só quando o carro entrou por entre dois pilares de

pedra que ladeavam um amplo portão e fez uma curva, por uma alameda de

pedregulhos, é que ela viu a casa. Ficou perplexa. A "casa grande", como era

conhecida a propriedade, era uma construção remanescente de eras

passadas, toda branca, com a fachada exibindo imponentes colunas dóricas

que sustentavam uma lon ga sacada. A parte central tinha portas altas de

duas folhas que, no momento, estavam escancaradas, e janelas de linhas

graciosas, simetricamente distribuídas de cada lado da porta. No primeiro

andar repetia-se a mesma linha arquitetônica. Havia ainda um segundo

andar, com janelas menores, envi draçadas. Além do corpo central, abriam-

se lateralmente mais duas alas, possivelmente construídas posteriormente.

Apesar de os canteiros estarem invadidos por ervas daninhas e as alamedas

um tanto esburacadas, Beth ficou maravilhada.

Willard exultava com sua reação.

— Bem-vinda ao seu novo lar, querida.

Sem se importar que Raul pudesse vê-los pelo espelho re trovisor, ele

inclinou-se para junto dela e deu-lhe um caloroso beijo na boca. Raul levou o

carro até a escadaria de largos e baixos degraus que levava ao pórtico, e

Beth apressou-se em abrir a porta do carro para sair. Quando saltou, viu uma

nesga do oceano por entre as árvores, e um arrepio de excitação percorreu

todo seu corpo. Sua vontade era descer imediata mente até a praia de areia

coralina, afundar nela seus pés descalços e entrar por aquele mar adentro,

refrescando o corpo suado. Mas, por enquanto, este prazer tinha que esperar,

pois Willard estava precisando de sua atenção e cuidados.

Raul ajudou o patrão a descer do carro e deu a volta para junto do porta-

malas traseiro para começar a descarregar a bagagem, quando um preto

velho começou a descer os degraus da escada com a fisionomia radiante.

— Sr. Willard! — exclamou efusivamente. — Sr. Willard, meu senhor, seja

bem-vindo!

Beth virou-se para ele com uma certa timidez quando Wil lard foi

cumprimentá-lo, muito emocionado.

— Jonas! Jonas! Meu velho amigão! Não via a hora de rever essa cara feia!

Beth manteve-se de lado, testemunhando todas aquelas ex pansões de

camaradagem e percebeu que Raul também os es tava observando. Havia

Page 19: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

uma estranha expressão de cinismo em seu rosto quando ele descarregou as

malas. Por instantes olhou para Beth que desviou o olhar imediatamente

para que ele não pensasse que estava interessada em suas reações.

— Beth, este é Jonas — anunciou Willard, sem necessidade. — Acredite se

puder, mas nós crescemos juntos por estas ban das. A mãe dele trabalhava

para a minha, e até perdi a conta das travessuras que aprontamos juntos.

Terminados os cumprimentos, uma jovem criada, muito aca nhada, apareceu

por detrás de Jonas e desceu a escada para ajudar Raul a carregar as malas.

— Maria — disse Willard, distraidamente.

Beth notou que a moça não merecera a mesma atenção que Willard dera a

Jonas e notou também que todo o interesse de Maria estava concentrado em

Raul Valerian. Enquanto seguia o noivo e o velho criado escadas acima,

surpreendeu-se fazendo uma acerba crítica íntima ao comportamento da

jovem. O que tinha ela a ver se Maria se fizesse de engraçadinha com todo o

homem que encontrasse pela frente? Só esperava não ficar como aquelas

mulheres ranzinzas e carolas, sempre prontas a colocar em evidência as

falhas alheias. Quando Maria deu uma gargalhada debochada, todas as suas

boas intenções de tole rância foram por água abaixo, e ela sentiu pela

criadinha uma antipatia e um ressentimento pouco caridosos.

— Onde está minha filha?

Willard estava falando com Jonas e Beth prestou atenção à resposta do

velho criado.

— Está deitada — informou Jonas, meio sem jeito. — Hoje pela manhã não

estava se sentindo bem e mandou avisar o sr. Raul pela Maria...

— Isso eu estou sabendo — disse Willard com voz tensa. Beth viu que Willard

estava começando a parecer novamente

esgotado.

— Willard... — ela começou a falar, mas como se estivesse se antecipando às

suas palavras, o noivo perguntou impacien temente a Jonas:

— Prepararam os quartos? O meu e o da srta. Rivers?

— Sim, senhor — confirmou o criado.

Raul e Maria chegaram ao hall carregando as malas.

— Onde quer que sejam colocadas? — perguntou ele, e Beth apressou-se em

dizer:

— Pode deixar que me arranjo sozinha. Pode pô-las no chão que mais tarde

me encarrego delas.

— Maria poderá fazer isso por você — determinou Willard, e os olhos de Raul

cintilaram zombeteiramente.

— Queira me seguir — pediu Maria com polidez.

Beth estava abaixando-se para pegar a frasqueira, quando Willard interferiu.

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— Deixe isso aí. A criada voltará para apanhá-la. Agora vá com Maria. Ela vai

mostrar-lhe seu quarto. Qual é mesmo? — perguntou, dirigindo-se para a

moça. — A suíte azul?

Maria confirmou com um gesto de cabeça e Willard pareceu satisfeito,

— Ótimo, vou subir em seguida.

Beth mordeu o lábio inferior, como se estivesse indecisa, olhando antes para

a escadaria onde Raul já alcançara o pri meiro lance e depois, para o noivo.

— Willard...

— Já lhe disse, subo logo — ele insistiu.

Seguindo Maria pelo corredor, passou por uma porta aberta e viu Raul

Valerian espreguiçando-se após ter depositado as malas de Willard aos pés

de uma grande cama quadrada com dossel. Sem saber por que, sentiu-se

estranhamente desconcertada.

Suas acomodações eram pegadas ao quarto de Willard. Eram arejadas,

luminosas e amplas, com paredes pintadas de creme e painéis de cetim azul.

Havia uma espreguiçadeira forrada do mesmo tecido, cujas franjas

acompanhavam o desenho e as cores do mosaico do pavimento. A cama era

semelhante à de Willard, porém um pouco menor. O quarto era mobiliado

também com um grande armário e duas cómodas com gavetões. Não viu ne

nhuma penteadeira, mas apenas um espelho redondo pendurado acima de

uma das cómodas. Tudo no quarto era antigo, mas funcional, e com exceção

da poeira sobre os móveis, que eviden ciava o desleixo nos cuidados

domésticos, era muito agradável.

— Obrigada, Maria — agradeceu, quando a jovem colocou as malas no chão.

— O quarto é muito bonito.

— O banheiro é por aqui, senhorita — indicou Maria, re servando seus

sorrisos para alguém mais importante do que ela. — Vou buscar o restante

de suas coisas.

— Espere um minuto. — E Beth não pôde deixar de perguntar: — Por acaso,

este quarto pertenceu à primeira senhora Petrie?

Maria sacudiu os ombros.

— Trabalho aqui há somente dois anos. E foi-se.

Beth olhou para as venezianas enfeitadas por longas cortinas de chifon.

Puxou-as para os lados e saiu para a sacada. Con forme previsto, os quartos

davam de frente para o mar. Uma areia fina e branca atapetava a praia e a

maré parecia estar subindo. Beth pensou em mergulhar naquela água tépida

e azul e deixar-se boiar, à mercê da maré.

— Está tudo a seu gosto?

O som da voz de Willard fez com que Beth voltasse para o quarto. Ele estava

apoiado pesadamente ao batente da porta. Beth precipitou-se angustiada

junto dele.

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— Querido, é tudo perfeito, mas tenho que dizer-lhe que você parece exausto.

Não quer repousar um pouco? Tenho cer teza de que ninguém vai levar a

mal.

Willard respirou fundo.

— Quero — admitiu com um sorriso apagado. — Você tem razão. Sinto-me

arrasado. Mas Clarrie está preparando o almoço.

— Clarrie? — Beth perguntou, sem compreender, mas depois sacudiu a

cabeça. — Deixe para lá. Você poderá comer alguma coisa na cama se tiver

fome. Eu mesma posso servi-lo.

— Você é tão bondosa e... tão linda! — Respirou com difi culdade e afrouxou

o nó da gravata. — Então gostou do quarto? Era de Agnes, você sabe.

Barbara deve ter pensado que eu gostaria de ter você perto de mim.

Beth sentiu um choque. Era a primeira vez que Willard pronunciava o nome

de batismo da falecida esposa. E não se convenceu muito dos motivos

nobres que tinham levado Bar bara a designar-lhe aquele quarto. Achou

difícil engolir que aquilo tinha sido feito com boas intenções.

— Venha. Deixe que o ajude a deitar-se. Você me dirá depois quem é Clarrie.

Willard a seguiu de boa vontade e foi com alívio que Beth constatou que Raul

já tinha ido embora. Com muita eficiência, ajudou Willard a despir-se.

— Onde você guarda os pijamas? — perguntou, olhando em torno, e ele

indicou uma camiseira, a um canto.

— Estão ali — falou com voz fatigada, e Beth ficou contente em não ter que

remexer suas malas em busca de um pijama.

Beth ajudou-o a deitar-se. Depois fechou as venezianas e o quarto ficou na

penumbra.

— E agora — disse ela, reaproximando-se da cama. — Quer que lhe traga o

almoço ou prefere descansar um pouco antes?

— Prefiro descansar — confessou Willard, com relutância. Segurou-lhe a mão.

— Beth, sinto muito por causa de Barbara. Ela vai aparecer por aí, tenho

certeza.

Foi sua primeira menção ao fato de que alguma coisa não estava certa em

relação à filha, mas Beth não teve coragem de prolongar o assunto. Em vez

disso, debruçou-se sobre ele, beijou-lhe a testa, e disse suavemente:

— Procure dormir. Tudo vai correr bem, não se preocupe. Mas quando voltou

a seu quarto, Beth teve que reconhecer que

tinha dito aquilo com uma segurança que estava longe de sentir. Foi com

irritação que ponderou que Barbara chegara às raias do desaforo, deixando

de receber e cumprimentar o pai doente.

Maria já tinha trazido o restante de sua bagagem e ela colocou a mala maior

em cima da cama e abriu-a. Já tinha guardado metade de suas coisas

quando bateram à porta.

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— Quem é? — Virou-se automaticamente e viu o rosto de Maria enfiado pela

fresta da porta.

— Clarrie mandou dizer que o almoço já está pronto — anun ciou, olhando

com indisfarçável curiosidade para as roupas e per tences de Beth que ainda

estavam espalhados sobre a cama.

— Obrigada, Maria. Vou descer já.

Desceram pelas majestosas escadas, e para maior segurança, Beth

escorregou a mão pelo requintado corrimão, não podendo furtar-se a uma

certa sensação de realização. Estava prestes a ser dona daquilo tudo,

pensou, incrédula, e um arrepio de excitação percorreu-lhe a espinha.

Maria cruzou o hall e dirigiu-se para uma das numerosas portas em arco, a

qual se abria para uma enorme sala de estar. Sofás estilo regência, com a

forração um pouco desbotada, espalhavam-se pelo ambiente onde também

se viam cadeiras de alto espaldar, trabalhadas em madeira de lei, com

assentos de veludo e uma escrivaninha francesa, marchetada. Havia também

uma profusão de mesas, mesinhas, estantes, e algumas prateleiras e

cantoneiras mais modernas. Por sobre uma im ponente lareira estava

pendurado um retrato a óleo de Willard, envergando uma toga universitária

que Beth suspeitou ter sido pintado há muitos anos.

Atravessaram a sala de estar e saíram por uma porta dupla que dava para um

pátio sombreado por toldos. O almoço era servido ali, numa grande mesa

quadrada com tampo de vidro, ladeada por lindas cadeiras de ferro batido

laqueadas de branco, com assentos almofadados. A mesa estava posta para

duas pessoas e Beth logo advertiu que o noivo não lhe faria com panhia no

almoço.

— Vou avisar Clarrie — disse Maria, e afastou-se rapidamente. Voltou

acompanhada de uma mulher obesa e carrancuda.

— Então quer dizer que é a noiva do sr. Willard? — per guntou, fitando-a com

olho crítico. — Hummmm, um pouco jovem, talvez, mas suficientemente

mulher, penso eu.

As faces de Beth afoguearam-se.

— Você é Clarrie?

— Sou eu mesma. Já fui babá da srta. Barbara, mas agora sou cozinheira.

— Maria já lhe disse que o sr. Willard não vai querer almoçar agora?

— Já disse, sim senhora — confirmou Clarrie. — Encontrei com o patrão hoje

cedo, quando chegaram. — Fez uma pausa. — A srta. Barbara disse que a

senhora é enfermeira dele. Como vai ele? Está mesmo melhor?

Notava-se que também ela, tal como Jonas, tinha por Wil lard uma grande

afeição, e Beth resolveu dar uma satisfação à cozinheira.

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— Ainda está um pouco fraco — admitiu. — Seu coração está se recuperando

aos poucos. Ele precisa cuidar-se por mais uns seis meses. Só o tempo

resolverá.

— Sim, senhora.

Clarrie ainda estava assimilando as explicações, quando Beth, num impulso,

inquiriu:

— E Barbara? Quando irei conhecê-la?

As comissuras da boca de Clarrie descaíram.

— A srta. Bárbara descerá quando lhe der na veneta — declarou

inexpressivamente, girando os calcanhares em direção a casa. — Vou trazer

a comida.

A refeição estava apetitosa: fatias de melão com presunto cru, uma salada

de mariscos ao vinagrete e frutas frescas. Mas Beth não fez jus à arte

culinária de Clarrie. Tentou convencer-se de que sua falta de apetite se devia

ao fato de estar comendo sozinha, sem ter com quem conversar, mas não era

só isso. Sentiu-se curiosamente vulnerável e não gostou da sensação.

Quando terminou o almoço, esperou que Clarrie ou Maria viessem tirar a

mesa para que pudesse perguntar-lhes se não haveria problema em conhecer

melhor a casa e os arredores. Mas passada mais de meia hora depois que

terminou o café, e não tendo aparecido ninguém, decidiu levantar-se e

atraves sou de volta o salão de estar, rumo ao hall de entrada. Na parte

oposta do salão havia outra ala que dava para uma sala de jantar formal,

com uma longa mesa e cadeiras estofadas de couro. Ali, viam-se outros

retratos de Willard e de seus cavalos, mas ela sentiu-se relutante em ir

adiante, sem per missão. Ainda não era sua esposa, e além disso, preferia

que ele mesmo fosse seu cicerone. Mesmo sem ter visto tudo, passou pela

sua cabeça que dificilmente alguém poderia viver em tan tos ambientes

daquela casa portentosa, e a sensação de todo aquele espaço chegou a

intimidá-la.

Suspirando, subiu as escadas e foi em direção a seu quarto, passando pela

porta de Willard na ponta dos pés. Ouviu-o ressonar e sorriu à constatação

de que estava dormindo. Fi nalmente ele estava em seu lar, tranquilo e em

paz. O restante viria por si só.

Como se fosse atraída por um imã, voltou novamente à sa cada para admirar

o oceano com volúpia. Certamente Willard não se incomodaria se ela fosse

dar uma caminhada pela praia, pensou indolentemente, mas suas roupas,

empapadas de suor, a detiveram. Se descesse até a praia, não resistiria à

tentação de entrar na água para refrescar-se, e isso era algo que não queria

fazer, no momento.

Deu uma olhada no banheiro e chegou a uma decisão. Pegou roupas limpas e

levou tudo para o banheiro, abrindo, em se guida, a torneira do chuveiro.

Page 24: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Quando terminou, estava tiritando de frio, e o mar, já longe, não lhe pareceu

tão convidativo. Mas o calor lá fora o era, e após ter escovado os cabelos até

deixar o couro cabeludo for migando, vestiu-se e saiu novamente do quarto.

A casa parecia vazia. Não viu ninguém e começou a andar lá fora, com uma

deprimente sensação de solidão. Quando pegou o caminho de seixos,

agradeceu a Deus por ter calçado um par de tênis, em vez de sandálias

abertas. Percorreu o relvado fronteiriço da sala de jantar, e andou por entre

as árvores, de onde se via uma nesga das águas brilhantes do mar. O ar

marítimo era picante e ela aspirou fundo, enchendo os pulmões, enquanto ad

mirava a curva da baía que se dobrava à sua direita.

Não resistindo ao apelo, descalçou-se e afundou os dedos na areia que

estava incrivelmente quente. Sentiu-se tão liberta e feliz, que começou a

ensaiar alguns passos de dança.

Em seguida, deu uma corrida até a beira do mar e deixou que pequenas

ondas acariciassem seus pés que iam deixando marcas na areia molhada.

Virou de frente para a fachada da casa e tentou localizar as janelas de seu

quarto e as do de Willard. Será que ele já teria acordado e estaria

imaginando onde ela se metera? Acreditava que não. Por certo, dormiria até

mais tarde e não pretenderia que ela ficasse sentada em seu quarto, à

espera de que ele despertasse.

Decidiu dar uma caminhada à beira-mar. O sol estava ar dendo, mas ela não

era do tipo de pessoa que se queima facilmente. Apesar de sua origem

escandinava, tinha facilidade para bronzear-se uniformemente. Um pequeno

passeio não iria fazer-lhe mal, resolveu, e pelo menos, a água do mar

refrescaria seus pés.

Quando percebeu o quanto havia percorrido, viu que se afas tara mais do que

o previsto. Dali, só se via o promontório, pois a casa estava encoberta pelas

árvores. Em compensação podia ver outra moradia que parecia suspensa

sobre estacas, no alto de uma rampa de grama. Parecia um refúgio, e Beth

matutou se também pertenceria à Willard. Talvez fosse uma pequena casa de

veraneio ou uma espécie de estaleiro, apesar de não se verem trilhos

deslizantes.

Propulsionada por uma curiosidade crescente, pôs-se a ca minho da casa,

levando os tênis pendurados na mão. Parou a poucos passos da varanda.

Agora ela podia ver que só a frente da casa era apoiada sobre pilares, mas o

restante da construção, levantada em terra firme, parecia um rancho

desconjuntado. Enquanto estava ali parada, viu um negro aparecer na

varanda e ficar olhando para ela. Ficou encabulada, sentindo-se uma grande

intrometida. Virou-se rapidamente e foi ao encontro de algo rijo, molhado e

quente que, indubitavelmente, era um corpo humano.

Page 25: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Oh... des... desculpe! — exclamou, dando um pulo para trás, como se Raul

Valerian fosse uma cobra venenosa.

Beth não sabia para onde olhar e para disfarçar seu embaraço, ergueu uma

mecha de cabelo que lhe caía sobre a testa, enquanto suspendia pelos laços

os tênis que levava pendurados na mão.

— Eu... eu não sabia que você estava aí atrás. Uma curva cínica e divertida

envergou sua boca.

— É que estava muito ocupada, examinando minha casa — comentou com

sarcasmo.

— Essa... essa é... é sua casa? — interrogou, sentindo-se desconcertada sob

aquele olhar avaliador.

— Isso mesmo. — Puxou para trás os cabelos molhados. — Gostaria de

conhecê-la?

— Quem? Eu? — Sacudiu a cabeça veementemente, como que para repelir

uma tentação. — Oh, não, não! Quero dizer, eu só estava passando por aqui...

— Eu sei. Eu a vi.

— Viu? — Transferiu nervosamente os tênis de uma mão para a outra,

sabendo que estava numa posição desvantajosa. — Oh, você estava

nadando?

Ele fez uma cara de quem não gostou que ela se fizesse de desentendida.

— Claro. Não costumo andar por aí de calças molhadas — disse secamente.

— Mas pelo visto, estou condenado a receber visitas femininas quando não

estou em condições.

— Não entendi direito.

Beth preferiu não entender, e ele levantou os ombros. Ele era uns bons

centímetros mais alto do que ela. Os músculos do pescoço de Beth

chegaram a doer na tentativa de desviar o olhar daquele corpo atlético e

musculoso.

— Esqueça. Permite que lhe ofereça uma bebida?

— Sinceramente, — disse Beth, dando um passo atrás — preciso voltar.

— Por quê? — Franziu o sobrolho. — Por acaso seu... seu noivo está

esperando?

Até então a conversação tinha sido um tanto cerimoniosa e impessoal, mas

agora ele tinha enveredado para um tom diferente. Havia algo de insultuoso

na forma como dissera a palavra "noivo" e Beth sentiu-se quase contente por

ele ter lhe dado um motivo para uma recusa.

— Sim, ele está me esperando — disse, sem tentar disfarçar seu desagrado.

Raul sorriu.

— Em poucos meses, vai poder usar e abusar dele — declarou

ofensivamente.

Beth ficou vermelha de raiva e vergonha.

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— Acho que você está profundamente enganado — retorquiu com frieza,

virando-se ostensivamente para ir embora.

Mas uma mão de ferro segurou-a pelo antebraço, puxando-a de volta. Sem

querer, ela encostou-se em sua coxa.

— Por que vai casar-se com ele?

Ela olhou para o homem negro que ainda estava debruçado na varanda, como

que reclamando por aquele tratamento e Pedindo ajuda.

— Se não me soltar imediatamente, direi ao sr. Petrie de Que forma fui

tratada aqui! — ela ameaçou, e ele soltou uma risada curta.

— Sr. Petrie! — ele imitou, caçoando. — E o que pensa que ele iria fazer

comigo?

— Despedi-lo, é o que merece — retrucou, olhando para o braço preso.

Ele seguiu seu olhar, até a curva do cotovelo de Beth, que tentava livrar-se

do aperto.

— Que pele tão macia!

Os seios de Beth arfaram e ela foi tomada por um pânico repentino.

— Largue-me. — Quase gritou, e dois olhos verdes apertados a encararam.

— Se insiste! — E afrouxou a mão, deixando-a cair pendente junto ao corpo.

Ela afastou-se dele o mais que pôde, tentando recompor-se. Mas na

confusão, um dos pés do ténis caiu na areia e ela teve que abaixar-se para

pegá-lo. Raul ficou observando-a, com os po legares enfiados nas

passadeiras do cinto das calças e seus olhos percorreram seus quadris e

coxas, antes que ela se levantasse.

— Então, não quer mesmo conhecer minha casa? — convidou

zombeteiramente.

Ela nem sequer lhe respondeu, e dando meia-volta, começou a se afastar,

sem olhar para trás.

Como a distância entre os dois aumentava sem que ele fi zesse o mínimo

esforço para segui-la, Beth recomeçou a respirar e tomou dois prolongados

sorvos de ar para acalmar-se.

Mal podia acreditar no que tinha acontecido, e suas sobran celhas estavam

quase unidas por uma ruga de ressentimento. Também estava tremendo e

para alguém tão segura como ela, capaz de controlar qualquer situação,

aquilo não tinha cabi mento. Não era a primeira vez que a insultavam.

Normalmente, as enfermeiras estão sujeitas a ser agredidas pelos pacientes,

mas até agora nenhum homem tinha se atrevido a tocá-la com tanto abuso.

Olhou novamente para o braço e viu, consternada, que as marcas vermelhas

dos dedos daquele bruto ainda lá estavam. O porco!, pensou furiosa. Como

pôde atrever-se a tratá-la daquele modo? Se Willard visse aquelas marcas...

A sequência de seus pensamentos foi interrompida.

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Se! Claro que Willard as veria. E por que não? Ela não tinha nada do que se

envergonhar. Tudo o que tinha a fazer era contar-lhe que aquilo fora

provocado pelas mãos grosseiras de Raul Valerian, o qual, no caso, só tinha

uma saída: arrumar as malas e dar o fora.

Pressionou a mão nervosa sobre o pescoço, cuja jugular pal pitava

doidamente. Fazia poucas horas que estava naquele lugar e já criara uma

situação tão desagradável. O que diria Willard disso tudo? Afinal de contas,

ele mostrara uma evidente amizade por aquele homem e, sem dúvida, Raul

lhe falara com familia ridade. O que diriam os outros empregados se ela

causasse trans tornos ao patrão? Pensariam que ela já estava pondo as man-

guinhas de fora. Que eles também teriam que cuidar-se para não se verem

sujeitos a serem despedidos. Suspirou com tristeza. Era um beco sem saída.

E era óbvio que Raul Valerian não morria de amores pelos outros

empregados. Mas como ela poderia con vencer disso a Jonas, Maria, ou

mesmo Clarrie?

Chegou aos pés da rampa rochosa e olhou para cima. A casa grande lá

estava, com toda a sua majestade. E se Willard pensasse que ela estava se

comportando como uma mulher caprichosa e neurastênica? Como poderia

relatar-lhe o que Raul comentara sobre o relacionamento de ambos?

Duvidava de que pudesse repetir aquilo a quem quer que fosse. Além disso,

Raul sempre poderia negar tudo. O que lhe restava dizer? O que tinha ele

feito a mais? Agarrado seu braço e dito que ela tinha uma pele macia... Não

era uma coisa tão terrível assim. Encolheu uma perna e começou a calçar os

tênis distraida-mente, sabendo que agora não podia demorar-se nem mais um

minuto. Não havia meios de traduzir em palavras os senti mentos que a

dominaram durante o diálogo e nem a sensação de ameaça contida na

pressão daqueles dedos de aço. Seu maior desejo seria chegar junto a

Willard e poder contar-lhe toda a história. Não queria compartilhar de um

segredo com um ho mem do quilate de Raul Valerian que ela julgava um

inescru-puloso e imprevisível. Alguma coisa nele a repelia, e Beth fez o firme

propósito de nunca mais permitir que Raul tomasse aquele tipo de liberdade

com ela.

CAPITULO IV

Beth subiu pelo aclive rochoso e atravessou o gra dado em direção ao

pórtico. Sentia-se acalorada e com uma comichão por trás do pescoço,

causada, sem dúvida, pelo roçar dos longos cabelos. Willard preferia que ela

os prendesse, mas eram tão lisos e finos que não havia penteado que

durasse. Estava entrando no hall, suspendendo a longa cabeleira com a mão,

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para refrescar-se, quando deparou com uma jovem des cendo o último

degrau da escadaria. Era morena clara, do tipo "mignon", como Beth sempre

sonhara ser, e seus traços, mar-cadamente arrogantes e orgulhosos. Não

teve dificuldade em reconhecer nela a filha de Willard.

— Barbara? — arriscou-se a perguntar, deixando cair os cabelos sobre os

ombros e movimentando-se em sua direção.

A moça já tinha dado quase meia-volta, para subir de novo, mas não teve

outra alternativa senão parar, e foi com relutância que desceu o degrau

restante, deslizando seu longo roupão pelo piso de mármore estriado.

— É a srta. Rivers, pois não? — inquiriu, com gelada polidez.

— Beth — respondeu, tentando não demonstrar seu desa pontamento. — Na

verdade, Elizabeth, mas ninguém me chama pelo nome, só pelo diminutivo.

— Como vai, srta. Rivers? — Barbara esticou a mão, evi tando qualquer

familiaridade.

— Está se sentindo melhor? — perguntou Beth, na convicção de que a outra

nunca se daria ao trabalho de puxar assunto.

Barbara a fuzilou com um olhar de superioridade.

— É a força do hábito, na qualidade de enfermeira, que a faz interessar-se

tanto por minha saúde?

Beth recusou sentir-se ofendida ou intimidada.

— Ainda não foi descoberta a cura para a enxaqueca, mas, se quiser, tenho

uns comprimidos que podem lhe dar algum alívio.

— Duvido. — O tom de Barbara era maligno. — Meu mal não tem causas

físicas e sim emocionais.

Beth mordeu os lábios.

— Sinto muito.

— Sente mesmo, srta. Rivers? Realmente sente muito? Beth começou a

perder a paciência. Positivamente, Barbara

não tinha qualquer intenção de ser cordial e não fosse o fato de ela estar

plantada bem no meio da escadaria, Beth já teria subido diretamente para o

quarto. Impossibilitada de seguir seu impulso, encaminhou-se para a sala de

estar que tinha visto pela manhã.

— Espero que limpe seus ténis antes de entrar na sala de visitas.

A detestável voz de Barbara a deteve.

— O que foi que disse?

— Seus tênis — repetiu Barbara, apontando para aquele calçado tão

ofensivamente informal. — Estão cheios de areia.

Beth molhou os lábios com a língua. Era uma verdade. Tinha calçado os ténis

rápido demais e agora o solado estava soltando uma areia fina sobre o

mármore do hall.

— Esteve andando na praia? — quis saber Barbara, estrei tando os olhos.

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— Só uma breve caminhada — declarou, um tanto encabu lada, por notar a

cor traiçoeira que o sol lhe tinha deixado no pescoço e nas faces.

Barbara fechou o cenho.

— Encontrou com alguém nessa sua breve caminhada?

— Não.

Tinha respondido rapidamente demais, mas agora era tarde para correções,

portanto, resolveu aguentar a parada.

— Por quê? Deveria ter encontrado?

— Machucou o braço?

Barbara tinha notado as marcas vermelhas.

— Levei um escorregão numa rocha — Beth esperou ter sido convincente.

