aspectos Éticos e mercadologicos da demanda · tôda a humanidade, desde longínquo passado...

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ASPECTOS ÉTICOS E MERCADOLOGICOS DA DEMANDA ALBERTO DE OLIVEIRA LIMA FILHO CARLOS OSMAR BERTERO "De modo ge.al é impossível para o homem ser tão plenamente racional, informado e capaz de prever tôdas as conseqiiências de suas ações e dl3s ações dos outros homens para o bem-estar da sociedade ... " __ OVERTON H. TAYLOR o desenvolvimento econômico atingido pelos Estados Uni- dos da América e por parte dos países da Europa Ociden- tal resultou, sem dúvida, do grande progresso tecnológico e do acúmulo de capitais ocorridos no fins do Século XVIII e durante todo o Século XIX. Porém, não podemos subestimar no contexto de tal desenvolvimento o impor- tante papel desempenhado pelo refinamento das técnicas de mercadização. Embora se possa objetar que no pri- meiro estágio o desenvolvimento de técnicas mercadoló- gicas mais elaboradas tenha sido criado pela necessidade de escoamento de produção, resultante do alto desenvol- vimento tecnológico, com a conseqüente alta produtividade do capital e da mão-de-obra, por outro lado não se pode negar, que, pelo menos nos úlimos vinte anos, as atividades mercadológicas têm influenciado a demanda, seja atin- gindo novas faixas até então situadas numa zona que po- deríamos chamar de "subconsumo", seja criando novos ALBERTO DE OLIVEIRA LIMA FILHO - Professor-Assistente do Departamento de Mercadologia da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas. " CARLOS OSMAR BERTERO - Professor-Assistente do Departamento de Admi- nistração-Geral e Relações Industriais da EscoloJide Administração de Ernpré- ISU de São Paulo, da Fundação Getúlio Var~a5.

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ASPECTOS ÉTICOSE MERCADOLOGICOS DA DEMANDA

ALBERTO DE OLIVEIRA LIMA FILHOCARLOS OSMAR BERTERO

"De modo ge.al é impossível para o homem ser tãoplenamente racional, informado e capaz de prevertôdas as conseqiiências de suas ações e dl3s ações dosoutros homens para o bem-estar da sociedade ... "__ OVERTON H. TAYLOR

o desenvolvimento econômico atingido pelos Estados Uni-dos da América e por parte dos países da Europa Ociden-tal resultou, sem dúvida, do grande progresso tecnológicoe do acúmulo de capitais ocorridos no fins do SéculoXVIII e durante todo o Século XIX. Porém, não podemossubestimar no contexto de tal desenvolvimento o impor-tante papel desempenhado pelo refinamento das técnicasde mercadização. Embora se possa objetar que no pri-meiro estágio o desenvolvimento de técnicas mercadoló-gicas mais elaboradas tenha sido criado pela necessidadede escoamento de produção, resultante do alto desenvol-vimento tecnológico, com a conseqüente alta produtividadedo capital e da mão-de-obra, por outro lado não se podenegar, que, pelo menos nos úlimos vinte anos, as atividadesmercadológicas têm influenciado a demanda, seja atin-gindo novas faixas até então situadas numa zona que po-deríamos chamar de "subconsumo", seja criando novos

ALBERTO DE OLIVEIRA LIMA FILHO - Professor-Assistente do Departamentode Mercadologia da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, daFundação Getúlio Vargas. "

CARLOS OSMAR BERTERO - Professor-Assistente do Departamento de Admi-nistração-Geral e Relações Industriais da EscoloJide Administração de Ernpré-ISU de São Paulo, da Fundação Getúlio Var~a5.

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produtos que resultam da orientação para o mercado. Isso,pôsto, surge a chamada "sociedade afluente" como compo-nente, em grande parte, de outro fenômeno antropológico--social a que daríamos o nome de "civilização mercado-lógica".

À medida que se atingiam no Ocidente níveis altíssimosde consumo, os pensadores passaram a cogitar dos possí-veis efeitos que os novos padrões de vida poderiam vir aprovocar para a cultura como um todo. O receio provinhado fato de que a pobreza fôra o quinhão partilhado portôda a humanidade, desde longínquo passado histórico.Aliás, a falta de esperança de sair dêsse estado estêve im-plícita em todos até há pouco mais de um século.

Aceitamos, sem restrições, a tese de que grande parte dasobreestrutura social seja determinada pelo sistema eco-nômico de uma sociedade. O que se vê, então, é que ossistemas morais, especialmente no que diz respeito às cha-madas "virtudes menores" (temperança, prudência, justi-ça), foram calcados num estágio de crescimento econômi-co em que a pobreza era a regra. Não estranha, pois, queos moralistas sempre se tenham inclinado para a focaliza-ção dos aspectos austeros e sóbrios da conduta como sendoos moralmente corretos e, portanto, recomendáveis. Tal si-tuação é de difícil aceitação numa sociedade afluente, ondetudo nos conduz a consumir e onde a virtude da poupancaacaba por perder Qualquer sentido, a não ser como medidatemporária para riqueza e consumo ainda maiores.

Dos atuais países desenvolvidos os EUA foi o que mais sedefrontou com tal paradoxo. O pensamento lá dominanteera, então, puritano, com base calvinista, onde poupança,austeridade, baixos padrões de consumo e reinvestimentomáximo eram louvados como representativos de condutamoralmente adequada. Com o passar dos tempos, essamesma sociedade foi forçada a adotar padrões de consumoem frontal desacôrdo com' as normas éticas tradicional-mente pregadas e praticadas. E os pensadores se viram

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inclinados a emitir os mais sombrios prognósticos sôbreos "novos tempos".

Se bem que em outros períodos da História os mesmos pro-blemas tenham sido colocados, não cremos que o tenhamsido com a mesma intensidade e a mesma extensão. Nomomento afloram-nos à memória o exemplo do mundo gre-go, ao compararmos os tempos da Idade Média Grega como período helênico e helenístico, e o da vida romana, comum passado agrário rústico e sóbrio, e com o fausto, a ri-queza e o refinamento da Roma Imperial. As transforma-ções nessas duas culturas podem ser fàcilmente constata-das na literatura, nas artes plásticas, na evolução do orde-namento jurídico, na forma de organização familial e mes-mo nos valôres éticos predominantes em cada uma delas.A mesma observação poderá ser feita, em período maispróximo aos nossos dias, quando assistimos à fragmenta-ção do mundo medieval e ao aparecimento do mundo mo-derno sob o impacto do Humanismo e do Renascimento.