— Que azar!

Era evidente que Barbara não tinha acreditado nela, mas não ia se atrever a

chamá-la de mentirosa.

O som das vozes deve ter chamado a atenção de Clarrie. Ela veio carregando

uma grande bandeja, com a réplica de seu almoço, portanto sua presença

não era só motivada pela curiosidade. Pareceu duvidar de ver as duas juntas.

Barbara parecia ter ficado furiosa,

— Quer que leve isso para seu quarto, srta. Barbara? — perguntou Clarrie

com sua voz arrastada.

Beth começou a raciocinar. Agora estava entendendo. No mínimo, quando

vira a casa em silêncio, Barbara tinha se es gueirado até o térreo para

ordenar que o almoço fosse servido no quarto. Beth duvidava, e muito, que

ela estivesse com dor de cabeça e a maneira como expressou-se, em

seguida, tornou bem claro seu fingimento.

— Agora não tem mais cabimento, não é, Clarrie? — disse com pouco caso. —

Oh, ponha isso na mesa do pátio. Vou comer lá mesmo.

Clarrie saiu sacolejando o enorme quadril, levando a bandeja através do

salão de estar, e Barbara foi deixada para trás, enfrentando um indisfarçável

olhar de censura de Beth.

— Pois bem! Eu não sou obrigada a sentar na mesa com a amante de meu

pai! — agrediu, para defender-se.

— Acontece que não sou amante de seu pai — Beth olhou para a outra com

desprezo, de cima de sua altura, feliz de ter, pelo menos, quinze centímetros

a mais do que a adversária.

— E mesmo que fosse, sentiria mais respeito por mim mesmo do que por

alguém que parece estar pouco se importando se ele está morto ou vivo!

— Eu me importo e muito! — retorquiu Barbara, indignada.

— Então, você tem uma maneira muito engraçada de demons trar isso —

retrucou Beth, e ironizou: — Escondendo-se no quarto e fingindo que está

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doente! Se tem alguma coisa contra o nosso casamento, então manifeste-se

e diga logo o que sente.

— Se tenho alguma coisa contra... — Barbara levou um lencinho branco aos

lábios. — Oh, recuso-me a ficar aqui dis cutindo isso com você. Nunca

entenderia.

— Gostaria que tentasse.

Barbara sacudiu a cabeça, teimosamente.

— Conheço mulheres como você — enunciou friamente. — Mulheres que

abusam da fraqueza dos homens para que lhes façam certas vontades que,

em outras circunstâncias, nem co gitariam fazer. — Deu uma parada brusca e

mudou de tom.

— Desculpe-me, srta. Rivers, mas temo que meu café esteja esfriando.

Beth entendeu que se perdesse as estribeiras, entraria no jogo de Barbara, e

encolhendo os ombros, ela subiu ao primeiro pavimento.

Parou em frente à porta de Willard, decidindo que mesmo se ele estivesse

dormindo, o acordaria, e girou a maçaneta.

A cama estava vazia e ela ficou olhando para os lençóis desfeitos quando ele

chegou, vindo do banheiro. Vestia calça esporte e uma camisa de seda

branca. Depois de ter tirado uma soneca reparadora, sua aparência era bem

melhor.

— Beth! — exclamou com terna alegria. — Onde esteve? Já ia sair por aí à

sua procura.

Beth desconversou e quando ele aproximou-se, enlaçando-a pela cintura,

colocou suas mãos sobre os ombros de Willard e perguntou:

— Dormiu bem? Como se sente?

Willard sorriu-lhe, conformado em ser alvo de tanto cuidado.

— Dormi bem e me sinto ótimo — assegurou, chegando mais perto. — E agora

responda-me: por onde andou?

— Oh, fui só dar uma voltinha. — Beth sentia-se tolhida.

— Fui lá embaixo na pra... oh!

Olhou repentinamente para os pés, e Willard, dando um passo atrás, fez o

mesmo,

— O que há?

— Meus tênis — gemeu, consternada. — Estão cheios de areia, Barbara

disse...

Parou de súbito, quando percebeu o que estava por dizer, e as comissuras

dos lábios de Willard fizeram uma curva de tristeza.

— Você falou com Barbara?

— Sim, falei.

— Eu também — declarou soturnamente. — Ela veio aqui no quarto há pouco

e me acordou. Conversamos por alguns minutos.

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— Ela o acordou? — Egoisticamente, Beth sentiu-se revoltada, esquecendo-

se de que há pouco pretendera fazer o mesmo.

— O que... digo, como estava ela?

Willard aconchegou-se e aninhou a cabeça na curva de seu pescoço.

— Não vamos falar de Barbara agora. — E aspirando fundo, mudou de

conversa. — Hummm, seus cabelos estão suados. Esteve correndo? Com

esse calorão, não devia abusar, logo no primeiro dia, minha querida.

— Eu estava sufocando. — Justificou-se Beth, de forma vaga, tentando

esquecer a cena deprimente com Raul, cuja lembrança ainda tinha o poder

de fazer com que suasse frio.

— Se é isso, sugiro que tome um banho frio e depois vamos tomar chá juntos

— convidou Willard, segurando-a por ambas as faces e esticando os lábios,

em busca de um beijo. — Querida

— sussurrou emocionado. — Você é tão meiga e doce. Não sei o que seria de

mim sem você.

— Bem, não vai ser preciso ficar sem mim, ou vai? — pon derou Beth,

ajustando seu corpo ao dele, e Willard apertou-a mais ainda, antes de

permitir que ela se fosse.

— Ande logo — pediu. — Esperarei por você aqui para descermos juntos,

querida.

Graças a Deus, Barbara já tinha desocupado a mesa do pátio. Certamente,

voltara para o refúgio de seu quarto de onde sairia novamente quando não

houvesse ninguém à vista. Na verdade, Beth não estava ligando muito se ela

saísse ou ficasse, embora soubesse que aquela era uma atitude derrotista.

Cedo ou tarde, ela e Barbara seriam obrigadas a se enfrentar.

Contudo, era extremamente agradável ficar sentada ali no pátio, gozando o

frescor do entardecer e ouvindo Clarrie reco mendar ao patrão para que se

cuidasse. A gorda cozinheira o tratava com evidente carinho. Ela, como

Jonas, convivera com ele desde a infância.

O lanche consistia de bolinhos, sanduíches e um bule de chá da índia. Willard

gostava dele bem espesso, mas ultima mente contentava-se com um chá

mais fraco.

Apôs o lanche, ele propôs que fossem dar um passeio, e Beth concordou,

desde que ele prometesse não abusar.

— Vamos só até a piscina e voltamos — sugeriu, e Beth não pôde

argumentar, pois não sabia de que piscina se tratava.

Mas, a tal piscina era um tanque com açucenas, aberto entre uma vegetação

que crescia por trás das treliças do pátio.

— Quando era garoto, costumava criar peixinhos dourados aqui — comentou

Willard saudoso, e Beth tomou-lhe o braço, afastando-o.

— Prefiro o mar — disse ela, franzindo o nariz.

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— Com certeza, amanhã você vai querer nadar. Se ao menos eu estivesse

bem para acompanhá-la! Essa droga de coração!

— Se seu coração não tivesse feito das suas, nunca nos teríamos conhecido

— considerou Beth gentilmente, e ele deu-lhe um ligeiro beijo no rosto.

— E verdade... não teria. Preciso não me esquecer disso. Foi a coisa mais

importante de minha vida.

— Oh, Willard! Não deve falar assim.

— Mas... é a pura verdade!

— E sua mulher, Agnes...

— Casei-me com Agnes porque, na ocasião, era conve niente. Mesmo

naquele tempo o dinheiro tinha o seu valor. Você tem uma idéia de quanto

custa levar adiante uma plan tação desse porte?

Beth não digeriu bem aquele comentário.

— Você está querendo dizer que se casou pela primeira vez por... por

dinheiro?

— Bem, não foi só por isso. Não posso negar que ela era uma mulher muito

atraente. Mas era bem mais velha do que eu e... bem... ora, não tem muita

importância porque nos casamos. Só sei que acabamos casando. E fomos

felizes à nossa moda.

Beth retirou a mão de seu braço, A frieza daquelas palavras parecia não

afetá-lo, mas ela achou difícil aceitar aquela nova imagem de Willard.

Sempre pensara que ele tinha amado a primeira esposa e que essa fora a

razão de ter ficado tantos anos viúvo. Mas parecia que as coisas não eram

bem assim.

— Beth! — Ele a alcançou e passou-lhe o braço pela cintura. — O que está

havendo? Eu a choquei?

E que eu pensei que você tivesse amado sua mulher, — murmurou, fazendo

força para se sentir à vontade junto dele.

— Oh, Beth. — Ele suspirou. — Aqui nas ilhas, a conve niência pesa mais do

que qualquer ideal romântico.

— Isso quer dizer que eu apenas lhe convenho? — ela per guntou, encarando-

o.

— Não é isso. — Segurou-lhe o queixo. — Você devia saber que o que sinto

por você não tem nada a ver com conveniências.

— Mas isso não contradiz o que você disse há pouco?

— E... pode ser.

Beth hesitou por um instante, mas vendo sua expressão abatida, apiedou-se.

— E quanto a Barbara? — solicitou gentilmente. — É por essa razão que ela

desaprova nosso casamento?

Willard passou o braço por cima do seu ombro, e eles foram andando

lentamente em direção à casa.

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— Você chegou a essa conclusão? Estava com receio disso. Beth absteve-se

de contar exatamente o que se passara entre

ela e a filha de Willard, mas era evidente que Barbara lhe tinha dito quase a

mesma coisa.

— Ela está ressentida comigo — disse.

— É... — Willard concordou, penalizado. — Bem, era de se esperar...

Estavam já próximos da casa, e Beth, olhando para aquela fileira de janelas

fechadas, teve uma sensação de impotência e frustração. Desejara tanto

estar ali, e agora parecia que tudo estava dando errado.

Apesar dos receios de Beth de que Willard iria logo entre gar-se de corpo e

alma aos negócios do engenho, ele foi ma neirando por alguns dias,

parecendo conscientizar-se de que esforços inúteis iriam retardar sua

recuperação. Sarar era o que ele mais desejava na vida, porque estava

ciente de que ela não consentiria em se casar enquanto ele não estivesse

em forma. E desde que tinha chegado à ilha, o desejo de torná-la sua mulher

crescia dia a dia.

A situação na casa tinha melhorado em parte. Beth mal via Barbara e, às

vezes, ficava imaginando como a moça pas saria seu tempo. Quanto a ela,

costumava tomar o café da manhã no quarto de Willard e enquanto ele se

banhava, ia para seu próprio dormitório se arrumar. Depois desciam juntos.

Mais tarde, ainda pela manhã, andavam um pouco a pé pelas redondezas ou

então, Beth servia de motorista, dirigindo o carro pelas estradas da ilha, em

busca de novos panoramas.

Porém, as tardes eram intermináveis. Willard sempre se deitava por umas

duas horas depois do almoço, e ela ficava entregue a si mesma. Apesar de

ter planejado ir nadar na primeira oportunidade que se apresentasse, essa

oportunidade nunca chegava. Não que Willard a tivesse proibido de nadar.

Ele só a prevenira que seria perigoso entrar no mar sozinha pois, mesmo que

as águas da enseada fossem calmas, os recifes tinham brechas por onde

poderiam passar tubarões e barra-cudas. Não querendo preocupá-lo

inutilmente, Beth assegurou-lhe que não iria nadar sozinha e com isso,

acabou não indo.

As noites eram um pouco mais movimentadas. Algumas vezes, após o jantar,

iam de carro até San Germaine e, certa vez, foram convidados para um

drinque na casa do médico francês.

Beth gostara de Jacques Marin e da esposa. Susi era apenas oito anos mais

velha do que ela e apesar de Jacques já ser um quarentão, ainda era

bastante jovem e bem apessoado. Beth conheceu também Diane Fawcett,

uma professora ame ricana, mas veio a saber que era amiga de Barbara e,

como consequência, ela mostrou-se hostil com a visitante.

Numa manhã de sol, Willard falou para Beth:

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— Precisamos oferecer um jantar. Que tal a idéia?

Beth, que estivera observando com satisfação o progressivo bronzeado de

suas pernas, olhou-o, em dúvida.

— Você acha que seria bom? Não seria melhor esperar um pouco mais?

— Até que eu esteja mais forte? Estou me sentindo mais vigoroso a cada dia

que passa e não vejo como um jantar possa me cansar tanto. Ontem eu

estava dizendo a Raul que...

Ele interrompeu-se bruscamente e Beth olhou-o admirada.

— Você viu Ra... o sr. Valerian ontem?

— A tarde — assentiu Willard descuidada mente. — Ele veio ver-me. Eu

estava descansando, mas estava acordado.

Beth baixou a cabeça, olhando para a barra de seu short.

— Acho que ele não deveria vir aqui na hora de sua sesta — admoestou,

muito tensa e apreensiva de que seu nome pu desse ter vindo à baila durante

a conversa.

Ela procurou-lhe uma censura no olhar, mas era ele quem estava com cara

de culpado.

— Se quer saber, fui eu quem o mandou chamar. — E acrescentou, na

defensiva: — Precisava falar-lhe. Sinto-me tão apartado de tudo. Aliás,

deveria ter dado um pulo no escritório há mais tempo.

Beth respirou melhor, mas não pôde evitar de se sentir aborrecida por Willard

ter conversado com Raul à sua revelia,

— Você sabe que o dr. Isherwood recomendou-lhe repouso absoluto por três

semanas, pelo menos — começou a dizer, mas foi interrompida.

— O dr. Isherwood não tem um canavial!

— Parece-me que... que o sr. Valerian soube tocar muito bem seus negócios

enquanto você esteve ausente.

— Aí é que está o dilema — exclamou Willard com impa ciência. — Tocou

mesmo, e se eu não tomar cuidado, daqui a pouco não consigo nem um

emprego de carregador no engenho.

— O que está me dizendo? Qne esse tal de Valerian pode criar uma situação

embaraçosa para você?

— Ora, não estou afirmando que ele vá fazer uma traição dessas. É ótimo

administrador. Mas os homens o consideram e o respeitam demais!

— Espero que também respeitem você!

— O quê? Um velho acabado como eu?

— Você não é um velho acabado!

— Vamos ver. Deixe que Raul tente fazer alguma coisa — balbuciou Willard

ressentido. — Sou dono deste lugar. Prefiro vender tudo do que deixar-me

vencer!

— Como é? Já está se aborrecendo, srta. Rivers?

Page 35: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

A voz gélida de Barbara introduziu-se na conversação. Parecia que estivera

cavalgando pois vestia elegantes culotes, uma blusa de seda creme e tinha

um chicote enfiado no cano de uma das botas. Sua postura era arrogante e

dominadora, como se se sen tisse a dona do universo. Beth olhou-a, sem

entender.

— Eu, me aborrecendo? — Fez eco. — Não, de forma alguma.

— Não devia meter-se na conversa alheia. — Wiliard cha mou-lhe a atenção

com severidade. — Por onde andou? Não acha que já é tempo de deixar de

lado esse antagonismo absurdo e fazer um esforço para conhecer melhor sua

futura madrasta?

— Ela ainda não é minha madrasta — respondeu rude mente. — E mesmo que

você se case com ela, o que duvido muito, nunca vou considerar alguém

mais jovem do que eu como minha madrasta.

Willard esticou-se na cadeira, como se estivesse farto da filha.

— Francamente, Barbara. Quanta criancice!

— Pois que seja! Sempre fui sua criança, não fui? Ou já se esqueceu disso?

— O que não admito é que você insulte minha noiva! Se for preciso, sou até

capaz de construir outra casa na ilha ou em qualquer outra parte que você

prefira, e lá você poderá desabafar seus ressentimentos e abusar de seu mau

humor!

Barbara retorquiu, cheia de autoconfiança:

— Você nunca faria uma coisa dessas!

— Não faria? Não queira desafiar-me!

Barbara lançou um olhar maligno em direção a Beth.

— Você não pode exigir que eu seja amiga... dela!

— E por que não? Vocês duas são praticamente da mesma idade. Tenho

certeza de que Beth tem se aborrecido por aqui sozinha, como você

evidenciou tão educadamente. E eu gostaria que você a entretivesse.

— Ora, por favor — interferiu Beth. — Eu não preciso de entretenimentos...

— Você sabe andar a cavalo, não sabe?

Willard olhou para ela esperando uma resposta urgente e ela assentiu a

contragosto.

— Costumava cavalgar quando era menina. Por quê? Há cavalos por aqui?

— Papai os exilou nas cocheiras da fazenda depois que sofreu uma queda

grave — disse Barbara, malévola e indiscreta. — Não é mesmo, papai?

— É que não tinha quem cuidasse deles por aqui — explicou Willard

concisamente, e dirigindo-se a Beth, em especial: — Você já viu como é. Não

é fácil conseguir serviçais.

— Preferiria que não forçasse Barbara a fazer-me companhia — insistiu Beth,

mas Willard estava irredutível.

Page 36: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Amanhã vocês vão cavalgar juntas — ordenou, encarando a filha. — Está

certo assim?

— A srta. Rivers tem algum traje de montaria? — perguntou Barbara

secamente. — Duvido de que minhas roupas sirvam nela — completou com

escárnio.

Era um insulto sutil, mas Willard fingiu não perceber. — Beth tem calças

compridas. Ela não vai participar da caça à raposa, só vai dar um galope com

você.

Beth abaixou a cabeça. Aquilo era horrível. Como poderia sair por aí a

passear, com alguém que a detestava tanto? Mas a nenhuma das duas foi

dada qualquer chance de escolha e Beth ficou imaginando que jeito daria, na

manhã seguinte, para simular também ela uma enxaqueca.

A sugestão de Willard de oferecer um jantar também era um problema a ser

considerado e aquela perspectiva a fez ca pacitar-se das dificuldades que

teria que enfrentar no futuro, quando se tornasse a dona da casa. Por

enquanto, era Barbara quem organizava os serviços de casa, escolhia os

cardápios e administrava as despesas.

Deslizando da cama, aproximou-se da sacada, incapaz de resistir ao

chamado do oceano. Trouxera vários maiôs, mas até agora, só tinham

servido para tomar banho de sol no ter raço. Nos lugares de veraneio da

Inglaterra tinha visto usarem biquinis junto com short ou saias, no lugar de

saídas de banho. Poderia fazer o mesmo e ir para a praia. Não havia ninguém

pelas redondezas e ela sabia que Barbara nunca se ofereceria para

acompanhá-la, a não ser obrigada. Nem imaginava que ela soubesse nadar.

Nunca a tinha visto no mar. Talvez pas sasse suas horas de lazer em outros

lugares.

Vestiu um provocante biquini marrom franjado de dourado. A cor combinava

com o bronzeado incipiente de sua pele, mas infelizmente, seu ventre branco

estava destoando do corpo quei mado. Deveria ter usado o sutiã do biquini,

em vez da frente única, em suas andanças, mas não sabia se Willard

aprovaria semelhantes trajes.

O sol estava quente e ofuscante, e ela colocou os óculos escuros.

Atravessou o gramado quase correndo, um tanto re ceosa de que alguém a

visse, e começou a descer pela rampa rochosa até a praia.

Liberdade! Deu um suspiro de felicidade, sentindo-se, todavia, meio culpada

quando olhou para os andares superiores da casa, visíveis entre a folhagem.

Ora, justificou-se, fazia dez dias que

estava ali. Tinha direito de experimentar aquele mar. Assim mes mo, ainda a

perseguia um senso de traição por violar a confiança de Willard, e

praticamente esgueirou-se, como uma criminosa para os lados de onde não

podia ser vista das janelas. Largou as san dálias na areia e foi para a beira

Page 37: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

do mar. Iria dar só uma mo-lhadinha. Só entraria com água até a cintura e

boiaria um pouco.

Depois do primeiro impacto, a água pareceu-lhe incrivel mente morna. O sol

batia em cheio em suas costas e ela afundou até o pescoço. Que mal havia

nisso? Nenhum. A saia e os óculos escuros estavam lá na areia, ao lado das

sandálias. Foi com um sentimento de culpa, completamente desproporcional

ao "crime" que estava cometendo, que ela deu um profundo mergulho,

furando uma onda.

Era maravilhoso! Nunca havia nadado em águas tão densas. Bastava uma

leve braçada para manter-se à tona, e ela começou a nadar para mais longe,

sentindo um prazer sensual ao contato daquela água tépida. Virou-se de

costas e deixou-se boiar, ad mirando o céu e um azul límpido, sem nuvens.

Pouco depois, começou a nadar de volta para a praia, com a vista ofuscada

pela intensa claridade.

Foi nesse momento que vislumbrou pelo rabo dos olhos aquela forma negra e

luzidia, deslizando ao nível da água. Jamais tinha visto um tubarão, mas lera

o bastante sobre seus hábitos para saber que a pouca profundidade da água

não constituía um obs táculo para detê-lo. Sua prática de enfermagem

aconselhou-a a não entrar em pânico, mas mesmo assim, seu coração

começou a bater como uma bigorna. Enquanto a cabeça dizia-lhe uma coisa,

o estômago dizia-lhe outra. A praia não estava assim tão distante. Seria fácil

alcançá-la a nado, mas o medo desorganizou-lhe os reflexos e parecia-lhe

que apesar dos esforços, não conseguia saú do lugar. Um soluço subiu-lhe à

garganta quando sentiu aquele corpo escuro e brilhante avançar

sinuosamente por baixo da água e foi com os olhos arregalados de pavor que

viu uma cabeça coberta Por uma máscara emergir da água, a seu lado.

Seu alívio foi tão grande, que parou de nadar e logo sentiu-se afundar entre

as ondas. A água penetrou pela boca aberta e pelas narinas, queimando-lhe

os olhos e impelindo-a a debater-se até voltar à superfície. Ficou sufocada

por um momento, até que um braço firme a agarrou por baixo do busto e a

arrastou até a praia.

Tossiu, cuspiu e esfregou os olhos e toda a gratidão de Beth transformou-se

em irritação. Começou a nadar pela praia aos tropeções, torcendo os

cabelos ensopados e notando, com raiva, que suas pernas tremiam como

gelatina.

Raul Valerian, e não podia ser outro, pensou amargamente. Ele tirou a

máscara, o tubo de oxigênio e todo o equipamento de pesca submarina e

atirando-o na areia, veio para perto dela que, a esta altura, caíra estatelada

na areia.

— Assustei você? — perguntou, sem parecer estar se im portando muito se

de fato a assustara.

Page 38: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Beth nem se dignou a responder. Estava mais preocupada com o fato de ter

esquecido a toalha para cobrir-se e não de sejava molhar a saia. O problema

de como voltar para casa naquelas condições tinha que esperar um pouco

mais para ser resolvido, e ela decidiu colocar os óculos escuros à guisa de

escudo que a protegesse do olhar apreciativo de Raul.

— Poderia ter acontecido que, em vez de ser eu, fosse mesmo um tubarão.

De vez em quando eles aparecem por aqui.

Beth olhou-o de soslaio.

— E não se deu conta de que estava me deixando apavorada? — perguntou

com maus modos.

Ele encolheu os ombros e olhou para o mar.

— Claro que sim. Mas que diabos queria que eu fizesse? Achei que desde que

me visse ficaria mais tranquila do que se eu tivesse sumido.

— Duvido que tenha ficado todo aquele tempo debaixo da água, de lá para

cá, a troco de nada.

Com uma risadinha caçoísta, estendeu-se perto dela, bai xando mais o zíper

do negro macacão de borracha, de forma a expor o musculoso tórax.

— Certo — ele concordou, sem tentar uma negativa. — Quer dizer que

continuo sendo um ignorante, um cretino, etc. etc.

Beth olhou-o inconformada.

— Nunca disse isso de você.

— Não? — Os estranhos olhos verdes estavam sombreados pelas negras

pestanas quando ele a olhou fixamente. — E o que diria então a meu

respeito? Pelo menos a vez em que nos encon tramos, parecia que queria

fugir de mim como o diabo da cruz.

— Aquela vez você foi muito grosseiro — disse Beth, enla çando as pernas

com os braços.

— Talvez queira dizer realista. — Rolou na areia e apoiou-se sobre os

cotovelos. — Seu noivo a preveniu sobre o perigo de nadar na enseada?

A última coisa que Beth desejava naquele momento era lem brar-se de

Willard. Tinha até proposto castigar-se, ficando na praia até que o biquini

secasse para poder vestir a saia. De qualquer forma, as pernas bambas não

lhe teriam permitido uma saída honrosa.

— Ele avisou-me para que não nadasse sozinha — con cedeu dizer.

— Mas você não o levou a sério, não é?

— Não... sim! Quer dizer, não tinha intenções de ir nadar — explicou

atabalhoadamente.

— Não ia nadar, mas veio de maiô!

— Como você é observador! As pessoas costumam tomar banho de sol de

maiô, ora essa.

— Ah... Mas você não vai bronzear-se como se deve, sentada nessa posição.

Page 39: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Beth cerrou os dentes.

— No momento, não estou pretendendo bronzear-me.

— Não está... O que está é desperdiçando seu tempo tentando esconder que

minha presença a perturba.

— Que homem mais presunçoso — disse ofegante, e dando uma risadinha de

desdém, continuou: — Pois saiba que fui embora da Inglaterra justamente

para fugir de tipos assim.

— Ora! — Ele torceu a cabeça para o lado. — Pois eu tinha a ilusão de que

você tinha deixado a Inglaterra porque ia ca sar-se com Willie.

Ela corou violentamente.

— Quer saber? Não tenho nenhuma obrigação de ficar aqui sentada, falando

com você. Agradeceria se fosse embora e me deixasse em paz.

— Por quê? Porque eu desmascarei suas intenções mercenárias?

— Mercen... Não sou nenhuma mercenária! — contestou energicamente,

dando um chute para o ar.

— Não é? — Ele imitou seu gesto. — Então por que ,vai casar-se com Willard?

— Porque vou... Essa é boa! Talvez lhe interesse saber que eu amo Willard!

Eu o amo, dá para entender? — gritou.

— Estou ouvindo muito bem o que você diz — concordou com cinismo,

baixando os olhos atrevidamente por todo o corpo de Beth.

— Belas pernas! — acrescentou, provocador.

Não havia como cobrir o corpo, e usar as mãos não teria sido muito

sugestivo, portanto, ela ficou na mesma posição, odiando aquele homem por

fazer com que ela se sentisse tão vulgar. Quis até pagar-lhe com a mesma

moeda, examinando-o de alto a baixo, mas o macacão de borracha marcava-

lhe as formas tão escandalosamente que ela desviou o olhar.

Ela apressou-se em levantar da areia e em vestir a saia. Mas suspendeu o

zíper com tanta afobação que os dentes pren deram-se ao tecido do biquini.

Por mais que tentasse, não con seguia fechá-lo. Ao ouvir suas imprecações

de exasperação, ele aproximou-se para ver o que estava acontecendo.

— Deixe que eu ajudo. — Ofereceu-se, mas foi fulminado com um olhar

furioso.

— Obrigada, eu mesma faço — retorquiu, e incomodada com seu olhar

observador, acrescentou: — Empregaria melhor seu tempo tirando esse

macacão do que ficando aí, olhando para mim!

— Não creio que aprovaria se o tirasse agora. Ora, já ia esquecendo que você

é enfermeira e deve estar acostumada a ver homens nus.

— Não nessas circunstâncias — exclamou, escandalizada. — Eu... eu não

sabia que... não pensei que... oh, você é desprezível!

— Só porque estou aqui na sua frente, lembrando-lhe as coisas boas que vai

perder na vida?

Page 40: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Ela arquejou.

— Como você se supervaloriza!

— Julga assim?

Subitamente, seus dedos abriram uma trilha de fogo, desde os macios

ombros de Beth até a extremidade do decote do sutiã.

Ela pulou para trás, segurando a saia com uma mão, e com a outra,

esfregando a pele nos lugares por onde tinham passado aqueles dedos

ardentes.

— Não me toque! — gritou, e então, não conseguindo mais esconder a chama

do desejo que iluminava seus olhos, saiu correndo cambaleante, pela praia

afora...

CAPITULO V

Barbara tinha um DKW que usava para per correr a ilha, e estava encostada

ao pára-lama, quando Beth apareceu no pórtico da casa. Maria a tinha in

formado que Barbara iria para as cocheiras às nove horas da manhã. Beth

vestira calças de brim muito justas e um blusão. Depois descera para a sala,

dera um beijo em Willard, e o deixara terminando o desjejum sozinho.

Tudo levava a crer que seu entusiasmo para que Beth fosse cavalgar se

devia, em grande parte, à liberdade que teria para tratar dos negócios do

engenho durante sua ausência. E ela não tinha como impedir que Willard

entrasse em contato com seus empregados. Só estava nervosa pela

possibilidade de ele encontrar-se com Raul durante a manhã e que este lhe

relatasse

O que a noiva andara fazendo no dia anterior.

No dia anterior, depois que alcançara seu quarto, sem maiores percalços,

Beth decidira totalmente não contar nada a Willard sobre onde estivera e o

que fizera. Apesar de ter afirmado para si mesma que a razão de sua omissão

era não dar aborrecimentos ao noivo, na verdade, ela não queria era

mencionar seu encontro com Raul. Agora percebia como fora leviana. Se

Raul a denun ciasse, e por que não o faria?, Willard poderia imaginar que

havia motivos condenáveis para ela esconder aquele encontro.

Suspirou, conformada. Agora era tarde demais para chorar sobre o leite

derramado e, resignadamente, desceu os degraus da escada para ir ao

encontro de Barbara.

Como sempre, a moça estava vestida impecavelmente, em trajes de

montaria. Seu boné de equitação estava jogado no assento traseiro do DKW.

Perto dela, Beth sentiu-se granda1hona e mal-arrumada.

— Já está pronta? — ela perguntou, lançando um olhar crítico para a outra.

— Já. Vamos indo? — propôs Beth.

Page 41: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Barbara deixava muito a desejar na direção do carro. Fazia cantar os pneu

em todas as curvas, corria demais e brecava muito bruscamente, o que

deixou Beth meio enjoada do estômago.

Nunca tinha ido até a fazenda, por conseguinte, não tinha idéia dos lugares

por onde passavam nem das distâncias per corridas. Entraram a todo vapor

por picadas abertas entre os canaviais, sacolejando de tal forma que Beth

estava prestes a pedir para parar o carro, tão enjoada estava quando, à

frente delas, abriu-se uma estradinha de cascalho que levava a um conjunto

de construções em forma de meia-lua. Não viu ne nhuma cocheira, mas como

Barbara, nesse instante, puxou o breque de mão, presumiu que tinha

chegado ao seu destino.

Sem pedir licença à outra, abriu a porta do carro e saltou para fora,

encostando-se, derreada, ao capô. Mas tão logo sentiu os dois pés em terra

firme, o enjôo diminuiu.

Um homem tinha saído de uma das construções para cumpri mentá-las. Era

de porte médio, com finos bigodes pretos e cabelos crespos cortados rente.

Podia ser considerado um rapaz bem-apessoado e estava vestido

formalmente, com calças pretas, colete e uma camisa branca social, trajes

pouco comuns na ilha. Sorria polidamente para Barbara, mas quando viu

Beth, seus olhos es curos dilataram-se de admiração. Barbara não pôde

deixar de notar a mudança operada em sua fisionomia e, improvisadamente,

fez um gesto para que Beth se aproximasse.

— Este é André Pecares. Trabalha aqui no escritório. Beth encaminhou-se

para eles, com um sorriso tímido.

— Como vai? — perguntou Beth, sorrindo. Apertaram-se as mãos e Barbara

apresentou Beth desta forma:

— A srta. Rivers, enfermeira de meu pai.

— Muito prazer em conhecê-la, srta. Rivers. — O cumpri mento de André foi

caloroso. — Veio conhecer as plantações?

— Não. Ela veio para andar a cavalo comigo — interferiu Barbara, de forma

seca e breve.

Depois, olhando por sobre o ombro de Beth, perguntou:

— Raul está aí?

Beth estremeceu, mas felizmente eles estavam entretidos com o diálogo que

não perceberam sua perturbação.

— Não — estava dizendo André, para alívio de Beth. — Nem sequer o vi esta

manhã.

Barbara cerrou os punhos de encontro aos quadris.

— Você o viu ontem à noite? Telefonei-lhe, mas ele não estava em casa.

As sobrancelhas de André formaram um ângulo agudo.

Page 42: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Raul não me mantém informado de seus passos, srta. Petrie. A resposta

tinha sido dada de forma educada, mas Beth

pôde notar que naquela frase escondiam-se segundas intenções. Por alguma

razão oculta, André não simpatizava com Barbara e a recíproca era

verdadeira. Barbara fez uma cara de quem ia dizer algo, mas refreou-se e

olhou impacientemente para Beth, fazendo um feio trejeito com a boca.

Fosse o que fosse que se passava entre eles, tinha alguma coisa a ver com

Raul, calculou Beth, mas não conseguiu adi vinhar qual era a correlação.

Barbara voltou para o carro a fim de apanhar o chicote e o boné. Nesse

ínterim, André perguntou a Beth pela saúde do patrão.

— Creio que já seria hora de ele estar voltando para o escritório. — E

acrescentou, lisonjeiro: — Mas desconfio de que está sem vontade de deixar

sua linda noiva sozinha.

Beth passou a sentir-se um tanto incomodada.

— O senhor... o senhor sabe qual é meu relacionamento com o sr. Petrie?

— A ilha é como a uva, srta. Rivers. O que se injeta num bago, logo se

espalha por todo o cacho.

Beth enfiou as mãos nos bolsos do blusão. Claro que não devia ser bem

assim. Mas se fosse, logo Willard iria saber de seu indesejável

relacionamento com Raul Valerian.

— Vamos andando.

Não havia percebido que Barbara voltara e agora a moça falava num tom

autoritário, lançando olhares de desaprovação em direção a André.

Beth acompanhou-o por uma calçada que contornava os edi fícios e que

corria paralela ao esgoto. Um cheiro fétido exalava daquela água poluída.

Um barracão construído atrás do celeiro fora dividido em vários boxes que

serviam de cavalariças. Um ou dois cavalos esticavam as cabeças por sobre

as meias-portas, mas a maioria dos boxes estavam vazios. Um velho varria

um dos boxes quan do ouviu os passos de Barbara, saiu ao seu encontro,

tirando da cabeça um gorro miserável e reto.

— Bom dia, Abel. As montarias já estão prontas?

O tom de voz de Barbara era imperioso, e o velho, coçando a carapinha,

confirmou:

— Prontas e esperando pela senhorita.

Barbara encaminhou-se a passos firmes para o pátio onde dois cavalos

estavam amarrados pelo cabresto a uma figueira brava.

A montaria de Barbara era um possante cavalo normando cinza, bem mais

pomposo do que a égua baia destinada a Beth. Era mais uma clara tentativa

de fazer com que ela se sentisse marginalizada. Mas, uma vez sobre a sela, a

diferença entre os dois cavalos era mínima. A égua era bem mais jovem do

Page 43: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

que o cavalo e, consequentemente, mais vivaz, e para compen sar seu menor

tamanho, era bem mais veloz e ágil.

Fazia anos que Beth não montava e estava morta de medo de cair e fazer um

papelão perante Barbara. Mas percebeu que montar e andar de bicicleta são

coisas que a gente nunca esquece. E pouco depois já estava emparelhada

com Barbara.

Cavalgaram através dos canaviais, cozinhando-se sob um sol abrasador, e

foram parar no alto de uma colina, da qual se divisava o porto de San

Germaine.

Um pequeno platô serviu para um providencial descanso e ambas

desmontaram.

Beth estava acariciando o pescoço da égua quando percebeu que a outra

estava falando com ela.

— Entende que o que meu pai sente por você é entusiasmo passageiro? Ele

não vai casar com você, sabe bem disso. Houve outras mulheres antes, e ele

não casou com nenhuma delas.

Beth sorveu um pouco de ar fresco.

— Vamos esperar para ver no que dá, sim? — murmurou, com a firme

intenção de não se aborrecer.

Barbara pegou um cigarro e acendeu-o sem oferecer a Beth.

— Antes de mais nada, gostaria de saber como você conse guiu que ele a

pedisse em casamento — persistiu, voltando ao ataque. — Suponho que sua

enfermidade tenha tido alguma coisa a ver com isso. Sem dúvida, deve tê-lo

tornado consciente de que é um ser mortal.

Beth soltou um suspiro de desanimação.

— Por que você se autoflagela com todas essas suposições? por que não

aceita simplesmente que seu pai ficou viúvo por muitos anos e que se sente

solitário?

— Ele não está sozinho para sentir-se solitário! — Os lábios de Barbara

retorceram-se. — Ele tem a mim. — Fez uma pausa proposital. — Acontece

que eu não estava por perto quando ele teve o enfarte,

— Oh, Barbara...

Beth meneou a cabeça e virou-a para o lado oposto, sem coragem de voltar à

posição normal. Espalmou a mão sobre os olhos e ficou admirando o

panorama da ilha que se espraiava lá embaixo. Com o ânimo mais calmo,

diante daquela beleza toda, fez uma nova tentativa conciliatória.

— E quando você casar? Quem cuidará de seu pai?

— Nunca me casarei — declarou Barbara, peremptoriamente.

— Como pode dizer uma coisa dessas? Talvez um dia en contre alguém...

— Nunca! — insistiu Barbara.

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Beth enrugou a testa. Há poucos instantes atrás, lá no en genho, suspeitara

de que Barbara estava interessada em Raul Valerian. Sua ansiedade em

querer saber por onde ele andara e seu antagonismo com André Pecares

pareciam demonstrar que ali havia algo.

De certa forma, aquilo preocupava Beth pois mesmo não simpatizando com

Barbara, no final de contas, ela era filha de Willard e não desejava que a

garota saísse machucada com um tipo como Raul. Mas poderia estar

enganada e, indolente mente, deixou-se cair sentada sobre a grama.

Pensou que Barbara fosse seguir seu gesto, já que estava ainda entretida em

fumar, mas em vez disso ela jogou fora o cigarro pela metade e,

inesperadamente, tornou a pular na sela. Beth mal teve tempo de levantar-se

e viu que a outra se afastava a todo galope deixando-a entregue a si mesma.

Seu primeiro impulso foi sair correndo atrás dela. A ilha era desconhecida, e

suas calças, manchadas de limo, eram uma prova de que ela estava sujeita a

erros. Mas o orgulho falou mais alto e, deliberadamente, voltou a sentar-se,

esperando que o som dos cascos do cavalo normando se diluísse ao longe.

Olhou o relógio de relance e viu que já eram quase onze horas. Sem maiores

pressas, tomou as rédeas da égua e aco-modou-se em seu dorso. Calculou

que levara aproximadamente uma hora para chegar até ali, portanto, deveria

levar outro, tanto para voltar. Não só estava preocupada para chegar em

casa em tempo, como também pela hipótese de Barbara estar esperando por

ela nas cocheiras.

Levou mais de vinte minutos para capacitar-se de que tinha enveredado pelo

caminho errado. Seguramente estava descen do, mas não rumo às

plantações. Em vez dos canaviais, viu um vilarejo com casas cobertas de

sapé. Quando chegou mais perto, verificou que o que tomara por um matagal,

era, na realidade, um bananal.

Quando chegou ao vilarejo, desmontou e ficou em busca de alguém que lhe

indicasse o caminho certo. Um bando de crian ças brincava por perto e,

quando decidiu perguntar-lhes sobre a direção a tomar, percebeu que eram

alunos de uma escola, na hora de recreio. Aquele lugar era obviamente o

pátio de recreação, e o edifício avarandado, logo adiante, o grupo escolar.

Instigou a égua até o portão de entrada. A sua volta, as crianças a olhavam

cheias de curiosidade. Ouviu-se uma sineta e os alunos ficaram em silêncio.

Beth levou a égua para perto da varanda. Um homem e uma mulher

apareceram, vindos do edifício cen tral da escola. A mulher era quase tão

alta quanto Beth. Magra e morena, tinha os longos cabelos negros presos.

Era uma mulher atraente, sem dúvida. O homem que a seguia, vestido mais

for malmente do que a própria Beth, era Raul Valerian. A mulher trocou

poucas palavras com Raul e aproximou-se de Beth.

— Em que posso servi-la?

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Beth pôde observar que ela estava na casa dos quarenta anos; mas sua pele

era ainda muito viçosa.

— É que... Eu estava andando a cavalo e... me perdi. Poderia indicar-me o

caminho de volta para as cocheiras?

— Ah, entendo. Quando a vi fiquei pensando de onde teria surgido. — Lançou

um olhar perscrutador em direção a Raul Valerian e convidou: — Gostaria de

entrar um pouco, srta. Rivers? Talvez queira tomar algo refrescante. Está

fazendo muito calor e a senhorita deve estar com sede.

— Não se preocupe, por favor.

Beth imaginou que Raul lhe dissera quem ela era. Os olhos do homem a

vigiavam com expressão trocista e ela sentiu uma espécie de vertigem ao

pensar no tipo de relacionamento que ele deveria ter com a professora. Pela

maneira como os dois pareciam se entender, não deveria ser nada platónico.

— Bom dia — ele cumprimentou. — Perdeu o caminho

de casa?

— Pois é... — Beth concentrou sua atenção na mulher. — Se, pelo menos, a

senhora pudesse indicar-me como se vai até a estrebaria.

— Esteve cavalgando sozinha?

A pergunta de Raul tirou da professora qualquer chance de responder, e Beth

cravou as unhas na palma da mão.

— Não — respondeu cautelosamente, sabendo que não podia fingir ignorá-lo

na presença da outra, mas insistiu em dirigir-se a ela: — Devo seguir por

aquela trilha lá adiante?

— Não vai oferecer uma bebida gelada a srta. Rivers, Isabelle? — perguntou

Raul irritado, e a mulher respondeu no mesmo tom:

— Já ofereci, Raul, mas ela não quis nada.

Raul passou o braço pelo ombro da professora, num gesto

de intimidade.

— Bem, acho que Willard não gostaria que a mandássemos de volta sem ao

menos dar-lhe um refresco, não acha? Venha, srta. Rivers, Isabelle tem uma

limonada no refrigerador.

Beth olhou para a mulher e ela contentou-se em levantar os ombros. Quase

chegou a sentir pena dela. Devia ser mor tificante ser obrigada a servir outra

mulher.

— Sinto muito, senhorita... senhora...

— Signy — completou Raul, quase empurrando a outra. —

Sra. Isabelle Signy.

Beth quis sair dali, mas pensou que seria uma ofensa para Isabelle Signy se

recusasse sua hospitalidade. Resolveu subir os degraus que levavam até a

mulher e aproveitou para per guntar quantos alunos tinha a escola.

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Pelo visto, só havia duas classes. Os menores aprendiam com algum ex-

aluno, cuja única credencial era tempo livre. As crianças maiores tomavam

aula com a sra. Signy, os mais toteligentes e capazes eram enviados para

outros centros mais importantes do arquipélago.

Contra sua vontade, Beth deu-se conta de que estava gos tando de Isabelle.

Quando já estavam instalados na sala dos professores, a mulher começou a

falar com mais espontanei dade, e Raul não teve muitas oportunidades de

manifestar seu espírito mordaz.

As duas ocuparam as únicas poltronas da sala e pelo calor que emanava do

assento onde Beth acomodou-se, percebeu que as poltronas tinham sido

usadas até há pouco. O que deveriam estar fazendo ali, ela e Raul?, pensou

com curiosidade. Sentados e conversando? Raul foi buscar uma cadeira e

ficou ouvindo as duas falando, com fingida distração.

— Já conhecia as ilhas do Caribe, srta. Rivers?

— Eu... bem, não. Para a maioria das pessoas é uma viagem muito longa e

muito dispendiosa — disse, quando pôde falar.

— O negócio é arrumar algum trouxa para pagar a passagem. Raul deu

aquele aparte malcriado e Beth começou a procurar

um revide à altura. Surpreendentemente, foi Isabelle quem tomou suas dores

e admoestou Raul com entonação de profes sora que chama a atenção dos

alunos.

— Você não se corrige, Raul!

Esperando uma resposta agressiva, Beth ficou assombrada quando ele disse,

sem qualquer traço de rancor:

— Não sou mais seu aluno, Isabelle.

— É uma lástima. Raul olhou para Beth.

— Sem dúvida, concorda com ela.

Beth refugiou-se mais uma vez no copo de limonada pen sando como Isabelle

atrevera-se a dar a entender que ele já tinha estudado com ela.

— Será que vai gostar de viver aqui? — persistiu a profes sora, forçando Beth

a manifestar-se.

— É uma ilha encantadora — disse, apesar de aquele co mentário não

constituir uma resposta.

— Talvez seja melhor perguntar-lhe o que ela acha dos ha bitantes —

intrometeu-se Raul, e Isabelle lançou-lhe outro olhar de censura.

— Não lhe faça caso, srta. Rivers — pediu, levantando-se para pegar mais

gelo. — Por onde esteve passeando?

Antes que Beth pudesse responder, Raul esticou uma perna, impedindo que

Isabelle chegasse até o refrigerador. Ele mesmo levantou-se e foi apanhar o

gelo. Na volta, olhou pela porta aberta da varanda,

Page 47: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— A propósito, onde está sua acompanhante? Disse-nos que não estava

sozinha.

— Nós... Nós nos separamos — admitiu a contragosto, e sentiu aqueles olhos

verdes analisando-a.

— Estava com Barbara, não é? — perguntou, muito sério. — Essa Barbara! —

E dirigiu-se para Isabelle. — O que é que ela ganha com isso? A ilha é muito

pequena para que alguém

se perca.

— Raul! Não tire conclusões precipitadas! Você não sabe o que aconteceu —

repreendeu Isabelle.

Beth pigarreou e levantou-se da poltrona.

— Agora preciso realmente ir — afirmou, olhando para Isa belle com

determinação. — Muito obrigada pela limonada. Es tava deliciosa. E se puder

me dizer que caminho...

— Eu a levo de volta — disse Raul, dando um último gole na cerveja que

estivera bebendo.

Era a última coisa que Beth teria desejado.

— Sou perfeitamente capaz...

— Tenho plena certeza — concordou e, aproximando-se da outra mulher, deu-

lhe um beijo na face. — Vejo você amanhã. Certo?

Isabelle fez que sim e ergueu-se, mas Beth não saiu do lugar.

— Veio até aqui a cavalo, sr. Valerian? — perguntou tibia-mente, e ele olhou-a

resignado.

— Não. Vim no jipe, como sempre. Mas não se preocupe, mandarei alguém vir

buscar sua montaria.

— Preferiria voltar a cavalo — disse obstinadamente, ciente de que Isabelle

os estava observando, mas ele não se deixou vencer.

— Está muito calor lá fora e a senhorita nem sequer trouxe um chapéu.

Vamos. Sei o que estou dizendo.

Beth quis replicar, afirmando que ela também sabia o que estava dizendo,

mas a presença de Isabelle a tolheu. Se não se acautelasse, dentro em

pouco a outra mulher iria pensar que ela tinha razões inconfessáveis para

não querer acompanhá-lo.

Seguiu-o com uma sensação de derrota. Acenaram um adeus a Isabelle, que

ficou na varanda, e se dirigiram para o jipe que estava abrigado à sombra de

um carvalho, por trás da escola. Só quando chegaram perto do carro é que

Beth deu vazão ao que estava sentindo.

— Por favor, diga-me como faço para voltar à cocheira e pare de tratar-me

como uma criança!

Raul deu a volta pelo veículo, abriu a porta e sentou-se ao volante.

— Entre — ordenou, e Beth teve que obedecer.

Page 48: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Você faz isso sempre... — resmungou ela, a meia-voz. O motor do carro que

já estava ligado morreu subitamente e Raul pôde ouvir a reclamação.

— Faço o quê? — perguntou, e deu uma nova volta na chave de ignição.

— Tratar-me como... como...

— Como uma mulher? Beth mordeu os lábios.

— Ora, você sabe perfeitamente o que faria Willard se sou besse das coisas

que você andou me dizendo.

— Mas você não contou nada a ele, não foi? — inquiriu, com a segurança de

quem já sabe a resposta, e enquanto ele engatava a primeira, repetiu: —

Contou?

— Você bem que gostaria que tivesse contado. Gostaria que brigássemos. É

isso que você gostaria...

— Verdade? — falou cinicamente, e Beth segurou a língua para não

continuar. — Assim como Barbara? — Ele provocou, quando entraram por

uma estrada de terra esburacada.

Beth apressou-se em travar a porta, antes que fosse cuspida para fora.

— Não estou entendendo — replicou, obstinando-se a não levar o assunto

adiante.

— Pois bem, continue a esconder a cabeça na areia, como as avestruzes.

Ela continuou quieta.

Em poucos minutos estavam de volta às cocheiras. Beth olhou em torno, à

procura de Barbara, e Raul foi direto para os escritórios. Os boxes estavam

vazios e ela não viu nem sombra do cavalo normando.

Voltou para o lado dos escritórios no momento em que Raul estava tornando

a sair, à sua procura.

— Então? — perguntou, olhando por sobre a cabeça de Beth.

— Barbara não está.

— E você esperava que ela estivesse?

— Talvez tenha saído ao meu encalço.

Raul olhou-a descrente e apontou para o carro.

— Venha, eu a levo para casa. André avisará Barbara, caso ela apareça.

Beth não tinha outra alternativa senão ir com ele. Sentou-se obedientemente

a seu lado, e Raul deu novamente a partida.

Raul acelerou e eles venceram os poucos metros que faltavam para chegar

nos fundos da casa, com incrível velocidade.

— Venha. Vou dar-lhe um café e uns biscoitos para assentar o estômago. Não

posso levá-la de volta a Willie no estado em que está.

Beth sustou o passo e ele ficou irritado.

— Ora, deixe disso. Tomas este em casa, se é que você precisa de um

guarda-costas.

— Já passa do meio-dia. — Ela tentou persuadi-lo.

Page 49: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— E daí? Willie nunca almoça antes das treze, não é? Além disso, ele pensa

que você está com Barbara.

— Barbara já pode ter chegado. Não vi o carro dela no engenho.

— André o guardou num dos barracões para que ficasse na sombra. Relaxe!

Ele me garantiu que o carro ainda estava lá.

— E onde estará ela?

— Na casa dos Marin, presumo. Ela é amiga da professora da caçula.

— Diane Fawcett — pronunciou Beth pausadamente, en quanto Raul premia o

polegar sobre as veias de seu pulso, que por certo, estavam batendo

aceleradamente.

— Chegou a conhecê-la?

— Sim — e, num repuxão, libertou o pulso. — Sr. Valerian!

— Raul — ele emendou. — Venha logo. Não me faça forçá-la a aceitar minha

hospitalidade.

O criado negro não estava por ali quando eles entraram na sala de estar do

pavimento inferior e mesmo quando Raul o chamou, em altos brados, não

apareceu.

— Vai ver que foi até o centro — esclareceu Raul. — Não me diga que por

causa disso vai recusar-se a ficar.

Beth estava olhando para os títulos dos livros enfileirados na estante e,

virando-se para ele, disse calmamente:

— Se quiser, posso preparar o café — ofereceu-se, sem mesmo j saber por

que, e um sorriso cansado apareceu nos lábios de Raul.

— Pois aí festa uma coisa que eu também sei fazer. — E em seguida,

atravessou a sala e dirigiu-se para a porta da cozinha. — Fique à vontade.

Voltarei em cinco minutos.

A sala era simples, mas mobiliada com bom gosto. Beth ficou examinando a

estante e achou a predominância de livros técnicos um tanto maçante.

Depois de quinze minutos, tomou a iniciativa de ir buscar seu anfitrião.

A cozinha estava vazia, mas havia evidências de que alguém andara

mexendo por ali. Viu uma bandeja preparada com duas xícaras e um vidro de

café solúvel, uma chaleira com água quente. Mas onde estaria Raul?

Uma porta entreaberta convidava à intrusão, e fazendo ouvido mouco à

vozinha interna que a alertava para voltar à sala e esperar sossegada, olhou

pela fresta da porta. Era o quarto de dormir de Raul, um dormitório realmente

espartano. Ouviu o som de água corrente e presumiu que aquele ruído vinha

da torneira do banheiro. Mas onde estava o banheiro? Seguindo a direção do

som, foi dar nos fundos da casa e estacou à porta do que seria uma sala de

banho primitiva. Havia um lavatório, um chuveiro improvisado e uma bacia

para água, em frente à qual Raul estava parado, de costas para ela. Um

espelhinho pendia por sobre a bacia e ele a viu ali refletida. A fisionomia dele

Page 50: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

alterou-se e ambos ficaram indecisos de como agir. Foi então que ela

percebeu aquelas horríveis bolhas na mão e no pulso de Raul.

— O que você fez? — ela exclamou, adiantando-se.

— Não foi nada, queimei-me com água fervendo — declarou com indiferença,

mas ela notou que ele devia estar sentindo muita dor.

Sem pensar, segurou-lhe a mão para examinar as queima duras. A pele

estava começando a dilacerar-se. Ele estivera tentando aliviar a dor com

água fria.

— A chaleira — ela murmurou, e ele deu um suspiro de assentimento.

— Demasiada impetuosidade — quis brincar, mas ela não achou graça.

— Há pouco que eu possa fazer — disse Beth pensativa-

mente, tentando não sentir o cheiro viril que emanava de seu corpo. — No

hospital, o dr. Marin...

— Ei! Eu não vou para hospital algum!

Apesar de ter dado uma risadinha, seus olhos estavam es tranhamente

circunspectos. Beth largou-lhe a mão e afastou-se em direção à porta.

— Eu farei o café — disse, debatendo-se contra as emoções que tentavam

dominá-la, e saiu rapidamente para os lados da cozinha.

Estava levantando a bandeja, quando Raul apareceu na por ta, com as

queimaduras cobertas de pomada. Afastou-se para o lado para que ela

pudesse passar com a bandeja e seguiu-a, carregando um pacote de

bolachas.

— Acho que é tudo o que tenho para oferecer-lhe.

Ela serviu-se de uma bolacha, antes de acomodar-se numa das poltronas.

Raul sentou-se no sofá e tomou o café, segurando a xícara com a mão ferida.

Ela impacientou-se com aquele descuido. Se ele não tratasse da queimadura,

à parte a dor que iria sentir, estaria sujeito a uma infecção, ainda mais num

clima daqueles. Mas não podia forçá-lo a ir ao hospital e, pensando bem,.por

que deveria preocupar-se tanto?

— Pare de me olhar com esse ar de censura! — ele disse finalmente, e ela

sacudiu os ombros, com indiferença.

— Não estou olhando coisa alguma!

— Está sim. Você está pensando que sou um relaxado em não querer ir ao

médico, não é mesmo?

— Não tenho nada a ver com isso — retrucou friamente, mas ele não se

abalou.

— O que o Marin poderia fazer? Dar-me um comprimido contra a dor?

— E antibióticos — ela sugeriu e apertou os lábios quando ele deu um sorriso

de mofa. — Bem... é que afinal sou uma enfermeira — justificou-se.

— Sei disso.

Page 51: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Levantou-se e deu a volta por trás da poltrona onde Beth estava sentada. Ela

usou toda sua força de vontade para não olhar para trás e levou um susto

quando sentiu os dedos dele debaixo de seu queixo, desamarrando o lenço

de seda que lhe protegia os cabelos. Impertigou-se imediatamente e

depositou a xícara na bandeja a seu lado, enquanto protestava:

— Não faça isso!

— Qual é o problema?

Agora seus cabelos estavam soltos pelas costas e ele passou os dedos pelos

fios sedosos para desembaraçá-los.

— Você tem cabelos lindos. Não deveria escondê-los. Beth levantou-se, mas

ele postou-se à sua frente, e seus

seios roçaram o peito de Raul.

Ele fez um movimento sensual com a boca, olhando-a bem dentro dos olhos,

e o coração de Beth disparou à toda, quando sentiu as mãos de Raul

apalparem seus quadris, puxando-a deliberadamente para junto dele.

— Raul! — gritou, chocada. Mas o contato com aquele corpo rijo tirou-lhe as

energias e seu protesto não teve a veemência desejada.

Como era diferente de Willard! Não tentava disfarçar nem um pouco sua

excitação. Baixou o rosto e mergulhou-o entre os cabelos de Beth, com os

lábios entreabertos, e ela sentiu seu hálito quente beijando-lhe as orelhas e

o pescoço. Apelou para um restinho de equilíbrio mental e observou

descabidamente:

— E sua mão? A pomada vai manchar minha roupa.

— Tomarei cuidado — disse roucamente. Ela jogou a cabeça para trás e

suplicou:

— Deixe-me ir, Raul.

Como única resposta, sentiu o zíper de seu blusão sendo

puxado para baixo.

— Não seja tola — sussurrou-lhe ao ouvido, mordiscando-lhe os lóbulos

rosados, enquanto ela debatia-se inutilmente. — Você quer ir embora tanto

quanto eu...

— Quero, sim... — ela insistiu, sem muita convicção, e numa tentativa de pôr

água na fervura, balbuciou: — Pensei que você... que você preferisse

mulheres morenas e... e mais magras.

— Eu disse tal coisa? — ele murmurou, entreabrindo-lhe a boca com os dedos

e dando-lhe um beijo profundo e sensual que a deixou fraca e de pernas

bambas.

Mas, assim mesmo, tentou reagir.

— Eu... eu vou contar a Willard — ameaçou.

Page 52: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Era o último recurso, mas ele nem se abalou. Ao contrário, olhou para as

alças do sutiã que agora estavam expostas, e bai xando a cabeça beijou-lhe

os ombros, sussurrando docemente:

— Isso sai pela frente, ou tenho que desabotoar por trás? Beth fitou-o,

desesperada, mas não havia compaixão nos olhos de Raul, só desejo, e ela

começou a tremer.