O que podemos constatar nesses momentos em que a ati-vidade econômica acarreta aumento dos níveis de consu-mo e mudança da estrutura social é uma fase de desa-juste, em que os valôres éticos do passado ainda perdu-ram, seguida por outra em que a nova estrutura vem de-terminar novos padrões éticos, adaptados à nova ordemde coisas. Exemplo disso poderia ser encontrado na cé-lebre questão da usura e das suas conotações pecaminosasna moral medieval e em boa parte dos pensadores refor--mistas, e na sua posterior aceitação e transformação emvalor eticamente positivo na fase de consolidação do ca-pitalismo.O que é singular em nossa época é que o desenvolvimentoeconômico, nos países em que ocoreu, propiciou a popu-lações inteiras o acesso a níveis de consumo não encon-tráveis em nenhuma das épocas anteriores. A idéia dowelfare stete é típica do nosso século, pois nas nações ouimpérios "ricos" do passado apenas uma pequena parte dapopulação tinha acesso a padrões de consumo realmente

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elevados. E não resta a menor dúvida de que o esboroardêsses impérios se deveu em boa parte a lutas internasde classes, levando a revoluções intestinas, causadas porprofundos desequilíbrios estruturais na distribuição darenda.

Em nossos dias, nos países desenvolvidos, quando popula-ções inteiras são alçadas à posição de "consumidores", es-peram-se transformações muito maiores, porque a crisecultural e os valôres éticos estão sujeitos a substancialabalo e são suscetíveis de sofrer radicais reformulações.Algumas dessas reformulações já podem ser encontradasnessas sociedades, máxime no que diz respeito à estruturafamilia!. A família patriarcal, embora formalmente man-tida, já foi substancialmente esvaziada, cedendo lugar aoutros tipos de estrutura em que o patriarcalismo é eli-minado, seja pelo acesso feminino, seja pela transferênciadas funções paternas para a comunidade em gera!. Nota--se, por outro lado, que os próprios mentores da vida re-ligiosa cristã estão preocupados com "socializar" a cari-dade e a generosidade, a fim de que essas virtudes não serestrinjam ao círculo estreito das relações familiais eamistosas, mas se estendam à comunidade e ao mundo.No plano jurídico a preocupação com a salvaguarda doconceito de "soberania" - que obcecou o pensamentopolítico dominante nos Séculos XVI, XVII e XVIII -embora hoje ainda cultivada, fica em segundo plano secomparada à preocupação em conferir ao Estado o papelsocial de promotor do bem-estar de todos os cidadãos ede responsável primeiro e direto pelo desenvolvimentoeconômico e pela garantia de manutenção dos níveis jáalcançados.Aliás, o principal problema da sociedade afluente é exa-tamente o da perpetuação da afluência. A preocupaçãocom a expansão econômica constante (sustained growth)é uma forma de assegurar que a afluência obtida não sejau'a miragem que venha a dissipar-se. Pelo menos nosEstados Unidos da América e em alguns países da EuropaOcidental, as preocupações do economista deixaram de ser

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a escassez e a ameaça constante de desemprêgo e de co-lapso econômico, e passaram a colocar-se na ordem docrescimento constante e de pleno emprêgo.

Nesse contexto os problemas de produção e finanças pas-sam a ter importância sensivelmente menor e a merecermenos atenção do que há algumas décadas atrás. É entãoque a esfera mercadológica passa a ser o fulcro da manu-tenção do ritmo econômico. Ela deixa de ser um simplesapêndice da Economia para tornar-se autônoma como dis-ciplina e tentar elaborar sua metodologia com padrõespropnos.

A Mercadologia surgiu nos EUA sob a égide "funcional",em que os manuais e livros da década de 1930 sôbre amatéria a colocavam: consideravam-na a disciplina res-ponsável pelo desempenho adequado de funções (compra,venda, transporte, armazenamento etc.). Já em fins de1950 a Mercadologia passou a adotar uma dimensão ad-ministrativa (managerial) dos problemas da emprêsa. Eassim vem sendo vista em nossos dias. Segundo a teseatualmente aceita, só por métodos mercadológicos é pos-sível determinar os potenciais de vendas e, a partir daí,estimar as necessidades de mão-de-obra, matérias-primase financiamentos. Administrativamente falando, o orça-mento de vendas é a peça fundamental para a programa-ção das atividades da emprêsa e o elemento integradordessas atividades.

Não se detém aqui, todavia, o desenvolvimento da Merca-dologia em nossos dias. Outros problemas de cunho bemmais amplo e interdisciplinar preocupam o teórico, levan-do-o a recorrer ao concurso de outras disciplinas e a pedira colaboração de especialistas em áreas ligadas às CiênciasSociais e às Humanidades. Exemplo típico dessa formade preocupação é a problematicidade que pretendemos fo-calizar neste artigo. E é por isso que, ao levantar algunsdos problemas éticos suscitados pela afluência, marcada-mente no que se refere às relações éticas da demanda,estamos compenetrados da idéia de que a atividade em-

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presaria, mercadolõgicarnente orientada, implica um semnúmero de fenômenos cuja seriedade para o homem trans-cende não só os limites da emprêsa, como os da própriaeconomia.

OBJETIVO

Depois de definir a moral social, tal qual se apresentanuma sociedade "aquisitiva", ou seja, numa sociedade do-minada por altos padrões de consumo, onde grande parteda atividade humana está voltada para o trabalho com afinalidade de adquirir bens e serviços, trataremos de al-guns aspectos da demanda que apresentam especial inte-rêsse para o desenvolvimento dos esforços mercadológicos.

Demonstraremos a maneira pela qual os consumidoresreagem favorável ou desfavoràvelmente aos esforços mer-cadológicos das emprêsas e, ao mesmo tempo, explicare-mos como os resultados finais dessas atitudes afetam ademanda e a economia como um todo.