— Não pode fazer isso comigo — arquejou, quando os dedos dele alcançaram

o fecho do sutiã.

— O que me impede? — ele perguntou, já ofegante, espia-nando as mãos

sobre seus seios rosados.

Beth abriu a boca para protestar novamente, mas não saiu nenhum som. Os

lábios de Raul comprimiram os seus, silencian do-lhe os protestos e a

consciência. Com a língua, ele explorou todos os recantos mais recônditos e

sensíveis de sua boca entrea berta, e os sentidos de Beth explodiram

perigosamente. Fez-se uma escuridão em seu cérebro. Ela não viu mais nada,

só sentia aquele corpo colado ao seu, e ela arqueou-se instintivamente para

ajustar-se àquelas formas viris. A razão estava apagada e em seu lugar

surgiu um traiçoeiro ímpeto de sentir mais e mais aquele corpo, livre do

obstáculo das roupas.

Quase que por instinto, seus dedos encontraram os botões da camisa, e ela

estremeceu de gozo quando sentiu aquele peito peludo roçar seus seios.

Suas mãos pararam indecisas quando chegaram à fivela do cinto, e ela

apenas enlaçou timi damente sua cintura.

— Oh, Beth! — Ele gemeu, capturando seus dedos e pres sionando-os de

encontro à sua cintura, por um breve momento.

E então, num esforço sobre-humano, ele a empurrou e dis tanciou-se

impetuosamente.

A correnteza fria que vinha da porta arrefeceu o corpo ardente de Beth. E a

friagem fez com que ela conseguisse pensar nova mente. O horror substituiu

a doce letargia que a apoderara. Mal conseguindo entender o que tinha

acontecido, ergueu as alças do sutiã com os dedos trêmulos e soluçou

desesperadamente quando suas mãos inseguras recusaram-se a obedecê-la.

Ao ouvir aquele soluço de angústia, Raul, que estava de frente para a janela,

olhando perdidamente para o mar, vol tou-se subitamente. Aproximou-se e

obrigou-a a olhar para ele através das lágrimas que agora escorriam sem

pudor.

— Deixe-me ajudá-la.

Apesar dos protestos, ele conseguiu abotoar o sutiã com mãos | experientes.

Depois, recolocou-lhe o blusão e suspendeu o zíper suavemente.

— Pronto! Tudo nos seus devidos lugares!

Page 53: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Você tem muita prática — disse amargamente, e ele sacudiu os ombros,

enfiando displicentemente as mãos nos bol sos das calças.

— Mas você não tem — foi o veredicto lacônico.

O rosto de Beth pegou fogo.

— Você consegue fazer com que isso soe como uma ofensa — ela disse

friamente, e os olhos de Raul pousaram sobre os lábios dela de uma forma

quase tangível.

— E é. — Ele confirmou, e acrescentou aborrecido: — Eu a queria...

Poderíamos ter passado uns bons momentos. — Er- gueu os ombros,

conformado. — Mas eu não iria fazer uma

ursada dessas ao Willie.

— Não? Como não? — Beth estava aturdida. — Você fez

tudo o que quis.

— Fiz o quê? — Admirou-se, e um débil sorriso assomou-lhe aos lábios. —

Você não tem idéia do que eu pretendia fazer.

— Não sou tão ignorante em matéria de sexo. Você não

está falando com uma colegial.

— E eu não estou falando sobre sexo — ele contestou cal mamente. — Estou

falando sobre fazer amor. Há uma grande diferença entre as duas coisas e

isso você vai descobrir quando casar com seu noivo milionário.

— Tenho certeza de que sim. Willard me ama. Ele me tem respeito. E dessas

coisas você não entende nada.

— Respeito! — Deu uma gargalhada insultuosa, — Isso é tudo o que Willard

tem por você? Posso imaginar quanto prazer você vai sentir com o respeito

dele!

Beth susteve a respiração.

— O que você está dizendo é uma infâmia!

— Ainda não consegui atinar qual é a sua. Ou você é uma atriz muito

talentosa, ou é uma pobre inocente. Seja qual for o seu caso, me dá muita

pena.

— Não preciso de sua piedade...

— Talvez você venha a precisar. É bom adverti-la para não deixar que

Barbara perceba quão ingênua você é.

— Pelo menos Barbara é honesta. Não esconde seus verdadeiros

sentimentos.

— Preferiria que eu fosse honesto? Que chegasse até Willard e lhe dissesse

que sua noiva esteve se esfregando em mim, como uma gata no cio?

Beth estava olhando para ele estupefata, quando ouviram um assobio vindo

da porta dos fundos.

— Tomas — ele disse, indiferente. — Que sorte você teve de já estar vestida.

Page 54: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Beth gostaria de encontrar uma resposta à altura, mas o negro que tinha

visto uma vez na varanda apareceu na soleira da porta.

— Oh, vão me desculpar... Não sabia que...

Estacou quando viu que Raul estava com visitas, mas ele aproximou-se do

criado, tranquilizando-o.

— Tudo bem, Tomas. A srta. Rivers está de saída. Vou acompanhá-la até sua

casa.

— Sim, senhor. — Tomas inclinou-se polidamente na direção de Beth, e ela

forçou um sorriso.

Foi então que ele viu a mão de Raul e suas pupilas negras dilataram-se.

— O que foi isso, patrão?

Raul lançou um olhar de zombaria para os lados de Beth.

— Andei pondo minha mão no fogo. — Só ela conseguiu entender a metáfora.

Raul fez uma pausa, e convidou: — Já está pronta, srta. Rivers?

CAPITULO VI

Beth vestiu-se para o almoço, tremendamente apreensiva. Não conseguia

acalmar-se, apesar de ninguém ter presenciado seu retorno em companhia

de Raul. Nem sequer Willard a vira quando chegou, mas sabia que mais cedo

ou mais tarde, ele deveria tomar conhecimento, nem que fosse para justificar

por que ela já estava em casa, antes de Barbara. Não sabia ao certo se a

moça estava ou não. Podia até ser que estivesse arrependida de ter largado

a noiva de seu pai a milhas de distância, e que, a esta hora, estivesse

procurando-a ansiosamente. Mas Beth reconheceu que essas suposições

eram muito improváveis.

O que lhe causava maiores problemas, no entanto, era sua própria situação.

A visita ao bangalô de Raul, a pouca distância dali, tinha sido acobertada por

um silêncio funesto, e sua mente debatia-se entre a revolta que sentia pela

audácia calculada de Raul e o reconhecimento de sua própria e perigosa

sensualidade.

Desde o primeiro momento em que ele a tomara nos braços, em que

externara a virilidade agressiva de seu corpo, ela sen tira uma pronta

resposta de seus sentidos, e apesar de não querer reconhecer esta

realidade, sentira um desejo irrefreável de entregar-se à sua masculinidade.

Estranhos e terríveis pensamentos invadiram sua imagina ção. Pensou no

corpo magro e flácido de Willard, pensou nos lábios úmidos e nas mãos

quentes e suadas de Mike Compton. Raul era esbelto, mas de carnes rijas e

musculosas, e seus lábios eram quentes, enquanto que suas mãos pareciam

frias quando tocavam sua pele escaldante. Certamente era um ho mem

experiente, e ela não fora a única mulher com a qual desejara fazer amor.

Page 55: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Mas talvez tivesse sido a única que ele poupara por vontade própria. Graças

a Deus a poupara, pensou com fervor. Como poderia enfrentar Willard se não

fosse assim?

Ele nunca teria sabido, sussurrou-lhe intimamente uma vo-zinba maliciosa.

"Mas eu sim", respondeu a si mesma, silenciosamente.

"O que havia de errado comigo?", perguntou-se. O que estava acontecendo

que se permitia até pensar numa coisa dessas?

Já ouvira falar no contágio das febres tropicais que grassam nas ilhas do

Caribe. Seria a esse tipo de febre que as pessoas se referiam? A esse

enfraquecimento do senso moral? Um des pertar da sensualidade latente, tal

como tinha acontecido com ela? Para sua tranquilidade, o espelho refletia o

mesmo rosto de sempre, mas por baixo da máscara, alguma coisa havia

mudado... Dando um último retoque nos cabelos platinados que, desta vez,

havia propositadamente amarrado num coque severo, saiu do quarto.

Andou rapidamente os poucos metros que a separavam do quarto de Willard

e, após um segundo de hesitação, abriu a porta e entrou.

Ele estava sentado à escrivaninha, junto a janela aberta, e parecia estar

escrevendo quando ela entrou. Levantou-se e veio ao seu encontro, mas,

pela primeira vez, sua fisionomia não brilhou de satisfação ao vê-la.

Sem conseguir sustentar seu olhar, Beth falou rapidamente:

— Só espero que não esteja trabalhando. Então? Aprovei tando-se da minha

ausência, hein?

O tom brincalhão com que disse aquilo restituiu-lhe uma certa confiança,

mas quando olhou para Willard, notou que ele não tinha achado graça.

— Por onde andou?

O tom sério e circunspecto como fez a pergunta deu-lhe a certeza de que ele

estava zangado.

— Onde andei? Eu... ora, você sabe por onde andei! — ela protestou.

— Sei que saiu em companhia de Barbara, mas não voltou com ela.

Beth olhou a janela aberta. Claro! Willard a vira chegar de carro com Raul.

— Eu... não... — Para seu desespero, sentiu que estava corando fortemente.

— Fomos andar a cavalo e eu me perdi.

— Perdeu-se com Raul Valerian?

— Não. — Beth não podia entender por que ele estava tão furioso. — Eu...

nós, isto é, Barbara e eu, galopamos pelas colinas. Nós... nós paramos para

descansar. Quando tornamos a montar, eu... Barbara deve ter pensado que

eu a estava seguindo, mas na verdade, me perdi.

— E isso aconteceu quando você, convenientemente, encon trou-se com meu

gerente? — ele esbravejou, e ela começou a soluçar convulsiva mente.

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— Convenientemente, não! — Ela negou, percebendo que a raiva de Willard

era de puro ciúme. — Acabei encontrando um vilarejo. Na verdade, era uma

escola. O sr. Valerian estava lá, visitando a professora.

— Na escola! — Os lábios de Willard afinaram-se e as na rinas palpitaram.

Beth notou que aquelas emoções estavam prejudicando as condições físicas

do noivo, que continuou o interrogatório. — Você entrou na escola?

— Sim, entrei. Mas, Willard, não fique nervoso desse jeito. O que é que há?

Espero que não esteja pensando que marquei algum encontro com Raul

Valerian.

— Oh, Beth! — Ele gemeu, com voz abafada. — Perdoe-me, oh, perdoe-me!

Sou um velho idiota e egoísta que não merece nem sua afeição, nem seu

amor. Mas quando a vi, saltando do carro de Raul... — Ele fungou e ergueu os

olhos suplicantes.

— Desculpe, minha querida.

— Está tudo bem. — Beth nunca se sentira tão igual a Judas em toda a sua

vida. — Por favor, Willard, não se angustie dessa forma. Foi culpa minha.

Deveria ter vindo aqui logo que cheguei para contar-lhe o que aconteceu.

Wiilard não a contradisse. Tomou-lhe as mãos, pigarreou e fez mais uma

pergunta:

— Quer dizer que estava na escola? Por acaso, encontrou a... a diretora?

— A sra. Signy? Sim, encontrei. — Beth mordeu o lábio inferior.

— Ela... ela, e o sr. Valerian parece que se dão muito bem.

— Sim, realmente. — A voz de Willard tornou-se repenti namente brusca. — O

que foi que Raul lhe contou sobre ela?

— O que me contou? — Beth estava confusa. — Eu... o que quer dizer com

isso?

Wiilard ficou impaciente.

— Não tem importância. — E voltou ao assunto principal. — Então ele a

trouxe para casa de jipe?

— Sim. Ele disse que iria providenciar para que a égua fosse devolvida às

cocheiras.

— E Barbara? O que aconteceu com ela? Esta parte era mais difícil de

responder.

— Eu... eu não sei onde ela está.

— Você quer dizer que também ela se perdeu?

Wiilard estava readquirindo o autocontrole rapidamente e havia uma ponta

de ironia em sua pergunta.

— Acho que não. Ela conhece a ilha bem melhor do que eu.

— É... conhece — disse Willard. — Bem demais para per der-se. A não ser que

o desejasse.

Page 57: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Wiilard! Barbara está com quase trinta anos! Não pode esperar que ela

faça tudo o que você quer. Deixe-a em paz. Aos poucos, ela vai ceder,

querendo ou não, quando nos casarmos.

A fisionomia de Willard suavizou-se.

— Sim — disse mansamente. — Quando nos casarmos. Foi bom falarmos

nisso. Quando marcaremos a data?

Beth procurou não dar importância ao súbito pânico que se apoderou dela.

Santo Deus, agora era tarde demais para desejar ser mais experiente e

vivida, e por incrível que parecesse, era justamente isso que desejara depois

de seu encontro com Raul. Ele estava mais certo do que presumia, quando

caçoou de sua inocência. Até então, sua vida tinha sido acolchoada contra o

embate das emoções. As carícias atrevidas de Raul a tinham despertado

para a realidade e para a crueza das relações ín timas que, depois de

casada, ia ter com Wiilard. Intimidades que até agora adornara com a

auréola do respeito. Mas que respeito teria Wiilard quando estivesse com ela

numa cama?

— Beth...

Ela notou que estava sendo observada e forçou um débil sorriso.

— Desculpe... estava pensando no nosso casamento.

— E então?

— Eu... eu pensei que deveríamos esperar. Só um pouco mais... Eu estou aqui

na ilha há muito pouco tempo. Mal co nheço as pessoas.

— Bem, isso pode ser remediado logo.

Felizmente, Willard não havia feito associações de idéias perigosas com sua

hesitação. Aproximou-se da escrivaninha.

— Estive fazendo uma lista de convidados para o jantar que pretendo

oferecer a fim de apresentá-la à sociedade local. Sugiro que a recepção

venha a ter lugar dentro de quinze dias. Que acha disso?

— Quinze dias... — Beth meditou por um instante. — Se até lá você se sentir

bem, estou de acordo.

Sentiu-se envergonhada em reconhecer que usava sempre a enfermidade de

Willard como um freio para as suas atividades.

— Um jantar não vai ser algo assim tão desgastante para mim. E você poderá

cuidar dos detalhes. Assim terá uma chance de praticar um pouco para

futura dona de casa.

— Mas... e Barbara?

— Perante mim, Barbara perdeu todos os direitos — decla rou friamente. —

Desde que cheguei não me teve a mínima consideração.

Havia um fundo de verdade no que ele estava dizendo, mas Beth ficou

apreensiva, porque fazer de Barbara uma inimiga não ia melhorar a situação

em nada.

Page 58: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Barbara voltou lá pelo fim da tarde. Beth estava lendo no quarto quando

escutou o ruído do motor do DKW. Sentiu-se logo tensa e, ao ouvir a porta do

quarto de Willard abrir-se, fechou o livro e vestiu-se.

Encontrou o corredor já vazio e imaginou que Willard tivesse descido para

chamar a atenção da filha. Talvez fosse melhor não interferir, mas sua

consciência profissional foi mais forte. Não podia permitir que ele se

exaltasse a ponto de ter outro enfarte, só porque ela era covarde demais

para enfrentar a situação.

Mesmo antes de atingir o patamar da escadaria pôde ouvir suas vozes.

Quando chegou perto da porta, conseguiu ouvir o que Barbara estava

dizendo.

— Honestamente, você não vai querer acreditar que eu a levei a passear e

depois a abandonei por lá? Ora, papai, não sou nenhuma irresponsável! Se foi

isso o que ela disse, bem, só espero que saiba o que está fazendo. Confesso

que não estava morrendo de vontade de levá-la comigo. Mas depois do que

você andou me ameaçando... — Ouviu-se um soluço convin cente. — Sobre...

sobre a questão de não morar mais aqui. — Fez-se outra pausa. — Você bem

sabe que isso me despedaçaria o coração. Você não seria capaz, não é

mesmo?

Beth esperou pela resposta de Willard com a respiração em suspenso, e as

batidas de seu coração ficaram um pouco mais lentas quando ele retrucou:

— Nunca disse que Beth a acusou de tê-la abandonado. Foi uma idéia de

minha cabeça. E saiba que lágrimas não me comovem, Barbara.

Um profundo silêncio pairou no ar por alguns instantes. Beth apoiou-se ao

batente da porta, com as pernas trémulas, quando ouviu as palavras

seguintes de Barbara.

— Você está sabendo que Raul a trouxe para casa? Só Deus é testemunha do

quanto ela o andou perseguindo e, nesse caso, talvez ele saiba de coisas que

nós não sabemos.

— O que está insinuando, Barbara? — A voz era gélida.

— Insinuando? — Barbara fungou. — Não estou insinuando coisa alguma.

Encontrando Raul, sem mais nem menos! Você mesmo deve ter suspeitado

que ela fingiu ter se perdido!

— O que está dizendo?

Beth levou a mão à boca. Barbara conhecia o pai tão bem ou melhor do que

ele mesmo. Intuitivamente, tinha abordado um aspecto da questão que sabia

que ele encararia menos objetivamente.

— Bem... — Percebia-se em sua voz que se sentia vitoriosa

— Raul é um homem atraente, não é?

— Beth mal o conhece — cortou o pai secamente. — Só o viu duas vezes.

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— Isso é o que você pensa — soltou Barbara maliciosamente, e Beth

imaginou como aquelas palavras estariam abalando Wiliard. — Onde foi que o

encontrou hoje? Ela lhe contou?

— Sim, contou-me. — A voz de Willard parecia estrangulada.

— Ele estava na escola, com Isabelle Signy.

— Isabelle?

— Sim, Isabelle! — Ele confirmou, e Beth podia até ver a expressão de

felicidade no rosto do noivo! — Beth encontrou-o na escola e Raul ofereceu-

se para trazê-la de volta, Isso satisfaz sua mente mesquinha?

— Então era lá que ele estava...

Barbara parecia estar falando sozinha, mas o tom sibilante das palavras

penetrou nos ouvidos de Beth. Sem poder mais continuar a sentir-se como

uma espiã Beth abriu a porta sem bater, e encarou pai e filha.

—Beth! Estávamos justamente falando de você — disse Willard.

— Eu sei. — Beth não fez caso do olhar maligno que Barbara lhe lançou. — Eu

ouvi tudo.

— O que você ouviu?

— O suficiente — disse calmamente, — E aproveito para assegurar-lhe que

nunca marquei encontros com quem quer que seja, conforme Barbara está

pensando.

O rosto de Willard resplandeceu de satisfação e passando-lhe o braço por

sobre o ombro, fitou a filha severamente. Beth fez o mesmo, travando uma

batalha íntima com sua consciência para agir daquela forma. Afinal de

contas, tinha afirmado uma verdade e, quando se tem pela frente um

adversário do calibre de Barbara, usa-se qualquer arma ao alcance da mão.

Chegaria o momento de enfrentar aquela intriga amorosa em que se tinha

metido, mas não seria agora. Por enquanto, estava lutando peio futuro que

Willard tanto almejara, o futuro que ela também queria, tentou convencer-se.

Como esperava que Barbara revidasse de alguma forma, seu silêncio tornou-

se perturbador. Quem falou primeiro foi Willard.

— Bem... — disse desafiadora mente. — Que tal abandonar mos esse assunto,

assim como você abandonou Beth no alto do Monte Fall?

— Acho que ela esperava que eu a seguisse. — Beth começou a desculpá-la

com cautela, mas a outra caiu sobre ela como um raio:

— Não procure defender-me, srta. Rivers! — E foi saindo da biblioteca,

pisando duro. Seus olhos lançavam chispas. — Se um dia eu decidir

abandoná-la, pode crer que não será num lugar tão acessível quanto o Monte

Fall! — E bateu a porta com estrondo.

Willard fez um movimento automático para ir atrás dela, mas Beth segurou-o

pelo braço.

Page 60: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Deixe-a ir — pediu. — Por favor, Willard. Nós... bem... isso vai passar. Não

quero que se aborreça mais.

Olhou-a indeciso por um momento, depois fechou os olhos com força como

se aquele esforço fosse demais para ele. — Está certo. Vou deixar, mas se

acontecer outra vez...

— Não vai.

Beth fez essa observação com uma confiança que não sentia, mas, de

alguma forma, precisava dar um tempo para respirar um pouco, para ambos

respirarem.

Passaram-se dois dias antes de tornar a ver Barbara. Nesses dois dias

Willard tinha tomado a iniciativa de falar com Clarrie e agora Beth era

consultada sobre cardápios e também fazia valer sua opinião sobre a

arrumação da casa. Este último ar ranjo veio a calhar pois agora era com

satisfação que acom panhava a velha cozinheira num giro pelos cômodos da

casa que estavam em uso, tendo oportunidade também de entrar naqueles

quartos empoeirados que não eram ocupados há anos,

A quantidade de pó, de sujeira e a podridão desses cômodos era de

assombrar. Formigas e carunchos assolavam os móveis, e os colchões eram

verdadeiros ninhos de baratas e outros insetos repugnantes.

— Nunca ninguém faz arejar esses quartos? — perguntou Beth, abaixando-se

para evitar uma teia de aranha.

Clarrie só sacudiu a cabeça.

— Falta de tempo e de empregados — explicou, sem cons trangimento. —

Barbara disse para cuidar dos quartos ocupa dos e deixar os outros

fechados.

— Mas ela não tem medo de que esses insetos invadam o restante dos

cômodos?

O queixo duplo de Clarrie tremeu de indignação.

— Não sou adivinha, srta. Rivers. A srta. Barbara disse que era para cuidar

só...

— Dos quartos em uso, já entendi. — Beth fechou a porta sobre a cena

devastadora. — Está bem, falarei com o sr. Willard sobre isso. Agora vamos

tratar das roupas de cama.

Foi com surpresa que ela constatou que Willard não estava ligando muito

para a conservação da casa.

— Você não conhece bem Sans Souci, minha querida. Aqui não se dá um

passo sem a ajuda de empregados. E por isso que os escravos fazem tanta

falta. Você já viu o que aconteceu aos jardins. Mesmo no meu tempo de

menino, as coisas já não eram mais as mesmas. Talvez, por isso, deixe as

coisas como estão.

— Williard, você não tem idéia em que condições estão esses quartos!

Page 61: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Tenho sim!

Com um suspiro conformado, ela se afastou tentando não pensar que mais

uma vez Willard a tinha desapontado.

Pelo menos, providenciaria para que os cômodos em uso fossem melhor

cuidados.

Com esse propósito, no dia seguinte, ela e Maria começaram a arrumação da

sala de visitas. A empregadinha não estava gostando muito que sua

capacidade profissional estivesse sendo posta em dúvida. Mas Beth ignorou

seu mau humor. Em de terminado momento, Beth estava parada, de pé sobre

uma banqueta, olhando o retrato de Willard vestido de toga, quando se deu

conta de que alguém a observava. Olhou em volta an siosamente. Maria tinha

ido limpar a prataria fazia um bom tempo. Beth pensou que pudesse ser

Clarrie e já estava para dar ordens para que se apressassem, quando

deparou com a figura esguia de um homem, apoiado na lareira. Era a última

pessoa que esperava ver naquela hora. Retraiu-se tão rápida a

estouvadamente que perdeu o equilíbrio e foi ao chão.

As mãos calosas de Raul ajudaram-na a erguer-se, mas ela subtraiu-se

rapidamente ao seu toque.

— Estou bem. Não sei como isso foi acontecer.

Raul olhou-a fixamente percorrendo os olhos por todo seu corpo de forma

quase palpável, e ela puxou para trás uma mecha de cabelos, esperando que

ele dissesse algo. Mas ele a penetrou com seu olhar silencioso e tão intenso,

que Beth che gou a sentir um nó na garganta.

— Oh, aqui não! — rebelou-se intimamente, em desespero. Mas aquela

lassidão que tinha sentido junto daquele homem apoderou-se dela mais uma

vez, e seu maior desejo, naquele instante, era tê-lo novamente colado a si.

Foi então, que viu a atadura em seu pu!so e encontrou uma boa desculpa

para quebrar aquele silêncio envolvente e comprometedor.

— Como... como vão suas queimaduras?

— Oh... — Ele levantou o braço e olhou para o curativo, indiferente. — Willie

não lhe contou? Fiz uma bobagem. Quei mei-me desse jeito com água

fervendo, imagine só!

Beth olhou-o sem compreender.

— O que sei é... — Estava começando a falar, quando Bar bara irrompeu na

sala e foi postar-se ao lado de Raul.

Era a Barbara, frágil e elegante como sempre, em seus bem talhados trajes

de montaria, com o olhar brilhando maliciosa mente em direção a Beth,

quando encostou-se ao homem que estava a seu lado em uma atitude de

posse.

Page 62: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Alguém levou um tombo por aqui? — perguntou, zom beteira, encurvando

os lábios, enquanto analisava a figura des grenhada de Beth. — Oh, sim, bem

que eu ouvi. Como é, srta. Rivers? Trabalhando duro?

Beth não teve resposta. O aparecimento súbito da outra a tinha conturbado e

ela deu graças a Deus que sua palidez pudesse ser atribuída à queda.

Mas o que a estava preocupando era sua reação ao ver novamente Raul e a

constatação de como seria fácil cair de novo sob seu fascínio. Não tinha

ilusões sobre os sentimentos dele. Sabia que só o respeito pelo patrão o

tinha impedido de possuí-la. Mas por quanto tempo perduraria esse respeito

de pois que casasse com Willard?

Barbara estava firmemente empenhada em agredi-la:

— Acha que é muito espertinha, hein? Mas não pense que porque foi fácil

fazer meu pai de trouxa possa repetir a dose conosco.

— Com vocês?

Os olhos de Beth foram de Raul para Barbara e de Barbara para Raul.

— É isso mesmo. Conosco! — confirmou Barbara triunfal-mente. — Não pense

que Raul deixou-se enganar pelo propa lado amor que diz sentir por papai.

Ele sabe tanto quanto eu que você considera meu pai como uma boa fonte de

renda.

Beth estava mais chocada do que devia estar. Não devia ser surpresa para

ela que Raul discutisse suas opiniões particulares com a filha de Willard.

Mas ouvir aquilo dos lábios de Barbara soava-lhe como algo obsceno. Mas a

moça não parara por aí.

— E não pense que pode sair correndo atrás de Raul a qualquer dificuldade.

Ele contou-me como você suplicou para que a trouxesse para casa quando

fingiu ter se perdido.

O gemido de Beth foi audível.

— Ele disse isso? — Beth começou a tremer de nervosismo.

O que eles estavam tentando fazer com ela? Pressioná-la a confessar o que

havia se passado no bangalô de Raul? Será que Barbara estava a par disso?

Será que tinham combinado tudo entre eles, sabendo de antemão como

Willard era ciumento?

Raul parecia pedir com os olhos para que ela olhasse para ele, mas Beth

recusou-se a dar-lhe a satisfação de constatar o quanto se sentia ferida e

massacrada.

— O que há, Barbara? Não me diga que você está com ciúmes? — perguntou

Raul.

Beth virou-se de súbito e arrancando o avental, deu-lhes as costas, incapaz

de suportar mais tempo toda aquela baixeza.

— Você está perdendo seu tempo à toa — ouviu Raul dizer secamente para

Barbara.

Page 63: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Fazia parte da conspiração, isso mesmo, da conspiração de ambos para

obrigá-la a entregar os pontos e dar o fora. Mas eles iam ver que ela era feita

de outro estofo. Pelo menos, a revelação servira para abrir-lhe os olhos sobre

os motivos por que fora atraída sexualmente por aquele homem

inescrupuloso.

Foi com alívio que ouviu os passos de ambos cruzando o pavimento de

mármore do hall, e quando aventurou-se a olhar novamente em torno,

percebeu que estava sozinha.

CAPITULO VII

Naquela mesma manhã, Willard mandou um recado por Jonas, convidando

Beth para to mar café com seus convidados, mas ela recusou. Deu como

desculpa estar ocupada com a faxina, e quando Willard a en controu, antes

do almoço, estava irritado por ela ter se metido a fazer esse tipo de trabalho.

— Aqui na ilha não fazemos essas coisas — alertou, mos trando pouco

interesse pelas iniciativas de Beth. — Já é bem difícil conseguirmos

criadagem. Não vá querer que eu perca os poucos empregados que me

restam.

Beth ergueu os ombros sem compreender e ele esclareceu:

— Maria esteve se queixando com Jonas que a nova patroa acha que o

serviço dela não presta. Se não tomo cuidado, daqui a pouco Clarrie vai fazer

coro com ela e, então, como vamos nos arrumar?

— Está bem, está bem. Não vou fazer mais nada. Mas quan do nos casarmos,

não vá se queixar que a casa não está limpa.

As mãos ossudas de Willard baixaram em seus ombros e um sorriso escapou

de seus lábios.

— Quando nos casarmos... — Fez eco, com uma ponta de satisfação.

— Pois é. Essa era uma das razões pelas quais eu queria que você

participasse da hora do café. Estive combinando com Barbara os arranjos

para o nosso jantar.

— Ah, é? — Beth acautelou-se, mas Willard, obviamente, não sabia nada

sobre a briga.

— E ela concordou comigo. Vamos convidar todos os nossos amigos,

inclusive os que moram em Santa Lúcia e na Martinica.

— Oh, Wiilard! Acha que deveríamos? — Beth estava pouco entusiasmada. —

Isso não significa que alguns deles terão que pernoitar aqui?

— E por que não? — Willard estava na defensiva. — Você não vai querer vir de

novo com essa lengalenga de que é muita canseira para mim. Quero preveni-

la, Beth: estou ficando farto dessas restrições todas.

Page 64: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Beth segurou a língua e levantou os ombros, num gesto de derrota. Ele deu-

lhe uma paneadinha nas costas, contemporizador.

— Assim é que se faz, minha menina. Em seguida, enrugou o nariz.

— Hummm... Você está cheirando a poeira. Seria melhor tomar um banho

antes do almoço e, depois, pare de fazer esses serviços inúteis. Não quero

que meu amor se canse antes mes mo de colocar-lhe uma aliança no dedo.

O banho de chuveiro refrescou-lhe o corpo e relaxou-lhe os nervos. Quando

reencontrou Willard para o almoço estava com ótima aparência, muito

cheirosa e bronzeada, num vestido de algodão sem mangas, cuja barra ia até

abaixo dos joelhos. Era todo branco, enfeitado apenas por uma tira de ponto

russo em cores, para dar mais vida ao modelo. Sendo muito rodado, apenas

sugeria as curvas de seu corpo.

Willard segurou-a pelas duas mãos, afastou-a um pouco e examinou-a com

um sorriso de aprovação e posse.

— Muito bonita. É assim que gosto de vê-la. Toda limpinha e perfumada.

Willard disse aquilo rindo, como se fosse uma brincadeira, mas ela sabia que,

no fundo, estava falando sério.

Como que para marcar sua posição de independência, teimou em comer um

lauto almoço, com pêssegos e creme chantilly por sobremesa. Era o tipo de

refeição proibida, e mesmo cons ciente das palavras de proibição, ele serviu-

se de uma segunda porção de creme chantilly.

Quando acabou de comer, estava sonolento e não ofereceu re sistência à

sugestão de Beth para que fosse tirar sua sesta. Logo que o acomodou no

quarto, desceu novamente, incapaz de encontrar para si mesma aquele

relaxamento que tinha proporcionado a ele.

Lá fora, o sol e a praia eram tentadores, mas a imagem do bangalô de Raul

Valerian e o uso arbitrário que ele fazia daquelas paragens a impediram de

aventurar-se num passeio à bei-ra-mar. Mas sentia-se muito inquieta, por isso

foi em direção às garagens, que guardavam a camioneta que ela e Willard

usavam. Um negro, a quem ouvira Willard chamar de Nathan, ocu pava as

funções de garagista e lavador de carros. Mostrou os dentes, num sorriso

simpático, quando ela lhe perguntou se podia usar a camioneta.

— A camioneta está com o pneu furado — avisou, para desapontamento de

Beth que quase lhe perguntou que diabos estava fazendo ali sentado em vez

de trocar o pneu.

Mas guardou o aparte para si, e como se ele tivesse adivi nhado sua

disposição tolerante, sugeriu:

— Se quiser, pode usar o carro da srta. Barbara. O sr. Raul levou-a até o

centro de jipe.

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Beth estreitou os lábios e olhou desconfiada para o imundo DKW vermelho,

imaginando o que diria Barbara se soubesse que Nathan estava oferecendo

seu carro à moça que tanto detestava.

— Não sei, não...

— Por quanto tempo pretende ficar fora?

— Mais ou menos por uma hora.

— Então, tudo bem. Ninguém precisa saber — decidiu Nat han com animação,

mas Beth não estava convencida.

— Acha que não? Ouvi dizer que tudo o que acontece por aqui, logo se sabe,

de um jeito ou de outro.

O sorriso de Nathan ficou ainda mais amplo.

— Então, não demore muito, combinado?

Beth sabia que não ia aguentar o tédio de voltar para casa e ficar sentada

em seu quarto por duas horas, à espera de que Willard acordasse... O DKW

era mais fácil de dirigir do que a camioneta. Mesmo assim Beth passou uns

maus momentos de hesitação, imaginando o que aconteceria se sofresse um

acidente ou se o carro, por azar, quebrasse. Willard por certo a protegeria

dos ataques de Barbara. Nesse ponto, estava confiante.

Tomou a estrada que ela e Willard costumavam usar para ir a San Germaine.

Estava tão absorvida, que não se deu conta de que, numa encruzilhada,

enveredara pela trilha e, só quando viu os telhados do engenho, é que

percebeu o engano.

Quis brecar e voltar dali mesmo, mas a estrada era muito estreita e

precisaria alcançar o pátio em frente aos escritórios, para poder manobrar.

Estava matutando de que jeito faria a manobra quando sur-giu um homem,

vindo do escritório. Logo ficou tensa, mas era apenas André Pecares que,

quando viu o carro, veio direto em sua direção. Beth percebeu que ele

pensara tratar-se de Bar bara e desejou sair dali o mais rápido possível.

Ninguém deveria saber que ela estava usando o carro de Barbara. Mas era

tarde demais. André já tinha alcançado o carro e abaixou-se, olhando para

dentro pelo vidro aberto.

— Em que posso ser útil? — começou a dizer. A sua sobrie dade diminuiu

quando viu que era Beth. — Srta. Rivers! Pensei que fosse...

— Barbara. Sim, eu sei. — Beth completou a frase, nervosa. — Receio que

tenha tomado o caminho errado novamente. Eu... eu estava querendo subir a

montanha.

André enrugou a testa.

— Não a aconselho. Não com um carro desses. As estradas são péssimas e

só o jipe do sr. Valerian pode arriscar-se. — Fez uma pausa. — O sr. Petrie

está sabendo de suas intenções?

Beth impacientou-se.

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— Não. Saí de casa sem avisar. O sr. Petrie está repousando e eu... estava

entediada — confessou.

— Então por que não vem tomar um cafezinho comigo? — sugeriu,

educadamente.

— Oh, eu... não, não creio que seja o caso. André hesitou.

— Estou sozinho no escritório e ficaria encantado se me fizesse companhia.

Por que diabos teria dito aquilo? Será que ele também sabia das suspeitas de

Raul a seu respeito? Seria de conhecimento geral a suspeita de que ela ia

casar com Willard por dinheiro? Existia somente um meio para descobrir.

— Está bem. Muito obrigada.

E para surpresa de André, tanto quanto dela mesma, Beth abriu a porta do

carro e saltou.

Beth aceitou o café que lhe foi oferecido com extrema gen tileza e

perguntou:

— Frequentou a escola da ilha?

— Sim. Fui aluno da sra. Signy até os onze anos. Eu e minha irmã.

— Tem irmãs?

— Sim, Louise. Ela é cinco anos mais nova do que eu. Ela e Raul... bem... ele

gosta muito dela.

Beth olhou para o fundo do copinho. Será que não havia meios de escapar

àquele nome odioso? E o que estava dizendo esse André? Que sua irmã

Louise era mais uma mulher na vida de Raul? Quantas mulheres, afinal, ele

tinha? Barbara, Isabelle Sig ny, Louise Pecares. Será que se importava com

alguma delas?

Como se adivinhasse que algo estava errado no ar, André terminou de tomar

seu café e sugeriu:

— Gostaria de visitar o engenho? No momento, não está funcionando, mas

posso explicar-lhe os processos de extração do açúcar.

— Oh, sim. Gostaria muito.

— Ótimo. Quando acabar de tomar seu café, então... André explicou que logo

estaria em funcionamento e, então,

os pesados cilindros esmagariam os rolos de cana. extraindo a garapa que

se transformaria em cristais de açúcar.

— Nós exportamos o açúcar mascavo, pois aqui não temos refinarias. Mas

pelo tamanho da ilha, até que nossa produção não é má.

— Está querendo vender a indústria para a moça? — Ou viu-se uma voz

zombeteira, vinda da porta aberta, e ambos viraram-se e viram Raul parado,

observando-os.

— Raul! — Ao contrário de Beth, André parecia contente de ver seu

supervisor. — Temos uma visitante.

— Estou vendo.

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Raul olhou-a com insolência e antes que ele interpretasse mal as razões de

sua presença naquele local, justificou-se:

— Eu me perdi no caminho e o sr. Pecares teve a gentileza de oferecer-me

um café.

— Você faz disso um hábito? — Raul comentou cinicamente e Beth olhou

desajeitada para André.

— Já estava de saida — apressou-se em dizer. — Obrigada pelo cafezinho e

por ter me mostrado o engenho. Apreciei muito.

Ela saiu correndo antes que ele tivesse chance de responder, mas, no meio

do caminho, sentiu seus passos seguidos e um apertão no braço. Raul

continuava a se comportar da mesma maneira.

— Espere! — ele grunhiu selvagem ente. — Preciso falar-lhe e é melhor que

me escute.

— Largue-me!

— Se eu largar seu braço, tem que prometer que me dará uma chance para

uma explicação.

— Explicação? — Beth soltou uma risada irônica. — O que há tanto para

explicar? Que você é um mentiroso? Que Barbara é uma mentirosa? Que

vocês se completam às mil maravilhas?

Ele parou abruptamente e Beth, aproveitando-se do momen to de

perplexidade, deu-lhe um safanão e correu para o carro.

Viu um semicírculo proeminente de pedra britada, ao lado da estrada,

cercando a vala que a tinha impedido de voltar direta-mente. Se acelerasse

bastante, para que as rodas saltassem o obstáculo, poderia depois engatar

uma primeira e sair de frente. Calculou a distância e meteu o pé no

acelerador. O motor guinchou em sinal de protesto. Virando a direção, foi

direto para cima das pedras e gemeu de desgosto quando ouviu o pneu

traseiro der rapando e levantando uma nuvem de poeira. Tinha calculado mal

o impulso e por alguns centímetros teria caído na vala. Pôs a cabeça para

fora da janela para olhar o pneu, pouco se impor tando com o que Raul

Valerian iria fazer com ela agora.

— Tente virar para o lado direito!

As instruções foram dadas em tom de comando e ela ergueu a cabeça para

fitar seu perseguidor. Desanimada e derrotada, tirou os pés dos pedais e foi

deslizando para o assento dos passageiros. Raul abriu a porta e sentou-se ao

volante. Engatou a primeira e pisou o pedal com força. O carro balançou peri

gosamente, mas as rodas continuaram no vácuo.

— Não adianta. Esse carro tem tração nas rodas dianteiras — observou Raul

impassível. — Bem, agora podemos conversar?

— Não tenho muita escolha, não é?

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— Tem. — A voz dele era gelada. — Posso sair e empurrar o carro e você

poderá ir direto para casa.

— Então faça isso — ela balbuciou.

— Tem certeza de que é isso mesmo que quer?

— Claro que tenho certeza.

— Certo. — Ele tornou a abrir a porta, mas antes de sair, esclareceu: — Não

fui eu quem disse a Barbara que você suplicou para que a levasse para casa

naquele dia. Contei-lhe apenas a verdade. O que ela resolveu dizer-lhe é da

conta dela.

Ele pós o pé para fora do carro, pronto para sair, mas Beth o deteve,

segurando-lhe o braço.

— Como posso acreditar em você? Chegou a contar-lhe tudo o que

aconteceu?

— Você quer dizer, na minha casa? Não.

— Diz isso agora, mas...

Ela olhou-o bem perto e daquela curta distância Beth podia ver todos os

poros da pele.

— Por que eu haveria de mentir? Ela titubeou.

— Para proteger-se. Para tentar fazer algo mais comigo numa próxima vez.

Para... para criar uma situação vantajosa para você.

— Ora, deixe disso. — Sua voz era séria. — Quem você pensa que sou? —

Seus olhos verdes pareciam cubos de gelo.

— Não percebe que se eu não acatasse a história de Barbara, a essa hora ela

teria Willie amarrado pela coleira, e você estaria comendo o pão que o diabo

amassou?

— Acha que ele acredita mais em você do que em mim?

— Acho, não. Tenho certeza! — E acrescentou empolgado:

— São Cristóvão! Você não sabe como ele é desconfiado? Na noite seguinte

à que eu a levei para casa, veio pessoalmente até o bangalô. Queria saber a

todo custo o que tinha acontecido. Queria saber o que eu tinha a dizer!

Beth fitou-o, incrédula.

— O que você tinha a dizer? — repetiu. Raul olhou para o curativo do pulso.

— Vamos lá! — Contemporizou, e fez nova tentativa de tirar o carro, desta

vez bem-sucedida. — Você bem que podia dar-me uma carona. E sem esperar

resposta, tomou a direção do carro.

Quando chegaram, Beth ficou na expectativa de que ele descesse, mas ele

lançou-lhe uma pergunta inesperada que a desconcertou:

— Foi nadar nesses dias novamente?

— Você deve saber que não.

— Como poderia saber?

— Ora, Barbara não o mantém informado de tudo? Ele torceu a boca.

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— Você ainda não acredita em mim, não é mesmo?

— A única coisa em que acredito é que você não contou a Willard o que... o

que andou fazendo comigo.

— Acertou em cheio.

Os olhos verdes de Raul abaixaram-se para os lábios rubros de Beth.

— O que você esta tentando fazer? Provocar-me?

— Eu não! — Ela esticou-se no assento. — Como é? Vai ou não vai descer?

Ele fez um ar de indiferença.

— Antes, venha pegar seus óculos escuros e suas sandálias. Achei-os na

praia, naquele famoso dia em que você foi nadar. Esqueci de entregá-los da

última vez que esteve aqui.

Beth titubeou e ele fez uma cara de gozação.

— Quer que chame Tomas para ir buscá-los para você?

— Eu espero você aqui — disse ela.

Raul subiu as escadas, desaparecendo dentro de casa.

Sem poder refrear-se, Beth desceu a rampa gramada e foi até a beira-mar.

Tirou as sandálias e entrou na água até os tornozelos. O sol começava a

declinar e todo o horizonte era uma só mancha, em todos os tons de

vermelho. O ar estava parado, preparando-se para esfriar, logo que

anoitecesse.

Beth deu uma olhada para o lado do bangalô e viu Raul descendo as escadas,

com as sandálias na mão e os óculos escuros aparecendo no bolso do jeans.

Veio até ela e entregou-lhe os objetos.

— Obrigada — disse num murmúrio. — Pensei que a maré tivesse levado tudo.

— E não teve idéia de vir até aqui para averiguar?

— E que eu... bem, eu não pensei que...

— Ficou com medo de me encontrar, não é? Seja sincera. Beth ergueu a

cabeça orgulhosamente.

— Já é tarde e eu... eu preciso ir.

— Antes que Willie acorde da soneca? Ah, sim... — E diante da estupefação

de Beth, disse: — Conheço bem a rotina.

— Maria deve ter-lhe contado. — Beth sentiu-se indignada com aquela

fofoqueira. — Você tem uma rede de espionagem, não é mesmo, sr. Valerian?

E ela é mais uma das mulheres seduzidas pelos seus belos olhos!

Os belos olhos piscaram.

— Isso está me cheirando a ciúmes.

— Eu? Com ciúmes? — Deu uma gargalhada exagerada.

— Você mesma. — Raul olhou-a de cima a baixo. E ela, instintivamente, deu

um passo atrás.

Sentiu uma violenta pontada no pé e soltou um grito. Raul deixou a raiva de

lado e apressou-se em perguntar, muito pressuroso:

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— O que foi?

Beth levantou o pé dolorido e ele ajoelhou-se na areia perto dela. Suas mãos

calosas pareciam suaves quando seguraram seu calcanhar. Os olhos de Raul

estreitaram-se quando viram um ouriço do mar grudado na planta do pé.

— Você pisou num ouriço — disse, sem preâmbulos. — Posso tirar os

espinhos?

Beth mordeu os lábios com força.

— Sim, sim. Vai doer muito?

— Um pouco, seria melhor sentar-se.

Ela sentou-se obedientemente na areia. Raul arrancou alguns espinhos com

muito cuidado, mas ela não pôde evitar de gemer.

— Desculpe, mas doeu bastante.

Raul não disse nada, apenas segurou novamente o pé e examinou o lugar

machucado.

— Um dos espinhos fez um belo furo e vou ter que chupar d sangue, pois

esses ouriços são venenosos.

— Então, vamos lá! — exclamou, muito tensa, e fechou os olhos para não ver

aquela boca sugando seu pé.

Para distrair a mente, começou a pensar em Willard. Mas a imagem dele foi

sobreposta por outra imagem, bem mais morena, de olhos verdes. Estava tão

concentrada quando aquela boca morna chupou-lhe a ferida que até levou

um choque quan do se deu conta de que não estava tão imune quanto

pensava.

— Já está limpo — declarou ele, ajudando-a a levantar-se. — Mas seria bom

passar um anti-séptico quando chegar em casa. Ora, estou querendo ensinar

o padre-nosso ao vigário! Esqueci que você é enfermeira.

— Obrigada. Você foi muito gentil. — Agradeceu, enquanto ajustava a saia

novamente no lugar.

— Acho que fui mesmo — ele concordou, sem maiores ce rimônias e

acrescentou: — A água salgada não vai causar dano. Vamos dar uma

nadadinha?

— Nadar? — Beth olhou-o surpreendida. — Mas... eu... eu não trouxe maiô.

— Calcinha e sutiã substituem perfeitamente o biquini — res pondeu

sorrindo. — E não se preocupe que não vou ficar olhando.

— Bem, acontece que não estou usando sutiã.

— Não? — Raul arregalou os olhos, fitando o busto de Beth.

— É, acho que não está mesmo.

— Eu não minto — disse ela, já com a respiração alterada e os lábios

entreabertos.

— Bem, isso não vem ao caso- — A voz dele enrouqueceu.

— Beth...

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Ela teve o pressentimento de que ele ia tocá-la e entrou em pânico.

— Não! — gritou, e, simultaneamente, tentou calçar a san dália, mas quase

perdeu o equilíbrio e Raul amparou-a. — É... é muito tarde — ela balbuciou. —

Willard já deve estar pen sando onde terei me metido.

— Onde ele pensa que você poderia estar? — perguntou-lhe casualmente,

enquanto desprendia a fivela que lhe sustentava o coque. Uma cascata de

cabelos platinados despencou sobre seus ombros.

— Ele não sabe — ela gaguejou, tentando sacudir para longe a sensação de

delírio que já estava se apossando dela. — Raul, alguém pode nos ver...

— E você se importa?

— Claro! Você não?

— Nesse momento não estou me importando com mais nada.

— E deslizou suavemente os dedos por sobre o tecido que lhe encobria o bico

dos seios.

Beth tentou impedi-lo, segurando-lhe a mão, mas ele apenas desviou o curso

dos dedos e começou a acariciar-lhe o pescoço e as orelhas, enquanto a

queimava de beijos. Quando seus lábios chegaram ao decote do vestido, ela

tocou-lhe os cabelos, numa débil tentativa de afastar-lhe a cabeça.

— Você não está querendo que eu pare, está? — murmurou roucamente, e

Beth soube que, dali por diante, toda a respon sabilidade seria dela.

— Quero sim — afirmou, afastando-se, para proteger-se.

A expressão de Raul foi de intensa frustração. Ficou olhan do-a, sem dizer

nada, e quando ela pensou que ele tinha con seguido controlar-se, sentiu

seus braços cruzarem-lhe as costas, e ela foi puxada com frenesi para junto

daqueles músculos palpitantes. Entreabriu a boca, num gesto de protesto,

mas os lábios sequiosos de Raul praticamente a devoraram.

Desesperada, ela enterrou as unhas nas costas de Raul e levantou o joelho,

tentando empurrá-lo. Mas ele era por demais forte. Sem muito esforço,

conseguiu derrubá-la na areia, co brindo-a com todo o peso de seu corpo,

numa intimidade que destruiu suas defesas. Sentiu que todo seu ser pedia

por aquele apelo, quando ouviu Raul soltar um gemido doloroso, antes de

arrastar-se para longe dela.

Beth ficou ali estendida, arfante, levando as mãos ao pescoço, como que

querendo aliviar a tensão, e viu horrorizada que suas unhas estavam cheias

de sangue de Raul, e quando ele levantou-se, viu que suas costas estavam

unhadas.

— Meu Deus! — murmurou, trêmula, levantando-se tam bém. — Suas... suas

costas!

Sem se perturbar, ele passou a mão pelos arranhões e olhou a mão

ensanguentada.

Page 72: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Desta vez você me pegou feio, hein? — disse friamente. — Seria melhor

deixar de lado esse tipo de anomalia.

— O que quer dizer com isso?

— Muitas mulheres são como você, ficam violentas quando estão excitadas.

— Excitadas! — Beth o encarou valentemente. — Eu estava era lutando

contra você!

— Estava? O tempo todo? Beth corou violentamente.

— O... o tempo todo — insistiu.

— Você disse que nunca mente — lembrou-lhe secamente, e começou a abrir

o zíper das calças.

Beth olhou horrorizada para aquele gesto.

— O que pensa que vai fazer?

— Não se apavore — retorquiu, azedo, enquanto terminava de puxar o zíper,

cuja abertura revelava um short azul. — Agua do mar... Conhece uma maneira

melhor de tratar de arranhões e de limpar o sangue?

Quando ele começou a andar em direção ao mar, Beth o seguiu com o olhar e

disse suplicante:

— Raul, o que você... o que vai fazer?

— Volte para seu noivo! —ele gritou, e mergulhou na água, de cabeça.

CAPÍTULO VIII

Willard foi ao quarto de Beth enquanto ela se vestia para o jantar. Estava de

dinner-jacket e parecia mais velho, mais formal. Talvez essa impressão se

devesse ao fato de ela tê-lo visto sempre com roupa esporte. Viu que ele

trazia uma caixinha de veludo que não abriu ime diatamente. Em vez disso,

ficou admirando a noiva.

— Deveria usar roupa sofisticada mais frequentemente — observou,

embevecido, e Beth teve que admitir que aquelas nuvens de chifon negro

realmente realçavam a cor de sua pele e evidenciavam o intenso brilho de

seus cabelos platinados. Naquela noite era importante apresentar-se da

melhor forma possível, e ela tinha caprichado no penteado, levantando as

partes laterais em dois grandes caracóis e prendendo as sobras junto ao

pescoço, com uma presilha de pérolas. Tinha escolhido um estilo proposital

mente clássico para dar-lhe um aspecto mais maduro, e a aprovação de

Willard confirmou sua opinião. Os convidados que já tinham chegado eram

quase todos contemporâneos de Willard e ela não queria chocá-los. Pare

cendo mais velha, seria também mais fácil lidar com Barbara que, sem

dúvida, estaria cercada de gente de sua própria idade. Tinham sido

convidadas dezessete pessoas, um número que parecia exorbitante para

Page 73: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

alguém não habituado a entreteni mentos em grande escala, mas ela sabia

de antemão que a presença de Raul Valerian seria mais perturbadora do que

a soma de todos os outros participantes. Beth tinha ficado ater rada quando

Willard contara-lhe que o tinha convidado. Na verdade, nunca esperava que

um simples gerente fosse convi dado para uma reunião daquele género.

Tinham se passado dez dias desde que o vira pela última vez, desde que o

deixara mergulhado no mar para desinfetar com água salgada os arranhões

provocados por suas unhas, dez dias em que ela tinha vivido sob um terror

constante, temerosa de que ele chegasse de uma hora para outra naquela

casa para denunciá-la, exibindo as unhadas para Willard, e provocando sua

ira e desprezo. Mas Raul não aparecera. De outro lado, tinha certeza de que

não dissera nada ao noivo, pois Willard estivera várias vezes no engenho, e

em todas as ocasiões, seus comentários restringiam-se às próximas

colheitas.

De qualquer forma era impossível deixar de constatar que Willard estava se

recuperando e, paralelamente, readquiria o interesse físico em seu

relacionamento com Beth. Ultimamente, quando a apertava, suas mãos

tinham um vigor insuspeitado e seus beijos eram cada vez mais apaixonados

e frequentes. Beth sabia que ele esperava ansiosamente por uma intimidade

completa e total.

Willard estava agora oferecendo-lhe a caixinha que trouxera. Quando ela

abriu o estojo, gaguejou de espanto ao ver dentro dele um anel com um

enorme solitário.

— Gostou? — perguntou, com ansiedade, e ela só foi capaz de ficar ali, muda,

admirando a jóia.

— É todo seu — acrescentou, tirando o anel de seu ninho e segurando-lhe a

mão direita. — Até que não mude de idéia.

— Você... você comprou-o para mim? Quando?

— Isso é problema meu. Serve direitinho. Sabia que ia servir. Beth engoliu em

seco e ergueu a mão, admirando o brilhante.

— Todos vão reparar. .

— Pois é para que reparem mesmo — retorquiu Willard.

— E então? — Tocou os lábios de Beth com um dedo. Não mereço nem um

pouquinho de gratidão?

— O quê? Oh... sim! — Segurou-o pelo pescoço e deu-lhe um beijo na face. —

Obrigada, obrigada, querido.

— Que agradecimento mais sem graça! — exclamou, segu rando-a

firmemente pela cintura e colando-a junto a seu corpo.

— Você é capaz de fazer bem melhor do que isso! — E procurou seus lábios

com avidez.

Page 74: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Beth sentiu um extravagante impulso de resistir-lhe, mas conseguiu se

dominar. Mesmo assim, achou que ele estava se comportando de maneira

inusitada e foi com certa repulsa que recebeu a pressão daqueles lábios

duros e molhados sobre sua boca. Quando ele começou a percorrer a curva

de seu pescoço, sentiu que seu hálito cheirava a álcool. Com certeza,

estivera bebendo, mas nada justificava a maneira brutal como as mãos dele

apertaram-lhe o corpo, amarfanhando-lhe as carnes e as vestes de tal forma

que ela foi obrigada a empurrá-lo.

— Por Deus, perdoe-me, Beth — balbuciou, e quando ela começou a ajustar o

vestido e a suspender as mechas de cabelo que tinham desprendido,

soltando pequenas exclamações de consternação, ele acrescentou: — Não

sei o que aconteceu co migo. Sinto muito.

— Tudo bem. — Beth começou a tirar os grampos da cabeça, com dedos

trémulos. — Você pode descer sem mim? Vou ter que prender tudo de novo.

— E pensar que você estava tão linda! — exclamou, colo cando as mãos

sobre seus ombros.

— Está bem — disse, como se só então tivesse tomado uma decisão. — Eu

vou descer. Você não vai demorar muito, não é?

— O tempo necessário. — E enviou-lhe um sorriso desbotado. Quando a porta

fechou, Beth tirou o anel do dedo e recomeçou

a pentear-se. Era bem mais difícil consertar os estragos do que fazer o

penteado original e depois de muitas tentativas infrutíferas deixou-se cair

sentada sobre a banqueta em frente ao espelho, quase chorando. O problema

maior é que sua mente não estava concentrada naquilo que estava fazendo.

Seu pensamento des viara-se para a figura de Willard e para o

comportamento irra cional que ele tivera. E ao lembrar-se de suas mãos

quentes , tocando sua pele, sentiu um frêmito de repulsa. Seria assim tão

estranho aquele comportamento? O que sabia ela sobre essa faceta de seu

temperamento? Teria errado em pensar que ele era dife rente dos outros

homens? Mas aquela "apalpação" toda era claro exemplo do que seria sua

futura vida de casada.

Beth estremeceu. Não. Ele estivera bebendo. Em geral os homens

comportam-se de maneira inconveniente quando estão com algumas doses

de álcool a mais na cabeça. Como enfer meira do setor de emergência do

hospital, ela devia saber disso.

Passados dez minutos, quando já desistira de tornar a co locar a presilha de

pérolas, e contentara-se em prender o cabelo com grampos, alguém bateu à

porta. Recolocou rapidamente o anel no dedo, antes de perguntar:

— Quem é?

Era Maria, com um recado de Willard que mandava dizer-lhe que os

convidados estavam à sua espera. Beth agradeceu a criadinha, mais

Page 75: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

tranquilizada com a própria aparência graças aos olhares invejosos que ela

lhe lançou. Fazendo a última consulta ao espelho, acompanhou-a para fora

do quarto.

Seis pessoas iriam pernoitar na casa. Eram amigos de Wil lard vindos de

Santa Lúcia da Martinica e Beth já tinha co nhecido quatro deles. Gilbert de

Vries era representante de Willard na ilha vizinha, e Charles Templeton, seu

advogado em Fort France. Ambos estavam acompanhados das esposas.

Quando Beth desceu as escadarias, encontrou Wilíard rece bendo um grupo

de pessoas recém-chegadas no hall. Da sala de visitas vinha o som de

música, risadas e tilintar de copos. O noivo a viu imediatamente. Devia ter

estado o tempo todo vigiando as escadas com o rabo dos olhos, pois foi logo

ao seu encontro, atraindo todos os olhares em sua direção.