Como base para essa discussão, faremos um breve retros-pecto do que tem sido escrito sôbre o desempenho das em-prêsas com relação aos seus consumidores. A essa alturaentraremos numa área bastante controvertida, qual seja,aquela que analisa a propaganda, seus efeitos econômicos,sua influência sôbre o comportamento do consumidor e,finalmente, suas implicações éticas.

A proposição dos economistas nesse particular é bastantenítida e pode ser percebida em função de modelos, taiscomo os propostos por LEFTWICH, onde a propagan-da não é mais do que outra forma de competição, queproduz mais desperdício econômico do que seria desejá-vel e, além disso, afeta de forma negativa o comporta-mento do consumidor. Outros modelos desenvolvidos poreconomistas poderiam ainda ser citados, como, por exem-plo, a lei dos rendimentos decrescentes, a teoria da utili-dade, os mapas de indiferença, que têm como ponto co-mum a negação da capacidade de o consumidor racioci-

R.A.E.j18 ASPECTOS DA DEMANDA 31nar fora dos quadros lógicos do homo economicus. Dis-cutiremos três autores que, embora de maneira di-versa, com diferente formação cultural e de níveis inte-lectuais bastante distintos, se entregaram à crítica da ativi-dade empresária moderna: ARNOLDTOYNBEE,VANCEPACKARDe ]OHN K. GALBRAITH.Elaboraremos, então, um modêlo mercadológico que ser-virá como base para a conclusão do artigo. O tratamen«,que daremos ao estudo da Etica não sera desenvolvido sobo prisma negativo e teórico de uma ética normativa, mas,ao contrário, procurará enfatizar as implicações de certospadrões éticos sôbre a demanda e sôbre as atividades demercadização,Não nos propomos a elaborar uma nova Ética - nãoreivindicaríamos tal pretensão -, mas simplesmente ten-tar apontar algumas soluções para uma situação de im-passe: se, de um lado, a atividade empresária, na formapela qual se conduz em nossos dias, é tachada de amoral,por outro, poucos duvidariam de que a expansão do con-sumo seja condição necessária, pelo menos nos países de-senvolvidos, para a manutenção das taxas de crescimentoe para evitar que a afluência ceda caminho, novamente,à depressão econômica e à pobreza.

CONCEITOS E DEFINIÇÕES

Ao nos afastarmos do modo de pensar daqueles que vêemna Ética uma seqüência normativa, dotada de valor por-que metafisicamente fundamentada, e também da posiçãodos que, rejeitando embora fundamentação metafísica paraos valôres éticos, buscam a fundamentação da ciência damoral na "reflexão moral", consideramos a moral comouma série de práticas, dotadas de valor "convencional",estabelecidas pela comunidade como medida para garan-tir a sua própria sobrevivência.Na verdade, o problema só aparece, ao nível do homemsocial, como uma necessidade para o próprio relaciona-mento entre os membros da comunidade. Sob o aspecto

32 ASPECTOS DA DEMANDA R.A.E./18.--------------------------------------.----da atividade econômica da comunidade, reconhecemosque a necessidade de uma "moral dos negócios" se faz sen-tir (a) pela existência de um processo competitivo cons-tante, que é elemento fundamental da atividade econô-mica da sociedade ocidental, formada durante o períododo liberalismo econômico, (b) pelo fato de nessa socie-dade o desenvolvimento econômico ter gerado uma "sen-sibilidade" entre os seus membros que os tornou capazesde julgar as atividades empresárias, e (c) principalmentepelo fato de que tôda a ação em desacôrdo com a Éticadentro dessa comunidade empresária cria oportunidadespara que o comportamento não ético se universalize, pon-do em risco a própria sobrevivência da atividade econô-mica da comunidade.

o professor EUGENE J. KELLEY, da Universidade de NovaIorque, acredita que as dimensões éticas da atividade mer-cadológica constituam elemento dinâmico bastante expres-sivo por se relacionar diretamente com o meio ambiente.A Mercadologia acaba por constituir-se no foco natural detôdas as considerações éticas da atividade empresária por-que é através da atividade mercadológica que a emprêsaentra em contato com o consumidor e, conseqüentemente,com a comunidade no seu sentido mais amplo. 1

Levando-se em conta que a atividade e o esfôrço merca-dológicos estão intimamente relacionados com a deman-da, os nossos valôres básicos relativos à atividade merca-dológica podem ser utilizados para realizar um estudo dademanda sob o prisma ético. Em outras palavras: tôdaa ação que se realize na área da mercadização deve levarem conta tôdas as conseqüências possíveis dessa ação sô-bre a demanda.

Seé verdade que a Ética se consubstancia numa série devalôres, dotados de caráter relativo tanto no espaço comono tempo, segue-se que as convenções éticas mudam desociedade para sociedade e até mesmo dentro de u'a mes-

1) KELLEY e LAZER, Manallerial Mo;ilrketinj, Homewood, Ilinóis: Richard D.Irwin, 1962, pá,. 49.

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ma sociedade em determinado lapso. O que é positiva-mente sancionado tem implicitamente o caráter de açãocorreta porque verdadeira e boa. O comportamento hu-mano é penetrado pelas convenções éticas do grupo e per-meia tôda a gama da atividade humana grupal e individual.Dessa forma a eticidade da conduta humana tende a refle-tir-se em atitudes profissionais que servem como quadrode referência para a sociedade em que estão localizadas.Qualquer pessoa relacionada com a atividade mercadoló-gica, seja nas áreas teóricas da pesquisa ou dos estudos emnível universitário, seja no campo da prática administra-tiva, deverá manter um padrão profissional compatívelcom o padrão ético vigente na sociedade em questão. Ahonestidade e a autenticidade constituem parte importanteda ética profissional, não porque se trate apenas de umaquestão de aceitação ou rejeição de padrões sociais, ouporque se trate de seguir um conjunto de regras que sejamdotadas de validade, mas porque, em última instância, oobjetivo final de uma atividade profissional conduzidaeticamente acaba por impor-se como condição de sobre-vivência.

THOMAS GARRETT, no seu livro Ethics in Business, afirmaque o indivíduo não pode responsabilizar-se pelo que seencontra fora de seu contrôle ou pelos fatôres que nãopodem ser por êle alterados," Assim sendo, em determi,nada fase do processo decisório não podemos mudar nos-sas atitudes na conduta dos negócios, nem tampouco es-quecer nossas relações com a sociedade.

A fim de compreender essas definições, que são básicas,devemos atentar para o fato de que, de acôrdo com a pro-posição de STAUDT, o mercado e o consumidor retêm parasi a fôrça de veto (veto power), sôbre todo o sistema mer-cadológico. Isso nos permite adotar uma posição segundoa qual diminui a margem de contrôle que as emprêsasexercem sôbre a demanda através do uso de artifícios des-

2) THOMAS M. GARRETT, Ethics in Business, Nova Iorque: Sheed, Ward,Inc,1963, pág. 48.

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tinados a alterar a motivação, chegando-se, num estágioposterior, em que a sociedade atinge um nível mais ele-vado de desenvolvimento e conhecimento, a uma reaçãobastante agressiva e negativa por parte dos consumidoresa quaisquer ações não éticas ou não racionais.Podemos afirmar, em última análise, que as dimensõeséticas da Mercadologia devem ser dirigidas em direção aalto grau de coerência com os objetivos da emprêsa e dasociedade como um todo integrado.

DEMANDA E MERCADOLOGIA

Os administradores mercadológicos devem preocupar-secom as possíveis determinantes da demanda - o porquee o como o comprador responde aos esforços feitos no sen-tido de convencê-lo -, com as expectativas do consumi-dor em relação aos produtos, com o que êste espera dasemprêsas no que diz respeito a atitudes e confiança nasinformações recebidas e, finalmente, com o grau de auten-ticidade das mensagens e das comunicações entre a em-prêsa e os seus compradores.Sabemos que com a utilização das técnicas modernas depesquisa as emprêsas podem prever, dentro de certos li-mites, o comportamento do comprador, bem como a quan-tidade de vendas que obterão num período futuro ou emdeterminado mercado. Além disso, entretanto, podemosverificar que essas previsões são seriamente limitadas porfatôres externos não controláveis, dentre os quais podemoscitar a ação competitiva de outras emprêsas.Entretanto, além do simples fato de alcançar um objetivode venda predeterminado, podemos afirmar que existemoutras considerações no que tange ao contrôle e à mani-pulação da demanda. Em tal situação, qual seria o julga-mento dos clientes com relação aos padrões éticos da em-prêsa em questão? Quando esta usa determinados artifí-cios de venda e de propaganda, estaria ela realmente ser-vindo aos objetivos e necessidades reais do mercado? Te-ria a sua influência sôbre a demanda sido ética e racional?

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Como é sabido, a demanda pode ser afetada pela propa-ganda e por fatôres controláveis pela emprêsa. Por outrolado, a demanda pode também estar sujeita a custos mer-cadológicos, preços e outros elementos do sistema de mer-cadização. Melhorias no produto devem ser introduzidascom a finalidade de expandir a demanda, mas muitos com-pradores nem sequer têm noção do que sejam "qualidadesocultas", isto é certas caraterísticas e dimensões funcionaisdo produto que não podem ser percebidas ao primeiro con-tato. Assim sendo, o objetivo da propaganda é tornar pos-sível uma associação mental entre as qualidades dos pro-dutos e as suas respectivas marcas. A honestidade e aautenticidade dessas mensagens é questão de ética e demoralidade por parte dos comerciantes que as controlam.

No conceito dos economistas clássicos as vendas eram sim-ples função inversa dos preços. Mais tarde, essa funçãofoi expressa em têrmos do que se conhece como lei daprocura e que resume as relações preço/venda. 3 É impor-tante mencionar que a Mercadologia, utilizando-se de vá-rios artifícios e instrumentos de análise que lhe foram for-necidos por outras disciplinas, inclusive pelas chamadas"ciências do comportamento", foi capaz de colocar a de-manda sob "parcial contrôle", função que para os econo-mistas clássicos se apresentava como um mecanismo rigi-damente determinado pelos demais elementos componen-tes do universo econômico, tal qual era êste concebido pelopensamento então dominante. 4

3) ALFRED R. OXENFELDT, ManageriaI Marketing, Homewood, Ilinóis: Ri-chard D. Irwin, 1962, pág , 42.

4) "A racionalidade do ser humano, para o economista, implica em que êlepreferirá sempre tomar as decisôes econômicas que tornem maior o seuprazer e que lhe custem o menor esfôrço possível. Assim, como consu-midor, êle escolherá sempre o mais barato entre dois produtos intei-ramente idênticos e o que lhe dê maior satisfação entre dois preços;iguais. Entre dois produtos diferentes e com preços desiguais o consu-midor dará preferência àquele em relação ao qual seja maior s: diferen-ça entre a satisfação de possuí-lo e a insatisfação de pagar o seu preço.Da mesma forma, como produtor, vendedor ou empreendedor, o ser hu-mano tenderá a preferir sempre a alternativa que torne máxima a dife-rença entre a satisfação auferida com a venda de seus produtos e a, in-satisfação provocada por sua obtenção ou produção. Daí dizer-se, pela ex-

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Conseqüentemente, é sabido em nossos dias que as condi-ções do mercado são extremamente diferentes das descri-tas pelos economistas clássicos e que grande quantidadede novos fatôres altera e modifica a escala da demanda.Assim sendo, os estudiosos e administradores práticos queestão envolvidos na execução das atividades mercadológi-cas das emprêsas devem estar atentos quanto a êsses fa-tôres para tratar o problema da expansão da demandanão só em têrmos de preços, mas também levando emconsideração os problemas da cultura em que a emprêsaatue, inclusive no tocante aos padrões éticos, quando setrate de integrar recursos administrativos para competirnum determinado mercado.

ÉTICA E CONSUMO

Se, porém, a emprêsa puder usar artifícios que se afastemdos padrões éticos normalmente aceitos por prazo de tem-po curto, e dessa forma conseguir manter-se no mercado,mesmo quando seus produtos e serviços não sejam da qua-lidade que seria de desejar, é certo que, decorrido maiorlapso, a reação desfavorável dos consumidores se fará sen-tir. Em virtude disso, os concorrentes podem utilizar-sede instrumentos de propaganda e de comunicações que lhespossibilitem informar o mercado a respeito de tôdas asqualidades e vantagens de seus produtos, em oposição àsinformações incorretas da emprêsa aqui considerada. Comoconseqüência, a médio e a longo prazos as reações dos con-sumidores tornar-se-ão efetivas e as vendas dessa emprêsaque opera fora dos padrões normalmente aceitos princi-piarão a declinar.