— Linda como sempre! — sussurrou ao seu ouvido, quando a levou pelo braço

junto aos outros.

Todos estavam se mostrando encantadores, pensou Beth, pouco depois, já

na sala de visitas, empunhando uma taça de champanhe e aceitando um

brinde dos amigos de Willard. De início, ela sentira uma certa manifestação

de desagrado e antipatia da parte dos amigos mais velhos- Só quando sua

timidez sincera foi notada e quando constataram que ela não era a loira

burra e vulgar que tinham imaginado é que se acercaram dela, com simpatia.

Marta de Vries chegou ao extremo de convidá-la a passar uns tempos com o

casai, a qualquer tempo que ela quisesse, e Esther Tem pleton também tinha

sugerido que ela e Willard fossem ficar com eles em Fort France durante as

férias.

Agora, todos os convidados tinham chegado, com exceção dos Marin e de

Raul Valerian.

A cada cara nova que aparecia, Beth sofria as agonias da apreensão, só para

constatar, em seguida, que todos os seus temores eram infundados.

Naturalmente, Barbara também estava presente, espalhan do um charme

inesperado toda a vez que falava com o filho dos Dupois, Arnaud, que Beth

calculou mentalmente ter a mes ma idade que ela.

Fez-se uma agitação no hall quando chegou a família Marin, e Beth pediu

licença aos Hammond, com quem estava conver-sando, para ir cumprimentá-

los. Era tão bom ver rostos já meio conhecidos, mesmo que o conhecimento

fosse relativamente cente, Diane Fawcett estava junto, muito esbelta e

atraente, ves-tida de vermelho, e logo atrás surgiu a figura morena de Raul

muito elegante num smoking de veludo cor de vinho.

Parecia tão diferente e tão perturbador naqueles trajes, que Beth ficou

olhando para ele como que hipnotizada, sentindo-se empalidecer quando

percebeu que outras pessoas estavam in terceptando seu olhar. Desviou a

Page 76: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

atenção para Susi, elogian do-lhe a toiliete e agradecendo a Jacques pelos

elogios que, por sua vez, fizera a seu traje de chifon negro.

Felizmente, naquele instante, Willard chegou, vindo da sala de visitas, para

cumprimentar os recém-chegados,

— Jacques! — gritou, expansivo, e sacudiu a mão do outro com caloroso

entusiasmo. — Você é um fanático por aquele hospital!

Depois, ele deu um beijo no rosto de Susi e de Diane e finalmente

cumprimentou o gerente:

— Bem-vindo — saudou um tanto falsamente e, em seguida, convidou a todos

para que fossem tomar um aperitivo na sala de visitas.

Clarrie estava demorando para anunciar o jantar e, enquan to Willard abria

mais uma garrafa de champanhe, Beth notou que Diane passava o braço

pelos ombros de Raul corn dema siada familiaridade. As unhas da moça

estavam pintadas com um esmalte da cor do smoking dele e escorregavam

pelo veludo com sensualidade. Beth surpreendeu-se quando Susi expressou

sua admiração pelo anel de noivado com os dentes cerrados.

— Você é uma moça de sorte! Willard acha que a lua é pouco para você.

Outro dia estava conversando a seu respeito : com Jacques e tornou-se

evidente que ele está apaixonado!

Beth forçou um sorriso.

— É... creio que vamos nos dar bem. Susi deu uma gargalhada.

— Chérie, como você é modesta! Nunca vimos Willard tão eufórico.

Naturalmente, não chegamos a conhecer sua primeira mulher, mas sempre

achamos que ele era, como dizer, um tanto fleugmático, um homem difícil de

empolgar-se. Mas desde que a conheceu... — espalmou as mãos num gesto

significativo. — Você deve saber o que quero dizer.

— Sim, sei.

A rolha da garrafa de champanhe estourou longe e todos explodiram também

numa gargalhada borbulhante ao ver Wil lard atrapalhado, com um copo na

mão, tentando aparar o liquido que se espalhava por todos os lados.

Beth fez força para readquirir a empolgação que tinha sen tido quando fora

pedida em casamento, mas aquela emoção diluíra-se para sempre. Tentou

livrar-se da profunda depressão de que estava tomada. Afinal, o anel de

noivado não era uma aliança de casamento...

Uma taça de champanhe colocada em sua mão a trouxe de volta à realidade.

Sentiu a mão de Willard segurando-a pos sessivamente pelos ombros.

— Um brinde! — alguém sugeriu, e todos aderiram.

Os convidados levantaram as taças em homenagem ao casal, e Willard

passou seus lábios quentes e úmidos sobre a fronte de Beth.

— Meus amigos! — ele exclamou, e o pânico de Beth re crudesceu. — Meus

amigos! — repetiu. — Quero aproveitar esta oportunidade para convidar a

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todos para nosso casamento. — Antes que Beth tivesse tempo de assimilar

aquela chocante participação, acrescentou: — Não sou favorável a noivados

lon gos e agora que estou completamente restabelecido, não vejo por que

esperar mais, não é querida?

— Eu... eu... — ela começou a dizer, sem saber como ir adiante, e, quando a

voz de Jonas anunciou que o jantar estava servido, ela abençoou o momento

de sua aparição.

Logo, todos os olhares desviaram-se para o lado do preto velho e nesse

ínterim Beth teve tempo de se recuperar. Mesmo assim, a comunicação de

Willard continuava a estarrecê-la pois não podia imaginar que uma

declaração dessas, feita em público, não tivesse sido discutida antes com

ela. Por sorte, como eles tinham que abrir alas a caminho da sala de jantar,

Willard não teve muito tampo para recriminações, mas, mesmo assim, Beth

sentiu que a mão que a segurava pelo braço parecia forjada em ferro.

Willard começou a designar os lugares à mesa, colocando Beth à sua

esquerda e Barbara à direita. Beth ficou sobre espinhos quando viu que Raul

sentara-se ao lado de Barbara. Isso significou que ele estava frente a frente

com ela. Seu vizinho era Charles Templeton com o qual tinha pouca coisa a

dizer. Consequentemente, sentiu-se assustadoramente cons-ciente daqueles

dois olhos verdes postos sobre ela, toda a vez que Barbara ou Diane

deixavam de monopolizá-lo.

O jantar foi uma consagração à arte culinária de Clarrie. Wil lard fez questão

de explicar que ela mesma preparara o patê, muito leve e cremoso; o

consomê frio fora condimentado com um pouco de sherry; e o rosbife foi

servido com um molho de vinho e champignons que dava água na boca. O

cardápio era rico e substancioso e Beth começou a notar que Willard

tornava-se cada vez mais roxo a cada copo de vinho que tomava. Desde seu

retorno à ilha, seu apetite vinha aumentando assustadoramente.

— Você está bebendo demais — murmurou ela apreensiva.

— É tudo o que tem a dizer? Este é meu jantar de noivado, o jantar de

comemoração de meu noivado, entendeu? O resto que se dane! Por que não

posso beber? Comportei-me como um bom menino por tempo demasiado.

— Só estou falando isso para seu bem — replicou Beth, em voz baixa,

puxando para a beira do prato um pedaço de cogumelo.

Depois do jantar, o café foi servido no salão de estar, cujas cadeiras e

mesinhas tinham sido afastadas para fazer espaço para as danças. Barbara e

Diane estavam perto do aparelho de som, escolhendo discos, quando Beth

percebeu Raul a seu lado, segurando a xícara de café com seus longos

dedos.

— Então... quer dizer que os parabéns estão na ordem do dia?

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— Não, se não estiver disposto a dá-los — ela respondeu, olhando em volta

para ver se não estavam sendo observados.

— Relaxe. Ninguém está prestando atenção em nós. Não, por enquanto. —

Ele abaixou-se e colocou a xícara vazia numa mesinha. — Você parece

nervosa. Qual é o problema? O sonho dourado já está começando a virar

pesadelo?

Beth susteve o fôlego pois não podia externar a raiva que estava sentindo.

— Notei que já tirou as ataduras do pulso. — Disfarçou, e lançou-lhe um olhar

cínico.

— Como pode ver, estou totalmente recuperado. E... nos outros lugares? Não

quer saber?

— Que quer dizer com isso?

— Ora, Beth, não se faça de tonta! Não se lembra das unhadas?

— Não é hora nem lugar adequado para esse tipo de dis cussão, não acha?

— Certo. Mas não queira fingir que não sabe o que se passou entre nós dois,

pois não vou acreditar.

— Eu... eu... — Beth levou a mão à garganta. — Não sei do que está falando.

— Não? — Os olhos de Raul a percorreram de alto a baixo.

— Vamos dar uma demonstração do que disse?

— Você... você não vai fazer uma coisa dessas!

— Não, não vou. Mas não por sua causa!

— Por causa de Willard, não é mesmo? Raul concordou e logo se afastou

dela.

Willard veio ao seu encontro quando Barbara colocou uma valsa na vitrola e

Beth vestiu a máscara do contentamento. Raul tinha conseguido acabar com

sua paz de espírito e ela desejou ardentemente que aquela noite acabasse

logo.

— Jacques acabou de passar-me um pito — disse Willard enquanto a

apertava em seus braços com tanta ânsia que os botões de seu dinner-jacket

formavam duas marcas redondas na pele de seu busto.

Beth estava determinada a não reclamar, nem intrometer-se em mais nada,

mas disse com certa ênfase:

— Ótimo!

Curiosamente, sua exclamação pareceu aborrecê-lo.

— Suponho que você não esteja mais se importando comigo.

— E largou-a com tal ímpeto que a deixou meio tonta.

— Não é assim... — negou cuidadosamente. — Ele é médico e deve saber...

— Ele não é cardiologista — retrucou Willard, agressivo.

— O que pode saber sobre meu caso? Beth suspirou.

— Bem, não vamos discutir. Como é? Está se divertindo?

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— Mais ou menos. — Fitou-a nos olhos. — Do que estavam falando, você e

Raul Valerian? Pareciam muito entretidos.

Do que estavam falando... ? Por uma fração de segundo, Beth só conseguiu

pensar na inegável atração que existia entre ambos e o sangue afluiu às

suas faces.

— Ele... ele... eu estava perguntando se estava melhor das queimaduras da

mão.

— Como sabia que ele tinha queimado a mão?

Beth engasgou.

— Você... você me contou.

— Eu não!

— Então deve ter sido Barbara. Ou talvez ele mesmo. É... é isso. Foi naquela

manha que ele veio aqui, quando eu estava fazendo faxina.

Willard torceu o nariz.

— Uhmmm! Faxina! — Felizmente, ele parecia divertir-se àquela lembrança.

— Não vou querer mais minha mulher fazendo faxinas. — Olhou com avidez

para a curva branca de seu pescoço. — Você é uma mulher muito atraente,

Beth! Não vejo a hora de esses idiotas darem o fora para ficar a sós com

você!

O estômago de Beth contraiu-se.

— Willard! Ainda não somos casados! Além disso, temos convidados que vão

dormir aqui!

— Clarrie vai acomodá-los na outra ala. Pedi que limpasse e arrumasse

alguns daqueles quartos sobre os quais você andou resmungando. Uma

cortina lavada e unias roupas de cama limpas vão torná-los habitáveis.

Beth sentiu-se horrorizada só de pensar que aqueles dois casais tão

simpáticos iriam dormir naquele museu. Mas, suas próprias preocupações

fizeram-na esquecer os problemas alheios.

O que Willard estava tramando? Será que o fato de ter lhe colocado um

solitário no dedo já lhe dava direitos de posse sobre ela? E por que tal

perspectiva a chocava tanto?

A sequência da conversação foi interrompida pelo apareci mento de Jacques

Marin que insistiu em valsar com a noiva. Willard cedeu, sem maiores

protestos, e o coração de Beth deu um salto quando o viu dirigir-se para o

aparador onde estavam as bebidas. Mas ela não podia proibi-lo, e Jacques,

sua única tábua de salvação, já não estava muito firme das pernas. 0

champanhe era distribuído a rodo e depois de experimentar um pouco do

ponche de rum, Beth surpreendeu-se com o efeito que aquela bebida, típica

da ilha, fazia sobre o ânimo alheio.

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Raul não a procurou mais. Ela o viu dançando durante o restante da noite, às

vezes com Diane, outras com Susi, e até mesmo com as esposas dos amigos

de Willard. Mas a parceira mais constante foi Barbara.

Já passava das duas da madrugada quando a festa começou ta arrefecer. E

foi só quando os Marin estavam indo embora que Beth se deu conta de que

Raul tinha sumido sem ser pressentido. Angustiada, constatou que também

Willard e Bar bara não estavam mais ali. Quando acabou de despedir-se de

Jacques, Susi e Diane junto ao carro e voltou para o hall, viu reaparecer pai e

filha. Pela expressão de Willard, percebeu que, caso viessem a falar-se, o

que seria dito não agradaria a nenhum dos dois. E Barbara estava novamente

com aquele olhar maldoso que tão bem ocultara nos últimos dias. f Os

hóspedes que iriam dormir na casa disseram boa-noite e retiraram-se aos

seus aposentos. Beth, incomodada pelo olhar rancoroso de Barbara, resolveu

também recolher-se. Willard não lhe tinha dirigido a palavra desde seu

reaparecimento ao lado da filha e ela só esperava que a brisa noturna o

tivesse tornado sóbrio para saber se comportar dali por diante. — Bem...

então, boa noite — saudou Beth, quando todos se juntaram ao pé da

escadaria. — Vejo você amanhã cedo, Willard. Willard deu uma olhada para a

filha, antes de anunciar:

— Também vou subir agora.

Os dedos de Beth apertaram o corrimão com força. Quais seriam as

intenções dele? Tentando afastar seus receios, virou-se para Barbara mas

esta não lhe deu a mínima, e passou por ela, sem uma palavra, subindo pelas

escadas e deixando os dois sozinhos.

Beth e Willard subiram os degraus, lado a lado, e ela não pôde deixar de

notar como as extravagâncias daquela noite o tinham afetado. Quando

chegaram ao patamar, ele parou ofe gante, e fez um esforço visível para

continuar a andar pelo corredor. Ao alcançarem a porta do quarto dele,

Willard a re teve, segurando-a pelo ombro. Beth teve um tremor incontido,

Was quando o viu encostar-se à parede, como se estivesse no fim de suas

forças, deu-lhe atenção.

— Acho que não vou conseguir arranjar-me sozinho — disse, aparentemente

recalcitrante. — Você poderia dar-me uma ajudazinha?

Beth pensou duas vezes. A última coisa que desejava fazer daquela noite era

entrar no quarto de Willard. Mas ela era uma enfermeira... a enfermeira dele,

e qualquer outro paciente ter merecido sua atenção naquelas

circunstâncias.

— Claro — disse finalmente. — Vamos lá que eu o ajudarei a despir-se.

Abriu a porta e Willard entrou cambaleante e foi andando com passos

incertos até perto da cama. Beth parou e capaci-tou-se que não poderia tirar-

lhe a roupa com a porta aberta. Voltou para fechá-la.

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Willard sentou-se na beira da cama, enquanto ela lhe afrou- xava o nó da

gravata. Depois tirou-ihe o paletó. Ajudou-o com tal solicitude que uma parte

do gelo que havia se levantado entre ambos chegou a derreter-se.

— Como soube que Valerian queimou a mão? — Willard tornou a perguntar

subitamente, e ela sentiu-se apreensiva,

— Já lhe disse. Você mesmo me contou.

— Não, eu não contei coisa alguma — Willard retrucou. — Barbara contou que

você sabia muito antes de ele ter vindo aqui em casa.

Beth continuou desabotoando-lhe a camisa, procurando de- sesperadamente

alguma coisa para dizer. Mas o que poderia dizer senão a verdade? Talvez

fosse até melhor que ele soubesse de tudo por seu intermédio e não através

da história deturpada de ou trem.

— Pois bem... — disse cautelosa. — Eu sabia pela simples razão de que eu

estava lá quando aquilo aconteceu.

Willard agarrou-a pelo pulso.

— Você... o quê?

— Eu estava lá. Pensei que soubesse.

— Não! Vá em frente. Quando foi isso?

— Naquele mesmo dia em que fui cavalgar com Barbara.

— Quando ele a trouxe para casa? Você está dizendo que, de fato, tinha

combinado encontrar-se com ele?

— Nada disso! — Beth estava estarrecida pela forma como ele tinha chegado

às piores conclusões.

— Como você mesmo disse, Raul me trouxe para casa. Bem... ele tinha

encontrado meus óculos escuros e minhas sandálias na praia. — Beth teve

uma súbita inspiração e concluiu: — E sugeriu que fôssemos antes apanhar

minhas coisas.

— Você está mentindo!

— Não estou! — O rosto de Beth estava escarlate. — Ele... ele achou meus

óculos na praia.

— Mas não foi por isso que você foi até a casa dele!

— Foi. Ele... bem... eu me senti mal e ele ofereceu-me café.

Willard torceu-lhe o braço dolorosamente.

— O que você está pensando? Que sou algum imbecil? Acha que vou engolir

uma história dessas!

— Willard, ele queimou a mão com água fervendo quando foi fazer um café.

— Talvez... mas o que aconteceu antes desse bendito café é o que me

interessa!

— Não aconteceu nada antes do café! — afirmou, desespe rada. — Willard,

você está me magoando.

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— Gostaria de magoá-la bem mais do que isso. — E com uma energia, sem o

menor traço de exaustão anterior: — Não sou trouxa, Beth. Já é tempo de

você saber disso. Agora estou entendendo por que vinha com aquelas

fábulas a respeito de minha saúde. Você estava a fim do melhor, do mais

conveniente: meu dinheiro e o corpo dele!

— Não! — Beth estava horrorizada. — Willard, você está louco!

— Tenho que concordar que estive louco. Mas agora posso ver claro. Cheguei

a pensar que você se importava um pouco comigo. Sabia que o dinheiro era

uma forte motivação. Mas tive a ilusão de que você tinha uma certa afeição

por mim.

— E tenho. Tenho mesmo! Oh! Willard, concordo que deveria ter-lhe contado

sobre Raul.

— Raul! Raul, não é mesmo? — Seus lábios se estreitaram.

— É evidente. Eu deveria ter pensado que uma mulher como você não

passaria muito tempo sem...

— Uma mulher como eu?

— Isso mesmo! — Seus olhos se fixaram em seu seio arfante.

— Prontinha para o que der e vier, não é mesmo? Pois você nunca poderá

dizer que Willard Petrie é homem que desaponte uma mulher! — E, com um

gesto brusco, a derrubou na cama.

Beth forçou um movimento de defesa. Mas o gesto só facilitou para que ele a

subjugasse e isso era a última coisa no inundo que ela desejava. Willard não

era mais aquele pobre inválido. As últimas semanas o tinham fortalecido e

sob o peso daquele corpo revigorado, ela não teria chance.

Foi então, quando não tinha mais esperanças de detê-lo, que ouviu alguém

bater à porta freneticamente, aos gritos, e nem Willard pôde ignorar aquela

interrupção. Praguejando, Willard levantou-se.

Beth estava por demais atônita para mover-se, mas quando ele abriu a porta,

a correnteza de ar fresco deu-lhe nova vida.

Pulou da cama e foi atrás dele, sem compreender a balburdia que se passava

no corredor.

Os Templeton estavam lá, junto com os Hammond, mas e Marta de Vries

quem estava fazendo mais algazarra. Chorava histericamente e o marido

esforçava-se para acalmá-la. Foi Char-les Templeton que, por fim, elucidou o

que estava acontecendo. — O colchão, homem de Deus! — exclamou raivoso

— Está infestado de baratas e percevejos! Que raio de criados você tem?

Não cumprem suas obrigações? Nenhuma daquelas camas está em

condições para alguém dormir nela!

Beth encostou-se timidamente ao batente, enquanto Willard pregava suas

mentiras. Pagava excelentes salários, afirmou ele, e se os quartos não eram

habitáveis a culpa não era dele. Beth olhou-o com assombrada descrença.

Page 83: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Ele sabia muito bem que aqueles cômodos estavam em petição de miséria.

Ela tinha inclusive avisado, mas Willard fizera-se de surdo.

Agora estavam todos descendo as escadas, com Willard a frente, chamando

Jonas em altos brados, sem se importar que os criados já tivessem se

recolhido há horas e não ouviram seus berros. Mas nesse ponto, Beth

enganou-se. Quando en veredou, estonteada, pela galeria ao lado da escada,

viu Jonas aparecer estremunhado, tentando enfiar o paletó por sobre a

camisa desabotoada.

Ela desceu as escadas, pé ante pé, sem saber nem o que estava fazendo.

Podia ouvir Willard arrasando o velho criado, aos gritos, e as respostas

incoerentes de Jonas, acrescentadas a alguns co mentários dos hóspedes.

Aquele caos pareceu-lhe insignificante, comparado com o que lhe ia na alma-

Não poderia suportar que Wiliard a tocasse novamente e isso significava que

não poderia continuar naquela casa nem por um segundo a mais,

Quem poderia ajudá-la? Barbara? Talvez. Se sentisse que iria livrar-se dela

para todo o sempre. Os Marin? Mas eles já estavam em San Germaine, a

milhas de distância! Raul!

Respirou fundo para tomar coragem. Teria outra alternati-va? Ou estava

procurando uma desculpa para procurá-lo?

Com o coração batendo loucamente cobriu apressadamente o espaço que a

separava da saída. A porta estava com o ferrolho passado e grunhiu um

pouco quando Beth tentou abri-la. O ar noturno nunca lhe parecera tão

convidativo e ela saiu de casa, emitindo um arrepio nervoso de alívio.

CAPITULO IX

Beth deu a volta na casa, de pernas bambas, esperando ser surpreendida a

todo o instante.

Estava difícil localizar o bangalô de Raul. Mas conseguiu vê-lo à luz do luar,

uma mancha escura de encontro à colina. Não havia luzes acesas que

indicassem se ele ainda estava acordado.

Quando chegou embaixo da varanda parou, indecisa. Garantida pela

distância que agora a separava de Willard, aquela fuga pa receu-lhe vã e

desnecessária. Afinal, o que diria Raul? O que poderia ela contar-lhe?

Somente que decidira ir embora daquela ilha... Subiu um degrau e parou

quando a madeira rangeu sob seus pés. Provavelmente a sacada fazia o

mesmo barulho durante o dia, mas ã noite era assustador. Estava ali,

hesitante, não que rendo mais subir, nem querendo voltar, quando a porta

que dava para a varanda abriu-se e uma voz dura e severa fez-se ouvir:

Page 84: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Pelo amor de Deus, Barbara, vá para casa! Não aprendeu o suficiente esta

noite para manter-se afastada de mim?

Não havia luz bastante para que ele pudesse ver quem es tava na escada,

mas de alguma forma Raul deve ter pressentido que não era com Barbara

que ele estava falando. Com uma imprecação, precipitou-se pelos degraus

abaixo.

— Beth! — balbuciou incrédulo. — Por todos os santos, o que você está

fazendo aqui?

Beth sentiu-lhe o hálito na nuca e, através da tênue claridade, pôde verificar

que ele ainda estava vestido com a calça do smoking e a camisa branca.

Mas a camisa estava desabotoada e a emanação do calor de seu corpo viril

chegou-lhe às narinas.

— Eu... eu... — Não conseguia encontrar as palavras. — Willard...

— Posso imaginar — murmurou e a impeliu escadas acima, entrando em casa

e fechando a porta e as cortinas, antes de apertar o interruptor de luz.

Beth pestanejou àquela súbita iluminação e olhou para baixo,

semiconsciente do estado de seu vestido, A barra estava cheia de areia que

se espalhou pelo assoalho quando ela sacudiu a saia.

— Oh... desculpe — murmurou, encabulada, mas Raul nem lhe prestou

atenção, ocupado que estava em encher um copo com uma bebida dourada.

— Tome — ofereceu, passando-lhe o copo. — É conhaque.

Raul não tinha se servido. Ficou só olhando para Beth, com ar pensativo.

Quando ela sentiu-se suficientemente reconfor tada para encará-lo, ele

perguntou:

— O que pretende fazer? Beth sacudiu a cabeça e disse:

— Eu quero ir embora da ilha. O mais cedo possível.

— Vamos com calma — advertiu ele categórico. — Não de- vemos tomar

decisões precipitadas, não é mesmo? São exata- mente... — Consultou o

relógio de pulso. — Três horas da manhã. Talvez fosse melhor esperar

amanhecer antes de...

— Não! — Beth estava transtornada. — Não quero ficar naquela casa nem

mais um minuto!

Raul começou a passar seus longos dedos pelos cabelos quei- mados de sol.

— Presumo o que tenha acontecido esta noite: Willard, por certo, decidiu não

esperar mais para fazer valer seus direitos.

— Ele não tem direito algum. Não, por enquanto. Raul estacou e olhou para

Beth.

— Você tentou dizer-lhe isso?

— Sim, mas foi inútil.

— E, contudo, ele permitiu que viesse para cá.

Page 85: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Ele não permitiu coisa alguma! Nós... eu estava em seu quarto... ajudando-

o a despir-se... — E vendo o olhar assom- brado de Raul, acrescentou

rapidamente: — Sou uma enfer- meira. Costumava ajudá-lo a despir-se

quando estava conva lescendo. Ele... ele me disse que não estava podendo

trocar-se sozinho e eu tive que ajudar.

Raul Ficou muito atento.

— E daí?

— Bem, tivemos um desentendimento e então... então, a sra. De Vries

começou a gritar...

— Marta?

— Sim. — Beth fez uma pausa. — Wiilard hospedou-os naquela ala

desocupada. Eu tinha visto aqueles quartos antes e já o avisara que estavam

caindo aos pedaços. Mas ele não quis me ouvir. Parece que encontraram...

baratas e percevejos!

— Barbaridade! — Raul arregalou os olhos. — Quer dizer que os bichinhos

acabaram com a festa?

— Willard teve que ir falar com eles. Enquanto ia resolver o problema de seus

hóspedes, aproveitei para fugir!

Raul escutou o que ela contara e perguntou suavemente:

— E por que você veio até aqui? Por que me procurou? Beth corou.

— Não havia mais ninguém a quem recorrer. Ninguém que não tomasse o

partido de Willard.

— E o que a fez pensar que eu não tomaria? Ela fez um gesto desconsolado.

— Eu... eu não estou pedindo muito. Só... um lugar onde ficar esta noite.

Amanhã cedo vou embora.

— Para onde?

— Para onde? Voltar para a Inglaterra, é lógico!

— Como pensa alcançar Castries? Beth ergueu os ombros.

— Existem lanchas que vão para lá, não existem?

— Não percebe que Willard estará controlando todo o mo vimento de carga e

descarga?

— Não sou nenhuma carga! — ela gritou, exaltada.

— Não é — concordou. — Mas ainda é sua noiva. Pelo menos, continua

usando o anel de Agnes.

Beth olhou petrificada para o solitário que rebrilhava em seu dedo. Durante o

pânico que a assaltara, esquecera com-pletamente do anel, mas agora

arrancou-o do anular e jogou-o em cima de uma mesinha. Seus lábios

tremeram ao ver o dia mante rolar várias vezes antes de parar no lugar.

Raul tinha dito "o anel de Agnes". Teria realmente pertencido à falecida

esposa? Olhou-o interrogativamente e ele confirmou:

— Era dela, você não sabia?

Page 86: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Como iria saber? Nunca o tinha visto antes.

Raul soltou a respiração ruidosamente.

— Quer dizer que terminou com o noivado e com o casa mento? Barbara vai

ficar feliz da vida.

Beth ressentiu-se.

— Você ainda acredita que eu ia casar com Willard por dinheiro, não é

verdade?

— E pode negar? O fato de você estar aqui esta noite não prova isso? Quando

você teve que provar que o amava de fato, deu o fora!

— Não era minha intenção. Na Inglaterra ele era diferente.

— Menos exigente, suponho.

— Ele me tratava como... como uma dama.

— Como sua filha, você quer dizer? — sugeriu Raul seca mente. — Por Deus,

Beth! Honestamente, você não vai querer sair dessa com louvor, vai?

— Não acredita em mim, não é?

— Willard foi apenas uma fuga para você. Você tinha le vantado uma barreira

contra o contato físico. Se ele fosse um simples operário, não creio que o

tivesse olhado duas vezes.

Beth soltou um soluço sentido.

— Eu devia ter sabido. — Começou a chorar, dirigindo-se para a porta de

saída. — Deveria ter pensado melhor antes de apelar para um homem como

você. Um homem que só vê as mulheres como... como um objeto. Objetos

para serem usados ou descartados, a seu bel-prazer. Você não faz idéia de

que possam existir outras coisas na vida... que as mulheres possam ter

sentimentos...

Quando girou a maçaneta, ele a alcançou, puxando-a ao seu encontro. Seus

braços a envolveram inteira e ela sentiu os seios duros serem esmagados

pelo seu peito másculo. Com um soluço de vergonha, sentiu que estava se

rendendo novamente, ansiando por ter aquele corpo por completo. Ficaram

assim colados um ao outro, por segundos intermináveis. Ele obrigou-a a olhá-

lo e viu seus lábios trêmulos entreabertos.

— Ele fazia isto com você? — Exigiu, enquanto a beijava sofregamente,

tornando-lhe os sentidos de assalto.

Beth moveu a cabeça de um lado para outro, espasmodica-mente, incapaz de

responder-lhe. Ele tornou a tentá-la.

— Você sabe o que quero fazer, não sabe? — sussurrou com voz alterada

pelo desejo, começando a baixar-lhe o vestido pelos ombros. — Você deixa?

Beth estremeceu.

— Vamos... vamos parar?

— Você quer parar? — perguntou roucamente, aprisionan do-lhe as mãos nas

costas.

Page 87: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Não — sussurrou, envergonhada- — Não mesmo!

A boca de Raul cobriu seus lábios novamente, com força renovada, exigindo

uma entrega total. Ela aderiu seu corpo ao dele, sem se preocupar que

Willard poderia estar à sua procura e que de um momento para outro poderia

chegar a surpreender aquela cena.

Mas Raul não estava tão fora de si. Pouco depois, levantou a cabeça e olhou-

a novamente. Desta vez, a emoção tinha desapa recido de seus olhos verdes.

Impassível, ele voltou a puxar-lhe o vestido no lugar, fechou o zíper, e deu

um passo atrás.

De repente, Beth deu-se conta da desordem de seus cabelos e de suas

vestes. Mas não fez nenhum gesto para recompor-se. Ficou ali, parada e

confusa. Sem entender aquela contestação inesperada.

— Acho que é tempo de ir para a cama — disse ele, por fim.

— Para a cama?

— Sim. — Ele virou-se de costas quando percebeu que Beth estava olhando

indiscretamente para seu baixo ventre. — Ex pediente encerrado. Você

poderá dormir peio tempo que resta da noite.

— Com você? — insinuou ela muito meiga. Mas ele replicou:

— Vou lhe mostrar onde.

— Por que não com você? — Teimou, quase suplicando. — Raul...

— Por Deus, Beth, não torne as coisas mais difíceis do que já são. Venha

aqui.

Entraram naquele quarto espartano, mas muito limpo e are jado. Raul afastou

as cobertas da cama turca e indicou uma jarra com água e um copo que

estavam sobre a mesinha-de-cabeceira, e saiu.

— Raul... Raul o que eu fiz de errado?

— Você não fez nada de errado — falou entre os dentes.

— Então... então por que você não... — Tomou coragem e declarou: — Eu

preferia que fosse você, mais do que qualquer outro.

— Pensa que não sei disso? — Ele irrompeu, enquanto ela encolhia-se,

esmagada pela própria audácia. —Você acha que eu iria tornar as coisas

mais fáceis para você e Willard?

— Vou deixar Willard.

— Isso é o que você diz agora. Mas amanhã, com a cabeça fria, vai pensar

diferente, principalmente se começar a se con-siderar uma mulher e não uma

inexperiente aluna de colégio de freiras!

Beth sentiu-se como se ele a tivesse esbofeteado.

— Você diz coisas muito ofensivas!

— Mas reais, não acha? No final, eu não sirvo para você. Não sou o dono da

ilha, e posso até arriscar a perder meu emprego.

Ela ficou chocada.

Page 88: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Seu emprego é tudo o que lhe importa? Uma sombra cobriu as pupilas de

Raul.

— E existe algo mais importante do que isso? Beth ficou descontrolada.

— Quer dizer que... você... que nós... — Sentiu uma pressão no peito e a

respiração tornou-se difícil. — Oh, meu Deus! Como odeio esta maldita ilha!

Odeio você, ouviu bem? Há alguma coisa j neste lugar, alguma coisa no ar

que se respira, que faz as pessoas 1 agirem em contradição com a própria

natureza!

— Você está redondamente enganada. Ao contrário, a ilha revela o que

realmente somos.

— Não! — Beth o contradisse com veemência.

O amor, essa sensação tão mal definida, tinha chegado a ela naquela ilha e

agora sentia que esse amor tinha sido de turpado e rejeitado.

— Você está com pena de si mesma — ele disse cruelmente quando viu as

lágrimas que lhe banhavam as faces.

Beth enxugou-as com o dorso da mão.

— Acho que é de você que eu deveria sentir pena. Sabe que é péssimo não

amar ninguém senão a si mesmo?

— É isso o que pensa de mim? O que sabe você do amor que não tenha

aprendido comigo?

— Nada — disse como que enfeitiçada, levando um dedo aos lábios de Raul,

que respondeu com um beijo longo e convincente.

— Agora vá dormir — ordenou por fim.

A mão de Beth acariciou amorosamente sua coxa, num apelo mudo, e não

disse mais nada que pudesse quebrar o tênue vínculo que se esvoaçava

entre eles.

Surpreendentemente, conseguiu dormir, e, quando acordou, o sol penetrava

pelas frestas da cortina. Por alguns segundos saboreou a deliciosa sensação

de estar deitada na cama de Raul. Languidamente, afundou o rosto no

travesseiro onde ele repousava a cabeça. Mas não naquela noite. Naquela

noite ele dormira no sofá da sala. Ninguém acreditaria nisso. Mas o que lhe

importavam os outros? Na verdade, agora não se im portava com mais nada,

nem com ninguém. Espreguiçou-se e ficou olhando para o vestido de chifon

que estava dobrado no espaldar da cadeira. Era a única coisa que tinha para

vestir, pois não poderia aparecer perante Willard enrolada num lençol.

Sentiu um calafrio, e afastando a imagem do ex-noivo da mente, escorregou

para fora da cama, carregando junto o lençol que amarrou sobre o busto, à

guisa de sarong. Abriu a porta do quarto e saiu pé ante pé pelo corredor. A

primeira pessoa que encontrou foi Tomas e ficou vermelha de vergonha pelo

que ele pudesse estar pensando.

Page 89: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Onde está o sr, Valerian? — perguntou, encabulada. Antes de responder, o

criado fez uma pequena reverência.

— O sr. Raul saiu há mais de duas horas, senhorita. Quer tomar o café da

manhã?

Beth suspirou, conformada. Devia já saber que Raul não iria negligenciar seu

tão adorado trabalho só por sua causa. Sentiu um sobressalto quando

pensou que teria que enfrentar Willard sozinha. Contudo, era inevitável.

Dizendo a Tomas que iria tomar somente um cafezinho puro, voltou para o

quar to. Fez uma vistoria nas gavetas de Raul e separou uma ca miseta e um

jeans que, amarrados por um cinto, não iam pa recer tão grandes. Em

seguida foi para o banheiro e arrepiou-se toda ao descobrir que só havia

água fria para se lavar. Lim pando os dentes com sabonete e os dedos, ficou

imaginando o que diria a Willard quando o visse. Não tinha a menor dúvida de

que ele deveria estar possesso. Seus pensamentos começa ram a correr

velozes. Se Willard descobrira que ela tinha deixado a casa na noite anterior,

teria sido mais próprio de seu temperamento ter saído ao seu encalço. E por

que não fora? Era fácil presumir onde ela estava, principalmente depois das

acusações que lhe fizera. Estava saindo do banheiro a fim de vestir-se

quando ouviu vozes, uma delas feminina e desgraça damente conhecida. Era

Barbara, e Beth sentiu-se arrasada. O que estaria fazendo ela ali?

Na afobação de voltar ao refúgio do quarto, tropeçou na barra do lençol e só

evitou cair estatelada no chão porque conseguiu agarrar-se ao trinco da

porta. Mas seu grito involuntário foi ouvido com clareza e enquanto lutava

para arrepanhar o lençol junto ao corpo, Barbara apareceu subitamente na

sala.

— Então aqui está ela! — disse com voz lânguida e desdenhosa. — Raul bem

que disse que eu haveria de encontrá-la por aqui.

— Raul! — Beth olhou para a outra, incrédula. — Você o viu?

— Claro que sim.

Barbara dispensou Tomas que a acompanhara com os olhos dilatados pela

ansiedade, e convidou:

— Poderia vir até a sala? Tenho algo para dizer-lhe.

— Se não se importa, gostaria de vestir-me antes. Mas Barbara não parecia

disposta a esperar.

— Poderá vestir-se depois — declarou decisivamente, já a caminho da sala.

— Trouxe uma muda de roupa comigo pois Raul disse que você só tinha o

vestido da festa.

Aquela nova menção a Raul, Beth cravou as unhas na palma da mão, mas

acompanhou a outra, de mansinho, tomada de uma angústia crescente.

Estava tentando desesperadamente não acreditar nas palavras de Barbara,

mas por quem mais poderia ter sabido que ela estava no bangalô?

Page 90: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Ao chegarem à sala, Barbara olhou-a friamente por um ins tante, e depois

anunciou sem rodeios:

— Meu pai está morto.

Beth mal podia acreditar em seus ouvidos. — O que... o que você disse?

— Você ouviu muito bem — retorquiu a outra, sem emoção. — Meu pai está

morto. Jonas tinha acabado de encontrá-lo já sem vida no estúdio, quando

Raul chegou em casa. Deve ter tido outro enfarte.

— Oh, Barbara! Sinto muito!

Beth estava abalada até o fundo da alma.

— Não diga isso! Você só sente pelas coisas que podia tirar dele. Como isso

aqui, por exemplo. — Abaixou-se e pegou o anel de brilhante que estava

esquecido na mesinha. — O anel de minha mãe! Ele me pertence.

— Pois leve-o — gritou Beth. — Ia mesmo devolvê-lo!

— Ia? Por quê?

Barbara fitou o anel no dedo.

— Por quê? — Beth olhou-a admirada. — Não é óbvio?

— Só porque passou a noite aqui? Oh, minha cara, você não é a primeira

mulher que passa a noite aqui e nem será a última!

Aquelas palavras foram soltas de uma forma maldosa, ter rivelmente

enervante, e Beth, que esperara por uma cena de ciúme, só viu zombaria e

desprezo no olhar da outra.

— Não tenho intenções de discutir esse assunto com você. Mas Barbara não

estava disposta a ceder tão facilmente.

— Raul contou-me que você veio para cá ontem à noite, mas não mencionou

nada sobre o rompimento do noivado.

Beth aspirou fundo antes de falar.

— Imagino que tenha tido outras coisas mais importantes em que pensar. —

Olhou em torno e viu a frasqueira junto à porta. — Acho que vou aprontar-me.

— Espere! — Barbara a deteve a caminho da frasqueira. — Há algo que você

precisa saber.

— Ora, Barbara! — Beth ficou apoiando-se ora numa perna ora noutra,

impaciente. — Acho que não temos mais nada a nos dizer.

— Discordo. Você não gostaria de saber por que Raul andou brincando com

você desde que chegou à ilha? Nunca se per guntou por que logo você?

Quando há um monte de mulheres doidinhas por ele?

— Pelo amor de Deus! Este não é o lugar e nem a hora para...

— O que é que há? Por que não quer discutir isso comigo? É assim tão

penoso para você?

Beth deu um suspiro de resignação.

Page 91: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— O que está tentando dizer, Barbara? E o que quer que lhe diga? Sei muito

bem o que sente por Raul, apesar de você tentar esconder a verdade. Mas o

ciúme é um sentimento mesquinho e...

— Ciúme? Eu? — Barbara deu uma risada de mofa. — De meu próprio irmão?

— Seu irmão! — Beth não podia nem queria acreditar.

— Meu irmão, sim. — As sobrancelhas de Barbara ergue ram-se numa

expressão de maldade. — Na verdade, ele é meu meio-irmão. Não sabia que

papai tinha um filho? Pois é. Mas Raul sabia, e estava tão empenhado quanto

eu em impedir que você se casasse com papai. Só que usou métodos

diferentes para alcançar seus objetivos.

— Não! — Beth estava tremendo desconsoladamente.

— Pois é a pura verdade — insistiu Barbara impiedosa-mente. — E por que

não? Não foi justamente isso que ele andou fazendo? Oh, srta. Rivers, não

percebeu que entrou no jogo dele como um patinho?

CAPITULO X

As peças do quebra-cabeça pareceram encaixar-se nos devidos lugares. Até

detalhes sem im portância tinham sua explicação. Por exemplo, a demasiada

familiaridade de Raul com o patrão e até com ela própria.

Imagine só, pensou ela, quando começou a vestir-se: se ti vesse casado com

Willard seria madrasta de Raul. Madrasta! Seria inacreditável e imperdoável.

Mas quem teria sido sua mãe? Com toda a certeza, não fora Agnes. Barbara

dissera-lhe claramente que ele era seu meio-ir mão, o que significava que era

bastardo. Não era de admirar que sentisse tanto desprezo pelo pai! Tinha

poucas razões para ser-lhe grato. Raul era mais velho que Barbara, o que

provava que o relacionamento de Willard com a mãe dele ocorrera antes do

casamento com Agnes ou, então, antes de a filha ser concebida.

Barbara estava a par de tudo, e por que somente agora contara a verdade? A

resposta lógica era também chocante. Não teria valido a pena fazer essa

revelação antes pois poderia tê-la deixado de sobreaviso e em guarda contra

a traição que pretendiam fazer ao pai. As coisas poderiam ter sido bem

diferentes se Willard fosse avisado das intenções do filho. Teriam sido

mesmo?

Beth escovou o cabelo com energia, vendo sua pálida figura refletida no

espelhinho da parede. Estava terrivelmente abatida, e não era para menos,

pois a notícia da morte súbita de Willard tinha sido perturbada quando da

revelação de traição de Raul.

Barbara dissera-lhe para voltar para casa tão logo estivesse pronta. O

enterro seria naquela mesma tarde. A explicação, dada por Barbara com

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tanta calma e objetividade, enojou Beth, que se sentiu como se estivesse

tendo um pesadelo.

Alguém fechara todas as janelas e a casa tinha um aspecto lúgubre de

clausura. Podia-se até sentir o cheiro da decadência e podridão, e Beth

sentiu um calafrio. Imaginou onde teriam colocado o corpo de Willard.

Certamente, no quarto de dormir, e sentiu a boca seca só de pensar em

encontrá-lo lá, em cir-cunstância tão diferente.

O hall estava deserto, mas podia ouvir vozes abafadas, vin das da sala de

visitas. Enquanto estava ali parada e indecisa sobre o que fazer, Charles

Templeton apareceu e parou abruptamente ao vê-la.

— Beth! — exclamou ele num tom de censura. — Finalmente você voltou.

Será que todos sabiam que ela passara a noite na casa de Raul?

— Olá, sr. Templetom — respondeu timidamente, agora sem coragem de

chamá-lo simplesmente de Charles. — Eu estava... Onde está ele?

— Willard? — Templeton fitou-a com frieza. — No quarto dele, mas os outros

estão aqui embaixo. Penso que seria melhor

que se juntasse a nós.

Por um momento, Beth titubeou, mas depois ergueu os om- bros e resolveu

segui-lo.

Esperara encontrar Raul e Barbara na sala, mas não havia nem sinal deles.

Em compensação, teve que enfrentar os con vidados de Willard que tinham

pernoitado na casa, mais Jacques Marin e, surpreendentemente, Isabelle

Signy. A atmosfera do ambiente era declaradamente hostil, com exceção de

Isabelle que parecia querer transmitir-lhe um certo calor humano.

O pesado silêncio que se fez diante de sua aparição foi que- brado quando

Charles Templeton dirigiu-se a Jacques:

— Talvez fosse melhor repetir para a srta. Rivers o resultado do exame. Por

certo ela quer saber como seu... seu noivo faleceu

Beth entrelaçou os dedos e pediu, quase num sussurro:

— Por favor, dr. Marin.

— A festa de noivado foi muito desgastante para ele. Jun tando isso aos

acontecimentos que se seguiram, foi demais para um coração enfraquecido

pelo primeiro enfarte.

Se aquilo representava uma acusação, Beth resolveu igno rá-la. Agora era

inútil explicar a todos que ela não desejara dar aquele jantar, que o prevenira

que estava bebendo demais e que ele se irritara quando ela tentou trazê-lo à

razão. Po deriam imaginar que estava tentando justificar-se.

Só uma coisa era certa: ela nunca deveria ter deixado a casa daquele jeito

intempestivo.

Aprumando-se, Beth perguntou a Marta de Vries:

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— Ele foi para o quarto depois de... depois de falar com Jonas? Foi Gilbert

quem respondeu pela esposa:

— Ele nos cedeu o próprio quarto. — E acrescentou, muito solene: — Aliás,

como teria feito um cavalheiro. Marta e Esther dormiram lá. Charles e eu nos

acomodamos nos sofás da sala.

— Entendo e posso imaginar...

— Também não dormiu em seu quarto, não é, srta. Rivers? — observou Laura

Hammond maldosamente.

Beth ficou grata a Isabelle Signy por ter escolhido justo aquele momento

para informar-se a que horas sairia o enterro.

— Às quatro horas — disse Raul, irrompendo pela sala aden tro, e o ar

pareceu encher-se de eletricidade.

Beth olhou vagamente em torno, evitando encará-lo, mas cada fibra de seu

ser vibrava com aquela presença. Em seu terno escuro, pouca semelhança

tinha com o homem descontraído que conhecera na praia. Agora parecia-se

mais com o pai.

Pelo visto, Charles Templeton auto-elegera-se o arauto de família, pois logo

interveio:

— O testamento deverá ser lido logo após o sepultamento. Por coincidência,

tenho uma cópia aqui comigo. Willard havia me pedido que trouxesse os

documentos. Creio que tinha in tenção de fazer algumas modificações, mas,

infelizmente, nunca saberemos quais foram suas últimas vontades,

A essas palavras, um olhar geral de triunfo foi lançado em direção a Beth e

ela pensou que ele talvez tivesse decidido, à última hora, transformá-la em

sua herdeira.

Graças a Deus não dera tempo, pois ela não queria nada a que não tivesse

direito.

Sentiu que Raul estava olhando acintosamente e desviou seu olhar. Não

queria dar-lhe o prazer de saber o quanto ele a tinha ferido. Tão logo

terminasse a cerimónia do funeral, ela partiria e nunca mais voltaria a vê-los.

— Poderia combinar isso com Barbara. Ela deverá descer logo — estava

dizendo Raul.

— Barbara está muito abalada — disse Esther Templeton, meneando a

cabeça. — Também não é para menos. Uma tra-gédia dessas justo na noite

em que deveria ser a mais feliz na vida do pai!

Beth ficou tensa ao notar uma nova avalanche de olhares sig nificativos, mas

Isabelle foi para seu lado e falou-lhe com brandura:

— E você? Está bem? Parece-me muito abatida. Beth sentiu-se grata.

— Estou bem, obrigada. Mas foi um grande choque para mim.

— Estou certa disso.

Page 94: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Isabelle a olhou com simpatia e compaixão e Beth admirou-se de como ela

poderia ser tão compreensiva, sendo, entre todos, a que teria mais razão

para odiá-la.

Mal percebeu que Raul atravessara a sala em sua direção, até que sentiu

seus dedos segurando-lhe o cotovelo. Puxou o braço instintivamente,

olhando preocupada para Isabelle, mas esta estava concentrada no rosto

sombrio de Raul.

— Já foram tomadas todas as providências? — perguntou ela, e Raul, após

lançar um olhar hostil a Beth, retrucou:

— O caixão deverá chegar lá pelas duas horas. Se quiser vê-lo agora, este é o

melhor momento.

Isabelle deu um profundo suspiro...

— Sim, sim. Você vem comigo? Raul concordou.

— Está bem. Dê-me só um minuto para falar com Beth.

— Claro. — Isabelle sorriu e foi se encaminhando vagaro samente para a

porta.

Raul agarrou de novo o braço de Beth, desta vez com firmeza.

— O que está acontecendo com você? Há pouco, quase pulou quando a

peguei pelo braço. Não vá me dizer que está se in comodando com o que

essa gente toda pode pensar de nós.

— E evidente que você não está.

— Não, não estou mesmo. Eles não significam nada para mim.

— Por acaso alguém significa? Pois bem, preferia não falar sobre isso. Estão

todos nos olhando e posso imaginar o que estão pensando.

— Eu também posso. Estão pensando que dormimos juntos na noite passada

e não quero desiludi-los.

— Aposto que não...

A expressão de Raul demonstrava uma intensa frustração.

— Beth, quero falar com você urgentemente. Agora preciso subir com

Isabelle. Quando descermos, vamos até a biblioteca. Vai ter que me dizer por

que diabos está agindo dessa maneira!

— Não consegue adivinhar, sr. Valerian? Ou seria melhor dizer, sr. Petrie?

— Foi Barbara? Eu devia ter previsto.

— Então é verdade? Ele largou-lhe o braço. — Sim, é verdade. Beth

estremeceu.

— Eu sabia que era.

— Devia ter lhe contado antes.

— Devia mesmo. A sra. Signy está esperando. Você vai ou não?

— Beth! — Os olhos verdes procuraram os dela ansiosa mente. — Beth, isso

faz alguma diferença?

Page 95: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Ela sentiu uma enorme dificuldade em responder àquela pergunta e engoliu

em seco.

— Explique-se melhor.

Raul olhou em volta, desafiando os olhares de curiosidade que se

centralizavam sobre eles e, sem medir consequências, segurou-lhe ambas as

mãos e suplicou:

— Beth, você me ama?

Uma onda de rubor invadiu-lhe o rosto.

— Amar você... Oh, Raul...

— Raul! A sra. Signy está esperando que você a acompanhe! A intrusão da

voz prepotente e gelada de Barbara fez com

que ele imediatamente desprendesse as mãos. Raul ainda ficou olhando-a, à

espera de uma resposta, durante um longo minuto silencioso. Mas a meia-

irmã repetiu impacientemente:

— A sra. Signy, Raul. Ela está esperando por você!

— Obrigada, Barbara. Estou sabendo. — E saiu apressadamente. Logo a

atmosfera pareceu ficar mais leve e, acobertada pelo

zunzum da conversação reiniciada, Barbara pode falar, sern medo de ser

ouvida pelos outros.

— Então, srta. Rivers? Fazendo suas despedidas? Já contou a Raul que vai

partir hoje mesmo?

— Como? Isto é... — Beth fez força para manter a compos tura. — Vou ter que

partir hoje?

Barbara pareceu confusa, mas escondeu suas emoções.

— Oh, sim, vai! — afirmou categoricamente, com um meio-sorriso nos lábios.

— Quero que saiba que a ilha é minha, com todos os canaviais e o engenho.

Por conseguinte, sou a atual patroa de Raul. Está começando a entender?

Beth franziu o sobrolho.

— Mas, naturalmente, se o que me disse hoje é verdade, Raul deve estar tão

ansioso quanto você para me ver pelas costas, e não há com o que se

preocupar.

Os lábios de Barbara se estreitaram.

— Raul apenas obedece a ordens, caso contrário...

— Quer dizer que ele se arrisca a perder o emprego caso eu ficar?

— Em resumo, é isso.

— E o que a faz pensar que Raul se revoltaria contra você? — Porque tenho o

último trunfo escondido na manga. Eu sempre poderia vender a ilha.

Beth prendia a respiração. Já tinha ouvido o suficiente. Mor dendo o dorso da

mão, saiu pela sala afora, sob os olhares admirados dos presentes. Subiu as

escadarias como um furacão e quase chocou-se com Raul e Isabelle, que

estavam descendo.

Page 96: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Onde vai com essa pressa?

— Para o meu quarto. Preciso trocar-me.

— Espere por mim — pediu Raul.

Quando Beth abriu a porta do quarto, Raul entrou com ela e encostou-se ao

batente, resoluto.

— Bem, agora pode dizer-me o que está acontecendo? Beth começou a

suspeitar de que ele se importava um pouco

com ela.

— Venha aqui — ordenou ele, afrouxando o nó da gravata.

— Não temos mais nada para nos dizer — ela insistiu, evitando aqueles olhos

verdes que brilhavam perigosamente.

— Acha que não temos?

— Claro que não — pigarreou. — Saia, Raul, tenho que trocar de roupa. Não

posso ir de jeans ao... Oh!

Suas palavras foram silenciadas por um beijo avassalador que enfraqueceu

suas pernas e sua vontade,

— Deixe-me, Raul! — implorou ela, quando a boca sequiosa e trêmula

começou a percorrer-lhe o pescoço e o colo, numa ânsia louca.

— Não precisa lembrar-me que agora não é a hora nem o lugar para fazer

uma coisa dessa — disse asperamente, en quanto continuava com suas

carícias sensuais. Seus lábios vol taram a unir-se apaixonadamente. — Mas,

por favor, Beth, ajude-me! Preciso tanto de você.

Uma onda de desejo apossou-se de ambos quando os dedos de Raul

desabotoaram-lhe a blusa e aninharam os seios rijos de Beth.

— Oh, minha querida! Eu a amo. Deixe que a ame!

— Não, Raul!

— Não digo agora, neste minuto. Apesar de que Deus sabe que eu até

poderia.

— Eu também sei. Mas quando tudo isso terminar... Ele a abraçou com fúria.

— O que está tentando me dizer?

Aquele era o momento decisivo de sua vida. Beth molhou os lábios, em busca

das palavras.

— Quero dizer que depois do funeral vou embora.

— Vá para o inferno, isso sim! — ele estourou, raivoso. E Beth sentiu na

própria carne a dor que estava lhe infligindo.

— Você não vai conseguir fazer com que eu mude de idéia — persistiu,

sentindo-se morrer por dentro.

Ele a sacudiu tão violentamente que Beth pensou que iria deslocar-lhe o

pescoço.

— Por quê? Agora que... que meu pai está morto, para que continuar fugindo?

Page 97: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Não estou fugindo, Raul. — E concluiu, sem piedade: — Agora sei que

nunca amei Willard, mas descobri que também não amo você.

Os olhos de Raul estreitaram-se sinistramente.

— Estou entendendo — disse finalmente, e Beth presumiu o que estaria se

passando por sua cabeça. — Tinha até me esquecido. Afinal, tenho pouco a

oferecer a uma moça como você, não é? E, ainda por cima, sou um bastardo!

— Oh, Raul!

Beth não pôde evitar aquela exclamação dolorosa, mas qual quer outra coisa

que pudesse ter sido dita entre eles foi sustada pelas batidas que alguém

deu na porta.

Era Maria, anunciando que o almoço estava na mesa.

Não houve uma cerimônia religiosa propriamente dita. O en terro foi

presidido por um padre negro da igreja católica de San Germaine e o caixão

foi carregado até o túmulo da família pelo filho e mais cinco amigos do

morto. Até então, Beth não tinha prestado atenção ao mausoléu de pedra,

escondido entre as árvores no terreno dos fundos e sentiu-se aliviada quando

o caixão baixou, após uma breve oração, e todos puderam voltar para a casa.

Isabelle parecia ter se tornado sua protetora e ambas senta ram-se juntas na

sala de visitas, enquanto Raul foi ouvir o que Charles Templeton tinha a

dizer-lhes a respeito do testamento.

— Raul disse-me que você vai embora hoje à tarde — Isabelle atreveu-se a

dizer e Beth assentiu. — Você deseja mesmo ir?

Beth hesitou. Não podia fazer daquela mulher sua confidente, mas também

não resistiu à tentação de pedir-lhe um conselho.

Isabelle ainda estava olhando para Beth, meditativamente, quando Barbara

surgiu. Vinha apoiada no braço de Charles Tem pleton, ladeada por Raul e

Esther. Pela expressão da moça, Beth pôde notar que havia algum problema

grave. Isabelle levantou-se e foi falar com Raul. Barbara deixou-se cair

languidamente numa poltrona e Charles foi buscar uma bebida estimulante,

enquanto Raul, Isabelle e Esther falavam a meia-voz.

O que estaria acontecendo? O testamento já fora lido? Será que alguém iria

se dar ao trabalho de explicar-lhe o que se passava?

Barbara tomou um gole da bebida e a cor voltou parcialmente às suas faces.

Charles começou a falar com Raul e Isabelle aproveitou a oportunidade para

voltar ao lado de Beth.

— Williard deixou a ilha para Raul. Havia um segundo testamento. Tudo o que

Barbara obteve foi uma renda anual sobre os imóveis — declarou

objetivamente.

Beth mal podia acreditar no que acabara de ouvir. A ilha pertencia a Raul e

não a Barbara! Ela não poderia mais perturbá-los! A posição de Raul estava

salva. Salva! Isabelle observou:

Page 98: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Você ficou tão corada! Está se sentindo bem?

— Oh, sim. — Beth mordeu o lábio inferior, procurando desesperadamente o

olhar de Raul. Mas quando finalmente ele a fitou, Beth sentiu-se como se

tivesse tomado uma ducha de água gelada.

— Willard ainda estava vivo quando Raul chegou esta ma nhã. — Isabelle

continuava a esclarecer em voz baixa.

— Vivo?

— Justamente. Barbara não foi avisada porque, na verdade, ele estava

agonizando e não daria tempo de ir buscá-la. — Fez uma pausa e acrescentou

significativamente: — Além do mais, ele não desejava vê-la.

Beth estava assombrada.