Cremos também que numa economia desenvolvida, ondehaja abundância de bens e serviços e onde a renda dispo-nível seja elevada e eqüitativamente distribuída entre a

pressão da primeira em receita e da segunda em custos, que o empre-endedor procura tornar máximos os seus lucros." - GUSTAVO DE SÁ ESILVA, Compêndio de Administração Mercadológica, a ser publicado pelaFr.trKhção Getúlio VarRas, capítulo sôbre"Determinação de Preços", pág. 4.

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população, acabe por estabelecer-se uma tendência para aracionalização e a sofisticação do consumo.

O consumidor, tendo acesso a um número muito grandede locais de compra e com possibilidade de escolher entregrande número de produtos, não admite a possibilidade deser objeto de enganos em sua atividade de compra. Nessecaso a situação do consumidor frustrado coloca-o numaposição em que êle se torna fonte de informações negati-vas no que diz respeito à emprêsa e aos produtos por elaproduzidos.Ainda dentro dêsse conceito, podemos afirmar que os exe-cutivos não devem padronizar suas ações apenas dentro doslimites da lei ou dos regulamentos. Êles têm de levar emconsideração, também, as implicações sôbre o bem-estareconômico-social, que será a conseqüência de suas açõesadministrativas. De muitas maneiras recebe o consumidorinformações sôbre o mercado, sôbre os produtos e sôbreos vendedores. Essas informações e suas respectivas fon-tes são pràticamente ilimitadas. 3 Sabe-se, também; que areação dos consumidores criou, em alguns casos, socieda-des com o objetivo principal de proteger suas economiase fornecer dados sôbre a atitude geral das emprêsas notrato de seus clientes. 6

Em nosso meio podemos citar o fato de que as associaçõesde classe e aquelas do tipo do Movimento de Arregimen-tação feminina (MAF ) alertam os seus associados arespeito dos padrões éticos das emprêsas fornecedoras deprodutos de consumo ou de bens industriais.

O consumidor mais avisado pode tornar difícil a ação ad-ministrativa dos vendedores menos preocupados com ques-tões de Ética. Pode, além disso, comprar daqueles quea priori tentaram, através de suas ofertas no mercado,

5) JOHN A. HOWARD, Marketing Management, Homewood, Ilinóis: RichardD. IRWIN, 1963, pág , 388.

6) Ítsses serviços são explicados por EUGENE BEEM e JOHN S. EWINGno artigo "Business Appreise» Consumer T'esting Agencies", da HarvardBusiness Review, Vol. XXXII, n.? 2, 1954.

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oferecer produtos realmente compatíveis com as suas ne-cessidades. 7

Todos êsses fatos são indicativos de que o consumidortem aberto para si novos horizontes em têrrnos de direitose podêres econômicos, em relação à posição outrora ocupa-da pelos vendedores.

CRÍTICA À ATIVIDADE EMPRESÁRIA

É natural que em qualquer grupo ou sociedade humanaonde um pequeno segmento atinja posição de proeminên-cia haja crítica e pressão sociais dirigidas contra êsse seg-mento da sociedade.Embora no passado as ernprêsas freqüentemente tenhamdeixado de seguir muitos dos princípios hoje vigentes naprática dos negócios, principalmente no que diz respeitoà qualidade do produto el à focalização de suas atividadessôbre a figura do consumidor, em nossos dias, especial-mente nos países desenvolvidos, o progresso dessa mesmaatividade empresária acabou por forçar as ernprêsas a de-dicarem mais atenção ao consumidor. Atualmente a crí-tica à atividade empresária dirige-se contra as ati-vidades de mercadização e, mais especificamente, contraos elementos do "composto promocional", no sentido deque a mercadizaçâo tenderia a conferir ao consumo umcaráter não ético, violentando a liberdade do consumidore manipulando sua capacidade de esc:olha e decisão paralevá-lo a consumir os produtos que as emprêsas queremsejam consumidos. Tal crítica constitui o leit-motive doslivros de VANCEPACKARDe, num nível indiscutivelmentemais alto, de TOYNBEE,que vêem na procura desenfreadade bens de consumo, a que induzem os esforços promocio-nais das ernprêsas, uma forma de desperdício de energiase recursos humanos que poderiam ser encaminhados nabusca e consecução de objetivos mais elevados. Claro está,a crítica de TOYNBEE,FROMM e outras pessoas que se

7) VANCE PACKARD, The Hidâen Persueders, Nova Iorque: Pocket Books,Inc., 1963, pág. 223.

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colocam na mesma perspectiva, baseia-se em valôres éti-cos estranhos à problematicidade econômica e que neces-sitariam ser reavaliados em face da nova fenomenologiaeconômica dos países desenvolvidos, mormente dos Es-tados Unidos da América.Além de PACKARD e TOYNBEE, acrescentaríamos à nossalista de críticos JOHN K. GALBRAITH e, a fim de tornarnossa análise mais metódica e objetiva, passaremos a expore criticar o pensamento de cada um dos autores.