— O que está me dizendo? Willard recusou-se ver a filha? Isabelle deu uma

olhada ao redor para assegurar-se de que

ninguém estava ouvindo aquela conversa.

— Parece que ele e Barbara tiveram uma conversa antes que você saísse da

casa. Não sei o que disseram um ao outro, mas o resultado foi que Willard

decidiu mudar o texto do tes tamento às primeiras horas da manhã. Jonas e

Clarrie foram as testemunhas. Tudo dentro da mais perfeita legalidade. Char

les acabou de informar a Barbara que ela não tem a mínima chance de

contestar o testamento. Raul é o herdeiro de tudo, como aliás deveria ter

sido sempre.

As últimas palavras foram pronunciadas com um certo res sentimento, mas

Beth mal o notou. Estava demasiadamente en volvida com sua própria

desgraça. Raul já estava sabendo de tudo quando falara com ela no quarto,

mas não quis revelar-lhe nada, temeroso de que ela pudesse mudar de idéia

só pelo fato de saber que agora ele era o dono da ilha. E isso, ele não

aceitaria. De agora em diante, não teria meios de convencê-lo de que o

amava. A não ser que Barbara lhe contasse sobre aquela mes quinha

chantagem... Mas ela não faria isso nunca!

Bastou um olhar para a filha de Willard e Beth pôde cons tatar que um forte

antagonismo ainda as separava e ela nunca teria chance de persuadir

Barbara a contar a verdade.

CAPITULO XI

A lancha balançou no ancoradouro, e Beth, que estava sentada lá embaixo

na cabine, sentiu uma náusea. Devia ter se alimentado antes de iniciar a

travessia, mas não podia nem ouvir falar em comida. O casal De Vries estava

no cais, falando com Manuel, o piloto do barco a motor que os levaria até

Santa Lúcia. Ela tinha amontoado a bagagem embaixo do banco e esperava

Page 99: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

ansiosamente que eles embarcassem antes que ela cedesse ao desejo de

voltar para os braços de Raul.

Após aquela revelação devastadora de Isabelle, não via meios de poder

provar o quanto o amava. Afinal, ele sempre acreditara que ela ia casar-se

com Willard por motivos mercenários. Por que haveria de ser diferente no

caso dele? Ainda mais depois de tudo o que ela lhe dissera antes do

funeral...

Se ela tivesse sabido em tempo que Barbara estava blefan do... Como podia

imaginar que Willard ia deixar a ilha ao filho bastardo? Até há pouco não

soubera do parentesco que existia entre eles. Raul tinha sido ensinado pelo

pai para o trabalho no engenho da mesma forma que qualquer outro

empregado.

Os Templeton e os Hammond tinham ido embora logo após a leitura do

testamento, seguidos pelos Marin. Outras pessoas que tinham assistido ao

enterro haviam se retirado em seguida, e somente Beth, Isabelle e o casal De

Vries permaneceram na soturna sala de visitas. Barbara seguira os Marin,

sem dúvida para visitar Diane e ser consolada pela amiga. Melhor assim, pois

não estaria presente na hora de sua partida. André Pecares chegara meia

hora depois e trancara-se na biblioteca com Raul, naturalmente para fazerem

uma revisão de todas as proprie dades deixadas por Willard.

Em seu torpor, Beth aceitara o fato de ele não ter insistido para que ela

ficasse. As últimas palavras trocadas com ele foram aquelas pronunciadas

no seu quarto e nada podia alterá-las.

Por uma ou duas vezes, Isabelle tentara falar-lhe, mas Beth considerou que

não tinha mais nada a dizer.

Agora sentia-se como uma condenada à morte, esperando na cela pelo

carrasco que a levaria à guilhotina, e desejou ardentemente que os De Vries

se apressassem em partir, para terminar logo com aquele martírio.

Estremeceu e ficou olhando para as ondas que se batiam contra a murada do

cais, O que faria Raul agora? Talvez che gasse a casar-se sendo dono da

propriedade. Para que Sans Souci sobrevivesse era necessário que ele, tal

como o pai, tivesse herdeiros. Por certo escolheria Isabelle. Apesar de ela

ser mais velha, parecia que os dois se entendiam muito bem.

O barulho de uma brecada violenta fez com que Beth le vantasse os olhos

para o caís. Alguém saltou de um carro e começou a falar apressadamente

com o casal De Vries. Quando Beth reconheceu o jipe, a figura de Raul deu

um salto acrobático do cais até a lancha. Depois de verificar que não havia

ninguém por ali, começou a descer as escadas que levavam à cabine. A lua

que iluminava o recinto era fraca e Beth estava semi-oculta pela sombra.

Mas ele estava bem sob o foco e Beth pôde ver seus maxilares contraírem-se

quando finalmente a avistou.

Page 100: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Que diabo você está fazendo aqui? — perguntou ele, num evidente esforço

para controlar-se. — Por que saiu, sem ao menos despedir-se?

Beth levantou e ficou equilibrando-se sob o balanço do barco.

— Você não estava por perto... bem, pensei que não quisesse mais me ver.

Raul deu um passo à frente. Tinha os cabelos revoltos, a camisa

desabotoada, e um medalhão de bronze. Olhou em volta e perguntou:

— Onde está sua bagagem?

Beth fez um gesto amedrontado em direção ao barco.

— Coloquei tudo ali embaixo.

Seus olhos se arregalaram de surpresa quando ele começou a puxar

freneticamente as malas para fora.

— Raul! O que está fazendo?

— Você vai voltar comigo, portanto, não há razão para que as malas fiquem

aqui, ora essa!

— Voltar... com você? — repetiu Beth, insegura.

— Você não quer? — ele perguntou, com a voz emocionada. Ela encarou-o,

suplicante, com o olhar transtornado pela

surpresa e pela esperança. Com um gemido, Raul a abraçou fortemente.

— Por que você tem sempre que me provocar nos lugares mais impróprios? —

murmurou, afundando a cabeça naquela auréola de cabelos platinados. —

Mas agora só há algo de que necessito urgentemente. — E uniu seus lábios

aos dela com inesperada doçura.

Os beijos se sucederam um após o outro e, quando finalmente se separaram,

ambos estavam pálidos e sem fôlego.

— E pensar que você queria me deixar! — Ele a censurou, ressentido. E antes

que ela pudesse mudar de idéia, galgou os degraus da escadinha e estendeu-

lhe a mão. — Venha!

Gilbert e Marta tinham se virado para olhá-los.

— Você a está levando de volta! — perguntou Gilbert, sem necessidade, tão

evidentes eram suas intenções. — Não o condeno — acrescentou, olhando a

mulher pelo rabo dos olhos. — Venha ver-me na próxima semana para

discutirmos os novos planos.

— Obrigado, Gilbert.

Beth sentiu que, de alguma forma, eles estavam sendo acei tos pelo casal.

Manuel ajudou a acomodar a bagagem no carro, tentando esconder

discretamente suas próprias opiniões. Raul sentou-se na direção, com Beth

ao lado, e o jipe deu uma ré. Raul saudou os De Vries com um aceno de mão

e saiu rapidamente.

Beth estava quieta, muito nervosa, esperando que Raul dis sesse algo. Mas

ele estava concentrado em dirigir e os minutos se passaram como se fossem

intermináveis. Finalmente, sem poder mais se conter ela tomou a iniciativa:

Page 101: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

— Você me fez pensar que queria que eu fosse. Raul olhou-a de soslaio.

— Pois comigo você foi bem clara e drástica quando disse que pretendia

deixar a ilha — ele lembrou-lhe.

— Isso... isso foi antes...

— Antes que eu herdasse Sans Souci? — perguntou rispidamente. — Sim, sei

disso.

— Não era isso que eu ia dizer — protestou, indignada. — Pelo menos, não da

forma como você está colocando as coisas.

— E existe outra forma?

— Você está querendo me dizer que veio buscar-me mesmo acreditando que

eu voltaria só por causa da herança?

— Espere até chegarmos em casa.

— Não! — Ela ficou inquieta no assento, como se tivesse sentado em cima de

um formigueiro. — Não vou esperar coisa alguma! Quero saber já e agora! Se

o que eu disse for verdade, pode levar-me imediatamente de volta para a

lancha.

— Não seja melodramática, Beth.

Mas ela já estava olhando em torno, procurando um jeito de sair do jipe.

— Pare o carro! — Beth ordenou aos soluços. — Pare já, Raul! Estou avisando:

pare, senão eu pulo assim mesmo!

Soltando uma imprecação, ele freou bruscamente, mas antes que ela

pudesse recuperar-se do impacto da brecada, Raul pas sou-lhe o braço pelos

ombros e a puxou firmemente contra si.

— Perdoe-me! — disse ele, enfiando o rosto na curva de seu pescoço e

aspirando ruidosamente seu perfume. — Per doe-me, Beth.

— Não adianta vir com desculpas — ela protestou, lutando inutilmente para

livrar-se daqueíe abraço com uma fúria cres cente, até que o ouviu explodir

numa sonora gargalhada.

— Que significa isso?

— Aqui não é o lugar apropriado. Venha comigo, seja boa-zinha e eu lhe

prometo que explicarei tudo.

Beth ergueu um braço para tornar a empurrá-lo, mas ele segurou sua mão no

ar, firme e delicadamente.

— Por acaso, você está querendo me dizer que não pensa que estou voltando

com você só por causa da ilha?

Ele a afastou gentilmente, e olhou-a bem dentro dos olhos.

— Estou querendo lhe dizer que a traria de volta de qualquer maneira. Isso

não significa que esteja pensando que você veio só porque herdei Sans

Souci. Está mais claro?

Beth relaxou sobre o assento do carro, agora impaciente para chegar logo

em casa e ouvir o que ele tinha para contar.

Page 102: Anne mather -_prisioneira_da_desonra

Será que Isabelle estava lá? E Barbara, teria voltado? Logo saberia tudo.

Mas Raul não a levou à casa grande que pertencera aos Petrie por várias

gerações. Levou-a para sua própria casa. O bangalô da praia, onde, pela

primeira vez, Beth deu-se conta de que nunca poderia casar-se com Willard.

Ao passar pela varanda, Beth olhou para o mar, ouvindo o estrondo das

ondas contra os recifes. Será que ouviria esse som pelo resto da vida?

Estremeceu. Seria pedir muito?

Raul acendeu as luzes da sala de estar e ela o seguiu, fechando a porta para

evitar as mariposas. Puxou as cortinas e, inespe radamente, ela sentiu uma

sensação de insegurança. Amava-o o suficiente para se entregar

incondicionalmente? Ele sabia que ela era inexperiente. E rezou para que ele

fosse gentil e delicado...

Mas depois que conseguira trazê-la ao bangalô, parecia que Raul não tinha

mais pressa de chegar ao esperado desenlace. Deixou-se afundar

comodamente no sofá, com uma perna in dolentemente apoiada num dos

braços, e fitou Beth que ainda se mantinha junto à porta, com ar de ovelha

resignada.

— Quer um drinque?

Beth, que ainda estava de estômago vazio, recusou.

— Onde... onde está Isabelle? — perguntou nervosamente. Depois que fez a

pergunta, pensou que aquela era uma coisa

estúpida para se dizer num momento como aquele. Surpreen dentemente,

Raul não pareceu aborrecer-se.

— Suponho que tenha ido para a casa dela — respondeu tranquilamente.

— E... e Barbara?

A menção do nome da meia-irmã, as feições de Raul se encrisparam.

— Vai ficar uns tempos com os Marin. Diane vai tirar umas férias e acho que

as duas estão planejando uma viagem aos Estados Unidos.

Beth ouviu aquilo com certo alívio. Se as coisas não tivessem um final feliz,

pelo menos ela não estaria presente para testemu nhar seu.fracasso. Raul

tirou a perna do braço do sofá e levantou-se.

— Posso fazer-lhe algumas perguntas? Parece que você não está disposta a

fazer as suas.

— É que você disse que ia explicar...

— E vou. Mas antes, quero saber exatamente o que lhe disse Barbara. Ela

andou lhe dizendo coisas, não foi?

— Bem... sim. Mas como você sabe? — O rosto de Beth começou a iluminar-

se. — Ela falou com você?

— Ela não disse nada — ele interrompeu. — Pelo menos, não por sua vontade.

Mas continue, quero saber o que ela lhe disse.

Beth baixou a cabeça. Aquilo era mais difícil e penoso do que imaginara.

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— Oh, Raul! Precisamos mesmo falar de Barbara?

— Penso que sim. Desta vez é necessário. Depois, evitaremos falar nela.

Beth suspirou.

— Não. Mas é que... bem... isso tudo pertence ao passado.

— Mas é muito importante para o presente. Beth, ela quase acabou conosco.

Isso não significa nada para você?

A expressão do olhar de Beth já era um discurso completo, mas ele não se

deu por vencido. Então, ela começou a falar vagarosamente.

— Antes... antes do funeral, ela me disse que tinha herdado a ilha... que era

sua patroa... e que poderia despedi-lo se quisesse.

— E por que haveria de despedir-me?

Beth ergueu os ombros, sentindo-se uma pobre infeliz.

— Ela faria isso se... se você... se nós... — Olhou-o suplicante.

— Ora! Você sabe muito bem o que ela disse! Ele anuiu:

— Está certo. Eu sei o que ela disse. E daí? Por que você não a mandou para

o inferno?

— Porque ela ameaçou vender a ilha. Eu sabia que você não ia querer isso

e... bem, não podia correr o risco, mesmo que aquilo fosse um blefe.

— Por que não?

— Oh... Barbara garantiu-me que você se sentiria infeliz vivendo em outro

lugar... que eu não compensaria seu desgosto por ter deixado a ilha... que

você iria odiar-me por tê-lo feito perder o auto-respeito.

— Oh, Beth! — Ele a puxou para perto, ergueu-lhe o queixo e passou-lhe os

dedos amorosamente pelos lábios. — Beth, Beth

— gemeu. — Você não sabia que sem você eu me sentiria perdido?

Irremediavelmente perdido!

— Você nunca deixaria a ilha — ela protestou, mas ele sacudiu a cabeça

negativamente.

— Deixaria a ilha a qualquer hora que você quisesse. Se tivesse que escolher

entre as duas, você sempre ganharia.

Beth pestanejou.

— Mas isto não está certo... você adora esta ilha.

— Mas adoro muito mais você — disse ele. — Admito que preferiria não sair

daqui. Mas se for isso que você quiser...

— Eu não quero! — ela exclamou, rodeando a cintura de Raul com os braços.

— Eu só quero aquilo que você quer.

— Beth!

Os lábios de Raul foram à procura dos dela. Ambos estavam famintos um do

outro. Misturaram sabores, sensações, amores e gemidos. Ele a dirigiu para

o sofá e Beth deixou-se levar, sem protestos. Quando aquele corpo másculo

cobriu o dela, pôde sentir . cada músculo, cada nervo, vibrando, distendendo-

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se, enrijecendo. Ele a beijou muitas e muitas vezes, de todas as formas

possíveis, apenas roçando os lábios em suas partes mais sen- síveis, ou a

profundando-se até o âmago de sua carne, como se quisesse absorvê-la

inteira.

Mas, pouco a pouco, foi diminuindo o ritmo e a audácia das carícias e,

quando ela reclamou, ele disse roucamente:

— Não pretendo fazer amor com você num sofá, quando há uma cama tão

confortável lá dentro no quarto.

— Vai deixar que eu fique com você esta noite?

— Tente impedir-me, se for capaz! — Mas levantou-se do sofá e continuou

falando:

— Sabe, Beth, ainda existem muitas coisas a serem escla recidas. Assim

como o porquê de não lhe ter dito que eu era filho de Willard.

Beth sentou-se, e ele, relutantemente, fechou-lhe a blusa que tinha

desabotoado há momentos atrás.

— Muita tentação por pouca resistência. — Sorriu-lhe, e entrou no assunto: —

Eu não sabia quem era até os sete ou oito anos. Pensava que meu pai tivesse

morrido. Então, quando descobri a verdade, cheguei a preferir que ele

estivesse mesmo morto. Você não pode calcular o que seja saber que se é

filho de um Petrie e nunca ter sido reconhecido como tal.

— Naquela época ele estava casado com Agnes? Ela era mãe de Barbara,

não era? — Beth aventurou-se a perguntar.

— Sim, mas isso não fez nenhuma diferença para ele. Já estava casado com

Agnes quando eu nasci. Como ela era bem mais velha do que ele, parecia

que não ia ter filhos e Willie tinha que provar sua virilidade.

— Oh, Raul!

Ele respirou fundo, tentando apagar o tom amargo de sua voz.

— Barbara e eu brincamos juntos quando éramos crianças. Ela não sabia que

éramos irmãos. Era muito pequena para compreender.

— Mas depois veio a descobrir?

— Não. Não, até a noite passada.

— A noite passada!

— Tentei contar-lhe antes de todas as maneiras. Ela... bem, ela começou a

interessar-se por mim como homem e eu preci sava acabar com aquilo. De

início, dei como desculpa que eu era apenas um empregado, um mero

supervisor, e que Willard nunca permitira que sua filha casasse com um

subordinado. Mas esse argumento perdia a força quando ele se ausentava.

Costumava até chamá-la de "irmã Barbara", mas ela pensava que era porque

tínhamos sido criados juntos.

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— Compreendo. Deve ter sido um choque muito grande saber que tinha um

irmão, à parte o restante das circunstâncias. E o que aconteceu na noite

passada?

— Na noite passada, na festa, ela não largou do meu pé o tempo todo. Não

me atrevi a fazer ou dizer nada, pois se ela descobrisse que havia algo entre

nós dois, poderia convencer o pai a mandar-me embora. E eu sabia que, se

deixasse a ilha, você acabaria casando-se com Willard! Tudo levava a crer.

Você estava usando o anel que ele lhe deu.

— Deixe-me explicar sobre isso. Eu... bem, depois que nós dois estivemos

juntos na praia, as coisas começaram a mudar, você sabe o que quero dizer!

E na noite do jantar, eu queria dizer-lhe que estava tudo acabado, mas ele

procurou-me no quarto com aquele anel de noivado e eu... eu simplesmente

não tive coragem de dizer mais nada. Depois que me deu o anel, ele... ele

tentou... bem, ele me beijou e... e... — Beth olhou para Raul profundamente

abalada. — Eu odiei aquilo. Queria que parasse, mas ele não parava mais.

Quando consegui livrar-me dele, mostrou-se arre pendido pelo que fizera,

mas não era verdade!

— Oh, Beth! — Os olhos de Raul estavam sombrios e pe nalizados. — Não

precisava dar-me tantas explicações.

— Mas acho melhor assim!

— E então... — Ele continuou suas explicações. — Eu saí da festa mais cedo,

mas Barbara me seguiu. Willard deve ter visto quando ela saiu, pois foi ao

seu encalço, e foi daí que contou-lhe, de uma forma brutal, que nós éramos

do mesmo sangue. Ela ficou arrasada. Ficou deveras arrasada. Mas soube

esconder muito bem seu desapontamento e sua revolta. Até que depois...

— Depois? — Beth estava intrigada. — Quer dizer, depois que eu deixei a

casa?

— Sim. Isabelle chegou a contar-lhe que Willard ainda es tava vivo quando

cheguei na casa esta manhã — Beth assentiu e ele continuou: — Ele estava

praticamente nas últimas. — Raul limpou a garganta, naturalmente

preparando-se para re latar a parte pior. — Bem, ele estava segurando o

testamento e insistiu para que eu o guardasse comigo e não deixasse que

Barbara o visse. Tive que concordar, pois estava desesperado. Contou-me

que Barbara lhe dissera coisas imperdoáveis e que ele a informara que tinha

chegado a Charles Templeton só porque queria fazer alterações no

testamento. Acredito que ele desejava nomear você como sua herdeira.

— Graças a Deus ele não fez isso — murmurou Beth com sinceridade.

Ele enrugou a testa.

— Não sei, não, talvez até tivesse sido melhor. Mas, de qualquer forma, sua

fuga fez com que ele mudasse de idéia novamente.

— Mas Barbara deveria saber que ele poderia...

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— Não. Willard confidenciou-me que ela escarneceu dele, dizendo-lhe que

não estava em condições de fazer mais nada. Ameaçou vender a ilha,

humilhou-o, ridicularizou-o, enfim, comportou-se de uma forma deplorável. E

ele tirou sua herança.

— Que horror!

— Foi nojento. Fiquei até com ânsias no estômago. Tive vontade de rasgar

aquele maldito testamento. Mas Jonas im pediu-me e fez-me jurar pela minha

mãe que eu não faria isso.

Beth estava compadecida.

— Pobre Raul! Que situação a sua!

— Situação que não melhorou em nada quando você me disse que ia embora

para sempre.

— Você sabe o porquê?

— Sei, graças a Isabelle.

— Isabelle? — Beth enrijeceu.

Por que aquela mulher devia sempre entrar em cena para recolher os cacos

de seus desentendimentos?

— Sim, Isabelle. Você falou com ela, não falou? Fez-lhe al gumas perguntas

hipotéticas sobre o fato de eu deixar a ilha?

— Bem, sim, fiz.

— Ela contou-me. Isso fez com que eu começasse a suspeitar. Beth estava

surpresa. Se estivesse no lugar de Isabelle não

teria feito tanto por ela.

— Você chegou a falar com Barbara?

— Sim, mas não quero falar sobre isso agora.

— Mas ela contou-lhe sobre as coisas que falou comigo?

— De passagem... em meio a desabafos de raiva contra as injustiças do

mundo! Ora, vamos esquecer de Barbara por en quanto. Depois pensaremos

no que fazer com ela. Tenho um pressentimento de que ela vai preferir morar

nos Estados Uni dos depois que nos casarmos.

— Depois... do quê? — Beth estava aturdida.

— Você vai casar comigo, não vai? — perguntou, com os olhos ainda

atormentados pela dúvida..

— Se... se você quiser — ela sussurrou e sentiu intimamente uma imensa

gratidão por Isabelle.

— Se quiser! Deus do céu! O que você achava que eu queria?

— Eu... eu não sabia. Parecia-me que você... bem, que você tinha outras

mulheres.

— Que outras mulheres?

— Bem... Diane...

— Nunca tive nada a ver com ela!

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— Então... a irmã de André Pecares, Louise! — Como sabe sobre ela?

— André me contou.

— Não posso negar que gostei de Louise. Sempre fui muito bem recebido em

sua casa. Mas depois que você chegou à ilha... — Ele sorriu. — Cheguei até a

maldizer-me, a considerar-me um perfeito idiota, mas não pude ter mais

outra mulher.

— E Isabelle?

— Isabelle? — Ele olhou-a perplexo. — Ela não lhe disse? Isabelle é minha

mãe!

— Sua mãe?

Beth mal podia acreditar, e a risada de Raul ajudou a relaxar a tensão.

— Minha Nossa Senhora! O que você deve ter andado imaginando!

Beth espalmou a mão sobre a testa, muito confusa.

— Então é por isso que ela tanto queria ver seu pai. Mas... ela devia ser muito

jovem quando você nasceu.

— Tinha só quinze anos. O pai dela era o diretor da escola, tal como ela é

hoje. Acho que era mestiço — Esperou pela reação de Beth àquela revelação,

mas, como ela não reagiu, continuou. — Ela era bem mais atraente do que

Agnes. Bem, só sei que acabei sendo concebido. Willard subornou meu avô

para que não contasse a ninguém que ele era o pai da criança.

— Oh, Raul!

Ele meneou a cabeça, com a fisionomia amargurada por aquelas

reminiscências tão dolorosas.

— Bem ou mal, cresci aqui na ilha, como você sabe. Quando tive idade

suficiente, Willie pagou-me os estudos na Inglaterra. Odiei o colégio mas

sabia que aquele seria o único meio de conseguir uma educação decente.

Quando voltei, ele avaliou meu potencial e empregou-me como seu

supervisor. Eu não era obrigado a aceitar, mas resolvi concordar para dar

uma alegria à minha mãe, a quem amo muito. Além disso, eu era um ser

humano, com todos os seus defeitos, e quis, a princípio, fazer com que

Willard padecesse um pouco, apesar de ter es quecido minhas intenções

quando amadureci. — Fez uma pau sa. — E foi então que você chegou.

Beth mordeu os lábios.

— Barbara me disse que tanto ela como você não queriam que eu ficasse.

— E não queria mesmo. Pelas razões que você sabe. Não queria que você

casasse com Willard para não usurpar o lugar que até hoje, penso, deveria

ter sido de minha mãe.

— Raul!

— Isso foi antes que você começasse a fazer parte de minha própria pele.

— E depois?

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— Depois, não queria que você casasse com Willard porque a queria para

mim.

— Willard comportou-se de maneira estranha na primeira vez que encontrei

Isabelle, Lembra-se? Foi naquele dia que você me acompanhou até em casa.

De início, ele estava uma fera, mas quando eu disse que tinha visitado a

escola ele mu dou. Recordo-me de ele ter perguntado se você tinha me

contado alguma coisa. Na hora, não entendi.

— Acho que ele estava num sufoco. Talvez por isso tenha vindo

pessoalmente aqui em casa. Queria certificar-se de que não tinha sido

ventilado nada a respeito de minha mãe.

— Mas... Como é que seu sobrenome é Valerian, se Isabelle é Signy? — ela

exclamou repentinamente.

— Minha mãe chegou a casar-se com um missionário. In felizmente, ele foi

morto na América do Sul, poucos meses depois do casamento. Eu recebi seu

sobrenome.

— Entendo e sinto muito.

— Não precisa sentir. Não creio que Isabelle tivesse mesmo desejado casar-

se. Minha opinião é que o único homem que ela amou na vida foi meu pai.

— É estranho que ela não se tenha tornado minha inimiga, assim como

Barbara.

— É que ela não a culpava pelos erros alheios. Isabelle conhecia as

fraquezas de Willie, assim como você conhece as minhas...

— Suas fraquezas?

— Sim. Minha bobinha. Você é a minha fraqueza.

— Oh, Raul!

— Você nem imagina o que tive vontade de fazer depois daquele encontro na

praia. Deus do céu! Eu quis ir até a casa grande, denunciar você a Willard,

fazer com que ele a expul sasse! Mas fiquei quieto porque não tive coragem

de magoá-la.

Ela passou os braços ao redor do pescoço de Raul.

— Pois eu estava com medo de que você fizesse justamente isso — ela

confessou. — Mas pensei que fosse por ódio e não por amor.

— Eu, odiá-la? Bem, pode até ser. Houve momento em que cheguei bem

próximo do ódio.

— Você ainda pensa que eu ia casar com Willard por dinheiro? Raul meditou

seriamente sobre aquela questão.

— Acho que você pensava que não. E também acho que o aspecto romântico

de passar a viver numa ilha do Caribe influiu muito.

Beth suspirou.

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— Talvez tenha razão. Mas, se por um acaso, você não qui sesse mais viver

aqui, eu iria morar com você em qualquer parte. Até numa caverna, se fosse

necessário.

— É assim que deve ser. Oh, Beth! Vamos nos casar logo. Quero que tudo

acabe desta vez.

— Quando quiser. Estou à sua disposição. Um beijo apaixonado calou aquela

promessa.

— Veja como são as coisas! Nunca pensei que eu viesse um dia a agradecer

meu pai. E pensar que se não fosse por ele nunca a teria conhecido. Por bem

ou por mal, ele iria aprovar a nossa união.

— Você acha que ele poderia opor-se?

— Ele deve ter sabido que você passou a noite comigo e, assim mesmo,

nomeou-me seu herdeiro. Ele não era nada bobo.

— Acredita que eu tive culpa pelo ataque do coração? — Beth perguntou,

hesitante, e ele aconchegou-a mais perto de si.

— Beth, ninguém teve culpa. Ele era um homem doente. Muitas coisas

contribuíram: a festa, as extravagâncias, o caso dos percevejos, e

finalmente Barbara! Seu coração não pôde aguentar tanto. Você ouviu o que

disse Marin.

— Sim, ouvi. Mas o povo vai falar do mesmo jeito.

— E você liga para isso?

— E você?

— Conheço bem esta ilha e conheço ainda melhor seu povo. Eles

respeitavam Wiliard, mas só aparentemente. Sei bem disso.

— Mas ele doou-lhe terras.

— Que eles permutavam entre si — retorquiu laconicamente — Quer dizer...

— Quer dizer que eles esquecerão Wiliard assim como um dia esquecerão de

mim?

— Não diga isso!

— Chega dessa conversa. Bem, onde você vai querer morar? Na casa

grande?

Beth titubeou.

— É obrigatório?

— Não, aliás, eu estava pensando em oferecê-la a Jacques para montar um

hospital. Poderíamos construir uma casa me nor, mais fácil de administrar.

Beth piscou de felicidade.

— Isso seria formidável! E Clarrie? E Jonas?

— Naturalmente, ficarão conosco.

— E Maria?

— Sobre ela... a decisão é sua.

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— Ela pode ficar — disse Beth, com um tique nervoso nos lábios muito

significativo.

Raul pôs-se a rir,

— Oh, Beth! Nós vamos ser tão felizes!

E colocou-a no colo, sem que ela reclamasse...

F I M