• VANCE PACKARD, autor de livros bastante agressivosquanto às ações da mercadização sôbre a demanda, é talvezo crítico mais conhecido no Brasil e nos EUA. Suas obrasforam muito divulgadas e o seu estilo jornalístico e vivotorna a leitura sobremaneira agradável e as suas idéias fà-cilmente inteligíveis. Dentre seus livros destacam-se: TheHidden Persuaders (traduzido em português sob o título"A Arte de Convencer"), The Status Seekets e The WasteMakers.PACKARD critica a sociedade capitalista norte-americanae também o mundo ocidental como objeto das ambiçõesdesmedidas das emprêsas. Ao mesmo tempo, afirma queessas sociedades foram conquistadas por "persuasores ocul-tos", classificando-as de "economias de desperdício", nasquais o povo adquire mais do que o necessário. Mencionadois fatôres que considera de extrema gravidade para oneocapitalismo: (a) o de haver completa sujeição do com-prador aos efeitos da propaganda e (b} o de a produçãoatualmente demonstrar baixo padrão de qualidade por es-tarem os vendedores desejosos, tão-somente, de vendergrandes quantidades, motivo por que teriam passado a in-troduzir Iatôres de obsoletismo planejado, fazendo com quea utilidade do produto se deteriore ràpidamente, a fim deque haja novas oportunidades de venda.VANCE PACKARD inicia seu livro The Waste Mekers comuma descrição do que êle considera "A Cidade do Futuro"(Cornucópia), na qual todos os prédios seriam feitos deum papel especial a fim de que fôssem remodelados em

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cada primavera ou outono. 8 Os carros dessa cidade seriamfabricados de um plástico bastante leve, que desenvolve-ria a fadiga e começaria a fundir-se depois de o automóvelrodar mais de 6.000 quilômetros. 9

PACKARDconhece bastante as operações e os produtos dascompanhias americanas, o que faz com que muitos dos seusexemplos pareçam corretos e conclusivos à primeira vista.Entretanto, suas afirmativas não resistem a uma análisemais detida. Para êle a "pesquisa motivacional" tem comoúnico objetivo o domínio do consumidor. Êste, segundoPACKARDé, "em princípio", ignorante e impulsivo no seucomportamento de compra. Para o autor as agências depropaganda e as emprêsas manufatureiras e fornecedorasde serviços estão imbuídas de fundamental "má-fé" e nãovêem outro objetivo a não ser o lucro. Chega a afirmarque o consumidor norte-americano compra 50% a maisdo que realmente necessita, e que os responsáveis por taldesperdício são aquêles que estão transformando os sêreshumanos em criaturas cada vez mais pródigas, com neces-sidades de consumo superiores ao que naturalmente se de-veria esperar dos sêres humanos. 10 As emprêsas usariamnove estratégias básicas a fim de aumentar o consumo, den-tre as quais o espírito de desperdício, o obsoletismo pla-nejado e a dificuldade no reparo e na manutenção dosnovos produtos.

A nosso ver, PACKARDadotou uma posição extremada,chegando à conclusão de que todos os consumidores sãodotados de mentalidade infantil e que, além disso, nãoexistindo leis e regulamentos, as atividades econômicas setornariam absolutamente "livres", e tudo seria fàcilmenteaceito.

Entretanto, não é isso o que ocorre na realidade. Alémdisso, segundo o autor, as emprêsas poderiam fazer o quequisessem, sem restrição, e os competidores seriam abso-

, I8) VANCE PACKARD, The Waste Makers, Nova Iorque: Pooket Books,

Inc., 1963, pág. :$.~) Idem, ibidem, pág. 4

10') Idem, ibidem, pág. 28.

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lutamente inoperantes. PACKARDesquece que os reflexoseconômicos do ambiente por êle imaginado levariam a eco-nornia de um país a um colapso total dentro de poucotempo.

Em oposição à "Cornucópia", pode-se imaginar outra cida-de do futuro, que chamaríamos de "Ferro Velho" ou "Poei-renta", onde haveria carros com tais aperfeiçoamentostécnicos que permitissem velocidades máximas de apenas30 quilômetros horários ... (Note-se que o escritor apre-senta uma posição extremamente conservadora relação àsinovações técnicas.)

• O segundo autor que critica a atual posição das em-prêsas capitalistas e as suas operações de mercadização éARNOLDTOYNBEE,historiador inglês que, proferindo umaconferência em Williamsburg, na Virgínia, em 1961,fêz inúmeras restrições às atitudes e práticas capitalistasde negócios, principalmente no que se relaciona com osaspectos éticos e religiosos do problema. Um ponto básicode seu pronunciamento é transcrito a seguir: "No Hemis-fério Ocidental, nos dias de hoje, o papel da tentação édesempenhado por tudo aquilo que costumamos resumirsob o nome de Madison Avenue. Parte considerável denossas habilidades, energia e tempo material está sendoaplicada para induzir-nos a encontrar dinheiro a fim decomprar bens que nunca imaginaríamos possuir ... " 11

De acôrdo com TOYNBEE,a atividade propagandísticatambém não é econômicamente justificável: "Uma econo-mia que depende, para sua sobrevivência, de estímulos ar-tificiais de desejos materiais parece estar fadada a nãosobreviver por muito tempo?",

As críticas de TOYNBEEsão antiquadas, principalmenteporque êsse autor parece não reconhecer o estágio de pro-gresso alcançado pelos Estados Unidos da América e porcertas áreas nas quais o desenvolvimento econômico atin-

11) ARNOLD J. TOYNBEE, The Continuing ElJect of American Revolution,conferência em Williamsburg, Virgínia, junho de 1961.

12) TOYNBEE, op, cito

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giu grau mais avançado. Ora, como se sabe, o consumo éo principal responsável pela riqueza e pelo progresso dasnações capitalistas. Todo o sistema capitalista está basea-do em premissas segundo as quais o bem-estar econômicodeve ser atingido. Alguns traços - chamados por ToYN-BEEde "materialistas" - da sociedade moderna não pode-riam ser modificados, pelo menos num breve espaço detempo. De qualquer modo, não nos aventuraremos no ar-riscado terreno da profecia, mas acreditamos que a avidezpor bens materiais é um dos traços caraterísticos do nos-so tempo, e uma humanidade que busca, por todos osmeios, o aumento de sua riqueza econômica terá de pre-terir, inevitàvelmente, a busca de outros objetivos.

Não sabemos se algum dia a humanidade voltará a bus-car os mesmos elementos "espirituais" de que nos falaTOYNBEE.Mas, o que julgamos inevitável é a mudançados padrões éticos de uma sociedade voltada para o desen-volvimento econômico e que abandonou os valôres queenfatizavam outros elementos. Sabemos que no planoteórico não existe conflito entre a consecução dos objeti-vos do desenvolvimento e a dos objetivos chamados "es-pirituais", mas por enquanto não se conhece exemplo denenhuma sociedade que, tendo entrado pela senda da bus-ca do acúmulo de bens econômicos, tenha, ao mesmo tem-po, mantido o mesmo empenho na busca de bens nãomensuráveis econômicamente. O que a História nos indicaé que a procura do desenvolvimento tem funcionado comoelemento catalizador de tôdas as energias humanas. E, seopção tivesse de ser feita, in extremis, entre a realizaçãoeconômica e o que TOYNBEEchamaria de "realizaçãoespiritual", não há dúvida de que a escolha recairia naprimeira alternativa. Ao enveredar pela senda do desen-volvimento e ao adquirir bens e serviços que criam umasociedade com hábitos e valôres bastante diversos dos exis-tentes há séculos, não cremos estejamos agindo imoralmen-te; estamo-nos apenas dirigindo para outros caminhos,com a conseqüente reformulação dos padrões éticos vigen-tes. De que tal movimento implique riscos, não há a menor

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dúvida. A humanidade, porém, sempre abandonou siste-mas éticos e religiosos consolidados para adotar outros, eo risco é inerente a tôda a atividade humana.

Acreditamos que, se reduzíssemos a aplicação de recur-sos e esforços tendentes a aumentar os níveis de consumo,tal atitude poderia conduzir a economia a uma posição deestagnação, que seria extremamente perigosa e oposta aosobjetivos do desenvolvimento econômico. Evidentemente,no estágio de desenvolvimento em que se encontra o Bra-sil torna-se necessário o atendimento dos desejos primá-rios de consumo, com restrição do "consumo supérfluo".Entretanto, êsse complexo situacional não invalida a tesede que o consumo precise ser incentivado, e de que so-mente atingiremos fases mais avançadas de desenvolvi-mento econômico quando tivermos eliminado as áreas desubconsumo. Dessa maneira, podemos notar que a ativi-dade mercadológica, orientada para a expansão do consu-mo e a elevação dos níveis de renda, encontra, a nosso ver,apoio ético e racional quando analisada pragmàticamente.

• Outro autor que gostaríamos de comentar é JOHN K.GALBRAITH, autor do já clássico The Affluent Society.Dentre os três autores cujas teses nos propusemos a ana-lisar no decorrer dêste artigo, GALBRAITH parece-nos oque apresenta mais sólida argumentação contra os peri-gos de uma "economia de consumidores". Êle não se detémna análise do que possa ser eticamente necessário ou des-necessário, correto ou incorreto, no exercício da atividadeeconômica. Preocupa-se, simplesmente, com os efeitos -a longo prazo, para a segurança nacional e para a sobre-vivência de uma nação, ou de um grupo de nações - deuma economia bàsicamente orientada em direção aos bensde consumo.Não há dúvida de que tudo poderá ser objeto de críticana economia norte-americana, menos a satisfação do con-sumidor. E a satisfação do consumidor foi realizada graçasao desenvolvimento das atividades de mercadização e pelaorientação "mercadológica" das emprêsas norte-america-

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nas. Porém, quando em 1957 a URSS lançou o primeirosatélite artificial da terra ao espaço GALBRAITH comentouirônicamente que o único grande feito norte-americanofôra o lançamento de uma linha "revolucionária" de auto-móveis, dentre os quais apenas o "Edsel" da Ford fôraesteticamente aceito pelo mercado. Em 1957 a lacuna en-tre o produto nacional bruto soviético e o norte-americanodavam ampla margem de tranqüilidade para os observa-dores norte-americanos acreditarem que tal proeza espacialnão poderia ser realizada pelos soviéticos porque o seuPNB ainda era muito pequeno. Porém, a "arrancada" es-pacial soviética mostrou que a concentração de esforçospermitiu uma façanha sem precedentes, a despeito de umamenor riqueza nacional.

Segundo GALBRAITH, é necessário controlar os esforços deuma economia dirigida exclusivamente para o consumi-dor. Relembra-nos o autor que as emprêsas nada fizerampelo desenvolvimento da energia atômica, pelo simplesfato de que a sua aplicação comercial era e ainda é dotadade muito poucas perspectivas de lucro. A General Motorssempre se interessou àvidamente por tudo o que diz res-peito a transporte nos mares, na terra e no ar. A despeitodisso, a grande emprêsa nunca empregou seus amplos re-cursos de "pesquisa e desenvolvimento" para cuidar dotransporte espacial.

Em conclusão, diz GALBRAITH que uma economia voltadafundamentalmente para o consumidor correria o risco deestagnação tecnológica, porque a produção e a produtivi-dade deixariam de constituir o fulcro das preocupaçõeseconômicas. 13

Dentre os três autores analisados acreditamos ser GAL-BRAITH o que apresenta os argumentos mais impessoais emais técnicos com relação a atitudes não racionais daseconomias de mercado, sem todavia tratar do problemada eticidade dessas atividades econômicas.

I

13) JOHN K. GALBRAITH, The Ali1uent Society, Nova Iorque: Mentor Book,1963, pág. 119.

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Concordamos com êle quando afirma que uma economiaque orientasse os seus recursos puramente em direção àsatisfação do consumo correria o risco de criar grupos cadavez mais ricos, que se apoiariam na pobreza e na fome debilhões de sêres humanos.

MODÊLO PROPOSTO

As análises que têm sido usadas pelos homens de emprêsapara avaliar seus próprios padrões éticos e suas ativida-des têm sido falhas. Não utilizaram êsses empresários osconhecimentos mais avançados dos economistas, dos teóri-cos de Administração e dos demais cientistas sociais paraformar um quadro básico de referência destinado a avaliarseus conceitos e seus desempenhos.

Por essa razão, nossa discussão 'tenta explicar os dilemasdêsse campo controvertido dos estudos mercadológicos.

Pensamos, entretanto, que a discussão a respeito dêsseproblema possa tornar-se mais clara e revestir-se de cará-ter mais prático se introduzirmos um modêlo que procureesquematizar as ações das emprêsas no sentido de julgara oportunidade mercadológica, a fôrça de competição e' anecessidade de tornar suas ofertas compatíveis com os de-sejos e os padrões do consumidor. Por outro lado, pro-curamos visualizar o consumidor e seus problemas quandoage no mercado.Com essa intenção desenvolvemos um modêlo básico (v.Figura Única), que procura demonstrar como os aspectosbásicos e éticos da demanda são produto da interação entrea emprêsa e seus clientes. Nesse modêlo podemos delinearduas regiões principais:

A) Na "esquerda baixa" do modêlo colocamos a emprê-sa e seus esforços administrativos, seu composto de pro-dutos e serviços, e os ajustamentos à competição; todosêsses fatôres podem ser analisados não só em têrmos mer-cadológicos, mas também em função dos princípios e dasatitudes éticas da emprêsa. Todos êsses tópicos são colo-

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cados na área inferior à curva de demanda, fato êsse queprocura visualizar a caraterística segundo a qual nessecontexto a emprêsa se esteja confrontando com fatôrescontroláveis e não controláveis. Consideraríamos fatôrescontroláveis pela emprêsa o produto, o local e os preços;fatôres não controláveis seriam as inovações por parte doscompetidores, o esfôrço promocional dos competidores, asmodificações introduzidas na estrutura de distribuição, amodificação do ordenamento jurídico e o aumento doscustos dos fatôres de produção.B) Na "direita alta" colocamos o consumidor e suasações no mercado durante três estágios que consideramosrelevantes, ou seja, o estágio de preaquisição, o estágio deescolha e o estágio de compra. Em tôda essa área o con-sumidor pode realizar julgamentos e ações que estão sobo seu contrôle, Entre o domínio do consumidor e a áreade atividade das emprêsas colocamos as expectativas deatitudes do consumidor quanto aos padrões éticos dasemprêsas.Êsse modêlo, que tem caraterísticas precisas quanto à suadinâmica, não padece, a nosso ver, de falhas no que dizrespeito à abstração necessária a êsse instrumento de aná-lise, porque constitui representação bastante aproximadadas ações das emprêsas e do consumidor ao longo da fun-ção de demanda.

UTILIZAÇÃO RACIONAL DA FÔRÇA DE MERCADIZAÇÃO

Acreditamos que na hierarquia de valôres de nossa cul-tura ocidental o ético e o racional se coadunem. Acredita-mos, outrossim, que as emprêsas podem abordar proble-mas competitivos com relação à demanda como fatos reaisda maior importância, porque nesse contexto estão lidan-do com problemas de sua sobrevivência e do bem-estarsocial.

A posição tomada pelas emprêsas no que diz respeito aosproblemas éticos da demanda pode ser fàcilmente colocadaem bases racionais, desde que se aceite o pressuposto, apon-

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tado acima, de que qualquer atitude não ética será tam-bem não racional. Portanto, aquêles que vendem nãopodem assumir atitudes de extrema avidez sem correr orisco de quem age fora dos quadros da racionalidade ine-rente à atividade econômica. As emprêsas também nãopodem pensar que os reflexos e os malefícios de suas ativi-dades não éticas sejam dirigidos somente ao público, poisa emprêsa e a sociedade não podem ser separadas, umavez que as operações econômicas são sempre resultado últi-mo da interação com um público que só mantém sua ca-pacidade de compra quando as ernprêsas, mediante atitu-des adequadas, mantêm a distribuição eqüitativa de seusrecursos e do seu capital.

Não podemos entender uma economia em fase de desen-volvimento sem propaganda, sem a reposição de produtosvelhos por novos, mas também não podemos aceitar quea competição permita atividades não éticas por parte deum pequeno número de emprêsas. Não é racional, da mes-ma forma, forçar o consumidor a agir como autômato e,supor que êle possa ser controlado à distância através doesfôrço promocional. Tal atitude careceria de coerênciae seria não ética.

A propaganda pode ser utilizada de forma racional, comomeio de informação, como fôrça de aceleração do cicloeconômico e como fator destinado a inter-relacionar e me-lhorar os critérios básicos de escolha. Nessa mesma linhadé raciocínio, as atitudes e o comportamento das emprê-sas, em meio a um regime capitalista, podem ser dirigidasao objetivo comum do bem-estar social resultante do de ...senvolvimento econômico.

No sistema capítalista a responsabilidade primordial dequalquer emprêsa é operar com lucros. Logo a seguir,surge a necessidade de crescimento. A emprêsa é o órgãocriador e produtor de riquezas da sociedade.r'" Um dosgrandes desafios à atividade mercadológica é manter os

14) PETER DRUCKER, The Practice 01 Management,' Nova Iorque: Herperanel Brothers, 1954, pág. 17;

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recursos criadores de riquezas intatos e realizar lucros, semcolocar em risco a atividade econômica e o bem-estar so-cial. Se as emprêsas adotarem atitudes não éticas, elasestarão agindo de forma não racional, pois o seu cresci-mento e o desenvolvimento econômicos estarão prejudica-dos. Embora o conflito entre interêsses particulares e pú-blicos seja ainda uma constante no conflito do comporta-mento humano, as atividades de mercadização devem seranalisadas e realizadas de modo que autênticamente sa-tisfaçam a demanda do mercado, a custos baixos, comaumento da qualidade e com objetivos de desenvolvi-mento econômico por prazo indeterminado.

Hoje a racionalidade no desempenho mercadológico é con-dição de sobrevivência da emprêsa e fator constante deuma economia que se destine a satisfazer as necessidadesdo homem, e nesse campo não se toleram posições nãoéticas.

Acreditamos que o mercado brasileiro, há cêrca de doisanos, tende a adotar um comportamento mais ético, por-que mais racional, simplesmente porque o avanço tecno-lógico, a competição e a habilidade no analisar o que écorreto e o que é incorreto estão aumentando em nossosmercados. O velho comerciante ladino e oportunista serásubstituído por experientes homens de mercado e assessô-res econômicos. Essa tendência far-se-á notar principal-mente no que diz respeito à filosofia do lucro, que acen-tuará as necessidades de mercadização em massa com re-dução de custos e menores margens de lucro.

Como já afirmamos, a administração mercadológica trataespecificamente das influências e dos fatôres que alteramas caraterísticas da demanda, a qual, por sua vez, refleteo julgamento dos consumidores. Nada nos pode convencerde que o consumidor brasileiro haja de aceitar, por períodomuito longo, atividades mercadológicas não conformes àÉtica e que a nossa economia possa desenvolver-se semque se adotem atitudes éticas e racionais no trato dosprocessos de venda e distribuição.